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Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org
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Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org

'. Plinio , Ayrosa


• Fizeram-se
-
../

- desta obra. dois


mi\ exemplares numerados.

'

' ,

,

... • up1 •

' •

·~

00554 Ed. ·cfédlcada ao Centro


do Professorado Paulista 1933
,


\


f
I

E' uma ·bellâ iniciativa a que se


está fazendo em São Paulo, com a
criação de um curso d~ lingua t'J"pi-
DO MESMO AUTôR:
guarani, o primeiro sem duvida q~e
'
' terá o. Brasil.
No prelo:
l ' Ha muito,1~e1npo, n~u11'w "Memo-
' . '• '

Picciol\ario Brasilia'n o·Portuguez e Poriuguez-Br a,s'iliano. ria" para() Colleg,io Pedrot 11 (e ,da
(Publicação comm~ntada de manuscriptô-$ inéditos 1
q,uat não tenho exemplar) pedi e
da Bibliotheca Nacional). , ' encareci a necessidade <[e tt:mª ça··
âeira da lingua indigena mais i1n.-
Em preparQ: portante que se f allou no Brasil.
N ingU{3m nz,e ouviu.
Termos de origem tupi na linguagem popular do Brasil.
SãQ Paulo ignora naturalmente
(Contribuição aos Diccionarios da Lingua Portu- 1
essa inutil iniciativa sem exito.
·g ueza). ,
Alegro-me por_ vel-a realisàda na
Os suffixos tupis.
terra que, melhor cuidç, da educação
' ' nacional.
I

\
... ' ' JOÃO RIBÊIRO .

'
(Do "O Estado de S. Paitlo" de 1-9-3~)
·.
,. '

I ......
'

'
'
,

PARA O LEITOR.

. Estas despretenciosas palestras sobre a


lingua tupi, d.estinavani-se exclusiYamente ao
ambiente acolhedor do Centro do Professora-
do Paulista, e prete.ndiam apenas chamar a at-
tenção d.e nossos professores, par_çr, a necessi-
dade do. estudo da lingufJt qu~ deu á nossa g~o­
graphict, flora e fauna, enorme crrntinge_nte. de
- ..
~%pressoes mteressantis.Sllmas. .
Por se.r muito alto, porêm, q_ índice· d·e ~ ,,'. •.
. ~ """
cultura dos professor,es_ p_aulistas, ·tiverani ·~ ,) .',íi ·
' '
, 1zo~sas pret~cgões u'}Jta rep'er~,µ,ssãq. qu~ '· jamais , ',
' imagin~ramorr. Foram. ell'as. .integralmente pu ,,~
4 . ••. , , . .•

' . . '"·""'·'"'
blicadas pelçi jornal official do_· Estado, e' me-
riecera'11'i das mai.t longinqu,as cidad~ do! inte-
rior . applaus.os t:ealniJente e:ccessivüs. ·

'

''
'


Diante das ,solicitações ~e innumeros ou-
vintes, e das consultas dos leitores do "Jornal
do Estado", sobre si o_ texto alli impresso es.-
tava e..xacto .e. completo., resolvenio'S reunir es-
tas prelecções em volume. Corrigimos agó;a os
erros inevitaveis n'uma folha diaria, e junta-
mos um vocabulario: ~e exemplqs, para escla-
. .
r;ecer çi parte gra·
m
'
matical. ~ ,
"'\

. / '
Prelecções eleme1J;tarissim.as
. J
nada
• . ,
têm de . EMFIM ...
e
novo para os tupinólogos; são ·apençi,,s a artilha
da. lingua. Não alteramos a f eicçãp de ·confe..
1
1

· rencias, um tanto literariç,, porque notámos que


foi esse aspecto um dos f acto-11$. que, concor- Emfitn, após 93 annos, realisa-se em partli o sonho
reram para o agrado. geral. do maior historiador paulista, Franciséo Adolpho ele
Que outros,, com mais proficiencia, con- Varnhagen.
cluam a óbra qu.e inicianws apenas com en- Foi em agosto tambem, e·m 1840, que esse homem
thusiasmo.
I
f ormidavel propôz, depois de longas considerações sá-
bias e justas, que se pedisse com irrsistencja, e com ur-
gencia, ao ·G-Overno Imperial, a criação de cadeiras de
.lingua tupi.
· Demonstrou, propôz, pediu, ,quasi .implorou. mas o
GoY,í'erno· Imperial não ouviu, não .~ttertdet.l, não cri9u ... .
Narnhagen, sabio, ficóu. de'. um lado,. ~ o Goverp.o·, po~
1

Üet0?0 ficou 'de outro. E ~o meio ~ós doís, o pwo que


1
1 ,

"queria ap; ender, e um idioma . que não queria morrer .



Mas o ten1po :pa.'ssou. Varnhagen mot1reu, o Impe-
l rio cahiu ..• . ~ a Republica n·asceu, e governa~tes subi-
I

1
. '
10 PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI 11
. , .
ram, ie novos Varnhagens vieram.,!. e tudo ficou como uma lingua extranha. que a gente ouve dizer que e mui-
<lantes: os sabios de um lado, e os poderosos de outro. to dif f icil, mas que a gente tambem quasi adivinha que
,Si sempre fôra assin1, porque se 111ão havia de <;S- é bonita, talvez por saber que' já foi nossa.··
p~rar qu~ assi~ continuas~<:~ ser. E continuou. Mas já E assim, como em tempos idos se reuniam nos pa-
nao continuara, desde hoJe, sem uma excepção feliz a ços reaes os pl"incipes ide pról em armas e cultura, as
princezas esbeltas e elegantes, senhores brâzo~d~s, gen-
• •
pasm~celr1a centenar1a; já se não dirá que é!· gente t;ova .1
de Sao Paulo, da antiga gente do Brasil desdenha e ol- te toda f·idalga e culta, para ouvir um cam1nhe1ro que
vida . . Houve' alguem, d•e' largo .:idescortinio mental. de no alforge modesto trazia, á:& vezes, gemmas raras do
profµnda, visão ,patríoti'.c.a, que ouviu, que acalent~u o
1
·oriente e contava, •em termos ru<les; lendas ' antigas ide
sonho, que se propô~ realisal-o, que o -r-ealisa, tom es- pÓVios de outras 1ban·das, assim vôs reun'ís taro.bem, num
panto do sot1hador e com surpreza de seus patricios. movimento de bondade curiosa, para.. ouvir complacen-
Quando se fallava, ha annos,' em ensinar duas pa- temente o caminheiro que chegou, ·que não conheceis, e
lavras de tupi, os propr ios 1e'studiosos ·do tupi, sorria1n ;1
1 que traz apenas, para distrair as vossas horas de lazer,
mas quando eu f allei a Sud Mennucci da. possibilidade n-oticias pouco sabidas do povo e <la lingua tupis.
<le um curso, embóra abbreviado, elle não sorriu, elle Não duvideis de seu relato. Tudo quanto ell«~ vôs
não titubeou, elle não se envolveu em phrasies amaveis !dissér, foi lido nos livros grandes dos registros histori-
e negativas. Elle a-penas disse, e textualmente, que era cos. Nada augmentou ou diminÜiu; por entre as pai- ·
minha obrigação realisai-o. 'Essa no.breza de atitude, xões <le uns e as vaidades de outros, traçou o seu ca-
essa resolução rapida e fecunda, e :esse .poder notavel minho, tão recto e tão plano quanto pôd'e e quiz.
de pertepção etn assumpto que lhe. réra extranho, .trot1- Si o rumo 11em sempre o levou aonde os outros ca-
xeram-me até aqui~ ie aqui estou, não para ensinar, tt).ão minheiros ·queriam que .o levasse, culP:a delle não é, e
~:ra. fazer obra ?ova, não, par~ ex'bib,i r ,erudição ~que se
·nem da róta, mas delles, qu•e de~le· e. <lêl}a ·a·Í.astar:am. . ("'
"nao tenho, não pata ~vôs · maraV:ilhar com bolhâs <le sa-' bos . que esctieveram• 'as chronicàs
'
aos Íivr{)s,
'
,: não'·
.
. ~ (; .·.~ .;a
!i"~i
·
.b~, que se enchem coin 1sopr~ alheio, não· pa~a me en,.. ·h á citar os· nomes, e nem o'S trechos, p.0.rque··de nenhum. '
va1deeer, ma:s para t~cordar, 1 par.a suggerir, para con.. · adoptou as ideias toths e os 1?receitos, sin~· ~e todos
versar tonvosco~ sobre :um Po'\TD que viveu outr'ora; f'ez a obra que relata.
11u1nas florestas muito grandes e perigosas, que fa.llava E, óra ahi está, como pretendo iniciá.r estâs pales-
'


:t.
12 PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI
I ,

tras: com muita modestia, com muita sinceridade, com


• ·muito respeit o ás licções dos mestres e, sobretudo, com PRIMEIRA PALESTRA
muita certeza de merecer a vossa attenção.
Emfim, após 93 annos, em agosto tambem, 1t10 Cen- •
tro 'do Professorado Paulista, por iniciativa de Sud
Mennuéci, vae-sei realizar, .e m parte, o sonho doura1d o
,de V·arnhagen, o maior historiador paulista.
' •

Os habl:'tant.ea elo Brasil em 1500. lJzos~ eostum.es e · llnguas.


Colonisadores e cntllech1:11tas. Claaslfic~:O da3
' trlbus.
. A
Ungun ger~l. A:n.ttJPn• de]\omlnaç~s tupu. ExemplOJt.

HABITANTES DO BRASIL

Em 1500, quando os portuguezes tomaram conta


<las terras sul-americanas que o pacto de Tor·desilhas
lh•es poz ás mãos, estavam todas ellas occupadas por in~
numeras tribus ·selvagens.
Isso verific~ram desde .logo os conquistadores, pois
1

em, todos os pontos · do litoral em que a-portavam para


1

esca1nbo, pat1a refresco ,P.~s ª1áus ou para actos ·de pósse, ·


encontravam sempre o ~ncol<~, brasilico, assustadiço e
' generoso.
Puderam mais constatar que, entre os diversos
\
centros de população indígena, havia sensível djf feren- .
P~IMEIRAS NOÇÕES DE TUPI 15
14 PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI

ainda hoje, passados 400 annos, está em grande parte


ça de habitas, pequenas <livergencias nas línguas, e leves
abandonado e i~hospito. ·
variações no aspect·o physico ·dos indivíduos.
1 ,
Mas :a o colonisador e aos estudiosos devertia ter
Em conjunto, 1porêm, nun1a visã-o panoramica, esses occorrido uma pergunta, aliás muito natural, e que até
·detalhes se diluíam, e apparecia. q hómem brasil·ei- ·h oje não pôde ser respondida: de ond·~ teria vindo essa
ro com sua·s caracte'risticas raciaes uniformes, com sua gente de pelle acobreada, de olhos mongoii·ccrs, fórte de
cultura rudimentar ide:ntica .p or toda a faixa litorana, corpo e ingenua de alma? Disseram alguns que das alti-
e com suas linguq.s e dialectos rasoavelmente asseme- planuras dos And•es, outros da Asia, outros das 11has
lhaveis. da Polynesia, e outros; 1de outra:s. regiões. Puras suppo-
A's florestas, ao volume dos rios e á sua pi'scosi- sições, sem valor scienti fico· algum.
dade, ao regimen das chuvas, ás var'iações de tempera- Tivessen1 os incolas bra,silicos provindo <le anti-
tura, á presença de campos ou <le 1n'ontanhas, deviam guíssimo tronco hum.ano, cujas raizes se firmassem
ser attribuidas aquellas dif ferentes modalidades, nota- neste ou naquelle continente, nesta ou naquella ilha ocea-
das pelos prim,eiros obseirvadores. nica, ou fossem autochtones, a verdade é que na época
Mesmo quanto ás línguas, não eram tantas quan· da descoberta aqui se achavam. inteiramente adaptad~:is
á terra, fallando línguas diversas das velhas línguas ~tt'--
tas se suppoz naquelles tempos'. Eram <l:ifferen@·s ,. dia-
lectaes caus~:das pela separaÇaq dos grupos htimanos~
'
ropéas ou :asiaticas, sem tradição alguma. que permit-"
.
distanciados uns <lO's outr;os por centenas de leguas 1~ tisse um raio de· luz nas sombra,s de seu passado longín-
por ·espaço de longuissimos annos. quo.
Povoando, embóra, quasi toda a costa do Brasil, e
o seu .sertã{) interior, éra .escas·sissima a população in- UZOS E COSTU·MES
digeµ.a. na época da desoob~rta., relativamente á ~ormi­ .
davel extensão territorial <lo paiz.
1 •
Homens de cuJ1:ura ru,din1entar, não podiam ter
Não se compunha ella .de .m ais ·de alguns poucos
1
uzos ,e costtunes sinão rudimentares. Havendo
, já atra-
milhões ·d e creaturas. Considerando-se que no litoral se vessado o period;o da pedra lascada, parece, estacioná-
concentrava grande massa dos habitantes, é facil ima- ram no período da pedra polida; havendo S·i<lo em ou-
ginar o qu·~ seria ·o sertão, -esse phantastico sertão que tras épocas apenas caçadores e pescadores, inão se dedi-



,., PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI 17
16 PRIMEI~AS NOÇOES DE TUPI
exigir grandes esfórços ou caminhadas, não se trans-
caram ao pastoreio, passando á terceira phase da evo- portavam para outras bandas.
lução para o progresso, a agricultura. E não foram pas- Plantavam o milho, o cará, a batata e a mandioca
tores porque não havia no paiz animal algum que pas- na pro~rção somente das nec~ssidades, como para pro-
torear; não se encontravam aqui o boi, o carneiro e o vill}ento subsidiaria á alin1entação da tribu.
cavallo, e nem a lhama ~ :nem a vicunha. :Conhecendo o fogo, delle uzavam em todos os mul-
·Contrariando, as nórmas cíassicas, dedicavam-se
1
tiplos aspectos da vida, óra pa,r-a supprir ~ falta tde ins-
concomitantemente á caça: e pesca e á agricultura, por- tru·m,entos na fabricação <le canôas ou no preparo da.s
qu·e 0s rios e as .florestas (!f:arn ~a:~undantes, e porque a " , roc;as, óra para aquecimento ou preparo da carne :do$
'terr.a era 1p roductiva e vasta~ ,peixes· e de outros animaes. ·
1

O. ambiente ob~igava-os a: proceder assim, ·e assit11 Quando a ciyilisação européa interrompeu brusca."4
procediam pelos annos em f óra, gastando a vida na ru- IlJ.ente a ·s ua marcha, talvez nlillenar, par.a o progresso
deza de seus mistéres primitiv9s e na formosa alegria ou para o barbarismo, conheciam tambem rudimentos
de sua itnmensa lib·~rdade. de ceramica, e produziam panellas e igaçaibas em que
coziam os seus alimentos, e em que guardavam as suas
A floresta que lhes dava grande parte da alimen-
.bebidas fermentadas. .
tação, dava-lhes tambem todos os elen1entos para cons-
A falta <le palavras no seu vocabulario, para de-
tituir o seu trem -domestico e o seu arsenal :d~ guerra.
signar com precisão o ferro, o ouro, a prata e outros
Della tiravam o arco e a flexa, as pennas e o cordáme,
·n1etaes, denuncia claramente que não c-011heciam o seu
o tronco para as igáras e as cascas .p ara as ubás, os jun-
cos flexíveis para as est·eiras e as cannas longas e fin~s .. uzo, e muito menos o seu valor.
Nesse primitivismo, n,ó primeiro 1degráu da civili-
para a pesca, .a folhagem 1pa,ra a cobertur!a. das cabanas,
sação, é natu1ial que todos os seus uzos .e. costumes fos.-
e.st~cas e galha.~as para o cêrco das aldei3;.s, e as pélles ~e • ' t '

se~ somente consequencias do meio .em ·q ue viviam, <le..


a.11.imaes para protecção. do çbrp,o contr~ o ·f rio das in-.
tivativos ·das condições miesologica~ locaes. · '
vernias do sul. ,
Canoeiros e .pescadotes <lextros si mor.asse~n á ma~­
Não sendo caçadores e ;pescador.es apenas, não
g~m dos grain·des rios ; andarUhos e .caçadores exímios
eram tambem habitualmente nômad·es. Emquanto .a ter-
si habitassem as florestàs interminas d,o sertão ·interior.
ra e a agué\ lheª dessem alimento farto ~ sadio, sem

t
,;;,
18 PRIMEIRAS
'

N9ÇOES DE TUPI
'.PRIMEIRAS "'
NOÇOES DE TU'PI 19
As r~xas entre tribus confrontantes, obrigavam-nos a _,,. ·
l
confeccionar instrumentos aggressivos e defensivos, a 1
pecial, toda para uzo particular <l~ uma .qu si~ algumas
imaginar processos ef f icientes d~ luta, a viver apresta- tri bus ..
1

dos .p ara os embates inevitaV1eis e trahiçoeiros.


Que certo~ velhos decrepitos se transformasse1n
·Sem religião definida, temiam no entanto os phe- em feiticeiros e orágos, compI'1ehende-se ~ facilmente,
nomenos, meteorologicos, o trovão, Q ·relampago, as porque é isso que se observa ainda hoje entre :os nossos
grandes chuvas, as ventanias aspet1as, attribuindo-lhes c(!.ipiras; que fossem ouvidos e res.peita:d:os, compr:ehen-
poderes sobren~turaes, preri.Wlciadore~ 4e males ~ be- de-sie tambem, mas que tivessem, os indios, um corpo
nef icios. de doutrinas religiosas uniforme e regular, isso positi-
·Cultiv~vam, assim, uma serie de superstições inge .. vamente não é ver.da.de,~
nuas, que de certa f órma substituia os elementos ba- Aquella ,relativa pureza qe costumes, aquclles pra-
iSicos dei todas as crenças : o premio e o ca:stigo. Tudo ticas de eugenia e aquellas pórmas ~ociaes, que alguns
isso, porêm, muito vago, muito variaviel, sem côr pre- autores querem que $ejam, 1ndicios ,d e civilisação ou
cisa, sem ritual de qualquer especie. symthomas de respeito á princípios theogonicos, não
A theogonia de nossos selvagens não devêra ser, passam d~ simples movimentos instintivos de <lef eza
na época da descoberta, c-0mo ~ descrevam chronistas social e die economia domestica. A propt'ia Natureza
e historiadores mal avisados ; aqu~lles deus~s ~ semi- lhes in«:licava esses modos de proceder, como ás abelhas
deuses, elles nunca os tiveram. e ás formigas indica tambem, e sabiamente, ~rmas de
vid<! e meios de selecção.
Os f a.ctos inexplicaveis para elles, eram levados á •
A mã~ que permittia o sacrifício <l:o filho nascido
conta de pequenos trasgos selvaticos, symbolisa<los ie't n
d,efeituosü, poupava aos seus o trabalho de manter uma
animaes ·d~ nossa propria fauna. Nem é crivei mesmo
creatura inutil; o pae que não pernuttia o casamento da
.que homens rudes, vivendo uma vida cheia de preoc- j

.filha antes da edarde nubil, visava uma progenie sadia


.cupações puramente materiaes, cuidassem de questões
e necessaria; !o i.ndio que re'ntregava á commu:nidade o
religiosas. Temiam, como temeu o homem das caver-
.prioducto de seus esforços pessoaes na caça ou na pesca,
nas, a"s manifestações brutaes da natureza, e creavam,
assim o fazia, porque a experiencia, lhe demonstrára
dentro ·desse temor, uma espe:cie de theogonia toda es-
que ha, <lias felizes e infelizes, e que o dever de dar ho-,
1

Je, éra compensado pelo direito de r~ceber amanhã.

• •


"" . '• PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI 21


20 PRIMEIRAS NOÇOES DE TUPI

, E, ai delles, si se entregassem aos vicios, á sensua- ou de palmas, dedicavam-se, é claro, e diariamente, á


lidade, á inclol:e:r;cia, á vaidades desaggregadoras; não collecta de alimentos, ao preparo dos arcos e :das f lexas,
terian1 resistid'O durante centena~ de annos á vida a,s- das redes ·de pescar e dos cóvos, das armadilhas varias
perrima das selvas, e não seriam os homens dextros, e engenhosas, ao plantio do milho ou da mandióca..
1puros, fórtes e generosos que os portugueres aqui en- ,S i competiam esses mistéres aos homens, ás mu-
contraram. lheres cabia preparar a alimentação e as ·be1bi<las f er-
Os vicias em qtte se ,estiolararµ, a.s miserias ·q ue mentadas, .a farinha e os poucos adónD..OS que usavam,
praticaram, os crimes que commetteram · logo após. o _ Sem noção d~ Patria ou <le dinh,eir!O, ~ com os im-
ii11icio da colonisaçã·o, não foram mais que 0s primeiros pulsos genesicos acalmados pela labuta constante, e pelo
fructos da arvore maldita, aqui plantada por degrada..í respeito innato ás mulheres de sua gr'ande f amilia, ra-
dos sahi·dos dos presidias <le Lisbôa, pelos escorr~çados rissimo era o attricto 1entre elles e desconhecidas as com-
de uma civilisação corrupta, e por aventurt!iros de to- petições de vaidades pessoaes, as lutas :pela ambição ou
da casta, ávidos de our·o, de escravos e de especiarias. as desavenças por motivos de amôr.
Os nossos incolas, na expressão dos santos jiesui- Si entre agrupamentos distintos estalavam guerri-
tas que os amaram e comprehenderam, mor~lmente es- lhas ou surgiam perigosos motivos de entrethoques, no
tavam em, plano muito superior ao europeu. A sua ~n­ convívio <los membros da mesma tribu a paz era quasi
ga vi<la em contacto a.p~ com .a natureza, tinha-lhes constante, e o trabalho benefico e continuo. Em geral
impresso na alma o signo da ingenuidade e ida gratidão> circunspeêtos, tinham tambem as suas horas de folgan-
·da leal<lade e da força generosa. ça, os seus dias festivos, os seus momentos <l1e prazer.
E tanto era isso verdade, quie1 um pouco de agrado, Dançavam e cantavam ao som de rudes instru-
um pouco :de dedicação .por . parte dos invasores, per- mentos musicaes (tambores, chocalhos e flautiins), f es-
mittiu que Anchieta e seu~ companheiros, que os fran- tejando :u ma 1occorrencia social. ·q ualquer, ·ou o sacrif i-
. '
cezes e seus sequazr~s, que os ·Cabos 'd e Tr~ e seus cio <le um prisioneiro de gue:r ra, em act0 de vingança ·e
bandeirantes, conseguissem o quanto cons·eguinam, de força.~
apoiados apenas naquellas qualidades moraes dos ·ô,nti- Jamais fôran1 anthropophagos por vicio; ·não 1na-
gos donos <lie nossa Terra. taram, nunca, um inimigo qualquer para sacciar a fó-
'
Vivendo em cabaina? ·p rovisorias, cob~rtas d~ sap~ me. Todas aquellas sceinas dantescas, descriptas ·corri

'

. .
22 PRIMEIRAS NOÇÕES o:g TUPI PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI 23

requintes de linguagem por certos chronistas, em que para &r urnia vaga ideia d·o achi~calhe e da dor; do

appar<ecem os selvagens com'O demonios, saltitando fu- despotismo e da infamia, <la trahição e da violencia que
nambuh~scamente em torno de um cadaver ensanguen- soffreram, como cond·errma,<los pelo crime de ser inge-
tado, famintos de carne humana, são visões de peza- nuos e de ser leaes.
1dello, lendq.s que se crearam para determinados fins, Mas não recordemos miserias passadas ..•
phan.tasias de viajantes mentiroso§ ~ assustadiços.
Nunca, positivamente nunca, o i,n dio matou quem ·O indio1 a não ser nos poucos momentos <le folga,
quer que f ôsse, apenas pelo desejo de saborear a carne -dedie:a.va-se iµteriramente á sua ·família ~ ao seu Iabôr.
ide seu semelhante. Aos que ·descrevem, tren1ul'OS, os Amava os filhos 'teX'.trem,ecidamente, jamais pe~mittindo
:detalhes ·desses suppostos banquetes anthropophagicos, ' que se lhes applicassem castigos physicos ; domestica~a
seriia interelSSainte perguntar como era possível ·que à com :p atiencia ·evangelica, papagaios e aráras, saguis e
carne de u1n prisioneiro morto bastasse para alimentar, porcos do matto; esmerav'l--se na confecçã:o ide armas
durante um dia que fôsse, toda uma tribu composta, em e ob jectos ; pintava o corpo com tintas vegetaies, não só
geral, <le mais de um milhar de individuos. para se tornar bonito, mas tambem para proteger a epi-
'A mórte do condemnado foi sempre, e essa é a <lerme contra os raios do sól e <las picadas <los insectos ;·
verdade pura, um acto solemne de vingança e un1 -ne- furava, ás vezes, o labio inferior e as faces; e~rcita­
cessario castigo exemplari. S:i após a chegada. do euro- va-se, desde criança, na arte ·da pesca, da caça e <la
peu invasor mataram pé!idres e def1ensores seus, a culpa guerra; banhava-se constantemente e alimentava-s•e com
não lhes cabe <lessa injustiça; cumpria-se nas terras no- notavel sobriedade; curava-se de suas enfermidades por
vas do Brasil, tam,bem, o destino dos iooocentes que , processos proprios, v.alendo-se <lq fogo, de f'°lhas e
·desgraçadamente pagam pelos peccadores .. } raízes me<lic~Q.aes; dormia pouco, em rêdes ~u esteiras,
Acoimar os nossos indios de anthropophagos, de sob a protecção do tecto commum á toda "uma. família.
. lbarbaros, de bestas-férias, é ti1na iqjustiçai e um desa-
1 ;E is, en1 traços muito rapidos, os ~lementos neces- ·
ifôro. si elles tivessem podido escrever a sua tragedia., ·sayios á i<liealisação da vida do aborigen~ brasileiro.
qu1e se iniciou no anno de 1500 e que se p·rol?f1ga do,.. Tudo muito e:Xpontaneo, tudo muito natúral, tudo sim-
lorosamentei até hoje, não teriam encontra.ido, mesmo ples, tudo !de accôr<lo com o ambiente em que vivia.
na c~vilisada língua portugueza, termos ib astante asperos Aquelle indio-symbolo que anda por ahi descr:ipto,



'
24 PRIMEIRAS NOCÕES
~
DE TUPI PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI 25

pintado e esculpido, todo solemne ina sua carnavalesca resistente, com suas raizes monosyllabicas rigidas e in-
feição de rei selvatico, coberto de plumas coloridas e de regraes.
collares funebres, arma.do de tacape h-orrorisante, não ·O nosso incola não foi mais, portanto, que um sim-
passa-, tambem, de uma caricatura perversa., de uma ples depositaria do immenso e valioso patrimonio lm-
phantasia de i>Oetas, da manifestação d~ ignorancia dos ' guistico, que entregou quasi intacto aos seus suéceisso-

artistas de "boulevards". res no don1inio ·d a terra.
:Com s eus ·uzos e costumes pr9p·rios, foram, com
1 Não tivessem, as línguas, ainda perfeitas as suas
taras excepções, uns bons caboclos :br.asileir-os, e nada raizés, tivessem •essas já, como compo~.entes das pala-
. \ ' .
mais. vras se 'am0Jda:do umas ás outras em franca agglut1na- ,

• çã~, e é certo que teriam chegado em miseras condições


até aos jesuitas estudiosos, sem mais possi1bilidades !de
LIN,GUAS reparo ou [polimento. ·

(
Mas si eram assim, direis, como podia1n dispôr de Mas quantas linguas eram falladas no Brlclsil? Fal-
uma língua que os jesuítas comparava1n á grega, e que la~m-se varias, subdivididas em dialectos. O colonisa-
na expressão do Padre Figueira, era "suave sim, ·e ele- dor é' que se limitou, nos primeiros tempos, a fallar
gante, mas extranha e copiosa"? apenas uma, aquella que mais serviço lhe prestava nas
Em verdade seria notavel esse facto si não se con- relações com o aborígene, aqu1ella que com pequenas
si,d erassem dois outros, dos quaes -o primeiro é simples differençaS era entendida ao longo ,d e tôda a costa. Das
resultante. ·O idioma por elle.s. fallado na costa, não era outras, f alladas pelas tribus do interiorf, sabia apenas

creação sua, não se havia constitui.do apenas que' eram linguas dif f iêeis de aprender, travardas 1e as-
. . em virtu-
·de de necessidades in1mediatas ·do mo·mento ~ do am- peras. O mesmo succedeu com o missionatio : 1não ten-
1

~ ' bien.te; •provinha, con10 üS indios; de u1n f óco primitivo do 11+ecessidade, para os :Serviços de eatechese, :de língua
iritadiador, onde a cultura iintellectual de seus ha:bitan- diversa. da que éra geral na ór13i ma11itima, a ella se de-
tes deveria ser in,discutivelmente superior. E não per- dicou inteiramente, legando-nos vocabularios, gramma-
deu as suas qualidades, e não regrediu como os que o ticas •e textos. Quando se pôde iniciar o estudo das
pratic.avam, porque se achava num periodo evolutivo outras, já o predonúnio <lo tupi conitituia um facto con-

