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Universidade de Brasília,  

 
 
Instituto de Ciências Humanas, Departamento de Geografia 

 
 
 
PLANEJAMENTO TERRITORIAL: 
 

O MUNICÍPIO 

A BACIA HIDROGRÁFICA 
 
O CASO DO MUNICÍPIO DE JAGUAQUARA E  
A BACIA DO RIO JIQUIRIÇÁ – BAHIA. 

PATRÍCIA LUSTOSA BRITO 
 
 
 
 
BRASÍLIA 
 
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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

DEZEMBRO DE  2004 

ii
PATRÍCIA LUSTOSA BRITO

PLANEJAMENTO TERRITORIAL: O MUNICÍPIO X A BACIA


HIDROGRÁFICA. O CASO DO MUNICÍPIO DE JAGUAQUARA E A
BACIA DO RIO JIQUIRIÇÁ – BAHIA.

Dissertação apresentada ao Departamento de


Geografia da Universidade de Brasília, como
exigência parcial para obtenção do título de Mestre,
sob orientação do Prof. Dr. Rafael Sanzio Araújo dos
Anjos.

BRASÍLIA

DEZEMBRO DE 2004
Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

AGRADECIMENTOS

À minha mãe, pelo amor incondicional; ao meu pai, pelo exemplo de luta e apoio nas minhas
empreitadas; ao meu companheiro de vida e de ideal, pela paciência, amor, admiração e paz. Aos meus
irmãos, pela confiança. A tita, tete, e tios, pelo carinho de avós, à tia Nícia, pelo carinho de mãe e a tita
Bela e vovô, pela luz e proteção. A minhas irmãs de apê, Tati, Cris, Daisy, Pati e à irmãzona Égina,
pela alegria e por segurarem minhas pontas no cerrado. A minha grande amiga de sempre, Lé, pelo
colo, pela casa e pela mão amiga. A minha mãe brasiliense, Vera Bosi, pela torcida e enorme apoio. A
toda minha família do interior... do meu coração.

Ao meu orientador, Rafael dos Anjos, pela objetividade e sensibilidade. Aos meus colegas de
mestrado, em especial Luana, George e Tadeu, pelo companheirismo e entusiasmo nas descobertas. À
Karina e à minha amiga Silvinha pela atenção na revisão. A meus professores de mestrado, pela
competente e politizada apresentação ao mundo da Geografia, em especial à professora Marília
Steimberger, pela paixão nas aulas e atenção nas bancas. Ao professor Benny, pela confiança e atenção
no trabalho e nas bancas. Aos meus chefinhos de ontem e hoje (e por que não de amanhã?): Inês
Magalhães, Jorge Hereda, Vera Lyra, Floriano Freaza, o amigão Kelson Senra, pela compreensão e
aprendizado e em especial ao primeiro deles, o mestre e amigo, Ronaldo Lyrio.

A toda equipe do Consórcio do Jiquiriçá pela persistência e luta sincera por um povo sofrido,
em especial ao saudoso amigo Bouzón e às amigas Ângela, Rita e Mariana, pelo coleguismo, presteza
e esforço. A meus queridos colegas do Ministério das Cidades, pela amizade e dedicação ao sonho de
um país melhor. Àqueles que colaboraram pontualmente mas muito significativamente: Eulália Portela
e Tecnosan Engenharia disponibilizando todo matéria sobre o Plano de Jaguaquara e concedendo
entrevistas; Prof. Edgar Porto da SPE/SEPLANTEC do Governo da Bahia com entrevistas e
indicações bibliográficas sobre planejamento territorial no estado; Equipe do Dep. De
Geoprocessamento da SRH-BA que cedeu as bases cartográficas atualizadas da bacia; Equipe da
Agência do IBGE de Jaguaquara concedendo entrevistas; entre outros colaboradores.

Aos meus professores da UFBA, Luiz Moraes, Chango, Suzana Olmos, Edmilson e em especial
Ana Fernandes, onde e com quem tudo começou. Aos meus amados e grandes amigos de Salvador, o
porto seguro desse meu navio que a toda hora parte, mas sempre volta (espero que melhor).

Obrigada mesmo, sem vocês nada disso teria sido possível.

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APRESENTAÇÃO

Resumo dos comentários da Banca Examinadora.

Prof. Dr. Benny Schasbergi: O trabalho é uma excelente contribuição à reflexão ao esforço
teórico e metodológico disso que nós chamamos ainda muito imprecisamente de planejamento
territorial, e é sobretudo um subsídio muito valioso para as tentativas práticas, empíricas, de se fazer
planejamento territorial no Brasil e política urbana de modo diferente. As matrizes finais e a
sistematização dos pontos fundamentais do que aportam os dois planos, nos temas e nas metodologias,
são contribuições muito importantes. A análise crítica que foi feita revela um interessante esforço de
recuperação teórica da discussão dos conceitos fundantes, portanto polêmicos, de região, território,
município, cidade, rural, urbano, etc. Também há uma revisão interessante da legislação, chegando até
a análise dos marcos atuais tanto de recursos hídricos e bacias tanto de Estatuto da Cidade e apontando
bem essa polêmica atual sobre o modelo dominante do chamado planejamento estratégico, com uma
visão crítica, como ele vem sendo apropriado no Brasil, por quem e por que interesses, e como ele vem
sendo praticado no planejamento e gestão municipal. Muito boa também é a caracterização para quem
não conhece a política do estado da Bahia, do contexto do planejamento territorial, quadro estrutural e
histórico que é de uma conjuntura da política e das forças dominantes, a análise crítica que foi feita
conseguiu mostrar essa questão de forma muito aguda, sobretudo quando se revelam os critérios que
foram dotados no apoio aos municípios baianos para fazerem planos diretores, critérios que trabalham
na lógica dos chamados eixos de desenvolvimento e que são claramente mostrados na dissertação o
quanto contribuem para aprofundar as desigualdades, excluindo as áreas centrais, revelando que eles
são a sua outra face: a dos eixos da exclusão territorial. A análise comparativa ficou muito bem
sistematizada na avaliação dos procedimentos metodológicos nas duas escalas trabalhadas. Um dos
méritos mais importantes do trabalho é o reconhecimento da complexidade e da natureza distinta dos
vários entraves, obstáculos, limites para implementar um modelo de planejamento territorial que
supere o modelo vigente que é o que você está criticando que segue um a ordem presente não só na
Bahia mas no pais como o todo, essa lógica fragmentada desconectada, tecnocrática, excludente,
instrumento político das oligarquias dominantes. Reconhecer a complexidade da tarefa é muito
importante, pois executar um outro modelo dentro de uma lógica já existente não é fácil mesmo, é

i
Diretor do Departamento de Planejamento Urbano da Secretaria Nacional de Programas Urbanos do Ministério das
Cidades, professor e ex-coordenador do Curso de Pós Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de Brasília.

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profundamente complexo, possui entraves extremamente duros e difíceis de remover e até mesmo de
lidar com eles. Parabéns pelo brilhante trabalho.

Profa. Dra. Marília Steinberger ii: Minha primeira observação é em relação à postura no
trabalho, em geral nós professores brigamos com os alunos porque eles não se posicionam, e isso não
acontece nessa dissertação. A Patricia está sempre se colocando e deixando clara sua opinião e postura
política. Isso é muito bom. Os pontos interessantes que eu ressalto são os seguintes: para mim o maior
mérito da sua tese é provocar discussões e reflexões em qualquer um que ler. Esse pontos de discussão
são tão interessantes porque a dissertação ao invés de fechar questões ela abre. Por exemplo (há vários
outros) definição de bacia e de município para planejamento territorial em si já é uma grande questão.
Seu objetivo é dar condições para refletir sobre uma nova maneira de fazer planejamento territorial,
que junta regional urbano e rural, quando não natural. Pois são muito poucos trabalhos que existem
com essa amplitude, as pessoas geralmente se fecham ou no regional ou no urbano ou no rural e a
Patricia vai construindo, como uma formiguinha, uma renda que leva ao leitor até tuas inquietações.
Outro exemplo é a experiência que você faz em cima da polêmica sobre definição de cidades, vilas,
etc., usando conceito do IBGE, do José Eli da Veiga e mostrando a importância das relações urbano
rurais e não dos novos critérios de homogeneização, afinal o urbano no sul é diferente do urbano do
nordeste que difere também do norte, que é diferente entre grandes e pequenos, etc. Há também a
discussão sobre os critérios de 20 mil habitantes para o plano Diretor, e muitas outras colocações que
são deixadas em aberto e que podem abrir para varais outras dissertações. Parabéns.

ii
Professora do curso de Pós-graduação em Geografia da Universidade de Brasília e do Centro Integrado de Ordenamento
Territorial /CIOT, membro do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares, Núcleo de Estudos Urbanos e Regionais
da Universidade de Brasília.

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“Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é


fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e
tornar-se parte deste até o ponto de deixar de
percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e
aprendizagem contínuas: tentar saber quem e o que
não é inferno, e preservá-lo e abrir espaço”
(Calvino, 1972: 150)

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SUMÁRIO

LISTA DE GRÁFICOS ...............................................................................................................................vii


LISTA DE FIGURAS.................................................................................................................................viii
LISTA DE QUADROS.................................................................................................................................ix
LISTA DE MAPAS...................................................................................................................................... x
LISTA DE SIGLAS .....................................................................................................................................xi

RESUMO ................................................................................................................................................... 1
ABSTRACT................................................................................................................................................ 2

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................... 3

1. Capítulo I - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ........................ 8


1.1. ASPECTOS TEÓRICOS DA REGIONALIZAÇÃO – TERRITÓRIO E REGIÃO ................................ 8
1.2. O MUNICÍPIO............................................................................................................................. 3
1.3. A BACIA HIDROGRÁFICA .........................................................................................................12
1.4. PLANEJAMENTO TERRITORIAL ...............................................................................................17

2. Capítulo II - ASPECTOS INSTITUCIONAIS E LEGAIS, CONTEXTO NACIONAL E ESTADUAL DA


BACIA DO JIQUIRIÇÁ E MUNICÍPIO DE JAGUAQUARA...........................................................................23
2.1. MARCOS HISTÓRICOS DO PLANEJAMENTO TERRITORIAL BRASILEIRO ...............................24
2.2. PRINCIPAIS INSTRUMENTOS LEGAIS DE PLANEJAMENTO TERRITORIAL EM USO NO
BRASIL... ..............................................................................................................................................25
2.2.1. PLANO DIRETOR DE RECURSOS HÍDRICOS, COM BASE NA LEI FEDERAL 9.433/97 ..............25
2.2.2. PLANO DIRETOR DE RECURSOS HÍDRICOS DO ESTADO DA BAHIA ......................................32
2.2.3. PLANO DIRETOR MUNICIPAL, COM BASE NA LEI FEDERAL 10.257/01....................................36
2.2.4. PRODUÇÃO BAIANA DE PLANOS DIRETORES MUNICIPAIS....................................................42
2.2.5. SITUAÇÃO ATUAL E DISPOSITIVOS LEGAIS DE INTEGRAÇÃO ...............................................49

3. Capítulo III – A BAHIA, A REGIÃO DO JIQUIRIÇÁ, O MUNICÍPIO DE JAGUAQUARA E O


PLANEJAMENTO TERRITORIAL ..............................................................................................................58
3.1. ASPECTOS SÓCIO ECONÔMICOS AMBIENTAIS DA REGIÃO DO JIQUIRIÇÁ NO CONTEXTO
BAIANO ................................................................................................................................................58
3.2. ORGANIZAÇÃO POLÍTICA E INSTITUCIONAL DA REGIÃO DO JIQUIRIÇÁ ................................77
3.3. O MUNICÍPIO DE JAGUAQUARA E O (NÃO) PLANEJAMENTO TERRITORIAL...........................81

4. Capítulo IV – INTEGRAÇÃO DO PLANEJAMENTO TERRITORIAL DA BACIA HIDROGRÁFICA E DO


MUNICÍPIO: LIMITES E POTENCIAIS........................................................................................................95

5. Capítulo V – CONCLUSÕES, RECOMENDAÇÕES E REFLEXÕES..................................................106


5.1. SÍNTESE CONCLUSIVA E RECOMENDAÇÕES .......................................................................107
5.2. CONCLUSÕES E REFLEXÕES ...............................................................................................110

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................................118

Anexo I – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .................................................................................. 126

Anexo II - FONTES E MATERIAL DE PESQUISA ....................................................................................128

Anexo III – MARCOS HISTÓRICOS DO PLANEJAMENTO TERRITORIAL ...............................................131

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Número de municípios - Brasil, 1970-2000 ................................................................................... 4

Gráfico 2 - Situação da população no Jiquiriçá - Municípios que compõem a bacia do Rio Jiquiriçá, 1970 –
2000..........................................................................................................................................................73

Gráfico 3 - Evolução da situação da população do município de Jaguaquara. ................................................87

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LISTA DE FIGURAS

Fígura 1 - Território ....................................................................................................................................10

Fígura 2 - Região .......................................................................................................................................10

Fígura 3 - Dificuldades na formação da identidade regional ........................................................................... 2

Fígura 4 - Tipologias de formação de limites municipais ................................................................................ 8

Fígura 5 - Definições de Bacia Hidrográfica .................................................................................................13

Fígura 6 - Organização institucional da Política Nacional de Recursos Hídricos .............................................27

Fígura 7 - Planos de Recursos Hídricos, políticas públicas, tipos de planos, âmbitos geográficos e entidades
coordenadoras no processo de planejamento de recursos hídricos no Brasil .................................................27

Fígura 8 - Fotos indicativas da escassez de água do Rio Jiquiriçá acompanhada pela população da região e o
seu uso para o turismo ...............................................................................................................................65

Fígura 9 - Foto flagrante da pobreza vivida nos Municípios da Bacia do Jiquiriçá ...........................................67

Fígura 10 - Fotos dos “Fóruns do Usuário da Água e do Desenvolvimento” ...................................................77

Fígura 11 - Foto da degradação ambiental do principal rio do Município de Jaguaquara .................................90

Fígura 12 - Foto de ocupação irregular iniciando processos de degradação na cidade de Jaguaquara....... .....91

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Principais modelos de gestão de Recursos Hídricos - Âmbito Estadual ........................................30

Quadro 2 - Algumas formas de cooperação intermunicipal e seus perfis........................................................55

Quadro 3 - Classificação de municípios segundo o porte e Municípios que compõem a bacia do Rio Jiquiriçá,
2000..........................................................................................................................................................75

Quadro 4 - Situação da população e enquadramento no Estatuto das Cidades - dos Municípios da Bacia do
Jiquiriçá, 2000 ...........................................................................................................................................80

Quadro 5 - Matriz comparativa entre propostas contidas nos Planos Diretores referentes à Bacia Hidrográfica
do Rio Jiquiriçá e ao Município de Jaguaquara, segundo principais temas tratados........................................95

Quadro 6 - Matriz comparativa entre procedimentos metodológicos utilizados nos Planos Diretores referentes à
Bacia do Rio Jiquiriçá e Município de Jaguaquara......................................................................................100

Quadro 7 - Síntese das conclusões e recomendações para o planejamento territorial integrado, segundo
principais temas tratados..........................................................................................................................107

Quadro 8 - Etapa preliminar ......................................................................................................................128

Quadro 9 - Etapa 1: Fundamentação Teórica.............................................................................................128

Quadro 10 - Etapa 2: Levantamento de Instrumental Legal.........................................................................129

Quadro 11 - Etapa 3: Formação de Base de Dados....................................................................................129

Quadro 12 - Quadro cronológico preliminar de marcos institucionais que interferem no planejamento


territorial.... ..............................................................................................................................................132

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LISTA DE MAPAS

Mapa 1 - Municípios brasileiros criados entre 1980 e 1991, segundo população total de 1991 ......................... 6

Mapa 2 - Municípios brasileiros com menos de 20.000 habitantes em 2000, devido à perda de população entre
1991 e 2000 ............................................................................................................................................... 6

Mapa 3 - Município criados entre 1970 e 2000.............................................................................................. 7

Mapa 4 - Área municipal média por unidade da federação............................................................................. 7

Mapa 5 - Bacias brasileiras que tiveram comitês implantados até 2003 .........................................................31

Mapa 6 - Bacias hidrográficas administrativas do estado da Bahia ................................................................33

Mapa 7 - Ano de aprovação de Planos Diretores dos municípios baianos ......................................................41

Mapa 8 - Roteiros turísticos da Bahia ..........................................................................................................43

Mapa 9 - Municípios baianos segundo população e eixos de desenvolvimento do estado...............................47

Mapa 10 - Municípios baianos segundo posição política dos prefeitos eleitos em 2000 e financiamento de plano
diretor através da CAR ...............................................................................................................................48

Mapa 11 - Situação dos municípios brasileiros em relação aos Planos Diretores Municipais aprovados até 1999
e Comitês de Bacia instituídos até 2003 ......................................................................................................51

Mapa 12 - Situação das bacias hidrográficas da Bahia em relação aos Planos Diretores Municipais ...............52

Mapa 13 - Municípios baianos que participavam em 1999 de algum tipo de Consórcio Intermunicipal .............56

Mapa 14 - Aspecto administrativo institucional da Bacia do Jiquiriçá no contexto baiano ................................61

Mapa 15 - Aspecto ambiental da Bacia do Jiquiriçá no contexto baiano.........................................................62

Mapa 16 - Caracterização geral da Região da Bacia Hidrográfica do Rio Jiquiriçá..........................................63

Mapa 17 - Aspecto infra-estrutural da Bacia do Jiquiriçá no contexto baiano..................................................68

Mapa 18 - Aspecto econômico da Bacia do Jiquiriçá no contexto baiano .......................................................69

Mapa 19 - Aspecto social da Bacia do Jiquiriçá no contexto baiano...............................................................70

Mapa 20 - Urbanização dos Municípios que compõem a Bacia do Rio Jiquiriçá .............................................74

Mapa 21 - Localização e caracterização do Município de Jaguaquara ...........................................................82

Mapa 22 - Cobertura vegetal e potencial agrícola de Jaguaquara .................................................................83

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LISTA DE SIGLAS

ANA - Agência Nacional de Águas


ANPUR - Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional
APA - Área de Proteção Ambiental
BAHIATURSA - Empresa de Turismo da Bahia/ Secretaria de Cultura e Turismo do Estado
BIRD – Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento
BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento
BN – Banco do Nordeste
CAR - Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional da Bahia
CDUI - Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior
CEAJA - Central de Abastecimento de Jaguaquara
CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
CIVJ – Consórcio Intermunicipal do Vale do Jiquiriçá
CNI - Conferência Nacional da Indústria
DOU - Diário Oficial da União
EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
ENDIDs - Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento
ESG - Escola Superior de Guerra
FFEM - Fundo Francês para o Meio Ambiente
FPM - Fundo de Participação dos Municípios
FTP - Família Tradição e Propriedade
GEF - Global Enviroment Facility
IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços
INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IPPUR - Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional
LOUS - Lei de Uso e Ocupação do Solo
MCidades – Ministério das Cidades
MMA- Ministério do Meio Ambiente
NP³ - Núcleo de Pesquisa em Políticas Públicas
OMM - Organização Meteorológica Mundial

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ONG – Organização Não Governamental


ONU - Organização das Nações Unidas
PAEG - Programa de Ação Econômica do Governo
PDDU - Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano
PDLU - Plano Diretor de Limpeza Urbana
PDRH - Plano Diretor de Recursos Hídricos
PDU - Plano Diretor Urbano
PERH - Plano Estadual de Recursos Hídricos
PGRH – Projeto de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Estado da Bahia
PIB - Produto Interno Bruto
PMA - Plano de Modernização Administrativa
PNAFM - Programa Nacional de Apoio à Modernização Administrativa e Fiscal
PNRH - Política Nacional de Recursos Hídricos
PNUD - Programa da Nações Unidas para o Desenvolvimento
PNUMA - Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
PRODETUR - Programa de Desenvolvimento Turístico
PRODUR - Programa de Desenvolvimento Urbano
PRUA - Planos de Referência Urbanístico-Ambiental
RH - Recursos Hídricos
SCT/ BA – Secretaria de Cultura e Turismo do Estado da Bahia
SEBRAE – Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
SEI/ BA - Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia
SEPLANTEC - Secretaria do Planejamento, Ciência e Tecnologia do Estado da Bahia
SNIU – Sistema Nacional de Indicadores Urbanos
SNPU – Secretaria Nacional de Programas Urbanos
SPE/BA – Secretaria de Planejamento Estratégico da Bahia
SRH/BA - Superintendência de Recursos Hídricos da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos
Hídricos da Bahia.
SUDENE - Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
UnB – Universidade de Brasília
UNEB – Universidade Estadual da Bahia
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
ZEE - Zoneamento Ecológico-Econômico

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RESUMO

Esta pesquisa objetiva contribuir para a reflexão sobre uma nova forma de se fazer
planejamento territorial, que articula as unidades regionais e locais, o meio urbano, o rural e o natural.
Para tanto, realiza-se um estudo de caso em uma bacia hidrográfica situada na Bahia, a bacia do Rio
Jiquiriçá, e em um dos municípios que fazem parte desta bacia, o município de Jaguaquara. A região
em questão é composta basicamente por municípios de pequeno porte, social, ambiental e
economicamente debilitados, mas que vivem ao mesmo tempo um intenso processo de mobilização
social e articulação institucional.

O presente trabalho está estruturado em seis capítulos e se inicia com uma discussão teórico-
conceitual das principais categorias geográficas e temas envolvidos na pesquisa: território, região,
município, bacia hidrográfica e planejamento territorial. Passa por uma contextualização histórica,
nacional e estadual dos principais instrumentos de planejamento territorial em uso: o Plano Diretor de
Recursos Hídricos, baseado na Lei Federal 9.433/97, e o Plano Diretor Municipal, com base na Lei
Federal 10.257/01. Nos últimos capítulos é feita uma análise comparativa das abordagens temáticas e
dos procedimentos metodológicos utilizados nos planos diretores da bacia e do município eleitos para
o estudo de caso, apresentando os principais pontos para reflexão levantados durante a investigação, os
limites e os potenciais do planejamento territorial integrado.

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ABSTRACT

The objective of this research is to contribute to a new process of territorial planning by the
integration of regional e local units: the basin and the city, the rural, the urban and the natural. The
case study was developed at the hydrographic basin of the Jiquiriçá river, located in the state of Bahia,
Brazil. One of the cities that is part of this basin, Jaguaquara, was also studied. The region analyzed is
composed basically of small cities, most of them lacking in social, ambiental and economical means,
but, at the same time, presenting an intense process of social mobilization and of institutional
articulation.

The work is divided in six chapters. It initiates with a theoretical-conceptual discussion of the
main geographic categories used in the research: territory, region, municipality, hydrographic basin
and territorial planning. It goes through a historical context of the main legal instruments of territorial
planning in use in Brazil: the Directive Plan of Hydrographic Resources, based on the Federal Law
9,433/97, and the Municipal Directive Plan, based on the Federal Law 10.257/01. The last chapter
presents a comparative analysis between the propositions and the methodologiocal procedures utilized
by the directive plans of the Jiquiriçá basin and of the city of Jaguaquara, focusing on the subjects
studied during the investigation, including refletions on the limitations and on the potential of
integrated territorial planning.

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INTRODUÇÃO

A presente pesquisa parte do entendimento de que as diretrizes de planejamento municipal,


quando inseridas em uma contextualização regional, otimizam recursos com levantamentos e análises
de informações e contribuem para uma compreensão das dinâmicas espaciais muito mais próxima da
realidade.

No Brasil, o planejamento regional ligado ao novo modelo de gestão de bacia hidrográfica,


regulamentado pela Lei 9.433/97, está exigindo a formação de novas práticas de planejamento
territorial e a abertura para uma política de planejamento mais sustentável e integrado. O planejamento
de bacias vem ganhando nova força e feição, chegando a um momento da história brasileira em que
novas instâncias regionais, agências e comitês de bacias estão sendo criados com o objetivo de gerir os
diversos usos dos corpos d’águas e, conseqüentemente, do território urbano e rural.

Ao mesmo tempo, o movimento pela reforma urbana vem ganhando força e conseguiu, com a
aprovação do Estatuto da Cidade, Lei 10.257/01, regulamentar o Capítulo da Política Urbana da
Constituição Federal de 1988, instituindo definitivamente o Plano Diretor Municipal como principal
instrumento de planejamento territorial urbano. O Plano Diretor deve, entre outras atribuições,
englobar o município como um todo em seus estudos e diretrizes. O referido movimento vem
discutindo também a revisão da Lei de Parcelamento do Solo Urbano, Lei Federal 6.766/79,
defendendo sua mudança para uma “Lei de Responsabilidade Territorial”.

Nesse contexto, e associadamente ao processo de municipalização do estado brasileiro, os


novos arranjos institucionais crescem em número e diversidade, acelerando o trâmite no Legislativo
federal de um Projeto de Lei de formação de Consórcios Públicos. Para que estas políticas tenham
reflexo em um verdadeiro desenvolvimento sustentável do território administrado, elas devem
considerar seu grau de complexidade e escala, de forma a serem capazes de subsidiar um planejamento
e uma gestão não setorizados, dinâmicos, integrados, etc.

Na Bahia, no entanto, a gestão territorial pouco tem enfatizado a integração de suas diversas
ações, o que tem resultado em um planejamento setorizado, que sobrepõe investimentos em
determinadas áreas, deixando a maior parte do território estadual em pleno vazio administrativo, à
mercê de ações pontuais e assistencialistas.

Nesse contexto, organizações civis vêm atuando em busca de um tratamento diferenciado e


sistemático de sua região, como é o caso da organização não governamental - ONG - do Consórcio
Intermunicipal do Rio Jiquiriçá, que atua na região da bacia hidrográfica deste rio. Esta ONG, formada

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já há 11 anos, vem unindo esforços em diversas áreas e promovendo um intenso processo de


articulação institucional e mobilização popular para o planejamento regional. Seus estudos e propostas
extrapolam as tradicionais ações de uma gestão de recursos hídricos, uma vez que carregam em seu
aspecto ambiental a concepção de que a qualidade e a quantidade das águas são alguns dos fatores
fundamentais a qualidade de vida da população.

Na região onde atua o Consórcio, vive uma população bastante carente, cujos principais elos
físico e cultural são o rio Jiquiriçá e seus afluentes. Metade da bacia em questão situa-se no semi-árido
nordestino; seus municípios, em sua maioria de pequeno porte, não têm quadro técnico ou recursos
suficientes para investimentos em planejamento. Ao mesmo tempo, seus problemas agravam-se a cada
dia, em grande parte devido ao desordenado uso do território. O município de Jaguaquara é um
exemplo disso. Nele são bastante comuns: problemas de contaminação hidrográfica causada por lixo,
esgoto urbano e por agrotóxicos; assim como problemas de habitação em situações de risco de
desabamento, de inundação e em áreas de proteção ambiental.

O estudo das experiências vividas nessa região é de grande importância na avaliação e no ajuste
das políticas territoriais ainda em implantação no Brasil. Sendo assim, esta dissertação se propõe a
realizar uma discussão sobre as vantagens e limitações do planejamento territorial integrado, onde a
unidade de planejamento regional é a bacia hidrográfica e a local é o município. Acredita-se que as
recomendações que se pretende fazer para o uso do instrumental legal existente possam ser de grande
valia, não só para a Bacia do Rio Jiquiriçá, mas para outras regiões que vejam na bacia hidrográfica à
qual pertençam, uma unidade de gestão capaz de contribuir para o desenvolvimento sustentável em seu
real valor.

O principal objetivo deste estudo é colaborar com a construção de um novo processo


metodológico de planejamento territorial conciliador do planejamento regional e municipal, analisando
como unidades espaciais básicas de trabalho a Bacia do Rio Jiquiriçá e o município de Jaguaquara.

Dentre os objetivos específicos dessa pesquisa pode-se ressaltar: a análise do potencial e das
limitações da integração das diretrizes do Plano Diretor de Bacia Hidrográfica e do Plano Diretor
Municipal.

Os procedimentos metodológicos adotados para o desenvolvimento da pesquisa podem ser


visualizados nos esquemas apresentados no Anexo I. A fase de levantamento de subsídios para o
trabalho dividiu-se em três grupos de acordo com o caráter da informação: teórico, institucional e
instrumental.

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As informações teóricas são as que compõem a fundamentação do trabalho, definindo os


principais conceitos adotados. As informações institucionais são aquelas referentes ao instrumental
legal usado no Brasil para o planejamento territorial. As informações de caráter instrumental são as
que compõem a base de dados utilizada na pesquisa.

Nessas três frentes de trabalho, foram desenvolvidas atividades relativas ao levantamento e


sistematização de dados, ao cruzamento e análise das informações obtidas e à elaboração de
recomendações e conclusões da pesquisa.

É importante ressaltar que todo processo foi o máximo ilustrativo, seja por meio de gráficos,
esquemas, quadros, ou, principalmente, por meio de mapas. Isto porque o trabalho desenvolvido tem
potencial para ser imediatamente absorvido pela sociedade, em especial pela equipe de técnicos e de
colaboradores atuantes da Bacia do Jiquiriçá. Com o uso dos mapas pretendeu-se, entre outras coisas,
explorar o espaço como linguagem de integração transdisciplinar.

Foi desenvolvido um Sistema de Informações Geográficas - SIG especialmente para essa


pesquisa. O SIG faz parte da indicação de uma metodologia que otimiza recursos e integra esforços
municipais, regionais estaduais ou federais na decodificação, comunicação, planejamento do território.

A pesquisa é apresentada em cinco capítulos que exploram as frentes de trabalho relacionadas.


O Capítulo I traz uma revisão teórico-conceitual de temas relativos à regionalização, às categorias
geográficas território e região, à formação e conceituação das unidades espaciais bacia hidrográfica e
município, e ao conceito de planejamento territorial utilizado.

Os demais capítulos entram em uma abordagem mais empírica da área estudada, buscando uma
melhor contextualização política e espacial do objeto de estudo nos cenários nacional e estadual. No
Capítulo II, são abordados os aspectos institucionais relacionados ao tema pesquisado, destacando, em
um contexto histórico, o Plano Diretor de Recursos Hídricos, baseado na Lei Federal 9.433/97, e o
Plano Diretor Municipal, baseado na Lei Federal 10.257/01. Diante desse cenário nacional é feita uma
breve abordagem de políticas mais recentes desenvolvidas pelo Estado da Bahia na promoção de
planos diretores municipais e de bacia hidrográfica. No mesmo capítulo, é ainda realizada uma
avaliação sucinta da atual situação brasileira e baiana referente à produção desses planos e à utilização
dos dispositivos legais de integração territorial.

No Capítulo III, é feita uma caracterização (no âmbito estadual) dos aspectos sociais,
econômicos, ambientais, institucionais e infra-estruturais da Região do Jiquiriçá e do município de

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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

Jaguaquara, ao passo em que se contextualizam as principais propostas do Plano Diretor de Recursos


Hídricos da região e do Plano Diretor Municipal de Jaguaquara.

Finalmente, no Capítulo IV, são realizadas as análises comparativas entre os Planos Diretores
abordados, segundo os principais temas tratados e os seus procedimentos metodológicos.

O Capítulo V faz um rápido resgate dos principais temas tratados ao longo da pesquisa,
apresentando as conclusões obtidas e os principais pontos para reflexão levantados durante o processo
de investigação.

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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

CAPÍTULO I 

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E PROCEDIMENTOS 

METODOLOGICOS 

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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

1. Capítulo I - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Os governos estaduais e federal, neste momento, buscam com afinco uma sub-regionalização
espacial para melhor aplicar seus investimentos. Uma série de políticas de diferentes setores avançam
no país, deixando cada vez mais em pauta a necessidade de uma abordagem territorialmente integrada
do planejamento.

A atualidade revela uma dinâmica acelerada dos processos de transformação e produção que
acabam transpondo fronteiras, homogeneizando ações e fragmentando os objetos de estudo. Diante
desta dinâmica, autores levantam a hipótese sobre o fim do lugar, isto é, o descolamento entre as
relações sociais e o espaço, a região não seria mais uma categoria geográfica.

Diante dessa hipótese vale o questionamento: é possível regionalizar o território? Em que


medida as unidades espaciais em estudo nesta pesquisa, o município e a bacia hidrográfica, podem ser
usadas como unidades territoriais de planejamento integrado?

Na tentativa de responder a estas perguntas, são levantadas a seguir, item 1.1, considerações de
alguns teóricos sobre os conceitos de território e região. Mas adiante, nos item 1.2 e 1.3, as duas
unidades territoriais em foco nessa pesquisa são definidas dentro de um contexto da política brasileira.
Por fim, neste mesmo contexto, é explicado, no item 1.4, o conceito de planejamento territorial
utilizado no presente estudo.

1.1. ASPECTOS TEÓRICOS DA REGIONALIZAÇÃO – TERRITÓRIO E REGIÃO

A contextualização regional do planejamento local amplia a compreensão das dinâmicas


espaciais como um todo. No planejamento nacional ou estadual não é diferente. A regionalização
organiza as ações e distribui os investimentos de forma mais justa e estratégica. As regiões são, como
afirma Becker (2003), o resultado de ações tecnocráticas e de demandas coletivas que buscam uma
melhor aproximação da realidade para efeito de resolução de questões.

Mas a definição dessa categoria geográfica não é tão simples assim. Na história da humanidade
vários significados foram dados ao termo região. Ainda hoje, é possível reconhecer usos diferenciados
da terminologia, mas que convergem para o mesmo entendimento geral.

Para Silva (1986), a região é o território já ocupado e no qual se desenvolveu uma organização
do espaço que o torna determinante de um modo de vida, sendo o território o lugar apropriado por

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conquista. Por isso, segundo o autor, a região é “o lugar no qual se nasce ou ao qual se pertence”
(Silva, 1986: 5) e pode, seguindo esse raciocínio, possuir escalas diferenciadas: bairros, zonas,
distritos, cidades, vales, etc. Essa interpretação e compactua com a visão de Castro (s.d.) que define o
território como "todo o espaço socializado, apropriado para os seus habitantes, qualquer que seja seu
tamanho"(Castro, s.d.: 10) e região como categoria “intimamente ligada às formas de produção que
vigoram em determinado momento histórico" (idem, ibidem: 11). Admite-se, dessa forma, o caráter
situacional da categoria região.

Pode-se afirmar então, que as regiões devem acompanhar a mutabilidade do objeto. É o que
defende Santos quando revela que: "as condições atuais fazem com que as regiões se transformem
continuamente, legando, portanto, uma menor duração ao edifício regional. Mas isso não suprime a
região, apenas ela muda de conteúdo. A região continua a acontecer, mas com um nível de
complexidade jamais visto pelo homem" (Santos, 1997: 247).

Como as categorias território e região estão bastante relacionadas, é comum confundi-las. Uma
diferenciação observada diante das diversas definições existentes é que o território tem uma relação
direta com a apropriação do espaço, enquanto a região com a identidade do mesmo. Esta identidade
espacial, segundo Castro (s.d.), pode ser usada para os planos e projetos ideológicos que são realizados
por organizações locais ou para outras escalas e instâncias de poder, o que corresponde às ações
tecnocráticas apontadas por Becker (2003).

