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USO DE ÓLEO BRUTO DE GIRASSOL EM MOTOR DIESEL

José Valdemar Gonzalez Maziero; Ila Maria Corrêa


Centro APTA de Engenharia e Automação

A retomada de estudos sobre o uso de óleos vegetais como combustível, apoiada


pelo governo federal através do Programa Brasileiro de Biocombustíveis, foi o principal
incentivo para a inserção do Instituto Agronômico nessa área de conhecimento. Dispondo de
técnicos especialistas em oleaginosas, em testes de tratores agrícolas e de bancada
dinamométrica, o desenvolvimento de projetos só dependia de recursos financeiros, o que foi
conseguido junto à FAPESP (Proc. 02/04492-0). A utilização de biocombustíveis é uma
alternativa para reduzir a dependência de derivados de petróleo e a emissão de poluentes, abrindo
novas oportunidades de negócios e de geração de emprego.
O projeto, ora em desenvolvimento pelo Instituto Agronômico, no Laboratório de
Ensaios de Tratores do Centro de Engenharia e Automação, compreende o estudo do:
- uso do óleo bruto (cru ou puro)de girassol extraído a frio - concluído;
- uso de biodiesel de girassol - a realizar.
O objetivo é estudar o efeito de biocombustíveis originados de girassol no
desempenho e no comportamento do motor de trator agrícola. Para este fim, as atividades
incluem: - amaciamento do motor , levantamento da curva de desempenho com óleo diesel,
levantamento da curva de desempenho com óleo bruto de girassol (OBG), levantamento da curva
de desempenho com biodiesel de girassol (B100), funcionamento do motor durante 200 horas em
bancada dinamométrica, análise do óleo lubrificante a cada 100 horas, análise de emissões e
abertura do motor para verificações internas.
Os testes estão sendo realizados em um trator Valmet 68, ano 83, equipado com
motor MWM D229.3, injeção direta, novo. Antes de ser instalado no trator, o motor foi
amaciado com óleo diesel durante 50 horas em bancada dinamométrica do Centro de Engenharia
e Automação. Colocado no trator, o motor foi instrumentado com sensores para medição de
temperatura e rotação. Para avaliação do desempenho do motor, foram levantadas curvas de
potência e de consumo de combustível com óleo diesel e óleo bruto de girassol (extraído em
mini-prensa e filtrado em filtro-prensa), através da tomada de potência.
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PRIMEIROS RESULTADOS

Os resultados obtidos na primeira fase deste trabalho, isto é, com o uso de óleo
bruto de girassol na alimentação do motor (ver curvas de desempenho na figura 1), mostraram
que houve: a) redução de 7,1 a 10,1 % na potência na TDP; b) aumento de 13,9 a 16,0 % no
consumo específico de combustível na tomada de potência; c) escorrimento de óleo combustível
na junta da tubulação de escape com menos de 10 h de funcionamento.
A análise do óleo do cárter, que mostrava-se bastante espesso, apontou elevação
acentuada da viscosidade, elevadíssima presença de produtos de oxidação e fuligem, queda
acentuada de reservas alcalinas além de elevado teor de chumbo, indicando possível desgaste em
casquilhos.
O teste de 200 horas previsto para observação do comportamento do motor, teve
de ser interrompido com menos de 60 horas, devido à elevada temperatura do óleo do cárter (em
torno de 120°C) que indicava estar havendo algum problema. O motor foi retirado do trator e
enviado para a fábrica analisar seu interior (aguarda-se o resultado dessa avaliação). As imagens
figura 2) evidenciam, entretanto, as alterações causadas no óleo lubrificante e acúmulo de carvão
no bico injetor.