'
' ,

26 PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI 27


.
sumado, éra realmente a lingua geraJ, il- língua. que to- tando os seus membros como se engóda, se escravisa ie
dos entendiam e faltavam, não apenas na costa, mas ma.ta uma fiéra qualquer; outro, o pad"re, agia pelos
.p or toda a área conhecida da colonia. meios brandos, com carinho, imi)ondo-se pelo respeito
absoluto ás tradições dos .nativos, pela bondade e pela
condemnação formal dos actos do colono.
CO·L ONISADORES E CATECHISTAS
1 1
Claro que, ao fim de poucos annos, o catechista e
o colonisador se tinham transformado ien1 inimigos ir-
N:a vida simplista ·dos selvagens, dqis elementos reconsilhaveis. Mas por esse tempo, :influenciados por
desaggregadores intervieram logo após a descoberta.: o um e por outro, :os incolas já se ef,1contravam titmbem
colpt1:isador e .o catechista. Or.ientados por princípios divididos em dois grupos, igualmente inimigos.

inteiramente antagonicos., deram- causa a serias desin- Membros da mesma tribu ·q ue se haviam mantido
telligencias e a grayes perturbações na família abori- em paz atravéz de longos annos, scindi.ram-se, fraccio-
gene. naram-se, odeiaram-se. E vieram novos av:entureiros
1 .
O colonisador que vinha para o Brasil, dieixava na- de varios paizes da ·E uropa, e 111ov0;5 fraccionamentos
ttiralmet,tte na Europa, por inuteis, os preceitos moraes se verificaram, luctando entre si francezes e portugue-
e sotiaes, e trazia, nos olhos e no coração, a dourada zes, jesuítas e calvinistas, isto é, indios adeptos dos
miragem <la riqueza e o anceio incontido de ser livre... francezes, índios dominados pelos portuguezes, índios
Ao contrario, o jesuíta qutê aportava em terras nos- catechisados pelos padres.
sas, sujeito por convicção ás leis inflexiveis ditadas por Si os mentores da lucta perdiam alguma cousa, os
San.to Ignacio, trazia parq. alentar -as sabídas agruras seus soldados perdiam quasi tudo : a tradição, os uzos
da ni1ssão, um immenso cabedal d~ boa vontade, e um e costumes, a unidade das tri1bus, a pureza iáa lingua, e,
grande ideal apena~. - salvar as almas para a maior em ·geral, a vida. Perdendo tanto, era nàtµral q~e ga-
gloria de Deus. . nhassem alguma: .cou~a, e ganhara.m, mas vícios, odios,
óra, esses doi·s el·e,rpentos .encoU;traram-se etn acçã·o sêde de vingança, despudôr, molestias, ambições e ve-·
no mesmo campo ; um, livre ·d e todas as pe~as, dava lar- nalidade.
gas aos seus in:stiin:tos e intuitos, conspurcando a honra Desde então, a anarchia Gfriil, as retiradas em mas- ,
das familias indígenas, engôdahdo, escravisa:ndo e ma- sa para o sertão e o baralfiamento completo das tribus,

' (

28 PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI


;-. •
PltIMEIRAS NOÇÕES úE TUPI 29

não soffreram solução de continuidade. O homem que fixação tão rigorosa quanto possivel ~a estructura
,
veio ipara colonisar e o pad.re que veio para catechisar, grammatical das línguas, e na comparação dos elemen-
pelo antagonismo de ideaes, cumprindo cada qual o s~u tos fixa~os.
destino, provocaram a ·divisão e a dispersão das -tribus, Como fossem deficientes os vocabularios conheci-
e crearam um ambiente á elles mesmos hostil, cheio de dos, Von den Steinein, aconselhou que se comparassem
perigos ~ de d esconfianças.
1
entre si os nomes das partes do cor·po humano, ell1. ge-
ral de f acil obtenção, e .. em geral tambe!I\ inalteraveis
• 1 nas diversas tribus. bom o auxilio delles de·scobrir-se-
,
' '
CLASSIFICAÇA:O DAS T·R IBUS ia~n os prefixos pronominaes que quasi semprre os acom-
'
panham;_e mais, que se comparassemJ quando .possível,
A grau.de dif f erença e:xistente entre ~ linguai ge-
1
·os nomes que indicam as relações de família e os graus
ral e as outras falladas no sertão, levou os invasores a de p~rentesco. ,
classificar todos os aborigene~ em :dois grand·es grupos : Os nomes de plantas e de anim,aes .deveriam ser
' o grupo tupi e o grupo tajiuia. Pertenciam ao primeiro excluídos, em vista da variação espantosa que soffrem
todos aquelles que f allavan1 a língua geral ou tupi,e·"'º de uma para outra região. O estudo dos vocabularios
segundo todos os que não a fallavam, ou melhor, todos teve por isso singular relevancia, porque, diz Rodolpho
que fallavam línguas diversas, :travadas, como diziam. Garcia, "da comparação entre elles foi facult:ado apu-
Com o correr dos tempos ie com o progressivo rar as affinidades por V'entura existentes, deduzir ~
avassalamento dos sertões, essa classificação inteira- evolução effectuada desde a dispersão do grupo primi-
mente 'a rbitraria foi perdendo o seu valor. Sentira1n os tivo, e reconstituir, ao menos approximádamente, a lín-
sábios dedicados á ethnographia brasileira, que apezar
, t gua matriz que o dominava".
'
da enorme confusão reinante, er:a possível gru.par, sf.- . 11artius, seguindo essa orientação,' '.~e1n que pre-
'

gundo nórmas regul~res, , a~ velhas e novas familias tendesse · solucionar o 'complexo ;proble1na, ·apresentou
aborígenes. Lançadas a,.s bases da classificação, 1nil e um quadro . das populações primitivas, Lllelle incluindo
uma dif ficuldades surgiram, como é facil imaginar. pela. primeira vez, os Tapuias. A chave __dessa classifi-
Martius, Von den .Steinen, Ehrenreich ~ poucos
cação é a seguinte:
mais, .adaptaram, porêm, ·wn systhema que consistia na
..
' PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI 31
30 PRIMEIRAS NOÇÕES bE TUPI

sabio ethnographo brasileiro, em monumental estudo


1. º - Tupis e Guaranis - os guerreiros
sobre os nossos in<lios, completando os trabalhos de
2.º - Gês ou Crans - os ca:beças
1 .
Ehrenreich, estabele~u os grupos da seguinte forma :
3.º - Guck ou Côcos - o~ tios
4.0 - Crens ou Querens - os velhos
5.º - Pareeis ou Poragis - QS de cima 1.º grupo - Tupi-Guarani
6.º - Goitacás - os corredores da matta 2.0 ,, - Nu-Aruak
7.º - Aruak ou Aroaquiz - a gente da farinha 3.º ,, - Caraíba
8.0 - Guaycurús - os cavalleiros 4.º ,, -Gê
9.º - Indi-0s em transição para a cultura ·~ q lín-
1
5.º - 1C ariri
gua portugueza. 6.º ",, - Pano
7.º ,, - Goitacá .e Guaycur·ú
Estudos mais profundps e viagens posteriores, 8.º ,, - Borôros, Carajás, Trumais e Nham-
realizadas por ethnographos alfemães, vieram concor- biquaras
rer para um reajustamento do quadrQ de M~rtius, sa- 9.º - Betoias ou Tucanos, Pebas, Cahua-
nando as falhas inevitaveis de um .precursor, melhor panas, Catuquinas ~ Maeús.
distribuindo os grupos ou .familias,
Não nos sendo possível entrar em detalhes, dire-
Desses grupos, o iu.ltimo é apenas complementar,
mos apenas que Von den Steinen ch·egou, após judicio-
pois nelle entram populações indígenas que vivem fóra
sas pesquizas e serias comparações livguisticas, aos se-
d-OS limites politicos do Brasil, mantendo entretanto
guintes grupos: Tupis, Gês, Caraíbas, Nu-Aruak ou
laços de parentesco com as nossas.
Maipúre, Goitacás, Panos, Miranhas e Guaycurús.
Para ·da.r· uma vaga ide·ia da actual classificação
Em 1904, Paulo Ehrenreich fez nova revisão nes-
das tribus ou familias ibrasilicais, crêmos. que estas no-
1
se quadro, distinguindo, então, três grande·s provincra"s
ções são sufficientes. Cada um ·dos grupos, como é na-
ethnograp·hicas que ~brangiam toda a America do Sul.
tural, resume as ve2es dezetias de tribus, cujos caracte-
Sendo talvez · ~ mais perfeita das classifiêações tenta- •
risticos de linguagem serviram para a. classificação.
das, relativamente ao Brasil escaparam-lhe alguns de- \

talhes, notados em 1922 pelo Dr. RodolphQ ·Garcia. Es~


\

,..,
32 PRIMEI~AS NOÇOES DE TUPI PRIMEIRAS NOÇÕES DE TuPí 33


A 4IN.G UA GERAL :do seculo XVIII "a. proporção entre a~ duas lingaas
falla<las na colonia éra, . mais QU menos, de três para
A lingua tupi, a doptada pelos catechistq$ e . colo- . ,,
:u·m, <lo tup1 para o portuguez .
nisadores como valioso instrumento de approximação U sa<la ~ssim por tanto tempo, e por tanta gente
e dominio, não se tornou geral ,como bem fez ,~otar
1

,
extranha, acostumada a fallar línguas europeas, nao
-
Theodoro Sampaio, pela força de expansão da raça pôde o tupi furtar-se ás influencias do portuguez, co-
primitiva que q. fallava, mas pela acção dos proprios mo este tambem ·se não ·furtou á influencia <lo fallar
conquistadores. Embóra praticada, na data do desco- indígena. E é por isso que o tupi das grammaticGts e
. brimento, por: todo o litoral e em algumas regiões inte':" dos vocabularios dos jesuitas, não deve ser cónsiderado
riores, foram os bandeirant1ês, principaln1e11te, q.ue a
1

rigorosamente como o tupi fallado pelos índios. Dos


levaram paré\ o sertão, que de seus ·termos ·u zaram pa- seus phonemas ásperos e gutturaes, muitos se abranda-
,
ra as den9minações toponymicas, que a tornaram lin- ram n.a pronuncia dos invasores -e outros ·foram intei-
gt1a geral, emfim. ramente substituídos.
Ao catechista cou.be tambem grande papel na ex- Ess~s adaptações tornaram-se depois, quando o
pansão do tupi, pois falla.tido, estudando 1~ graphando portuguez dominpu inteiramente, muito mais frequen-
a língua, façilitou aos sel'.ts successores a aprendizagem '. , ~ 1
tes, a ponto de mas'Carar~ as vezes por comp eto, ter-
r.apida, o seu uzo e, portan~o, ·a sua vnlgarisação~ mos e phrasies que hoje, com gr'andes dif ficuldades se
Nas grandes bandeiras que partiam para o desci- conseguem interpretar.
n1ento de "peças" e para as .pesquisas de ouro, todos Os trabalhos de Anchieta e de Figueira, embóra
fallavam o tupi, e "pelo tupi designavam as novas des- não .possam reflectir com absoluta precisão a lingué\-
cobertas, os rios, as montanhas, os proprios povoados gem dos aborígenes, são nq Brasil as melhores fontes,
que f unda-yam, ·e que eram outras tantas colonias espa- 'porque foram escripta.s, a bem ;dizer, entre os indios, e
lhad<;Ls nos sertões, fallando .tambem Q tupi e encarre~ numa época em que 'ai lingua estava em pleno ruzo por
gando-se naturalmente :de di f fundil-o ". , todos. As obras .posteriores, tambem valiosas, registram
O portuguez era a lingua of ficial, mas a língua já as mutilações soffridas pelas palavras, as substitui-
do povo., . a língua dos lares, a lingua da catechese,- a ções de sons e as adaptações provocadas pelo tempo.
língua do commercio, éra a lingua tupi. Até o começo Podemos, talvez. sem grande erro, consid~rar três

' '

"
34 PRIMEIRAS NOÇÕES ó~ TUP! • PRIMEI~AS NOÇÕES DE . TUPI 35
phases distintas na apreciação da lingua, a partir ·d o ' .
2.º ·as denominações ·geographicas, âs ·dos an1-
p rimeiro c-ontacto com o portuguez : durante a primei- maes, plantas ·etc., são rigorosamente des-
ra, ella é apenas ouvida pelo invasor, na plenitude de • criptivas, isto é, traduzem aspectos notaveis
suas características phonicas ; na segunda elJa é f aJ,lada dos lugares; habitos, f·eitios ou vozes dos
pelos colonos e catechistas, sof frendo as naturaes a:lte- animaes ; cheiro, côr ou propriedades das
raç&es de pronuncia, e na terceira é escripta pelos je- plantas e fructos;
suítas que, alêm de registrarem aquellas alterações de 3.º as leis que régem a formação das palavras
pronuncia, g:rapham mal as palavras por impossibili- e pbrases, são claras e defin·i das, ·e não de-
dades sônicas dos ij.lphab etos latinos que uzam.
1
vem ser· desobe<liecidas;
Por felicidade nossa e da língua, até os dias que 4.º a lingua tupi, como qualquer outra lingua,
correm ainda podem ser encontrados agrupamentos in- não a<lmitte malabarismos etymologicos,
dígenas que, do idioma primitivo, guardam a pronuncia adaptações oriundas de méros caprichos pes-
e a modulação especiaes. .S erá, portanto, á quem •
... soaes, e nem interpretações por extensão de
estudar o tupi pelas grammaticas e vocabularios, facul- ideias alêm de um certo limite.
t(\.do o praz er de, com .relativ~ facilidade, ouvir . na .pra-
1
' ' '

tica a pronuncia correcta das suas palavras. .Cingindo-nos 1 á essas 11órmas, poderemos estudar
Mas não iremos tão longe; contentar-nos-emos con1 e comprehe~der a ,razão ·d e certas denon1inações que, a
os ensinamentos theoricos, bastantes para satisfazer os principio, nôs parecem arbitrarias e inexpressivas. Ve-
nossos modestos desejos. O tupi que vamos estudar é o remos, mais, que muita ver.dade existe na :phrase de Fi-
da terceira phase, já codificado e adaptado ás normas gueira: a lingua tupi é suave sim, e elegante, ma.s ex-
grammaticaes, amoldado, por assim dizer, ao mo.do bra- f,ranha e copiosa.
sileirq de .f allar o portuguez. Apezar de ser assim, não )

perderemos, de 'vista os seguintes principias, que são ANTIGAS DENOMINAÇÕES TUPIS.


basicos, e que com segurança nôs guiarão em nossos EXEMPLO·S •
-estudos :
1. 0 as palavras tupis são constituidas <le .rai- -As antigas graphias <las denomina.ções tupis, co1no
zes, etn geral monosyllabieas e inalteraveis; os velhos documentos dos archiv:os, têm sempre valor,

'
, .

PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI 37


36 PRIMEIRAS NOÇÕES DÊ TUPl •

da com a mesma facilidade. Recorrendo-se aos papeis


\
e quasi sem.p re são in.<lispensaveis ás justas intetpreta- ' antigos, entretanto, nelles se encontrar~ ubtitan,tçz,n em
ções e tra.duções ; isso ·porque, á medida que novos co- logar de 1butantan. óra, ubu, desde que sé saiba que o
lonos chegavam, e catechistas se substituíam, a língua som <lo y tupi éra confundido com o do· u portuguez,
tambem se <lepauperava ie se amoldava ás exigencias do não pode d-eixar de ser yby; e sendo yby a ~r.ra, o
idioma extranho, mas dominador. chão, o solo, logo se concluirá que ybytantan ou butàn-
As denominações uz~das ,depois do primeiro sé- tan, ha ·d e signif ica,r a terra firme, o chão duro, a terra
culo de conquista, já se r~sentem ·d a .pureza primitiva, dura.
já não contêm, muitas vezes, os seus e1ementos essen..
1
Botucatú, como butantan, é palavra .a lterada pelo
ciaes, quando não se aportuguezam e occóre.m em hy- uío. Para ser interpreta<la convinientemente é mister
bridismos exquisitos. que se d•ecomponha em duas partes tambem: botú e
Muito cuidado, portanto, é necessario na analyse catú. Catú, sabe-se, significa bom, agradavel, sadio,
ou tradução de um termo qualquer, dos milhares que etc., mas botú, como está grapha~o, nada exprime. Na-
ahi estão na geographia, na flóra e na fauna brasileiras. ;
quelles mesmos velhos documentos, porêm, apparecem
Muitos delles :pada representam como elemento ,d e es- estas graphias esclarecedoras : ubutú, ibutú. e ibitú. Não
tudo; ·são nome~. que até hoje 'se. compoêm ar·h itraria e é preciso grande esforç-o para as identifica,r côm ybytú,
' 1

vaidosamente. ' que é termo tupi puro, e que diz: o ventó~ o ar, o cli-
Para o estudioso, a dócumentação antiga quie- nos ma. Logicamente, portanto, botucatü dirá: o clima bom,
veio dos seculos passados é de grande valor, porque lá os bons· ares.
estão gra·phados innumeros termos, embóra por varios Mas ha alterações de toda especie ·nos termos tu-
modos, mas tal como os ouviram os of f iciaes das Ca- pis. E' muito corrente hoje a pronuncia itaquaquicêtu-
maras, os juizes, os meirinhos e os tabelliães. ba, com i inicial, quando na 1ealidade devêra ser taqua-
quicetwba apenas. Ess.e i, anteposto talvez para lem-
T<;>dos conhecem, p-0.r iexemplo, a expressão butan· brar a .p alavra itá, póde confundir que~ procure inv~r­
tan; uma analyse rapida permittirá dividil-a em duas pretar o sentido verdadeiro da:quella denominação.
partes distintas: bu e tantán. A segun<la,~tan~án2 qual- Taquaquicêtuba se deiompôe, naturalmente, e1n :
quer ·diccionario da linguá' informará que significa - taquá, que é a taquára ou bambú, quicê que significa a
duro,
,.
firme,_ etc.; bu, porêm, não poderá ~er· encoµtra-

'

..
.,
... . . .., ,..
38 PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI .' PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI 39

lamina cortante ou a faca, e tuba que· exprime a i<leia proprios, aliás muito ·b em sonantes : Simão de Tyba e
de abundancia ou de lugar que produz alguma cousa João de Tyba .•.
em abundancia; sendo assim, a ex.pressão composta di- De tudo isso se conclue, que somente o estudo cau-
rá: lugar em que ha muita taquaquicê, isto é, lugar em , teloso e o conhecimento <la índole da língua, poderão
que ha muita taquara; cortante que serve como faca. evitar os absurdos e as tolices que andam por ahi tr-i-
Levado en1 conta -o i init!al, deveríamos chegar á se- duzindo e inter.p retando termos que, muitas vezes, nem

guinte tradução, visivelmente apsurda: lugar ·e m que pertencem ao idioma dos tupis.
ha pontas de pedra como· lan1inas. )
I E como si não bastassem, para difficultar estu-
ú
E isso mesm<:>, fazénd·o vista, gr.'ossa sobr~ a diff e.-
- - -
1
<lo da lingu4, os quatrocentos aan·ós' de a<laptações e
, rença que existe .
. entre qua ·~ qua, pois. itaqua, .
e nao ita- deturpações, continúa, ella ainda a ser· uma especie 'de
quá, !é que significa ponta de. pedra... Cremos que "terra de ninguem'', onde etymologistas de fancaria
esses exe1nplos bastam. armam as suas barracas para ex-piorar a curiosidade
Apenas por curiosidade, e para demonstrar a que publica, exipondo em frangalhos, iem postas e em reta-
ponto chêgam as alterações <los infelizes termos tupis, lhos ignobeis, o idioma que Anchieta guardou no escri-
vamos r elembrar mais dois, bastante conhecidos : pa- I
nio de ouro de sua "Arte", e nos versos simples de
ranã e sernambytyba. seus canticos christãos.
A palavra paranã, que nós hoje dizemos paraná. Para que. os associados deste Centro <le cultura
por defeito <le pronuncia, passou a ser parnã e pernã possam avaliar a •belleza da língua tupi, a firmeza qe
na bocca dos portuguezes, e f ernã na dos .f rance·zes. E sua . éstructura e a malleabilidade de suas phrases, e
foi assim que se -consagrou a denominação Pernambu- tambem a ousadia e a ignoran.c ia dos que a exploram
> • '

co, esquecendo a fórma verdadeira: Pa.ranãmbuco. e deturpat;rl por vaidade ou por .t ommercio:, é que aqui
., ".
O casq. de serna1nbytyba é, porêm, mais interes- :nôs achamos, com .Q intuito de .r elembrar, tão resumida-
• A 1 ,

sante; n1ais interessante porque de u1n termo que mo- n1ente quanto possível, alguns principió.~ basicos de sua
destan1ente designa ·o lugar em que se encontram as
1 • grammatica e alguns termos de seu voca:bulario.
• • •
conchas chama:das sernainby, fizeram-s•e dois nomes Si puderdes, meus generosos ouvintes, dedicar um
• •
. pouc-o de vossa si.tten9ão a este pequenino curso d~ lin-

,
I
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org

40 PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI

gua tupi, prestareis justa homenagem aos uossos ante-


passados, e dareis á este meu, á este nosso São Paulo SEGUNDA PALESTRA
bem amado, a honra de sentir-se, mais uma vez, pio-
neiro na cultura. c,l'ê seus filhos.

(10- Agosto - 1933)


L---:~----:;/ --
'

'
O l!lphabeto. Substantivo• e adjectivos•

'
Uma dâs maiores diffieuldades para quetn se ini-
cia no estudo do tupi, é, sem duvida, a diversidade de
graphias que encontra ie·m grammaticas e vocabulatios.
Cada. autor escreve &S palavras brasilicas de accôrdo
com o alphabeto d e sua lingua materna, e adopta u1na
1

série de sig.l)aes graphicos, inteiramente arbitr.a ria, pa~


ra interpretar sons que seu ouvido não percebe bem, e
que seus organs voca~s muito mal consieguem emittir.
Levad'0s todos pela boa, intensão de ser tão verda-
deiros ·q uanto possível, causam, entreta:nt9, ao consu ·
lente de suas obras, serios aborrecimentos sinão co1n-
plieto desanimo.· E para maior complicação, óra é un1
autor brasileiro que escreve em inglez o texto de seu

}ivro, e gue :uza dos v;ilor~s sÇ>niços daS1 letras portu-
' •'
'
1

..
' 1 '


42 NOÇÕES

DE TUPI • , PRIMEIRAS NOÇÕES e TUPI 43

gue·zes para graphar os termos tupis, óra é um autor com facilidade e rapidez. Os detalhes, os segredos .de
allemão que 'escreve em portuguez e em latitn, e que ~ronuncia, a analyse rigorosa da~ Pª!-ªv~.~s~ a .pesqui~a.
' ' '

escreve, não se sabe como, os vocabulos da lingua ,ge- .das raiz'e·s, as interpretações var1ave1s e a leutura dos
ral. E ha liyr-0s valiosissimos escriptos em he-spanhol, te~tos, tudo isso ficará para depois, para quandQ fôr
em inglez, em allemão, em francez e em outras lin- possivel ou opportuno.
guas ... As modificações de pronuncia de algumas de nos-
Claro é que o leitor, mettido nessa Babel para
aprender tupi, não póde sem grande esforço e muit.o
sas letras nós as consignamos, somente porque quere-
, '

mDs saber como sei pronunciam, com relativa prec1sao


. -
boa vontade, ,sahir-se bem da empreza perigosa e nada os termos brasiJicos. ·São ~s seguintes :
compensadora ·na vida praticà. l.º - 0 b tem sempre o som approximado de n-ib,
Mas que havemos de fazer, si se não conseguiu principalmente no meio das palavràs, itamby e cuia~­
até hoje a adopção de um alphabeto proprio para o bltca, devem ser pronunciados assim : itá-mby e cuia-
tupi?
mbúca ~
E' forçoso que cada um se vá arranjando con10 2.~ - 0 d sôa como nd. A palavra itámirindyba,
·possa, uzando dos signaes graphicos de sua lingua, es-
pr.0 nunciar-se-á: itá-mirindyba;
tudando os <las outras, resolvendo os seus proble.mas, de
3.º - 0 r ,é ·semprebrando, n1esmo no começo <lo
' .
accôrdo com as possi bilidades de sua cultura geral. Nes-
1 '
'votabulo. Tiem 0 som do r nas palavras arame, erar10~
sa confusão <le letras, <le signaes, de convenções as ,
n1ais variadas, é que se tem apurado ~ aprimorado O'S p~u; .
4.º - ao s nunca se dará o valor de z, mesmo que
verdadeiros cultores do tupi.
se apresente entre duas vogaes ;
Nós, neste pequ·eno curso, ficaremos inteiramente
S. o - 0 u depois de q é sempre liqttido, isto é, o
á salvo de taes e tantas dif ficuldades; vamos adoptar
n&o só o alphabeto portuguez con10 pequeníssimas alte- grupo qu soa,rá sempre como k. As~i~, itáqui e iba-
rações, coinn tambem a ,p ronuncia actual dos termos quê, ·d evem ser pronunciados. itáki ê ibakê;
tupís. 6.0 _ 0 x só se emprega com o som que tem na.
O estudo será assim extremamiente agradavel, e :palavra xarope; ,
as noções primeiras ela língua p.Ós as avrenderem<;>s 7.º - o y soará como o i portuguez 1 embora a sua
.. , '
44 PRIMEIRAS NOÇÕES DE . TUPl .
1'RIMEIRA$ NOÇÕES DÊ TUPi 4·;
ver~adeira pronuncia s~ja muito outra, e corresponda,
mais ou menos, ao u t remado allemão, ou ao u f rancez. do portuguez, .i ncapaz de pronunciar as palavras tu·p is,
Quanto aos g rupos <le letras, pouco dire1nos tam- que essas letras 1entraram em uzo, com excepção de f.
·b em; basta sa.ber que não existem no tupi as combina- As palavras hoje escriptas tom j deviam o ser com i;
ções bla, bra, pla, pra, ela, tra, e outras semelhantes as que hoje tem l, tinham apenas r: ·brando. O v appa-
.
isto é, que não se encontram na mesma dicção un1a con-
' receu ·substituindo o b, como em uváia, que éra ybá-
soante se~1ida de outra, excieptuan<Ío-se os grupos mb, aia ou ub:aia. O z, finalmente, surgiu nos termos que
_ ~zd e ng. E, tambem, que na composição dqs vocabulos, acabavam em a accentuado, como guayanáz, çinanáz) etc.
1

pela indole propria da Iingu~ e 1por Í.!1fluencias diver- ·$eculos ipteiros de má pronuncia, deviam, de facto,
sas, ha letras que· se substituem, vogaes que se ab~~n­ ter estragado um pouco o idioma dos \ibrasis. Mas v'3-
dam ou se confundem com outras, consoante·s que se in- mos aos substantivos.
1

~ tercalam ou se iliqem. .
O dithongo mb, que nada mais representa que o b •
SU·B STANTIVOS
?asai, no uzo corrente óra se reduz a b, óra a m, e por
isso,, tanto :e diz burity como murity, magé ou bagé, Os substantivos tupis, para facilidade apenas de
meru e beru. Correntre tambem é a confusão das labiaes exposição, pódem s·er divididos em duas grandes clas-
b, nt e p. Uzam-se indifferentemente bereba e pereba, ses : substantivo,s sin·iples ou primitivos ~ compvstos ou
paranã e maranã, nt.agé, pagé ou bagé. Outras pequenas derivados. Os primitivos, como se percebe logo, são em
observações poderiamos fazer, mas essas :bastam por en- pequeno nurnerot exprimem ideias fundamentaes, ie ser-
quanto. viram .p ara denominar as cousas ou seres directamente
Antés de passarmos ao estudo dos substantivos se-
1
ligados aos povos .que primeiro fallaram a lingua. São
rá bom lembrar' que não só ado;ptamos o alphabeto ~or­ express~es contractas, iem ~eral monosyllabicas, qu~
. tuguez? conJO tambe~ toda a gaipima de sons que se vêm do fundo ·de um p~.ssado l,onginqu~. e .orno tae~ ~. '
o~tem de suas v?gaes, por meio dos accevtos agudq· e podemos considerar as seguintes : ,
circunflexo. .
y - a agua, o rio, Q liquido.
No tupi antigo não eram conhecidos os sons cor- •
respondentes ás letras f, j, l, v e z. Foi por in-fluencia. A - a semente, a bóla, a cabeça, a raiz.
' •
C'ô - a roça, a pla,ntação .

J '


• '
I

PRIMEIRAS NàÇÕES DE TUPI 41


46 PRIMEI1'A.s NOÇÕES DÊ'. Tur>r

Cy - a n1ãe, a genitor~, a origem. contrario, adaptam-se apenas pelas arestas como chrys-
Ara - ;::º a.r ,) o tempo,· o clima, a hora. taes, sen1 se .üieformarem, sem se confundirem.
Quando dizemos· itáoca, palavra que~ignifica a ca-
Caá - '°
a folha, a planta,., matto.
sa de plJ'dra, a caverna, mantemos integraes os termoS
l

Itá - a pedra, o objiecto duro, o metal.