No entanto, não há como definir regiões sem admitir um certo grau de homogeneização interna
e diferenciações externas que não correspondam inteiramente à realidade. Afinal, a identidade
reconhecida será sempre relativa, definida pelo contexto e pela escala de observação. Nesse caso, dois
fatores estão em questão: a generalização e a relativização do objeto. Por exemplo: uma região será
considerada agrícola, ainda que tenha alguma produção industrial, se sua atividade econômica
principal for agrícola; por outro lado, a mesma região pode ser considerada industrial, se assumir como
relevante seu potencial industrial, em relação a outras regiões vizinhas com práticas exclusivamente
agrícolas; se diminuída a escala de observação todas essas regiões seriam, provavelmente,
consideradas uma única região agrícola.

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Fígura 1 - Território

Elaboração: Patricia Lustosa/ Programa de Mestrado em Geografia da Universidade de Brasília, Orientador


Rafael S. A. dos Anjos, 2004.

Fígura 2 - Região

Elaboração: Patricia Lustosa/ Programa de Mestrado em Geografia da Universidade de Brasília, Orientador


Rafael S. A. dos Anjos, 2004.

Ao tratar de uma regionalização para o planejamento territorial integrado, o que exige a


participação e o diálogo entre entidades locais e indivíduos (conforme será visto no item 1.4 deste
capítulo), essas homogeneizações internas e diferenciações externas se tornam ainda mais grosseiras.
Por isso, deve-se “evitar o risco de tomar sua aparência como se fosse a realidade, confundindo o ser
com o objeto" (J. Pickles, 1985: 39,95 apud Santos, 1997: 76), atentando sempre para as limitações da

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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

regionalização utilizada. Como? É o que se pretende esclarecer ao final dessa dissertação, se a


regionalização utilizada for por bacia hidrográfica e por município
1
.

Como aponta Santos (1997), identificar o edifício regional é uma dificuldade decorrente do
grau de complexidade atingido pela atual sociedade. Inicialmente, as regiões eram definidas por
territorialidade absoluta de um grupo ou de outro, sem haver mediação. Hoje a diversidade das inter-
relações e sobreposições territoriais é tão grande que pode levar a crer que as diferenciações regionais
teriam sido eliminadas; fato que também ocorre por causa da expansão do capital hegemônico em todo
o planeta: a tão discutida globalização.

Voltando à questão inicial: é possível ainda regionalizar o território? Se regionalizar significar


reconhecer regiões, mesmo que em diferentes contextos e para objetivos distintos, pode-se, com base
nos autores citados, dizer que sim. Pois, como Santos (1997: 246) afirma enfaticamente, “a
diferenciação dos eventos aumenta a diferenciação dos lugares", e as regiões são "o suporte e a
condição de relações globais que de outra forma não se realizariam. Agora é que, exatamente não se
pode deixar de considerar a região, ainda que a reconheçamos como um espaço de conveniência e
mesmo que a chamemos por outro nome".

Sendo a região uma categoria geográfica importante e necessária ao planejamento territorial,


diante da necessidade de se regionalizar o espaço, e cientes de que esta regionalização deve ser a mais
próxima da realidade, como então é possível reconhecer os limites físicos das regiões?

Considerando a teoria do desencaixe de Guiddens2(2002), a resposta à questão inicial pareçe


ainda mais complexa. Pode-se até acreditar que não é possível uma regionalização próxima da
realidade, pois para este autor há pontos que vão além da descontigüidade espacial das relações.
Harvey parece concordar quando afirma que "o progresso implica a conquista do espaço, a derrubada
de todas as barreiras espaciais e a 'aniquilação (última) do espaço através do tempo'. A redução do
espaço a uma categoria contigente está implícita na própria noção de progresso" (Harvey, 1989: 190).
Para esta autor "o capitalismo agora tem preocupação predominante com a produção de signos,
imagens e sistema de signos, e não com as próprias mercadorias" (idem, ibidem: 260). Diante desse
crescimento da produção simbólica e do marketing econômico, reforça-se a preocupação de tomar o
objeto regional pela essência e não pela aparência, como defende Santos (1997).

1
Demais formas de regionalização ficam para outros estudos.
2
Segundo Guiddens "a vida social moderna é caracterizada por profundos processos de reorganização do tempo e do
espaço, associados à expansão de mecanismos de desencaixe - mecanismos que descolam as relações sociais de seus
lugares específicos, recombinando-as através de grandes distâncias no tempo e no espaço" (Giddens, 2002: 10)

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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

Fígura 3 - Dificuldades na formação da identidade regional

Elaboração: Patricia Lustosa/ Programa de Mestrado em Geografia da Universidade de Brasília, Orientador


Rafael S. A. dos Anjos, 2004.

Outro ponto que, segundo Guiddens(2002), confunde a identificação de caractarísticas pessoais


e locais, é o fato delas serem amplamente influenciadas por padrões externos. Hoje, os meios
impressos e eletrônicos funcionam como modalidades de reorganização do tempo e do espaço e são
importantes na constituição das instituições modernas (válidas para duas experiências básicas
transmitidas pela mídia nas condições da modernidade: o efeito colagem, no qual o evento se torna
dominante em relação ao lugar, e a intrusão de eventos distantes na consciência cotidiana).

Assim, o território e a região conceituam-se dentro de uma gama complexa de caracterizações e


identidades. A difícil tarefa do planejador de regionalizar o território, a fim de direcionar ações, tem
como eixo principal a transdisciplinariedade. As regiões são compostas por um conjunto de fatores que
vão variar de acordo com o objetivo da regionalização. Esta tarefa, no entanto não é fácil, nem
tampouco recente.

Para melhor elucidar a tarefa do planejador que tem como objetivo a gestão integrada do
território municipal e da bacia hidrográfica, no item que segue, serão conceituadas e contextualizadas
essas duas unidades espaciais postas em discussão nessa pesquisa.

2
Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

1.2. O MUNICÍPIO

O conceito de município, por se tratar de um limite administrativo, está atrelado às leis de cada
país que o adota como unidade de gestão. No caso brasileiro, a estrutura do Estado está condicionada,
fundamentalmente, ao município.

A Constituição Federal de 1988, considerada municipalista, transferiu recursos tributários e


encargos da União para os governos subnacionais e reconheceu o município como ente federado,
dotado de autonomia política, administrativa, financeira e legislativa. Essa descentralização política
conduzida pela Constituição, tem o intuito de promover a democratização do Estado e a participação
popular. Decorridos alguns anos, a experiência mostrou que a municipalização, descentralização,
democratização e participação não são palavras necessariamente sinônimas. Mesmo assim, vale
ressaltar que estudos recentes vêm avaliando positivamente, através de indicadores de qualidade de
vida e de participação, os verdadeiros ganhos desse processo para os munícipes, ainda que o real
objetivo de muitos políticos promotores da municipalização não seja exatamente este.

Em 1988, a Constituição, segundo o Parágrafo 4° do Artigo 18, permitia:

“A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios,


preservarão a continuidade e a unidade histórico cultural do ambiente urbano, far-se-ão por
lei estadual, obedecidos os requisitos previstos em lei complementar estadual, e dependerão
de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações diretamente interessadas” (BRASIL
1988:20).

O que resultou que, nos oito anos seguintes à aprovação da Constituição, houve um aumento
significativo do número de municípios, motivados principalmente pela repartição constitucional de
receitas tributárias, as quotas-parte do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de
Serviços – ICMS e do Fundo de Participação dos Municípios – FPM, vinculados a parâmetros
populacionais. A maioria desses municípios são “virtuais”, isto é, não apresentam dinâmica própria,
são basicamente rurais e vivem de verbas federais, sejam elas de fundos setoriais ou de emendas
parlamentares. Eles ainda apresentam sérios problemas financeiros de causas múltiplas, que variam
desde má administração, por inexperiência ou tradição política clientelista, à falta real de recursos. As
transferências de recursos da União para estados e municípios, e dos estados para os municípios,
apesar de terem se ampliado com a descentralização financeira promovida pela Constituição de 1988,
ainda permanecem muito aquém das necessidades locais, o que vem demandando esforços “solidários”

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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

entre municípios e a criação de novos arranjos institucionais de associação intermunicipal (tema que
será melhor explorado no item 2.2.5).

Somente em 1996, o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional nº 15 de 1996, que


introduziu outros critérios para a formação de municípios, entre eles, o Estudo de Viabilidade
Municipal, ficando a nova redação do Parágrafo 4° do Artigo 18, como segue:

“A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão


por lei estadual, dentro do período determinado por lei complementar federal, e dependerão
de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após
divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da
lei”(BRASIL, 1996)

Ainda assim, no período entre 1996 e 2000 foram criados 533 municípios, mais do que nos 5
anos anteriores (483 municípios foram criados entre 1991 e 1996). Os estados de Minas Gerais e do
Rio Grande do Sul foram os que criaram mais municípios na última década, 130 e 134 municípios
respectivamente. Enquanto os estados do norte tiveram percentualmente o maior aumento, destacando-
se o Estado de Rondônia, que teve um aumento de 126% (de 23 municípios em 1991 passou para 52
em 2000). Acompanhe no Gráfico 1 a “explosão municipalista” brasileira.

Gráfico 1 - Número de municípios


Brasil, 1970-2000

6000

5000

4000

3000

2000

1000

0
1970 1980 1991 1996 2000

Fonte: IBGE, Censos de1970, 1980, 1991 e 2000 e Contagem 1996

Os municípios baianos, assim como os rio grandences, foram os primeiros a desmembrarem-se


aproveitando a Constituição de 1988. A Bahia, em 1991, já tinha aumentado em 79 o número de
municípios do estado em relação ao ano de 1980; no Rio Grande do Sul foram criados 101 municípios

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no mesmo período. É interessante notar que na Bahia, após esse período, até o ano de 2000, não foi
registrada pelo IBGE a criação de mais nenhum município.

A criação de municípios no Brasil está tão banalizada que chegou a virar tema de novela das
3
oito , onde um dos atores faz o papel do político demagogo que defende a emancipação de um bairro
carioca no intuito de se promover dentro da carreira política (ficção nada distante da realidade). A
promoção profissional, a criação de empregos públicos, a administração financeira de repasses federais
foram e são todos “bons” motivos para a proliferação de municípios.

Mas e a explosão demográfica brasileira? E a explosão urbana? Esses fenômenos não


justificariam esse aumento significativo no número de municípios? Afinal, na última década tivemos a
população do país acrescida em 32%, e o número de municípios acrescido em 24%. Mas a resposta a
essa questão é: não necessariamente. Ainda que o processo de urbanização após a década de 1970
tenha acarretado a elevação da demanda por obras e serviços públicos de competência municipal, o
desmembramento não aconteceu necessariamente nos municípios mais populosos onde esses
problemas se manifestavam em maior grau. Mais de 64% dos municípios criados entre 1991 e 2000
(mais de 980 municípios) possuiam uma população inferior a 20 mil habitantes. No mesmo período, o
número de municípios com mais de 200 mil habitantes não estabilizou, subiu de 85 para 107
municípios.

Observa-se no Mapa 3 que a municipalização foi um fenômeno vivido em todo território


brasileiro. No entanto, as desigualdades regionais aparecem quando observada a distribuição espacial
dos municípios segundo sua extensão territorial. No Sul e no Sudeste, a densidade municipal é muito
mais alta do que no Nordeste, conforme Mapa 4. Esses dados, distribuídos espacialmente, revelam
ainda a desigualdade da estrutura administrativa territorial brasileira, apontando que, mesmo dentro do
espaço brasileiro, o que se entende por município pode variar bastante.

3
Rede Globo, novela: “Senhora do Destino”.

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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

Mapa 1 - Municípios brasileiros criados entre 1980 e 1991, segundo


população total de 1991

Mapa 2 - Municípios brasileiros com menos de 20.000 habitantes em 2000,


devido à perda de população entre 1991 e 2000

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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

Mapa 3 - Município criados entre 1970 e 2000

Mapa 4 - Área municipal média por unidade da federação

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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

Além da possibilidade de criação quase indiscriminada de municípios, segundo legislação


vigente, o estabelecimento dos limites municipais não necessita seguir critérios rígidos, pois estes são
definidos de acordo com a proposta do projeto de lei apresentado, podendo ter como limites rios,
linhas de cumeadas, rodovias, limites de propriedades, ou até uma reta imaginária que em nada se
relaciona com a topografia, uso do solo ou qualquer outro parâmetro natural ou antrópico.

Fígura 4 - Tipologias de formação de limites municipais

Elaboração: Patrícia Lustosa/ Programa de Mestrado em Geografia da Universidade de Brasília, Orientador


Rafael S. A. dos Anjos, 2004.

Estas debilidades funcionais do município têm, para Fernandes (2003), origem na história do
federalismo brasileiro (União, Estados, Municípios), uma história repleta de equívocos. O Estatuto da
Terra (de 1850), o primeiro instrumento brasileiro que legislou sobre a gestão territorial (como mostra
o Anexo III), é válido até hoje e apresenta ainda sérios problemas de demarcação, limitações,
identificações, etc. O registro de imóveis continua sendo um grande problema no país e com isso,
como afirma Maricato (2003), os governos federal, estaduais e municipais vêm se deparando com um
entrave gravíssimo ao planejamento: a falta de informação sobre a conformação do espaço, tanto da
zona rural como das cidades.

No curso dessa história, os municípios brasileiros só tiveram real importância legal reconhecida
na Constituição de 1988, cujo arcabouço visava, como já foi visto, a descentralização da União através
da municipalização do poder. Até então, o município só arrecadava impostos na área urbana, o que fez
surgir distorções legais praticadas amplamente, como por exemplo: perímetros urbanos municipais que
incluem grande área rural como área de expansão urbana, no intuito exclusivo de gerar maior receita às
prefeituras.

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Sabe-se ainda que nem sempre a descentralização e a municipalização brasileira implicam em


maior eficiência ou maior democratização do governo. A prática participativa no país ainda é muito
incipiente e de lenta evolução. Apesar dos desmembramentos terem aumentado, em muitos casos, a
participação, com a aproximação entre governo e população, o regime patriarcal deixa até hoje
seqüelas. Em pequenos municípios do Nordeste e de outras regiões do país, a disputa política tem
relação direta com disputas familiares, e as relações muito próximas entre governo e sociedade civil
acabam tornando-se relações pessoais, em especial nos “municípios virtuais”.

Na grande maioria destes municípios, a área rural ainda é encarada como área onde é atribuição
da União ou Estado realizar licenciamentos, regulações e o planejamento. São verdadeiros vazios no
planejamento e na gestão territorial, onde nem mesmo as avaliações de impactos sócios-ambientais de
atividades rurais são realizadas. (Fernandes, 2003)

Há uma dificuldade recorrente em se associar a administração municipal à área em que esta


atua. Pode-se perguntar a qualquer cidadão comum a diferença entre cidade e município e ele, se
souber a resposta, hesitará em responder. Os termos município, cidade e urbano estão associados no
ideário coletivo, assim como os termos rural e natural estão associados como seus antônimos.

Essa dicotomia entre o urbano, expressão concreta da sociedade, e o natural, espaço não
construído, no entanto, vem de muito longe. Entender, ainda que superficialmente, em que se baseiam
as atuais e efervescentes discussões acerca dessa perigosa polarização ajuda a melhor conceituar a
unidade municipal e a reconhecer as fragilidades encontradas nas políticas públicas de planejamento
territorial.

Observando a história das teorias que tentavam explicar os acontecimentos no mundo, é


possível entender melhor porque esta separação está tão enraizada em nossa cultura.

Primeiramente, para explicar os acontecimentos, o homem tentou se isolar deles. A filosofia


cartesiana promoveu a geometrização do mundo, o espaço era tido em uma relação de absoluta
externalidade com o homem (Moreira, 1997). Era o Homem versus a Natureza.

Teorias afins acompanham toda a história da ciência que se firmou com o nome de Geografia.
Seus fundadores já seguiam duas linhas distintas: Humboldt defendia a unidade da natureza e a
conexão causal dos fenômenos, enquanto Ritter acreditava na Terra como teatro da atividade humana.
Era o que hoje se chamaria Geografia Física versus a Geografia Humana. Em seguida, o
“determinismo geográfico” de acordo com o modelo industrial capitalista dominante teve a leve
oposição da chamada “geografia social” de Elisée Reclus. Já no “possibilismo” de Lucien Febvre e La

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Blanche, o foco das pesquisas era o homem, enquanto no movimento pós-guerra, a “nova Geografia”,
tida como técnica, matemática, probabilística e sistêmica, era contraposta pela “Geografia Humanista”,
cuja visão era mais humana e subjetiva. Apenas recentemente, com a “Geografia Crítica” de Yves la
Coste e Milton Santos, foi ressaltado o papel conciliador dessa ciência, sob o contexto, segundo os
autores, do desenvolvimento tecnológico-científico-informacional globalizado da sociedade atual.

Com o processo de globalização e o rompimento das fronteiras econômicas e ambientais, a


dicotomização deixa de ser, se é que algum dia tenha sido, pertinente como metodologia de estudo do
território. A complexidade da realidade atual deve ser tratada como tal: sem limites entre campo e
cidade, urbano e rural, sujeito e objeto; e, como afirma Peluso (1999), pode-se superar a dicotomia
considerando ambos sujeitos sociais em constante construção.

Sposito (2001:430) explica que “na realidade, ao longo da História, o homem modifica a
natureza em torno dele e nele; não há de modo dissociável uma cidade e uma natureza. Não é o homem
quem destrói a natureza. O que está em questão é o modo como se reproduz continuamente a cidade e
o projeto que se apóia essa construção – o poder do Estado e do Capital com seus interesses e
conflitos”.

Hoje, essa dicotomia entre homem e natureza reflete-se nas várias formas de se caracterizar o
urbano e o rural. Para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, em não havendo no
município legislação que determine a delimitação das áreas urbanas e rurais (lei do Perímetro Urbano
Municipal e poligonais definidas no Plano Diretor Municipal), é considerada urbana toda sede de
município (cidade) e de distrito (vila), sejam quais forem suas características.

Já José Eli da Veiga sugere que para que "a análise da configuração territorial possa de fato
evitar a ilusão imposta pela norma legal, é preciso combinar o critério de tamanho populacional do
município com pelo menos outros dois: sua densidade demográfica e sua localização" (Veiga, 2002:
33).

Segundo estudos desenvolvidos pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA et alii
(1999), se as três variáveis acima, população, densidade e localização fossem aplicadas à metodologia
de classificação municipal, apenas 455 municípios brasileiros, do total de 5507 (IBGE, 2000),
poderiam ser realmente considerados urbanos. Nestes municípios, encontram-se apenas 57% da
população do país e não 81,25% como apresenta o IBGE no Censo 2000. Isso não significa dizer que
somos um país rural, mas que, em termos de densidade populacional e de localização, 23% da
população do país não estaria necessariamente vivendo em um ambiente urbano. Mas o que seria um
ambiente urbano?

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Para Dolffus (1982), as densidades humanas também caracterizam um ambiente urbano, no


entanto, o autor acrescenta a esta caracterização outras duas variáveis: ritmos e atividades, e ainda,
fluxos diferentes; ressaltando que, nas sociedades industriais, a fronteira entre o rural e o urbano torna-
se cada vez menos precisa (difícil identificar definições exatas e completas) e mais flutuante (urbano
cresce sobre o meio rural). Contudo, ainda segundo o autor, além da paisagem natural ser a expressão
do visível não submetida à ação antrópica, nas áreas rurais existe o predomínio de atividades
agrosilvopastoris, baixa densidade populacional, propriedades maiores, fatores socioeconômicos
incomuns e menores oportunidades.

Poderia ser acrescido ainda a um índice multifatorial de urbanização: o perfil econômico


municipal, o seu grau de avanço técnico-informacional, a tipologia viária e construtiva da
infraestrutura local, entre outros indicadores. Mas, aparte do importante debate teórico-conceitual que
se vem travando sobre o urbano, não se pretende aqui defender um ou outro conceito, pretende-se
apenas ressaltar que essa imprecisão conceitual deve ser considerada no planejamento territorial e que
o que se entende por município e por município urbano deve ser analisado dentro da realidade
regional, a realidade urbano-rural.

O documento elaborado pelo Fórum Brasileiro de Reforma Urbana (HIC/FOCOC, 1992: 87),
prevê mais explicitamente essa análise mais integrada do urbano-rural. Segundo o Hic, “o urbano
redimensionou-se como centro das atividades humanas e como ponto focal de processos políticos e
econômicos. As cidades tornaram-se centros de gestão e acumulação de capital em escala planetária,
núcleos de comando de uma vasta rede que integra o urbano e o rural”.

Sendo assim, o que deve ser encarado é a realidade urbano-rural do território, sendo a discussão
conceitual importante para que não se tenha falsas interpretações sobre a real dinâmica espacial, a
exemplo dos modelos de caracterização espacial relatado no item 3.1.

Frente à amplitude dos determinantes políticos, econômicos e sociais, isto é, não espaciais, que
definem os limites do município, fica evidente a importância da superação desses limites nas análises
que dão subsídio ao seu planejamento territorial integrado em uma escala regional.

Também o conceito da unidade regional aqui estudada, a bacia hidrográfica, apresenta


variações. Ainda que pareça um conceito meramente técnico, as especificidades físico-espaciais que
determinam os limites de uma bacia hidrográfica podem divergir de acordo com a ótica de análise
desse objeto, como se expõem no item que segue.

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1.3. A BACIA HIDROGRÁFICA

Qualquer conceito de bacia hidrográfica tem invariavelmente os cursos d’água como elemento
principal. Um dos conceitos mais antigos e mais simples de bacia hidrográfica define-a como conjunto
hidrográfico formado pelo rio e seus afluentes. Esta definição restringe a bacia a seus recursos
hídricos, não considerando o sistema que a compõe.

Segundo Muniz & Ribeiro (2000: 416), “historicamente esse objeto foi apreendido através da
dimensão física, destacando-se a obtenção de dados sobre a água como recurso hídrico, ajustando-se
posteriormente, modelos matemáticos e estatísticos para subsidiar a sua gestão”. Isto é, houve uma
evolução no tratamento e na gestão do componente principal da bacia hidrográfica, os recursos
hídricos, mas conceitualmente sua apreensão continuou limitada.

Atualmente, tem-se tentado ampliar este conceito, ainda que somente no campo teórico, sendo
hoje utilizada pela Agência Nacional de Águas – ANA a definição de que:

“(...) a bacia hidrográfica de um curso de água em uma dada seção, é representada


pela área delimitada pela linha de cumeada (linha dos pontos mais altos) que a separa das
bacias vizinhas e fechada na seção considerada. A área da bacia é chamada de área de
drenagem ou de contribuição. A bacia hidrográfica, de acordo com sua definição, pode
estar limitada a qualquer seção de um curso de água, podendo ser a confluência com outro
rio ou sua desembocadura em um reservatório, baía, lago ou oceano. Uma bacia
hidrográfica pode ser entendida como uma área onde a precipitação é coletada e conduzida
para seu sistema de drenagem natural.” (Campos, 2003: 27,29)

Mesmo esta definição traz fortemente o aspecto físico da compreensão técnica do que significa
uma bacia hidrográfica. Mas, em se tratando de uma conceituação que é parte de uma política pública
de planejamento, todo o espaço territorial não pode deixar de ser considerado.

Sendo assim, o conceito de bacia hidrográfica aqui utilizado é o de território definido pela área
de drenagem que entende o espaço territorial em suas dimensões geológicas, atmosféricas, bióticas,
antrópicas, entre outras dimensões que, dependendo da bacia hidrográfica em questão, podem ser
imprescindíveis para o seu planejamento.

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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

Fígura 5 - Definições de Bacia Hidrográfica

Elaboração: Patrícia Lustosa/ Programa de Mestrado em Geografia da Universidade de Brasília, Orientador


Rafael S. A. dos Anjos, 2004.

No entanto, ainda há alguma confusão acerca do gerenciamento de Bacia Hidrográfica e


Recursos Hídricos, apesar da Bacia Hidrográfica ter sido legitimada como unidade de gestão e apesar
da recomendação legal que haja uma gestão integrada do território. O plano que a Política defende é de
um Plano Diretor de Bacia Hidrográfica, mas na prática, esse conceito ampliado não tem sido
apreendido, a maioria dos casos tem a proposta restrita aos recursos hídricos propriamente ditos.

Na avaliação expedita de 4 comitês de bacia hidrográfica realizada por Costa (2003: 62), a
atuação deles se direciona basicamente para a implantação da cobrança, com ações que variam desde
cadastro e elaboração de planos a ações de capacitação e mobilização em torno da educação ambiental.
Entre os comitês analisados, apenas o Comitê da Bacia do Pirapama, em Pernambuco, partiu de uma
discussão mais ampla, no caso a Agenda 21, chegando a tratar, em atividades de capacitação, de temas
como o Zoneamento Ecológico-Econômico.

Na pesquisa realizada pelo projeto Marca d’Água (Johnsson, 2003), entre os 23 comitês de
bacia estudados, apenas o Comitê da Bacia do Pirapama se destaca sob esse aspecto, pelos motivos
citados acima. Outros 4 comitês indicaram ações de projetos ou planos ambientais que não estão
necessariamente relacionados ao uso e ocupação da terra. A idéia de que a bacia compreende o espaço
como um todo está presente, já que quase todos os comitês apresentaram ações de educação e
mobilização ambiental, mas de forma dispersa e pouco objetiva. Mesmo a Lei Federal 9.433/97 (que
define os planos de bacia hidrográfica que todos os comitês terão que aprovar), é vaga nas proposições

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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

que não dizem respeito a recursos hídricos diretamente. Como conteúdo mínimo, essa lei apresenta
apenas 2 itens de cunho territorial: “II - Análise de alternativas de crescimento demográfico, de
evolução de atividades produtivas e de modificação dos padrões de ocupação do solo (...) VII -
Propostas para a criação de áreas sujeitas a restrição de uso, com vistas à proteção dos recursos
hídricos” (BRASIL, 1997: 2, 3)

Será só por causa dessa falta de proposições objetivas na legislação que a prática é diferente da
teoria? Porque existe tanta dificuldade de se ampliar o tratamento da bacia, e passar a enxergar sua
abrangência territorial além dos corpos d’água propriamente ditos? A “culpa”, em geral, não é de
nossa legislação. E é justamente isso que acontece aqui, a legislação é reflexo da experiência brasileira
no assunto: incipiente. Diante dessas questões, há duas vertentes de pensamento. Uma justifica essa
dificuldade diante da complexidade que envolve o tratamento territorial da bacia. Essa abordagem
exige o envolvimento da população e profissionais de outras áreas, além disso, exige maior interação
entre atores e entre as disciplinas que, como já vimos, estão historicamente separadas pela dicotomia
homem/ natureza. Essa abordagem demandaria portanto, mais recursos, e demandaria ainda, uma
experiência metodológica que ainda está em construção no país.

A segunda vertente seria de que as pressões externas, explicitamente colocadas nos discursos e
argumentos ambientalistas e implicitamente impostas como condições do mercado para reproduzir o
modo de produção capitalista, apóiam e aceleram a adoção da bacia hidrográfica como unidade de
planejamento e gestão dos recursos hídricos. Mas, governantes conservadores e elites econômicas
temem por uma mudança na estrutura política e gerencial do território. A organização regional da
população, com apoio, técnico pode reduzir seu poder naquela área. Um bom exemplo dessa situação
pode ser dado pela política do governo baiano que, durante alguns anos, vem negando a possibilidade
de criação do ente “comitê de bacia”, regulamentado pela lei federal 9.433/97 como consultivo e
deliberativo, alegando que um “conselho” de bacia apenas consultivo, como organismo proposto na
Lei Estadual 6.855/95, já estaria de “bom tamanho”, apesar de desta lei mencionar rapidamente o
comitê como forma de organização dos usuários. Esta situação será melhor explorada no Item 2.2.1.

Provavelmente, as duas vertentes são recorrentes, em alguns casos mais uma do que a outra.
Mas o que é certo, como afirma Rodrigues (2004: 5), é que “a água, elemento vital, torna-se cada vez
mais escassa e cara. Um desafio no século XXI é pensar nesta questão”. Discutir e enfrentar o real
problema da escassez e da má qualidade da água é um passo importante que deve ser dado. Solucioná-
lo só será possível se for tratado com sua real amplitude, sem escamotear, como defende Rodrigues
(2004: 5), “com falsas questões, como por exemplo, culpar APENAS os que ocupam as áreas de

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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

reservas de mananciais hídricos. Com relação à água, além de analisar e verificar possibilidades de
abastecimento é preciso estar atento para novas formas de apropriação do território”.

O conhecimento popular para a gravidade dos problemas de escassez e má qualidade da água já


existe. Há cientistas que proferem que as guerras do século XXI dar-se-ão também pela apropriação da
água, a exemplo da guerra entre Israel e os Palestinos que além da delimitação do território, das
diferenças entre ocidente e oriente e das diferenças de religiosidade, tem como motivo a apropriação
das águas do Rio Jordão. Há quem diga que a água amanhã será o petróleo de hoje.

É notória a importância da bacia hidrográfica como unidade de gestão dos recursos hídricos, e
sabe-se que esta gestão está diretamente relacionada à gestão ambiental. No entanto, deve-se sempre
estar atento às limitações inerentes à adoção dessa entidade geográfica como unidade de gestão, assim
previne Rodrigues:

“Os estudos em relação às bacias hidrográficas são tradicionais na geografia, mas


a tentativa de utilizar bacias como unidades de planejamento para a chamada gestão
ambiental, coloca uma série de questões, que não são restritas a esta forma de delimitação
do território. A natureza não tem fronteiras administrativas e assim a circulação do ar faz
com que as chuvas ácidas ocorram longe da área mais poluída, o buraco da camada de
ozônio mostra a circulação ascendente dos gases, o efeito estufa aquece a troposfera, a
poluição dos rios provoca contaminação em toda a extensão à jusante, o uso de pesticidas
na lavoura, os depósitos de poluentes, etc. provocam contaminação do solo”. (Rodrigues,
2004: 5)

Hogan (1993) ainda vai além. Para ele as bacias hidrográficas são um dos ecossitemas que
permitem entender a relação entre processos naturais e sociais. Segundo o autor as bacias hidrográficas
são:

“(...) uma escolha estratégica para a conservação e a análise das relações


sociodemográfico-ambientais. Não estando delimitadas somente por critérios político-
administrativos, elas são uma unidade ‘natural’ suficientemente grande para revelar as
conseqüências ambientais da ação humana e as conseqüências sócio-demográficas dos
limites naturais” (Hogan, 1993: 68).

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO em 1987
já propunha o uso dessa unidade territorial para a gestão ambiental e mais, sugeria ainda um sistema de
gestão ecológico/econômico como uma estratégia de gestão ambiental em bacias hidrográficas baseada
na análise ecossistêmica. Nesse sistema de gestão é possível elaborar um balanço ponderado multinível

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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

de índices obtidos em ações de monitoramento da região influente, de modo a observar alterações


decorrentes das atividades antrópicas, como a construção de obras de engenharia ou a utilização dos
recursos naturais renováveis ou não.

De acordo com o que já foi dito, para ser adequado às condições ambientais da bacia, o
trabalho de monitoramento não está limitado à avaliação da qualidade da água, mas considera também
a influência que os diversos setores econômicos exercem sobre os recursos hídricos, por meio do uso
do solo e das águas, da concentração ou da expansão de suas atividades e outros. Segundo Ganzeli
(1995), os resultados de um monitoramento dessa natureza refletiriam em todos os impactos das
atividades econômicas na bacia e permitiriam que fossem identificadas as alterações de qualidade das
águas e os agentes responsáveis por essas alterações, contribuindo para que fosse possível avaliar as
modificações decorrentes da implantação desse plano e, conseqüentemente, possibilitar os ajustes e as
correções nos programas propostos.

Segundo Setti (2001), a gestão dos recursos hídricos realiza-se mediante procedimentos
integrados de planejamento e administração. O planejamento dos recursos hídricos visa a avaliação
prospectiva das demandas e das disponibilidades desses recursos e a sua alocação entre usos múltiplos
de forma a obter os máximos benefícios econômicos e sociais, com a mínima degradação ambiental. A
administração de recursos hídricos é o conjunto de ações necessárias para tornar efetivo o
planejamento, com os devidos suportes técnicos, jurídicos e administrativos. Além disso, é instrumento
de revisão permanente e dinâmica, permitindo ajuste de objetivos e metas para novas conjunturas.

Diante dessa necessidade, o poder público tem dois caminhos para conseguir a preservação
desse recurso natural: a desapropriação da área ou o disciplinamento do uso do solo na bacia
hidrográfica. Dadas às dificuldades dos governos em gastos com desapropriação, resta aos municípios
o maior poder de ordenamento do uso-ocupação do solo.

“É muito importante que as legislações municipais de uso-ocupação do solo


considerem os aspectos ambientais, integrando-se às diretrizes gerais de preservação dos
recursos hídricos, definidas por órgãos estaduais e federais. Não havendo esta integração,
dificilmente serão alcançados os objetivos de proteção dos mananciais, pois uma utilização
inadequada do solo resultará na degradação da água, tornando inócuas as outras medidas
adotadas a nível estadual e federal” (Mota, 1995: 126).

A tão almejada sustentabilidade ambiental não decorre apenas da eliminação da relação


predatória do homem sobre os recursos naturais, seja nos processos extrativos, produtivos e de
consumo, ou submissão das políticas aos interesses do capital privado. Decorre também da

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contextualização dessas políticas a um espaço geográfico que transcende os limites da cidade, do


municíopio ou mesmo das bacias hidrográficas. A gestão ambiental deve estar associada a um
planejamento territorial, que não pode estar restrito a contornos administrativos, mas deve estar
associado regionalmente, respeitando a soberania dos ecossistemas diante da autonomia municipal
(Moura et alii, 1999: 1). Esse é o contexto que precisa ser percebido para se entender o conceito de
bacia hidrográfica tratado nessa pesquisa.

Essa proposta conceitual está embasando alguns instrumentos legais de planejamento territorial
em discussão no país. Estes instrumentos podem ser propulsores de um desenvolvimento integrado
quando apoiados na regionalização por bacia hidrográfica. Mas antes de discutir que instrumentos são
esses, é importante conceituar o que, nessa pesquisa, está sendo chamado de planejamento territorial.

1.4. PLANEJAMENTO TERRITORIAL

Inúmeros são os conceitos e práticas que se estabeleceram ao longo da história em torno do


tema Planejamento Territorial. Um bom exemplo é o processo de planejamento urbano brasileiro
institucionalizado nas administrações municipais e disseminado a partir da década de 1970.

A concepção de planejamento inicial, e até bem recentemente praticada, era estática, totalmente
desvinculada da gestão. Partia-se da “idealização de um projeto de cidade do futuro – O Plano Diretor
de Desenvolvimento Integrado, que seria executado ano a ano até chegar-se a um produto final (o
modelo de cidade desejada)” (CDUI et alii, 2002: 38). Para isso, os índices, taxas de ocupação,
coeficientes de aproveitamento, etc., serviam como rédia tecnocrática na condução (lida como gestão)
apolitizada da cidade. Como afirma a CDUI, “o isolamento do planejamento e sua separação da esfera
da gestão provocou uma espécie de discurso desconexo nas administrações – de um lado os planos
reiteravam os padrões, modelos e diretrizes de uma cidade racionalmente produzida, de outro o destino
da cidade era negociado, dia a dia com os interesses econômicos, locais e corporativos” (CDUI et alii,
2002: 39).