POSIÇÕES EQUIVOCADAS

Até pouco tempo atrás, observava-se que o uso do óleo bruto de girassol estava
sendo estimulado por extensionistas, em dias de campo e em feiras agrícolas, como uma
alternativa para o pequeno agricultor abastecer seus tratores. Algumas notícias apregoavam que
“o óleo de girassol pode aumentar em até 20 % o rendimento do motor sem lhe causar nenhum
problema”. O alardeamento precipitado de informações dessa natureza, confundem o leitor e
consagram resultados errôneos e/ou equivocados. Convém lembrar que o OBG; contém
glicerina, material que lhe confere alta viscosidade, tem ponto de fulgor e densidade superiores
em relação ao óleo diesel, o que já apontariam para um baixo desempenho do motor. Por ser
mais viscoso o óleo vegetal não consegue ser adequadamente pulverizado pelos bicos injetores,
não permitindo uma queima adequada do combustível, o que acabará formando depósitos nos
bicos e cabeçotes, causando , além do baixo desempenho a redução da vida útil do motor.
Outra confusão em algumas matérias sobre o assunto é a nomenclatura. Usa-se
indistintamente “biocombustível, biodiesel e óleos vegetais, como sinônimos. Cabe esclarecer
que, na comunidade européia, onde a utilização de combustíveis alternativos já é possível,
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entende-se como: a) biocombustível, o combustível líquido ou gasoso produzido a partir da


biomassa; b) biomassa, a fração biodegradável de produtos e resíduos provenientes da
agricultura, da silvicultura e das indústrias conexas, bem como a fração biodegradável dos
resíduos industriais e urbanos.
São considerados biocombustíveis, pelo menos, os produtos indicados a seguir:
bioetanol, biodiesel, biogás, biometanol, bioéter metílico, bio-ETBE, bio-MTBE,
biocombustíveis sintéticos, biohidrogênio e óleo vegetal puro produzido a partir de plantas
oleaginosas. A diretiva européia admite o óleo vegetal puro como combustível, “se produzido
por pressão, extração ou métodos equivalentes, em bruto ou refinado, mas quimicamente
inalterado e quando sua utilização for compatível com o tipo de motor e respectivos requisitos
relativos à emissões”.

60
Potência na TDP, cv

50

40

30

20

10
1200 1400 1600 1800 2000 2200 2400 2600
Rotação do motor, rpm

Diesel Óleo bruto de girassol

450
Cons. específico de comb,

400
350
300
g/cv.h

250
200
150
100
1200 1400 1600 1800 2000 2200 2400 2600
Rotação do motor, rpm

Diesel Óleo bruto de girassol

Figura 1 – Desempenho na tomada de potência do trator Valmet 68 equipado com motor


MWM D229.3
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Figura 2 – Acúmulo de borras no interior do motor e depósito de carvão no bico injetor,


observadas com o uso de óleo bruto de girassol.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diversos estudos foram feitos com óleos vegetais brutos (ex. canola, girassol,
algodão, soja) na década de 80, como substitutivo do óleo diesel ou misturado a ele. É certo que
em testes de curta duração o óleo vegetal puro consegue movimentar um motor diesel
desenvolvendo potência em níveis até razoáveis. Os problemas acontecem ao longo do tempo de
uso: a literatura registra principalmente a ocorrência de depósito de carvão nos pistões e bicos
injetores, falhas no sistema de alimentação e contaminação do óleo lubrificante. Por esta razão o
óleo vegetal passou a ser quimicamente modificado, constituindo-se no que se conhece como
biodiesel.
A despeito de países, como os Estados Unidos, Alemanha e França terem veículos
usando o biodiesel como combustível, em misturas de até 20% (B20), a adoção dessa prática no
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Brasil deve necessariamente passar por diversos testes e experiências de viabilidade. As


principais questões ora em debate nos grupos de estudos onde participam governo, empresas do
setor automotivo e instituições públicas dizem respeito às características físico-químicas do
biodiesel (atendimento as normas EN 14214, ASTM D6751, ANP 255), nível da mistura a ser
autorizada (tem a ver com a disponibilidade do produto e atendimento à especificação do óleo
diesel comercial – ANP 310), aproveitamento do subproduto gerado pelo biodiesel, possibilidade
de pequenas alterações no motor (troca de anéis de borracha nitrílica por material mais resistente
ao desgaste, como o viton, por exemplo), sistema de distribuição dos combustíveis, incentivo à
produção de oleaginosas, entre outras. Em função disso, toda a informação que puder ser
acrescentada às discussões contribuirá para que as decisões governamentais sejam adequadas à
realidade brasileira. Juntamente com a decisão política de autorizar o uso do biodiesel, deverão
existir incentivos à fabricação do produto, bem como garantias do fabricante do motor para a
utilização desse combustível.

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