Tub - o pae, o gerador, o tronco.
que a compôem: itá e óca. Isso entendido, fará ver que
'
Abá - a ~pessoa, o ser humano, o homem,
quasi todas as denominações geographicas e outras, são
a gente. verdadeiramente :p brases descriptivas, e não simple~ pa- ./e;,
Yby - a terra,. o chão. lavras. Assitn: ~~""' /~~~ ~ai'-'
· Pô
Pi
-
-
a mão.
o pe.
,
. ,
Gitara.tinguef.a
. Pindamonhangaba
, 1 , .. /
e guara ttn·g a 1e~~ ,_ -
tá/ / -
é pind' monháng gába _ __.-
/V(./'"
{)-À a
Óca - a casa,, o abrigo, o refugio. Taquaquicêtuba é taquá quicê túba ~- ~· -,. ~
Çoô - o animal qua<lru·pede, o bicho. Paranapanêma ~ - ~)!,(.,~,
é pará ná panêma ~,.......ci"""".(I(. ~l~'-'
..... -""\
An - a sombra, o vulto, o phantasma. Curityba é curi tyba
'
.Uá - a haste, o talo, o caule. 1tap,etininga é itá pê tininga , ., .,.
é itá poránga . I . J. J.'-.. . , -r:~~w~,...·

.,Pirá - o peixe• 1taporanga
.T im -
'

o nar1~.
. T , • "' Yj.Í)..Â.;tJ.-IF '( _,.J:/ ;<°f
lracema e ira acema - ~..,~o. ~ ·
j , ., , . ~
Eçá - os olhos. Pirapitínguy e pira pe tinga y
• /
Paraguassú é pará guassú~ ~ ~- · ,
Os derivados ou compostos, iem numero illimita- Tatúapé é tatú apé - °' ~:~ ~ r.~ ,t.~7 ~
é.. tatá rana- ~
,
do, são os que ~e formaram_desses primitivos juxtapos-
Tatarana Y · ·a ·,
Tabajara é taba jára - /j-~ el~ ,,,,e er-t!<Yv~
tos uns a~~ oµtros, reunidos. a adjectivos e a verbos,
ou modific}ldos por suffixos. Rigor0sãlllente não deve-
riam ser considerados · como palavras, mas corno phra~
o
que nôs levou a con.s iderar como
I
essas . pa~s
phrases, foi o habito de as escrever ligadas umas ás
ses, pois as suas partes componentes, iem ge.ral, não se outras, o que evidentemente não é de todo correcto. Ha-
fundem na composição perdendo os seus significados bito infelizmente muito antigo para ser abandonado
proprios em :beneficio de um significa-do novo, trlaS ao ,
agora.

'

. ;
. 48 PRIMEI~AS NOÇÕES DE TUPí PRIMEIAAS NOÇÕES b:E TVI'! 49

COMPOSIÇÃO DOS SU~BSTANTIVOS suffixo oéra, que dá ideia de antiguidade, produz~m


acangoéra, ~ cabeça antiga, a caveira. · '
Mas vejamos como se fo.rmam os substantivos de-
riva.dos. Seis são os processos principaes, quie' se podem \ .S.º - suffizcrção de u~ adj'.ectivo.
1
resumir nestas poucas palavras :
Ex. : poranga, bonito, e gaba, suf fixo, <lão poran-
gaba, a belleza; puchi, máo, e çaba, suff.ixo, dão puchi-
l.º - reunião de dois substantivos.
.çaba, a maldade, a malvadez ;

Ex. : itá, •pedra e óc~, cas_a., dão itáoca, casa ·d e pe- 1

dra, caverna; Tupána, Oeus e óca, casa, •dão Tupanaró- ·6.º - suff~açãq de um verbo.
ca, casa de Deus, a Igreja.
Ex.: soróc, rasgar, e cába, suffixo, dão sorocaba
-- - )

o rasgão, Q córte; maenduar, lembrar, recordar, e ába,


2.º - reunião d~ u1~ substantivo e de um adjectivo:
• suffixo, dão maendU(};ba, a lembrança, a recordação.
·Ex. : pirá, peixe e jú ou juba, amarello, dão pira-
jií, rO peixe 'amarello, O dourado; gudrâ, paSS(\rO e tinga, Estes sirnplt;s exemplos, ·d emonstram com eviden-
1branco, guiratinga, passara ·hra~~o, a garça. · , çia notavel, o quanto, é facil formar .substantiv.Qs :no tu...
'pi, e explicam tamben1 ~orno foi possível ao jes~tita e
3.º - f"eunião de um substantivo e de um verbo. ao colonisador, crrear correctamente palavras novas .pa-.
ra designar cousas e seres desconhecidos do aborígene.
·· Ex.: yby, a .terra ~
ryry, tremer, dão ybyryry, o São delles os seguintes vocabulos, ·entre dezenas, crtci-
tremor da terra, o terremoto ; pirá, peixe e acênia, sa- dos depois da descoberta :
hir, dão piracêma, a sabida do peixe, o cardume.

4. 0
suffixação de um sullstantii',o. ·
Tupanaróca ·- cas~ de Deus, Igteja. ª
-
Araranga'ba - marca do tempo, o reJogio.
Ex.: curi, o"pinhão, o pinheiro, e tyba, suffixo Caraybebê - creatura illustre que vôa, -o anjo.
que ~á ideia, <lre abundancia, formam curityba, abun- M ocabaiára - dono da arma, senhor 9a espin-
dancia de pinheiros, o pinheiral; acanga, cabeça, e o '· .. garda, ~ soldado..
>

PR.IMEiltAS NOÇÕES DE TUPI PRIMEIRAS NOÇÕES oa rut'I 51


..
N'ão é necessario dizer que aquellas e estas forma- E como esses, mais alguns apenas chegaram até
ções, nem sempre se processam com a facilidade dos nós, não muitos, porque aos chronistas não int~ressa­
exemplos citado~. Caso~ ha de perda de letras, contrac- vam os noines proprios daquelles que eram somente:
ção de syllabas e de alterações mais ou menos prof un- indios, péças, escravos, n~turaes <la terra. ;. .• J
:das, exigidas pelas regras da língua, ou consequentes ·Os que tiveram, Qos braços e no coração1 o côrpo e
' ás influencia$ extranhas e mesmo dialectaes. o nome das mulheres morenas desta terra, si souberam
I
, amar, e amaram muito, não souberam escrever, e não
escreveram nada: B,artyra, lrac~ma, Jandyra, Aracy,
.. .. ' SUBSTANTIVOS PR:OPRIOS M oêma ~ Guaracyaba, são nomes meigos d1e mulher,
imaginados talvez pelos poetas e escriptores, mas forte-
Conhecidos os processos de derivação, passemos mente .p erfumados pelo aroma tropical ·das selvas lar· ,
·uma vista rapida pelos nomes ou substantivos p~o'prios_.
1
gas do Brasil.
Entre 'OS ~b~enes, os nomes proprios de pessoas_, eram
na .realidade· ,J lcunhas ou. appelido~ .~u~;,-se . dava_~ por . ' (

ironia, ou para lembrar qualidad·e·s ~ ~ defeitos


!

GENERO E. NU·MERO DOS SUBSTA'N.TIVOS.


physicos. Por isso se chamavam: •
f'
'
:~ 1, No twpi, os s·ubstat}tivos· não ·recebem terminações.
Jtagybá o braço de pedra~ ~º t>raço forte. especiaes para indicar o genero e nem o numero-, como
Cunhamb_ebe o lingua presa, o gago. é quasi regra geral no portuguez; são, sob esses pontos
Tucantim o nariz de tucano. de vista., ·invariaveis. Si se quizer, pdrêm, indicar Q ge-
Tuim o periquito.· nero, basta pospôr aos substantivos as palavras cunhã,
Tibireçá o chefe da terra. que significa a fêmea, e apigáua, que significa. o macho.
Paragua~ o mar larg,o, o ~t gt~rrdel
. '
Assim, diz-se tapyra-cunliã ·e tapyra-apigáua, para desi-
.
Timbeba o nariz Chato. · ~gnar a anta do sexo feminino e do sexo masculino.
Pindouçú o palmeira grande. Da mesma f.o rma, ~ra esclarecer, quando é o ca-
• , 1 • ' IJ • \
f'iragyba o braço de peixe, o •bar.batana.
1
so, si se .trata <lo plural, uzam-se as particulas adjecti-
1

vas etá e· cuéra, qU'e exprimem: muitos, varios, diver-


.'


'

52 PRIMEIRAS NOÇOES DE: T(Jt3f PRIMEIRAS NOÇÕES DE TU,PI 53


'

sos, etc. Si guiratinga diz o passar0: branco, guiratinga- SUBSTANTIVOS COLLE,CTIVOS


"
:etá dirá os passaros 'brancos, muitos passaros brai;icos;
si itá diz a pedra, itacuera ou itaquéra dirá muitas pe- Para exprimir a ideia de collectividade, U'Zam-s't
dras, varias pedras. Em rigor, a addição dessas parti- os· suf fixos tyba, rendaba e reya. Tyba ou tub(}), tiw, ou
culas exprime ·alguma cousa mais que o simples plural tuva, empregado em numerosas denominações geogra- r

rportuguez; iellas como que correspondem ás t ermina- phicas, segundo o nosso modo de ·pensar, um tanto di-
ções al e ad a de nossa lingua. Para se ver que esta as- verso do de illustres tupinologos, não significa rigoro-
1 ,
serção é justa, basta lembrar que guirá, sem a,ccrescimo sa e simplesmente ab'undancia de. q,lgu1na cousa, mas
~in1 fJ lugar, a região 1q1te produz çilguma_ cousa · em
' ' 1

algum, já signifita ·passaras; no plural, em virtude da .


invariabilidade dos substai1tivos quanto ao gráu. Guira~ abundancia, o. lugar que tem ~ qualida<Jes, neces~arias
etá, portanto, não significará apenas passaros, mas mui- para produzir o~ gerar alguma cousa em abundancia.
t os passaros, uma passarada iemfim. Aliás, mesmo em A ideia primaria expressa p-elo suffixo tyba ou tu-
portugi1ez isso tambem se dá ; as expressões passarada, ba, .parece-nos, é a de paternidade, de poder gerador.
pedrarada, rapaziada etc., traduzem ideias muito diver- Mas isso dfscutiren1-0s em outra occasião. . . T yba ou
1 sa~ das que nf>s suggerem os pluraes : p_ assaros, pedras tuba, nestas rapidas palestras, servirá como- querem os
· e rapazes. Não ·nôs d esviemos porêm. No faltak -corren-
1 gran1maticos, para a formação dos. col1 ectivos , valendo ·
1

te dos indios, só excepcionaln1ente se tízaV'a;! desses ahundanéia, quantidade, etc.



recursos para precisar o plural; o sentido da phrase ou O suf fixo rendaba, indica precisame11te collecção,
da conversa tudo esclaretia perfieitamente. Seja ou não isto é, reunião de especimens diversos, mas pertencen-
,<lado ao substantivo o signal de pluralidade, o adjecti- t es á mesma c~th·egoria, e reya suggere apenas a ideia
vo que o qualifica ou ,d etermina conserva-se sempre no de bando, ·d e aggrupamento.
' '
singular. ' Por 'isso, quando se disser: cunhã taín etá Os exemplos soeguintes, bastam para completo es-
'
poranga, não stt · diev~ tradU.zir' apenas: moças bonitas·,
'
. clarecin1ento sobre o modo de s~ empregar cada un1
'
mas como dizem os nossos caipira.s: moçarada bonita, d1elles:
ou como dizemos nós : innumeras moças bonitas. Nem 1

nesse detalhe leva vantagepi o portuguez sobre o tupi. araçatuba - lugar em que ha muito araçá -
1 araçasal.

' '
54 PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI 55
'

itatyba -lugar em que ha muita pedra - pe- GRAUS AUGMENTATIVO, DIMINUTIVO E

4 ba dregal.
- lugar em que ha muito pinheiro -
pinheiral.
SU·PERLATIVO.

Para a formação do. augmentativo, ·b asta pospôr


- lugar em que ha muito junco - ao substantivo no grau normal, o suf fixo guaçú, que dá
piritwba
juncal. ideia de grandeza. Esse suffixo apresenta-sé tambem
sob as fórmas: açú, ·uçú, (1..SSÚ e uaçú, sempre com o
1

indayâtuba - lugar em que ha muita , pp.lmeira


mesmo significado. ,
ind ayá.
1

rerityba - lugar em que, ha muita ()Stra - os- ' caá, o matto, e guaçú, dão caáguaçú., ü matto

treira. grande, o mattão. '
potyrendaba - c,ollecção de flores - Q jardim, abá, o homem, e guaçú, dão abaguaçú, o homen-
,,.
zarao.
irareya - bando de abelhas - 9 enxame de
pará, o mar, e guaçú, dão paraguafú, o mar. lar-
abelhas.
go, 'O oceano.
igára, a canôa, e açú, dão igaraçú, o canoão, o
Sem difficuldade alguma poderão ser traduzidas, 1batelão.
como vêem os nossos generosos ouvintes, as palavras turi, a fogueira, ~ (JÇÚ, dão tu:ri{içú, fogueira
que terminem em tyba ou tuba, rendába ou reíya. Sem grande ,incendio.
<lifficuldades, dissemos, e até com prazer, poderemos
accrescentar, p orque nessas traducções se descobrem Em·alguns casos especiaes, a repetição do proprio
cousas curiosas, modds interessantes <le interpretar f a- ,s, ubstantivo ou do suffixo qu~ junto delle exprimía
ctos e acci·dentes banaes, syntheses surprehendentes e abund,ancia, serve tambem para formar o grq.u augme11-
tativo. Mas não passemos das generalidaides. ,
coloridos novos nas ideias.
O grau diminuitivo, como o augmentativo, fórma-
Infelizmente não nos é permittido mostrar, nem de se ainda pela posposição de um suffixo: mirim. Este
longe, esse immenso thesouro, mas podemos garantir • •
mirtm communmente se reduz a miri, a im e ~ i, como
que elle é inexgotavel e accessivel. se vê no~ exemplos seguintes :
• '
56 PRIMEIRAS NOÇÕES DE . TUPI PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI 57

itámi-rim, itamiri e itaí, ·signi.f icam todos - pe- matta realmente, ·v erdadeira, a matta n1uitissimo bôa,'
, '
drinhas. super!ativamente.
pirá e i, dão piraí - peixe pequ·eno, peixinho.
taquara e í, dão taqua.rí - taquara pequena, ta- NOTAS
quara fina, taquarinha.
\
Quando, nos exemplos citados anteriorn1ente, dis-
Esses d-ois graus, poden1 ser ainda reforçados, isto se111os que Tupana.r6ca queria dizer casa ·de De·us, não
é, podem ser levados ao superlativo. Para isso, existem explicatnos porque razão tambem ·não poderia signif i-
dois proc~~os especiaes : '
car Dieus .da casa. Nada appaiientemen<t:~ il11pedia que
p'
assim se traduzisse, como nada impediu a traducção
1.0 -~osposição ao substantivo de dois suf-
casa de Deus. I sso, porêm, é muito simples. E' regra
lfixos.
geral da lingua: quando utna palavra fôr çonstituida de
2.0 - -repetição do suffixo empregad-0 para o dois substantivos, o que estiver em primeiro lugar func-
gráu at~gmentativo ou diminuitivo. ciona como possuidor e Q segundo como possuído. Por
isso se traduz:
Para exemplo do P\imeiro caso, potlemós , citar a ' .'"•
palavra myra, que signifita gente, povo, etc. ·O seu . di-
abáiiheên, a falla do homem, a falla <la gente.
minuitivo será, como já sabe1nos, myramiri, que d iz: 1

gente pequena, gentinha. 91 quizermos dizer: gen- itáóca, a casa de pedra.


te muito pequena, pequenissima, accrescentaremos jundiahy, o rio do jundiá ou dos juq,diás,
ao diminuitivo myramiri o suf fixo etê, e t:eremos a ex-
p~essão : 1nyramirietê, que rigorosamente designa - Abá, itá e jundiá, cotno se vê, fuJ)ccionan1 como '

gente verdadeiramente p,e quena ou pequeníssima. genitivos.


O segundo caso pO'cle ser exe.m plif icado con1 toda Não havendo artigo no tupi, ~ nem fle~ão para
a facilidade, assim : detern1inar genero e numero dos substantivos, quando
caáetê ou caetê, é a matta virgem, a matta gran- estes se apresentarem sem addição <le suf fixos, é facul-
de, a matta verdadeira. Si repetirmos o suffixo etê, te- t ado á quem conversa ou lê, <lar-lhes os artigos neces-
remos naturalmente: caetêetê ou caetetê, que dirá: a sarios e attribuir-lhes genero e numero, consoante o sen-


• '

, ~

58 PRIMEIRAS NOÇÕES -,~ . ·TU~I , l.,cAi · . PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI 59


..~ ~ <\ V . •

ti'do da conversa ou dél leitura.


· ~ -. / como pa-
·eaanwndõçára, tupi é uma l~ngua suave, sim, e elegante, mas extranha •

lavra sôlta, tanto pode ~r Q caçador como a caçadora, e copiosa.
tanto ~ caçado~es como a~ caçadoras.
Os su·bstantivos tupis podem ter, como os verbos,
os tempos presente, passado e ·futuro. A partícula cué- ADJECTIVOS
ra, goéra ou oéra, posposta ao substantivo, <lá-lhe o pre-
Fallando aos professores cultos die -São Paulo, se~
dicado da antiguida-de, leva-o ao tempo passado, da
ria ridiculo lembrar que os adjettivos de qual·q uer lio-
mesma forma ,que a ip articula râwur; o leva ªº' futuro.
Vejamos alguns exemplos. Si ' ab,á, o homem, está no gua podem sempre s~r divi.didos em qu,alificativos e
presente e sig~nifica o homem actual, 'º homem no mo- determinativ·os, e que estes pod em por sua vez, ser : ttu-
1

mento em que se falla, abacwéra está no passado, isto meraes, oràinaes, possessivos, de1nonstrativos ,.e indefi-
é, significa o homem que não o é mais, que já foi ho- ni~os. Sem grande preoccupação de estudo es.ch·~mati­
mem, e abáráma está no futuro, exprimindo o hom1~m co, vamos no entanto, para facilitar, seguir mais ou rne- .
que ainda ha de ser, que ainda não é. Os termos muito nos as normas de todas as grammaticas.
conhecidos : tapéra, acangoéra, anhçz,nguéra e peaçágoéra, Os adjectivos qualificativos em tupi, como os subs-
não são mais que f órmas do preterito de tába, acánga, tantivos, são invariaveis quanto ao genero ~ q.o nume-
anhánga e peafá, e que significam respectivamente: a ro. Assim: ,
aldêa, a cabeça, o espírito máu, e o porto.. Logo, a tra-
ducção natural 1daquelles termos será: a aldêa q,ntiga, a catú. significa <bom, •boa, bons, hoas
,

aldêa qwe foi, a aldêa em r~inas; a cabeça que foi ca- una ,, preto, preta, pretos, pretas,
••
beça, ~ caveira,· o phantasnw, Q vulto do- Diabo, do e~- piranga ,, verm·elho, vermelha, vermelhos,
'
pirito, máu; Q porto qu,e já não é porto, o embarcaidou- vermelhas
ro antigo.. . "
poranga ,, ,bonito, bonita, , 1bonitos, bonitas
E si qui~rnls ' innumeros outros exemplos, é .só júba ,, amarello, ama;r'ella, amarellos,
passarmos os olhos por um ma;ppa do Brasil ou pelas , amarellas
paginas de um jornal moderníssimo de hoje. Já deveis tinga branco, branca, ·brancos, brancas
" , , , ,
estar concordando com () ·bondoso Padre Figueira: o. puchi mau, ma, maus, mas.

'


60 PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI \
·,
61

Esses adj•ectivos, siniples ou primarios, são em nu- duas mãos. D·uas mãos e 1tm pé valiam naturalmente
mero limitado como é natural, <ladas as condições ru- qui~ze, e as duas mãos e os dois pés não podiam deixar
dimentares da vida de nossos selvicolas. A lingua, po- de ser vinte. Os numeras intermediarias seriam com
rêm, con1 seus in1mensos recursos, pó de fornecer copia muita logict:t: a mão e um, a mão e dois, a m.âQ 1e três e
variadíssima de adjectivos para satisfazer as maiores assim .por diante. O quadro dos seus numeros era, por-
exigencias do p·ensa1nento. Ç)s suf fixos oéra e rapi.xá- -1~ tanto, apenas este' J
ra applicados aos substantivos, ?éra e ceráne á outros ' '

adjectivos, e pyra á jnfiridavel ser ie de verbos, l'' - iepê - ( elle só)


dão todos adjectivos nu.m eroso's. Dois ou tres eXietnplos 2 :___ mof<;in .-- (fez par)
bastam para u1na ideia approxin1ada ·da 'facilidade d.e 3 - moçapira - (faz bico ou vertice)
derivação: do verbo cái, envergonhar, enlear, faz-se 4 - irundi - (faz pares)
caipyra} o envergonhado, o atrapalhado ; de çaiçú, amar, 5 - ambô - (a mão, que: tem cinco diedos)
faz-se çaiçupyr.,a, o ama<lo, o quetido; de jucá, matar, 20 - chê pô chê pi (miphas mãos e meus pés)
faz-se jucapyra, o môrto; de camiryca, calcar, aipertar,
camirycapyra, o calcado, o apertado. Com a chegada dos catechistas e <los colonisado~
Com esses recursos é que se tem organisado volu- res, é natural. q ue esse reduzido quadro fosse ampliado
mosos diccionarios tupis, verdadeiras surprezas para largamente. E foi, de facto, e pelo systhema decimal,
os que suppôe ser a lingua bárbara e pobre. isto é, dizendo-se dez e um, dez '!. dois~ etc.
·Conhecidas as denominações dos numeres, para se
obter os adjectivos ordinaes, ~ sufficiente que á aquel·
NIUMER~S E· QRDINAES les se posponha Q suf fixo uára, lê logo tereinos:
1,,

'
/~

'
·- -
Os nuni.eraes uzados, .t1ã9 eram niais do que qua- • • •
iepêuara - o primeiro.
tro apenas. As necessidades db 'incola pouco exigialn,
moçapirauára - o terceiro, .
os seus calculos eram ·m~destissimos. E' sa:bi·do que
quando queriam exprinii.r- a ideia <le cinco, mostravam
1
a mão, isto é, os cinco ·d edos; 'p ara o numero dez, as
t:. assim por diante, facil, elegant~ e praticamente.
'
I

'
62 PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI

DEMONSTRATIVOS, POSSESSIVOS E lavra modificad'Ora á palavra modificada, basta a<lditar


INDEFIN.II>OS aos adjectivos determinados suf fixos, e. tudo está re-
solvido sem maiores preoccupações.
C omo os :p ossessivos se· for~m dos pronomes pes- Para o comparativQ uzam-se peure e pir~, e para o -\-
soaes, desviar-nos-emos da róta classica, deixando para superlativo 'O nosso velho conhecido etê. Teremos
<lepois o seu estudo. Pos demonstrativos e indefinidos, então: •
vamos éitar apenas os n1ais uzados, cuja applicação nas
.
' ,
)

phrases d.epen<le ·de maio'res conhecimentos. puchi, máu -


..
puchipeure-,
.
m~u,
mais
, . '

pe1or.
.Nãb ·ha. commentarios á faze-t ~h~ elles por en- P.~ránga .bônito - porangapira, mais bonito:.
' "6 - .,,

quanto; sãq o~ seguintes; . catú, bqm - catúetê, muito bon1, realmente bo1n,
1bonissill}o.

iepe -
A
um, um .certo, um tal
amô - alguns, uns certos
po.ranga
...---,. . bonito - porangaetê, .r ealmente bani-
to, ·bonitissimo.
cetá - muitos, varios, diV1ersos
opá, opabinhé, opacatú - todos Si applicarmos esse mesmo su ff 1xo • ete aos a d'ye- .,1.....
A
1-.•

oiepêguaçú - todos juntos, um grupo ttivos que por si dão ideia de grandeza ou <le pequenez,
nã (mostrando os dedos) -:-- itantos tQbteremos um gráu mais alto ou mais baixo dessa mes-
cuá - estes, esses ma idei~. Mirim, por ~mplo, que serviu para formar
auá - aquelles, aquellasJ ~· 1,. o <liminuitivo dos substantivos, como vimos, com o si-
gnificado de p equeno, si ligado a. ,etê, dará miri.etê que
' . '·
'
.diz: .realme~te pequeno, pequenis.simo . .Quanto a guriçú,
GRAUS · COMPARATlVO ~- SUrP.ERLATIVO o mesmo se dá; guaçúetê significa~~ o qué. é r:ealment~
I .1 ' 1
grande, grandíssimo. . ~ '
Falta-nos agota, para copcl,u ir este esboço rapidis- ·O utros detalhes, outro$ informes, maís claras no-
• t • •

s1mo, mostrar como é possivel, ainda com auxilio dos


ções, só o estudo e a bôq. vontade poderão mostrar e
suffixos, expressar o çomparativQ e q ~uperlativo. De
dar.
'\ ctt côrdo c9m .a regra q~ lingua, quç_ nwnda po·spôr a pa-
""""'- ~L · aA....: . .
Q·~e-0. , C'-.f
f

. .
64 PRIMEirlAS NOÇÕES DE TtJP1

Eu vos dei o quanto pude, o quanto é possivel dar


nestes minutos que vós generosamente me concedeis. TERCEIRA P A LESTRA

Occasiões não faltarão, por certo, para vôs aim>-
f undardes nos estudos desta parte interessantissima da
grammatica tupi.

( 17 - agosto - 33)

' 'erbos, preposi~õe.11, adverbios e con,juneõcs.

'
• Pretendemos hoje, •num rapido bosquejo, tratar
dos pronomes, dos verbos, das preposições, dos adver-
bios e das conjunções. Parece vasto demais o nosso
·programma, e realmente o seria si não nos limitasse-
mos ás mais importantes genier~lidades. Vamos ver,
contudo, si nestes quarenta minutos conseguiremos re-
sumir o qua.gto desejamos, sem prejuízo dos conheci-
mentos geraes que devemos dar.
1 '

PRO<;NóMES

Os pronomes pessoaes do tupi, com pequenas va-


riações de pronuncia e graphia, devi·das as influencias
dialectaes, são os seguintes :
' t

..,
66 PRIMEIRAS NOÇOES t>E TUPI PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI 67

Xê, ichê ou chê - eu Para a formação do plural desses possessivos, bas-


ndê, nê ou dê - tu ta á elles se acrescentar o suf fixo etá que, como sabe-
ae ou i -
A •
elle, ella mos, significa muitos, varias etc. Assim:
Orê e ianê -· nós outros e nós todos
penhê ou pê - vós chêretá - meus' minhas
.
i - elles, ellas. ndêtá - teus, tuas,

A.a orê~ primeira 1pessoa «lo.plural, não. se dá tod: e ,da mesma. forma para todos os outros.
a latitude ,do nós portuguez, pois qu~ndo dizemos ore, Quan.d o se quizer applicar as relações de mim, 'àe ·
o fazemos excluindo sempre arguem, isto é, ton10 q~e ti, dé n~s, delle,' ~e vós, etc'., é mister certo' ~uidado, pois .N
·d eterminamos nós oiitros apenas,,. e n.ã o nós to;d'o1• .Para iellas exigem prefixos espec1aes, que se antepôem ao the-(
exprimir todos, sem excepção, diremos ianê. Por isso ma tegente. Na palavra.. Tupanaróca, que conhecemos
.'
Ja, o r que apparece anteposto á 6ca, não é sinão 0 pre-
é freq'uente encontrar-se em grammaticas as duas fór- •
nms da primeira p·essoa ·do plural. Para facilita!, nas fixo denunciador do genitivo, da relação de posse.
conjugações dos verbos vamos uzar sempre uma das Nem sempre, porêm, isso ge <lá, como vimos tam-
f órmas, orê, por exemplo. bem no exemplo que então citamos : itaóca, a casa de
O s pronomes possessivos que -correspondem aos pedra;. aqui a relação do genitivo se expressou pela só
adjectivos tambem possessivos, como dissemos na pre- posposição da palavra óca á itá. Não podendo entrar em
detalhes, valha o aviso de que é preciso cuidado no uzo
lecção ,p assada, decorrem dos pronomes pessoaes, como da:quellas relações de possessão ou de genitivo. A rela-
A

se ve: ção delle, delta assignala-.se,· muita vez, pondo é,tntes da


r palavra o i pronon1inal. Diz-se: i-acanga a ·cab~a del-
l / . 1 ,

xê ou ·chê - (eu) - meu, minha.