O atual governo brasileiro, presidido por Luiz Inácio Lula da Silva, explicita em publicação
divulgada logo no começo de seu mandato, o que para ele significa uma nova concepção de
Planejamento:

“O planejamento público é responsabilidade intransferível do estado. Não basta


equilíbrio macroeconômico, abertura e livre ação das forças de mercado para que o
desenvolvimento flua naturalmente. O estado não pode limitar suas ações a curto prazo e às

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questões emergenciais, mas deve se pautar por uma visão estratégica de longo prazo,
articulando interesses e condenando investimentos públicos e privados em torno de um novo
padrão de desenvolvimento, com crescimento econômico, inclusão social e justiça
ambiental, resguardando os direitos das gerações futuras” (Silva, 2003: 15).

Segundo o mesmo documento, o Governo está disposto a retomar a “prática do planejamento


estratégico, tanto nacional como regional, como instrumento para definição de práticas em todos os
setores, para promover o desenvolvimento sustentável” (op. cit, loc. cit), contando com “um maior
controle e participação social nas ações de desenvolvimento regional e local” (idem, ibidem, p16).

O planejamento territorial, para a equipe que elaborou o Plano Diretor Urbano de Jaguaquara,
tem como objetivo aproximar-se ao máximo da gestão, “encarando a multiplicidade de agentes e
levando-os a construir um novo ‘pacto’ sobre a cidade, que favoreça principalmente ao interesse
público” (Tecnosan, 2000: 6). Para eles, o Plano Diretor não é um instrumento acabado em si só. Ele
pressupõe um processo de gestão que acompanha a dinâmica de produção e reprodução da cidade, e
que, por isso, deve estar em constante processo de ajustes e adequações (idem, ibidem).

Pode-se destacar 3 tipos de planejamento recentemente praticados pelos municípios brasileiros:


o planejamento normativo, difundido principalmente a partir dos anos 1970; o “planejamento
estratégico”, que ganhou força e grande número de adeptos após a experiência de preparação de
Barcelona para as Olimpíadas de 1992; e um planejamento territorial mais crítico, com foco na função
social da propriedade e da cidade. Suas diferenças básicas podem se resumir às caracterizações que se
seguem.

O planejamento normativo pressupõe certezas sobre as tendências, tanto de crescimento e


expansão, quanto de diretrizes a seguir. Procura superar o presente através da instituição de normas
rígidas, orientado por uma idéia de "cidade ideal". Pratica uma separação total entre planejamento e
gestão, o que gerou uma série de conflitos entre estas duas dimensões, uma vez que o planejamento
opera apenas na esfera técnica, e a gestão, na dimensão política. O planejamento normativo conta com
instrumentos que incidem de forma indiscriminada sobre todos as áreas e com instrumentos de
preservação ambiental que paralisam a ocupação legal. Tem geralmente um plano que prioriza tudo -
ou seja, não prioriza nada.

O planejamento conhecido entre os urbanistas como planejamento estratégico é mais flexível e


adaptado às exigências do globalizado mercado capitalista contemporâneo. Esse conceito incorpora
uma idéia de “cidade empresa”, onde a competitividade move as ações inovadoras, implementadas por
meio do marketing urbano. Em sua essência o planejamento estratégico defendido por importantes

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teóricos da atualidade, a exemplo de Borja e Castels (1997), é um planejamento menos normativo, que
admite novas tendências, descontinuidades e surpresas, focalizando alternativas e incentivando
caminhos que aproveitem as novas oportunidades. No entanto, a implantação desse modelo no Brasil,
a partir da experiência de Barcelona, tem apresentado resultados negativos em alguns aspectos, com
destaque para a competitividade desleal e a participação superficial. Apesar de incentivar e valorizar o
governo local, a gestão participativa e o terceiro setor (como fomentadores das mudanças reais), o
“planejamento estratégico” de muitos cidades brasileiras recorre em deixar de lado as reivindicações
populares, que acabam por ceder lugar aos interesses do capital privado em prol da criação de falsos
consensos - a exemplo do Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro, como acusa Vainer (2000b).

Segundo Maricato (2001:58), "apesar da roupagem democrática e participativa, as propostas


dos planos estratégicos vendidos às municipalidades latino-americanas, combinam-se perfeitamente ao
ideário neoliberal que orientou o ‘ajuste’ das políticas econômicas nacionais”. Esse tipo de
planejamento foi amplamente difundido como receituário para a inserção das cidades no cenário
internacional, e, ainda que apresente propostas interessantes e experiência exitosas, deve ser visto com
cautela, pois o “problema do Planejamento Estratégico não é propriamente a metodologia em si, mas o
uso que se faz dela”, conforme exemplifica Ferreira (2002: 167), “o Planejamento Estratégico pode ter
sido bom em Barcelona, mas nem por isso o será em São Paulo”. Ao mesmo tempo, não se deve
rechaçar todas as ações “taxadas de ‘liberais’ ou alinhadas ao ‘planejamento estratégico’ (...) Apesar de
perderem seu crédito junto aos setores não liberais, muitas vezes são experiências legítimas e
relevantes para a democratização da ação planificadora” (idem, ibidem: 166,167).

A vertente de planejamento territorial adotada nesta dissertação, que pode ser chamado de
planejamento territorial crítico, social ou compensatório, parte do pressuposto de que a terra, seja ela
urbana ou rural, é insumo de uma dinâmica coletiva, da qual o indivíduo e o território de que ele é
guardião (leia-se proprietário) participam. Os métodos para o desenvolvimento municipal podem ser
os mesmos os já aplicados no “planejamento estratégico” (gestão participativa, recuperação de áreas
degradadas, valorização de potenciais econômicos, etc), mas a mudança de objetivos (cooperação ao
invés da competição), transforma o conteúdo das propostas. Os “roteiros” das ações de planejamento
devem ser discutidos caso a caso, sem receita para chegar a um “desenvolvimento transfigurado”, mas
com um aprendizado constante em busca de um desenvolvimento real e duradouro, que implique na
melhoria da qualidade de vida da maioria da população.

A este desenvolvimento, poderia dar-se o nome de desenvolvimento sustentável. Mas esse já se


tornou um outro jargão apropriado pelos defensores do atual modelo econômico liberal. A dificuldade

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de se adotar o planejamento territorial de acordo com o conceito aderido esbarra mais uma vez no
embate macro econômico (do qual o Brasil não consegue sair) entre bem-estar social e preservação
ambiental versus desenvolvimento econômico.

Atualmente, as discussões ambientais estão mais avançadas, provavelmente por terem efeitos
mais diretos na reprodução do capital, e o conceito de desenvolvimento sustentável tem sido assumido
como o termo mágico de superação de objetivos irreconciliáveis: a preservação ambiental e o
desenvolvimento econômico (Allen, 1998).

A partir desse vínculo é que a bacia hidrográfica começou a ser adotada, e também criticada,
como uma unidade de planejamento territorial capaz de promover o desenvolvimento em outras
esferas, além da esfera ambiental. No entanto:

“(...) não se fala do tema sob uma perspectiva global ou nacional e sim fazendo
alusão a fragmentos territoriais menores que tem quase sempre uma referência político-
administrativa específica. (...) às vezes refere-se a recortes cujos limites estão definidos por
critérios não administrativos, como por exemplo, as bacias hidrográficas. Se bem existem
uma série de frações territoriais na prática política e administrativa, qual delas podem
efetivamente exercer uma política de desenvolvimento sustentável?” (Reboratti, 1998: 7).

A discussão que responde essa questão ainda está em pauta e o único consenso é que ações de
cooperação entre unidades administrativas têm maiores chances de êxito, estejam estas organizadas
por bacia hidrográfica, micro região econômica, região metropolitana ou o que seja. Assim como no
“planejamento estratégico”, os métodos de desenvolvimento sustentável propostos não devem ser
rechaçados, e a alternativa de adoção da bacia hidrográfica como unidade de planejamento territorial
integrado é um desses métodos que só devem ser aplicados quando analisados seus potenciais e
limitações caso a caso.

Pois, como afirma Davidovich (1992: 8), para os diferentes territórios há “possibilidades de
diferentes formas de gestão, associadas a diferentes modelos políticos e econômicos e apoiadas em
determinadas bases tecnológicas”. Nem a bacia hidrográfica será o único modelo de planejamento para
todos os territórios, nem sua caracterização e adoção como unidade territorial para este fim encerra-se
em si.

Uma outra contribuição no debate acerca do “desenvolvimento sustentável” diz respeito ao


entendimento da importância que tem a integração das diversas áreas da ciência para o planejamento
municipal ou regional.

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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

Segundo Low-Beer, essa visão integrada implica em uma atuação “em distintos campos de
políticas simultaneamente: nas políticas de desenvolvimento territorial e urbano, nas políticas
agrícolas, na política ambiental, nas políticas sociais, e como fecho, mas não por último nas estratégias
econômicas, sem falar nos arranjos institucionais e de execução destas políticas" (Low-Beer, 2003a:
2).

A prática integrada requer ainda uma noção enraizada de patrimônio comum, isto é, de que o
objeto concreto de planejamento, o território, é o mesmo para todos os setores. É o objetivo central que
se pretende alcançar na ação planificadora, que diferencia essencialmente os formas de planejamento
territorial citadas: o controle o desenvolvimento e a qualidade de vida.

À luz de toda a contextualização teórico-conceitual do tema abordada nos diversos itens desse
capítulo, foi possível realizar, no capítulo que segue, uma análise mais aprofundada da legislação mais
importante relativa ao tema do planejamento territorial.

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CAPÍTULO II 

ASPECTOS INSTITUCIONAIS 

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2. Capítulo II - ASPECTOS INSTITUCIONAIS E LEGAIS, CONTEXTO NACIONAL E


ESTADUAL DA BACIA DO JIQUIRIÇÁ E MUNICÍPIO DE JAGUAQUARA

Este capítulo se dedica à exploração de aspectos institucionais que possibilitam um melhor


entendimento e contextualização do objeto de estudo no cenário brasileiro. Parte-se de um
levantamento cronológico de alguns dos principais marcos políticos que interferiram ou interferem na
gestão territorial. Esta análise mostra o percurso histórico de importantes discussões que envolveram o
território.

Nesse contexto, nos itens 2.2.1 e 2.2.3 faz-se uma leitura dos papéis dos instrumentos legais
objetos desta pesquisa: o Plano Diretor de Recursos Hídricos, com base na lei 9.433/97, e o Plano
Diretor Municipal, com base na lei 10.527/01. Aí são abordadas as principais atribuições dos planos,
destacando e analisando as implicações de cada um no planejamento territorial municipal.

Três programas são destacados no intuito de exemplificar as ações mais recentes do Governo
do Estado da Bahia: o Prodetur, Programa de Desenvolvimento Turístico, coordenado pela Bahiatursa
- Empresa de Turismo da Bahia/ Secretaria da Cultura e Turismo; o PRODUR, Programa de
Desenvolvimento Urbano, coordenado pela CAR/ Seplantec - Companhia de Desenvolvimento e Ação
Regional da Bahia/ A Secretaria do Planejamento, Ciência e Tecnologia; e o PERH - Plano Estadual
de Recursos Hídricos, coordenado pela SRH/BA - Superintendência de Recursos Hídricos da
Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia.

Por fim, discute-se o quadro geral da situação de implementação das leis 9.433/97 e 10.527/01
apresentando um mapeamento das bacias e municípios brasileiros que já se adequaram a essas
legislações. Estes resultados são analisados em conjunto com os dados empíricos no Capítulo IV.

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2.1. MARCOS HISTÓRICOS DO PLANEJAMENTO TERRITORIAL BRASILEIRO

Várias discussões que aconteceram no âmbito nacional e mundial, orientaram as políticas


públicas brasileiras na direção do planejamento municipal e das bacias hidrográficas. Com o objetivo
de exercitar uma visão mais cronologicamente organizada dessas discussões, foi elaborado um quadro
esquemático que apresenta alguns dos principais marcos políticos que interferiram no planejamento
territorial brasileiro (Anexo III).

Em síntese, através de uma breve análise do quadro em anexo, percebe-se algumas


interessantes trajetórias das agendas que envolviam o planejamento territorial. Entre elas, a tímida,
porém importante, ascensão do movimento pela reforma urbana, cujos marcos mais significativos são
a aprovação do capítulo da reforma urbana na Constituição de 1988 e do Estatuto da Cidade em 2001.

Percebe-se também que os marcos diretamente ligados ao meio ambiente, incluindo os recursos
hídricos, durante muito tempo tiveram um enfoque nas políticas de infra-estruturação e de
desenvolvimento econômico do território brasileiro. Aos poucos a política dominante se apropriou do
discurso ambientalista de organizações não governamentais – ONGs internacionais, face a real ameaça
de desequilíbrio econômico que a extração e a poluição desenfreada de certos “recursos” naturais
poderiam causar, mudando o foco das políticas, ainda que no discurso, para a defesa do meio
ambiente. Os marcos relacionados refletem essa dinâmica.

Nota-se ainda que a agenda dos recursos hídricos vem se descolando da agenda ambiental e
ganhando cada vez mais destaque. Um ponto marcante desse movimento é a criação da ANA –
Agência Nacional de Águas em 2000 (cujas atribuições estavam anteriormente compreendidas no
âmbito do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA). A
questão dos recursos hídricos é nitidamente um tema em ascensão, reconhecido em sua real e grande
importância face às ameaças do cenário atual brasileiro e mundial. Nesse contexto histórico, fica mais
fácil entender o destaque que vem sendo dado à bacia hidrográfica como unidade de planejamento e
gestão não exclusivamente ambiental, afinal o próprio tema “recursos hídricos” está crescendo tanto
que chega a influenciar e incorporar, com sua ótica, a discussão de outras temáticas. Nesse sentido, foi
aprovada em 1997, a Política Nacional de Recursos Hídricos, Lei Federal 9.433/97, cujas
especificidades serão trabalhadas no item 2.2.1 deste Capítulo.

Em suma, ainda que seja tomado como base um quadro de um levantamento preliminar, fica
claro que, seja qual for o enfoque dado, no Brasil não faltam legislações que regulamentem o

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planejamento territorial. O que o quadro não pode apresentar é a falta de capacidade institucional para
operacionalizar essas leis (fazê-las “pegar”), pois a legislação é apenas um dos três fatores que
determinam a gestão plena dos municípios (1.legislação, 2.controle social e 3.estrutura institucional).
As diferentes capacidades institucionais, determinam a desigualdade distribuída no território na
implementação das leis, como foi apontado pelo item 1.2., e faz com que o histórico apresentado não
tenha rebatimento imediato na realidade do ordenamento territorial brasileiro. Os itens seguintes se
dedicam a explorar em que aspectos as duas leis citadas acima podem colaborar para minimizar esse
problema, além de explorar suas especificidades em relação à integração territorial.

2.2. PRINCIPAIS INSTRUMENTOS LEGAIS DE PLANEJAMENTO TERRITORIAL EM USO NO


BRASIL

O planejamento territorial, como pode ser visto nesse capítulo, tem reproduzido em seus
instrumentos legais a prática dicotômica entre sociedade e natureza. No entanto, observa-se um
caminhar para a visão integrada do território, ao menos no discurso e nas propostas das leis que
atualmente têm maior influência no ordenamento territorial. Assim, essas leis abrem lugar para as
ações com base integrada.

Nesse sentido, três instrumentos atualmente em vigor merecem destaque: o Zoneamento


Ecológico Econômico 4, o Plano Diretor de Recursos Hídricos e o Plano Diretor Municipal. Devido às
limitações temáticas e temporais de uma dissertação de mestrado, a pesquisa limitou-se em abordar
apenas o Plano Diretor de Recursos Hídricos com base na Política Nacional de Recursos Hídricos, Lei
Federal 9.433/97, e o Plano Diretor Municipal com base no Estatuto da Cidade, Lei Federal 10.527/01.
Ambos são detalhados sob o aspecto do planejamento territorial nos itens que seguem.

2.2.1. PLANO DIRETOR DE RECURSOS HÍDRICOS, COM BASE NA LEI FEDERAL 9.433/97

A Lei Federal 9.433/97 regulamenta o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal que diz:
“compete à União: (...) XIX - instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir
critérios de outorga de direitos de seu uso” (Brasil 1988). Instituiu, assim, a Política Nacional de

4
O Zoneamento Ecológico Econômico – ZEE foi previsto na Constituição de 1988 e começou a ser concebido como
instrumento modelo do governo para tomada de decisão federal, e foi, com o tempo, descentralizando e incorporando a
participação de outros atores (Steinberger, 2000). Este instrumento, regulamentado pela Medida Provisória 2.049-25/00,
prevê a participação local no seu processo de elaboração, além de apoio da União e articulações intermunicipais para a sua
realização. No entanto, ainda hoje, o perfil dos ZEEs já elaborados, mantém a escala do nível federal de atuação, sendo, em
alguns casos, adotados no nível estadual. Isto não significa dizer que este instrumento não possa ser aplicado a regiões
menores, mas seu modelo metodológico, ainda que em construção, é desenhado para o macro zoneamento territorial.

25
Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

Recursos Hídricos – PNRH - trazendo importantes aspectos de caráter inovador para o tratamento do
tema no país. A definição da bacia hidrográfica como unidade básica de gestão pode ser considerada
uma das suas principais inovações, uma vez que, como foi visto no item 1.3., a tendência histórica era
tratar apenas dos cursos d’água (o próprio termo bacia hidrográfica se confundia, e na prática ainda se
confunde, com esta visão restrita). Dentro do conceito mais amplo, explicado no item citado, aspectos
importantes de outras dimensões se inserem na nova política, como a busca pelo equilíbrio entre
disponibilidade e demanda e a visão da água como um bem escasso, com valor econômico, que tem
usos múltiplos a serem conciliados através de uma gestão integrada, descentralizada e participativa.

Essa mesma Lei Federal 9433/97 criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos, o Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos e instituiu os Planos de
Recursos Hídricos, como um dos principais instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos.
Segundo o Artigo 6º da Lei 9.433/97, “os Planos de Recursos Hídricos são planos diretores que visam
a fundamentar e orientar a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e o
gerenciamento dos recursos hídricos”.

Segundo o Ministério do Meio Ambiente – MMA - os Planos Diretores de Recursos Hídricos


são instrumentos que trazem a visão territorial integrada e transdisciplinar da ação de planejamento e
gestão da bacia hidrográfica, defendida no primeiro capítulo dessa dissertação. Para o MMA, o Plano
Diretor de Recursos Hídricos é entendido como:
"um instrumento articulado com políticas de desenvolvimento sustentável, que tem como
objetivo planejar a gestão, os usos e a preservação dos recursos hídricos, de modo a garantir
que a água esteja permanentemente disponível, em quantidade e qualidade satisfatória para
atuais e futuros usuários. Tais objetivos são alcançados através da implementação de ações
propostas nas mais diversas áreas, de forma a subsidiar eficientemente o planejamento da
região, orientando a tomada de decisões" (MMA, 2003)

Os Planos devem ser elaborados, executados e acompanhados de acordo com a organização da


Política Nacional (Figuras 6 e 7) que se dá através de instituições existentes em três níveis de governo:
União, Estado e bacia hidrográfica. Segundo a Constituição Federal de 1988 “Art. 23 - É competência
comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) XI - registrar, acompanhar e
fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus
territórios”. Assim, admite-se que o município deve exercer sua competência através das instituições
no nível da bacia hidrográfica.

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Fígura 6 - Organização institucional da Política Nacional de Recursos Hídricos

Fonte: Johnsson, 2003; Diagramação: Patrícia Lustosa/ Programa de Mestrado em Geografia da


Universidade de Brasília, Orientador Rafael S. A. dos Anjos, 2004.

Fígura 7 - Planos de Recursos Hídricos, políticas públicas, tipos de planos, âmbitos geográficos e
entidades coordenadoras no processo de planejamento de recursos hídricos no Brasil

Fonte: ANA, 2004.

27
Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

O conteúdo mínimo dos planos diretores de recursos hídricos, segundo o Artigo 7° da Lei
9.433/97 é:

“I - Diagnóstico da situação atual dos recursos hídricos; II - Análise de alternativas


de crescimento demográfico, de evolução de atividades produtivas e de modificação dos
padrões de ocupação do solo; II - Balanço entre disponibilidade e demandas futuras dos
recursos hídricos, em quantidade e qualidade, com identificação de conflitos potenciais; IV -
Metas de racionalização de uso, aumento da quantidade e melhoria da qualidade dos
recursos hídricos disponíveis; V - Medidas a serem tomadas, programas a serem
desenvolvidos e projetos a serem implantados, para o atendimento das metas previstas; VI -
Prioridades para outorga de direitos de uso de recursos hídricos; VII - Diretrizes e critérios
para a cobrança pelo uso dos recursos hídricos; VII - Propostas para a criação de áreas
sujeitas a restrição de uso, com vistas à proteção dos recursos hídricos”(BRASIL, 1997)

Estas são as únicas recomendações da legislação federal ao plano, que traz, como já foi dito no
primeiro capítulo, apenas nos incisos I e VII, referências vagas à dimensão territorial que deve ser
tratada pelo plano. Em relação à integração entre as propostas de organização institucional e o
planejamento territorial, Jonhsson (2003: 177) avalia que “a relação dos novos instrumentos de gestão
e organismos de bacia não é tão clara, contudo, no que se refere às agências ambientais e outras
instituições envolvidas, no uso e ocupação do solo”. Em relação ao planejamento territorial para gestão
ambiental especificamente, o autor afirma que “de fato a integração entre a gestão ambiental e a gestão
da água é freqüentemente mencionada nas diretrizes das leis, mas não há quaisquer outras indicações e
respeito da forma como ela será viabilizada” (Johnsson, 2003: 177).

Apesar da grande importância do Plano Diretor de Recursos Hídricos, entre os instrumentos de


gestão instituídos pela Lei 9433/97, a outorga de direitos de uso e a cobrança pelo uso dos recursos
hídricos são os mais estudados pela comunidade técnica e os mais visados pelas diversas instâncias de
gestão. São estes os instrumentos que inserem a água no mercado econômico, como é explicitamente
colocado no Art. 19 da referida lei5, e conferem o poder político aos agentes deliberadores do Sistema.

Mesmo sendo a outorga condicionada aos Planos de Recursos Hídricos, como determina o
Artigo 13 da Lei 9433/976, não se estabeleceu no nível federal um prazo limite para a revisão ou
elaboração dos planos estaduais e de bacia, ficando os mesmos relegados à boa sorte. Sem a revisão a

5
“Art. 19. A cobrança pelo uso de recursos hídricos objetiva: I - reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário
uma indicação de seu real valor; II - incentivar a racionalização do uso da água; III - obter recursos financeiros para o
financiamento dos programas e intervenções contemplados nos planos de recursos hídricos.” (Brasil, 1997)
6
“Art. 13. Toda outorga estará condicionada às prioridades de uso estabelecidas nos Planos de Recursos Hídricos e
respeitar a classe em que o corpo de água estiver enquadrado e a manutenção de condições adequadas ao transporte
aquaviário, quando for o caso.” (Brasil, 1997)

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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

concessão da outorga pode continuar sendo a mesma do modelo anterior ao modelo proposto pela
PNRH.

Em relação aos Planos de Recursos Hídricos, a Lei 9433/97 ainda determina que os recursos
arrecadados com a cobrança devem ser aplicados prioritariamente, e não necessariamente, na bacia
hidrográfica em que foram gerados e utilizados na administração do Sistema e no financiamento de
estudos, programas, projetos e obras incluídos nos Planos de Recursos Hídricos, segundo o 22º
Artigo 7. A lei também estabelece que um dos objetivos do Sistema Nacional de Informações sobre
Recursos Hídricos é fornecer subsídios para a elaboração dos Planos, segundo o 26º Artigo 8. Nestes
Artigos deixou-se flexível, ou mesmo dúbio, em que ordem os instrumentos deveriam ser
estabelecidos. Esta imprecisão sucinta dúvidas com reflexos na responsabilidade de quem iniciar o
processo: qual instrumento vem primeiro? a cobrança para custear os estudos dos planos ou os planos
para instituir os critérios de cobrança? O certo é que os Planos de Recursos Hídricos só aparecem
como demandas reais quando, o comitê formado ou a população organizada pede por instrumentos de
apoio técnico à tomada de decisão e, para que “a carroça não ande na frente dos bois” e a cobrança
comece sem estar ordenada por um plano, é necessário um aporte financeiro, governamental ou
privado, para que os planos sejam desenvolvidos com prioridade.

Apesar da Lei 9433/97 apresentar que o conteúdo mínimo listado é comum a todos os Planos
de Recursos Hídricos, o plano de nível macro é o Plano Nacional de Recursos Hídricos que é de fato
um Plano de Governo. Sua função é, segundo Campos (2003), apresentar diretrizes para a condução da
Política Nacional de Recursos Hídricos, articulando-se com planos setoriais e políticas regionais de
irrigação, navegação, indústria, hidroeletricidade, etc. Além disso, esse Plano dá destaque para as
bacias em áreas especiais de planejamento, como o Pantanal Mato-grossense e as bacias de domínio da
União, ou seja, cuja área de drenagem pertence a mais de um estado. O Plano Nacional de Recursos
Hídricos ainda está em discussão com a sociedade9. A elaboração do Plano Nacional está sob a
coordenação da Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente - SRH/MMA, é
acompanhada pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos - CNRH - e conta com o apoio da
Agência Nacional de Águas - ANA.

7
“Art. 22. Os valores arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricos serão aplicados prioritariamente na bacia
hidrográfica em que foram gerados e serão utilizados: I - no financiamento de estudos, programas, projetos e obras
incluídos nos Planos de Recursos Hídricos” (Brasil, 1997)
8
“Art 27. São objetivos do Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos: (...) III - fornecer subsídios para a
elaboração dos Planos de Recursos Hídricos” (Brasil, 1997)
9
“É possível acompanhar o processo de elaboração do PNRH através de informações eletrônicas que serão disponibilizadas
periodicamente nos informativos da Secretaria de Recursos Hídricos e do Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Para
receber os informativos, basta acessar e se cadastrar nos sítios da SRH/MMA e do CNRH, respectivamente:
www.mma.gov.br e www.cnrh-srh.gov.br” (ANA, 2004)

29
Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

No nível geográfico intermediário, os Planos Estaduais e de bacia hidrográfica apresentam uma


grande diversidade de abordagens e velocidade de implementação. Isto se dá provavelmente por causa
das posturas políticas e organização político-institucional de cada unidade da federação. Segundo os
estudos realizados pelo Projeto Marca d’Água em 23 bacias brasileiras “é possível identificar três
principais modelos de gestão sendo delineados em âmbito estadual” Johnsson (2003: 178). O modelo
pioneiro é do Estado de São Paulo, que tem estrutura próxima da experiência francesa: o comitê, de
composição tripartite, é o centro de gravidade do Sistema, eles instituem, com o apoio técnico de suas
agências de bacia, a lógica de planejamento e gestão dos recursos hídricos. Segundo esse modelo,
também cabe ao comitê aprovar o programa de investimentos, desenvolvido de acordo como seus
planos de recursos hídricos, redistribuindo os recursos arrecadados no âmbito da bacia.

O Estado do Paraná é a referência de um segundo modelo de gestão. Neste estado, o principal


nível de gestão é a bacia hidrográfica, como em São Paulo, mas com ênfase nas agências de bacia.
Essas agências serão constituídas por consórcios intermunicipais de bacia hidrográfica ou associações
regionais, locais ou setoriais de usuários. Os Comitês de bacia só serão constituídos a partir da
demanda das agências, e suas decisões deverão ser referendadas pelo Conselho Estadual de Recursos
Hídricos.

Um outro modelo é o do Estado do Ceará, que se diferencia substancialmente do modelo de


São Paulo, pela introdução de uma agência gestora estadual; e pela supressão das agências de bacia,
diminuindo o poder deliberativo dos comitês, no que se refere à cobrança pelo uso da água, e
conseqüentemente, à aplicação desses recursos na bacia.

Quadro 1 - Principais modelos de gestão de Recursos Hídricos - Âmbito Estadual


Estado de Base Principal Autonomia dos Comitês Principal característica
Referência territorial organismo
São Paulo Bacia Comitê Tem autonomia sob sua Próximo à experiência francesa, comitê
bacia tem composição tripartite
Paraná Bacia Agência Constituídos por demanda Agências constituídas por consórcios
das agências, suas intermunicipais de bacia hidrográfica ou
decisões passam por associações regionais, locais ou setoriais
Conselho Estadual de de usuários
Recursos Hídricos
Ceará Estado Agência Tem mais poder Suprime as agência de bacia, estado
gestora consultivo que detém gestão da cobrança e de sua
estadual deliberativo aplicação

Fonte: Johnsson (2003); Elaboração: Patrícia Lustosa/ Programa de Mestrado em Geografia da Universidade de
Brasília, Orientador Rafael S. A. dos Anjos, 2004.

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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

Ainda segundo a pesquisa apresentada por Johnsson (2003: 178), “os outros estados estão
implementando ou propondo estrutura organizacional semelhante ou intermediária a esses modelos de
gestão”.

No nível local, ou regional, está o Plano de Bacia Hidrográfica que, segundo Setti (2000: 171),
é, entre os três planos indicados na lei, o plano fundamental, “porque a bacia hidrográfica é a unidade
territorial de atuação e planejamento do sistema nacional e porque a gestão hídrica é descentralizada”.
O Comitê de Bacia Hidrográfica tem papel central no Plano de Bacia Hidrográfica, pois, segundo a Lei
9.433/97, o comitê deve acompanhar a execução desse plano, sugerir as providências necessárias ao
cumprimento de suas metas e, antes de tudo, aprová-lo. À Agência de Águas, cabe elaborar o plano da
bacia onde atua, como mostrou a Figura 6.

Mapa 5 - Bacias brasileiras que tiveram comitês implantados até 2003

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Até 2003, ainda não havia nenhum sistema de gestão no Brasil completamente em operação
(Johnsson, 2003), ainda assim, a maioria dos estados dispõe de seu Conselho Estadual de Recursos
Hídricos, mesmo sem estarem todos funcionando regularmente. Em março de 2003 havia 87 comitês
de bacia instalados no país, como mostra o Mapa 5. Dentre eles, somente seis comitês estão sobre
jurisdição federal, ou seja, são bacias interestaduais, de domínio da União.

Segundos dados da ANA (2004) e de Johnsson (2003), em meados de 2003, mais de 85 comitês
já haviam sido instituídos. Como pode ser observado no mapa apresentado, a maior parte deles se
concentram na região sudeste e sul e a grande maioria foi criada no âmbito dos sistemas estaduais de
recursos hídricos, visto que se localizam justamente nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, São
Paulo e Minas Gerais, além dos estados de Pernambuco e Ceará, no Nordeste.

Há uma grande desigualdade institucional que se mantém no Brasil durante o processo de


implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos. O relativo “atraso” das demais regiões pode
se dar por inúmeros fatores associados, como o maior número de cidades e conseqüentemente de
conflitos por água no Sul e Sudeste, além de maior concentração de indústrias e, assim, maior pressão
e “apoio” na resolução dos conflitos. No entanto, a implementação acelerada e realizada de “cima para
baixo”, sem demanda social, em geral pouco tem contribuído na nova Política Nacional de Recursos
Hídricos, o que colabora para a manutenção da velha dinâmica de planejamento territorial.

Na Bahia esse “atraso” deve-se fundamentalmente a uma política de Estado contrária a um dos
princípios fundamentais da Política Nacional de Recursos Hídricos: a descentralização da gestão,
assunto que será melhor explorado no item que segue.

2.2.2. PLANO DIRETOR DE RECURSOS HÍDRICOS DO ESTADO DA BAHIA

O modelo ao qual a organização político-institucional do sistema de gerenciamento de recursos


hídricos da Bahia se assemelha é o modelo do Ceará, onde o Estado é o principal agente regulador e
executor. O atual governo baiano, grupo que está a muitos anos no governo, defende a tese de que, em
situação de escassez, como é o caso do Nordeste brasileiro, a gestão dos recursos das bacias
centralizada no Estado permite uma melhor equidade regional na execução dos benefícios. Assim, a
revisão do Plano Estadual de Recursos Hídricos da Bahia – PERH-BA - foi considerada por este
governo, o primeiro e mais importante instrumento da Política Estadual do setor:

"Aportando as informações básicas necessárias para orientar o Governo no


processo de tomada de decisões quanto à implementação de ações, equacionando

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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

importantes questões do uso, manejo e preservação do recurso água, elemento propulsor do


desenvolvimento econômico e social no Estado da Bahia" (SRH, 2004).

O PERH-BA contém, além do conteúdo comum aos demais planos: normas específicas para o
semi-árido; programas destinados à capacitação profissional, à comunicação social e à utilização dos
recursos hídricos nas bacias hidrográficas; assim como campanhas educativas visando conscientizar a
sociedade para a utilização racional dos recursos hídricos do Estado (Campos, 2003).
Atualmente é meta prioritária da SRH-BA a elaboração do PERH-BA. Para isto a SRH-BA está
desenvolvendo trabalhos preliminares de revisão dos Planos Diretores, no total de 16 (Mapa 6) e a sua
síntese integrativa. Serão adotados horizontes de planejamento para os estudos de prospecção de
cenários e programação das ações, para curto, médio e longo prazo, em 04, 12 e 20 anos
respectivamente.

Mapa 6 - Bacias hidrográficas administrativas do estado da Bahia

No entanto, ainda que a participação das organizações locais na revisão dos Planos Diretores de
Recursos Hídricos esteja prevista no plano de revisão do PERH-BA, pouco ou nada foi feito nesse
sentido. Por exemplo: o Consórcio do Jiquiriçá, uma organização atuante na bacia administrativa do
recôncavo sul e reconhecida pelo Estado, em nenhuma hora foi convidado para contribuir com o

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diagnóstico da região ou para debater as propostas do plano. Há informações não oficiais de que o
PERH-BA já esteja pronto, numa versão datada de maio de 2003, no entanto, o documento não está
disponível ao público nem na internet, nem na biblioteca da SRH-BA.

Este modelo centralizador adotado pelo governo baiano é respaldado legalmente pela Lei
Estadual de Recursos Hídricos (Lei Estadual 6.855/95), que é anterior à política nacional (Lei Federal
9.433/97). A lei estadual baiana, entre outras coisas, atribui às organizações de bacia o caráter apenas
consultivo, e institui a Superintendência de Recursos Hídricos do estado – SRH-BA como órgão gestor
e figura central do Sistema Estadual de Recursos Hídricos10. Por um certo período, este governo
resistiu até mesmo à formação de organizações com título de “comitê” (ainda que o termo apareça uma
vez na lei estadual de recursos hídricos11), certamente por receio de ter que futuramente admitir a sua
função deliberativa conforme determina a Política Nacional.

Contra esta situação, o governo federal vem pressionando o Estado da Bahia a adequar-se à
legislação nacional, condicionando a liberação de recursos do setor a esta adequação. Os efeitos dessa
pressão ainda são pequenos, provavelmente devido à autonomia estadual em firmar parcerias
internacionais com instituições que estão mais preocupadas com a criação do mercado de águas do que
com qualquer outra coisa.

Um exemplo disso é o Projeto de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Estado da Bahia –


PGRH, implementado pelo governo do Estado da Bahia e financiado pelo o Banco Internacional de
Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD, por meio do qual estruturou-se o Consórcio Intermunicipal
de Usuários da Águas na Bacia do Rio Itapicurú, no lugar do que seria um comitê de bacia.

