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Conheça as

particularidades da
Sociedade Limitada
Unipessoal
Por muito tempo se discutiu a criação de um instituto jurídico que
permitisse que apenas uma pessoa física ou jurídica figurasse como sócia
de uma Sociedade, visando facilitar as inúmeras paredes burocráticas ao
empreendedorismo no Brasil. Em 2013, foi apresentado o Projeto de Lei
6.698/2013, com a intenção de viabilizar a criação de Sociedades
Unipessoais, mas a discussão não foi adiante na época.

O projeto veio à tona novamente com a retomada da discussão sobre


a liberdade econômica, dessa vez incorporado à Medida
Provisória 881/2019, popularmente conhecida como a “MP da
Liberdade”. A nova legislação que oficializou a aprovação da Sociedade
Limitada Unipessoal foi publicada em 14 de junho de 2019, pelo
Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração – DREI,
por meio da Instrução Normativa 63/2019, que regulamentou o novo
formato de Sociedade frente às Juntas Comerciais.

A Lei da Liberdade Econômica acrescentou dois parágrafos ao artigo


1.052 do Código Civil[1], e deixou claro que a sociedade limitada pode
ser constituída por uma ou mais pessoas, o que anteriormente não era
possível, já que as limitadas seguiam a regra geral do direito societário
no sentido de que uma sociedade, qualquer que fosse a espécie, deveria
ser constituída por ao menos dois sócios.
Para compreender na prática as características desse novo tipo
societário e para quem ele é mais indicado, é preciso conhecer o cenário
atual, e traçar um paralelo com outros tipos de Sociedades já existentes,
a saber: Empresário Individual (EI), Empresa Individual de
Responsabilidade Limitada (EIRELI) e Sociedade Limitada[2].

Quando se opta pela adoção do regime de Empresário Individual, o


patrimônio particular do empresário se confunde com o patrimônio da
empresa. Em outras palavras, as dívidas e obrigações da empresa podem
atingir os bens pessoais do sócio. Já na EIRELI o patrimônio particular
do proprietário é protegido, e apenas o patrimônio da Pessoa Jurídica
responde pelas dívidas e obrigações decorrentes das atividades
empresariais.

Todavia, apesar da proteção do patrimônio do titular da EIRELI, o


empresário que opta por essa alternativa precisa desembolsar um valor
correspondente a 100 vezes o salário mínimo, aproximadamente R$
100.000,00 (cem mil reais). A exigência desse capital social mínimo cria
uma dificuldade para o micro e pequeno empreendedor que, muitas
vezes, não possui esse dinheiro quando do início dos negócios.

Ao se optar pelo regime da Sociedade Limitada, o empreendedor


reveste-se da obrigatoriedade da pluralidade de sócios no Quadro de
Sócios e Administradores. Nesse modelo societário, o patrimônio
particular dos empresários é protegido e apenas o patrimônio da Pessoa
Jurídica responde pelas dívidas e obrigações da empresa. Hoje, esse é o
modelo mais utilizado no Brasil[3].
No cenário atual, um profissional que exerce uma atividade
regulamentada só poderia iniciar o seu negócio individualmente por
meio de uma EIRELI, pois o Regulamento do Imposto de Renda impede
que tais atividades sejam exercidas como Empresário Individual (EI).
Essa limitação acaba gerando um grande problema, pois muitas vezes
esses profissionais querem empreender individualmente, mas não
possuem o capital mínimo necessário, e portanto se veem obrigados a
procurar uma outra pessoa para ser seu sócio e cumprir uma mera
formalidade, para dar início a uma Sociedade Limitada[4].

Essas sociedades fictícias escondiam o empresário individual que


procurava restringir sua responsabilidade ao patrimônio que estava
disposto a arriscar na exploração de sua atividade econômica. Essa
situação decorria da inexistência, até então, de um instrumento jurídico
eficaz que atribuísse ao empresário individual responsabilidade
limitada. Nesse ponto, cabe destacar que a Empresa Individual de
Responsabilidade Limitada – EIRELI, criada por meio da Lei
12.441/2011, não foi capaz de mudar essa realidade.

A Sociedade Limitada Unipessoal chega como uma boa notícia, pois,


além de facilitar a abertura de uma empresa sem sócios, com patrimônio
particular protegido, e sem a necessidade de investir um valor
expressivo inicialmente. Outro efeito provável é o aumento
de regularização de atividades regulamentadas como médicos,
dentistas, advogados, contadores, representantes comerciais entre
outros. Assim, verifica-se que a Sociedade Limitada Unipessoal pode ser
uma solução para que esses profissionais oficializem seus trabalhos no
formato mais adequado ao seu plano de negócio.