1 11e, ipirá),O peixe delle. --~· . ,' ~ ·• '·, ---~
' ndê - (tu) - :teu, tua,. •
. 10 pronon1e conjuntivo uá oti uaá exprim~ : .aquelle
1

i - ( elle) - séu, sua. que, qual, os quaes, cujo, que, etc. Ao co9trario <lo
ü
orê - (nós) - nosso, nossa. que se -dá em portuguez, esse pronome é sempre collo-
pê - (vós.) - vosso, vossa. cado no final da phrase.
i ~ ( elles) - seus, delles, dellas.

\
68 PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUP! PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI 69

Auá, como pronome interrogativo pessoal, o é por que sigtl:-ifica ter, possuir, etc., são empregados as vezes
excellencia, e equivale a: quem? qual! quaes? que pes- como auxiliares, porêm não obrigatoriamente.
soa? M aá ou má é um interrogativ-0 neutro, e tem os Quando se diz : chê catú, eu bom, sente-se logo
seguintes correspondentes em nossa lir.gua: · que? que que a ideia :de -9ier está implicita, isto é, que a phrase
cousa ? qual?. Ambos se empregam sem·p re no começo completa será - eu sou bom. Num ou noutro caso, é
da phrase. natural, poderá surgir alguma duvida ·q ue o sentido da
conversa não .possa esclarecer, mas ahi então é que tem
VERBQS
.en1prego os verbos çiicô e recô, ou qu,aesquer outros, co-
O capitulo mais complexo' <la grammatica tupi é, mo auxiliares.
'

sem duvida alguma, o que trata -dos verbos em geral. N-0s verbos do portuguez uzatn-se terminações .di-
'
Taes ie tantas são as regras e as excepções citadas pelos versas ~ara cada pessoa e para cada tempo; ~o tupi, ao
compendios antigos que, positivamen:te, só um estudo contrar1~, uza~-se partículas fixas que se antepôem
sempre a voz nua ·d o verbo, ou á ella. acompanhada dos
muito sério e exhaustivo permittirá comprehendel-as e
necessarios suffixos, tambem sempre eguaes para quasi
applical-as com segurança e justeza. ·
todos. os. tie~pos e modos. Um simples exemplo dará
Os autores, em geral, perderam-se em detalhes,
perfeita 1de1a desse mechanismo caracteristico <la lin-
quizeram arrolar todas as variações subtis que conhe-
gu~. O verbo jucá, matar, q ue é desde Anchieta 0 pre-
ciam nas vozes verbaes, e dahi o crearem um verdadei-
f er1do para exemplificações, assim se conjugará, em
ro cáhos que h oje nos embaraça e nôs dá a impressão confronto com o seu correspondente portuguez:
de problema quasi insoluvel. Mas não desanimemos ;
eu mat-o > chê a-jucá
com un1 pouco de boa vontade, deixando os detalhes de
1

tu mat-as ndê re:..jutá


lado ·e as excepções para depois, c<;>nseguiremos ter uma
' elle mat-<.i i º"'ju~á
ideia bem clára de como se conjugam, ~s verbos tupis,
nós tnat-amos ' o'r ê orô-jucá
qas caracteristica~ .d essas· ~jugações e -d as suas diver- , .

sas vozes.
. -- .vos mat-aes penhê pe-jucá
• elles mat-am i o-jucá
Antes de mais nada poderemos dar uma noticia
Como se vê, a,s terminações o, as, a, amos, aes, am
confortadora: não existem verbos auxiliares na língua
do portuguez, parecem éorresponder ás iniciaes a, re,
geral. Os verbos aicô ou icô, que significa estar, e recô,

'
<
,., ,.,
70 PRIMEIRAS NOÇOES DE TUPI PRIMEIRAS NOÇOES DE TUPI 71

o, O'rô, pê, o do tupi, mas não cori:espondiem absoluta- Pôr diant e de vossos olhos o quadro geral da con-
mente. Vejamos o f uturo dos mesmos verbos : jugação de um verbo, é o melhor meio, cremos nós.,, de
• • , tornar •bem .p atente quaes as partículas de que se serve
eu mat-are1 chê a-Jucane
,
ndê
. , a lingua, •ê o modo de applical-as ás f órmas verbaes.
tu mat-aras re-Jucane
• • , Vamos seguir as nórmas classicas de nossas grammati-
; ne mat-ará 1 O-Jucane
, cas portuguezas, tomapdo pa,ra exemplo o mesmo vdl
nós mat-ar·emos
A A •
ore oro-Jucane
1

• , bo jiJicá, matar.
vós mat-areis penhê pe-Jucane
. 1
ielles mat-..ttt:ãt> 1 'o-jucáne

Nota-se ahi; claramente, que para formar o futuro, MODO IN·D ICAtfIV·O
houve a intervenção da particula. ne, invariavel, conser-
vando-se ainda as mesmas inicia1es, a) re, o, orô, pê) o,
como no pre~ente do indicativo.
E stas particulas iniciaes não são, portanto, índices
de presente ou de futuro do verbo, mas apenas cara-
cterísticas dos pronomes pessoaes eu, tu elle, nós, vós,
1,

elles. Quando se diz ajucá e rejucá, sabe-se logo que


essas expressões significam, eiu, mato, tu matas, sem ne-
cessidade alguma de uzar os pronomes eu e tu. E tanto
isso é p roprio da língua, que jamais se empregam os
pronomes na quasi totalidade dos v·erbos. Imperf eito
Mas não pára ahi· .a sua originalidade; quan- . ,
aJucaaereme ·e u n1atava
·d() se .diz ajucá, não só se diz ieu mato, tomo tambem . ,
reJucaarereme tu ·matavas
·e u matava, eu tnateí, eu matára. ·S omente quando o sen- . ,
OJUcaaereme ellé matava
tido <la phrase ou da conversa não permittir a distin- . ,
oroJucaa,ereme nós ma:tavamos
ção dos tempos, é que se uzatn certas ·p artículas capa- . ,
peJucaaereme vós mataveis
zes d·e os determinar. . ,
OJUcaaereme elles matavam
\
,

)
----x. z 5
72 PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI i3 .

MODO IMP·ERATIVO
Pret. perfeito
. , Presente ..

a1ucauman eu matei . ,
. ,
re1ucauman tu mataste e1uca
,
mata tu
. , . ,
mate elle
OJUcauman elte matou tOJUta
. ,. , . . ,
·t1a1uca matemos nós
oroJucauman nos matamos . ,
. , ,
.pe1uca matae vós.
p·e1ucauman ~os matastes .
. , tOJUCa
~
1natem elles
OJucauman elles mataram

Mais que perfeito .. . MODO MAN,D ATIVO


, , , ,
a J• ucauman-aere1ne eu matara
' , . ,
reJ• ucauman-ae-ren1e

tu matáras
Futuro ..
• , ,
oJ ucauman-aeren1e elle matára terejucáne matarás tú
. , , , ,
tapejucáne matareis vós
oroJucauman-aereme nos mataramos
• . , , ,
pe1ucauman-aereme vos matáreis
, ,
oJ• ucauman-aereme elles matáram -

Futuro Pre~ente ~ imperfeitü;


. ,
a1ucane eu matarei
. ,
ayucatemoma - oxalá n1atasse eu, ü U n1atára
. , r~jucát~mo~
;,
matasses tu, etc.
.
' reJUcane .
. ,
OJUCane
tu matarás
elle matará oJ.ucatemoma
, - '
matasse -elle, etc~
. , . , ""
oroJucatemon1a n1atassem-0s nós, etc.
orOJUCane
. ,
pe1ucane
nós mataremos
vós matareis
. ,
peJUCatemoma
- matasseis vós, etc.
. , . . ,
01ucatemoma
""
1natassem elles, etc.
OJUCanie elles matarão
PRIMEIRAS ""
NOÇOES DE TUPI 75
74 PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI

Pret. Ptrf. e niais que perf. Imperfeito.


. ,
aJucame1ma
. - oxalá tivera eu morto
.
aJucamo
,
eu mataria ou matára
. , .
re1ucame1ma - tiveras tú morto
. ,
reJucamo
. , .
01ucam•e1ma
- tivera elle morto
. ,
OJUcamo
tú 1natarias ou matáras
ielle mataria ou matára
• , • N . , , . ,
oroJucameuna tiveramas nós morto oroJucamo nos matariamos ou mataramos
. , .
pe1ucame1ma
- tiveteis vós morto
. , , .. , .
vos matar1e1s ou matareis
. , .
OJUcame1ma
- tiveram elleJs morto
peJucamo
. ,
' OJUcamo elles matariam Oij matáram
1

Futuro
. ,
aJucamoma - mate eu Pret. perf. e mais que perf.
. , ,,,
re1ucamoma mates tú . , ,.,
. , aJucaumamo já eu teria morto
. ,
,.,
OJUcamoma
,.,
mate ell·e
reJ.ucaumamo
, - já tú terias morto
oroJ ucamoma
. , - matemos nós
. , . , -
OJUCaumamo já elle teria morto
peJucamoma mateis vos . , -
. , -
OJUCamoma matem elles
oroJucaumamo
. , -
já nós teríamos morto
peJucaumamo já vós terieis m'Orto
. , ,.,
OJUcaumamo já elles teriam morto
MOD,O PERMISSIVO

Presente
Futuro
;

I . , matarei eu en1bora
tajucá ma.te eu · taJUcane
. ,
tereJuca . mat<i!s tú
. ,
tereJuca11ie
,
mataras tu
,
. ,
tojucá 1nate elle toJucane matará oelle
t . , matare1nos nos /
torojucá matemos nós t-0roJ ucane
. . , . ,
tapejucá mateis vós ta;peJucar:i1e matareis vos
. , . ,
.toJucane matarão elles
tOJUca matem tlles

'

76 PRIMEIRAS ""'
NOÇOES DE TUPI l?RIMEIRAS ºNOÇÕES DE tUPI 77
MODO CONJu;NTIVO Participip_ passivo
Pres., Imperf., Pret., Mais que Per/. e Futuro ijucápyrama para se matar, cousa que ha de
ser morta, dignél de ser morta.
jucáréme (quando, porque, como, se) eu
mato, matava, matei, matá-
Gerundio, ~ Supino '
ra, matasse, matar. Etc.
jucábo a matar, para matar, e matando

MO:DO IN:F INITIVO G-erundio passivo_


(só nos verbos activos)
Presentie .. ' ,
lJUCapyra o que é n1orto
.JUCa, matar
.. , ,
o que foi morto
lJUéapyroera
.. ,
1Jucapyrama o que ha <le ser morto
............. ,,., - ,
Pret., e Mais que Perf. i j ucápyramboera o que houvera de ser morto
jucáagoéra que matei e matára; mataste e Eis ahi, em poucas paginas, desvendados todos os
matáras: matou etc. segredos dél; conjugação de um verbo tupi.
Si quizermos, agora, esse mesmo verbo conjugado
Fut. per/. ~ supino pela negativa, devemos empregar novas partículas ·d e
.1ucaoama
, ,
·p ara haver de mqtar, ou que accôrdo com as seguintes resumidas prescripções: º.

h·~i, has, ha, havemos, haveis,
1 pre,sent,e, o' imperfeito, o pret.erito e ·o niai~ q~e perfei-
1
hão ·de matar. to ·do INDICA1~IVO, formam-se, com a ant~posição ao
verbo, de n, d ou tµJ,, e· co1n a posposição .d a letra i. As-
' , .
Fut. imperf. sim:
ajucá, eu mato - najucái, eu não mato
j ucáramboéra rque houvera eu de matar,
rejucá, tu matas - nderejucái, tu não matas
que houveras tú, etc.
pejucá, vós mataes - napejucái, vós não mataes

.,
• •
,.,
78 PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI PRIMEIRAS NOÇOES OE TUPI 79

Para o futuro, ainda do INDICATIVO, accres- O quadro completo da conjugação .p ela negativa
centa-se, alêm do n inicial e do i final, a syllaba zo ou encontra-se, como dissemos, em Anchieta e Figueira,
zoé antes de ne, signal do futuro na f órn1a af f irmativa. não h avendo pois necessidade de dar maiores detalhes.
Assim: • Vamos ver agóra como será p<>ssivel passar da vóz acti-
va para a voz passiva. Nada mais sin1ples, porque é ne-
ajucáne, eu matarei - najucáixoén•e, eu não matarei.
cessario apenas que, entre a inicial indicadora da pes-
.. soa, se popha a particula nhê ou ie :
O IMPERATIVO nega-se com ~ .particula umé,
que dá: .ejucáumé, não mate's tú. Pàra a formação do l

OP'I'A1"\IVO de negação, alê1n da syllaba zoé, accres- · ·de aim onhang, eu façó - 'deduz-se. - · anhemonhang,
l '

centa.-~e temomã, meimã ou meinio11w; teremos então : eu sou -feito.


de ajucá, eu mato - deduz-se - aiejucá, eu sou môrto .
najucáixoétiemomã, que diz: oxalá não matára •
eu, QU não matasse eu. J?ara a conjugação interrogativa, nada n1ais é ne-
/
cessario tambem, que additar á fórma regular a parti-
O PERMISSIVO ne~-se êon1 as dicções umé '
tula cerá?, ex-ceptuan<lo-se as primeiras p·essoas do sin-
para o presente, zoémq p ara o imperfeito, preterito e
1nais qt-te perf.eito, e u111éne para o futu,ro. Assim: gular e do .plural que se mantem invariaveis.
E' inutil <lizer, por certo, que ~o tupi existem ver-
tajucaumé, não mate eu. bos activos, ·passivos, neutros e absolutos, e qu·e todos
ndajucaixoén10, eu não matára, ou tiv·é ra morto. têm as suas f órmas negativas interrogativas etc. ; todos
tajucauméne, não matarei eu. se conjugam, ·e ntretanto, pelas regras que ·demos aci-
' ma, excluidos é claro, os irregula.r es que assumem fór-
Finalmente,1. o CONJUN'T f\00 em todos os seus
ten1pos, com eyme1 no f i,m .,do verbo·, e o IN~INITIV0 rnas proprias, exactam•ente como acont~ce em portuguez.
. . 1

e mé;\is tempos seguintes,, co~ .eyma. Assim : D9s , irregulares mais uzados 'podemos destacar. os se-
gu.i~tes: aê, dizer, ajúr, vir, a.júb, estar <leitado, aín, es-
jucáeyme, (quando, porque, como, se) eu não tar se.n tado, an1anô, morrer, aicô, estar, aikê, entrar,
mato, etc. aityc, derrubar, ajár, t omar, açô, ir e araçó, levar. Co1no
jucáeyma, não matar, etc. se p·ercebe logo, todos esses verbos estão, precedidos do

'
\



80 PRIMEIRAS NOÇÕES DE . TUPt PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI 81

signal a de primeira pessoa; rigorosamente para serem PARTICIPIQS NOMINAES


considerados como no infinitivo, não deveriam trazer
Resta-nos, para t ermi9ar estas noções, ab~donan­

essa letra. inicial.
Ha ainda uma classe de ver.bos que se não conju-
1 do o estudo do gerundio-supino que em geral se forma
gam com os .artigos a, re, o, et-c., mas com os pronomes com o accrescimo de bo ou óbo, ao .thema, examinar ra-
pessoaes. Assim nã-o se diz, çimaend.uar, eu me lembro, pi<la~ente ?s particípios que. têm uma importancia toda
mas chê maenduar, com o pronome, e sem o artigo ou especial. Os participios nominaes se formam com duas
signal a. ~lasses ·de suffixo: ára ou çára e ába ou çába.
Infelizmente não ipodem-0s <lar a conjugaçã~ com- Ara ou çára exprime o que executa, aquelle que
'
pleta delles, que se chamam, nas velhas grammaticas, · executa a acção indicada pelo verbo, e ába ou çába, o
J)erbos do pronome, para os distinguir dos outros que tempo, o lugar e o modo <la m·esma acção. Exs.: .
são verbos do artigo. .• ,
JUCa, matar -
. ,
· JUcaçara, o que mata, o matador,
Um gólpe ú'e vista sobre o quadro das suas con-
jugações dará perfeita noçã-o do nle<lo. por que se for- j ucaçába, a matança, o matadouro
mam os var ios modos e tempos. Pod~mos agóra resu- oatá, andar - oatáçára, o que anda, o andejo, o
mir o quanto dissemos nas seguintes notas sjntheticas : caminheiro,
l.º - não ha verbos auxiliares no tupi. oatáçába, a caminhada, a viagem.
2.º _:_ os verbos não tem' termi~ações es~ciaes iuci, limpar - iuciçára, o que limpa, o limpador,
para indicar o infinitivo e nem as pessoas iuciçába, a limpeza, a limpadura.
dos diversos modos e tempos. monhang, fazer - monhagára, o que faz, 0 autor,
3.0 - os verbos tupis se conju&"am .com auxilio monhangába, a f actura, o logar
de fazer.
' de .p articulas especiaes. ,. <
4.º '- ha no tu.pi rv~rbos regulares e irregulares, soroc, ,rasgar - soroçara, o ras.g ador, •

activos, passivos ' e neutros. Conforri1e sorocába, a · rasgadura, o rasgãot.


,
seja o ca,so, podem conjugar-se n egativat . , o corte.
. ,-
ça1çu, amar; - ça1çuara,
reflexiva e interrogativamente, por meio o que ama, o amante,
de partículas. çaiçuçába, o amar, o amor.
'
.
' ;

,._. ..... . •
$2 PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI PRIMEIRAS NOÇÕES DE TtJf>I 83

E' evidente que essas formações de particípios no- za: tietêguára. Da mesn1a fórn1a são pauloguára, ta-
nimaes, são fontes inexgotavieis de palavras, capazes de tuiguára) taubatêguárçi e baurúguára) designarão o Pfl-U-
avolumar formidavelmente o riquíssimo vocaibulario <los lista, o tatuiense, o taubateano, e Q baur,úense.
tupis. Bem claro está que a traducção dessas expressões,
De outros .suffixos, de. muitos outros mais, não nôs en1 rigor, deveria ser : aquelle que cóniie enii Tíetê, aquel-
\ podemos occupar :no momento ; tomar-nôs-iam muito le que é co~dpr nessa cidade, aquelle que se alimenta,
tempo, e nôs levariam para alêm do nosso modesto P.r o- q~e cóme e_m S& Paulo, e1n Tatui, em Baurrú) etc.
gramma. E quando se diz, tamben1, .j',Úm,,~fJ.Uf!J, para desi-
f1tis uns dois ou três, porêm, vamos citar ain·d a ~gnar o companheiro·, o fUlligo que vive jtp:~.to, 0 c~ega,
porque são <le grande utilidade. Bóra, por exemplio, li- d,iz-se, na realida.de: Q que é comedor junto, aquetle'. que.
gado aos verbos, indica a pessôa que 'eXerce habitual- come em companhia d.e outro. Disso S'e conclue, que a
'
mente a acção. Si canhen ·q uer dizer f-wgilr, canhen-bór(l mania extremamente feia de ligar a ideia -de comida á
ou canhembóra dirá: aqu~le que f óge continuament e, <le camaradagem, tão generalisada hoje, não éra para
que tem o habito de fugir, o fujão 'e'm fim. os nossos i,u.genuos selvicolas sinão uma f órma vaga de
Com o suf fixo pyra, formam-se particípio~ pas,fa-- ·expressão com sentido estrictamente familiar. . . Mas
dos adjectivaes, com toda. f~cilidade: não citemos mais porque, de citação em citação iriamos
muito longe, e de longe, e1n geral, a gente enxerga n1e-
de çaiçú, amar, faz-se içaiçupyra, amado, querido.
nos ; contentem-se os meus paci•e'ntes ouvintes com essas
<le jucá, matar, faz-se íjucápyra, môrto.
"pintas" de ouro, signaes apenas, 1nas evid~tes, da
r ·O verbo u, que significa cÓmer, alimentar-se·, dará mina exhuberante que espera. a vossa visita e a luz de
como já ié sabido, o particípio nominal uára ou guára, vossa cultura.
que diz naturalmente': o comedor. Pois bem, e:sse ipar-
1

ticípio é empregado largamente como suffixo \para ' de- . PRBPOSIÇ0.ES


signar o tnora:dor, o habitante de um certo logar, o· na-
' • '
tural de uma certa' localidade. , As preposiç6'e's tupis por se colloca-rem sen1pre após
Quando quizermos dizer que tal pessoa é tietêens·e, o nome que r•egem, devem com toda a propriedade ser
ou natural da cidade de Tieté, diremos coP.1 toda )uste· chamadas posposições.


,.,
.. PRIMEIRAS
;..
NOÇOES DE 'I'UPI PRIMEIRAS NOÇOES DE TUPI 85

Para evitar confusões e para evitar tambem que a Çuí - corresponde ao ex latino, ou a
~educçãü do assumpto nôs leve para commentarios lon- de, do, da, de nossa lingua. Ex.
gos e .descabidos no momento, vamos citar tão rapid.a- Acêm óca çuí, sahiu de casa.
n1ente quanto possivel, as principaes posposições, das ,
, çup1 - vale aexpressão latina, secun-
estudadas por Figueira, e apenas um exemplo elucida-
dum, ou como, com, conforme.
tivo sobre o en1prego ·dellas nas phrases.
A ltera-se, ás vezes, pa.r a rupt.
São as seguintes :
Ex. Chê rupi, commigo, segun-
mô ou bô - significa. o m~sn10·, que per em la- do meu modo de pensar ou de
.
tim, isto é, por, Pie lo, pela. ' Ex. agir. . '•

Açô caábo, eu vou pelo matto, poçe --. significa. co1n, commígo, mas tra-
A

atravéz ·d o matto. duzindo uma ligação muito inti-


pê, bê ou niê - corresponde ao in lat~o. Ex. ma e por assim dizer, material.
Açô ca.ápe, eu vou ao matto. Ex. Chêpoçê okér, dorme junto
de mim, commigo.
çupê - equivale ? ·a-0, para, etc. Ex.
Anieê Centro Professorado Pait- áribo - corresponde ás ex'.pressões : no
lista çupê, of f ereço ao Centro do . ., alto, em cima. - Ex. Ocáribo, em
Professorado Paulista. cima da casa.
,., •
significa o mesmo que super e pyri - equival~e'
a com, para, em, a, etc.
çoce -
supra latino$, ou 1n.ais do que, Ex. Açô chêrub<rpyri, vou ter
por cima., eni cima, sobre, em por- con1 meu pae.
~

tuguez. 'Ex.- Jtaçoçê, sobre as pe- reçê - por caus~ de, por amor d.e, j;or,
dr~$, por cima das pedras. peZo, etc. Ex. Santa Curuç(i ran-
tobakê - em presença de, déante de, etc. gába recê, pelo signal da Santa

Ex. cherobakê, deante de mim, Cruz; Tupã reçê, por amor de
' D eus, juro por ;Deus.
em minha presença.

)
86 PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI 87

, . ,
coty - e o mesmo que v ersus, isto e, Os mais conhecidos 'é uzados são :
contra, ·em contrario,. Ex. hê e de mvdo - ecatú, •b em; meo.án, mal ; yauê, as-
coty, contra mim. sim; mahy, como.
i - corresponde a ad ~ circa <los la- de lagar - ikê, aqui; m.ime, alli; apê, longe;
tinos. Ex. Ajuri, isto é, ajúr-i, apê-catú, lá longe.
ao pescoço. de tempo - mairarê, amanhã; ariry, depois;
ra~hê, ainda.
pupe -
A

vale o in: latin..o, com. ablativo, úU


de quantrdade - amoirê, mais ; retê, demais,
a eni, com, a. Ex. Chêróca poran-
• 1 \ rihóte, nada; nhun, só.
' ga pupê, em minha casa bonita.
. ..
r1re ou re -
.. corresponde a depois de, em se·
de affirmação - heen, sim; çupi-catú, por cer-
to, certamente.
guida, etc. Ex. Chêço roirê tereçô, de interrogação - nibaê recê? por qu1e?; mbaê-
ireis depois de e'u ir, ou depois ramê,f quando? ,
·d e minha ida. de negação - ani, nitio, não; nitio mbaê, nada,
Mais algumas posposições poderíamos · .r elembrar, cousa nenhuma.
' .
·ma,s tão simples é a sua applicaç·ãCY, ''e tão facil encon- · Para a formação dos adverbias que. correspondem ,
tral-as rios compen.dios que, na certeza d~ vôs ter dado aos portuguezes terminados em mente, basta ;p ospôr a,os
o sufficieJJte para uma id•eia geral, vamos relembrar substantivos ·o u adjectivos o suf fixo ri1,pi ou retê.
tambem com brevidade alguns adverbias. Assim:
catúrupi - com bondade, bondosamente.
piáahybarupi - com 9 coração ruim, apaixonada-
A DVERBIOS
. mente, amorosamente.
São numerosissünos os adverbias em tupi, e romo 1

CONJUNÇõES
os adverbias de 'O ut ras linguas, elles se classificam em
adver.bios d e tempo, de n1odo, de quantidade, de lugar, As conjunções podem, em tupi, como em p ortu-
etc. I sso sabem todos. guez, ser: copulativas, adversativas, causa•es, etc. Nada

..
88 PRIMEIRAS NOÇÕES DE ·TUPI PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI 89

existe de complexo no sieu estudo, ou applicação, que nos estes meus éonceitos muito fracos, estas minhas lições
obrigue a prolongar por mais .t empo ainda estas mono- vertiginosas de alguma for1na chegaram até voss~ ahna,
tonas e ásperas e..."'Cplicações. Citemos algun1as ao accaso : e vos convenceram da facilidade desta língua, muito ga-
nhamos nós, eu querendo ensinar, e vós com1nigo apren-
mahy - como, porque. dendo.
A O

çae - s•e. Como ponto de partida, como iniciação, creio que


anhê - pois, assim é~ basta quanto vôs disse, pois disse tudo quanto me bas-
açuhy - logo, portanto. tou, á mim, para ~r vosso professor.
tê ou .tenê - mas, antes; 'f inaltnente.
coytê '- então, depois ·disto. ( 24 - agosto - 1933)
'
eymetê - sendo assim com é.