Esse consórcio se constituiu, em março de 2000, em uma forma de organização voluntária entre
entes públicos e privados, após um trabalho de dois anos de mobilização da SRH-BA e da
Universidade Estadual da Bahia - UNEB. Ainda assim, a pesquisa de campo realizada por Santos
(2003) revelou que esta participação foi inconsistente e que essas ações buscavam apenas legitimar um
política de manutenção de poder, voltada para o mercado e autoritária ao ponto de “passar por cima”
da determinação federal.

“(...) a forma de organização como o Consórcio (como modelo alternativo e não


complementar e associado ao comitê) ressalta sobretudo a dimensão “voluntária” da

10
“Artigo 5o - O órgão gestor dos recursos hídricos do Estado será a Superintendência de Recursos Hídricos, autarquia
integrante da administração indireta da Secretaria de Recursos Hídricos, Saneamento e Habitação.” (BAHIA, 1995).
11
“Artigo 6o - Ao órgão Gestor compete: (...) XVII - incentivar os usuários dos recursos hídricos a se organizarem sob a
forma de Comitês de bacias hidrográficas, destinados a discutir e propor ao órgão gestor sugestões de interesse das
respectivas bacias” (BAHIA, 1995).

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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

associação (apesar da ação indutiva da SRH) e isso em um contexto social e político


profundamente marcado por ações de cunho clientelista. Ademais essa estrutura não cria
nenhuma obrigatoriedade em relação ao governo do estado, que juntamente com os órgão
de financiamento bilaterais são os verdadeiros formuladores e implantadores da política
das águas. (...) A adoção desta forma de organização na Bahia parece-nos o resultado da
determinação em criar as condições necessárias à implantação de um mercado das águas
que conjugam de forma ímpar escassez de águas, pobreza, baixo nível de organização social
e relações políticas marcadamente autoritárias” (Santos, 2003: 59 a 61; grifos meus).

A importância econômica que se atribui aos recursos hídricos é tão explícita que, a exemplo do
que aconteceu no Ceará, existe nos termos do acordo firmado com o BIRD um compromisso com a
implantação da cobrança e instituição de um mercado de direitos de uso das águas. Alega-se que a
cobrança da água fará com que haja uma apropriação mais racional deste bem, uma defesa nobre e
pertinente à visão capitalista de organização e controle social, mas muitíssimo frágil diante da
realidade. A cobrança pode ser comparada a um novo imposto e a sua administração pode ser mais
uma ferramenta de manutenção ou formação de “prestígio” político, vulgo clientelismo.

Brannstrom (2003), denuncia o clientelismo do governo baiano em seus estudos sobre a bacia
do Rio Grande, oeste baiano:

“O Estado da Bahia é conhecido pela tradição do clientelismo político, por meio da


qual o poder se centraliza em torno de indivíduos fortes em troca de fidelidade e de cargos
políticos.(...) Pouco acontece em termos de políticas públicas sem a intervenção de políticos
aliados a ACM (Antonio Carlos Magalhães), o que indica que as mesmas são motivadas
primeiramente por questões políticas, e apenas secundariamente por questões técnicas. Na
área de Recursos Hídricos, a gestão é somente uma outra forma de criar e recriar o
sistema clientelista político existente.” (Brannstrom, 2003: 64; grifos meus)

Na análise feita na gestão de conflitos ocorridos na bacia do Rio Grande, a pesquisadora


reafirma a postura centralizadora da SRH-BA e o efeito negativo da indefinição legal decorrente das
diferenças entre a legislação baiana de recursos hídricos e a legislação federal:

“Primeiro a falta de definição institucional por parte do governo estadual em


matéria de recursos hídricos (...) a descentralização esperada em matéria de gestão de
recursos hídricos é interpretada pela SRH como não implicando a transferência de poderes,
nem a participação social nesse processo. O modelo preconizado pela legislação federal, de
comitês de bacia hidrográfica, é considerado inadequado para o contexto brasileiro”,

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permitindo “antever uma continuidade na natureza tecnocrática e centralizadora da SRH”


(Brannstrom, 2003: 66)

Até hoje nenhuma organização na Bahia foi reconhecida oficialmente como Comitê de Bacia
Hidrográfica.

Com o conhecimento desses estudos fica mais fácil entender porque uma organização como o
Consórcio do Jiquiriçá, fundada em 1993 e com representação popular local desde 2001, não recebe
apoio da SRH-BA. Em linhas gerais, o Consórcio prega e vem trabalhando na mobilização e
sensibilização consistentes da região, para então formar o comitê da bacia com poder real de gestão e
com integrantes que realmente representem a sociedade local (como é melhor detalhado no item 3.2),
enquanto, da parte do governo baiano, há uma evidente resistência à descentralização política em
instituições não partidárias e deliberativas.

2.2.3. PLANO DIRETOR MUNICIPAL, COM BASE NA LEI FEDERAL 10.257/01

Uma das primeiras leis que exerceram e ainda exercem interferência direta no planejamento
territorial é a Lei Federal 6766/79, que trata do parcelamento do solo para fins urbanos. Esta lei
delegou aos Estados, Distrito Federal e Municípios o estabelecimento de “normas complementares
relativas ao parcelamento do solo municipal para adequar o previsto nesta Lei às peculiaridades
regionais e locais” (BRASIL, 1979). Estabelece ainda que “somente será admitido o parcelamento do
solo para fins urbanos em zonas urbanas ou de expansão urbana, assim definidas por lei municipal”. O
que aconteceu na prática foi uma diminuição da ação pública sobre a cidade real, por exemplo,
inúmeros parcelamentos não se enquadravam na lei, o que fez crescer a irregularidade e
clandestinidade urbanos.

Esta lei, de caráter eminentemente urbano e normativo, é atualmente objeto de inúmeras


discussões, mesmo já tendo muitos de seus itens alterados pontualmente por decretos. Com a
aprovação do Estatuto da Cidade em 2001, faz-se necessário uma mudança substancial na LF 6766/79.
Basicamente seu caráter normativo deve dar lugar ao perfil indutivo da gestão urbana proposto no
estatuto, além de reconhecer e contribuir com a melhoria da cidade real, isto é, a cidade composta por
favelas, condomínios e limites que extrapolam o polígono urbano definido em papel.

O Projeto de Lei da Revisão da 6766/79 pode ser considerado o terceiro momento de conquista
do movimento pela reforma urbana (sendo o primeiro momento os capítulos 182 e 183 da Constituição
Federal de 1988 e o segundo a aprovação do Estatuto da Cidade em 2001, ambos discutidos com maior

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detalhe adiante). Este projeto de revisão está no presente momento tramitando na Câmara dos
Deputados e aberto À discussão com a sociedade. O Ministério das Cidades vem proporcionando um
importante espaço de debate na Câmara Técnica de Desenvolvimento Urbano do Conselho das
Cidades. Um dos pontos mais discutidos, e ainda em fase de aprofundamento, diz respeito à
necessidade da Lei 6766 abordar o território do município como um todo, e não apenas o espaço
urbano. Nesse sentido, a Lei de 1979 conhecida como “Lei de Parcelamento do Solo Urbano” já tem
um novo nome proposto: “Lei de Responsabilidade Territorial”. Nesse ponto de debate, as principais
questões de difícil equacionamento são: a regulação de atividades não primárias na área rural e a
introdução de mecanismos para captar mais valias decorrentes da transformação da terra rural em
urbana.

Em âmbito local, hoje, as propostas de diretrizes de planejamento urbano são relacionadas


diretamente às propostas contidas nos Planos Diretores Municipais, que após aprovados na Câmara,
ganham status de lei municipal e são ainda comumente completados por outras leis que os
regulamentam, como Lei de Uso e Ocupação do Solo – LOUS, Plano municipal de transportes, etc.,
apesar de já existir uma tendência a unificação dessas “etapas”.

Regulamentado juridicamente pela recém criada Lei Federal Nº 10.257/01 (que regulamenta os
Arts. 182 e 183 da Constituição Federal e conhecida como Estatuto da Cidade), o Plano Diretor passa a
assumir definitivamente o papel de instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão
urbana. Essa política urbana tem por objetivo garantir o uso da propriedade urbana em prol do bem
coletivo, isto é, garantir função social da propriedade, em prol da segurança e do bem-estar dos
cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. Para isso exige, entre outras coisas, que o plano diretor
englobe o território do município como um todo.

A inclusão dos artigos 182 e 183 (capítulo da Política Urbana), na Constituição Brasileira de
1988 por Emenda Popular, foi resultado da luta que, desde os anos 60, o Movimento pela Reforma
Urbana vinha travando, com o objetivo de construir um marco regulatório federal que garantisse o
direito à cidade e à moradia, a função social da propriedade e a democratização da gestão urbana.

Na Constituição, o plano diretor é definido como instrumento básico da política urbana,


obrigatório para municípios que tenham cidades com mais de 20 mil habitantes. Ao plano é vinculada
a aplicação de punições a proprietários de solos urbanos que não cumpram com sua função social.

“Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público


municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. §

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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

1.º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais
de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de
expansão urbana. (...) § 4.º É facultado ao poder público municipal, mediante lei específica
para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do
solo urbano não edificado, subtilizado ou não utilizado que promova seu adequado
aproveitamento, (...)”(BRASIL, 1988: 88; grifos meus)

Para que os princípios e instrumentos anunciados na Constituição pudessem ser


implementados, era necessária uma legislação complementar que regulamentasse os instrumentos e
instituísse prazos para o cumprimento da lei. A Lei Federal que veio regulamentar esses artigos foi o
Estatuto da Cidade (Lei Federal Nº 10.257), aprovado em 10 de julho de 2001, treze anos depois da
Constituição ter sido promulgada.

O Estatuto abarca um conjunto de princípios e uma série de instrumentos para atingir as


finalidades desejadas pela população municipal (CDUI et alii, 2002). Suas diretrizes trazem uma série
de novos conceitos na área do planejamento territorial, muitos deles já discutidos nos capítulos
anteriores. Pode-se destacar, entre as diretrizes que possuem um aspecto mais ambiental, as que tratam
de temas como: cidades sustentáveis; planejamento do desenvolvimento do município e de sua área de
influência, visando minimizar os efeitos negativos da expansão urbana e do uso do solo no meio
ambiente; integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais; produção e consumo
compatível com a sustentabilidade ambiental do município e território de influência; proteção,
preservação e recuperação do meio ambiente natural; alem de realização de audiências nos processos
de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio
ambiente natural.

Percebe-se, com base nas diretrizes do Estatuto, uma proposta de ampliação da abordagem
temática e territorial do planejamento urbano. O entendimento de que o planejamento é uma
ferramenta de promoção do desenvolvimento e sustentabilidade fica claro quando esta proposta não se
restringe aos limites urbanos, o que é mais comum, mas se amplia para o “Município e o território sob
sua área de influência”, terminologia que aparece nas Diretrizes Gerais do Estatuto da Cidade
inúmeras vezes.

Para fazer cumprir essas diretrizes no nível local, o Estatuto determina que o Plano Diretor é o
instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana. Executado segundo o Estatuto,
o plano deixa de lado seu caráter tradicionalmente normativo, passando a ser um plano indutor do
ordenamento e desenvolvimento urbano e municipal. Importantes instrumentos regulamentados pelo

38
Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

Estatuto têm essa função no município e dependem de um Plano Diretor aprovado na Câmara
Municipal para serem aplicados, como pode ser observado na redação do Artigo 39 do Estatuto:

“A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências


fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o
atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao
desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2o
desta Lei” (Brasil, 2001; grifos meus).

O parágrafo 2° do artigo 40 diz ainda que “o plano diretor deverá englobar o território do
Município como um todo”, o que segue a lógica colocada pelas diretrizes do Estatuto quando refere-se
ao Município e sua área de influência. Segundo a CDUI et alii (2002: 48), ainda que a competência
sobre a política agrícola e agrária seja da União12, “é necessário haver uma nítida integração entre a
questão urbana e a questão agrária”.

Nakano et alii (2004:64) vão mais além. Eles questionam a “responsabilidade exclusiva do
INCRA em instituir isoladamente sobre essa matéria”: a ordem rural. Para os autores o “município
deve tomar para si a responsabilidade de exercer essa regulação que, certamente, envolverá
negociações e articulações com o INCRA”.

No entanto, esta “missão” dos municípios em tratar do território rural através dos planos é,
infelizmente, pouco direcionada pelo Estatuto. Há nele alguns instrumentos que podem ser apontados
como avanços nessa direção, como a proposta de elaboração de planos nacionais regionais e estaduais
de ordenação do território, o zoneamento ambiental para planejamento municipal e os estudos prévios
de impacto ambiental (EIA). Mas o Estatuto, apesar de indicar como necessário, não dá diretrizes, nem
oferece instrumentos que permitam uma análise sobre o município como um todo, evidenciando uma
insuficiência legal que pode ser justificada pela insuficiência prática de Planos Diretores que
exemplifiquem como tratar de forma unificada área rural e território municipal.

O conteúdo mínimo dos Planos Diretores Municipais, segundo o artigo 42 do Estatuto é:

“I – a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento,


edificação ou utilização compulsórios, considerando a existência de infra-estrutura e de
demanda para utilização, na forma do art. 5o desta Lei; II – disposições requeridas pelos
arts. 25, 28, 29, 32 e 35 desta Lei; III – sistema de acompanhamento e controle” (Brasil,
2001).

12
Segundo o Artigo 22, Inciso I, da Constituição Federal é competência privativa da União legislar sobre direito agrário.

39
Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

Os artigos 25, 28, 29, 32 e 35 citados acima, são os que tratam do direito de preempção, da
outorga onerosa do direito de construir e da transferência do direito de construir13.

Por ser uma lei recente e cujo prazo mínimo para elaboração do plano para os municípios
obrigatórios ainda não vencem, ainda não é possível avaliar que efeito essa nova proposta de Plano
Diretor terá nos municípios. A princípio, as experiências em curso têm demonstrado uma menor
aplicabilidade do Estatuto nos municípios de pequeno e médio portes e também que a simples
existência e exigência do cumprimento da lei não garante planos diretores que atendam a princípios
básicos de redução das desigualdades urbanas (como é o caso do Plano Diretor Estratégico de São
Paulo), e que nem mesmo se configurem em um novo pacto social (como por exemplo o Plano Diretor
de Desenvolvimento Urbano de Salvador).

Na Bahia, a produção dos planos diretores municipais se deu essencialmente devido ao


condicionamento por parte das instituições financeiras à existência do plano para liberação de recursos.
Por isso, a grande maioria dos planos são reconhecidamente tecnocráticos e muitas vezes
desconhecidos pela população e mesmo pelos técnicos das prefeituras. São os chamados “planos de
gaveta”.

Segundo a pesquisa Perfil dos Municípios Brasileiros, realizada pelo IBGE em 1999,
complementadas pelas informações fornecidas pela CAR em 2004, na Bahia 54 municípios possuem
planos diretores aprovados entre 1994 e 2004 (legalmente em vigência), como demonstra o Mapa 7.
Observa-se que a grande maioria deles estão localizados no litoral. As áreas mais carentes, como a área
central da Bahia, não contam com este apoio institucional.

No entanto, segundo o Censo do IBGE de 2000, apenas 64 municípios ou 15% dos municípios
baianos são obrigados pelo Estatuto a terem Plano Diretor de acordo com o critério de população14. De
acordo com o Mapa 9, observa-se que 79% do território estadual é composto por municípios que não

13
Art. 25. O direito de preempção confere ao Poder Público municipal preferência para aquisição de imóvel urbano objeto
de alienação onerosa entre particulares. (...) Art. 28. O plano diretor poderá fixar áreas nas quais o direito de construir
poderá ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado, mediante contrapartida a ser prestada pelo
beneficiário. (...) Art. 29. O plano diretor poderá fixar áreas nas quais poderá ser permitida alteração de uso do solo,
mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário. Art. 32. Lei municipal específica, baseada no plano diretor, poderá
delimitar área para aplicação de operações consorciadas.(...) Art. 35. Lei municipal, baseada no plano diretor, poderá
autorizar o proprietário de imóvel urbano, privado ou público, a exercer em outro local, ou alienar, mediante escritura
pública, o direito de construir previsto no plano diretor ou em legislação urbanística dele decorrente, quando o referido
imóvel for considerado necessário para fins de: (...)” (Brasil, 2001: 8-11).
14
Segundo Estatuto da Cidade, o Plano Diretor é obrigatório para cidades: "I - com mais de 20mil habitantes; II -
integrantes de região metropolitanas e aglomerações urbanas; III - onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os
instrumentos previstos no Parágrafo 4º do artigo 182 da Constituição Federal; IV - integrantes de áreas de especial interesse
turístico; V - inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de
âmbito regional ou nacional." (Lei Federal 10.527/01)

40
Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

são obrigados segundo critério populacional15 a terem planos diretores. Provavelmente, estes
municípios também não se enquadram nos demais critérios de obrigatoriedade, pois sua localização é,
em sua maioria, marginal aos eixos de desenvolvimento econômico e turístico do estado.

Mapa 7 - Ano de aprovação de Planos Diretores dos municípios baianos

Mais recentemente 2 programas estaduais se destacam como promotores de Planos Diretores


Municipais: o PRODUR - Programa de Desenvolvimento Urbano e o Prodetur - Programa de
Desenvolvimento Turístico. Estes programas, melhor detalhados no item que segue, reforçam o
entendimento da política estadual de planejamento territorial praticada na Bahia, comum aos setores de
gestão dos recursos hídricos, já comentado, e de gestão do espaço urbano.

15
Considerando a população residente em área urbana, 79% do território baiano é composto por municípios com menos de
20 mil habitantes. Se considerada a população total do município, este percentual cai para 45%.

41
Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

2.2.4. PRODUÇÃO BAIANA DE PLANOS DIRETORES MUNICIPAIS

PRODETUR - PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO TURÍSTICO

O Prodetur é um programa de âmbito nacional que foi iniciado em 1995. Tem como principal
objetivo: “permitir a expansão da atividade turística de forma planejada e sistêmica, a partir da
definição de macro estratégias de atuação previamente definidas, com o claro sentido de integrar a
mão-de-obra local nesse processo de desenvolvimento”, através principalmente da criação e
fortalecimento dos empreendimentos de iniciativa privada (Bahiatursa, 2003).

A área de interesse do Prodetur está direcionada ao desenvolvimento do turismo na região da


SUDENE. Nesta área, o programa reúne cerca de 500 projetos, com recursos provenientes de contrato
firmado com o Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID - em 1994 e com validade até 2019.
Estes recursos estão direcionados a projetos de infra-estrutura em obras múltiplas, que compreendem:
saneamento, administração de resíduos sólidos, transportes em seus diversos módulos, reforma ou
construção de aeroportos, preservação e recuperação do patrimônio histórico e ambiental; além de
desenvolvimento institucional dos órgãos estaduais e municipais responsáveis localmente pela
execução do programa, o que inclui o financiamento de Planos Diretores (Bahiatursa, 2003).

Segundo a Bahiatursa (2003), é previsto na Bahia um investimento de 2,3 bilhões de dólares


entre 1991 e 2005, dos quais cerca de 85% estão destinados a obras de infraestrutura, estradas, energia,
aeroportos, etc., e apenas 15% para as demais ações sociais e de planejamento, por exemplo.

O projeto considerado pela empresa estatal de turismo, como o mais importante alavancado
para a Bahia, é o Complexo Turístico de Sauípe, que bem exemplifica a política de planejamento
parceira do empresariado do Estado na promoção do desenvolvimento territorial. Esse projeto consiste
em cinco hotéis, de categorias cinco e quatro estrelas, e seis pousadas e tem recebido fortes críticas
devido seu caráter elitista, sua arquitetura não regional, seu urbanismo anti-ecológico, sua
desarticulação com a dinâmica local, seu discurso oportunista de aproveitamento de mão de obra, etc.

O desenvolvimento do turismo na Bahia determinou o traçado de oito Roteiros Turísticos na


primeira etapa do Prodetur. Suas localizações geográficas podem ser observadas no Mapa 8. O mapa
chama a atenção para a concentração de investimentos no litoral e coincidentes com os eixos de
desenvolvimento econômico do estado. Os investimentos turísticos não são vistos dentro de um
conjunto de ações contextualizadas espacialmente e setorialmente. A lógica do planejamento
empresarial, descrito no item 1.4. como “planejamento estratégico”, é evidenciada no descompromisso
do programa com a inclusão social e redistribuição de renda, conforme alertou a organização do

42
Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

Seminário sobre o Programa de Desenvolvimento Turístico do Nordeste – Prodetur/NE: a “realidade


das comunidades e populações atingidas por programas de desenvolvimento turísticos na região
confronta grande parte das expectativas positivas: cresce o sexo-turismo; a degradação ambiental, a
homogeneização cultural e a renda se cresce, o que nem sempre acontece, mantém-se concentrada”
(Iniciativa, 2002)

Como se não bastasse, o Prodetur II aboliu a obrigatoriedade dos municípios terem plano
diretor para implementar as obras de infra-estrutura, porque a elaboração dos mesmos estava
atrapalhando e atrasando os investimentos prejudicando os empreendedores e empreiteiras.

Mapa 8 - Roteiros turísticos da Bahia

O Relatório de Avaliação dos Impactos Ambientais e Sociais do Prodetur/NE (BN, 2002)


constatou que, nas três áreas que serviram de amostra para a avaliação, muitos dos municípios
contemplados:

“(...) não dispõem de legislação e instrumentos adequados de gestão ou a


capacidade para planejar e implementar zoneamento do uso da terra; proteger e monitorar

43
Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

condições ambientais; manter a segurança pública; administrar o sistema de licenciamento


de atividades e edificações; fiscalizar o uso do solo e de construções; gerenciar a coleta de
resíduos sólidos e disposição apropriada; prestar serviços urbanos tais como manutenção
de ruas, sistema de drenagem, calçadas e iluminação pública; e promover capacitação da
população para o trabalho na indústria turística." (BN, 2002)

No intuito de compensar essa ausência de planejamento, o Governo da Bahia criou Áreas de


Proteção Ambiental – APA, para áreas naturais visitadas e elaborou Planos de Referência Urbanístico-
Ambiental – PRUA, para núcleos urbanos dos municípios que participavam do programa.

Os PRUAs, segundo a Bahiatursa, têm o objetivo de preencher a lacuna até a implantação dos
Planos Diretores Municipais, visando compensar a falta de parâmetros, evitar aberrações na expansão
física e funcional do núcleo urbano e direcionar o desenvolvimento dos núcleos urbanos e turísticos da
região; além de dar diretrizes de infraestrutura de apoio turístico aos atrativos.

Apesar das nobres intenções, os PRUAs são a prévia de um plano diretor municipal, que já
começa errado e em desacordo com o Estatuto da Cidade16, pois não consideram o município como um
todo, nem tampouco têm como princípio fundamental a função social da propriedade. Segundo o
Relatório (BN, 2002), o maior problema enfrentado no processo de implantação dos PRUAs e APAs
refere-se à falta de envolvimento dos municípios beneficiários para viabilizá-los, assim como uma
baixa sensibilização e falta de conhecimento de seus princípios e de como utilizá-los na gestão
municipal, por parte das comunidades e dos poderes públicos municipais.

A iniciativa governamental de aproveitar recursos destinados ao turismo em outras ações que


viabilizam sua implantação e crescimento é extremamente positiva, mas, apesar das boas iniciativas
contidas no programa, deve-se considerar ainda que sua realização focada prioritariamente no turismo
é uma "faca de dois gumes". Além dos problemas já citados, os PRUAs pouco exploram outras
vocações econômicas dos municípios e formas integradas de tratar suas fragilidades. Baseiam seus
cálculos de crescimento econômico em estatísticas de capacidade e atratividade hoteleira, visando
potencializar exclusivamente a vocação e os atrativos para trazer investimentos externos de capital,
para fins de acumulação de mais capital.

Um caso na chapada Diamantina é típico dessa distorção: chegou a ser proposto para o Morrão,
um dos atrativos locais situados no meio do Parque Nacional da Chapada Diamantina, um teleférico
que viabilizaria a visitação de idosos. Esta categoria de visitantes era considerada nos cálculos
16
Muitos dos PRUAS são anteriores à aprovação do Estatuto da Cidade, mas desde a criação do programa em 1995, o
projeto de lei já tramitava no legislativo e o movimento pela reforma urbana já tinha difundido largamente no país os
princípios sociais e democráticos contidos no Estatuto.

44
Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

importantes para a manutenção da carga mínima de hospedagem dos estabelecimentos turísticos


durante a baixa estação. Assim a descaracterização paisagística dá a esse planejamento territorial não
integrado e setorizado no turismo, um caráter autofágico, isto é, auto destrutivo.

PRODUR - PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO URBANO

O PRODUR é desenvolvido pelo Governo do Estado da Bahia e tem como agente financiador o
Banco Mundial. Segundo o site oficial do programa (CAR, 2004), o governo pretende minimizar
graves problemas urbanos como a migração, o crescimento desordenado e a carência de infra-
estrutura, com ações de fortalecimento e capacitação institucional e financeira dos municípios, de
financiamento a investimentos em infra-estrutura urbana e de saneamento básico nas áreas periféricas
das cidades. Isto é, quase qualquer coisa pode ser feita no âmbito desse programa.

Todos os subprogramas parecem bastante interessantes e abrangentes de uma forma geral. Seus
componentes vão desde projetos de informação de prefeituras, elaboração de base cartográfica, planos
diretores, capacitação, até financiamento de obras de infraestrutura básica, inclusive turística, e
geralmente o município é beneficiado simultaneamente por mais de um projeto. Por exemplo: foi
licitado para Maracás em 2002 um Plano Diretor Urbano - PDU, o Plano Diretor de Limpeza Urbana –
PDLU - e o Plano de Modernização Administrativa - PMA.

No subprograma denominado de Desenvolvimento Institucional podem participar


indistintamente todos os municípios do Estado da Bahia, o que dá uma abertura plena ao estado para
decidir que critérios serão usados para eleger as cidades que serão contempladas com Planos Diretores
Municipais.

Foram então financiados, através do PRODUR, planos diretores para os maiores municípios do
Estado e que ainda não tinham seus planos diretores elaborados. No ano de 2001, beneficiaram-se 30
municípios espalhados na Bahia, sem que houvesse qualquer critério de seleção regional, estratégico
ou de articulação com outras ações de outros órgãos. O único critério divulgado foi o populacional
(Mapa 10).

Os Planos do PRODUR são realizados por empresas privadas que passam por processo de
licitação e que seguem um Termo de Referência elaborado pela Companhia de Desenvolvimento e
Ação Regional da Bahia – CAR, com exigências mais claras do que as do passado quanto à
participação local e contextualização regional do Plano Diretor, além de seu enquadramento ao
Estatuto.

45
Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

Há diversas queixas à elaboração dos planos feitas pelas equipes contratadas, pelos técnicos das
prefeituras e pelos profissionais da área. Pode-se destacar: o escasso recurso financeiro destinado, a
falta de sincronia entre ações dos órgãos (vôo e restituição cartográfica concluída após a elaboração do
plano urbano), a sobreposição de ações (dois órgãos que compram a mesma imagem satélite por
desconhecimento das atividades do outro, ou por causa da burocracia que impede a troca no prazo
demandado) e a dificuldade de acesso às informações produzidas pelas instituições públicas (seja pelo
valor cobrado, seja pela falta de divulgação dos trabalhos realizados).

Segundo integrantes da equipe que elaborou os PDUs de Jaguaquara (BA) e Alagoinhas (BA),
“também em relação ao processo de escolha das equipes de trabalho, tema esse não abordado nos
Termos de Referência, alguns aspectos deveriam ser revistos, uma vez que a relação a priori (existente
ou não) desses profissionais com a cidade poderá influenciar diretamente a gestão e implementação do
PDU” (Negrelos et alii, 2000: 9). A situação mais comum é a vitória do processo licitatório de equipes
externas à cidade, que tendem a afastar a participação de técnicos locais do processo de formulação
dos planos. A equipe formuladora do Plano de Jaguaquara comprova essa afirmação, pois é toda ela
residente em São Paulo. Um artigo redigido por alguns de seus membros alerta para a importância de
se ponderar a metodologia proposta pelos concorrentes que se encontram nessa situação, pois há
sempre “dificuldades de comunicação e de mobilização da capacidade técnica e participativa em razão
da distância que as equipes técnicas mantém com a cidade” (idem, ibidem: 6)

A situação ainda se agrava quando constatada uma deficiência de capacitação ou


conhecimento dos instrumentos de regulação urbana pelos agentes locais, em especial os técnicos da
prefeitura, demandando recursos que não são previstos pelo Termo de Referência. O modelo de
participação proposto pelo Termo é basicamente consultivo e validatório, as “audiências públicas” não
contemplam a construção coletiva do plano, nem nos setores tradicionalmente excluídos.

Essa deficiência apontada pelos autores tem origem no modelo proposto pelo próprio
programa, que parte da “implementação de um processo de formulação de regulação municipal cuja
necessidade não tenha emanado da sociedade local” (idem, ibidem: 2).

Ainda que a disponibilização de recursos internacionais para elaboração de PDUs e o discurso


pela eqüidade social e participação popular, ressalvados pelos autores, tenham sofrido notáveis
avanços, não parece haver por parte do governo estadual a preocupação em provocar a atenção e
conhecimento da população para esses problemas e suas soluções legais e democráticas. Nem
tampouco a preocupação em reconhecer os casos onde essa necessidade por instrumentos urbanísticos
já tenha emanado da sociedade local, como aconteceu com os municípios da região do Jiquiriçá.

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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

As propostas levadas pelo Consócio do Jiquiriçá ao governo estadual (para elaboração de


Planos Diretores Urbanos conjuntos para os municípios da região) não foram incentivadas. Dos
municípios que integram o Consórcio do Jiquiriçá, apenas Jaguaquara e Valença tiveram seus planos
diretores promovidos pelo Governo, através da CAR. O município de Maracás está desde 2003
elaborando o seu Plano Diretor, mas aos outros municípios da bacia, esse beneficio é negado por eles
terem uma população inferior a 20 mil habitantes, critério de obrigatoriedade do Estatuto da Cidade.
No entanto, com recursos do mesmo programa, são elaborados PDUs em outros municípios do estado
que também não se enquadram nem nesse, nem em outros critérios do Estatuto (comparar Mapas 9 e
10).

Mapa 9 - Municípios baianos segundo população e eixos de


desenvolvimento do estado

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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

Mapa 10 - Municípios baianos segundo posição política dos prefeitos


eleitos em 2000 e financiamento de plano diretor através da CAR

Assim, pode-se supor que este programa é mais um instrumento de ação não sistematizada e
corporativista, pois vem sendo implementado de forma pontual e com critérios ambíguos. É mais um
instrumento de política usado pelo governo para garantir no poder a sua permanência e a de seus
aliados (classe empresarial e empreiteiras).

Diante dessa suposição, buscou-se desenhar um mapa político do Estado na última gestão
municipal, de 2000 a 2004, e compará-lo com os municípios que estão sendo beneficiados através da
CAR com os Planos Diretores. Observa-se que a proporção entre as prefeituras da oposição
(aproximadamente 20%) e da situação (80%) se mantém entre os municípios beneficiados pela CAR,
mesmo entre aqueles beneficiados que não fazem parte dos 30 maiores municípios do Estado (total de
25 municípios). Entre estes, no entanto, os partidos dos quatro municípios da oposição beneficiados -
município de Casa Nova (PSC), Santo Amaro (PMDB), Maragogipe (PMDB), Canasvieiras (PMDB) -
são todos de partidos que encontram uma oposição ao Carlismo (aliados a ACM) mais significativa
apenas em Salvador. Uma investigação mais detalhada seria necessária para identificar com precisão

48
Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

quais critérios, políticos ou não, foram usados para beneficiar os municípios com Planos Diretores, o
que fica claro no Mapa 11 é que este critério não é nem espacial nem por ordem de tamanho.

O Plano Diretor de Jaguaquara se insere no contexto, como pode ser visto no Mapa 10, e será
melhor detalhado no item 3.3, juntamente com uma breve caracterização da região e do município.

2.2.5. SITUAÇÃO ATUAL E DISPOSITIVOS LEGAIS DE INTEGRAÇÃO

Como foi visto neste capítulo inúmeros são os instrumentos legais que já regularam sobre o
planejamento territorial brasileiro. Ainda que os enfoques políticos tenham sido os mais variados, e
que os instrumentos mais recentes e em vigência no país apresentem lacunas, não se pode negar que
juridicamente o planejamento territorial brasileiro está bem amparado. O que realmente se evidencia
como elemento diferenciador da aplicabilidade dessas leis é algum fator que tem variações
semelhantes na localização espacial.

Distribuindo espacialmente os municípios que tem, tiveram ou terão17 Planos Diretores,


observa-se uma maior concentração nos Estados do Sul e Sudeste. A mesma lógica espacial se observa
em relação aos Comitês de Bacia implantados até 2003 (conforme Mapa 11), com destaque para os
Estados dos do Rio Grande do Sul e Santa Catarina e São Paulo.

Com base na informação declarada em 1999 para Pesquisa de Informações Municipais do


IBGE, no estado de Santa Catarina os municípios que já tiveram Planos Diretores cobriam mais de
50% do território estadual, enquanto na Bahia eles cobriam apenas 11%. No Brasil esse percentual é de
16%. Várias observações ainda devem ser feitas, pois antes do estatuto, o plano diretor era urbano, não
era obrigatório englobar o território como um todo, e tinha validade máxima de 10 anos (o que faria
esse percentual brasileiro cair para 8% da área coberta por municípios com planos diretores válidos).
Também há críticas comumente feitas à metodologia da pesquisa, que pode comprometer o dado bruto,
mas que não descredencia a informação comparativa apresentada.

Como a ANA não possui informações sobre a área das bacias que já possuem comitê ou uma
lista dos municípios que participam de cada um, não é possível comparar estatisticamente essa
informação com os planos diretores. Pode-se afirmar apenas que 30% das sedes de comitês não
possuem planos diretores em vigência, o que significa dizer que eles serão, como se espera, elaborados
em paralelo ou posteriormente ao plano de bacia. Este fato pode ter implicações muito positivas (no

17
Planos Diretores Financiados pela SNPU/MCidades em 2004

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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

que diz respeito à contextualização regional do plano, otimização de recursos municipais, etc.),
negativas (pois os representantes municipais terão poucos subsídios para defender seus interesses no
comitê), ou ainda, poderão elaborar seus planos de acordo com um plano de recursos hídricos que pode
ser, em outro extremo, setorial, tecnicista e mercantilista (nessa hipótese os mais prejudicados serão
certamente os moradores mais carentes e os municípios de menos porte). Estes pontos serão melhor
explicitados no Capítulo 5.

Comparando os Mapas 11 e 12, observa-se que o cenário baiano se alterou bastante em relação
aos planos diretores nos últimos 5 anos, principalmente devido à ação da CAR no estado. Porém, a
lógica dessa expansão é a mesma verificada nacionalmente: as áreas de maior desenvolvimento
econômico estão mais avançadas em relação à elaboração dos planos diretores. Naturalmente, pode-se
argumentar que ali está a maior demanda por crescimento urbano, e o palco deste processo precisa ser
preparado. No entanto, isto só seria “natural” se o espaço fosse considerado o simples cenário desse
processo, se a noção de território não contemplasse o próprio homem e se o planejamento não fosse
um dos instrumentos capazes de combater o aumento das desigualdades provocado pela ordem
“natural” do capitalismo: “quanto mais se tem, mais se pode ter”.