Antes da existência da Sociedade Limitada Unipessoal, a legislação


brasileira previa a possibilidade de constituição de sociedade
unipessoal, mas somente no caso de sociedade por ações constituída e
regida pela Lei n. 6.404/76, ou seja, a conhecida figura da subsidiária
integral. A subsidiária integral é a sociedade anônima constituída por
um único acionista, atendendo necessariamente à condição de ser uma
sociedade brasileira[5], cuja sede de administração encontra-se no
Brasil e estar organizada em conformidade com as leis brasileiras[6]. A
pessoa natural ou a sociedade estrangeira não podem, portanto,
constituir a subsidiária integral.
Cumpre destacar que existe uma série de requisitos para a composição
de uma subsidiária integral, uma vez que a sua constituição se dá por
escritura pública, sendo esta a única hipótese de ato constitutivo de
sociedade, no direito brasileiro, que não pode ser formalizado por
instrumento particular. A exigência legal deve-se àqueles receios e
preconceitos que cercavam o instituto da sociedade unipessoal, tendo o
legislador se preocupado em adotar solenidade, que, rigorosamente
falando, não se justifica[7]. Todas essas restrições, tal como ocorre na
subsidiária integral, constituem desincentivos à adoção dessa espécie de
pessoa jurídica, regida por um único artigo do Código Civil (apenas para
comparação, a sociedade limitada tem mais de 30 artigos), o que
aumenta as já enormes incerteza e insegurança jurídicas. Todas essas
condicionantes acabam por afastar tal opção do horizonte da
generalidade dos empreendedores, particularmente daqueles de menor
monta, que em geral têm acesso a profissionais jurídicos e contábeis com
menos intimidade com esse tipo societário. A sociedade subsidiária
integral apenas se faz presente, na prática, em estruturas societárias
mais complexas, em geral de médio e grande vulto econômico[8].
A limitação da responsabilidade é um dos principais incentivos para que
o empreendedor se arrisque a desempenhar uma atividade econômica.
Isso porque evita-se que as dificuldades do negócio atinjam o seu
patrimônio pessoal. Fato é que a atividade empresarial tem como
principal característica o risco. Assim, empreender significa considerar
duas situações hipotéticas: a possibilidade de sucesso ou de fracasso[9].
Cumpre destacar que a sociedade limitada de um único sócio não é um
novo tipo societário, mas aquela mesma sociedade já muito conhecida
por todos. Esse entendimento é reforçado pelo Ofício SEI nº
17429/2019/ME, de 25/9/2019, do DREI, dirigido às 27 juntas
comerciais, que consigna ao final: “Observe-se que a sociedade limitada
unipessoal não deixa de ser uma sociedade limitada, razão pela qual,
no que couber, rege-se exatamente pelas mesmas regras que se aplicam
à sociedade limitada”.
Nesse sentido, as alterações de contrato social que resultem na
diminuição a um único membro de seu quadro de sócios ou que,
contrariamente, ensejem, para as unipessoais, a pluralidade deles, não
constituem de nenhum modo transformação societária, tampouco
podem causar qualquer solução de continuidade ou necessidade de
alteração de seus dados de registro original, tais como NIRE, CNPJ,
inscrição estadual, se houver, ou, ainda, qualquer outro registro público
de liberação da atividade econômica[10].

Conclui-se, portanto, que a Sociedade Limitada Unipessoal nada mais é


que um instrumento conhecido do mercado, que, agora adaptado,
constitui mais uma opção de estruturação de sociedades ou mesmo de
grupos societários. A verdade é que a unipessoalidade, brindada com
personalidade jurídica e limitação de responsabilidade, está finalmente
ao alcance de todos.

*Lívia Moraes é advogada do Departamento Corporativo da


Andersen Ballão Advocacia
[1] Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor
de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital
social.
§ 1º A sociedade limitada pode ser constituída por 1 (uma) ou mais pessoas. (Incluído
pela Lei nº 13.874, de 2019)
§ 2º Se for unipessoal, aplicar-se-ão ao documento de constituição do sócio único, no que
couber, as disposições sobre o contrato social.

[2] Em anexo ao presente artigo (Anexo I), segue uma tabela comparativa, para melhor
visualização das principais diferenças entre os tipos societários.
[3] ABREU, Iolanda Lópes de. Responsabilidade Patrimonial dos Sócios
nas Sociedades Comerciais de Pessoas. São Paulo: Saraiva, 1988.
[4] CAMOSSI, Érika. Mundo de Faz-de-Conta – Exigência de Duas
Pessoas para Formar Sociedade é Prejudicial. Disponível em:
http://www.justributario.com.br/imprime_niticia.asp?.art=1004>.
[5] Lei nº 6.404/76, art. 251.
[6] Código Civil, art. 1.126.
[7] MARTINS, Fran. Novos estudos de direito societário. São Paulo: Saraiva,
1988, pg. 271.
[8] COELHO, Fabio Ulhôa. Curso de Direito Comercial: vol. I, 12ª ed. São Paulo.
Saraiva. 2008.
[9] Ary Oswaldo Mattos Filho e Outros. Radiografia das Sociedades
Limitadas. Disponível em:
Documento
 HTTPS://DIREITOSP.FGV.BR/SITES/DIREITOSP.FGV.BR/FILES/ARQUIVO
S/ANEXOS/RADIOGRAFIA_DAS_LTDAS_V5.PDF PDF
.
[10] A observação n.º 2 ao Item 1.2 do Manual de Registro das Sociedades Limitadas
(Anexo II da IN DREI n.º 38/2017) parecer ter encampado essa nomenclatura
formalista: “O ato constitutivo do sócio único observará as disposições sobre o contrato
social de sociedade limitada.” Nada obstante, e mesmo que adotada essa forma de
expressão, entendemos conveniente que a numeração das alterações do ato constitutivo
siga a mesma sequência independentemente da variação na quantidade de sócios da
sociedade (ou de sua designação como “ato constitutivo” ou como “contrato social”).

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