E sendo assim, como é, muito f acilmente termina-


mos Q nosso estudo das pa:r.tes principaes da oração
tupi.
Si disserdes ,que noticia~ não dei ·d as interjeiçõê~
dos que fallaram a língua bôa, a nossa lingua brasilei-
ra, eu vos direi que para gritar de dôr, para protestar
contra a escravidão e a sevicia nas horas -de agonia, ou
para exclamar de jubilo deante das quinquilharias do
invasor, o homem brasilico uzou de vozes universaes,
'·,
doces ou an1argas, violentas ou carinhosas.
Si ha factps que separam as ·,creaturas e provocalll"
mO'dalidades linguisticas, ~ a1egria e a dôr, creadoras
eternas das interjeições puras, ligam-nas para o mesmo
sorriso, reunem-nas para as mesmas lagrünas.
E as~im, si estas minhas palavras muito r~des, si ,
' •
, • l

QUARTA PALESTRA

, .
Construeção da phrnise tupl. In'ter'priet'a~ão de termo& da fim&,
f·nu.n,q e geogrnphfa do Bnl.911•
• I

A construcção da phrase tupi é extrema1net;lte


simples quando composta de poucos termos, e mais
\ . ou menos cotnplexa si, além dos termos essenciaes,
•• nella occórrem ainda attributos varias .
,
Não é verdade, en.tretanto, que a ordiem de colo-
cação d os elementos constitutivos da oração seja h1ver-
sa, relatiavmente á ordem observada nas línguas néo-
latinas ; no tupi, a regra geral estabelie'ce a or~em dire-
cta, ~sto é, em primei.ro lugar o sujeit~, tlepois o verbo
e f inalmehte o .cotnplemento. Na phrase:
' ' '
ajucáne pirá júba - eu matarei o peixe an1arello,

a ordem é positivamene.t directa. ·O que dá á oração bra-


• ' silica um caracter de originalidade e um feitio de inver~

'

,.,
92 PRIMEIRAS NOÇOES DE TUPI PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI 93

são, é o emprego obrigatorio de certas partículas, ad- ses, a resalva de sua responsabilidade sobre a veracida-
verbios e preposições, no final das phrases. O modo de de do que narrava ou referia, dizendo: contam ... di-
traduzir as ideias influem tambem no meneio das ora- zem. . . fallam ...
ções, e nôs dá impressão de phraseado inc-01npleto ou Elle, narrador, nada garantia; os outros, os anti-
-demasiadamente synthetico. Pura impressão que se des- gos, ·esses é que contavam, fallavam, diziam. Mas não
faz por inteiro, logo após nôs termos habituado a ouvir nos desviemos do assumpto. Em resumo, e ·de accôrdo
ou lêr a língua. 1 ' com traducção quasi literal, a lenda diz assim:
Por isso, em lugar de repetir ·o .que todos os com-
pend'ios consignam em relaçã9 á synthaX1e' pre.fe.. "No cotneço não ·h avia noite; só o dia rei-
. -
rimos vôs apresentar um f ragm.et}to de len:d a tupi, es.:. nava SQbre a te'I".r a; a noite est~va, a<lormeci·da
cripto ein tupi, e ond•e todas aquellas a-egras que dén~os no fundo dos rios. Não havia tan1bem animaes
em aulas passadas, e todas as que ·deixamos <le dar ago- porque todas. as cousas e seres fallavam. N es-
ra, estão evidentemente applicadas de modo a .per1nittir se tempo, a filha do Cobra-gr~nde casara-se
immediata comprehensão. Ahi se percebem, alêm das com um rapaz que tinha três criados muito
regras, um pouco da índole <la. lingua e da caract~'risti­ fieis. Uim dia elle chamott os criados e disse:
ca maneira de traduzir ideias. Pertence elle á uma das ide pass·e·a r porque minh.a esposa não quer dor-
mais rbellas historietas ou l·endas selvagens, colhidas 1nir commigo. Os famulos foram-se, e elle len1-
.pelo General Couto de Magalhães <la propria bocca <los brou á companheira que deviam dorn1ir. A fi-
incolas. O facto de se achar escripto en1 tupi moderno lha do Cobra-grande respon.d eu :
ou nheengatú, em nada altera o fim que temos e~ vis- - Ain·d a não é noite.
ta, isto é, mostrar a organisação das phrases. - Mas não ha noite, rcl.isse o .rapaz, so-
Tem, como ' se verá, qualquer cousa dos versículos 1nertte existe dia.'
bíblicos, n1as é ,p rofundamente ,original ha vestidura dos ,E ntão a iespb·s a f aliou : n1eu pae tem a noi-
pensamentos que o i~tegralisam. E' de notar-se, tam- te ein casa delle; si queres dormir, manda bus-
bem, que o aborígene, quando contava algun1 caso ou cai-a. E' só seguir o .grande rio. .Q moço cha-
repetia alguma de suas lendas antigas, punha sempre, mou os três f amulos, e a moça os mandou á
.1ns1stentemente,
. .
capri.ch0.same~te, pelo meio das phra-
,
casa de seu pae para que trouxessem um ca-

'
94 PRIMEIRAS
..
NOÇOES DE TUPI PRIMEIRAS
,..,
NOÇOES DE TUPI 95
I

roço de tucuman. Partiram, êhegaram á casa Cobra-grande disse: vou agora, para sempre,
do Cobra-grande, e ieste lhes entregou o caro- separar o dia da noite, e enrolando um fio fez
ço que continha a noite. Mas cuidado, avisou ' um cujubim d•e cabeça branca como a ta:batin-
o velho, não o abram pelo caminho porque tu- ga. E disse ao passaro : cantarás para todo o
·do se perde·r á. E com cuidado vin.ham os re- sempre, quando a manhã vier raiando. Depois,
ma·dores de retôt,µo, 'eis sinão ·quando ouvem de outro fio, sobre o qual jogou u·m punhado
, . <lentro da semente da noite um barulho assim: de cinza, fez a inan1bú <lizendo: tú cantarás á
ten, ten, ten, xi. . . Era o barulho dos g.rillos · tarde, quando a noite vier surgindo.
'
e dos sa:pos que canta1n de noi.te. E continua- {
De então para cá todos -0s passaros cati-

ra1n a viagem, remando f o.i:te. De repente, não tam ein horas proprias, ·e d'e madrugada, para
mais suportando a curiosidade de saihe'r que ' alegrar o nascer do dia.
barulho era aquelle, reuniram-se no meio da Quando os três !amulos chegaram, o mo-
, canôa, f izeram fogo, der.r eteram o breu que fe- ço assim fallou: fôstes inf ieis, soltastes a noite
chava o caroço e . . . e tudo escurece·u violenta- e tudo .se transformou e perdeu. Vós agora,
mente. A noite tinha sahi<lo do caroço <le tu- transmudados em macacos, andareis para todo
cuman. Nesse insta11te, longe, lá na cabana o sempre pelos gal1hos dos páus. F-0i assim que
nupcial, souberam os que esperavam as som- se enchieu o mundo, contam, de peixes, <le pa-
bras para dormir, que a semente fôra aberta. tos, de passaros e de macacos."
,
Elles soltaram a noi.te, disse a moça offe-
Em tupi, as primeiras phrases dessa lenda, ·que tem
gante, vamos agora esperar o amanhecer. E
talvez relações com o caso de Adão e Eva, diz-se assim:
n1al dizia essas palavras, todas as cousas que

'
' estavam espalhados pelo rio se
transformaram ' I upirungáua ramê intimahã pitúna ; ára
em peixes e ein outros ani~aes aquaticos. ·U m . anhum opaim ára opê. Pitúna okér:i oikô y ri-
'
pipe. Intimahã çoôetá ;. opaim mahã onh·eên.
pescaidor e ·sua. canôa viraram pato. Da cabeça
do pescador sahiu a cabeça do pato, da canôa, Boiauçú membira, ipahá, oiumendáre iepê curu-
. , .,
m1n-uçu irumo.
o corpo do pato, e dos remos, as ·pernas do pato. I
'
• •
Mas afinal raiou a manhã, e a filha do Quahá curumin--uçú orekô moç~p1ra mia-

'
\

96 PRIMEIRAS NOÇÕES DE. TUPl · t>RIMEI~AS NOÇÕES DÊ - Tui'i 91
çúa catúretê. Oiepê ára upê ocenôim moçapira não dormir quer eu com. Os famulos foram-se. Então
miaçúa onheên aetá çupê : Pecôim peoatá; ce- elle chamou sua mulher dormir .p ara elle com. Sua mu-
remirecô inti okéri putári ce irúmo. lhier respondeu: não ainda noite. Não ha noite: dia so-
Miaçúa oço-ãna. Aramê ahê ocenôim xc- mente. Meu pae tem noite. Dormir queres se eu com tu
mericô okiéri arã1na ahê irún10. mandes buscar ella, .r io pelo. Elle chamou os tres criél;-
Xemirecô oçuaxára : dos ; sua mulher mandou elles de seu .p ae casa á, irem
- Inti raim pitúna. buscar para, um de tucumã caroço. Elles chegaram
- Intimahã pitúna; ára ãnhum. 1
quando do Cobra-grande casa, em, este deu elles ·u m de
- Ce rúba orekô pit,úna. , 'Rekéri p'u tári · tucumã caroço, fechado vertdadeirament:e, disse : aqui es-
ramê c~ irúmo- . remundú .piâmo ahê, .p aranâ ru- tá; levae; mas não o abraes. . . Abrirdes se o, vos per-
pi. A1hê ocenôin1 moçapira miaçúa; xemirekõ ·dereis. Os criados foram-se, ouviram barulho do tu-
omundú aetá i rúba óca pyri, oçô opiámo arã- cumã caroço deritro: ten, ten, ten, ten, xi ...
' ma iepê tucumã tain·ha. Aetá ocyca ramê Boia- Eis ahi. Com este pequeno exemplo de :texto tupi
)
uçú óca upê, quahá omeheê aetá oiepê tucumã moderno, estão os meus bondosos ouvintes habilitados a
rainha, 0 iucikináu retê, onheên. Kuçulcúí ãne; affirmar que a língua de nossos antepassados não éra
reraçô; tenhê, curí .p e pirári ! .. Pepirári ramê uma lingua barbara, não éra a "língua de bugre", como
pecanhyma curí. desdenhosamente dizem, entre sorrisos ironicos, os que
Miaçúa oçô ãna, ocel].ã teapú tucumã rai- se ·envaidecem de f allar muito mal em f rancez ·de res-
1

nh~ pupê: ten, ten, ten, ten, xi. . . etc., etc. ,taurante, ou de traduzití ignobilmente o que os artistas
'
• de cin.ema microphonam em inglez. . . depois que appa-
Isto, traduzido, palavra por palavra, será: O prin- rece q providencial letreiro em portuguez. Emfin1, nós
cipio durante não navia. noite; dia son1ente todo tempo sabe·mos um pouco de tupi e é quanto basta.
·e·m. A noite adorllJ.ecida está da: agua no f undó. Não ha-
1

via.ani~aes; todas ~s cou~as, fallavam. Do Ço~ra-grande ·


IN·TEPRETAÇÃO ;DE TERMOS TUPIS
a. filha, contam, casara-se um rapaz com. Este rapaz
tinha três criados bons · muito. · Um dia em chamou os
três criados disse ielles á: Ide passear; minha mulher
Para ·bem se interpretar ou 't raduzir uma
palavra
ou phrase tupi, é necessario, alêm dos conhecimentos de

'

N·oço
"' .e
-rs •
PRIMEIRAS .,...E
LI
., TU"t
J;'
Pll!MEIRAS NOÇÕES DE TUPI 99
'
grammatica ç da indole da lingua, s~ te.n ha. sempre ~m Óra, quem se qfastar dessa orie~tação, quem quizex:
vista 0 primitivismo da vi•d á de nos~o abor1ge~e, a sua. emp!'~star ao in<lio ideias que elle não tinha, traduzil-as
rudhnentarissima cultura e o seu modo particular de ·d e modo diV"erso do seu, chegará a interpreitações que po-
denominar as cousas, os seres, e os lugares. dem ser muito bonitas, muito inspiradas, mas que posi-
o indio sempre descrevia ou salientava os taracte- tivamente não dirão a verdade, que não passarão de
r:isticos marcantes da cousa ou do sêr que d~nominava, simples phantasias .etymologicas ou lit!erarias. Ou nós
característ icos que 0 eram sob o seu exclusivo ponto de ;nôs collocamos no plano cultural e na época do aborttge-
vista, muito diverso, ás vezes,. ~o nosso actual. Ha um ne para comprehen·d ermos o seu pensament0 e 0 seu
ex emplo extre1namente frisante, citado. por Affon.s o de' ' módo de V·e r as ·cousas, ou erraremos lamentavelme·nte
Freitas, que convem relembrar; o bot, como se sabe, con1n1ettendo verdadeiros attentaidqs contra a sua lingua'
chegou ao Brasil annos após a descoberta, e receb~u, co- e a sua índole. ·
mo é natural, uma d enominação <lada pelos abortgen:s,
Toda palavra ou phrase tupi tem forçosamente
que como sempre, reflecte todos os d~t~l·hes,.. de uma agu-
díssima observação. Viram que o boi era tao corpul:nto - .
um(! traducção expontanea, clar.a, facil '<: logica; si ella
nao se apresenta desde logo, é porque a palavra está
' ' quanto 0 maior animal de nossfs selvas, a a~ta ; v1x:an1 ,, ~dultera<la p_e.l o u.zo de seculos ii~teiros, inal gi-aRhada,
'qu.e , 'c omo 0 veado, o boi mastig.a,va e. remast1g~va, .isto 1
· ou. porque nao .f 01 composta e: uzaida pelo indio. Eri1 re-
é, ruminava; assignalaram a ex1stenc1a dos ch1f fries, e su1no: toda interpiietação ou t raducção de tern1os tupis,
fizeram notar que éria animal vindo de fóra, extranho quando .obtida á Gusta de considerações longas, de elas-
ao paiz. Todas essas observações traduzidas. em ~~a­ ticas cadeias de ideias ou de apenas provaveis habitas
vras de sua língua, deram em resultado : .J.a:é_?raçuuaç,a- in<ligenas é, pode-se af firmar, 11e·d ondamente falsa.
,
uára nome brasiEco do boi. U ára, no final da palavra, E' mil v ezes preferivel não traduzir, não interpre-
~--'
.[ . .de
r educção de relamauára, ·q ue ·diz : de outra patr1a: ta:, á ..interpretar ou traduzir! con1 falsida:de. Si no pro- ·
fóra, etc. Dess.~ , n1e~ma fórma, com esse mesmo cuida- ,pr10 portuguez, a inda hoje, ha um sen1 nun1ero de pala-
do, sob •e sse mesmo criterio, foran1 co1npostas todas as vras cuja etymologia os grand1e·s grammaticos não expli-
phras~s que nós hoj e cha1namos palavras, e qW:
sie-rve:- cam, porque 1have1nos nós ,de nôs darmos á vaidade to·
para nomear rios, montanhas, aldeas, aves, peixes, a líssima <le querer traduzir todos os .t ermos de uma lin-
vores, etc. gua, cujas raizes primaciaes muitas vtzes -não se per-

"
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org •

100 P~IMEiltAS NOÇÕES DE TVPl PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI 101

cebem, e que soffreu toda sorte de deturpaçõe's e de in- que a palavra media <la expressão seja pãu ou pan-hu, que
fluencias as mais variadas. significa e~actamente aquillo que fica no meio, entre ou- •
Os mel~Jes guias, conven?1mo-nos disso, para a tras cousas. Tudo assim singelamente observado, como
'
boa intetip~ção, devem ~r agora e sempre: o conhe- se fosse pe'lo .p roprio índio, chega-se mathematicamente
cimento eral da grammatica, üs velhos documentos es- .á fórma: Itá-pãu-apina ou á ltapanhuapi.na, que diz:
cr.i t'M q e nos legaram os que ;d irectamente trataram pedra limpa do meio, o rochedo central. Só o conheci-
l cfm os ·ndios, 0 conhecimento dos caracteristicos dos mento do local e as graphias, embóra erradas dos velhos
o.bjectos, dos sêres e dos locae.s denominados e, s?br~­ 1documentos, podiam permittir essa traducção que, sup ..
tudo, 0 bom senso, que nôs lembrará sempre que o 1nd10 pômos con,victamente, é a vierdadeira, porque é sim·ples
. . . .
era pouquissimo culto n;i<LS m~it1ss1mo perspicaz. e expontanea.
Vejamos um exemplo: que significará a .e xpressão Ha, em todo caso, outras expressões que se apre-
tapanhapináa, tapinhoapind'a ou tapanhapi.na~ Sen1 sa- seµtam integraes, cuja interpretação não apresenta dif-
·b ermos de que se trata, dif ficil será qualquer interpreta- ficuldadre alguma, desde que aquelles preceitos citados
ção, pois evi<len,temente o vocabulo iestá adulterado, co- sejam levados em bôa conta.
mo provam a~ três graphias diversas. Paranapiacaba é um exemplo notavel, denominan-
Mas eu vos digo que assim se denomina uma gran- do como denomina aquelle ponto mais alto <la Serra de
de ;p edra inteiramente despida de V1egetação, e que cons- Santos, de onde se descortina, como é sabido, um dos
titue um p onto, notavel entre o·s mais, de uma serra dos • mais bellos panoramas do mundo. Que se vê d·e' mais
arrabaldes <le Cananéa. · taracteristico quando se attinge o ponto ·c ulminante da
'
.Si se trata de uma pedra, é provavel qu~ em luga~ serrania? O mar, o .immenso mar azul, como o maior
<le ta, inicial, se possa dizer itá, que signifi:a p~d~çc;, st dos rios, estendido desde a praia longínqua até a linha
essa pedra é inteiramente despida de vegetaçao, s1 e n~a, 1 • \longínqua {lo horizonte, esbatida erri nevoas claras. E o
si é como que lavrada, é .possiv1Cl que o fina~ da terce~ra que diz a expressão Paranapiaca;ba, , tão linda e .p ura-
fórn1a graphica seja Q vetidadeiro, porque pina ou a.pin.a mente tupi? ·D iz com toda p. sua singeleza :1 lugar de on-
exprime com rigor aquillo que é Jimpo, que é lav~ado; de se vê o nwr ... Paranã é o mar, apiáca é o verbo ver,
si a pedra está ·de facto saliente e central, no meto de e cába é. o suf fixo conhecido que indica. o logar em que
outras pedras n1enores, como de facto está, é quasi certo se realiza~ acção do vetbo. Paranapiacaba, lugar de on-


102 PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI 103

de se avista o n1ar, q miranwr, con10 elegantemente lem- de itá-apê-tininga, <lirá a pedra chata s&ca ou o cami-
bra Baptista Caetano. Nada ma.is simples e nem mais nho de pedra, enxuto; itamaracá é o chocalho <le madei-
bello. ra dura ou de metal, o guizo, nem mais nem menos ; ita-
E, si paranã é o mar ou o rio grande. Paranãpane- curuçá, sendo curuçá a maneira tupi de pronuncia1i a pa-
ma ha de ser o rio iinpre·stavel, o rio encachoeirado, que lavra portuguie-za - cruz-, será a cruz de pedra, o cru-
não se prestq. para. a navegação ; paranaguassú ou para- zeiro, tão commum á frente <las· capellinhas coloniaes;
guassú, o rio grandíssimo, o mar largo, o oceano ; para- itambé ou itá-aimbé, é somente a pedra. ponteaguda, a
naguá, o seio do mar, 'a ens1ea.da, a bahia, e paranapucú agulpeta de pedra; itatyba, si tyba é suffixo que denota ·
o mar comprido, o braç~ de mar, o cahal maritimo. abundancia, dirrá o pe1d regal, o sitio em que ha tnuita:
Si ytú ·diz a .agua que cahe, a queda da agua, a ca- pedra; itaúna, vê-se logo, .é a pedra preta, talvez o ferro;
choei11a, .ytuporanga dirá naturalment~ a cachoeira boni- itapetinga, de itá-péba-tinga, diz naturalmente pedra cha-
ta; ytutinga, a cachoeira de aguas brancas, de espuma- ta branca, lage branca; itapeceryca ou itá-peba-ceryca
rada 1branta; ytupéva ?U ytupéba será a cachoeira bai- que, palavra a palavra, exprime a pedra chata escorre-
xa, rasteira, a corredeira, emf im; ytuverava ou ytube- gadia ou o lagedo escorregadio; itapari e itaparica, nada
raba, a cachoeira resplendente, a qu1e br\ilha aos raios do mais significam sinão o cercado de pedra, a barragem de
sol. pedra, porque pari ér a exactamente o cerco de apanha.r
Si itá diz a pedra., o objecto duro, o metal, itatinga peixe, a pequena barragem q uie se fazia. para prender os
dirá a pedra branca, o metal branco, a prata, por exem- peixes; itaypú, sendo ypú a agua que borbóta, que sahe
plo ; itajúba, sen·do a pedra amarella ou o ouro, itajubá da pedra, a agua da pedra, a fonte, a nascente; itaçocê é
será o capaz de ouro, o que produz ouro, a mina de apenas o modo de dizer: sobre as pedras, por_ cima das
ouro, portanto; itaporanga é simplesmente a pedra. boni- pedras ; itararé ha de ser a. pedra escondida, a pedra
ta,' corno itapirç, ou ita'Çira 6 a pedra erguida, a ped'r a le-
. 1

submersa.
·varitada; it.amirim é a pedra ,p~quena e itaguaçú é a pe-
'. Si ta tá quer ·dizer o fogo,. tatáp·óra' ou catápóra 4iz
tlra grande~ itdpemirim não' é mais 'que itá-péba-mirim, o fogo interno, o calor que vem <le dentro, ,e tatárana' ou
isto é, pedra chata 'P'equena ou lage pequena, a laginha;
tatorana, simplesm e·n te aquillo que parece fogo, que
1

itanheên, pedra que sôa, o metal que sôa, o sino talvez,


é apenas itá-nheên; itápetiningaJ <le itá-péba-tininga ou l
'
queima. como fogo, porque rana é uma partícula que ~-
. - -

104 PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI • PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI 105

prime sen1elhança, parecença ou tambe1n falso, imitado~ se estabelecer um alphabeto especial para o tupi, com-
etc, , pletamente livre de. ligações com o portuguez, não se con-
Si y quer <lizer agua, rio ou liquido, jacare~y e o seguirá evitar essas lamentaveis confusões. Mas siga-
ri-0do jacaré, tatuhy o rio do :tatú, pirapeti1ffJUY o rio dos
.
pira:petingas, dos peixes chamados p1raP'.et1ngas,
. .
11:- mos em noss<i estudo.
Si pirá quer dizer· peixe, piratininga dirá o peix'~
diahy o rio dos peixes jundiás, pacuhy o rio ·dos P cu~, secco, o seccadouro de peixe; pirarucú o peixe vern1e-
mucúry 0 rio das mucús ou das gambás, ypanema o rio lho como o urucú; pirapóra, o viveiro do peixe, o logar
ou a agua ruim, ,ycatú o rio ou a agua bôa, ypiranga o do rio onde o ,p eix'e' se amoita ; piramboiâ é o peixe co-
ri'O de aguas avermellia<las ou barrentas; si ymiritn é o bra, o peixe comprido como cobra, a 1engttia; piracêma
rio pequeno, o corrego ou o riacho, ygua.ssú é o rio :o- tlirá a sahida do .peixe, isto é, a época em que o peixe
lumoso, 0 rio grande e yetê ou tietê é o rio verdadeiro, sabe em cardumes; piraçicaba é o logar em que se apa-
0 rio grandie em sentido abstracto, isto é, util, navegavel, ,n ha .o peixie tom facilidade, o logar que retem o peixe;


p1scoso. . . pirai é o peixe péqueno, o peixinho; piracanjúba ou pi-
Muitas vezes, a dif ficuldade de pronunciar o y tup1, rá-acánga-juba é o peixe de cabeça. amarella, ·pois acan-
fez com que se grapl).assem varias palavras com u, e p~r ga quer dizer cabeça ,e· jwb{J; ou iuba, amarella ; pirajú ou
isso apparece111 uber(l;ba em 1ogar de yberaba que quer di-
' \ 1 '

pirajúba diz apenas peixe amarello ; pirassununga ou


zer a a~a brilhante ou espelhante, a agua resplandecente, pirassininga é o ronco do peixe, o rumorejar <lo peixe.
utinga por ytinga, a agua branéa. Hoje, segundo o me~
0
\
Si nas denomipações toponymicas apparece o suf-
. thodo corifuso de nosso systhema graphic°"' o Y e o i
1
iÍ ixo tyba ou tuba, com suas conhiecidas variantes, sabe- '
andam inteiramente confundidos; que1n não souber um se immediatamente que nesses lagares ha abundancia da
pouco de tupi, mal dis tinguirá os valores inteiramente cousa ou do ser cujo nome vem suf fixado. Assim :itaty-
idiversos que têm essas letras na língua ge.ral. Como ~e ba é o logar em que ha muitas pedras, o pedregal ; curi-
sabe, 0 y significa por si sb ·a aguá, o rio etc.: e o i ~am­ tyba oode ha muito pinheiro, o pinheiral; pirituba onde
bem por si só póde significar pequeno.' frag1l, gracioso: ha juncos chamados piris, -0u juncal; rerityba significa
como contracção de mirim; confundil-os, portanto, e deposito de ostras, a ostreira; guaratyba, lugar onde

confundir iexpressões inteiramente diversas, é crear. ~m­ ha :quantida:die de guarás, de aves chamadas guarás ; ara-
·baraços onde ~lles não deviam existir. Emquanto nª-Ç> çatuba sçrá o ara~asal co~o puabirotJbç, é o guabirobal,

'

'
'

106 PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI


'
PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI 107

0 sitio das g uabirobas ; gU(JJbirút·uba designa o logar on-


<le ha muitos guabirús, muitos ratos, e ubatub~ a zona
.Jogarem que nascem as palmeiras indayás ; bury ié t am-
.. , .
.bem nom·e de uma palmeira; taquariting~ e o taquar1
em que se encontram os uybás, isto é, os can1ços pro-
1branco, a taquara f ipa 'b r anca.
prios para f lexas. . Si cor.rer<les os olhos pelos jornaes, pelas cartas
Infelizmente não podemos continuar nesta mar~a
geographicas, pelas lista,s das estações f erroviarias, pelos
lenta, e talvez monotona, atravez <fo vasto vocabularLo
annuncios <las co1npanhias de navegação, pelas fachadas
toponymico dá lingua brasilica. Vamo~ ~ariar un1 po~co,
·d as casas de comme.rcio etc. etc., Vlereis que é absoluta-
porque a vatiação · foi s_e'mpre a 1dehc1a ·das creaturas
. mente . impossível, em poucos minutos <le palestra apres-
humanas. ' ·' ~
sada, reunir mais que umas ;vagas palavras, das .d ezenas
Araritaguába decompÕe-se em ~rára-itá-guaba, que
1
~

' de milhares qu·e an·d am por ahi, renovando 1e embeJ!e-


exprime claramente a comida de pedra das ara,ras ou
zando o velho e rico idioma. '1uzitano.
papagaios, ou lagar ped~egoso em que comei:n; e o pa-1

O tupi, porêm, alêm de fornecer esse immenso con-


redão em qu~ as aves procuram o barro sahtroso ~~ra
tingente á geographia, á flora e á fauna ·d o Brasil, c(}mo
comer · urubúqueçaba é simplesmente o pouso ou ninho
lingua malleavel e harmoniosa, d·e·u tambem á nossa lin-
<los u:ubús; nwrapê ou parapê é o caminho do mar, o
guagem popular grande numero <le expressões interes-
caminho que leva ao mar; nhup-0ranga traduz campo
santissimas que nós, e os extrangeiros que comnosco vi-
bello; ubupeba ou ybypéba não é ~ais, que t~rra chata,
vem, uzamos diariament~, dando-lhes os mais curiosos
terra plana, a planiciie; tijuca o~ t~JU~a e t.y-yuc, ou agu:1 sentidos figurados. Quem não conhece as expressões
P ôdre ' a lama' 0 lamaçal; bauri" nao e mais que, ybá-uru,
, moqueado, moquear, moqueação, cutucár, cutucão, cutu~
0 cesto de fructas, porque ybá é a fructa e uru e o ces-
cada, bubuiar, bubuia, catingar, catinga, -catinguento,
to; urupúca diz somente: o cesto cahe, que desaba; bu-
enooivarar, pererecar, pererequento, popocar, sapecar,
ta'ntanj ·de yby;-tantan exprime ,a ~erra ~ocada, a terra "
~apéça, abacaxi, aipim, aiva, urupuca, ·arára, b'eijú, · be-
fit~'~ . ja~uÚnga, vê"'.se logo, é.o jacú branco; araponga 11
réba, berebento, bereboso, bibq,ca, caboclo, caipira,, dai-
pro~e:n de guirá~ponga, isto é, o passara bar~lhento,
.