Na Bahia, certamente o planejamento não é visto com esse fim mitigador dos efeitos negativos
do processo capitalista. Também, como já foi visto nesse capítulo, acrescenta-se à lógica capitalista a
lógica clientelista do Estado. Como exercício, o Mapa 12 demonstra a relação nula existente entre os
planos diretores e as bacias hidrográficas administrativas. De uma forma geral, a maior parte de suas
nascentes pertence a municípios que não possuem planos diretores. As bacias administrativas do Rio
Corrente e do Rio Real e Vaza-Barris, podem ser consideradas as mais críticas, pois menos de 10% do
seu território pertence a municípios que possuem planos diretores em contraponto com a Bacia do Alto
do Rio Grande com cerca de 65% do território contemplado por planos.

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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

Mapa 11 - Situação dos municípios brasileiros em relação aos Planos


Diretores Municipais aprovados até 1999 e Comitês de Bacia instituídos
até 2003

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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

Mapa 12 - Situação das bacias hidrográficas da Bahia em relação aos


Planos Diretores Municipais

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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

Para que suas ações não dependam do apoio estadual, ou mesmo federal, alguns municípios
estão se articulando e descobrindo dispositivos legais que permitem a integração de suas ações tanto
no plano territorial como no plano setorial. O próprio histórico da municipalização brasileira, descrito
no item 1.2, vem demandando essa integração dos municípios, face ao aumento de suas
responsabilidades e a recorrente escassez de recursos.

Em todo o Brasil, como relata Farah (2003), a maior autonomia municipal e a ampliação da
responsabilidade dos governos municipais na gestão das políticas públicas locais e na provisão de
serviços públicos têm propiciado o desenvolvimento de processos colaborativos intermunicipais, com
reflexos importantes na articulação urbano-regional. Segundo a autora, as novas articulações
intermunicipais vêm provocando mudanças recentes na questão regional no Brasil, pois incentivam o
fortalecimento dos governos municipais e valorizam o papel destes na construção de um novo modelo
de governança, que se caracteriza pela mobilização de diversos atores para a provisão de serviços e
para a promoção do desenvolvimento local.

Em termos legais, somente em 1998 a articulação entre municípios foi institucionalizada em


legislação federal, através da Emenda Constitucional 109/98, que se refere à instituição de consórcios e
convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços
públicos18. A Constituição Federal de 1988 nada fala sobre articulações intermunicipais, mas confere
aos municípios competência para legislar sobre assuntos de interesse local, inciso I do artigo 30,
permitindo assim, a criação de consórcios intermunicipais que tenham objetivos ou interesses locais
em comum.

Atualmente encontra-se em discussão na sociedade civil e no legislativo federal, o Projeto de


Lei dos Consórcios, que institui normas gerais para as contratações de consórcios públicos, de
orçamentos e créditos adicionais de consórcios públicos e de programas de gestão associada de
serviços públicos. Se entrar em vigor, o consórcio entre municípios poderá ter a participação do Estado
e da União, poderá deixar de ser um “pacto” entre municípios e assumir personalidade jurídica. Com
personalidade jurídica, os consórcios poderão contratar funcionários próprios ou receber funcionários
cedidos pelas prefeituras ou pelos governos estaduais e/ou federal, poderão captar recursos financeiros
provenientes de cotas de participação de convênios, contratos e de doações de instituições nacionais e
internacionais, de contribuições e subvenções concedidas por entidades publicas ou particulares,

18
Emenda Constitucional nº 109 de 1998, - Artigo 241: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
disciplinarão por meio de leis os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a
gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens
essenciais à continuidade dos serviços transferidos”.

53
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operações de crédito, etc. A personalidade jurídica também habilita o consórcio a realizar a execução
conjunta de determinados serviços, a compra e venda de bens, serviços e equipamentos, ou qualquer
outra atividade que necessite emitir recibo ou nota fiscal. Atualmente os consórcios intermunicipais
que necessitam exercer essas atividades assumem a forma jurídica de associações civis sem fins
lucrativos, como é o caso do Consórcio do Jiquiriçá.

Nesse período, desde a promulgação da Constituição de 1988, a discussão dos problemas


comuns entre diversos municípios começou a tomar corpo. Segundo Cruz (2002), diversas formas de
“parcerias” foram se consolidando em novas formas de “cooperação intermunicipal”, com estruturas e
perfis variados, como pode ser observado no Quadro 1.

Na área de planejamento o consórcio intermunicipal é o arranjo institucional que vem


ganhando maior destaque. Segundo Farah (2003), a maior presença dessas instituições têm ocorrido
em municípios de médio e pequeno porte, e apresentam um caráter setorial da maior parte das
iniciativas, sobretudo nas áreas da saúde, meio ambiente (preservação de recursos hídricos,
recuperação de vegetação nativa e resíduos sólidos) e abastecimento de centros urbanos.

Com base na Pesquisa de Informações Básicas Municipais 2001 do IBGE, destacam-se os


consórcios intermunicipais da área de saúde. No Brasil 35% dos municípios declararam fazer parte de
algum consórcio na área de saúde, na Bahia esse número cai para 11% . O setor de aquisição e/ou uso
de máquinas e equipamentos aparece em segundo lugar. No mesmo ano no Brasil e na Bahia,
respectivamente 12% e 7% dos municípios participam de consórcios dessa categoria. Em 1999, a
mesma pesquisa revelou que 76 municípios baianos participam de algum tipo de consórcio. (Mapa 13).

No entanto, entre as categorias pesquisadas não existe nenhuma referente à gestão ambiental ou
de recursos hídricos. Limitam-se a consócios de serviços como educação, saúde, abastecimento de
água, coleta de lixo, entre outros. Isto reforça a hipótese de que a articulação dos municípios em
consórcios foi provocada por demandas de setores de serviços essenciais fragilizados pelo processo de
municipalização brasileiro, que se uniam a fim de solucionar problemas específicos. Outros tipos de
consórcio, como os de gestão de recursos hídricos, estudado por essa pesquisa, são arranjos que, apesar
de expressivos como relata Farah (2003), fazem parte de um movimento mais recente e ainda não
pesquisado pelo IBGE.

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Quadro 2 - Algumas formas de cooperação intermunicipal e seus perfis


Nomeclatura Persoa Integrantes Hierarquia Característica
Jurídica
Consórcio não municípios relação de igualdade, cada Pacto,“compromisso
Público Inte- município arca com de mútua
municipal responabilidades e despesas cooperação”, “união
(atualmente) assumidas em Acordo de esforços”
Consórcio sim pessoa jurídica de direito Respeita princípio da Funciona como
Público (PL público formada por dois ou territorialidade das agência pública
em mais entes federativos com competências19
tramitação) territórios contíguos ou
contidos uns nos outros
Consórcio sim poder público e entidades da relação de igualdade, cada São geralmente ONGs
Intermuni- sociedade civil município arca com sem fonte de recursos
cipal sem fins responabilidades e despesas fixos, entidades não
lucrativos assumidas são obrigadas a
contribuir
Câmara não poder público e entidades da relação de igualdade, não Funciona como um
Intermuni- sociedade civil hierárquica, preserva parlamento
cipal autonomia de cada
integrante
Rede não podem ser públicos e privados, relação de igualdade, não grande informalidade
entidades da sociedade civil e hierárquica, preserva
pessoas físicas autonomia dos integrantes
Agência sim poder publico e entidades da relação de igualdade, não integrantes têm
Intermuni- sociedade civil hierárquica, preserva obrigação legal de
cipal autonomia dos integrantes cumprir o acordado
Comitê de não representação dos poderes relação de igualdade, não “Conselho da bacia”
Bacia executivos da União, Estados, hierárquica, decisões com poder decisório
Distrito Federal e Municípios concensuadas são sobre aplicação de
(máx. de 50%) e entidades deliberadas à Agencia recursos da cobrança,
civis e usuários das águas e convênios e
representantes de Ministério financiamentos
das Relações Exteriores para celebrados por sua
bacias transfronteriças Agência
Agência de sim criação é autorizada pelo Subordinado às secretaria executiva
Bacia Conselho Nacional de deliberações do Comitê do(s) respectivo(s)
Recursos Hídricos ou pelos Comitês
Conselhos Estaduais de
Recursos Hídricos mediante
solicitação de um ou mais
Comitês de Bacia Hidrográfica

Fonte dados: Cruz (2002), Projeto de Lei dos Consórcios Públicos, LF 9433/9; Elaboração: PatriciaLustosa/ /
Programa de Mestrado em Geografia da Universidade de Brasília, Orientador Rafael S. A. dos Anjos, 2004.

19
Constituição Federal de 1988, Artigo 4º, Inciso VII, Parágrafo Primeiro “O princípio da territorialidade das competências
implica: I - a União poderá outorgar ao consórcio público todas as competências a que couber delegação; II - o Estado
somente poderá delegar competência para consórcios públicos que constituir seja com a União, seja com Municípios
contidos em seu território, seja com ambos; III - os Municípios não poderão delegar competências que exijam execução por
meios de direito público”.

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Mapa 13 - Municípios baianos que participavam em 1999 de algum tipo


de Consórcio Intermunicipal

Em geral, os consórcios intermunicipais, como afirma Daniel (1994), caracterizam-se por


serem estruturas horizontais, flexíveis e democráticas, uma vez que envolvem governos com diferentes
orientações e partidos, abrindo novas perspectivas para o desenvolvimento local e regional. Para Cruz
(2002), as experiências têm demonstrado que eles se constituem em um modelo gerencial que pode
viabilizar a gestão microrregional e a discussão de um planejamento regional, possibilitando a solução
de antigos problemas em nível regional, através da racionalização dos recursos locais e regionais, e de
ganhos de escala na implementação e gestão das políticas públicas.

Além de otimizar recursos, esses arranjos permitem ao gestor público uma nova inserção com
contexto político, exigindo e estimulando no mesmo, a compreensão regional da realidade de seu
município. Para o planejamento territorial isto representa um grande salto qualitativo, pois esta postura
amplia o foco dos gestores para além do local e do urbano, despertando-os para a gestão e ação no
território urbano-rural no contexto local e regional.

O estudo de caso realizado apresenta a realidade de uma região que vive, ou pretende viver, os
efeitos positivos dessa articulação, a caracterização de como isso vem se dando é apresentada no
capítulo que segue.

56
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CAPÍTULO III 

A BAHIA, A REGIÃO DO JIQUIRIÇÁ, O MUNICÍPIO DE 

JAGUAQUARA E O PLANEJAMENTO TERRITORIAL 

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3. Capítulo III – A BAHIA, A REGIÃO DO JIQUIRIÇÁ, O MUNICÍPIO DE JAGUAQUARA


E O PLANEJAMENTO TERRITORIAL

À luz da investigação teórica e institucional apresentada nos capítulos anteriores, será vista no
presente capítulo uma caracterização do estudo de caso eleito para confrontar a realidade vivida por
uma bacia hidrográfica e um de seus municípios, com os conceitos e legislações investigadas. O
objetivo deste capítulo é traçar o perfil da região da bacia do Jiquiriçá e do município de Jaguaquara
dentro do contexto da dinâmica territorial do estado da Bahia.

A abordagem é desenvolvida do contexto regional para o local, iniciando a caracterização da


área através de uma breve leitura do espaço baiano como um todo, seguida de uma analise mais
detalhada da realidade dos municípios da bacia (e de como vem sendo realizada sua organização
político institucional) e da realidade do município de Jaguaquara. Ao mesmo tempo, são apresentados
alguns pontos presentes no diagnóstico feito pelo governo do estado para a Bacia do Jiquiriçá e no
Plano Diretor de Jaguaquara.

Infelizmente, o Plano Estadual de Recursos Hídricos da Bahia atual não está disponível à
sociedade. Segundo o índice da versão 1.0, encontrada na internet em pagina não oficial20, o plano
traria no seu capítulo 3, uma análise dos resultados do balanço hídrico entre oferta e demanda, uma
avaliação da qualidade das águas por bacia hidrográfica administrativa e propostas de controle e
conservação dos recursos hídricos, o que permitiria uma análise mais aprofundada da política de
recursos hídricos da Bahia.

3.1. ASPECTOS SÓCIO ECONÔMICOS AMBIENTAIS DA REGIÃO DO JIQUIRIÇÁ NO


CONTEXTO BAIANO

Para melhor compreender o contexto estadual em que a bacia do Jiquiriçá e as propostas do


Plano Diretor de Recursos Hídricos se inserem, foram selecionados alguns indicadores que
exemplificam aspectos administrativos, ambientais, econômicos, sociais e infra-estruturais da dinâmica
territorial baiana. A apresentação dessas informações em mapas temáticos, acompanhados de um breve
texto, visa permitir uma leitura mais rápida e ao mesmo tempo mais crítica, usando o recurso de

20
Versão datada de abril de 2003, www.agg.ufba.br/rec_hidrico.htm

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imagem como ferramenta principal que permite aos leitores interpretações diferentes daquelas
apresentadas em texto, despertando-os para novos questionamentos.

O objetivo aqui não é esgotar as questões que dizem respeito à dinâmica territorial baiana mas
apenas de comentar brevemente alguns de seus aspectos para que as limitações e vantagens da
integração do planejamento municipal e de bacia hidrográfica fiquem mais claros neste estudo de caso.

Sob o aspecto institucional observa-se no Mapa 14 que há pouca relação entre as regiões
administrativas adotadas setorialmente pelo governo do estado da Bahia.

A bacia do Jiquiriçá encontra-se dentro da Região Administrativa da Bacia Hidrográfica do


Recôncavo Sul. Na prática, isto tem significado uma distribuição dos investimentos de projetos e de
monitoramento com as bacias do rio Jaguaripe, do rio da Dona e do rio Una. Por exemplo, são apenas
sete pontos de amostragem no total da bacia administrativa, do quais apenas três localizam-se na bacia
do Jiquiriçá. A generalização do diagnóstico dessas quatro áreas em apenas uma bacia administrativa,
também compromete a avaliação da situação vivida nos diversos trechos de cada bacia hidrográfica,
pois, como pode ser visto no Mapa 15, os aspectos ambientais variam bastante dentro da mesma bacia.
O Plano Diretor de Recursos Hídricos de 1994 (SRH, 2004) tinha como uma das principais propostas,
realizar o monitoramento da qualidade dos recursos hídricos superficiais, sendo que os instrumentos
dez anos depois continuam os mesmos.

Segundo uma outra divisão territorial apresentada no Mapa 16, a bacia do Jiquiriçá encontra-se
localizada na Micro-região de Jeguié. O Município de Jequié é a principal referência para várias das
regionalizações setoriais possíveis para a área, no entanto não é reconhecida pelos técnicos de
Jaguaquara, por exemplo, nenhuma política de planejamento territorial efetiva para esta área.

Em geral, as regionalizações administrativas do Estado da Bahia são realizadas setorialmente


em cada órgão. Em 2000, uma pesquisa encomendada pela Seplantec/SPE, detectou que metade dos
órgãos pesquisados possuíam diretorias ou escritórios regionais espalhados pelo estado, sendo que,
salvo raras exceções, mesmo aqueles localizados no mesmo município não compartilham instalações
físicas nem serviços, além da grande maioria não estar de acordo com a regionalização da Seplantec.
Segundo Souza (2002: 75) “criadas ao longo do tempo, e com os objetivos específicos de cada setorial,
as redes regionais são, de um modo geral, incompletas e sem nenhuma lógica de conjunto (...) cada
secretaria tem a sua própria estrutura de divisão regional do estado e de cidades-sedes”.

Em um estudo promovido pelo governo da Bahia, foram apresentados por Porto (2002) oito
eixos de desenvolvimento do estado, também representados no Mapa 14. O desenho é uma proposta de

59
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regionalização em macro zonas que representam uma realidade atual capaz de direcionar
espacialmente políticas de desenvolvimento a serem viabilizadas pelo Estado. Segundo o autor, essa
espacialização contempla as principais dinâmicas do estado:

“reflete os espaços de atividades competitivas e dinâmicas da economia baiana,


divididos entre as áreas do litoral e os extremos do território no oeste e no norte do estado,
e os espaços caracterizados por atividades de subsistência, de baixa densidade econômica,
localizados na área central da Bahia. Além disso, os eixos também foram desenhados para
expressar os caminhos mais importantes entre os fluxos do Sudeste e Nordeste do Brasil, que
passam pelos extremos do território baiano: o primeiro, através do sistema rodoviário,
utilizando o litoral, e o segundo, pelo futuro sistema hidroviário, através do rio São
Francisco” (Porto, 2002: 113)

Nesta regionalização, a bacia do Jiquiriçá encontra na interseção de três macro-eixos: o


Planalto, a Chapada e o Grande Recôncavo. O mesmo autor defende que devem se direcionar para os
eixo norte-sul (Planalto, Chapada e Nordeste) os investimentos sociais básicos mais significativos da
Bahia, além da atenção especial ao fortalecimento das suas cidades que compõem a rede de cidades do
Estado, Mapa 18c.

A rede urbana baiana apresenta uma conformação guiada pelos referidos eixos de
desenvolvimento. As cidades mais populosas, Mapa 17a, com exceção de Jequié e Vitória da
Conquista, localizam-se em torno dos pólos desses eixos. Também é interessante notar que a maior
parte dessas cidades destacadas localizam-se em importantes nós viários.

Observa-se no Mapa 15 que esses eixos norte-sul encontram-se em uma região de baixíssima
pluviosidade, com exceção de algumas áreas. Uma grande área da bacia do Jiquiriçá está sujeita a uma
variação pluviométrica entre 100 e 1000 mm por ano, abaixo do que se considera uma média
pluviométrica moderada. Na Bahia, 256 municípios fazem parte do polígono da seca determinado pela
Sudene (segundo a ocorrência periódica de secas), sendo que, entre os 25 municípios que contribuem
para a bacia, 19 pertencem ao polígono.

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Mapa 14 - Aspecto administrativo institucional da Bacia do Jiquiriçá no


contexto baiano

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Mapa 15 - Aspecto ambiental da Bacia do Jiquiriçá no contexto baiano

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Mapa 16 - Caracterização geral da Região da Bacia Hidrográfica do Rio


Jiquiriçá

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É possível observar no Mapa 15 a correlação direta existente entre a pluviometria e a cobertura


vegetal. A imagem de satélite revela as áreas mais verdes coincidindo com áreas mais úmidas. Outros
aspectos naturais não mapeados também têm uma interferência direta na hidrografia e cobertura
vegetal, como por exemplo as características do solo. O solo de formação cristalina, comum no semi-
árido e polígono das secas, não absorve a água fazendo as chuvas que aparecem escoarem
rapidamente. Por isso acompanha-se com freqüência o drama das famílias sofrendo com as secas ou
com as enchentes.

Como pode ser visto no Mapa 16, o Rio Jiquiriçá nasce no Município de Maracás, no Estado da
Bahia, e percorre quase 250 km até sua foz localizada entre os municípios de Valença e Jaguaripe,
sendo perene apenas no trecho conhecido como baixo Jiquiriçá, em uma extensão estimada de 100 km.

Em todo percurso o Rio Jiquiriçá recebe contribuição de uma área de aproximadamente 6.500
km², que representa a extensão da sua bacia hidrográfica. Entretanto, a área de atuação da ONG,
Consórcio Intermunicipal do Vale do Jiquiriçá, tem cerca de 10.250km², isto porque a instituição
considera toda a extensão territorial dos municípios que contribuem total ou parcialmente com a bacia
de drenagem. Esse segundo contorno é tratado aqui como região da bacia do Jiquiriçá e é um ponto
que gera bastante polêmica no meio acadêmico e político. Esta postura é adotada pela direção do
Consórcio, formada pelos prefeitos dos 25 municípios, porque segundo os prefeitos, não há
justificativa plausível para que os projetos conseguidos através do Consórcio sejam investidos em
apenas uma parte dos municípios, segundo um limite intra-municipal (limite entre bacias
hidrográficas) muitas vezes até desconhecido pela população. Como a prefeitura justificaria tal
“discriminação”? Por outro lado, outros dois fatores se somam aos argumentos dos prefeitos: entre os
25 municípios, os 2 maiores em população e receita, Valença e Iaçú, têm sede fora dos limites da bacia
do Jiquiriçá, mas suas forças políticas são muito importantes nas negociações com o governo do
Estado e o fato de não haver organização constituída nas bacias vizinhas, faz com que seja vantajoso
para essas prefeituras participarem com a integralidade de seus territórios.

A região do Jiquiriçá, que inclui a bacia do Jiquiriçá e seu entorno imediato, vem sofrendo
impactos ambientais causados por várias outras fontes, além das secas. Os principais problemas são
causados pela utilização de processos agropecuários inadequados e pela ocupação desordenada e sem
infra-estrutura dos assentamentos urbanos. Vários cursos d’água recebem os efluentes não tratados das
cidades que os atravessam e são também contaminados pelos resíduos sólidos das atividades urbanas e
rurais. No trecho mais a montante do Rio Jiquiriçá, além deste estar mais sujeito à escassez de água
causada pelas secas, registra-se o uso de fertilizantes e agrotóxicos em inúmeras áreas.

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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

Fígura 8 - Fotos indicativas da escassez de água do Rio Jiquiriçá acompanhada pela população
da região e o seu uso para o turismo

Rio Jiquiriçá no Município de Laje Cachoeira dos Prazeres, Minicípio de Jiquiriçá

Segundo o plano diretor de Recursos Hídricos da Bacia do Recôncavo Sul, elaborado em 1994,
os usos mais destacados dos principais mananciais, por ordem de importância, em função das
atividades verificadas na bacia são: abastecimento urbano e rural, irrigação e dessedentação de
animais, lazer e turismo na faixa litorânea, navegação na foz dos rios, geração hidrelétrica de pequeno
porte, abastecimento industrial, aqüicultura e a utilização de mananciais como corpos receptores.
Segundo o mesmo plano, as principais fontes de contaminação de mananciais na Bacia do Recôncavo
Sul incluem: atividades agropecuárias e extrativismo vegetal, desmatamento, utilização de agrotóxicos,
atividade urbana (lançamento de esgotos domésticos, disposição inadequada de resíduos sólidos,
desmatamento), atividade de mineração (degradação de áreas) e atividade industrial (lançamento de
efluentes líquidos), (SRH, 2004).

Os estudos realizados quase dez anos depois pelo Consorcio do Jiquiriçá relatam que essa
situação de degradação não melhorou:

"O nível de degradação dos recursos naturais desta região tem uma estreita relação
com a forma de apropriação destes recursos por sua população ao longo dos anos. O
modelo de desenvolvimento econômico adotado, ocupações urbanas desordenadas, a falta
de informação, entre outros, são fatores condicionantes dos impactos ambientais atualmente
observados e que caracterizam uma questão ambiental originada no modo pela qual a
sociedade se relaciona com o meio físico natural " (Consórcio, 2002: 6)

A organização político institucional dos Municípios integrantes da Bacia do Jiquiriçá


apresenta-se, de uma maneira geral, carente de serviços técnicos e administrativos e de ordenamento

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flexível e participativo, capazes de promover e sustentar o desenvolvimento da gestão coletiva


defendida pelo Consórcio.

Em relação aos aspectos econômicos, confirma-se no Mapa 18 que a bacia encontra-se


majoritariamente fora dos principais eixos de desenvolvimento do estado. Estes eixos estão
concentrados espacial e setorialmente em torno do pólo industrial na região Metropolitana de Salvador
– RMS – e dos novos vetores de expansão da atividade agropecuária, da produção de grãos do oeste,
polarizado em Barreiras, de laranja no litoral norte e de frutas e tomate em Juazeiro e ao longo do vale
do São Francisco (Santos, 2003).

Os mapas revelam com certa nitidez o destaque econômico que possui esses municípios-pólo e
a relação existente entre a rede de cidades apresentada por Porto (2002). Uma outra observação
interessante diz respeito à espacialização dos demais municípios de destaque econômico. É possível
observar que existe uma distribuição espacial com intervalos crescentes em relação a Salvador. Por
exemplo, em relação ao produto interno bruto - PIB, Mapa 18b, na faixa de aproximadamente 300 km
da costa estão distribuídos os municípios que possuem um PIB municipal superior à média do estado,
sedo que em torno de Salvador há uma densidade maior desses municípios. Nos demais indicadores
mapeados observa-se uma distribuição semelhante com a coincidência de alguns municípios.

Nessa conjuntura, os municípios da bacia encontram-se bastante influenciados pela dinâmica da


capital Salvador, mas com uma relação de proximidade direta com municípios intermediários como
Santo Antônio de Jesus, principalmente no quesito comércio, e Jequié, em uma série de quesitos, como
será mais detalhado no item 3.3.

Em termos sócio-econômicos, a região do Jiquiriçá possui cerca de 40% da população sem


renda fixa e aproximadamente 90% dos jovens são alfabetizados, uma taxa ainda um pouco inferior à
média da Bahia (92%) e do Brasil (95%). A área caracteriza-se por atividades predominantemente
agrícolas. Merecem destaque também as atividades de turismo costeiro, religioso e de eventos que, ao
mesmo tempo, movimentam em épocas distintas a economia da região e geram impacto negativo nas
reservas naturais, praias e tecido urbano devido à falta de planejamento.

A pobreza é tão grande que permite vivenciar cenas extremamente chocantes como a da Figura
9. Ao passar por algumas das principais rodovias que cortam a região, o motorista cruza com dezenas
de famílias, geralmente mulheres e crianças a beira da estrada, às vezes tapando buracos no asfalto
com areia, às vezes sentados no acostamento, pedindo dinheiro. Quando um carro ameaça parar, ou
quando o motorista solta moedas pela janela com o carro em movimento, todos correm em sua direção,

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uma situação extremamente triste e arriscada. São como mendigos e “flanelinhas” do interior, onde a
pobreza é generalizada e a riqueza passa apenas pela estrada, e bem rápido.

Fígura 9 - Foto flagrante da pobreza vivida nos Municípios da Bacia do Jiquiriçá

Os mapas temáticos de aspectos sociais e infra-estrutura, Mapa 19 e Mapa 17, reservam uma
relação bastante próxima com os mapas de aspectos econômicos, Mapa 18. Como já citado, o
diagnóstico de Porto (2002) para as áreas fora dos eixos econômicos é de grande carência. Aí se
encontram os municípios com os menores IDH do estado, as menores rendas familiares e os menores
índices de urbanização combinados com as mais altas e as mais baixas taxas de crescimento anual.

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Mapa 17 - Aspecto infra-estrutural da Bacia do Jiquiriçá no contexto


baiano

Mapa 17a - População urbana Mapa 17b - Saneamento

Mapa 17c - Défict habitacional Mapa 17d - Déficit habitacional


absoluto relativo

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Mapa 18 - Aspecto econômico da Bacia do Jiquiriçá no contexto baiano

Mapa 18a - Comercio e serviços Mapa 18b – Ranking do PIB

Mapa 18c - Rede urbana Mapa 18d - Empresas

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Mapa 19 - Aspecto social da Bacia do Jiquiriçá no contexto baiano

Mapa 19a - Índice de Desenvolvimento Mapa 19b - Renda


Humano

Mapa 19c - Crescimento Mapa 19d - Urbanização


populacional

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A maior concentração de municípios com maior percentual de moradores na zona urbana,


segundo Censo 2000 do IBGE, está em uma faixa de 100 quilômetros da costa, Mapa 19d. No entanto,
cerca de 93% da área territorial baiana pertence a municípios aquém da taxa de urbanização brasileira
de 82%. Além disso, 60% do território estadual pertence a municípios com taxas de urbanização
inferiores a 50%, isto é, municípios com dinâmicas sociais majoritariamente rurais. A taxa de
urbanização média dos municípios que compõem a bacia é de 51%, sendo 60% da área da bacia
pertencente a municípios com taxa de urbanização inferior a 50%.

Observa-se também que a maioria dos municípios com maior déficit habitacional21, Mapa 19c,
são municípios com taxa de urbanização também elevada. Sendo que, quando mapeado o déficit
relativo, observa-se que outros municípios, com população majoritariamente na zona rural, também se
destacam.

Entre as áreas mais debilitadas apontadas nos mapas de aspectos econômicos, as áreas Norte -
N - e Sudeste - SE indicadas no Mapa 19, parecem concentrar mais os municípios com esta debilidade.
É interessante notar que estas mesmas áreas apresentam também taxas de crescimento anual mais altas,
Mapa 19c, acima da média do Estado que é de 4% ao ano. Por outro lado, as áreas Noroeste - NO - e
Sudeste - SE - concentram o fenômeno oposto, municípios com taxas de crescimento inferiores à
média estadual, ocorrendo em alguns casos até taxas negativas. Na bacia, os municípios de Laje e
Ubaíra também apresentaram as maiores taxas de crescimento anual (12% e 9,3% respectivamente) na
última década, enquanto 14 municípios apresentaram taxas de crescimento anual superiores à média
estadual. Os déficits habitacionais relativos dos municípios da bacia variam entre 6% a 13 %, estando
nove municípios acima do déficit médio no estado (10%).

As altas taxas de urbanização agravam os problemas relativos à contaminação dos mananciais


hídricos, principalmente quando não há nas cidades solução adequada para o esgotamento sanitário. Se
forem contabilizados os domicílios que não possuem nem ligação com rede de esgoto nem fossa
séptica, em relação ao total de domicílios no municípios, apenas o sul da Bahia e a região
metropolitana de Salvador apresentam uma situação de menor precariedade relativa, conforme Mapa
17b. Na região da bacia e entorno, destacam-se os municípios de Jaguaquara, Itiruçú e Jequié por
possuírem sistema de tratamento de esgotos e rede recém implantados.

21
Segundo metodologia do IPPUR, com base nos microdados do Censo 2000 do IBGE, o déficit habitacional é calculado
somando domicílios improvisados, cômodos cedidos ou alugados e famílias conviventes, isto é, chefes de família que não
são chefes de domicílio.

71
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O Plano Diretor da Bacia Hidrográfica Administrativa do Recôncavo Sul de 1994, cita que os
principais conflitos na bacia administrativa “se restringiam principalmente à poluição do rio Jiquiriçá e
à pequena irrigação e abastecimento urbano, como em Maracás e, mais acentuadamente, em
Jaguaquara” (SRH, 2004). Por isso, o plano tinha entre as principais ações propostas a ampliação dos
sistemas de abastecimento de água em dez localidades com déficit de oferta, implantação dos sistemas
de coleta e tratamento dos esgotos urbanos em seis localidades, elaboração dos planos diretores de
resíduos sólidos para onze sedes municipais.

Mesmo assim, em 2001, a avaliação da qualidade das águas realizada na Bacia Hidrográfica
Administrativa do Recôncavo Sul, apontou o lançamento de despejo de dejetos orgânicos (esgotos
domésticos) como a principal fonte de comprometimento dos mananciais. Segundo o relatório “os
dados obtidos revelaram a presença de coliformes fecais, acima dos índices estabelecidos na maioria
dos pontos monitorados, assim como concentrações de fosfato total acima do limite máximo
estabelecido pelo CONAMA Res. 20/86 nos sete pontos monitorados. Contudo, todos os pontos de
amostragem avaliados apresentaram uma qualidade das águas considerada ‘boa’” (CRA, 2004).

A qualidade das águas só é avaliada como ‘boa’ porque dois sistemas de esgotamento sanitário
foram implantados nesse intervalo de tempo e porque a densidade populacional na região não é alta.
Com base nos dados do Censo de 2000 do IBGE, a população total dos 25 municípios que contribuem
com a bacia do rio Jiquiriçá, com seus 440 mil habitantes, representa 3,4% da população baiana. Se
somadas apenas a população das áreas urbanas que se encontram dentro da bacia com a população
rural proporcional a área do município pertencente à bacia, o total será de aproximadamente 250 mil
habitantes, sendo 150 mil moradores da zona urbana e cerca de 100 mil da zona rural, uma taxa de
urbanização real de aproximadamente 60%, uma densidade total de 40 hab/km² e densidade rural de 15
hab/km².

A taxa de urbanização média dos municípios que compõem a bacia cresceu bastante nos
últimos 30 anos, segundo os Censos do IBGE (Gráfico 3), mas ainda é vista como muito baixa (58%
no ano de 2000) em relação à média nacional. As taxas mais altas, como demonstra o Mapa 21,
encontram-se em dois de seus municípios maiores, Valença e Jaguaquara, que apresentam taxas de
urbanização de 72% e 75% respectivamente, além da elevadíssima taxa de urbanização do município
de Santa Inês (94%). Estes incrementos são causados fundamentalmente pelo turismo, comércio e
economia cafeeira respectivamente.

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Gráfico 2 - Situação da população no Jiquiriçá


Municípios que compõem a bacia do Rio Jiquiriçá, 1970 - 2000

Fonte: IBGE, Censos 1970, 980, 1991 e 2000.

O município de Santa Inês destaca-se com seu alto grau de urbanização, sendo um caso
bastante interessante de ser avaliado. O fenômeno de excessiva concentração populacional da área
urbana (92%) de um município pequeno, cuja população total é apenas 11.027 habitantes (IBGE,
2000), e de base econômica agrícola, deve-se às grandes fazendas de café, para onde trabalhadores
diaristas se deslocam diariamente de suas casas na zona urbana para a zona rural, um movimento típico
em municípios de base econômica rural e sazonal. Assim exposto, o município que apresenta a maior
taxa de urbanização da região não apresenta o modo de vida considerado urbano, pois vive de uma
economia basicamente rural.

Acredita-se que o incremento na taxa de urbanização nesses municípios pequenos deve-se


também a uma melhoria nos serviços de transporte intramunicipal, permitindo o deslocamento diário e
a permanência da família em local onde os serviços de assistência à saúde e o acesso à educação são
melhores do que na zona rural. Um outro fator é o desmembramento municipal fazendo surgir novas
sedes distritais de população muito pequena que são chamadas de área urbana, o que justifica o alto
incremento da taxa de urbanização de Lagedo Tabocal e Itatim observado no Mapa 20. Esta prática de
se considerar como áreas urbanas toda e qualquer sede municipal e distrital é bastante criticada por
Veiga (2001, 2002) por conduzir a uma falsa interpretação da dinâmica municipal, segundo sua ótica.

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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

Mapa 20 - Urbanização dos Municípios que compõem a Bacia do Rio


Jiquiriçá

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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

Com vista a esclarecer o questionamento levantado, alguns dados caracterização urbana e rural
gerados a partir da metodologia defendida por Veiga (2001) são interessantes de serem observados
como contraponto à classificação do IBGE. Se cada município da bacia do Jiquiriçá for classificado
segundo critério proposto no projeto de lei para o desenvolvimento rural (Veiga, 2001), teremos um
cenário onde quase todos os municípios são considerados rurais, como apresenta o Quadro 3. Apesar
da crescente taxa de urbanização nos últimos anos, houve ao mesmo tempo um pequeno aumento de
densidade municipal fazendo com que, segundo a metodologia do projeto de lei citado, todos os
municípios, com exceção de Valença, continuassem sendo considerados de pequeno porte ou rurais.

Quadro 3 - Classificação de municípios segundo o porte e


Caracterização
Municípios que compõemsegundo porte
a bacia do Rio Jiquiriçá, 2000
peq porte médio porte
Discriminação total área densidade densi < 80 densi > 80 densi > 80
km² hab/km² pop < 50 pop 50 a 100mil pop < 100
Brasil 169.799.170
Nordeste 47.741.711
Bahia 13.070.250
Bacia do Jiquirçá 440.420 16.276,6 27,1% 24 munic. 1 munic. Zero munic.

Amargosa 31.108 435,9 71,4% x


Brejões 15.344 481,3 31,9% x
Cravolândia 5.001 159,6 31,3% x
Elísio Medrado 7.860 199,5 39,4% x
Iaçu 28.501 2.442,8 11,7% x
Irajuba 6.362 383,4 16,6% x
Itaquara 7.861 296,9 26,5% x
Itatim 12.700 574,2 22,1% x
Itiruçu 13.585 303,0 44,8% x
Jaguaquara 46.621 960,4 48,5% x
Jaguaripe 13.422 891,4 15,1% x
Jiquiriçá 13.638 236,3 57,7% x
Lafaiete Coutinho 4.102 352,6 11,6% x
Laje 19.601 497,5 39,4% x
Lajedo do Tabocal 8.100 423,7 19,1% x
Maracás 31.683 2.435,2 13,0% x
Milagres 12.067 307,8 39,2% x
Mutuípe 20.462 273,3 74,9% x
Nova Itarana 6.592 456,2 14,4% x
Planaltino 7.963 938,2 8,5% x
Santa Inês 11.027 356,2 31,0% x
Santa Teresinha 8.696 710,4 12,2% x
São Miguel das Mata 10.020 207,3 48,3% x
Ubaíra 20.595 762,4 27,0% x
Valença 77.509 1.191,1 65,1% x

Fonte: fonte
Dados de população Dados de População
IBGE, – IBGE, Censo 2000; Classificação de porte municipal – Veiga (2001).
Censo 2000.
Classificação de porte municipal : VEIGA, 2001.de Mestrado em Geografia da Universidade de Brasília, Orientador
Elaboração: Patrícia Lustosa/ Programa
Rafael S. A. dos Anjos, 2004.
Esta avaliação pode ser considerada extremista, pois, como todos municípios são considerados
rurais, sua relevância como aglomerado humano pode ser menosprezada, mas a mesma avaliação

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também pode dar-lhes uma caracterização melhor com vistas ao direcionamento de políticas públicas
mais adequadas.

Há uma acirrada discussão acadêmica em torno dessa polêmica. O único consenso é o de que
há uma indefinição dos conceitos de urbano e rural, o que, como defende Fernandes (2003), enfatiza
ainda mais a necessidade de uma postura política que enfoque o território como um todo, como o real
objeto de planejamento, independente de suas rotulações subjetivas ou matemáticas, superficiais ou
antiquadas.

Com base nessas informações, é possível validar a preocupação de Porto (2002) com as regiões
do estado que estão fora dos eixos de desenvolvimento. A concentração da carência nessas áreas só
tende a aumentar se políticas setoriais e polarizadas continuarem sem considerar as desigualdades
territoriais instaladas, como por exemplo, as políticas de planejamento territorial estudadas no Capítulo
anterior, aumentando as desigualdades e o estado de carência generalizada dessa população.

Em suma, o que se pode observar é um tradicional processo de crescimento desorganizado e


pouco planejado, que atinge também a região da bacia do Jiquiriçá. Os municípios e sua população
vem sofrendo sócio e economicamente as conseqüências do desgaste crescente dos recursos naturais,
principalmente aqueles relacionados aos recursos hídricos, ocasionando impactos ambientais
significativos e provocando problemas de diversas espécies. A solução destes problemas está em exigir
providências a curto, médio e longo prazos, que garantam uma ação efetiva e duradoura de
recuperação ambiental ou de minimização da degradação ambiental e social.

A ação governamental tem sido muito incipiente nessa área. Caracteriza-se principalmente pela
articulação dos deputados eleitos pelos municípios na obtenção de verbas federais ou estaduais a fundo
perdido (emendas parlamentares), o que configura a prática do clientelismo político, bastante difundida
na Bahia como já foi visto na capítulo anterior. Além disso, as prefeituras são, em sua maioria,
extremamente debilitadas financeiramente e não têm condições de recorrer a quase nenhum tipo de
financiamento que exija uma contra-partida do município.

Nesse cenário, os municípios da bacia buscam outras saídas para solução desses problemas
articulando-se em um Consórcio intermunicipal, como descreve o item que segue.

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3.2. ORGANIZAÇÃO POLÍTICA E INSTITUCIONAL DA REGIÃO DO JIQUIRIÇÁ

Para fazer frente a essa situação de precariedade e de desarticulação, foi organizado o


Consórcio Intermunicipal do Vale do Jiquiriçá. Fundado em 1993, o Consórcio é uma organização
suprapartidária, sem fins lucrativos, cujo modelo gerencial visa uma ação coordenada, facilitadora da
participação e da comunicação entre prefeituras, instituições e população. Seu o objetivo inicial foi
estabelecer ou revisar as estratégias para o desenvolvimento da região. Os estudos realizados e a
percepção dos prefeitos e técnicos envolvidos em sua criação levaram à constatação de que o
desenvolvimento regional e a conseqüente melhoria da qualidade de vida da população estavam
intimamente ligados ao Rio Jiquiriçá e seus afluentes, assim como às nascentes e ao uso que é feito das
águas que circulam nesse espaço geográfico e político. A partir de então, tomou-se como unidade de
planejamento a Bacia Hidrográfica do Rio Jiquiriçá.

O estabelecimento de um planejamento estratégico para sua proposta tem como fundamento a


participação, a descentralização e a integração das ações, constituindo-se num mecanismo de regulação
social dos recursos naturais frente à dinâmica da economia da região. Isto significa a adoção de um
modelo baseado numa visão multidimensional do planejamento, com ênfase na sustentabilidade
econômica, social, política-institucional e ambiental.

A região da Bacia do Rio Jiquiriçá encontra-se agora no início de um intenso processo de


mobilização social. O Consórcio, com a parceria do SEBRAE, instalou, no ano de 2001 e início de
2002, vinte e cinco Fóruns do Usuário da Água e do Desenvolvimento na sede de cada município,
integrando representantes de diferentes segmentos da sociedade e das prefeituras.

Fígura 10 - Fotos dos “Fóruns do Usuário da Água e do Desenvolvimento”

Implantação do Fórum de Nova Itarana Sede do Fórum de Irajuba

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A instalação dos fóruns é o primeiro grande avanço do Consócio e é a mola propulsora de todas
as demais vitórias. Além de ser constatado um aumento na sensibilização para as questões ambientais,
os membros dos fóruns estão espontaneamente politizando-se e sensibilizando a população do
município, através de pequenas ações desenvolvidas por eles mesmos.

Diante de tal mobilização popular e das articulações institucionais promovidas pela equipe
técnica, percebe-se já uma crescente participação dos prefeitos no processo de desenvolvimento dos
projetos e decisões do Consórcio, o que também já gerou alguns frutos vindos da somatória de suas
forças, tais como a solicitação coletiva da intervenção do Estado na mudança de procedimentos para
viabilização da participação dos municípios no Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social
promovido pelo Governo Federal.

No entanto ainda há muito a ser feito. É sabido que um processo de mobilização social é
bastante instável e desigual, levando um tempo maior que um ou dois anos para se estabelecer “por
suas próprias pernas”.

Uma das lutas do Consórcio para estabelecer essa participação em um instrumento legal é a
busca pela elaboração dos Planos Diretores de todos os seus municípios de forma integrada e dentro de
um contexto regional. Uma vez que a mobilização já está feita e que os recursos necessários para
levantamentos são muito inferiores quando aplicados de forma regionalizada, trata-se de uma proposta
bastante vantajosa em termos financeiros e efetivos. Mesmo assim, o Consórcio não tem encontrado
nenhum apoio de instituições do governo que em seus discursos se dizem interessadas em ações dessa
ordem.

Dos municípios que integram o Consórcio do Jiquiriçá, apenas Jaguaquara e Valença tiveram
seus planos diretores promovidos pelo governo, através da PRODUR/CAR, programa detalhado no
item 2.2.3. O município de Maracás está neste momento elaborando o seu Plano Diretor, no entanto
não se sabe bem ao certo em que termos, pois a equipe vencedora da licitação ainda não entrou em
contato com o Consórcio, mesmo o Consórcio já tendo se manifestado como colaborador, nem ao
menos para aproveitar o espaço de discussão dos fóruns para realizar a participação da sociedade na
elaboração do plano.

Mesmo que nesses termos, as perspectivas de que outros municípios sejam contemplados são
mínimas, uma vez que a CAR alega que nenhum dos demais municípios têm a obrigatoriedade de
elaborar planos diretores exigida pelo Estatuto da Cidade (de acordo com o critério de população). No
entanto, na pesquisa realizada, observamos no capitulo 3, Mapa 12, que dois municípios com menos de
20 mil habitantes (e sete com menos de 20 mil habitantes na zona urbana) já foram beneficiados com a

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elaboração de plano diretor através da CAR e 16 municípios ainda serão22 (ou 35 se considerarmos os
20 mil habitantes da zona urbana). Mesmo o município de Maracás não teria essa obrigatoriedade
considerando que sua população urbana que é de apenas 18.459 habitantes (conforme Quadro 4).

Neste ponto há ainda uma indefinição jurídica que dá margem a três diferentes aplicações da
lei. Como o Estatuto diz que o plano será obrigatório para cidades com mais de 20 mil habitantes e ao
mesmo tempo afirma que o plano deverá ter abrangência municipal, a obrigatoriedade pode ser exigida
para municípios que possuam: 1) algum núcleo urbano (cidade) com mais de 20 mil habitantes, 2) O
somatório da população urbana superior a 20 mil habitantes ou 3) População total (urbana e rural)
superior a esse valor.

Essa interpretação divergente promete grande polêmica a medida que se aproxima o prazo
máximo para cumprimento da lei (prazo que vence no ano de 2006). Imagina-se que Estados e
municípios defenderão da obrigatoriedade segundo a população urbana, alegando falta de condições
financeiras para apoiar elaborações de tantos planos e a injusta condenação de muitos de seus prefeitos
à improbidade administrativa. Por outro lado, o Governo Federal (Ministério das Cidades), vem
adotando o critério de população municipal, que garante a um maior número de municípios o acesso a
recursos federais.

Se interpretado da primeira forma (considerando apenas o núcleo urbano), apenas 64


municípios baianos seriam obrigados a ter planos, isto é, 15% dos municípios do estado, como foi
mostrado no Mapa 12 do Item 2.2.5. No Quadro 4 observa-se a diferença que faz a adoção de uma
outra interpretação da lei no caso dos municípios da bacia do Jiquiriçá, segundo o critério mais restrito
apenas dois municípios seriam obrigados, enquanto pelo critério mais abrangente seriam sete
municípios, restando, nesse caso, 18 municípios na região que podem ou ser contemplados por outro
critério do Estatuto ou esperar sua população crescer, junto com seus problemas, para daí então serem
beneficiados com um Plano Diretor, já que a grande maioria desses municípios não tem recursos nem
técnicos, nem financeiros para elaborar por si só o plano.

22
Municípios que ainda não concluíram a elaboração do Plano Diretor financiado pela CAR. Dados fornecidos pela CAR
em junho de 2004

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Quadro 4 - Situação da população e enquadramento no Estatuto das Cidades


dos Municípios da Bacia do Jiquiriçá, 2000
Obrigado a ter Plano Diretor
Municípios População População População
total urbana total da sede
Amargosa 30 748 x 20 827 x 19 928
Brejões 15 324 4 576 4 576
Cravolândia 4 984 3 000 3 000
Elísio Medrado 7 849 2 517 2 308
Iaçu 28 440 x 21 536 x 15 979
Irajuba 6 362 2 717 2 717
Itaquara 7 854 4 159 4 159
Itatim 12 685 8 693 8 693
Itiruçu 13 595 9 876 9 876
Jaguaquara 46 590 x 35 067 x 24 539 x
Jaguaripe 13 412 4 629 1 580
Jiquiriçá 13 614 4 587 4 587
Lafaiete Coutinho 4 103 1 922 1 922
Laje 19 583 5 135 3 980
Lajedo do Tabocal 8 092 4 603 4 603
Maracás 31 612 x 18 459 18 459
Milagres 12 103 9 385 8 495
Mutuípe 20 462 x 8 985 8 985
Nova Itarana 6 677 2 495 2 495
Planaltino 7 960 2 988 2 366
Santa Inês 11 020 10 368 10 368
Santa Teresinha 8 689 1 859 1 859
São Miguel das Matas 10 001 2 771 2 771
Ubaíra 20 577 x 7 998 7 434
Valença 77 453 x 55 840 x 51 772 x
TOTAL 439 789 7 254 992 4 227 451 2
Fonte: Ibge, Censo 2000. Elaboração: Patrícia Lustosa/ Programa de
Mestrado em Geografia da Universidade de Brasília, Orientador Rafael S. A. dos
Anjos, 2004.

Independentemente da interpretação adotada pelo governo do estado, há planos diretores sendo


elaborados em municípios que não se enquadram em nenhuma dessas interpretações ou critérios do
Estatuto. Ora, se o esforço de uma ONG em mobilizar e sensibilizar a população para a necessidade do
Plano Diretor não pode ser considerado como critério para recebimento do benefício, sob a
justificativa de um outro critério que não é seguido na prática, só se pode concluir que esse importante
instrumento deve estar sendo utilizado pelo Governo, segundo a sua própria lógica política clientelista,
e não visando o maior aproveitamento do benefício pelos municípios e por sua população.

A falta de iniciativa da população na elaboração de um plano diretor pode comprometer em


muito a sua qualidade, como já foi visto no item 2.2.2, com o depoimento da equipe elaboradora do
Plano Diretor de Jaguaquara. O plano que foi entregue ao município recentemente, no ano de 2001, é
conhecido por uma parcela pequena da população e já está defasado, pois sua revisão com vistas à

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adequação ao Estatuto da Cidade ainda não foi promovida. No item que segue será feita uma
caracterização mais detalhada do município de Jaguaquara, com o objetivo de entender melhor o
contexto em que foi elaborado esse seu Plano Diretor e feitas suas propostas.

3.3. O MUNICÍPIO DE JAGUAQUARA E O (NÃO) PLANEJAMENTO TERRITORIAL

O município de Jaguaquara tem uma área total do de 964,0 km2 e dista 328km de Salvador.
Sua sede está localizada às margens do Rio Casca, afluente do rio Jiquiriçá, sendo que apenas uma
parte de seu território contribui para a bacia do Jiquiriçá, enquanto 54% de sua área contribui para a
Bacia do Rio Una (Mapas 21 e 22).

O município nasceu na Fazenda Cova da Onça, propriedade de Manoel Coelho Lima,


desbravador da região. O povoado que ali se formou, antes chamado de Jaguaquara, recebeu o nome
de Casca, perdendo sua antiga denominação. Durante alguns anos, o território foi distrito de Santa Inês
e Pé de Serra, (que posteriormente passou a pertencer a Jaguaquara). Em 1921, Casca foi elevado a
município de Jaguaquara, recebendo de volta seu nome de origem, traduzido ao Tupi-Guarani: jagua,
onça e quara, cova (CIVJ, 2004).

A principal atividade econômica de Jaguaquara é a produção agrícola, sendo os produtos


hortifrutigrangeiros os principais e mais tradicionais do município (tomate, pimentão, chuchu, repolho,
pepino, beterraba, jiló, vagem, couve-flor, abóbora, cenoura, abobrinha, maracujá, banana). Além
dessas, estão presentes as culturas do café, do cacau e da cana-de-açúcar, e as culturas de subsistência
(feijão, milho e mandioca). Na pecuária, destaca-se a criação de bovinos (70% corte e 30% leite).
Outros setores produtivos estão relacionados à produção industrial, caracterizada pela transformação
leve (alimentos, torrefação, confecções, movelaria - serraria, calçados); pequenos negócios; comércio
atacadista de hortifrutigranjeiros; prestação de serviços (especial destaque ao setor hoteleiro); extração
mineral incipiente e artesanato (Sebrae, 1999).

A atividade hortifrutigranjeira é realizada em propriedades de diferentes tamanhos e


comercializada na sede municipal, principalmente através do Central de Abastecimento de Jaguaquara
– CEAJA. Esta atividade exerce importante influência no que se refere à exportação dos produtos
dessa espécie para outras localidades da Bahia e de outros Estados, tais como: Feira de Santana,
Itabuna, Jequié, Camaçari, Santo Antonio de Jesus, Itapetinga, Vitória da Conquista, Amargosa,
Valença, Cruz das Almas, Itaberaba, Salvador; Estados de Alagoas, Pernambuco, Sergipe. O Mercado
CEAJA é o único na região, funciona como centro distribuidor trazendo compradores para Jaguaquara,

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mesmo quando não há vendedores locais. Assim, a cidade se estabeleceu como importante centro
comercial de abastecimento de hortifruti.

Mapa 21 - Localização e caracterização do Município de Jaguaquara

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Mapa 22 - Cobertura vegetal e potencial agrícola de Jaguaquara

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O crescimento dessa produção e comércio tem reflexo na renda per capita do município que
“cresceu 50,92%, passando de R$ 75,96 em 1991 para R$ 114,64 em 2000. A pobreza (medida pela
proporção de pessoas com renda domiciliar per capita inferior a R$ 75,50, equivalente à metade do
salário mínimo vigente em agosto de 2000) diminuiu”, passando de 73,9% em 1991 para 64,8% em
2000, segundo PNUD (2004: 3)

No entanto, o mesmo relatório do PNUD (2004), acusa o crescimento da desigualdade no


município. Em 1991 o índice de Gini era 0,53 e em 2000 passou para 0,61. Mesmo assim esse
indicador acusa uma desigualdade inferior à desigualdade existente no estado da Bahia como um todo,
onde o índice de Gini em 2000 era 0,67.

O crescimento econômico acompanhado do aumento das desigualdades revela importantes


alterações na dinâmica espacial do município. Segundo depoimento de um funcionário do IBGE,
Gerson23, residente em Jaguaquara desde a década de 1980, isto se explica com o aumento da
concentração fundiária, que, ao mesmo tempo, tem aumentado a produção da região e o escoamento
das mercadorias, facilitado com a aliança entre os maiores produtores e as grandes redes de mercados.
Por outro lado, se deu também um grande aumento no comércio de Jaguaquara nos últimos anos,
caracterizado, segundo o entrevistado, pela prática de atravessadores. Assim, o município vem
sofrendo ao mesmo tempo com uma expulsão do campo de pequenos agricultores, e com uma
emigração de novos moradores atraídos pela intensificação da dinâmica comercial do local,
culminando ambos em um crescimento urbano excessivo e desordenado.

Acrescenta-se a estes fatores o êxodo rural ocorrido na última década na região, e no Nordeste
como um todo, causado principalmente pelo desestímulo da agricultura logo no início do governo
Fernando Henrique Cardoso, com a suspensão do financiamento a pequenos produtores. Como relata o
entrevistado: “há um setor censitário em Itiúba onde hoje ainda restam alguns produtores agrícolas, a
maioria pequenos produtores olerículas. Há uma década eram, nesta mesma região, conhecida como
região da mata, mais de 3.000 produtores hoje não há mais de 1.500”. Esta mesma área, conforme
Mapa 22, sofreu um desmatamento muito grande causado pela extração indiscriminada de madeira
para servir como lenha de fogão, móveis e principalmente caixa de embalagem de hortifrutes.

A economia movimentada pelo fluxo turístico da região é mais expressiva na localidade


conhecida como Entroncamento, onde há um fluxo grande de turistas, vendedores e famílias em
trânsito. Na cidade de Jaguaquara, só mais recentemente vem ocorrendo um fluxo de visitantes mais

23
Funcionário Gerson entrevistado na cidade de Jaguaquara, em junho de 2004.

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intenso devido a eventos de cunho religioso: há um grande e crescente número de protestantes que
freqüentemente promovem encontros religiosos na cidade. Nas festas de São João, ocorridas no final
do mês de junho, ambas localidades (Jaguaquara e Entroncamento) recebem visitação de turistas,
como é comum na maioria das cidades do interior baiano. Em relação ao eco-turismo, os moradores de
Jaguaquara não reconhecem nenhum atrativo ecológico no município que possa estimular essa prática.

Ainda assim, o Plano Diretor de Jaguaquara (Tecnosan, 2001) coloca o turismo como uma
alternativa de geração de emprego e renda para o Município, segundo o Art. 64 do Plano são
potencialidades físicas, ambientais e culturais identificadas para fomentar o turismo no Município: o
Acampamento da Igreja Batista; o museu; as festividades Juninas; a Cachoeira das Tesouras e Santa
Luzia; o Santuário da Igreja Católica; a Reserva de Mata Atlântica; o Patrimônio dos Italianos:
Fazenda Pace e Restaurante Biancamano; os monumentos existentes; e as atrações relacionadas com a
prática da vaquejada.

No entanto, o mesmo plano ressalta uma série de ações que deveriam ser realizadas para
viabilizar o crescimento dessa atividade. Essas ações vão desde o equacionamento de problemas de
saneamento ambiental, acessos viários, criação do Parque do Rio Casca24, até o reforço da relação com
o Vale do Jiquiriçá, área turisticamente mais conhecida da bacia, situada entre municípios de Santa
Inês e Laje.

É interessante notar uma tendência nos municípios baianos à supervalorização da economia


turística. Essa proposta do Plano Diretor não tem nenhuma relação com a proposta do governo de
desenvolvimento turístico do estado. A promoção de áreas de lazer para a população da região e a
melhoria na infra-estrutura são, com toda certeza, iniciativas válidas, mas o que parece mais adequado
no caso de Jaguaquara, seria tratar o fluxo de turistas apenas como uma externalidade positiva das
demais ações da administração.

Outras iniciativas, mais coerentes com a realidade e o histórico local, não são propostas no
Plano Diretor. A atividade extrativista sustentável é um exemplo. Atualmente esta atividade representa
muito pouco na economia local, mas havia muita extração de castanha de caju e licurí, que hoje
desapareceram, segundo Gerson (2004), por falta de orientação adequada ou falta de disposição dos
técnicos do SEBRAE. Segundo este funcionário do IBGE, ao acompanhar as atividades desses
técnicos no município, ele percebia o claro desinteresse dos mesmos em conhecer mais profundamente

24
A elaboração do projeto para implantação do Parque do Rio Casca é a principal proposta do Programa de Melhoria
Urbana e Ambiental do Plano Diretor. O Parque deverá ser realizado ao longo de todo o leito do rio em seu trecho urbano e
dispor de espaços destinados as atividades de lazer, esporte, cultura e educação para o ensino e a pesquisa ambiental

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a região, incentivavam a caprinocultura e a pecuária bovina por tratarem-se de culturas mais fáceis de
fiscalizar. Estes técnicos não orientavam o cultivo de espécies frutíferas (o que poderia desenvolver a
atividade extrativista já praticada intensamente na região), como atividade complementar. Ainda
assim, atualmente, a extração de umbu se destaca entre as outras.

Os programas e projetos de atuação local propostas pelo Plano Diretor e que têm a finalidade
de dinamizar as atividades econômicas são: o Programa de Verticalização da Pequena Produção Rural;
o Programa de Fomento ao Turismo; o Programa de Renda Mínima; e o Programa de Renovação da
Área Central (Tecnosan, 2001).

Quanto aos aspectos habitacionais e de infra estrutura do município, os indicadores fornecidos


pelo IPPUR/ Metrodata demonstram uma situação de grande carência vivida por sua população. O
déficit habitacional do município era de 1.259 moradias no ano de 2000. Isto representa 10,95% dos
domicílios do município, um percentual superior à média dos municípios baianos que é de 9,95%.
Também a inadequação por infra-estrutura (carência ou deficiência nos serviços de água, luz,
instalação sanitária ou lixo) se configura um grave problema habitacional. Em 2000, 91,27% dos
domicílios de Jaguaquara tinham deficiência desse tipo, enquanto a média dos municípios baianos é de
84%.

O Plano Diretor de Jaguaquara propõe um programa voltado especialmente para esses


problemas infra-estruturais do município. O Programa de Implantação e Complementação da Infra-
Estrutura Básica prevê a ampliação e melhoria e monitoramento do abastecimento de água, a
implantação do projeto do sistema de esgotamento sanitário, a contratação de estudos e projetos para a
realização de um novo sistema público de drenagem pluvial urbana; a limpeza constante e reparo de
bocas de lobo, poços de visitas, guias, sarjetas, ramais e galerias; e a intensificação da coleta de lixo
nos bairros, e nos Distritos de Stella Dubois e Itiúba.

O intenso e contínuo crescimento urbano do município pode, em parte, justificar esses altos
déficits em infra-estrutura. A população total de Jaguaquara é, segundo Censo do IBGE para o ano de
2000, de 46.621 habitantes, 0,36% da população do estado, sendo mais de 35 mil destes (75,29%)
moradores da zona urbana.

Percebe-se no Gráfico 4, que a partir da década de 1970 ocorreu no município um crescente


processo de expansão urbana, ao passo que desde 1960 a evasão rural vem compensando o
crescimento vegetativo de sua população. Isto faz com que essas áreas mantenham-se relativamente
estagnadas demograficamente.

86
Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

A baixa de população rural que pode ser observada no Gráfico 4 ocorrida na década de 1970
foi, segundo Taschner (1992: 80) um fenômeno nacional, “em 80 pela primeira vez na história,
registrou-se a diminuição da população rural em números absolutos para o total do país”.

Gráfico 3 - Evolução da situação da população do município de Jaguaquara.

Jaguaquara
40000
35000
30000
25000
20000
15000
10000
5000
0
1970 1980 1991 2000

Urbano Rural

Fonte: IBGE, Censos 1970, 1980, 1991 e 2000.

Além dos aspectos citados anteriormente de expulsão do campo e emigração atraída pelo
comércio, existem dois macro fatores de aceleração do processo de urbanização brasileiro listados pelo
IPEA (2002) que tiveram repercussões mais diretas no município de Jaguaquara: a interiorização do
fenômeno urbano (causada, entre outras coisas, pela tecnificação do campo e aumento da concentração
da propriedade) e o crescimento das cidades médias (causado principalmente pelo inchaço das
metrópoles).

Em Jaguaquara, o fenômeno da urbanização antecipou-se aos outros municípios da região,


como pode ser visto nos Gráficos 3 e 4, muito provavelmente pela tradicional importância de seu setor
comercial, fato demonstrado por um taxa de urbanização historicamente maior que a média de seus
vizinhos. Segundo depoimento de moradores, o aumento da população urbana do município pôde e
pode ser claramente acompanhado pelo crescimento da periferia e da violência, uma vez que a infra-
estrutura da cidade não acompanhou seu crescimento populacional, nem mesmo planejou o
ordenamento do solo urbano para tal. O Plano Diretor Municipal concluído em 2001 é o primeiro
plano diretor da história do município.

A população urbana do município de Jaguaquara, segundo a classificação do IBGE é composta


da população da sede de seus dois distritos (Jaguaquara e Stella Dubois) mais a população urbana de
aglomerações isoladas, afastadas do perímetro urbano das sedes. O distrito de Stella Dubois, mais

87
Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

conhecido como "Entroncamento Jaguaquara" (antigo nome), está situado no entroncamento das
rodovias BR-116 e BA-420, distando apenas 9 km da sede municipal. Ali, já se concentram cerca de
10.000 habitantes, ocupados em atividades predominantemente terciárias, de baixo impacto inclusive
no âmbito local, sendo as cidades de Jaguaquara e Itiruçú, suas principais localidades de consumo e
prestação de serviços.

Os núcleos rurais de Itiúba e Ipiúna concentram o comércio e pequenos serviços locais para a
comunidade rural. Itiúba reúne cerca de 1.000 habitantes em seu núcleo e já necessita de atenção
especial em relação à disposição dos resíduos sólidos dos seus moradores.

Uma prova da relevância da abordagem urbano-rural defendida nessa dissertação é a iminente


crise ambiental vivida pelo município de Jaguaquara. O grande desmatamento ocorrido na zona da
mata (Mapa 22) teve reflexos não apenas na economia da região, mas também no seu ciclo
hidrológico, facilmente percebido por moradores do município, como exemplifica o depoimento de um
morador do município 25: “Quando eu cheguei aqui em 1976 aqui chovia dez meses no ano e estiavam
dois , hoje são dois meses de chuva e dez meses de estiagem. (...) o grande problema da região é a falta
de chuva. O rio Jiquiriçá desde sua nascente até o município de Santa Inês é na maior parte do tempo
um leito seco. Em 1998 tivemos uma das piores secas”.

O Plano Diretor de Jaguaquara (Tecnosan, 2001) demostrou em suas propostas uma atenção e
preocupação grande com grande parte dessas questões ambientais vividas em Jaguaquara. Segundo o
plano, a Política Ambiental do Município deve estar voltada para o cumprimento de uma série de
diretrizes e para a implementação dos programas prioritários para a atuação local, que são: Programa
de Preservação e Recuperação Ambiental (a criação e delimitação das áreas de proteção ambiental,
com seus respectivos parâmetros de uso e ocupação do solo, e a elaboração de instrumentos
econômicos-financeiros e de gestão que possam estabelecer mecanismos compensatórios); Programa
de Educação Ambiental (discussão, e implantação da Agenda 21 local, contratação de equipes que
desenvolvam o trabalho de educação ambiental a fim de despertar o interesse da comunidade para
ações de proteção e redução de impactos ambientais, como é o caso do lançamento de esgoto e lixo no
rio Casca); criação do Conselho Municipal de Meio Ambiente (possibilitando o fortalecimento das
organizações de base e a inclusão das organizações não governamentais, associações, instituições de
ensino e pesquisa na forma de gestão); e criação de um sistema de informação e divulgação das ações
realizadas (constituindo uma memória das experiências desenvolvidas na área ambiental possibilitando
a socialização das informações).

25
Morador Aldércio, entrevistado na cidade de Jaguaquara, em junho de 2004.

88
Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

É urgente o tratamento da questão ambiental do município, tanto no que se refere à produção e


uso do solo rural, quanto à inserção das áreas urbanas no contexto ambiental municipal e à preservação
das matas ciliares e demais áreas florestadas com valor ecológico. Fatores de desestruturação da
qualidade ambiental estão em pleno desenvolvimento: o desmatamento das cabeceiras do rio Casca, a
utilização de agrotóxicos na agricultura (que é uma importante atividade municipal), o desprezo pelo
tratamento dos recursos hídricos, a disposição inadequada de resíduos sólidos na bacia do rio Casca, o
avanço da urbanização através de loteamentos sem prévia análise do impacto sobre os recursos
ambientais. Muitos desses problemas estão relacionados diretamente à ausência de instrumentos de
controle do uso e ocupação do território municipal.

Segundo o relatório de avaliação da qualidade das águas em 2001 (CRA, 2004), os principais
fatores de pressão na qualidade das águas são: lançamento de efluentes domésticos “ïn natura” e
ocupação irregular de terrenos (invasões) gerando a remoção de matas ciliares. Os indicadores que
revelam essa degradação são o total de coliformes fecais, a turbidez da água e o volume de sólidos
suspensos. O mesmo relatório recomenda para isso, duas ações de controle: a implantação de rede
coletora de esgotos e sistemas de tratamento pelos municípios pertencentes à bacia e a coibição da
ocupação de áreas de preservação permanente.

Já o Plano Diretor (Tecnosan, 2001) propõe dois programas prioritários com atuação mais
específica nessa área: o Programa de Preservação das Áreas de Risco e de Estímulo à Ocupação das
Áreas já Parceladas e o Programa de Fiscalização. Este último é voltado para as ações de loteamentos e
ocupações clandestinas, depósitos irregulares de lixo e entulho e desmatamento florestal, devendo ter
caráter preventivo, educativo e punitivo.

Em Jaguaquara, a explosão de loteamentos, localizados em terrenos com maiores declividades


e vulnerabilidades, ou nas margens do rio Casca, configura-se como um dos grandes problemas
ambientais a serem enfrentados. Implantados de forma inadequada, estes loteamentos se caracterizam
pela eliminação de grande parte da cobertura vegetal das glebas e por terraplanagens drásticas, onde as
topografias originais são totalmente transformadas para possibilitar um maior aproveitamento do solo
(Figuras 11 e 12) e, principalmente, a circulação de automóveis. Além disso, há uma completa
ausência de infra-estrutura como pavimentação, sistemas de drenagem e redes de esgotos, o que agrava
ainda mais as condições ambientais.

“A tendência natural é deixar o campo ficar gradualmente mais pobre, enquanto a


modernização se concentra nas infra-estruturas urbanas. Na realidade, cabe em grande
parte à cidade, com agentes econômicos mais organizados, entender que a dinamização e

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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

modernização da base produtiva rural constitui uma grande força para garantir a
rentabilidade dos próprios serviços urbanos. A maré tem de levantar todos os barcos, e a
produtividade das cadeias produtivas só aumenta de maneira integrada” (Jaguaquara,
2000).

Com esta colocação, a equipe formuladora do Plano Diretor de Jaguaquara reitera o caráter
central e decisório exercido pela cidade sobre o meio rural-urbano. Fica clara a importância da prática
do planejamento comprometido com o território como um todo.

Fígura 11 - Foto da degradação ambiental do principal rio do Município de Jaguaquara

90
Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

Fígura 12 - Foto de ocupação irregular iniciando processos de degradação na cidade de


Jaguaquara

Para efeitos de planejamento estadual, o Município de Jaguaquara integra a micro-região de


Jequié (região de planejamento do Sudoeste baiano), sem que isso, à primeira análise, signifique ações
territorializadas de cunho integrado, como já foi visto no item 3.1.

Segundo o Relatório da Tecnosan (2000), as ligações mais intensas de Jaguaquara são com os
municípios de Salvador, Jequié e Valença, sendo este último um outro centro regional importante
“cujo crescimento deve-se ao desenvolvimento do turismo” (IPEA, 2002: 101). Um bom indicador da
intensidade dessa relação é o fluxo contínuo de pessoas que existe entre esses municípios, realizado
através de uma linha regular de ônibus.

Segundo o IPEA, o município de Jequié está incluído na categoria de sub-centro regional do


semi-árido de ordem 1, enquanto Valença é caracterizado como centro regional de ordem 2. Embora
desempenhem funções importantes nas sub-regiões onde se inserem, a dispersão entre os centros
regionais nordestinos evidencia a fragilidade da rede de cidades, “muitas vezes, os núcleos a eles

91
Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

subordinados estão debilmente conectados entre si” (idem, ibidem:109). Esta característica pode ser
percebida no município de Jaguaquara e seus vizinhos.

Com base em fontes primárias, no entanto, é possível afirmar que a relação com Jequié é
bastante estreita no que se refere à prestação de serviços de caráter regional, e até mesmo local. Do
ponto de vista estadual, Jequié divide apenas com outro sub-centro regional de ordem 1, Vitória da
Conquista, os fluxos de produção e comercialização propiciados pela BR-116. Nos mapas temáticos da
Bahia, apresentados no item 3.1, observa-se o destaque que têm esses dois municípios na dinâmica da
região.