. çara, caipora, canhembóra, capenga, çapichaba, capim,


martelante. taubaté é taba-etê oti taba verdadeira, al-
' ' , capoeira, cará, cambuquira, car1jó, carióca, carurú, ca-
' deian1ento principal; aguap1ehy é o rio ·dos aguapes, ou
. d , b , o tapóra, ca.teretê, chimbéva, cipó, conibuca, càróca., curu-
O.os guapés, como dizemos uzualµiente; in ª'latu a ~ .
pira, cuéra, cuia, oupim, -tm.bira, emboaba, guarapa, gi-

'

108 PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI t>RIMEI~AS NOÇÕES OE TUP-i 109

boia, giráu, guaraná, guarantan, guatambú, içá, jacá, ja- Em tupi, peteca ou peteg, significa apenas bater,
raráca, nwnguari, mingáu, 1ninhoca, moranga, momba- golpear com a mão ; em nossa linguagem popular, pet,eca
va, mondéo, moqueca, muquirana, nheên-nheên, paçoca, é tambem a creatura que é atirada, <le um lado para ou-
pararáca, pari, pereréca, per.qba, peteca, peteleco·, piá, tro, que anda á matroca. Esposa que se su.bmette sem
t

piassaba, pichainJ picunian, pinàahyba, pipoca, piquira, protestos ás exigencias do marido, que v~e para onde
pirajá, pirão, piririca, pitanga, pium, piúva, pororóca, ielle ordena que vá, essa é, para o povo, uma petéca.
potirão ou muchi:ão, purunga, pururúca, quirera, sacy, Da mocinha que frequenta todos os bailes, que falla
samburá, sapé, sarará, sauva, siri, soror:óca, suan, suru- corri todo o mundo, que se enfeita em demasia, <liz-se
que e uma sapecq, ou, mais gen.erosam~te, U:ma sape-
# • •

ruca, tabaréo, tàbp,tinga, taboca, taquara, taioba, tapéra,t


taquari, tatorana, t~tfú, .taguá, tejup(J,r, tiguera, tijuco, · quinha . ... Mas sapéca é, em tupi, apenas çapéc, que diz
tiririca, urubú e mais tem, pelo menos, pa,ra só nôs re- . tostar, chamuscar, queimar .pouco.
ferirmos as que já tivemos otcasião de estudai', em pa- Cap enga que quer dizer: o osso torto, nós empre-
lestras no Instituto Historico. gamos .p ara exprimir qualquer cousa ·que cambaleia, qu·~
E, .note-se bem, palavras exclusivamente uzadas tem um pé ou uma perna. quebrada; ha mezas capengas,
com sentido figurado, e não como dõenominações geraes. versos capengas, homens e mulheres capengas. eaipóra
Pindahyba, que significa a vara do anzol, nós em- que é caá-póra, o ha:bitante do matto, o ~orador do mat-
pregamos no sentido de miseria, <le pobreza, de mau es- to, .ua língua <las cidades é o cidadão infeliz, cheio <le
tado financeiro e, aliás com muita propriedade, porque azar ou desastrado.
quem está reduzido á varinha <le anzol, está realmente Pipoca, termo que se compõe ·d e py-póc, ~que si-
em peiores condições do que aquelle que: ainda tem o gnifica portanto pelle estalada, pelle que arrebenta, pa-
pão e ~ laranja do prov.erbio portuguez; jararáca, para , ra nós serve tambe·1n para denominar qualquer especie
o povo, não é a cobra dos tupis, é a mulher terrivel que ·de bolhas ou borbull;ias. Diz-se: Ful~110 está co~ o rost<>
não per<lôa os mais inge'riuos .~eslises do marido h;ife- todo empipocado. E, como termo on~omatopaico, empre-
liz; urupuca não é só o cesto que <lesaba, mas tambem gamos ainda-para traduzir -0 r'u mor bastante· conhecido
tudo aquillo qu~ iiepresenta .engôdo, que póde causar das ~rmas automaticas ..• .
prej:uisos materiaes. Diz~se correntemiente: não entre Pereréca em tupi quer dizer o saltitante, ·o adouda-
nesse elevador, é uma v.erdadeira, urupuca. ª
do, e com ie·sse mesmo ·sentido uzamos palavra para •

'
'
110 PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI 1 PRIMEin.ÃS NOÇÕES ÔÊ TUPI 111

designar qualquer cousa ou pessôa que tem aquella pro- nos permittiu o tempo inexoravel que nãÕ espera, que
priedade. Tanto póde ser o pião pereréca, como o meni- não pára, que nã·o attende. Direis por certo que nada
,
' no perereca. vôs disse sobre as expressões Anhangabahu, Ta:man-
Guarápa é um adjectivo tupi que· significa o revol- duatehyJ e sobre esta e sobre aquella, 1e sobre uma mul-
vido, o remexido. Guarapa, pana nós, alêm da. bebida ti-dão de palavras que estão nos vossos labios, que es-
refrigerante, traduz tambem facilidade em obter-se tão nos jornaes de hoje, que estão nas f>lacas das ruas
1

qualquer objecto ou vantagens. Diz-se commumente: em que residís. . . mas que havia eu <le fazer? Si me
aquillo foi uma guarápa, oh·e:guei, fallei com ·o homem e demorasse , em justificar as traducções dos termos e
'
,tudo se arranjou no mesn1ô dia'~ ·Não s·ei. porque dizemos > ·phra:ses de constituição complexa, · nãQ <teria idb a,lêtrt
garápa em luga'r ·d e guarapá . ..· · de duas ou tres noticias. E nosso programma exige mui-
CuéraJ suf fixo muito conhecido, póde significar: o to em pouco tempo. Despresei por isso os detalhes, evi_.
esperto, o sabído, o velhaco. Nós .todos sabemos bem o tei divagações inuteis, procurei no vasto acervo voca-
que é um sujeito citéra ... Mingáu é puro tupi, com a bular <lo tupi, apenas os termos que pudessem vôs in-
simples mudança de accento, deslocado por nosso povo. teréssar majs jmmediatamente; pão disse nada de novo
Si dissermos mingaúJ lembramos o comer empapado. que levantasse d'uvidas p·erigosas, não palmilhei sinão
Cateretê, que é catira-etê, <liz o bailado verdadeiro. caminhos abertos pelos mestres da língua, e, assim, res-
o que Anchieta permittiu que os índios .p raticassem nas peitando rigorosamente os intuitos deste nobre Centro
procissões 11e'ligiosas. De pichaini, que diz o emmaranha- de cultura, não passei das primeiras n·oções indisp'c n-
nhado, o encaracolado; de bib.qca que é yby-boc, a terra ,saveis para uma ideia geral do idioma bra:silico.
fendida, ou yby-b-óca, a casa de terra; de muquirána; Assim terminamos, certos ·de que em vosso espiri-
que significa o semelhante ,ao piolho, que parece piolho, ta 1

. .
ficou ao menos a certeza da •existencia d.e uma lin-·
todos conhecem a applicação e o sentido popular. gua .que é "elegante sim, mas extranha e copiosa". E
. ' \
1
• 1

. Mas precisam·os terminar, precisamos dar ao vos- si essa certeza ·ié para vós uma satisf,ação, para mim é
~ ' .
so· cereb1:o um pouco de {h~scanço. Do muito que que-
' \
o melhor e o unico p'l1emio que podia esperar merecer,
riamos dizer, das centenas de palavras que nos surgiam · de quem tanto já de mim merecia.
pedindo uma referencia nestas ·b revíssimas notas de
hoje, só pudemos aproveitar algumas tantas, quantas (31 - agosto - 1933)

, ,
,
• ..
QUIN:TA PALESTRA
• '

"


1

'
Dos varios dialectos, mais ou menos assemelhaveis,
fallados no Bra.sil e ·em algumas .outras regiões da Ame-
r ica <lo Sul, os da grande familia tupi, foram incontes-
tavelmente os que mereceram maiores estudos, e são
tambem os que mais directamente nôs devem interes-
sar.
Sem que haja necessidade de entrar em detalhes,
·pode-se acceitar a ori•entação de L uci.en Adam, e deno-
minar Abanheenga, d'e fórma generica., os arttigos dia-
• 1
1

· ~ , . ~ .:_Iect9~, _res~rvando a :expressão Nfieen;ua~{t para desi-.'.


' gn?-r os modernos, isto é, o4 t upi e .º ,guarani · fallados
'a ctualmente en1 grande ·exten~ão da Atnazonia e do Pa-
raguay, r espectivamente.
T eremos assim, il}cluidos na mesma denominação,

'
114 PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPl PRIMEIRAS NOÇÔES DÊ TUPI 115 '

o tupi que nqs énsinam Anthieta e Figueira, e o velho As variações de pronuncia e ·g raphia entre o tupi
. ' 1
.guarani que no~ 'e nsina Montoya. . ant~g,o .e o nheengat·ú , einbóra 'bastante sensivreis ein a1- ·
Alguns autores preferem chamar o guarani, guns phonemas, rião são de molde a impedir, á quern
Aba:nheenga ·do Sul, e dar ao tupi, que uzualmen~e cha- estude um delles, a comprehensão immediata do outro.
mamos Lingua Geral, a designação <le Abanheenga do Ma's, para o estudo die cada um daquelles grupos,
Nórte. De uma fórma, porém, ou de outra, a verdade é ha um certo numero <le obras que se podem considerar
que os principaes dialectos <la fan1ilia tupi, em quatro classicas, e que nós, apen,a s para conhecimento de nos-
grandes ramos se podem dividir ou cla$sif icar:
. . '. .
. sos generosos ouvintes, vamos ,c itar ·se1n commentar1os
• ,, 1

e. sem os elogjos .q ue merecem, lembrando, no entretan-


1
1.º -
2.º -
.tupi antigo
guarani antigo
~ Abaiiheenga to, que dezenas de outras existem boas e más, profun-
das e superficiaes, exactas e não exactas.
3.º - tupi modervo ou Nheengatú
_P ara o estudo do Tupi antigo, que é naturalmente
4.0 - guarani modern-o ou Abanheéme
o que mais nôs intel1essa, as obras basicas hão 4e ser
Claro que a distinção desses grupos se faz somen- as de Anchieta e de Figueira, isto é, a Arte da G·ram- 1

'
•te pel~s. car~cteris. ticas diale~taes, muito pequenas ,aliá,s, 'matica da Eingua mais uzada' na costa dQ, Bra,sil, edi-
. ·0 µ pelas- a.1teraçõ<rs' que ,ca,d a un1 delles sof freu. atravez . l· tada em 1595 e Arte dá Granvm;âtica da Li11g'lia do..Br~­

dos seculos, até os nossos dias. O tupi do tempo de, An-


1
,j~i'. publicada em 1619
De ambas ~istem reproducções,
chieta, não é, positivamente, <:> tupi do S•elvagem de f1e1s algumas ·e truncadas ou defeituosas outras.
C-outo de Magalhães, como o guarani de Moªtoya não Os elementos necessarios para perfeito conheci-
é, rigorosamente, o mesmo fallado pelos paraguayos de n1ento do Guarani, encontram-se na obra monumental
hoje. . de Ruiz de Montoya - Arte, Vocabulario e· T esoro -
' · ,:Oeu-se; com 0 tupi e o gu~rani, o que se deu, mais ,.p ublicada em 1640 pela primeira vez, e ~.;ios valiosissi-
1

rp0s livros <te Baptisfa' Caetano - Esbo1ço Gr~m.mati­


1
· oü menos, com 0 porttiguez ·e o !iespanhol; provinien-
tes ·de uma Í.onte .,,só, 'evoluíram em campos. diversos, .· 'cal da Lingua Guarani e V ocabulario deis palavras uza-.
<li f f erenciaram-se, .d ivergiram, apartaram-se, mantendo .das pelo tradutor da Conquista Espiritual, editadas res-
sempre a unidade dos princípios grammaticaes, a estru- -pectivamente em 1879 e 1880.
ctura geral primitiva e a índole uniforme e inalteravel. '
Finalmente, .p ara o Nheengatú, devem ser consul-
\

116 PRIMEIRAS NOÇÔES DE TUí>i PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI 117

tados Q Dialectus Vulgaris de ·Martius, o Selvagem de tuitos varios, .foram obrigados a aprender e a faltar a ~ l v··•l'!:>'I
j'.
·C outo de Magalhães, The Brasilian language · and its lingua dos abot}genes, desde que com elles 1entraram em
agglutination de Amaro Cavalcanti, ~ a Poranduba relações.
Amazonense de Barbosa Rodrigues. E aprenderam-na, e fallaram-na por longas deze-
Eis ahi, nessa pequena resenha de obras e de au- nas de annos, adoptando as suas vozes nas denomina-
tores, o quanto é estrictamente necessario para um es- ções toponymicas, uzando de seus vocabulos syntheti-
tudo eleva.do e honesto, destinado a produz.ir -0s fructôs
1
cos, mesmo quando se exprimiam no idioma portuguez.
·que .u1n espirito culto possa desejar. · Por isso, a lingua indígena da costa tornou-se em pou-
Em verdade, não são -Obras para principiantes, não co tempo a lingtia mais praticada entre os diversos nu-
são livros didaticos, não se aconselham para os primei- cleos ·de população, a. lingua geral, emfim. Devem á
ros passos, com excepção talvez do livro de Couto .de esse facto, os colonisadores e os catechistas, todas as
Magalhães. Os seus autores são, porêm, _o s mais abali- f acilidad es que encontraram para a catechese e para o
1

sados, os mais profundos conhecedores da lingua, e commercio. Fosse a faixa litorana habitada por povos
precisam, por isso, estar sempre á mão para as consul-. de linguas completamente diversas, e é certo que a co-
tas indispens.~veis. , · · .' , lonisação se processaria com diffi~uldades imp0ssivet~
. Lingi'.td que· teve neste C~ntro u1na primeira t~ú- de se "ima'gina'r. o mesmo jesuíta que 'propagava a íé '
tativa de curso elementar, não pôde ainda ·di~pôr de no extremo nórte do Paiz, podia, sem outras preoccupa~
compendios e d e obras elementares. Dentre os moder·
1 ções, vir propagai-a no Rio de Janeiro ou em São Pau-

nos cultores do tupí, varios poderiamas indicar, mas lo ; o mesmo commerciante que se entendia com os tu-
, não queremos ferir susceptibilidades, esquecendo uns pinambás do nórte, fallava e se 1entendia na mesma lin-
para. lembrar outros. O que ha de mais alto, de mais gua com os tamoyos ou guayanás do sul.
p\,\ro ~ çle. i:na.is valia, la, ~stá naquella singela rel.ação, e Mas, dessa formosíssima lingua geral, desse im-
~
' ' ' '' ~ "'.\ " 1 •• • , •

é quanto"basta . .· · , . 'men.so thesouró linguístico pouco teria chegado até nós


si, nas caravelas dos dominadores portuguezes, não ti-
OS JESUITAS
vessem vindo para cá alguns dos homens luminosos da
No Brasil, vimos já, colonos e traficantes, jesuítas Companhia de Jesus. Que restaria da lingua tupi, si ao

e aventureiros, todos, para a consecussão de seus in- $eµ ~tud9 e á ~ua codifica$ão não se ti'{es~en1 dedica-

'
118 PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI 119

<lo Anchieta, Figueira e -Montoya? Teria restado ape- esteios mais fortes de nossa nacionalidade, o inimigo
nas, como restara.m de outras línguas ditas tapuias, va- maior do portuguez violeµto e escravisador do incola
gas rembranças sem vida, em vagas denominações geo- indefeso, os unicos salvadores do riquíssimo ·p atrimonio
graphicas sem valor. linguistico da America do Sul.
Se foi o colono, si foi {) aventureiro, si foi o ban- Nada mais tive'ssem f1eito, tivessem apenas nôs le-
/
deit:ante, principalmente, que tornou geral a lingua dos gado as obras preciosas que nos legaran1, e ainda assim
:brasís da costa, levando-a c9n1 sua ambição e com o seu mereceriam as nossas maiores homenagens e o nosso

ideal aos mais longínquos ri~1cões do contipente, failan- ,profundo reconhecimento. Si muitos nomes fulguram
,do-a sob os céos de todos os quadrantes, e impondo-a nessa en1preza toda dedicada á defensã,o das línguas
pela força de suas armas e pelo prestigio ·de sua pre- am~ricanas, três somente queremos ,lembrar, porque são
sença de gigantes, aos aécidentes da terra brasileira, foi como vertiêes illuminados de um immenso triangulo,
o jesuita, no silencio de suas noites de vigília, no rê- cuja área imn1ensa contém um ·dos mais bellos panora-
• • • • •
cesso de seus mosteiros pr1m1t1vos, nos poucos momen- mas idiomaticos do mundo: Anchieta, Figueira e Mon-
tos de calma e de descanço que, previdente e sabio, toya.
idiealista e generoso, colheu e recolheu, buscou e rebus- O primeiro, resumindo nas poucas paginas de sua
cou, guardou e protegeu as vózes maviosas da língua, "Arte" toda a riqueza do tupi sulino, Figueira consi-
para que murmurassem e se unissem em phrases cheias gnando característicos do fallar do nórte, e Montoya
.de harmonia e de belleza, não ·p ara en.canto de seus ou- carreando todas as gemmas do guarani para o seu "'1'e-
vid.os de ascetas, mas para a per·p etuidade da rembran- soro", confundem-se, amoldam-se, completam-se para
ça de um povo que nada mais podia. offerecer sinão sua erguer bem alto, os dois esgalhos mais virentes de um
'
lingua, espelho esple·n dido de sua alma ingenua e cari- tronco linguístico, perdido nas sombras densas dos se-
nhosa. ·. t çulos sem tradiçãp.
' Abnegados em quasi' todas as suas attitudes, super-. E de tal arte se unificam,. que: qualquer estudo so-
r 1

hotnens em quasi todos os seus trabalhos d•e ca.techese bre o tupi ou guarani;ha' de forçoSanJente se !ba:sear nas
' .
e ·d e protecção incondicional ao índio, foram aind~, os obras desses tres jesuítas, que são tres mestres 1insus-
jesuítas, por mais que os desestimem os. que nelles que- 1 peitos e, prof icientissimos. ~
ren1 apenas ver os filhos çle uma ordem religi-0sa, os Nenhum delles •era verdadeiro .philologo, diz Ber- r
"

r
'120 PRifvIEIRAS NOÇÕES DE TUPI , · PRIMEIRAS NOÇÕES DE, TUPI I 121
' 1
,

toni, mas para o fim que se propunham não havia ne- sil, desembarcou, na Bahia, um moço de roupeta negra,
cessidade in<lispensavel de o ser. Bastava que fossem pallido e encurvadD, de olhar sereno e de gestos meigos.
fieis e exactos, e foram. Si no estudo philologico da Viéra :em busca de sa,ude fugidia, e deixára, na
lingua não se mostram taes com-o á muitos -parece que 1nodesta trajectoria dé seus 19 annos, gizada eµtre as
se deviam mostrar, issq foi apenas porque a linguística, ·Canarias e Coimbra, pontos cheios de luz e fulguraçÕ{!S
sciencia essencialmente comparativa, com esse caracter extranhas de predestinado. Sem prever, jamais, que vi-
ainda não havia nascido ... ria passar no Brasil os dilatados dias de sua vida, en-
Só quem se dedicar com amor ao estudo .do idio- tre os vicios ,.desenfreados do colono e a nudez inno-
1

ma brasili.co, poderá avaliar a grandeza e a· ·honestidade cente düs indígenas, quasi criança ainda, diante· de: um
das Dbras ·desses precursores. Mas não nos alonguemos. altar, erguendo os olhos humildes para o céo, jurou
em elogios inteiramente· inuteis, aos que três seculos castidade eterna, para que seu corpo não se mar;chasse
consagraram -p or mil f órmas diversas. nunca na vertigem da éarrre f rag~l e na loucura dos im-
Para qu1e possamos, de algl)m modo, prestar uma
. .
petos traiçoeiros. •. .
'
,
1
pequenina homenagem á todos os que se empenhar:im E ch.ega'va assim, na púreza do ,corpo trazendo a
em nôs legar os thesouros que hoje acabamos de des- pureza christalina da alma. . . E viu o Brasil immenso,
vendar em parte, escolhamos o nome ·d e um só, o da- ignoto e rude, em toda plenitude de sua pujança ·b ar-
quelle que em nossa terra foi o patriarcha dos profes- bara, sorrindo e cantando no chilreio dos passaros e no
\o I

sores , paulistas, o primeiro gramn1aticô da· lingua tupi, rmurmurio das fontes, gritando 1e inrprecando, no fr-agor
a maior figura de São Paulo e, tambem, Q mais humil- ,dos rios oceanicos, que tombam em cachoeiras vertigi-
de e o melhor <los defensores de nossos desgraçadDS nosas, e na arrancada cyclopica das pororócas tremen- ·
a borigenes, das, convidando e desafiando a pequenez e a ambição
... dos ho1nen,s pela grandeza brutal das florestas cheiro-
'
sas, e ,pelo verde limpido dás esmeraldas de sonh<>. ,
1

AN·CfIIETA. r
E Anchieta, vendo e ouvindo, mal percebe, mal an-
tevê a vastidão da empreza que o espera e a amplitude
Aos 8 de julho de 1553, da nlesma náu imponente do campo que havia de lavrar.
·do Snr. D. D.u ar.te da Costa,. governador;.-geral ,do ~ra-
'
Vae começa.r o seu apostolado, .vão os se.u s p~sso·s
122 PRIMEIRAS -
NOÇOES DE TUPI PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI 123

marcar no adusto caminho de sua vida, os primeiros qu e illuminassen1 mais tarde, numa floração extra~ha
1

signaes de sua gloria. e divina, o éerebro inculto de seus filhos <las selvas e
Deus o destinára a São Paulo, Deus o queria nas QS corações embrutecidos dos seus irmãos europêus.

planuras hen1ditas de Piratininga. E veio, para gloria E preparava' assim, junto mesmo do sertão inhos-
nossa, cotn vinte annos incompletos, nitnbado pelo ideal P.ito, o ninho· para os futuros condores das "bandeiras",
de ser bon1 e de ser util, e embálou nos braços, carinho- para os que haviam de de'ixar o lar acanhado e pobre
s.amente, este São Paulo que ajudara a baptisar naquel- de Piratininga e ir bater, nos rincões afastados do con-
le ·dia .n1emoravel de 25 de janeiro de 54. Pata uma tinente, as estacas definitivas, de1narcadoras dos limi·
\

Patri~ q\te n~scia ·no al_!o, .par.a áquen1 das escatpas tes de um(.\. patria ·d igna delles, de ·u ma patria tão gran-
• •
agrestes da ,Serra do Mar, longe da trafica1,1ça e das in- de que pudesse conter um dia, no seu coração enorm'e o
trigas da costa, 'sobre uma1
terra, virgem e sob ·um céo . ·orgulh-o justo de seus feitos, e no solo vasto os seus
escampo, não havia padrinho melhor e nem braços mais cqrpos de gigantes.
puros. E São Paulo, que começou a viver naquelle dia, São Paulo e Anchieta; unidos ·p ara as glorias e pa-
desde aquelle dia até hoje, nunca mais ·e·squeceu o seu ra as desgraças, começaram a viver não só para o pre-
maior amigo e o seu maior -protector. sente qu'e é sempre .banal e utilitario, mas para o futu-
Quem lêr as Cartas de Anchieta, quem com elle ,
ro, que e sempre uma esperança e um~ promessa.
vier d1e São Vicente e parar alli, no alto da collina, no
Pateo do Collegio antigo, e lembrar que alli mesmo es- E a villa crescia, e os in<lios bons em torno <lella
teve, numa cabana hu1nillima, o berço hu1nilde de São se aldeavam. Da capellinha ,branca o sino repicava em
Paulo entregue á sua guarda ·e ao seu carinho, e l'e·m - festas nos dias claros de 'Paz, e nas horas solemnes das

brar que nessa mesma casinha $em confôrto elle, o mo- preces. Jesuitas, colonos ·e incolas, v:iart1 pelas encostas
ço, Al)chieta, abriu a prim~ira escola e, ensinou as 'pri- ,. .ensombradas do . Tamanduatehy e · do Anhangal;>ahu.,
. '
.1
'

meíras. letras ·aos primeiros' alumnos paulistas, no. mes- surgirem as ·p 'rim~iras lavo.uras ',e rutilarem a.o "Sol 1 bs
' ! li' '

mo anno do baptismo da terra;· ha de: forçosamente pritneiros f ructos ' sazonad·os. ..


commover-se até ás lagriinas. Era a alegria e o cohf ôrto do ald'
.
eão que vê, da se-
'

1
Como um santo, antes de semear para o corpo, menteira 'que fez e ·que regou tom o seu suór, brotar e
semeava para o espírito, atirando sementes de luz para rebentar em flor o grão ·bemdito do trigo que é alimen-

,
1

... '
-.' '
124 PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI PRIMEIRAS NOÇÕES DE TU'l?I 115

to no lar, e h'Ostia alva e santa flO templo. E São Paulo <le todos, no alto de sua colli~a, sem .p ensar no soccorro
, :de ninguem, não pelo orgulho pretenc!oso de sentir-se
era apenas um templo e um lar .••
Mas os annos passam; aos dias calmos de labor forte, mas pela convicção certa ie fria, terrível e positi-
succedem-se os dias tôrvos das af flicções. va <la impossibilidade de o receber.
A inveja que é o apanagio dos impotentes, o odio Anchieta, nesse dia tragico de 10 de junho de 1562,
que é a sombra dos perverso~, e a sêde de destruição quando todos já repousavam DO socegq quasi perdido
que é o ideal dos incapaze~, , corvejam, rondam, fare- de seus tectos, devêra ter entrado para o seu Collegio
jam a villa traball:i~dora do planalto. E vem o ataque ,'~ ~?,, ·. co~ ·São Paulo no coração.
um ·dia, 'e são tamoyos dirigidos por vó~es e gestos in1':. · · ' ~;
1
Ligado tlef initivamente á terra que aceiibava <le de-
J . ' '
per~eptiveis, guayanás r~bellados· por insidias mesqui- . fender, ama,ndo-a e querendo-a cada vez maior, não
111has, extrangeiros que premeditam devastar o que não ' poupa sacrifícios, não se furta aos ma.is arriscados tra-
.p uderam construir. ·balhos para engrandecei-a ie eximil-a de yexarnes e de
Para a defesa nossa havia ap•enas os muros f ra- desditas.
geis do Collegio, a cruz humilde da capella, o corpo Não podemos, nestes poucos instantes que fogem
mirrado d e Anchieta e a lealdade insubornavel de Ti- 1
céleres, recordar toda q. vida e toda a obra do homem
biriçá. Era pouéo, não ha duvida, mas era o bastante que floriu quasi um seculo com sua bondade, e que ha
para succumbirmos com honra.
de ainda florir um altar com o seu nome.
E ·o assalto se effectuou, e o cerco da villa se fez,
Lembremo-nos, porêm, de Y peroig, daquelles me-
, mas Anchieta não cedeu, Tibiriçá não cedeu, São Pau-
zes infindaveis de seu captiveiro voluntario entre os ta-
lo não cedeu ...
moyos de U·batuba, desc~iptos co.m tanta leveza ingenua
Os que dçfendiam 'Os seus lares, as suas roças, as
,. ·p or elle.. mesmo, e recordad9s ha pouco por Torres de
suas crenças, barram, retêm e anniquillan1 o imp·eto vio-
, ,. 1: t. Qlivieira., em conferenciq. · çommemorati:va· de . seus qua-1

lento dos· invasores. Luctam e' s0.ifrero, morrem e .p er-


severam, porque perseverar sof frendo, •e morrer luctan-
,. ·
J~, ,~ .tro seculos ·de nascimento; ·'iletp'bre~os ?os· moínen'to~
1·~,.:~·;.~ 1 solemnissimos em que, 'sobre a areia movediça ·d aquel-
•..
,
do,'' é o l•emma dos fortes e a: alegria e consolo dos jus-
las praias, riscava os versos, e compunha as estrophes
tos e dos bons.
que dalli, do chão de São Paulo, num claro raio de luar,
São Pq.µlo salvou-s~ ~ ~j m~smo, sosinho, distqnt~

' . ••
'
126 PlUMEIRAs NOÇÕES DE TUPl J?RIM~IRAS NOÇÕES DE TúPI 127

iriam, em ascensão gloriosa, <lesfazer-se em petalas e la- · a mais valiosa das homenagens, e o premio melhor que
grirnas no cóllo virgem da Virgem-Mãe, no Céo ... poderia esperar de nós.
• Lembremos as horas de seus dias no inferno da- Mas lembremos ainda a sua obra, modesta e peque-
quellas paragens, no bulício suspeito daquellas selvas, nina, synthese formosa de uma lingua, a sua "Arte" de
no a1nbien,te largo ~ traiçoeiro daquelle dese.r to litoral; grammatka tupi, o livro maximo para todos !.J:ÓS, o es-
lembremos, e lembremos que as torturas moraes que crinio mais bello e mais valioso em .q ue se guardam as
'
sof freu, que as ,vigílias assombradas que curtiu, que as · perolas mais ricas da lingua do ma.is infeliz e desgra.,.
1

maguas corp.oraes que supportbu, era1n o preço por ·que , çado dos póv.os ...
1 '
comprava o socego de São Paulo, o trabalho fecundo de · ~ Si o Destino quiz , que os 'aborigenes brasileiros
' I
'
São Paulo; ·a vida mesma <le S~o P'a ulo ... f ossêm ma,ssacrados, ,sevi<:iados, atiràdos ás gargalhei-
E lembre~os a f11ndação· do Rio de Janeiro, que . ras da escravidão ; que Ds seus lares fossem transf or-
assistiu, os empestados da esquadra de Vald'ez, que am- n1ados em prostibulos e as suas tradisões em phantas-
parou, os indios que salvou da tn?rte, os colonos que magorias ridículas e perversas ; que os seus musculos
salvou das traições inevitaveis, as villas, os portos, as de ferrQ fosem algemas para seus semelhantes; que
choupanas que visitou como pae, as chagas sangrentas seus arcos fossem ~atapultas mercenarias, quiz tambem,
que curou, os alimentos que deu aos necessitados, os na sua exquisita sabedoria, que o mais fraco dos ho-
corpos nús que vestiu, as almas que purificou, a extre- mens fosse seu mais forte protector, que a alma mais
ma-uncção que deu aos moribundos. pura velass·e por sua hopra espesirrha<la, e que um san-
l r
E l·embremo-nos dos meninos que instruiu, dos 1
to escrevesse e guardasse a sua lingua •.•
versos singelos que aompôz, dos autos innqcerI;tes '
que' ,
.
escrev.eu, dos ·documeqtos ins.ubstituiveis', que· deixou, ·
<la. lealda:de con1 que
.

,~:ernpr.e, agiu, , da humild;ade com


( 7 - .setembro - 1933)
,,.. . ' . ' ! '

' .qu·e sempre viveú, 'do ·am~r infit;if? que aos companhe~-
rüs s~mpre dedicou, da se'renida:de com que morreu, em,
Reritiba, naquelle anno triste <le
' .
1597·..• {

:Recor·demos tudo, porque recordar é a mais bella


..
f órma de ser1nos gratos, e a nossa gratidão será para elle

t
[ •


..

'

VOCABULARIO

,.
,•
\

'

l

,- '

-
As palavras que consignamos neste resun1idissimo
vocabulario, são as que haviamas escolhido para escla-
recimento de nossas pal!estras semanaes. A escassez
absoluta <le tempo não permittiu, entretanto, que f os-
sem todas citadas. O leitor curioso poderá agóra, sem
grandes difficuldades, applicar em casos varios as re-
gras grammaticaes expostas, 'f3 verificar as profu~das
alterações que soffreram alguns vocabulos tupis.
Para as interpretações que damos, seguimos quasi
sempre os ensinamentos de Baptista Caetano, contidos
no monumental "Voca·? ulario" publicado no vol. VII
dos Annaes da Biblioth•e·ca Nacional.
'
. 'Muito.s <;los vocabulos tupis admíttem mais de uma
traducção, e p0r isso não devem os nossos leitores sup-
p-Or que só a que acceitámos é a, verdadeira; outras,
< •
, talvez mais claras, e que melhor interpretem os caracte-
rísticos do sêr ou d'o local denominado, podem ser en..
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org

13 2 PRIMÊIRAS NOÇÔES DE TUt>l


VOCABULARIO
contradas, desde que se observem as regras e a índole
da língua.
, O estudo e o criterio dos leitores corrigirão, com
vantagem geral, os possíveis en~os deste modesto '

vocabularjo.