Ainda assim, há vários municípios de pequeno porte na região sob a área de influência de
Jaguaquara e, conseqüentemente, de Jequié, principalmente aqueles cujas sedes localizam-se à margem
da rodovia BR-420, situados no meio da Bacia do Jiquiriçá, trecho popularmente conhecido como Vale
do Jiquiriçá.

A configuração de sub-centros das duas categorias citadas, segundo o estudo utilizado pelo
IPEA (2002), está relacionada à situação fundiária municipal, caracterizada pelas médias e pequenas
propriedades, decorrente das atividades econômicas tanto locais quanto regionais marcadas pela
policultura, importante no semi-árido agrestino. É importante destacar que, nesse quadro fundiário, foi
gerada uma rede mais ampla de cidades com um intenso relacionamento entre as áreas rurais e
urbanas, diferentemente do que ocorre nas áreas com concentração fundiária baseadas na monocultura
de produtos agrícolas ou na pecuária extensiva.

Em 1998, segundo dados do Incra, metade do município era ocupado por propriedades de
médio e grande porte, que representam menos que 7% das propriedades rurais (total de 89 imóveis),
enquanto 1.316 imóveis rurais dividiam a outra metade do território. Uma desigualdade um pouco
menor que a média dos municípios da região da bacia, onde 6,8% dos imóveis detinham cerca de
60,5% da área rural.

Segundo uma perspectiva realista, anunciada pelo IPEA, “pode-se afirmar que as características
atuais da rede urbana nordestina serão ainda mais reforçadas. As disparidades entre os diversos grupos
de núcleos urbanos tenderão a ser mais acentuadas em decorrência, sobretudo, da perda de dinamismo
dos centros regionais de ordem 2 e 3”. O processo de litoralização ganhará mais vigor com as novas
territorialidades, fazendo com que a organização espacial seja ainda mais desequilibrada (IPEA, 2002:
145).

92
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Neste cenário, faz-se necessário a formulação e implementação de ações de enfrentamento


dessas mudanças conjunturais, que têm reflexos na conformação espacial. Para que estas ações
obtenham sucesso, o próprio IPEA destaca alguns aspectos necessitam ser considerados:

“(...) planejar estrategicamente as cidades, definindo diretrizes e vantagens


comparativas que possam ser trabalhadas por cidades e/ou por um conjunto de cidades
articuladas em uma sub-região; rever o modelo econômico de modo a garantir
produtividade, com vistas a incorporar as chamadas áreas opacas no processo de
desenvolvimento regional (...); agir politicamente na região de forma a intensificar o
processo de construção da cidadania nordestina (...) é indispensável o retorno ao
planejamento regional (...) Somente com uma ação específica de caráter permanente (...)
poder-se-à evitar que parte significativa da região, que não faz parte dos ‘eixos de
desenvolvimento’, seja excluída do processo, dada a globalização da economia cuja
natureza é excludente (...) respeitar e fortalecer a identidade dos lugares, identificando os
valores próprios, específicos a cada cidade ou região” (op. cit, loc. cit).

Ainda que bem intencionada, esta é uma visão que tem como base a mesma lógica do
“planejamento estratégico” conceituado no item 1.4, onde a ação nas regiões que “não fazem parte dos
eixos de desenvolvimento” vem a reboque de uma visão competitiva que destaca as vantagens
comparativas e não a prática solidária entre municípios.

Mesmo que permeadas por essa lógica empresarial, as propostas acima ressaltam importantes
pontos que precisam ser trabalhados no planejamento do território nessa contexto atual: a articulação
entre cidades, a atenção a áreas “opacas”, a valorização da identidade local e o retorno ao
planejamento regional. No capítulo que segue, analisar-se-á (com base nos estudos apresentados sobre
a Bacia do Jiquiriçá e o Município de Jaguaquara) como isso pode ser possível.

93
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CAPÍTULO IV 

INTEGRAÇÃO DO PLANEJAMENTO TERRITORIAL DA BACIA 

HIDROGRÁFICA E DO MUNICÍPIO: LIMITES E POTENCIAIS 

94
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4. Capítulo IV – INTEGRAÇÃO DO PLANEJAMENTO TERRITORIAL DA BACIA


HIDROGRÁFICA E DO MUNICÍPIO: LIMITES E POTENCIAIS

A partir das propostas das duas leis federais aprofundadas na pesquisa (Estatuto da Cidade e
Política Nacional de Recursos Hídricos), e do conhecimento das principais características dos objetos
de estudo (a Bacia do Jiquiriçá, o Município de Jaguaquara e as principais propostas de seus planos
diretores), é possível fazer uma análise mais consistente das divergências e convergências entre as
duas formas de planejamento territorial, inicialmente sobre os temas tratados e, em seguida, sobre os
procedimentos metodológicos adotados.

Com o objetivo de facilitar a análise comparativa entre os principais temas tratados nos dois
âmbitos, bacia hidrográfica e município, foi elaborada uma matriz sintética, apresentada no Quadro 5.

Quadro 5 - Matriz comparativa entre propostas contidas nos Planos Diretores referentes à
Bacia Hidrográfica do Rio Jiquiriçá e ao Município de Jaguaquara, segundo principais temas
tratados

Temas Bacia hidrográfica Município Análise comparativa


1º) Propostas do Plano Diretor da 2º) Propostas do Plano (Limites e Potenciais)
Bacia do Recôncavo Sul (1) Diretor de Jaguaquara (2)
Uso do solo urbano Desmatamento e ocupação Objetiva melhorar as Ambos reconhecem
irregular de terrenos (invasões) condições de habitabilidade, problemas causados por
são algumas das principais fontes remover as habitações desmatamento,
de contaminação de mananciais, implantadas ao longo do rio principalmente mas
causam processos erosivos com Casca e recuperar suas margens e nascentes dos
assoreamento de rios e graves condições naturais; rios. As propostas do 1°
impactos ambientais. induzindo a ocupação e são focadas nos recursos
É necessária a proteção de adensamento de terrenos naturais (com caráter
nascentes e matas ciliares/ edificáveis servidos de infra- mais restritivo e
coibição da ocupação de áreas de estrutura. coibitivo) enquanto o 2º
preservação permanente É necessário aplicar tem o enfoque na
parâmetros de uso e moradia da população (e
ocupação do solo segundo o caráter indutivo)
Plano Diretor, aumentar o
índice de áreas vegetadas
por habitante e fiscalizar
(com caráter preventivo,
educativo e punitivo)

Continua

95
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Temas Bacia hidrográfica Município Análise comparativa


1º) Propostas do Plano Diretor da 2º) Propostas do Plano (Limites e Potenciais)
Bacia do Recôncavo Sul (1) Diretor de Jaguaquara (2)
Uso do solo rural Uso indiscriminado de pesticidas É necessária: a articulação Propostas não divergem.
e corretivos, além de processos campo-cidade, estendendo Abordagens bastante
erosivos com assoreamento de as melhorias urbanas como diferenciadas: enquanto
rios, são os principais impactos infra-estrutura e serviços o primeiro ressalta
ambientais. urbanos às áreas rurais; a agentes de
É necessária a proteção de ação de fixação da contaminação hídrica, o
nascentes e matas ciliares. população ao seu meio de segundo refere-se a um
produção, através da “campo” que é uma
verticalização da pequena extensão da cidade
produção rural, viabilizando
também a instalação de
agroindústrias na área rural
Abastecimento de Principal uso dos mananciais, que Necessita ampliação, Propostas semelhantes.
Água já apresenta conflito com a melhoria e monitoramento. 2º não enfatiza conflito
poluição do Jiquiriçá. com poluição do Rio
É necessária a sua ampliação em Jiquiriçá, pois não é
10 localidades. abastecido por esse rio.

Resíduos sólidos Um dos principais impactos É necessária a intensificação Propostas não divergem,
ambientais. da coleta de lixo nos bairros somam-se.
É necessária a elaboração dos e nos Distritos,assim como a
planos diretores de resíduos fiscalização com caráter
sólidos para 11 sedes municipais preventivo, educativo e
punitivo.
Efluentes líquidos Industriais e urbanos: um dos Necessita implantação do Propostas iguais.
principais usos dos mananciais e projeto do sistema de
dos principais impactos esgotamento sanitário
ambientais.
É necessária a implantação dos
sistemas de coleta e tratamento
dos esgotos urbanos em seis
localidades

Atividades Principais fontes de contaminação A utilização de agrotóxicos Propostas não divergem.


agropecuárias de mananciais. é um dos fatores de O 2º reconhece
São necessários o controle e a desestruturação da qualidade problemas causados por
fiscalização do uso de ambiental. agrotóxicos, mas não
agrotóxicos e fertilizantes. Motivar agroindústria tem propostas nesse
familiar e promover sentido.
verticalização da pequena
produção rural

Indústrias Lançamento de seus efluentes Priorização do uso das Propostas não divergem,
líquidos é uma das principais soluções tecnológicas mas tem enfoques
fontes de contaminação de limpas. diferentes. A primeira
mananciais. pretende promover a
É necessário implantar cobrança proposta da segunda
pelo uso da água bruta através da cobrança.

Continua

96
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Temas Bacia hidrográfica Município Análise comparativa


1º) Propostas do Plano Diretor da 2º) Propostas do Plano (Limites e Potenciais)
Bacia do Recôncavo Sul (1) Diretor de Jaguaquara (2)
Sistemas de É necessário o monitoramento da É necessária a criação de um Propostas não divergem,
informação qualidade dos recursos hídricos sistema de informação somam-se. Podem se
superficiais e a organização de municipal (com base de sobrepor e até mesmo
um sistema de informações dados atualizada sobre as entrar em conflito se não
georreferenciadas. atividades, programas e forem elaboradas
projetos de desenvolvimento conjuntamente.
econômico e ambiental),
para gerenciamento,
divulgação e socialização
das informações e ações
realizadas.
Lazer e turismo Destacado apenas para a faixa Alternativa de geração de Propostas concorrentes
litorânea, propõe implantação de emprego e renda para o se não programadas
terminais turísticos nessas áreas. Município; incentivar o regionalmente.
desenvolvimento das
potencialidades turísticas e
paisagísticas do rio Casca
(Parque do Rio Casca)

Irrigação Um dos principais usos dos Não trata Problema


mananciais, pequena irrigação eminentemente da
tem conflito com poluição prática rural, não tratado
hídrica. pelo 2º

Geração De pequeno porte – não Não trata Município de


Hidrelétrica especifica onde Jaguaquara é bem
servido de energia
elétrica

Extrativismo Desmatamento é uma das Necessita de ação de Tratamento não diverge.


Vegetal principais fontes de contaminação fiscalização com caráter
de mananciais. preventivo, educativo e
punitivo

Economia Manejo e preservação do recurso Dinamização das atividades Enfoques divergentes. O


água, elemento propulsor do econômicas a partir de um 1º tem como base do
desenvolvimento econômico e maior equilíbrio social, desenvolvimento
social, compromisso com a através da criação de econômico alavancado
implantação da cobrança e programas que possam pela melhor utilização
instituição de um mercado de garantir a diminuição da da água como ‘recurso’
direitos de uso das águas. pobreza crítica, garantindo (visão empresarial),
condições mínimas de enquanto o 2º se baseia
habitabilidade e de na promoção do
saneamento ambiental. equilíbrio social.

Continua
97
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Temas Bacia hidrográfica Município Análise comparativa


1º) Propostas do Plano Diretor da 2º) Propostas do Plano (Limites e Potenciais)
Bacia do Recôncavo Sul (1) Diretor de Jaguaquara (2)
Formação de Atualmente o governo tem feito Com órgãos Estaduais e O 1º se caracteriza pela
parceria parcerias com organismos Federais, Poder Judiciário, centralização no estado
multilaterais (BIRD) e empresas, ONGs e da formação das
universidades. Os planos não sociedade civil (Planos na parcerias. No segundo
estão sendo discutidos com a Bahia tem sido promovidos há maior liberdade para
sociedade organizada e não estão pela parceria do governo os municípios formarem
disponíveis para conhecimento do com agência multilateral – parcerias. Em ambos a
público. BID) subordinação a
Propõe articulação para a exigências de agências
atuação integrada, controle, multilaterais está
monitoramento e presente.
fiscalização, para convênios
e intercâmbios, pesquisas e
programas na administração
e meio ambiente.
Educação ambiental Campanhas educativas visando Política ampla. Presente no Propostas não divergem,
conscientizar a sociedade para a ensino formal, desenvolvida sendo a 1ª mais
utilização racional dos recursos em programas, campanhas, específica, englobada na
hídricos eventos e cursos. 2ª
Representação A SRH-BA tem apoiado a criação Participação da sociedade Propostas não divergem,
Social de Comissões municipais de civil através de Conselhos, mas podem se sobrepor
Usuários da Água e Associações legalmente constituídos se não houver
de Usuários da Água em outras (Conselho Municipal de articulação entre as 2
Bacias (ainda que a lei federal Meio Ambiente, de instâncias
proponha a criação dos Comitês Desenvolvimento Urbano e
de Bacia) Habitação, de Transporte
Coletivo e de
Desenvolvimento
Econômico e Social)
Drenagem urbana Um dos componentes da A contratação de estudos e Propostas não divergem.
ocupação urbana que promove projetos para a realização de
processos erosivos com um novo sistema público de
assoreamento de rios, um dos drenagem pluvial urbana.
principais impactos ambientais. É necessária a limpeza
constante e reparo de
equipamentos de drenagem.
Principal órgão Superintendência de Recursos Secretaria de Infra-Estrutura Dificuldade de interação
gestor Hídricos do estado – SRH-BA e Serviços Urbanos do entre os órgãos. Órgão
(ainda que a lei Federal orienta município municipal (2º) sujeito a
que o Comitê de Bacia seja o submeter-se a ordem
órgão central da gestão) estadual (1º), se não
tiver instrumentos
políticos e embasamento
para contrapor.

Fontes:

(1) Devido à impossibilidade de se consultar o Plano Estadual de Recursos Hídricos, não se conseguiu obter informações
específicas sobre as propostas encontradas, por isso, foram levantadas as propostas do Plano Diretor da Bacia
Administrativa do Recôncavo Sul disponíveis na internet (SRH, 2004),as quais foram complementadas com as informações
existentes no relatório de avaliação da Qualidade de Água – 2001 (CRA, 2004) e alguns projetos de desenvolvimento em

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curso no Estado (Prodetur, 2004; Porto, 2002). O total de municípios envolvidos na Bacia Administrativa do Recôncavo
Sul é de 59.

(2) Propostas do Projeto de Lei do Plano Diretor apresentado pela Tecnosan (2001) complementadas pelas informações
presentes no Relatório Síntese da Elaboração da Leitura Técnica da Cidade e da Construção da Imagem Compartilhada
(Tecnosan, 2000)

Elaboração: Patrícia Lustosa/ Programa de Mestrado em Geografia da Universidade de Brasília, Orientador Rafael S. A.
dos Anjos, 2004.

Varias análises podem ser feitas a partir do quadro apresentado. De uma forma geral, observa-
se que para a grande maioria dos temas tratados, não são apresentadas propostas divergentes, pelo
contrário, a maioria das propostas são semelhantes e têm caráter de complementariedade.

Apenas quatro, entre os 18 temas tratados no quadro, apresentam diferenças propositivas, que
não implicam necessariamente que não possam ser congruentes. São eles: Lazer e turismo, Economia,
Formação de parceria, Principal órgão gestor. Esses temas divergem essencialmente por estarem
diretamente relacionados à política do governo estadual da Bahia, que centraliza a gestão em seu
âmbito, reduzindo a participação local na tomada de decisões e trabalhando sob uma lógica
empresarial (que acredita que desenvolver mais o que já é desenvolvido, ou que tem potencial para tal,
ajuda a desenvolver o resto a reboque), aliada ao poder econômico dos grandes proprietários rurais e
empreiteiras e industrias.

Isto não significa que estes valores não estejam presentes nos demais temas. Outros cinco
temas (Uso do solo urbano, Uso do solo rural, Atividades agropecuárias, Industrias, Sistema de
informação e Representação Social) considerados não divergentes precisam necessariamente de
articulação entre as duas instâncias para que não haja, por exemplo: sobreposição de legislação sobre o
mesmo espaço (áreas de preservação permanente com determinações diferentes); negligência da
administração municipal na coordenação e fiscalização do uso do solo rural; despesas públicas com
sistemas de informações duplicados e incompatíveis; ou a criação de comissões iguais, desgastando a
participação da população, ou proporcionando a tomada de decisões diferentes sobre o mesmo assunto.

Os temas da Geração Hidrelétrica e Irrigação, bastante relevantes na gestão dos recursos


hídricos, são temas que não são tratados pelo Plano Diretor Municipal. No caso do primeiro, talvez
porque o serviço de energia elétrica do município esteja quase universalizado, mas no caso da
Irrigação (bastante utilizada nas culturas do município), o assunto não foi abordado provavelmente por
ser um tema eminentemente rural, e o Plano Diretor de Jaguaquara não segue a orientação do Estatuto

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nesse sentido (pois foi concluído antes da promulgação dessa lei, quando ainda não havia
obrigatoriedade do tratamento do território do município como um todo).

Os demais temas, Abastecimento de Água, Resíduos sólidos, Efluentes líquidos, Extrativismo


Vegetal, Educação ambiental e Drenagem urbana, praticamente não divergem. A importância de
ações e planos de saneamento ambiental e de controle da degradação e poluição do meio natural é
igualmente reconhecida pelos dois planos. Em alguns desses temas, há abordagens direcionadas para
assuntos diferentes, mas que, se tratados em conjunto, têm grande potencial de soma e
complementaridade.

No Quadro 6 a seguir, são analisados sinteticamente alguns dos procedimentos metodológicos


indicados pelas legislações federais estudadas e utilizados nas áreas em estudo. Vale ressaltar que as
análises descritas nesse quadro são pontuais e não significam soluções únicas para os problemas
apontados, pois se reconhece a complexidade dos temas tratados. No entanto, a indicação dos limites e
potenciais nas análises pode ser de grande valia para experiências em curso ou futuras práticas.

Quadro 6 - Matriz comparativa entre procedimentos metodológicos utilizados nos Planos


Diretores referentes à Bacia do Rio Jiquiriçá e Município de Jaguaquara

Procedimentos Bacia Hidrográfica Município Análise Comparativa


Metodológicos 1º) Plano Diretor da Bacia 2º) Plano Diretor Jaguaquara (Limites e Potenciais)
do Jiquiriçá (1) (2)

Coleta de Dados Pontos de medição já Principais fontes: Procedimentos complementares,


instalados, demais órgãos levantamento de campo, o 1° em uma escala menor do que
estaduais. prefeitura e órgão estaduais o 2º
(EMBASA e SEI)

Formação de A maior parte residente A maior parte residente em Formações distintas que podem
Equipe Técnica em Salvador. Não busca São Paulo. Apoio de grupo se complementar. Ambos
apoio de organizações técnico local com poucas necessitam de maior participação
com técnicos com atuação atribuições. do corpo técnico local.
local. Principal perfil profissional:
Principal perfil Arquitetos e engenheiros.
profissional: hidrólogos,
engenheiros.

Continua
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Procedimentos Bacia Hidrográfica Município Análise Comparativa


Metodológicos 1º) Plano Diretor da Bacia 2º) Plano Diretor Jaguaquara (Limites e Potenciais)
do Jiquiriçá (1)
Mobilização/ Auxilio da Universidade Realizada com serviço de Procedimentos divergentes.
capacitação local Estadual da Bahia. divulgação contratado e Ações com participação de
Reuniões e Seminário reuniões nos bairros grupos com perfis diferentes.
envolvendo sobretudo (realizadas no fim de 1999 e Falta de articulação entre ações
prefeituras, órgãos começo de 2000 com pode gerar maiores conflitos entre
estaduais e associações de participação de moradores e grupos e não a solução destes,
pequenos produtores. Não formadores de opinião). além de descredenciar ambas
há praticamente trabalho ações diante da sociedade.
de capacitação anterior à
institucionalização do
grupo.

Participação local Não é valorizada. Quando Reuniões com lideres em Procedimentos divergentes.
incentivada é conduzida bairros e distritos na Pouco se busca a participação da
por órgão do estado (ainda formação da Leitura Técnica sociedade civil no 1º, e de outros
que segundo a legislação da Cidade e da construção técnicos do poder público no 2°.
federal seja obrigatória a da Imagem Compartilhada Nenhum dos dois reforçam
representação tripartite no (3). Incentiva a formação de efetivamente a continuidade da
Comitê que aprovará o Conselhos participação, ou a representação
plano) equilibrada de atores.

Sistematização da Desenvolvido Bastante precária. Maioria Procedimentos distintos, mas que


informação setorialmente e das informações são podem se complementar.
centralizado em órgão do relativas à área urbana. Não A falta de articulação pode causar
estado. Banco de dados de estão organizadas em banco duplicidade na aquisição e no
Recursos Hídricos de dados, nem em planilhas. tratamento de informações, além
bastante grande e em Pouco acessível. de incompatibilidade entre
software complexo sistemas de informações.
(Oracle). Pouco acessível.

Georreferencia- Uso de cartografia na Uso de cartografia na escala Procedimentos distintos de difícil


mento das escala regional 1:100.000. local 1:10.000. Precariedade complementaridade.
informações e Há bastantes informações das informações É necessária reformulação dos
Geoprocessa- georreferenciadas. cartográficas e cadastrais. procedimentos que envolvem
mento Utitiliza software de Maioria das informações informações georreferenciadas do
geoprocessamento de não se encontra 1º para apoiar esta ação no 2º,
ponta (Arcgis 8.3) georreferenciadas. Não além de capacitação técnica para
utiliza software de uso de ferramenta de
geoprocessamento. geoprocessamento para gestão
municipal

Liberação de Não há linha de Geralmente bastante Procedimentos distintos, mas que


Recursos financiamento disponível. limitados. Gastos de podem se complementar em
Planos são realizados de mobilização e capacitação algumas etapas principalmente no
acordo com vontade social são sub- levantamento aerofotogra-
política do estado. dimensionados métrico, no cadastro, na
aquisição de equipamentos de
apoio à gestão local e na
mobilização e capacitação

Continua

101
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Procedimentos Bacia Hidrográfica Município Análise Comparativa


Metodológicos 1º) Plano Diretor da Bacia 2º) Plano Diretor Jaguaquara (Limites e Potenciais)
do Jiquiriçá (1)
Adoção dos Limites físicos da bacia de Limites urbanos. Em alguns Procedimentos distintos, mas
limites territoriais contribuição de águas aspectos a área rural é possíveis de se complementarem
superficiais. tratada. e se somarem. Ambos necessitam
Não considera limites Não ultrapassa limites aprimorar abordagem territorial
municipais. municipais. Porém, se um não tratar da
problemática que envolve os
limites do outro, podem entrar em
conflito no planejamento de
diretrizes e ações.
Condução das Na prática tem se Ações conduzidas para sua Conduções distintas que podem
ações Pós Plano direcionado para a aprovação na âmara para se somar negativamente
viabilização da cobrança uso posterior como base de atropelando as funções sociais e
da água. consulta e captação de ambientais de ambos os planos
recursos.
Divulgação das Quase não há divulgação Foi pouco representativa. Procedimentos distintos mas com
propostas e ações. pública. Uso da página de Uso de mídias de CD com grande potencial de
internet institucional da texto em formato de complementaridade, desde que o
SRH para apresentação navegação de internet. Usos 1º modifique sua política de
dos tópicos tratados. Uso de mapas simplificados, centralização e omissão de
de mapas complexos e porém pouco informativos. informações. Ambos
técnicos. procedimentos necessitam
aumentar bastante seu alcance
junto à comunidade civil e
técnica.

Fontes:

(1) Segundo princípios da proposta da SRH-BA (SRH, 2004) e metodologia que vem sendo adotada em outras bacias
baianas, principalmente a bacia do Itapicurú, adotada como piloto do programa PGRH – Projeto de Gerenciamento de
Recursos Hídricos do Estado da Bahia (Santos, 2003; Brannstrom, 2003)

(2) Segundo relatórios da Tecnosan (2000) e depoimentos de membros da equipe de elaboração do Plano em artigo
(Negrelos, 2000) e entrevista com Coordenadora do Plano (Eulália Portela)

(3) Leitura Técnica da Cidade e da construção Imagem Compartilhada é a metodologia adotada pela equipe de trabalho
que substitui o Diagnóstico. Consiste em identificar a realidade ou problemática local através das “distâncias existentes
entre a realidade apresentada e as metas e objetivos estabelecidos pelos padrões “ideais” e “universais” expressos nos
instrumentos de planejamento urbano diferentemente, devemos estabelecer prioridades e vetores de ação preferenciais
adequando as reais necessidades, captadas junto à comunidade, à capacidade de investimentos, aos recursos técnicos
disponíveis e, principalmente, à capacidade de controle deste processo pela maioria dos agentes envolvidos” (Tecnosan,
2000: 6).

Elaboração: Patrícia Lustosa/ Programa de Mestrado em Geografia da Universidade de Brasília, Orientador Rafael S. A.
dos Anjos, 2004.

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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

O Quadro 6 revela que grande parte do desafio de integrar os planos de bacia hidrográfica e de
município está em compatibilizar os procedimentos metodológicos adotados na elaboração e
implementação desses instrumentos. Uma dificuldade básica permeia a maioria dos procedimentos
analisados: a diferença de escalas, que é ainda maior na área estudada, devido ao tratamento
centralizado dos Recursos Hídricos no Estado e do Plano Diretor Municipal focado nos limites
urbanos. Nesse sentido, as leis nacionais que regulamentam esses planos, o Estatuto da Cidade de 2001
e a Lei das Águas de 1997, têm grande importância na aproximação das duas escalas.

Por outro lado, a aproximação das escalas proporcionada pela aplicação das recomendações
legais, aumenta as interfaces entre os dois planos, aumentando também os riscos de duplicidade ou de
conflito direto entre as duas instâncias de elaboração e gestão dos planos.

No presente estudo de caso, o risco de conflito nas decisões também acontece, mas a hierarquia
institucional leva a crer que as decisões no nível estadual prevalecerão sobre aquelas tomadas no nível
municipal, podendo até contrariar a Constituição Federal, que atribui às prefeituras e câmaras
legislativas municipais o dever de definir, legislar e gerir o ordenamento territorial do município. Não
é errado concordar que as diretrizes de âmbito estadual devam ser seguidas, pois elas deveriam prever
o beneficiamento articulado de todo território estadual. No entanto, neste caso em estudo, tratam-se de
diretrizes e definições de uso do solo estabelecidas exclusivamente por um setor do governo que se
encontra pouco articulado com os demais setores e com os demais atores.

Neste caso, há uma grande possibilidade de manutenção da situação de vazio administrativo


existente atualmente no ordenamento das áreas entre polígonos urbanos ou zonas rurais, devido à
omissão do papel da prefeitura, combinada com a ausência de abordagem territorial do Plano de
Recursos Hídricos.

Analisando mais detalhadamente o Quadro 6, observa-se que todos os dez procedimentos


metodológicos analisados podem ser considerados diferentes de um plano para o outro. Ao mesmo
tempo, todos também apresentam potenciais, maiores ou menores, de se complementarem. Apenas em
um procedimento, Condução das ações pós plano, foi observada uma complementaridade negativa,
que tem por trás, no caso dos dois planos, o mesmo princípio: a visão distorcida de que o plano diretor
é uma etapa a se cumprir para alcançar a inserção no mercado do capital, e não uma ferramenta
permanente de gestão em constante construção.

A complementaridade dos outros cinco procedimentos (Formação de equipe técnica,


Mobilização e capacitação local, Sistematização da informação, Georreferenciamento das
informações e geoprocessamento e Adoção dos limites territoriais) demanda um esforço especial de

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articulação entre os responsáveis pela promoção e elaboração dos dois tipos de plano diretor. Este
esforço deve ser desenvolvido basicamente em três linhas de ação: o aumento da participação de
agentes locais (técnicos e sociedade civil); a estruturação de um sistema de informações geográficas
compatíveis com as duas unidades de gestão (no que diz respeito à escala cartográfica, ao
detalhamento de dados, aos softwares utilizados e principalmente à capacidade técnica) e o
desenvolvimento da sensibilidade urbano-rural entre a população e os principais atores (de modo a
aprimorar a abordagem territorial que devem ter os dois planos).

Os demais procedimentos metodológicos analisados são de mais fácil integração. A Coleta de


dados, Liberação de recursos e Divulgação das propostas, demandam um esforço “simples” de
combinação e troca entre as duas instâncias de informações, equipamentos e meios de divulgação.
Quanto às ações de Participação local, a experiência do consórcio vem demonstrando o quanto é
importante, além do envolvimento da sociedade civil, o envolvimento dos técnicos locais. No
Consórcio do Jiquiriçá, essa dificuldade é causada essencialmente por três fatores combinados: a
escasez e rotatividade dos técnicos na região, a dificuldade dos prefeitos em promover a participação
de seus técnicos (talvez por receio de estar com isso diminuindo seu poder decisório), e a falta de
ações do Consórcio voltadas para o envolvimento desses técnicos (principalmente ações de
capacitação e intercâmbio). A segunda hipótese é confirmada pelos próprios técnicos das prefeituras,
que em geral estimam muito o trabalho do Consórcio e se ressentem por não estarem mais envolvidos.
Em alguns casos específicos, a parceria com esses técnicos foi proporcionada e se mostrou de grande
valia, resultando numa pressão para que os prefeitos aderissem a propostas do Consórcio e num
credenciamento do Consórcio dentro do município.

No capítulo que segue, são expostas de maneira sintética as principais conclusões, reflexões e
recomendações que puderam ser obtidas com esta pesquisa após todo processo de revisão conceitual,
de investigação dos instrumentos legais em uso e de análise comparativa, recém apresentada, com base
no estudo de caso.

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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

CAPÍTULO V 

CONCLUSÕES, RECOMENDAÇÕES E REFLEXÕES 

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5. Capítulo V – CONCLUSÕES, RECOMENDAÇÕES E REFLEXÕES

Todo o trabalho aqui apresentado foi motivado pelo anseio por mudanças positivas na vida das
pessoas que residem nas regiões mais pobres do Nordeste brasileiro. A experiência profissional da
autora em uma organização não governamental que vivencia no cotidiano os esforços e os entraves
para se implementar um trabalho sério, suprapartidário e humano, subsidiou grande parte dos
questionamentos que impulsionaram essa pesquisa.

Era necessário, através de uma investigação mais profunda, entender o porquê de tanta
dificuldade em pôr em prática uma premissa que intuitivamente todos acreditavam ser verdadeira: que
o planejamento territorial é um dos instrumentos mais importantes para a promoção do
desenvolvimento, para a melhoria da qualidade de vida e para a redução das desigualdades sociais.

Entender o porquê dessa dificuldade demandou reflexões que foram muito além daquelas aqui
escritas, mas que foram resumidas ou suprimidas de forma a atender o objetivo principal da pesquisa:
o de contribuir com os novos procedimentos metodológicos a serem adotados na integração do
planejamento territorial nas instâncias regional e municipal.

Para isso, foi necessário o esclarecimento da base conceitual que subsidia o entendimento da
dificuldade apresentada, até a análise sucinta dos limites e potenciais do planejamento integrado entre
bacia hidrográfica e município.

Visto tudo isso, a conclusão mais geral que se pode tirar desse trabalho é que a dificuldade na
integração não é um problema de simples solução. A pesquisa reconhece e aponta a complexidade e a
natureza distinta dos vários entraves, obstáculos e limites presentes ao se implantar um modelo de
planejamento territorial que supere o modelo vigente.

As conclusões mais específicas são apresentadas, no item 5.1, em forma de tópicos segundo os
principais pontos que comprometem ou potencializam a integração entre as duas unidades de
planejamento tratadas. No item 5.2, as mesmas conclusões são apresentadas mais detalhadamente e
acompanham as principais questões para reflexão despertadas no processo de investigação.

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5.1. SÍNTESE CONCLUSIVA E RECOMENDAÇÕES

Os estudos apresentados nos capítulos anteriores permitem que conclusões de âmbito mais
geral sejam tiradas, em relação à prática do planejamento territorial integrado entre bacia hidrográfica
e município. Com isso, é possível indicar algumas recomendações que podem ajudar os principais
atores envolvidos (seja na Bahia e na bacia do Jiquiriçá, ou seja em outra região que passe por
processo semelhante) a desenvolverem ações que contribuam com esta prática.

Quadro 7 - Síntese das conclusões e recomendações para o planejamento territorial


integrado, segundo principais temas tratados

Tema Conclusões Recomendações


Região Geralmente entendida como recorte Deve ser identificada principalmente pelas
territorial que homogeneíza as dinâmicas diferenças, e admitida como uma categoria que
espaciais. pode variar de acordo com o objeto
regionalizado e o objetivo da regionalização.
Território Comumente entendido como “palco” das Deve ser tratado como categoria que
ações humanas. compreende o homem e todo espaço das
relações naturais e antrópicas.
Município Padrões de formações variam Participação social e interação intermunicipal
indiscriminadamente. Tipologia bastante são importantes para superação das
diversificada geograficamente no dificuldades mais comuns. As ações de
território nacional. Conceito no popular planejamento territorial devem compreender
confunde-se com conceito de cidade. território administrativo como todo: área
Base do sistema nacional de planejamento urbana e rural.
territorial.

Bacia Hidrográfica Limites tecnicamente nítidos e Deve ser compreendida em sua dimensão
invariáveis. Compreensão comumente territorial. Ao considera-la região de
abrange apenas dimensão dos recursos planejamento, deve-se estudar com atenção as
hídricos (corpos d’água) dinâmicas sociais, para que não se “engesse”
nos limites da bacia ações de caráter regional.

Planejamento Apresenta grande variedade de “modelos” Deve ser considerado como um importante
Territorial (ex: tecnocrata, restritivo, empresarial, instrumento de redução das desigualdades
competitivo, indutivo, etc). Muitas vezes sociais e ter esse objetivo como fio condutor de
concebe dimensão territorial restrita ao suas diretrizes para o desenvolvimento.
solo urbano (território = “palco”).

Histórico do Revela predominância alternada de Deve ser observado com cuidado para que mais
planejamento diversos setores sobre outros e aponta a uma vez a política setorial não “corrompa” as
territorial brasileiro ascensão da temática dos recursos ações de bases territoriais, ao contrário,
hídricos nos últimos anos. contribua com a integração multidisciplinar
nestas bases.

Continua

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Tema Conclusões Recomendações


Política Nacional de Traz importantes instrumentos de apoio à Necessita de ações do governo federal que
Recursos Hídricos gestão territorial democrática (ex: Comitê, promova a adequação das políticas estaduais à
Agência de bacia) e mercadológica (ex: legislação federal. Deve incentivar a
cobrança da água bruta). Está sendo elaboração de planos diretores de bacia que
implantada de forma bastante considerem a dimensão territorial da bacia
diferenciada nos estados brasileiros. hidrográfica, respeitando a autonomia
municipal (para que suas diretrizes sejam
efetivadas). Por isso, deve ainda promover em
parceria com outros órgãos do governo federal
a elaboração de Planos Diretores Municipais
em conjunto.