Acã - (acanga) - .,a cab.e~a. o caroço, a bola, a
cousa parecida com a cabeça.
AcMmbú --. (áca-ye)llbú) - o co,rrego dos chif!res
o ieor1
1
1•eg-0 •que se bifur~. que ,se 'e sgal\ha.
Acangnerussú - (a,câng~-Oléra-u,ssú) -;- a cave!i ra.
grande, ·o esqueleito gr~.nde. Pode ser tambem: os cabe-
çais-g.randes, os cabeçudos.
Acarahú - Vid. Acarahy.
Acarahy - (acará-hy) --'rio dos acarás, dos peixes
chamados acarás ou cascudos.
Acú - (acúba) - quente, cálido, febril, veneno,
o que produz calor.
Aguapé - (aguá-peba) - a planta redonda: e cha-
ta, o guapé.
Aguapehú - Vid. Aguapehy.
Agu.apehy - (a.g uaPé-hy) - rio dos aguapés,, das ·
·plantas redondas ' e chatas.
1
Ajuhá - - {a-iuá) - a friueta .d.e espinho, .a ifructa
. ,~
esp1nho:s a,· o juá. .
1 • '
· . Alambari. _.:._ .(arambé-:r-f) ~ o rb ichinho, O' ·peix!-
_ _ _ _ _. . . . _-::........,. • ' ! ' ' ' •

nho, a s ardinha, , o lambary.. ' ~ ,


'
·Ananan - ( a-n.an-na11'), - a fructa' , que cheira muitis-
simo, a fructa que cheira-clh~ira, o ananaz.
'
Andayatú - (andayá-tuba) - o sitio das palmei- '
ras andayás ou indaYás, o lugar em que nascem as an-


134 PRIMEIRAS ~ÕES DE TUPI
NOÇÕES DE TUPI 135 •

dayás. Correarond-e á €xpressão ln-dayátuba. Pode provir
de anday.á-ty, e nesse <:aso será -o rio -Oas andayás, o rio Araçapeba - (araçá-péba) - o araçá chato, a~ha.­
que corre na zona das andayás. tado . .rtfadeira do sul do Estado, tambem chamada Araça-
Angatuba - (ingá-tuba) - o sitio em que ha abun.. peva.
dancia de ingá.s. d<>s 1'.ructos cbamados ingás. ~a~p~ - (arára~anga-'guá) - o pouso, a mo-
Anhangabahú - (anhánga-yba-ú ou an'hánga-yba.- rad~ das araracangas, a en'Seada das araracangas, es-
hy) - rio da arvore do ·-veado • .Anhánga, a alma que pec1e de aráras.
corre, a sombra ·que · passa, -éra materialmente represen· Araçari~uama - (ai:açari-guama) - '· o comedouro,
tada pelo veado, o 'm~is v-eloz· dos ani,m aes. brasilicos. ,• o luga.r em ique vêm comer os araiçaris, os tucanos cha·
M~smo no centro da Jloje cidade ·4e '8. ,paulo, hav:ia mui..
·'. -~ado~ ,~aparf,s, ·
to veado como é sabido. A' cuvit}~ga., seu. alimento pre.. t.·1' ~-- .Ara: · ba - (a,r açá-.t uba) o sitio dos araÇ~s, o
dUecto éra >tambem abundante, ·éra a arvóTe do v:,e ado, "· lugar. q e iproduz araçás, o á:ráç:asal.
som duvida. A traducção corre"nte: rio. idas diabruras. ... ' , . . Araçoiâba - (.ára-aiçoyaba) - o que encobre ou
positivamente não satisfaz. esconde o dia, o q·uo .f az tSombra, os iµo.n tes, as mon-
Anhanga.hy - (anhánga-hy) - rio ou agu~a dos tanhas de f ór,ma geral.
veadoe.. ... Ar - ( ariá-guá) - o valle, a baixada, a ên-
Anhangoára - (anhánga·quâra) - o esconderijo, sea s.
a tóca do veado. ~; palavra que imita a voz da ave assim de-
Anbauguéra. - (anhánga-oéra) - o espectro, a al· nominada.·
ma velhaca, esperta, sabida. ~:6 - Vid. Araira!by.
Anhemby - (anh~ga ou an.han-by) - rio do vea..- ~hY, - (arára-hy) - o rio ou aguada d<l.s
do, rio em cujas margens eram encoú.t ta,diços os veados.
.a raras.
Anhúrnas - (án-úm) - a sombr~. ·o vulto, a visão
Arar~pfra
- (arára-apira) - o cume da-s araras,
~ - topo .d o morro ond.e vivem as araras. .
;~·lf.' w~ Ara~~ª - (arár'a -quara) - a moita, ·o re;fugio
. ~·~" .elas ara~~'" 'Q h1abitácplo das araras. .· · ·
. • ~ ~ .., ~ A ib·~ . . .. . .
~~'. .: . ·~ · ,r:;.. D ·- (~t:át-·Y'há.) . .., a fructa das ' araras·, a
~... as araras comem~ '
.., f>r\cta . u ·· i ·
;:.; ;•••.ut.~. .:~~~":···' · . . . . .,.'
A;r/ - ( arâra-úna) - a ararà 'escura a arara
.. , .A:rWt·!~-Y
~ Vid. Arac~hy. , · ~.' ·negra, que se .encontx:a na Amázonia, "Goy~:, etc.
em
,,,..~~.!!iY ~- (araiquai-'hY) - rio .d os auneis, doa tor·
•n&fos, rio -doe curso cheio de .c µrvas.
.- . Ar'4ca - (á,r a-taca) - que -êstra11a cahindo. Es.
pecie doe armadilha. .
136 PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI 137
',
Aricanduva - (aricánga-tuba) - o lugar em que Aytinga - (ay-tinga) - a preguiça, o bicho pre-
ha a·bundancia de palmeiras chamadas arlcanga ou guaTl- guiça de J)e'llo claro. Pode ser Ytinga, isto té, o rio de
canga, o sitio que produz essas palmeiras. aguas claras.
Ariranha - (irára-rana) - o animal que se parece
com a irára, semelhante a irára. Uma especie de lontra. .Bacaetava - (mbaê-cái-taiba) - lugar onde as
Aririaia - (airi-aia) - os palmitos macios, JS cousas se .queimam, ª- fogueira, a quein1ada,
airis bons de comer. Airi é u.ma .palmeira. Jlacuruvú - (ybá-eurú-ú) - fructo aspero e pre-
Airiró - (airi-iróba) - .o ·p almito amargo, a pal- to. E' a vagem que 'contem a semente preta conhecida
nieira airi que tem palmito amargo. por F~.va divina. A' ar;vore tambem se dâ o nome de
A.'11.ry - (aryry) - nome de um co~~i-eiro de haste Gua:peruvú. '
es~in'hosa. D~s suas ·fibr as fazem-se ' ;Và~souras, cor-
1
Bacury - (ybá-curi) - a fructa apressada, a Jfru-
das, etc. " . cta que se !forma rapidamente, ·
Arujá - (arú-yá) o viveiro dos arús, dos :pei- Bagua.ssú - (yba-gua:ssµ) - a arvóre grande, a ai':..
xes tambem chamados ·g uarús ou barrigudinbo~. vore grossa, alta. Talvez o coq1ueiro Guaguas:sfJ.
Assacoéra - (açá-goéra) - a vereda antiga, o cru- Banharão :__ (mbaê-nh-arón) - a cousa alegre, o
zamento rdo caminho ve1ho, o itril!ho abandonado. Vid. que é alegre, aprasivel, o que. pare~ bem, o que en-
oe.nta.
Peaçagoera.
Assunguy - ( a-çugui-y) - rio do sanp&. Talvez Buqa.iruv6 - Vid. Bacuruvú.
·o rio de aguas av~rm-elhadas que léUlbram o ...,,gue. 'Baracéa - (mbará-acêm) - a eahida do mar ou
Atibaia - (ty-b-aia) - o rio mansa, 4- ~uas do rio, o extravasamento,, a enchente, a maré alta.
tranquillas, de aguas agradaveis ao J>aladar. Bariry - (mba:ê-riri) - a cousa t remulante, agi-
Avahy _ (abá-hy) - o rio da gente, o rio de todos, tada. Desi·g na as corredeiras.
o rio dos homens. ' Barqueçaba - (mbará-keçaba) - o ninho ou o
Avanhandava ......,... (abá-nhan-da•)
, - lugar da cor- pouso do mar, 10 lugar e.m que o ·mal'l '·:é calmo,.1 ,em que
rida da gente, lugar em que a gente corre, lugal'I e.m parece répousado: : '
que a a,'g ua leva a ge·nt'6 de corrida~ A corredeira, o· $alto Baruery ~ •Vtd. Bariry. ·
Ba~yra - ( potyra') __, .a flor, a bónina.
' dos xios. '
Avar§ - (abá-ré) - homem 'div·e r:so, distinto, ami- Bathé , - (ybaté) - alto, el~v~do, erguido, .cume,
go. O catechista, o padre. no alto, em cima, o céo. ·
Avarémauduava - (abaré-mand·uar-ába) - o lu.. Banrú - (ybá-urú) - o continente de ' fructas, o
gar ql,le recorda o padre, a l embrança do padre, em samburá ou o cesto de fructas.
memoria do cateehista. ~ Beritiba - (tp iri-tuba) - Vid. Pirituba.

' •

'
138 PRifvlEIRAS NOÇÕES DE TUPI L 1 PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI 139

Bertioga - (.Pirati-óca) - o refugio, o pouso, a iBoracéa - ( póra-acêm) - a vinda do -p ovo, a reuni'*


moita dos piratb;, dos peixes brancos, das tainha~. de gente, o bando de pessoas, a festa..
Biguá - {mbi-guá ou pi-guá) - o pé arredonda- Boracica - (ybyrá-icica) - a re-zina da madei-
do, o pé ~argo, o palmtpede. re., a madeira rezinosa. Tambem ·se diz Biricica e Bu..
Biguy - (yby-guy) - 'J)or baixo da terra, o sopé ricfea.
da encosta, o subterraneo. Como nome de uma plant a, .
Boreby -
~._..;e:.,-~ _....
(mbor:ebi) - um dos nomes dados ã
,f amilia '<ias cannaceas, pode ser: mbi ou pf-guy, a va,ra., anta • •
a haste bambaleante., !I"umoreja,nte. . Botor6ea - (yby.tú.!r-ooa) - a ·casa do vento, onde
Biriçá - . (Y:by-r-yç.ã) ~ a CQlefmna de t·é rra, o· pi·1 · e1le S~J)ra contlnuamen.~e. , ,· ,
' • ~

Iªr ;de terra, o p,ico da montan'h a, a ,p ontà de terr~


,.i;
.: Botucatu __. (ybytu-catú) -·~ q vento bom, saudavel,
erguida. . .. 1 •
> ~ I ·o cli'ma bom.
~
1 li "' '(
· Botujutrú - (ybytú-jurú) - a ,~arga.nta: do vento,
Birltiba - Vid. Pirituba. '
o desfilade1ro, a ·g arganta de onde Parece que- sabe o
BoMica - (mbo-acic) ,,;__ fa.zer corte, atalhar, cor- ,. · v~nto .
.)\ .•.< • .,,
tar, o atalho, o desvio, o córte. '•
1Boturantim - (ybyttú-ran-tin) - o qwe parece
Boamirim - {mboy-mirim) - a eobra ;pequena~ a
cobrinha.
vento branco, a nevoa que se forma nas ·q uedas d'agua.,
a neblina das cachoeiras. Altera-se em Voturantim.
B<>assára - (mbo-açá-ára) - o que ,f az passar, o
Boturuna - (ybytyr-una) - a montan!ha neg1·a, a
passadouro, o atravessadouro, a ponte, o vau dos rios,
serra negra.
o caminho que leva á outra margem.
Botuverá - (ybyty-berába.) - a montanha bri-
Booa.yuva - (macá-yba) ~ a arvore da macabi. lhante, resplendente, que brilha ao sol, a montanha de
Tambem .se diz macahuba, macayuba e bocayuva. E'' o pedra núa q-qe reflecte a· luz.
' '
coqueiro conhecido POl' Bocayuva. , . ~ Braia:ia - (ybyrá,- iai) - as farnas da madeira, a
Boicoára -- (mb.oy-quára). --.., o buraco das cobras, mad,eira çheia de~ asperezas, de pontas, · d~ fibra$ erguidas.
'
Q ·e sconderijo ou ª· tóca da.s e.obras.
./i'> , . · Bl'~úna - · (ybyrá-una) ~ a madeira preta, a m.~-
'· :Boissucanga - (mboy-ussp..-c.~nga') - osso ou es- 1 <11i1;. ~. deira -escura. Tam bem µara u'pa; · . , • , , , '.

q ue)eto •id a ,co·b ra gl'1an~~. a E\§!pinhà ~- da ~Jboia. ·


~ · ic;>ituva - (mboy-t~ba) 7 o. lugar em que, ha mui-
ti\.:.
N'lt'it'-i~;,. ' ~1·apanui'l'imduba "-.- ( y.bY'J:â;.yá-yba-111,irim-tu ba) -...-
1

~ f Y, ~:., :1···~:," ' lugar


~ '
·e m que ha arvores pequenas· de madeira rija'. E'
ta cobra, on·d e as cobras viyeni. ·. '
1 ..

. a palmeira tatn,bem chamada , Brejauva., ,B a·rajauba, Bra-


· Bopy .- (mbo-pi) ' - .m ão , de pelle, àza de i>elle, ~a,uba e Brejetuba.
o :more-ego. Brejetuba - (ybyrá-Y·á -tuba ) - o lugar em que ha
Borá - (mborá) - do centro, do meio, do intimo. madeira dura. pal'.meira que tem as libras rjjas.
1 I
1
·• 140 PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI PRIMEI~AS NOÇÕES ÓÉ TUPI 141

Buquira - (mboquira) - o broto, a :ponta, o grel- qúe se queima, que arde, ª queimada. Tambem Caocala
lo, o enfeite, o que é tenro, e Cau.cá .
. o que é macio. Cajoby (caá.-oby) - a folha azulada, a folha.
Duritama - (]>ury-retáma) - ~ patria, a rreg.tão
das burys, das palmeira: burys. anilada, o anil.
Burity - ( bury-ty) - agua da :palmeira, a pal- Oajurú - ( caá-jurú) - a bocca do matto, a entra-
meira aquosa de cujo caule ·Se extrae um liquido .que da do matto, a borda do matto.
serv-e como bebida. Altera-se em MuritY:, Mlrity ,e Mo- Oamapuan - (cama.,puan) o seio redondo, os
·rtty. xnamillos, os comoros, eminenciai) ·do it erreno que lem-
,B urú - (mburú) - revolto, agitado, tran.s torna-' 'bta~ seios. , l ' . •
.. ' ~ \ 1 •

do, o redemoinho, a corredeira' .meio .o cculta, ~ ·



, ~bucy ·- (cambú-chl) __. o va.s o d'agua, .o po~e,
Bury ~ nome de ·~à.tias especiés de palmel~as. ' .o . cantaro. ' '
' . '
Butantan - (yby-tan-tan) __....,, a terra dura-dura a ·oambuhy '- (caá-mboi) - a folha solta, a tolha.
1 \ •

terra muito dura, 'Socada, firme, a taipa. . que se deli}pega.


~uturussú - (ybytyr-ussú) - o .m onte girande, a Oaneú - ( caneon ou ca:neô) - .c ansado, fatigado,
montanha., a serrania. o cansaço.
Cangoéra - (acánga-oéra) - a cabeça que foi,
a caveira, o esqueleto, o caroç.o secco, velho.
Oaáguassú - (caá-guassú) - o matto grande, ex- (J.anindé - nome de uma es'Pecie <le arara.
tenso, a mattaria, o mattão. üapanemª - ( caá-panema) - o matto ruim, o mat-
Cabreuva - . (<eaá-boré-yba) - arvore do cabuí-é, to sújo, o matto ~m caça.
da ave chamada caburé. ' Capão - (caá-.pãu) - nesga de matto, me.Mo iso-
Oabuçú - (cába-uçú) - a vespa grande, o ves• lado no meio do campo.
\Pão, o marimbondo. , Capim - (<eaá-pii) - a .folha fina, a planta de
Oaburé - ( caá-bor-é ou ..ca'á-P<>ré) - morador do ~elle fina, o matto fino, a ·h erva, a :pwlha.
matto. E' uma especie de fale~o. '
• ' . ' • 1 1
' · Oapitinga - ( caft-pii-tinga) - o cap~m. branco, a
Oaçapava .- (çaá...açá-paba) -:1--- a l>assá.gem da m~t- 1
he:rva esbr~nquiçada. '
. ta;' lugar em que . o caminho . . a matta.
artraw;essa ' '
~m 1<l,'Íle ha
'

11
'.~ Oapituba - (caá•pii-tuba), -:-'
o lµgar ' I
Oahtetuba - (ca:\'."e.t ê-tuba) - o lugar 1em que se ·, . ·capim, a ~on~ que pr'Oduz capim, o caplnsal.
a
j • ' ! 1
j

e,ncontra a matta ViT;gem,. a matta verdad-eira, zona. • ' Oapivara - ( ca·á -pii-·uâra) - o comedo.r d·e 'captm,
que é propi.c ia á formação d~ .m .attas reaes.
o que se alimenta de ·h ervas.
~ssú - Vid,. Caáguassú.
Qa~varú - Vid. Gapivary.
1

Cabuefttia - ( caá-oc~ia) - · o ~tto, a folhagem



142 PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI PRIMEIRAS NOÇÕES DE TtJ'PÍ 143
r

• (Japivary - (caá-pii-uáTa-hy) - rio do comedor ' (congõi). - o que .mantem o ser, a.


Congonha -
' de capim, rio ·OU aguada da capivara. herva do sustento. Uma variedade da herva-matte-.
' Capoava - (caá-poaba) - o tapume, a coberta -Oorahú - (curiá-ú) - o alimento dos curiás, o
feita de matto, de folhas ou palmas. comedouro dos curiás, dos patos chamados curiás. ,
Capoeira - (caã:"poêra) - o matto que foi, o mat- Oorumahú - (corumbá-hy) - rio dos bancos de
to antigo derrubado, a matta virgem .que desapparecen. cascalhos.
·Capoeira designa pois o matto em 'formação, o que vem Oorumbá - (curú*umbá) - o monte de .seixos, o
após a derrubada .do anti.go, que. lembra o antigo. ba·nco <le destroços, de cascalhos.
·O aputéra - (caá.-a;Pit1éra) - o interior d-0 matto, o (Jorumbatahy - ,(curúmbá-tahy) - o'urlçado. de co-
. :~. ·~· • , rumbás, fragoroso,
,amago . ido matto, pleno matto, , o cen!ro do matto. 1 c,h eio d·e ' bancos . de pe.d,r?µços. . ·.
OAr.agoatá - ( c'ará-uã.,.tã) - o talo· ·e spi'nhoso id,uro, ~ :'' "3:: ' Cupim , ._ ( cô-pil) -- coPta a roça. No:me gener,ico
rijo, o carauá rijo. ,, '. '
do.s termites ou formigas brancas. ·.
'
Vid. Aca.Tahy .. P·o de ser tambem o ~arâ ·
'
Carahú - Curupá - (cuTú·paba) - o· de~osi;~, 'o .amontoado
ou ·i nhame .e scuro, isto é, <Carã-ún. de seáos, o .lugar em que ·s e ajunta o .cascalho.
''
Caraby - Vid. Acarahy. Ounir6. - (cú-rú-rú) - sons •q ue imitam o coa-

Oaragoatatuba - (ca'ragoa·t á.-tuba) - lugar em <iue char de certo$ sapos. O sapo desse nome.
ha caTagoatáa, onde nascem os caragoatá.s. Outta - (a-cuti) - o q·ue come em pé, o q~e fica
<Jarapeva - (acará-peba) - o acará (}·h ato, miu- em pé ou erecto para comer. Tambem CO'tia.
do, o peixe acarâ achatado. Ouyabá - (cui-abá) - gente da farinha, os fa-
Carapiranga - (acará-piranga) - o acarâ aver- rinheiros. Nome de uma tribu de indios de I\fatto-
melhado. Sendo nome de planta dirá o· cará vermeL'ho ou Grosso.
a v,ermelhado.
Embahú - (ambá-hy) - o rio escondido, o rio
Catanduva - (caá-tã-tuba) -
· ruim, resequido, de matto ord:inario.
o local d~ matto

Catete - (tatetu) __, o dente fino, apontado. Espe-


.
occulto, cujas aguas e~ certos .pontos pa,Ssam a>or baixo
~ ter:ra, pelo Oco da, terr~.
'
.
.
:;~ ·. ~birassú -
cie de IP<>rco do matto. Altera-se em cateto e calteitú.
~ , . ., gros~.a
1 ou forte.
(mbira-assú') ..__ a .embira. ·g rande,
Catupé - ( catú-apê) - ,_bom .. caminho, vereda boa, • '\: > • '

.
'
.~ Emboaçava ._:. (mbo-açâ-ába) . - . Iuga·r que ,faz ;pas-
'

. boa é~tradà. • ,, t '·.

Catupiry - (catú-pyri) - . excelleinte, optimo, ex- sar; qú·e perm'i tte pasaar de um .l ado. para ôutro, ·o ~tra-
cellentemente. t ·
'
vessadouro. ' 1
'
'
JCipó - ( ici·pó) - lia11a, ,t repadeira, o cipó conhe- Enguaguassú - (y1guá-guassú) - a. en.s eada gratl-
cido, a .f ibra que pega, que se enro.sca. de, o espraiado grande de agua, a ba.h ia, o lagamar.
...,,

'
'

• •
144 PRIMEIRAS NÓÇÔES DE TUPI PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI 145

Ga:mbá - (guá.-mbá) - o ventre Oco, o vent.Te Gnaporanga - (guá-p?ranga) .::._ a enseada bonita,
aberto. o lagamar bonito.
Gerivá - (yari-ybá) - fr-uctM de cacho, fructas Guapira - (guá-apira) - a parte alta do valle, a
em cacho. Nome , de um coqueiro. Tam:bem Geribá. cabeceira.
Gel1il>atnba - (~-eribá-tuba) - lugar em que ha Guará - (.guag-rá) - pennas ou plumas para,
coqueiros gerivá:s, a zona em que nascem em abun·d·a ncia. adorno. E' nome tupi da garça v·e rmelha.
Gib<>~ - · (gi-boya) -:- a .cobra das rãs, a cobra qull

· Guaracy - (guá.ra-cy) - a mãe l'ªs creaturais, <>'
come rãs. que dá vida ás creaturas, o sol. Tam• .m .coaTacy.
' '
Goiaba - (a-côiaba) - ,a reunião de caroços, oa Guar.a.cyaba - (guara·cy-á:ba) - ca.bellos do sol, os,
".\
"
.c aroços ' unidos, grudados. .rai.o s do sol. Tambem Coaracyaba. .
1 '
( guar.áo.!by) ~ o rio ou agua-O.a doe:
1 '
Guabiroba ...:__ (guabi-iról;la). - ~ ' c~sca amar•gosa,~ Guarahú -
, 1 o que amar:ga ao 'Paladar. 1.
guarás. 1
. /' , 1

• ••
Guaclúndu.)a - (guachin-tu.ba) - o sitio das vas- Guarat#.Jan

- (guára-antán) - a madeira .compri-

souras, o que l)roduz a planta chamada 'vusoura. mi<la, a madeira dura , r ija .
Guamerim - (gua-mirim) - a en,eada :pequena, a ; , Guarapiranga - (guá.ra-piranga) - . a made ira.
1
lagoa. -vermelha ou avermelha da.
Guanabara - (guã.-nã-pará) - a enseada seme- Ouararema - (guára-rema) - a madeira fedoren-
l lhante ao mar, a bahia que parece um mar. ta, de mau cheiro. E' o pau d'alho.
ou,nhanhã - (guã-nhan-nhan) - o que ~rre mui- GuaraUnguetá - (guirá.-tinga-etá) - muitos pas-
to, o que vive correndo, o corre-corre, o corr-edor. Nome saras brancos, bando de garças, as garças.
de ,uma ,t ribu selvagem. Guarat11ba - (guará-tu·ba) - o lugar em que ha
Gua.pará - (,g uá-pará) - o Tio das enseadas, o muitos guará~ , o s itio em 1que vivem os guarás.
rio que forma 1pequenas bahias. Pode ser tambem o rio Gua.rehy - ( gua ri-hY) - rio .d os guaris, dos .m a-
que nasce numa enseada, rio da enseada. ~ caces guaris ou guaribas.
Quapeva - (.guá-peba) - a enseada raza, de pou- Gua.riba - (glJál'-aiba) - a creatura ruim, ·fein.
co fuhdo . ,Como designação da Fava de s. Ignacio, ·d irá: ·certa
} . oo.pecie de maca-cos. ~ '

o caule chato, o iructo 11Çhatado. · Guarica;n~a - ( guar1-eá n.g a) - . cabe.ça do mac~co,,


1 •

Quavia1·a - · (guiá-piá.~a) ..::.... o. que é ,proJ>rio da bai- 'o qu' '


e se. .pa:rece com a cabeça de macaco.
'
xada, da enseada, do valle. t Guariroba - (guára-ir9ba) - a madeira amarga,.
~pihú - (guá-apira-hy)' - agua das nascentes, de sabor amargoso. Especie de ·P almito.
. '
Guarh'lltuba - (-guá-rerú-tuba) - a r egião das poça s
rio q·ue vem da parte allta po valle.•
de agua, onde ha agua empoçada, como que em vasilhas..

'
'
I

,.,,
146 PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI PRIMEIRAS NOÇQES DÉ TDPI 147
Guarujá - (guarú-yá) - a moita., o pouso dos gua- tieula -p luralisante, a expressão dirá: os paus, as ma-
:rús., dos peixes chamados guarús, ou barrigudlnhos. deiras.
Guarrulhos - (guarú) - os comedores, os glu- ' lbitinga - (yby-tinga) - a .terra esbranquiçaba, o
tões, os barrigudos. Nome de uma tTibu. barro branco.
Gua.ssú - ( guassú, assú, ussú, guaçú, etc.) - Ibitirama - (ybytyr-râma) - a montanha, a ele-
grande, grosso, volumoso. vação consideravel de rtrerra.
Guatarnbú - (guá-atan-mbú) __, madeira dura e lbitiruna - (ybytyr-úna) - a montan!ha ou a ser-
sonora, madeira e-0mpacta. ra negra. Altera-se em Butur•una e Boturuna.
Guaviroba - Vid. Guabiroba. lbity - (ypy-ti) - a terra er.g uida em ponta, o
1

Guavb,' Utuba - (guabirú-tµba) -- o lu~ar em que ; PICO.


' '
~ ' 1 . ,,
I

• . '
·~·xistem .r atos, a r~gião dôS •rátos, onde ~.lles at>;parecem
'

\
'" Icem .__ (y-cem) - a sáhida' da aguai· a conflue-ncia
em abundancia. ' '
. ' de aguas, á nasc.e nte, a fonte. ·
'
'

Guaxanduva - Vid. Guachinduba. lgaçaba -


'
(yg-açaba) - o que leva agua, o pote:,
Guaxinduva - Vid. Guachinduba. o cantaro, a vasilha.
Guay~ - (guay-anã) - gente alliada, parente, lgarassú - (ygára-assú) - a canoa grande, o ba-
<>U habitante dos valles . telão, a barcaça.

( Guayó - ( guaya-óca) - a casa, a .toca do ~aran- Igarahy - (ygára-yba) - a arvore da canoa, o
gueijo. mastro da canoa.
Guayrá - (gua-y-rã) - o lu·gar 1ntransitavel, in- !Igarapava - (yg-ára-paba) - o pouso, o lugar em
transponível, por onde se não passa. que fieam as canoas, o ancoradouro.
'
Igaratá - (ygára-atâ) - a canoa muito alta, o
Iacanga - (yacánga) - a cabeceira tlo rio, a nae- navio, a nau.
'
-cente. IP8!pe - (yguá-pe) - na enseada, no reconcavo
(ybaté) - alt0t, elevado, erguido, no alto.
1 '
llbaté - da ·agua, ~o embolsamento da agua, no lagamar.
'
Ibicaba - (yby-cába) - ~ terra esca~
'
ou
re- lgwlssú - (y-guassú) - o rio grande, o rio vo-
,

mexida. "Pode ·ser nome de umft fructa. · . · lumoso. o..: ' /.1\
Ibimba~ · - (ybi-mb,a:ê) - , o que .tem fibra~ 9 fi- · · lmbYJ'llS~ú - Vid. Em'b irassú. . '\ ·
bro~o, /filamentoso, o que ~e ·desfia. • ,." · Indayá - ~andá.-Y'á) ·- · côcó.s que .cahem, . 1, ue a·e
\~ 1

lbirá - (ybyr.- á) - P,au, madeira, arvore', vara, ·de·s pencam. Nome de ·u ma .p almeira. Tambem Anda)'a.
viga. " lndayátuba - (andayá-tuba) --..:, o lugar em que .ha
IbirapuéJ."a - · (yby·r á-poéra) - - as madeiras, 013 paus ·a ndayás, onde nascem as andayás.
ve1hos, a floresta antiga. 1Si po~ra, funccionar co.mo IPaT- lngaby - (lngá-hy) - rio ou aguada ,dos ingás.