Política Baiana de Diverge essencialmente da Política Deve ao menos se adequar à política nacional
Recursos Hídricos Nacional: é centralizadora e não reconhecendo os comitês como entes
participativa. deliberativos. Necessita ainda incentivar a
articulação e capacitação da sociedade para
lidar com a gestão da bacia, e elaborar o plano
estadual de recursos hídricos e de bacias com
participação de outros atores além dos órgão do
próprio governo estadual. Deve elaborar, ou
contar, com as entidades de bacia na estrutura
de um sistema da informações descentralizado
e democrático.

Estatuto da Cidade Regulariza importantes instrumentos de A gestão municipal deve, além de seguir as
planejamento e gestão democrática (ex: orientações contidas no Estatuto, desenvolver
Plano Diretor Municipal) mas o foco na junto à comunidade a aplicação de
zona urbana traz pouca orientação para instrumentos que contemplem todo o território
seu uso no município como todo. municipal.O governo federal deve promover a
articulação da elaboração dos planos diretores
municipais aos planos de bacia, para que não
haja descompasso setorial e perda da
autonomia municipal.

Política baiana de Programas setoriais apresentam enfoques Deve-se instituir uma política que contemple
promoção de Planos diferenciados e de critérios escusos, mas municípios das áreas mais carentes do estado,
Diretores que, em comum, privilegiam o apoiando a elaboração conjunta de planos e
Municipais atendimento a municípios nas áreas de priorizando o financiamento com critérios que
maior potencial de desenvolvimento. respondam à lógica territorial (com vistas, ao
menos, à otimização de recursos e a parceria
intermunicipal em regiões mais carentes)

Novos arranjos Com a municipalização das políticas, tem O planejamento territorial demanda alianças de
institucionais aumentado bastante o número de municípios contíguos que podem ser
articulações intermunicipais, partidariamente opositores. Os gestores
principalmente as setoriais. Os consórcios municipais necessitam ser, ao menos,
se apresentam como alternativa de saída capacitados para lidar com o papel regional do
da precariedade municipal. seu município e devem usar os arranjos
institucionais de cunho técnico
(suprapartidários) para lidar com assuntos de
interesse comum (ex: planejamento territorial,
gestão de recursos hídricos)

Continua

108
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Tema Conclusões Recomendações


Plano Diretor da O que existe na verdade é um diagnóstico Precisa ser elaborado, junto às instituições que
Bacia do Rio dos recursos hídricos, elaborado em 1994, têm ação na região e junto às comunidades
Jiquiriçá que aponta para algumas ações locais. Os integrantes dos comitês (que
necessárias. Nunca foi discutido fora dos aprovam o plano) devem fazer parte, ou estar
órgãos do estado. em sintonia, com a comissão que participou ou
participa da elaboração do Plano Diretor
Municipal. Demanda um sistema de
informações acessível (e útil) para os técnicos
que atuam na área (publico ou privado) e
população. A capacitação deve enfocar, com
igual importância e em diferentes níveis, estes
dois segmentos.

Plano Diretor É coerente com os princípios da função Necessita de revisão de forma a atender ao
Municipal de social da propriedade presente no Estatuto Estatuto no que se refere, entre outras coisas, à
Jaguaquara da Cidade, mas reflete a debilidade desta contemplação do município como o todo. A
lei no tratamento das áreas além do população e os técnicos do serviço público
polígono urbano. A participação da necessitam de capacitação para participar
sociedade foi pontual. efetivamente e continuamente do processo de
revisão e gestão do plano.

Elaboração: Patrícia Lustosa/ Programa de Mestrado em Geografia da Universidade de Brasília, Orientador


Rafael S. A. dos Anjos, 2004.

De uma forma geral observa-se que as recomendações giram em torno da aplicação das leis
federais, sejam em suas propostas de ação territorial, sejam nas diretrizes de condução da democracia.
No entanto, ainda que a simples aplicação dessas leis contribua em muito com a integração do
planejamento nas duas instâncias, a articulação setorial nos níveis federais e locais, a interação entre os
vários níveis (população local, municípios, regiões, estados e país) e, principalmente, o foco na
diminuição das desigualdades como objetivo comum são condicionantes para o sucesso do
planejamento territorial.

Certamente a complexidade dos temas tratados remete a conclusões e recomendações que


extrapolam em vários sentidos os pontos listados no Quadro 7. Mesmo assim, o exercício de síntese é
válido no intuito de responder, de forma objetiva, aos principais questionamentos colocados para esta
pesquisa. No item que segue os pontos listados são melhor explicitados.

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5.2. CONCLUSÕES E REFLEXÕES

Diante do desafio proposto, primeiramente fez-se necessário compreender melhor o significado


de duas categorias geográficas que seriam trabalhadas mais intensamente na pesquisa: a região e o
território. Buscava-se identificar como a bacia hidrográfica se comporta como unidade de
planejamento regional, até porque a unidade de trabalho referencial é a Bacia do Jiquiriçá, mas a
unidade de trabalho da ONG do Consórcio do Jiquiriçá extrapolava esses limites até os limites
municipais, sendo a área em estudo tratada como região da Bacia do Jiquiriçá.

Através da consulta a diversos autores, chegou-se à conclusão que os conceitos que melhor se
adequam ao objeto estudado definem que regionalizar significa reconhecer regiões, em diferentes
contextos, para objetivos distintos. A região é formada a partir de quem observa, quando e para que; é
identificada pelas suas diferenças de identidade, produção, etc.; é um recorte do território retratado
para um objetivo que pode ser específico ou bastante genérico. Quanto mais específico, maior será a
representatividade ou fidelidade da regionalização para o alcance de seu objetivo.

Já o território é o espaço apropriado. Não é o simples ordenamento de um “palco” sobre o qual


o homem vive (noção mais comum mesmo entre os planejadores), o território compreende o próprio
homem, é o espaço que com ele interage e que sobre ele age.

Na pesquisa, foram tratados basicamente dois recortes territoriais bastantes distintos em sua
conceituação: o município e a bacia hidrográfica. Enquanto o primeiro tem uma concepção
basicamente administrativa, podendo seu limite variar de acordo com o que determina cada legislação
municipal; o segundo, a bacia, tem sua função ligada diretamente com a gestão ambiental e tem
critérios físicos muito mais nítidos, pois é invariavelmente formada pelo divisor de águas da bacia de
contribuição de águas superficiais.

Além disso, estas duas unidades territoriais apresentam grandes variações na apreensão coletiva
de seus significados, que variam de acordo com a sua localização geográfica no país ou até mesmo
com a formação acadêmica e profissional de seus gestores. Em relação às bacias, em muitos casos é
subtraído o território da noção de bacia hidrográfica, e estas acabam sendo tratadas apenas como
recursos hídricos, isto é como corpos d’água propriamente ditos.

Assim, os conceitos de cidade, de meio urbano e de município se confundem ao passo que o


meio rural ou natural é concebido como antagônico, ficando a administração e o ordenamento das
áreas além dos limites ditos urbanos praticamente desvinculados da administração local. A dicotomia

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entre o urbano e o rural, homem e natureza, vivida desde muito cedo pela ciência é acompanhada com
proximidade pela Geografia e se reflete nessas indefinições, caracterizações inadequadas e
apropriações parciais do espaço, e conseqüentemente, nos principais instrumentos legais que
respondem pelo planejamento territorial no Brasil.

Esse mesmo planejamento já presenciou uma grande diversidade de posturas no tempo e no


espaço. Foram relatados na pesquisa três perfis de planejamento adotados mais recentemente: o
planejamento conceituado como o clássico, tecnocrata, ambicioso e restritivo; o planejamento rotulado
como estratégico, empresarial e competitivo e; o perfil de planejamento no qual se insere essa
dissertação, baseado no projeto social de redução das desigualdades sociais. Dificilmente encontra-se
um plano advindo exclusivamente de um ou outro “modelo”, ou um período em que se exercia apenas
um tipo de planejamento. Hoje, pode-se encontrar concomitantemente várias dessas modalidades
mescladas, e ao mesmo tempo a concentração de alguma delas em locais específicos, como no estado
da Bahia, onde prevalece o perfil do planejamento estratégico, por exemplo.

Além dessas variações, o planejamento territorial brasileiro também já enfocou uma série de
temas distintos. Entre os marcos levantados que envolveram os movimentos populares que lutam pela
justiça territorial, destacam-se os movimento de luta pela reforma urbana e pela reforma agrária. As
maiores vitórias do movimento pela reforma urbana foram: conseguir aprovar na constituinte o
capítulo da política urbana e, em 2001, aprovar a lei que o regulamenta, o Estatuto da Cidade.

O mesmo levantamento histórico revelou a ascensão das políticas de gestão dos recursos
hídricos que conta com grande base jurídica e forte pressão internacional. Por trás do movimento
ambientalista que motivou essa conquista, há ainda o “apoio” do sistema capitalista que se adequou à
nova necessidade de “desenvolvimento sustentável” para que as limitações naturais não
representassem um impedimento para a reprodução do capital.

A Política Nacional de Recursos Hídricos de 1997 foi aprovada nesse contexto e trouxe tanto
instrumentos jurídicos de apoio à gestão participativa e democrática da água, como de apoio à criação
de um novo mercado financeiro, o “mercado das águas”. Essa política instituiu Comitês de Bacia como
principais órgãos gestores de bacias hidrográficas, que devem cobrar pelo uso desses recursos e
deliberar ações de conservação e preservação de patrimônio ecológico. Dessa forma, os comitês se
inserem num campo muito mais complexo que é o da articulação do planejamento territorial (que
demanda a fixação de estratégias para a inclusão social, a ocupação e a utilização do solo) com o
correspondente arcabouço legal e institucional de gestão (Low-Beer, 2003a).

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Quatro anos depois, em 2001, foi aprovado o Estatuto da Cidade, que reforça o papel do
município como gestor do território. O Estatuto trouxe importantes instrumentos de democratização da
gestão e de diminuição das desigualdades sociais, promovendo a função social das cidades sem, no
entanto, orientar como estendê-la para o município como o todo (devido, entre outras razões de cunho
econômico e político, à inexperiência dos municípios brasileiros em lidar com esta dimensão).

Paralelamente ao embate pela aprovação dessas políticas, ou seja, desde o movimento pela
nova Constituição de 1988, o Brasil viveu um rápido processo de municipalização, vivenciado
diferentemente em todo país e que não atingiu, em muitos casos, seus objetivos de ampliação da
democratização e da participação. Ao contrário, muitas prefeituras se enfraqueceram política e
economicamente, e só mais recentemente estão encontrando nas uniões intermunicipais soluções para
muitos dos seus problemas.

Verificou-se, com a pesquisa, que os novos arranjos institucionais de aliança intermunicipal


estão crescendo no país em número e em diversidade. Setores como educação e saúde se destacam,
promovidos por uma política nacional pioneira que incentiva a articulação de governos em consórcios
intermunicipais.

O avanço da aliança setorial deve-se simultaneamente a outros dois fatores: à flexibilidade


permitida nas articulações político-partidária, pois, como não se exige a contigüidade territorial, as
alianças podem ser realizadas simplesmente entre gestores de posições políticas semelhantes; e deve-se
também à tradicional prática política brasileira de subordinar o desenvolvimento territorial ao
desenvolvimento setorial. Tradição esta que se explica pelos mesmos motivos que justificam a
dicotomia urbano-rural: o afastamento do objeto científico do objeto real.

No entanto, novos arranjos institucionais em debate e em implantação, como é o caso dos


consórcios públicos e dos comitês de bacias respectivamente, estão exigindo dos municípios uma
articulação regional, isto é, uma articulação em bases territoriais, ainda que impulsionadas por temas
setoriais.

O grande avanço da temática do recurso hídrico nas políticas de planejamento territorial cria
também uma nova tendência à interação intersetorial que merece ser vista, ao mesmo tempo, com
otimismo e precaução, antes de ser amplamente adotada. O questionamento natural que decorre da
nova experiência de gestão territorial regional é: porque não introduzir nas discussões dos comitês de
bacias, discussões sobre outras políticas setoriais (como habitação por exemplo) que não estão ligadas
diretamente às questões dos recursos hídricos, mas cujas problemáticas são englobadas no conceito
territorial da bacia hidrográfica?

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Muitas vantagens podem ser tiradas dessa interação intersetorial, mas deve-se estar atento para
suas limitações e “deformações”. A bacia é um limite regional concebido e amplamente indicado para
a gestão ambiental; contudo, o planejamento de políticas setoriais específicas pode suscitar um outro
contorno regional, o que demandará cautela e empenho na compreensão das dinâmicas que não
respeitam os limites naturais da bacia. Nem sempre, apesar das condições de mobilização favoráveis,
uma discussão setorial será possível sem o envolvimento de outros atores ou sem a reflexão sobre
outros territórios.

Estas novas temáticas introduzidas nas discussões dos comitês têm grande potencial de:
contribuir para a abordagem territorial na discussão da gestão de bacias hidrográficas e não apenas de
recursos hídricos; motivar os envolvidos, dando continuidade à mobilização na ausência de outros
itens de maior conflito; bem como, de otimizar tempo e recursos de mobilização social e técnica,
utilizando a estrutura já organizada do comitê. Por outro lado, algumas limitações podem ser citadas: a
bacia hidrográfica é a unidade ideal para a gestão ambiental, mas pode não ser apropriada para o
planejamento e a gestão de outras políticas setoriais; além disso, a introdução de novos temas nos
comitês também pode promover a dispersão da discussão, o enfraquecimento das ações-foco e o
desinteresse da população.

Estas reflexões se baseiam na política adotada pelo estado da Bahia para a promoção dos
principais instrumentos de planejamento territorial, os Planos Diretores Municipais e de Recursos
Hídricos, segundo as duas principais leis desse setor, o Estatuto da Cidade de 2001 e a Política
Nacional de Recursos Hídricos de 1997, respectivamente.

A pesquisa destacou três linhas de atuação do governo baiano que tem financiado Planos
Diretores e analisou a proposta estadual de ação regionalizada em cada linha. Uma delas tem enfoque
nos recursos hídricos e divide a Bahia em Bacias Hidrográficas Administrativas. Constatou-se que
nessa linha a política estadual diverge da política nacional de recursos hídricos em sua essência, ao não
reconhecer o poder deliberativo dos Comitês de Bacia. Isto só é possível porque o governo baiano tem
o apoio legal da lei estadual de recursos hídricos aprovada em 1995, o apoio financeiro de agências
multilaterais, e faz uso da justificativa de que, estando grande parte do estado no semi-árido, a gestão
centralizada permite melhor distribuição regional de benefícios. No entanto, não foi identificada
nenhuma estratégia de ação territorial, nenhuma linha de crédito disponível para financiamento dos
Planos diretores de bacia hidrográfica, nem tampouco foram identificados critérios nítidos para apoiar
a organização e a ação institucional em uma ou outra bacia.

113
Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

Outra linha de ação trata dos planos pelo aspecto econômico do turismo. Nessa linha, os
estudos evidenciaram uma postura do estado baseada nos princípios do planejamento descrito como
estratégico. Nesse caso, os principais eixos de desenvolvimento da Bahia são priorizados, seus
potenciais enfatizados, e com isso, suas desigualdades em relação às demais áreas do estado e aos
demais setores da mesma região são aumentadas.

A terceira linha de ação estudada trata do ordenamento territorial municipal propriamente dito,
mas não apresenta nenhuma proposta de regionalização como estratégia de atuação. Ainda que não
tenha sido possível identificar relações partidárias explícitas ente os municípios beneficiados com
planos diretores através do PRODUR, programa estudado na pesquisa, tampouco foram identificados
critérios que definissem uma estratégia de compensação das desigualdades territoriais presentes no
estado.

Essas desigualdades foram retratadas na série de mapas temáticos brevemente analisados na


pesquisa, tratando desde as desigualdades no aspecto ambiental, às desigualdades nos aspectos
econômicos sociais e infra-estruturais. Praticamente todas análises reafirmam a condição privilegiada
que assumem as regiões polarizadas pela capital Salvador, por Barreiras (no extremo oeste), Juazeiro
(ao norte) e pelos municípios situados na costa marítima.

A investigação confirmou que as regionalizações implantadas nesse estado são setoriais e


totalmente desarticuladas umas com as outras. No entanto, estudos promovidos pelo próprio governo
apontam para a importância de uma nova regionalização que integre territorialmente as ações setoriais
e que dê importância à área central do estado, tradicionalmente excluída dos seus principais projetos de
desenvolvimento.

A experiência da região da bacia do Jiquiriçá revelou-se bastante rica. Como se reafirmou, mais
da metade dos seus municípios estão inseridos nesse contexto de precariedade da área central da Bahia.
Ao mesmo tempo, desenvolve-se na região um interessante processo de mobilização social e
articulação política coordenado pelo Consórcio do Jiquiriçá, atualmente com vistas à implantação do
Comitê de Bacia.

O estudo empírico explicitou o confronto existente entre a inapropriação dos conceitos de bacia
e município e o desafio de promover a sobrevivência do consórcio, uma instituição com base em uma
visão territorial ampliada (em relação aos tradicionais limites do polígono urbano e dos recursos
hídricos) e em projetos multidisciplinares. Explicitou também o confronto entre a prática política
estadual e a legislação nacional, revelando os prováveis motivos da dificuldade do Consórcio do

114
Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

Jiquiriçá em obter apoio em um estado que centraliza as decisões políticas em suas mãos para manter
as alianças econômicas, a prática clientelista e a sua permanência no poder.

Com base nessa experiência baiana, conclui-se que a política implementada por esse estado tem
muito menos chances de integrar o planejamento municipal com o planejamento da bacia hidrográfica.
A maioria dos pontos temáticos analisados poderiam se complementar se simplesmente as diretrizes da
Política Nacional de Recursos Hídricos fossem seguidas.

Por outro lado, o plano de Jaguaquara revelou-se um plano coerente com os princípios do
Estatuto da Cidade, mesmo sendo sua elaboração anterior à aprovação dessa lei. Certamente o
envolvimento da equipe elaboradora do plano no movimento pela reforma urbana determinou essa
característica, muito mais do que a postura política do programa através do qual ele foi viabilizado.
Ainda assim, alguns de seus aspectos divergem explicitamente da proposta do Estatuto, especialmente
aqueles mais diretamente relacionados com a zona rural. Neste ponto, mesmo com uma futura
adequação do plano ao Estatuto, a pesquisa demonstrou que ainda há muito para ser discutido e
experimentado, pois esta lei oferece poucos instrumentos para uma mudança significativa na
abordagem do território municipal como um todo.

As análises comparativas entre os Planos Diretores Municipais e de Bacia Hidrográfica


revelaram que a maior dificuldade de integração do planejamento territorial das duas instâncias está
centrada muito mais nos procedimentos metodológicos adotados do que propriamente nas funções e
nos objetivos dos planos (sejam estes determinados por legislação federal ou estadual).

Fundamentalmente, essas dificuldades se baseiam nas diferenças de escalas de tratamento dos


objetos (ainda maiores devido à não adequação às legislações federais em ambos casos), no que diz
respeito à área de abrangência e aos níveis de participação.

Constatou-se no estudo de caso a confusão conceitual existente entre os conceitos de


município, cidade, zona urbana e zona rural, meio natural, bacia hidrográfica, recursos hídricos e
corpos d’água. Isso reforça a necessidade de se abordar o território como um todo e de se avaliar caso
a caso a unidade de planejamento em questão, estendendo as análises para além dos limites legalmente
e conceitualmente definidos.

Pode-se concluir que estas dificuldades e limitações estarão presentes em qualquer ação
regionalizada. Mas diante de todo um sistema legal e do movimento político nacional e internacional
aqui apresentados, a Bacia Hidrográfica se apresenta como uma unidade de regionalização propensa à
congregação de esforços no sentido da sustentabilidade.

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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

A existência de instituições com bases territoriais, suprapartidárias e multidisciplinares, a


exemplo do Consórcio do Jiquiriçá, confirma a capacidade de congregar as análises de ordem
ambiental, social, econômica, etc., com mais proximidade e interatividade com a administração e com
a sociedade. Esta conclusão suscita, no entanto, ponderações como as anteriormente citadas, sobre os
limites e potenciais da inserção de novas temáticas no âmbito dos comitês de bacia e, passado todo o
processo de investigação e análise dessa dissertação, suscita ainda inúmeros outros pontos para
reflexão, entre eles: Como lidar com a introdução de mecanismos de mercado em contextos de
escassez, pobreza e baixo nível de organização social? Como pequenos municípios podem beneficiar-
se das ações de uma agência de bacia sem perder autonomia?

Todas estas e as demais questões levantadas são pertinentes face ao atual processo de
estabelecimento de uma política nacional, estadual e regional de cooperação e multiplicação de
resultados, em busca de um planejamento territorial comprometido com a diminuição das
desigualdades sociais existentes no espaço brasileiro. Infelizmente suas repostas ultrapassam as
possibilidades de uma única dissertação de mestrado, mas a reflexão sobre os pontos expostos
certamente contribui para uma postura mais crítica dos planejadores e gestores, que podem, com o
subsídio dos estudos aqui apresentados, concluir que o planejamento territorial integrado entre
município e bacia hidrográfica, na Bahia ou no Brasil, é possível, e mais do que isso, é desejável e
necessário.

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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

ANEXOS 

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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

Anexo I – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

ESTRUTURA GERAL DA PESQUISA

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DETALHAMENTO DAS ETAPAS DA PESQUISA

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Anexo II - FONTES E MATERIAL DE PESQUISA

As fontes e material de pesquisa referem-se às atividades citadas na estrutura apresentada como segue:

Quadro 8 - Etapa preliminar

Informação Acervo/ Fonte Meio de Observações


disponibilização
Revisão Biblioteca Unb Papel Dificuldade de encontrar material que
Bibliográfica consta no sistema da própria biblioteca
Professores e Papel Principal fonte utilizada
disciplinas cursadas
Experiências Bibliotecas particulares Papel Colhidos em entrevistas e consultas a
semelhantes no professores e profissionais da área
Brasil
Internet Digital Pequisa em sites de busca geral

Quadro 9 - Etapa 1: Fundamentação Teórica

Informação Acervo/ Fonte Meio de Observações


disponibilização
Metodologias de Biblioteca Unb Papel Consulta a teses e dissertações.
análise territorial Dificuldade de encontrar material que
consta no sistema da própria biblioteca
Professores e Papel Principal fonte utilizada. Complementada
disciplinas cursadas com orientação da banca de qualificação
Estudo dos Biblioteca Unb Papel Dificuldade de encontrar material que
principais autores e consta no sistema da própria biblioteca
principais conceitos
Professores e Papel Principal fonte utilizada.
adotados
disciplinas cursadas

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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

Quadro 10 - Etapa 2: Levantamento de Instrumental Legal

Informação Acervo/ Fonte Meio de Observações


disponibilização
Relacionar Professores e Papel Principal fonte utilizada
principais marcos disciplinas cursadas
legais
Entrevista a expertises Digital Pesquisa realizada com profissionais do
Consorcio do Jiquiriçá e técnicos do
Ministério das Cidades
Conteúdo dos Biblioteca Pessoal Papel Fonte limitada
principais
Consórcio do Jiquiriçá Papel e digital Principalmente informações sobre
instrumentos
Recursos Hídricos
levantados
Ministério das Cidades Papel e digital Principalmente informações sobre Planos
Diretores Municipais
Internet Digital Principal fonte utilizada. Pesquisa
realizada em páginas oficiais dos
Governos Federal e Estadual da Bahia.

Quadro 11 - Etapa 3: Formação de Base de Dados

Informação Acervo/ Fonte Meio de Observações


disponibilização
Região do Jiquiriçá SEI /SEPLANTEC Digital (Html) e Principalmente Histórico de ocupação e
e Bahia Papel Economia
Consultores da área Digital (shape, doc Fornecimento de bases e estudos da Bahia
e pdf)
SIDRA/IBGE Digital (dxf e xls) Consultas e extração de informações
disponibilizadas no site institucional.
Principalmente População e Economia.
SNIU /Mcidades Digital (xls) Principalmente informações de
infraestrutura e gestão
Atlas de Digital (xls) Principalmente informações Sociais
Desenvolvimento
Humano/ PNUD
SIG/SUDENE/MI Digital (xls) Principalmente informações ambientais
EMBRAPA Digital (bmp) Domwload gratuito de imagens de satélite
Bacia do Rio Consórcio do Jiquiriçá Digital (map, jpeg, Principal fonte utilizada. Apoio a
Jiquiriçá e seus doc e xls) e papel pesquisas de campo. Informações
Municípios principais relativas a aspectos sócio-
econômicos, administrativos e específicos

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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

SRH Digital (shape e fst) Fornecimento de bases e imagens de


satélite da bacia (disponibilização
intermediada pelo Consórcio do Jiquiriçá).
Dificuldade de compatibilização com base
de limites administrativos (IBGE)
EMBRAPA Digital (bmp) Domwload gratuito de imagens de satélite
Pesquisas acadêmicas Digital (shape e fst) Principalmente estudos relativos aos
na área aspectos físicos
Municípios de Pesquisa de campo Papel Realizado através de entrevistas a técnicos
Jaguaquara da prefeitura (de órgãos instalados no
município) e à população e através
registros fotográficos
SEBRAE Papel Principalmente aspectos econômicos
Tecnosan e consultores Digital (doc e jpg) Informações sobre diferentes aspectos
do Plano Diretor de contidas nos relatórios do Plano Diretor de
Jaguaquara Jaguaquara
EMBRAPA Digital (bmp) Domwload gratuito de imagens de satélite
Consórcio do Jiquiriçá Digital (pdf e doc) Informações colhidas de IBGE (base
cartográfica municipal), Prefeitura e
Fórum (principalmente aspectos sócio-
culturais)

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Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

Anexo III – MARCOS HISTÓRICOS DO PLANEJAMENTO TERRITORIAL

O quadro 12 a seguir relata alguns dos principais marcos históricos (aprovações de leis no
Brasil, acordos internacionais, eventos nacionais e internacionais, etc.) que influenciaram a prática do
planejamento territorial brasileiro. A metodologia utilizada foi de consulta a trabalhos que tratam do
histórico dos principais marcos relacionados aos temas tratados, a depuração do quadro demanda uma
consulta a especialistas da área para sua validação, porém, não cabia ao objetivo da dissertação o
aprofundamento desse tema. As falhas e imprecisões do esforço de síntese e sistematização das
informações encontradas cabem exclusivamente à autora dessa dissertação.

As colunas de Enfoque Político do quadro referem-se a 5 temas centrais que motivaram a


elaboração e a aprovação dos marcos listados: infra-estrutura e desenvolvimento, integração e defesa
nacional, meio ambiente, recursos hídricos e ordenamento territorial.

No caso do código das Águas de 1934, apesar deste ser uma lei diretamente relacionada a
recursos hídricos (uma vez que regulamenta o uso desses recursos), os objetivos visados com esta
regulamentação dirigem-se à estratégia política da época de infra-estruturação e desenvolvimento do
país. Já os marcos relacionados com recursos hídricos demonstram em seu conteúdo uma
preocupação mais direta com a situação desses recursos (escassez, poluição, etc), ainda que
politicamente sigam estratégias relacionadas a outros temas.

O tema meio ambiente aparece assinalado no quadro 12, naqueles marcos que, assim como no
tema de recursos hídricos, dão a esta causa uma importância maior, demonstrando real preocupação
com sua qualidade (ainda que esta seja motivada por estímulos de outras ordens, comumente de ordem
econômica).

Em alguns momentos da história brasileira, identificam-se no plano das políticas públicas que
interferem na gestão territorial, alguns marcos cujo principal objetivo era integração do patrimônio
brasileiro com vistas à defesa de sua hegemonia político-administrativa. Apenas mais recentemente,
como pode ser observado no quadro cronológico, essas políticas revelam uma preocupação mais direta
com o ordenamento territorial para fins de planejamento do espaço (através dos quais se pretende
organizar usos e ações para a melhoria da qualidade de vida da população).

131
Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

Quadro 12 - Quadro cronológico preliminar de marcos institucionais que interferem no planejamento territorial

ENFOQUE POLÍTICO
recurs. hídicos

odenam. territ.
patrim. defesa
infra e desen.

meio ambien.

Pontos principais relativos ao


pontos principais relativos a Meio Principais
ano marco atuação planejamento com todo e planejamento Atores princ.
Ambiente e Recursos Hídricos instrumentos
urbano

1850 Estatuto da terra Brasil legalização de de terras devolutas Governo Federal

assegura uso prioritário para abastecimento,


Código das Águas (Dec. Fed. 24.643, estabelece concessão ou autorisação de uso;
1934 Brasil Governo Federal
10/07/34) prevê resposabilidade criminal ou multas por
infração

dá diretrizes para expandir a industria nacional


1956 Plano de Metas Brasil União
associando-a ao capital extrangeiro

I Plano Diretor de Desenvolvimento do estabeleceu metas de aumento da estabeleceu metas de incremento da rede de
1961 Nordeste SUDENE
Nordeste capacidade instalada das Hidroelétricas transportes
estabeleceu limitações ao direito de
1979 Código Florestal (Lei Fed. 4771) Brasil definiu áreas de proteção da cobertura vegetal propriedade, uso do solo condicionado aos Governo Federal
parmetros de proteção
Planejar e coordenar a política de
1971 Plano Nacional de Saneamento - PLANASA Brasil Governo Federal
saneamento no país

Conferência das Nações sobre o Meio Formulado primeiro plano de ação global Estados -nações/
1972 mundo PNUMA
Ambiente Humano - Estolcomo sobre o meio ambiente ONU

instituia regiões metropolitanas para


I Plano de Desenvolvimento Nacional - I
1972 Brasil coordenação de atuação nos nível federal Governo Federal
PND
estadual e municipal
Cria-se a Secretaria Especial de Meio
1973 Brasil preservação de amostras de ecossistemas controle de poluição Governo Federal
Ambiente - SEMA
II Plano de Desenvolvimento Nacional - II
1974 Brasil Criou grupo de política urbana - POLURB Governo Federal
PND

originou 5 programs desde Capitas a núcleos


Política Nacional de Desenvolvimento urbanos de apoio e cidades históricas,
1976 Brasil Governo Federal
Urbano surgiram primeiras normas de uso e ocupação
do solo e zoneamento industrial.

1978 Conferência de Alma Alta mundo meta "Saúde para Todos até o ano 2000" Governo Federal

Lei de Parcelamento (Lei Federal n° definiu normas de parcelamento do solo para Governo Federal/
1979 Brasil
6.766/79) fins urbanos Municípios
Continua

132
Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

ENFOQUE POLÍTICO

recurs. hídicos

odenam. territ.
patrim. defesa
infra e desen.

meio ambien.
Pontos principais relativos ao
pontos principais relativos a Meio Principais
ano marco atuação planejamento com todo e planejamento Atores princ.
Ambiente e Recursos Hídricos instrumentos
urbano

Plano Nacional de
Política Nacional de Irrigação e Drenagem busca aproveitamento racional de recursos de
1979 Brasil Governo Federal Irrigação e
(Lei nº 6.662, 25/06/79) água e solos
Drenagem

Programa Nacional de Cidades de Porte criar novos pólos de desenv. desconcentra


1979 Brasil Governo Federal
Médio - PNCPM ativ. econom. e pop,

além do porposto nos PND anterior: abordava


III Plano de Desenvolvimento Nacional - III migração campo-cidade,proposta de política
1980 Brasil Governo Federal
PND agrícola, social e de descentralisação
administrativa

Política Nacional do Meio Ambiente (Lei preservação , melhoria e recuperação da Ministério do Meio
1981 Brasil EIA/RIMA
Federal 6.938/81) qualidade ambiental propícia à vida Ambiente
Estabelece classe de usos prepoderantes Ministério do Meio
1986 CONAMA Resolução n. 20/86 Brasil
para as águas Ambiente

formula conceito de desenvolvimento documento "Nosso


1987 Relatório de Brundtland mundo ONU
sustentável Futuro Comum"

constituições
Cabe à União legislar sobre a água; todos Cabe ao Município arrecadar e gerir recursos, Estaduais, leis
1988 Constiuição Federal Brasil Prefeituras municipais
corpos d'águas são de domínio público garantir e prover a ordem em seu território orgânicas e planos
diretores municipais

Ministério do Meio
1989 Brasil
criou-se o IBAMA Ambiente

Conferência Internacional sobre Recursos novos enfoque sobre avaliação,


1992 mundo ONU
Hídricos e o Meio ambiente - Dublin desenvolvimemtoe gerenciamento de RH

ECO 92 - Conferência Munidial das Nações


discussão sobre meio ambiente e Estados -nações/ Carta da Terra e
1992 Unidas sobre meio ambiente e mundo
desenvolvimento ONU Agenda 21
Desenvolvimento (CNUMAD

Bacia do Rio 17 prefeituras fundam o Consórcio em vista à Estatuto do Consócio prevê ações integradas
1993 Consorcio Intermunicipal do Rio Jiquiriçá prefeitos
Jiquiriçá grande degradação do Rio Jiquiriçá de desenvolvimento da região como um todo

divisão do estado em Regiões administrativas Superintendência de Plano estadual de


Política, gerenciamento e Plano Estadual de
1995 Brasil da água (RAA); insentiva formação de Recursos Hídricos RH; estabelece
RH (Lei Est. 6.855, 12/05/95)
"comitês de bacia" com função consultiva. (SRH/BA) autorga e cobrança

Continua

133
Planejamento Territorial: Município X Bacia Hidrográfica Dissert ação de Mestrado – Pat rícia Lust osa

ENFOQUE POLÍTICO

recurs. hídicos

odenam. territ.
patrim. defesa
infra e desen.

meio ambien.
Pontos principais relativos ao
pontos principais relativos a Meio Principais
ano marco atuação planejamento com todo e planejamento Atores princ.
Ambiente e Recursos Hídricos instrumentos
urbano

Sistema Nac. de
institui unidade de gestão a bacia Agência de Águas; Gerenc. De RH;
Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei hidrográfica; 12 regiões hidrográficas para Conselho Nac. de RH; Sistema de
1997 Brasil
Fed. 9.433, 08/01/97) gestão; define aos Comitês de B. Hid. função Secrtaria de RH Informações sobre
de gerenciamento da bacia (executivo) RH; autorga e
cobrança

Ministério do Meio
2000 Lei Federal n. 9.984, 17/07/00 Brasil Cria Agência Nacional de Águas
Ambiente

Fundo Setorial de Desenvolvimento fomentar atividades de ciência e tecnologias


Ministério da Ciência e
2000 Científico e Tecnológico para RH (CT- Brasil voltada para conhecimento , proteção, uso
Tecnologia
HIDRO), Lei 9.993/00 sustentável e gestão dos RH

Zoneamento
Ministério do Meio
2000 Medida Provisória 2.049-25/00 Brasil altera dispositivos da lei n. 9.649/98, dá Ecológico-
Ambiente
providência quanto ao ordenamento territorial Econômico

Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.527, função social da propriedade urbana; Plano
2001 Brasil Prefeitura Municipal Plano Diretor
11/07/01) diretor deve engloabr município como todo

Capítulo da Agricultura Sustentável e da Capitulo Cidades Sustentáveis, Infra-estrutura poder local, estadual e
2002 Agenda 21 Brasileira Brasil
Gestão dos Recursos Naturais e Integração Regional nacional

Fonte: LOW-BEER (2000); LOW-BEER, (2003a); LOW-BEER (2003b); CONSÓRCIO (2001); FELDMAN (1999). Elaboração: Patricia Lustosa/ Programa de
Mestrado em Geografia da Universidade de Brasília, Orientador Rafael S. A. dos Anjos, 2004.

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