'

• •
' '

148 PRIMEIRAS NOÇÕES DE , .,tUPI PRIMEIRAS NOÇÕES og TUPt
Inhoahyba - (nh1l-ayba) - o campo, o pasto cheia de limo que se empasta, que se torna visguento, a
ruim. resina da pedra. Pode ser tambem itá-ycy, e então dirá:
Ipanema - (y-panema) - o rio impresf~vel, que não
-
tem peixe, a agua que nao iPresta.
~)
*' a fileira de pedl'as, a ála de pedras, a successão de ;pedras.
Itaipú - (ltá-ypú) - a agua .que borbo.ta da pedra,
Ipatinga - {ypaú-tinga) - a lagoa clara, de aguas a fonte, a nascente da pedra.
claras, a neega de agua transparente. Itajahy - (taiá-hy) - I"io ou aguada dos ta.li&
Ipaussú - (ypaú-ussú) - a lagoa grande, o lago. ou das taio bas.
Ipê - (ipê) - a casca., de arvore, a cortiça, a ar- ·· Itajoby. - (itá-oby) - a pedra azul ou esverdea-
1 ,
• vore cascuda. da, o v.ardet.e, a esmeralda. ·
~r.~.r~r.4 :· 1 ;rperojg - (iperú-yg) 7"'" ,aguada 40 tu.b arão, a izona. JtaJ6. - ,(itá-yu.b ) .- ·JJ. pedra ·amare.n a, ô ineto.1
ri :,:t ~ '!'.a. . . ' 1, , I ,•

.. ~11!. " ~;#Ys ·:t.ubarões. ·, . . . , • . amarello, o . ouro. . . ·· '


~ífl~, ~. , . Jpojuca - (y-a..pô-Ytlc) --:.. ·p ~banhado, o brej~ do .,
'Itambé -:-- (itá-a.i mbé) - 'a pedra a.fiada, a pedra
nRA agua estragada ou· podre. •· . ~

de amolar, !'\ pedra aspera.


Iracema - (ira-acêm) - a sathida ou o flux do mel: ItanhÂeil' - (itá-nhaen) - alguidar de pedra~ a
o enxame de abelhas. panella oú a vasilha de metal.
IraPé - {y-r-apé) - caminho da agua, o leito do Itaóca - (itá-óca) - a casa de pedra, a caverna,
rio, o canal. a lapa.
Irapuan - (ira-puan) - a -abelha do alto, a abeliha. "' ~ · Itapanhahú - (itá-pãu-hy) - rio do meio das pe ·
erguida, a especie de abelha que vive no alto das arvores. dras, que corre por entre a>edras.
... Iriguassú - ( yri-~u) - a conlda grande da. Itapanhoapinda - (itá-pãu-apina) - a .Pedra 11m-
agua, a correnteza forte/li:· corredeira extensa. pa do meio, o rochedo central.
Iririhú - (iriri-hy) _._ rio das conc'has. Itapeeerica - (ltá-peba-cerica) - a pedra Chata
li:uPY - (y-rupi) - pela agua, pelo rio., emebar- escorregadia, limo.sa, a ·I age escorregadia. .
cado. Itapecuá - (itá-peba-cuã) - o pedaço de pedra
'
Itaberá - Vid. Itabeil'aba. ,.. ' .:chato, o seixo acha~do.
Itaberaba - (ita-beraba) -:--- a pe:d ra brilhant~, re· ' .
~ '
luzente. Támbem .1taberava. . ·
. ' . Itapetinga (itá-J)eba-tinga)
ca, a lage br·a nc·a .
.
--:- a pe:dta .chata bran-
· ·
I~uruçi _,. {i1tá~.u1'u.çâ) ~ a ,c ruz de pedra. ' ' · Itapetintnga - (it:á-pebà-tininga) - a pedra chata
ltaguá _ , (itá-iguaba) ,- -0 barreiro, o lugar , ~e­ secca, a lage secca.
dregoso em que ae aves çomem. · [ta.peva - (itá-.peba) a pedra chata,' a la·g e, o
Itahim _ (itá-im) - a pedrin·h a, o seixinho. lagedo.
ItaicJ _ (itá~ycyca >. - a pedra pegajosa, gru$}enta,
' '
'


'

15õ PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUP1 PRIMEIRAS NOÇÕES


V
DE TUPI 151

• Itaplra - . (itá-apira) - a pedra erguida ou le- Jtinga - ( y.Jtin·g a) - a agua clara, a agua bran·ca.
vantada, a p~dra alta. Tambem Itabira. ltlnguassú - (y-tinga-assú) - rio claro grande,
Itapirapuan - (itá-apira.- puan) - a pedra levan· volumoso.
,t ada redonda. a pedTa redon.da do alto. lt;oby - (y-t-oby) - o rio verde, de·agua. esverdea·
Itapitanguy - (itá-piranga-by) - rio ou agua da da, esmeraldina.
pedra vermelha ou aver.m elhada. It11pararanga - (ytú-pararanga) - o salto baru-
Itapoi;anga - (itá-poranga) - a pedra bonita. lhento, a qued,ra d'agua rumorosa, estrondejante.
Itapura - ( ttá-apira ou itárbúra) - a iPedra le- ltupeva - (ytú~peba) - a cachoeira chata, de pe·
vantada, a pedra emergente. quena altura, a cascatlnha, a corredeira.
'
IU,lquaquecetuba (.t~quá.-quic'ê-tuba) - lugar ond.e
' + ; ~ ••
Ituverava - (ytú-beraba) - o salto brilhante, a
ha taqua·qUicê, isto é, taq·u ara cortante de que se faoom cachoeira resplendenit e.
facas. Deve ser Taquaquicetuba e não Jtaquaqulcetuba. Ityrapina - (ybytYl"·apina) - o morro limpo, la.-
ltaquairy - (ta·quara-1) - a taquara fina, o taqua. ( ' vrado,se.m vegetação, o morro P.ellado.
~ . ·f.. \ '
· ri commum. Si fosise Ytaquary dever-se-la traduzir; o ta...·. Ivaporanduva - ·( ybá-p.o ran-tuba) . - . o .lugar das
quari do rio, que cresce' perto da agua, nos brejaes. f ructas bonitas, onde existem balias fructa.s.
Itáquera - (itá-cuera) - muitas .p edras, os ro-
·chedos, a pe.d reira. Jabora.p~y - (Y.á-mbo,..r-yandy) - fructa que faz
Itararé - (itá-raré) - .pedra escavada, pedra Oca; oleo, que contem oleo, que 1>roduz azeite. ~ "
diz-se das pedras cavrula:s pela agua, das lapas formadas Jaboticaba- (yá-mbo-ti-caba) - o fructo feito pon-
;pela ·aigua. 1
• tas ou botões., o f~ucto abotoado, ,q ue nasce grudado aos
' ' J,. • '' I
Itatyba - (itá-tuba) - o local em que ha muitas ramos. ''
"
, pedr•: (yechá-cal'lé) - o que ol.ta de lado, de
... o pedregal, a jazida de pedras.
Jacaré -
ltatinga - ,(itá-tinga) - a pedra branca, a. pedra soslaio, o mirador, o ol•h ador.
esbranqui~ada, o ·gesso, a pedra de cal. · . · .Jac~eguava......., (j81caré-guaba) -r1- comida:. de jacaré'.,
Itatinguy - (itá~ing-y) - o rio da pedra branca, o comedouro ' do jacaré. · · .
o rio da zona calcarea. , Jacarehy - (jacaré-hy) - o rio ou a aguada do
ltatim - . (itá-tim), - o nariz de pedi:a, o piço\ a agu- ja~ré . . , ,
~ , ' , I t

lheta de Pedra. Jacú - (y-a-cú) - o que,,com·e grãos, o cdmedor de


Itatuba - Vid. Itatyba. grãos.
ltauna - (ttá-úna) - a :p edra preta., o <.larvão, .o. Jacuhy - (jacú-.hy) - o rio ou. a aguada dos
' ' , • ' ,. tJ,
metal preto, o ferro. ·" . jae.ús. si for Jacui. dirá: o jacush.1lho, o jacú p,equeno.
Itaym - Vid. I·t ahim. · J('Cnpi~ - _(,a<:ú-piran~a) - o ~acú y~rmel~o:
- f

'
'

.'
152 PRIMEIRAS ""'
NOÇOES DE TUPI PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI 153

Jacutlnga - (jacú~tiniga) - o jacú branco. A ex- juri - (yurú) - a .bocca, a garganta, a sntrada,
J>ressão potle designar tambem o barro branco, a rocha. a barra, o desfilBldeiro.
argilosa. Jussara - (Yú-çara) o -que tem espinhos, o es-
• Jagoary - Vid. Jaguary. pin:hento. Nome de uma palmeira de espinho.
Jaguarnirnbaba - (yaguár-mtm:bába) - o jaguar
domestico, a onça mansa, o cachorro. Macahuba - ( macá-yba) - a a;rvore da macaba,
Jaguaquara - (yaguár-quára) - o buraco, a toca, do fructo chamado macaba.
da onça. Mambuca - Vi·d. Mombuca.
Jaguaretê - ( yaguár-(-ltê) - a onça ver~adeita, á.1 Mandihú - (mandiy-hy) - rio do bagre, rio do
1
onça bravia. mandy.
J~ry ....:_ (ya.guár-hy) ·1·~ o rio ' ou a aguad~ da .. · Mandy ~ ( mandiy) - nome ·d ado aos bagres e à
onça. outros ·peixes de pelle.
Ja.bú - (yá-ú) - o que come', o que ·d evora. Nome Maracahy - ( maracá-l.ly) - rio do maracá.
de um peixe. Maracanã - (maracâ-nã) - semelhante ou que
J' '
Jaraguâ - (yara-guá) - a baixada, o valle, a en. imita o maracá, o chocalho. Nome generico de papagaios
seada do dono, do senhor. gritadores.
Jataby - (yá-atã-yba) - arvore do fructo duro. Maranduba (mará-y-tuba) - o lugar em que so
Joá - Vid. Juá. aocumulam as aguas, as encbentes, as maréa grandes.
Juá - (yú-á.) - a fructa espinhosa, a fructa. de Marapé - (mará-apê) - o caminho do mar, o ca-
ee,plnho. minho proximo do mar, que corre a _beira-mar, o que
Joatuba - Vid. Juatuba. leva ao maT.
' JuatuJ:>a - (juã-tuba) - o sitio dos juáai, o lugar Mboy - designação generica da cobra, da 6erpenta,
em ·q ue nascem os juaseiros, ,º juasal. do oPhidio.
Jundiahy - (yundiá-hy) --:- o rio idos jundiáai, dos Mocóca - (mbo-cóg) - fazer ou dar roça, ipre-
peixes jundiâs. parar a xoQa para outrem, ajudar .a fazer roça.
.Juquery - (y?quy-r-y) - a agua de sal, a is'a1m~u-
1
, , -·, Moóca - (mbo ou mo..óca,) - fa ~er casa, .pous"J,
1. ra; ·a . arvore de .q ue o gentio tirava uma eirpecie ·de .sal
mk~: · · , . .
.. ~, , . " >' telhe.irq ou barl)i;tCas. ,.
./ ·
.para ·t empero. E' o nome communi das; Mimosaceas. ' Moema ·- (mo-e:m) -- ta.-zer sahiT, e·s vair, e:J$:haurir.
• \o .,
Juquiá - nome de uma .especie de covo de bocca Pode ser: a -exhausta, a exangue, como nome -de mulher.
1
lariga. .. , Mogy - (mboy-g-y) - rio das cobras, aguada das
Juribatuva - V'id. Geribatuba. cobras.
lurubatg.ba - Vi<J. Gerlbatqpa.,

\

'
154 PRIMEIRAS . NOÇOES - DE TUPI PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI 155

Mombuca - (mo-m buca) - faz furoe, f~z buracoo,


1
Parabytinga - (pará-hy-tinga) - o rio de aguas
o que bróca. Nome de uma especie de abelha. claras ou limpidae.
lloquem - (mo-caen) - faz seccar, o secGadouro, a Paraná - (pará-nã) - o mar que corre, o ri:.>
grelha, o que tosta ou queima pouco. • que parece um mar pelo volume das aguas, mas que
Morungaba - ( morangaba) - a belleza, a graça. di.f !ere do mar por ter correnteza.
Motim - (mo-tim) - faz ponta, .f az angulo, o quo Parana'panema - (paraná-pane;ma) - o rio grande
é qu.ebrado. imprestavel.
1 '
1M otuca --- (mo-tuca) - faz ferimento,, o que rfere, Paranapiacaba - (paraná-api.áca-cába) - o lugar
,,
o que pica. d~ onde se avista o rio grande., o mar; o mirama:r.
1 1
Mu.rnngaba - Vid. M;oru;Ilgab,a . Paranapita:nga - (paràná-.Pitanga) -:- o rio grande
' I ' •
'. ' v·e rmelbo, de a~uas barrenta·s, avermelha-das..
1
' /
'
'
Nanan - (nan-nan). - càeii;~r. da~ cheiro, o cbt\1.• · Paraty - (pará-ty) - jazida de agua salgada, o
1

• 1

ra-cheira, o ananaz. ' •.1 lagamar, o alagadiço.


Nhmnirim - (nhu-mirim) - o campo pequeno, o Pariquera - (ipari-oéra) - os cercados par.a apa- t
campfnho. l
nhar peixes, as zonas cheias de caniços qúe prendem os
Nuporanga (nhu-poranga) - campo bonito, pei.Xes.
'
Parnahyba - Vid. Paranahyba.
campo bello.
Pary - (pari) - o cercado de caniços para pren-
Orissanga - (y-roiçanga) - a frescura da agua, der os peixes.
a agua fria. Pequiá - (py-quyá) - de pelle suja, de casca re-

Paca - (pác) - a accordada, a viva, a esperta. ' sinosa. Qualificativo de arvores e de fructos.
Pacaembú - ( pac-yem bú) - o corrego, ribeirinho Perequê - ( pirá-ikê) - a entrada do peixe. Epo-
das pacas. ca em que oa peixes ·e ntram ' nos lagamares e canaes (para
. ' a desova.
, Pará - ( y-pá-rá) - colhe todas as aguas, recebe
todas ,as a•guas. O mar, o rio muit. ' o grande. .' ,peroba - ' . (iPê-iróba) ·- a casca am~r,gosa.
' '
( '
· Paraguassú - (,par'á.:.guassú) ~ ,. o .mar grand~,
~ 1 \ 1
o ,
Perubybe - (iperú-y-be) ·- nas ,a guas dos tuba~
mar largo, a oceano. ' · ' .,.. ,t · ' ·, · , rões, no rló·
"( j 1 ~
dos tubarões.
' '' .
.' ·
' 1
" ' '
l \ ,

Para.byb~ - (1parâ-aybaJ o rio 'ruim, impree- Pii\Çaba - (PYÃ:-açaba) -"- · tecer .pàssando, tran-
tavel, seip peixes, não navega ~el. ·' ç.ar, a trança, o alllarril'h-0, a atadura. ,
' .\
Pa1·ahYbUJla - (.para-hy-uni;t) -- o rio das a·g uas , Piauhy .- ( piáu-hy) - rio dos piáu.s., dos peixes
escuras ou negras. "'d e pelle manchada ou pintada.
• PiMsabussú - (peacaba-~ssú) - , Q porto, o embar-


'

'
.'
••
156 PRIMEIRAS NOÇÕES . DE TUPI '
.PRIMEIRAS NOÇÕES DE TUPI 157

cadouro grande. Si fôr piassabussú, dirá: a piaçaba gran- Pirajú - (.pirá-yuba) - o peixe amarello, o pei:te
de, a palmeira piaçaba grossa. dourado, o dourado.
Piassaguéra - (pe-açá-goéra) - a travessia antiga. Pirajuhy - (1>irajú-hy) - rio doe pirajúav dos dou-
o caminho velho, o porto .velho. rados.
Piatan - (pe-a!tan) - o caminho batido, o cami- Piram.boia} - (:pirá-mboya) - o peixe cobra, o
nho de terra dura:, empedra.do. Si fôr py-atan dirá: o de peiXe comprido como cobra, a enguia.
pés fortes, o vigoroso. Pirapetinga - (pirá-peba-ting.a) - o peixe chato-
Pindahyba - (piudá-yba) - ,a , vara do anzol, o ca- ' branco. Nome de um peixe.
niço de pes.ca. Pirapetinguy - (pirá-peba-tinga-y) - rjo ilos pi-
'Pip.daÍnpnh.a ngaba - (pindá-mon•h ang-;á ba) - o 11.J-. rà.petingas, õ,os peixes chatos e brancos. .
gar eml
que~ se · fazem 'a nz.ó es; os gancho si de pe~car; a
f. ,
' Pirapora - (1i:drá-'1>'ór) - íh'aver peixe, . oride' ha pei-
.pesGaria á anz<;>l. ~ ' 'Xe, ·o , rio .Piscoso. i
Pindorama - ' (pindo-retama) a zona, a região, Pi1•assm1unga - (ipirá-cynynga) -- o ronco ou o ba-
a patria ·d as palmeiras. . rulho de peixe, o peixe roncador.
\
l
Pinduassú - (p1ndô-assú) - a palmeira grande, a Piratinlnga - (.pirã.Jtininga) - o peixe secco, o
palma grande. 11eccadouró de peixe.
Piqueroby - (pi-quyr-oby) - o pi•q uira verde, Q Pirituba - (piri-tuba) - o lugar em que ha abun-
.Peixinho verde. <lancia de piris, de }unco chamado piri, o lugar em ·q ue
Piquira - (pi-quyr) - a pelle tf;lnra, o pequenino, nasce o piri, o juncal. Altera-se em Pirituva a Biritiba..
o tenrinho. Nome de varios peixes pequenos. Porangaba - (porang-ába) - o enfeito, o ad"f>rno,
l>iracata - (ipirá-quá) - a affluencia de peixes, a belleza, a graça. Vid. Morangaba.
o pouso dos ,peixes. Potim- (po-tim) - as mãos farpadas, o camarão,
Piracicaba - (pirá-cycaba) - lugar, tempo ou as farpas, as barbas, as antennas.
modo de cercar ou apanhar peixe, lugar ~m que apanha ( Potribú - (potyr-ybú) - a agua que bórbota, en-
facilmente o peixe. ' / tre flp:res, a fonte das !flores. ,
Piracoama - (.pirá-guáma) ,~ o comedouro dos · Potyre;ndaba - (pqtyr-rendaba) - a reuni&:o, a,
,p~bçes.
'
1
.. '
1 ,11' '

" PJragibú - (pirá-Yiba-0) - . a barbatana preta.
'

Piragy - (·pirá-yib~) - braçó d-e peixe, barbatana.


. Pússaúna - ( py~á-una) de tPeséar. ·
;putim - Vid. Potim.
Talvei seja apenas pirá-g-y, rio do peixe, rio piscoso.
Pirahy - ( pirá-hy) ...:._ rio do •p eixe. Quati - (qua-ti) - o riscado, o manc·h ado, o que
. tem riscas no corpo.

'•
.• ..
·:i: •
'

158 PRIMEIRAS NOÇÕES PE TUPI P~IMEIRAS NOÇÔES DE TU.P I 159
Quirera - ( qui-r-éra) - os restos, os retalhos, o Tahimbé - Vid. Itambé.
bagaço, o farello. Tamanduatehy - (tamandetá-lby) - rio de multas
Quiriri (1quiriri) - silente. silenrioeo, quieto, voltas, cheio de meandros.
socegado. Tambahú - (tambá-ü) - a ostra, -0 marisco, o me-
I xilhão negro.
Sabaána - ( tambá-una) - a concha preta. Tamoyo - (tamuia) - os avós, os ante,pas.sados.
Saboó - ( çapô-tS) - a raiz encorpada, mui to grossa. Tanaby - (tá-nambi). - a borboleta, a .mariposa.
, Sahy - ( ç.á-y) - agua dos olhos, a lagrima. ;-, ·T apanhoapinda - Vid. ltapanhoapinda.
{,, , Sapé - (çá-pé) - o que allumia, o que \clareio..
'
· 1~ • Tapap.hon - (itâ-pãu) --:- . a .pedra do 1;neio, a pe- .
Graminea que servia p~ra fa:zer ·~fachos que allu:miaVaIJl, .dra( c~µtral, entr·e -pedras. ·
' ' ·" '
PJ' o ~esmo Ba1)é,· que tambem .s~rv~ ;para ~?berturas. '. ·~ ·i \ 1Ttl~~~ _ ·( tarba-oéra) _:_ a aldeia que·.foi, ·a aldeia
Sapucahy - (çapucf\ia-"hy~ - rio das ,sap.ucaias. ;a bandonada, a ruina, a casa velha. ' '
~rapuby ~ ( çarap0•1íy) ~ riô do.a sara pós, dos pei- 1
Tapina ~ (itá-pina) -- a pedra lavrada, ·a .pedra.
xes chamados earapós. llni~a. núa.
Sorocaba - (çoroo-caba.) - o rasgão, o córte, a Tapiratyba - (tapii-rá-t~ba) lugar onde ha
ruptura. muitas animaes semelhantes ao tapir, bois ou vaccas.
Sucury - (çuú-curi) - morde ou co:me a.Pressada, Taquaqulcetuba - Vid. ltaquaquicetuba.
rapidamente, morte no bóte que dá. • Taquara - (taquar-á) - o furado, o que é Oco,
Sussuby - (çuú-çuú-hy) - rio do que rumina, rio ta.qua.ra.
do veado. Taquarancblm - (ta.quara-achim) - a taquaTa.
crespa~ ·
Tabaljara . - (taba-yara) - o dono, o senhor da Taquaritinga - (taquara-i-t inga) - a taquara fina
aldeia. branca:, o taquari branco.
~ Tabapuan - (taba-puan) - ·a aldeia alta, a villa. Taquary - (taquaira.-1) - o rio ou aguada das ta-
de cima, da montauha, (lo plai;ialto. < qua.r as. .Si fo.r ta.quari dirá.: a taquara tina, delgada.
, " Taba~inga --- (tabá-tinga) ~ o ' barro branco, a ár- . Taquacetubp. .!-.. Vkl. lttlquaquicetuba. ,, . ,
.gjl!a . esbrà.nquiçada, a Jabtttin·g à. ; ~· .1 ' , ~ ~.. Taq:ua'Xtnduvq. , -: (taiquar:a-acliim~tuba_} - lu~~r
I f ' 1 • " )
ha'
·· · ei:P, .que· multa taqq.arachlm, ·µ iuita taquara cres:pa,
1 .1
1 Tabatingoéra - (tabati.nga-oéra) r_._ as .~abatinga.s.,
' ~.'..
as Jazidas .d e barro b~anco. Oéra f·uncciona --como .parti- " Tatu . - (ta-tú) •- o caeco duro, a couraça.
, '
cula plurallsante. Tatuapé - (~tú-apê) - a vereda, o trilho do ta,tt\.
Taboca - (t·a bóc) · - }Q cerco, a p-r otecção, ' CO· Tatuby - (tatú-1) _: o it atú pequeno, o .tatusinho.
bertura das al'deias. ·· ._
Si for- taltú·hy dirá: rio do tatd..

'
..



'

160 PtlíMEIRAS NOÇÕES D:ê TUPt l>RIMEIRAS NOÇÕES DE TU'PI · 161

Tatupeva - (tat-0.-peba) o tatú chato, de cas· jando, o raio, a faisca electrica. Depois da chegada dos
co a®atado. jesuítas, passou a designar Deus. Tambem Tupana.
Taubaté - (taba-etê) - ~ taba, o aldeamento prin- Tupa:wµooca - (tuPana-r-óca) - a casa de Deus,
cipal, legitimo, a residencla do chefe. -0 tem;plo, a igreja.

Tayampeba - ('taiá-peba) - o taiá chato, o tu. Tupy - (tupi) - o elevado, o de cima, o da primei-
berculo achatado. ra geração, o primitivo.
Tayassúi - (talá-assú) - o taiá. g,r ande, grosso, Turiassú - (tory-assú) - o tac:no grande, o fa-
volumoso. Pode ser tiy·ass~ o dente grande, o porco. cho que illumina muito, a fogueira, o incendio.
Tayassupeba - (t~lá~ú-peba) -
••• 1
o ta.tá grande 1
achatado, chato. Pode ser. tãyassú-peba., o •p orco chato; Ubarana - (yba\.. rana) - parocido com 1pau, como
'
·baixote, canastrão. · ' 1 1
1 se ;fosf?e pau. Notne de um pei,xe.
Tayoba. __, (taiá-oba) - á folha dó 'talá. Ubatuba - ( uybá-tu'ba) - o local em que nas-
Tayuva ·- (ta-yuba) ..:_ o ;pau, o; caule amarello. ' cem, onde ha abundancia de ca1n1ços de tlexas, proprloa

Tibireçá - (tyby-r-eçá) o principal da terra, para .flexas.
o vigia da terra. Una - (una) - negro, preto, -escuro.
Tietê ~ ( ty-etê) ,.._ o rio verdadeiro, legitimo. Uparoba - (yba-iroba) - ' o pau amargo, a arvore
prestadio, o rio de valor. de casca amargosa, a peroba.
'
Tijuca - (ty-yuc) - o brejo, a lama, a agua po- Urussanga - (y-roiçanga) - a agua fria.
dre, o lamaçal.
TJmbopeba - (timbó-~ba) - o timbó clhato. cuja Votorantim - Vid. Boturantim.
haste ou vara é achatada. Tlmbó é uma especi~ de cipó. Voturuna - Vid. Boturuna.
Toryba - (toryba) - alegrar, a alegria, o facho •
que alegra allumiand9. Vid. Turiassú. . (xi-riri) - nome onomatopaico de al-
Xiririca -
,
Tremembé - (.tirl-mempé) - o alagadiço, o é~· , gans cucos. Pode ser voz imitativa d~ a.gua :que corre

charcado, o que vaza mollemente, ,d_evaga1\ " rapida por entre seixos.
1 ' i · ·~ ~

Tucum - (oti-cum) - pontaLcomprida, espinho lo\}- ,,;, "


1 ' \

~o de certas ·palmeiras ·,c líamadas 'tucum.


.,,
' '

+ ~
.

.,
..\ ' ~ 1

-~~, . Ya~y - (yá-cy) - a mãe ,·d os · fructos, à lua, o


:m~z. ·Altera-se em Jacy. Tambem ii:>ode slgni.f icar a cabaça
'f .,
1
Tucunduva - (tucum-tuba) - 'O lugar em: que ha '
abundancia de palmeiras
, tucum, 'onae ellae nascem e·m ~ cortada, cortada ao meio, o prato.
quantidade. 1• Yepê - por si só, só, sim.ples, um. '
Tupã - (tu-pã}, - a quetla, o que cahe estrond.j.. Ypanema - (y-pa11ema) - a . agua ruim, de m&'l
gosto. t

' •
' \

• •
..
;,;
• 162 PRIMEIRAS NOÇOES DE TtJPl
f

Ypiranga - (y-pira.nga) - a agua, o rio de agua•


·'
avermelhadas ou barrentas.
Yporanga - -
(y-poranga) - a agua bonita, o rio ' ..
bello. INDICE
Ytú - (y-tú) - a agua que cahe, a queda d'aaua, •
a cachoeira.
f t.
1
I

1 '
PARA O LEITOR • • • • • • • 7
)( ' '
F 1 1\1
' · 'ÊMFIM'.
• J' . • • • • • • • • • • • 9
' ' 1 '

Ps habitantes
,
do Brasil em 1500. U21os, cootumes
'
1 e lingu~s. Colon'i sadores ~ cathechistas. Clas-
sificação das tribus. A linha geral. Antigas
denominações tupis. Exemplos 13
O alphabeto. Substantivos ~ adjectivos ., 41
l
• Pronomes, verhos, preposições, adverbios e con-
( 3unçoes
• N
. 65
Construcção da phrase tupi. Interpretação de ter- •


mos da flora, fauna e geographia do Brasil . 91 ' e

1
' '
I '' ' ~rand~~·· mestres do tu pi e do guarani. Os jesuitas.
' Ancbieta.
'
C0.nclusão .
'
113

• • • i• . '• • • 129
''
1
'

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)

Biblioteca Digital 'Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org

J

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Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org

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