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Traduzindo performance [prefacio]' Diana TayLor Performance, ativismo, a¢io, acciones, live art — esses sao apenas alguns dos termos que estudiosos, artistas e ativistas usam para classificar suas interven- Ges na arena social. O que esta em jogo nesses termos — que elementos eles incluem ou excluem? Os ensaios nesta coletanea exploram um amplo espectro de modalidades da “performance” atravessando disciplinas académicas e pré- ticas artisticas — desde antropologia até teatro, lingufstica, estudos religiosos, género e sexualidade, teoria critica da raga e — last but certainly not least? — artes visuais e performaticas. Como escrevi em outro texto, as performances funcionam como atos de transferéncia vitais’, transmitindo conhecimento social, mem6riae senso de identidade por meio de comportamentos reiterados ~ ou “duplamente com- ' O artigo foi traduzido do inglés por Fabio Bonillo. Ultimo mas certamente ndo menos importante. Uma versio anterior desse ensaio apareceu no Capitulo Um do meu livro The Archive and the Repertoire: Performing Memory in the Americas (2003). [Ed. bras.: O arquivo e 0 repert6rio: per- formance e meméria cultural nas Américas, trad. Eliana Lourenco de Lima Reis, Belo Horizonte, Editora UFMG, 2013.] Devo este termo a Raul Connerton que ele usa em seu excelente livro How Societies Remember, Cambridge, Cambridge University Press, 1989, p. 39. Sa 10 portados” (twice-behaved behavior)>, como chamou-lhes Richard Schechner. “Performance”, em um registro, € 0 objeto de anilise dos estudos de perfor- mance ~a saber, a multiplicidade de praticas e eventos - danga, teatro, ritual, comicios politicos, funerais ~ que envolvem comportamentos teatrais, ensaia- dos ou .conyencionais.adequados-a-ocasiao (event-appropriate). Essas praticas so geralmente separadas (bracketed) daquelas 4 sua volta para constituirem objetos de andlise distintos. As vezes, esse enquadramento (framing) faz par- te da natureza do préprio evento - determinada danga ou comicio possuem inicio e fim; nao se desdobram continua ou fluentemente em outras formas de expresso cultural. Dizer que alguma coisa é uma performance constitui uma afirmagao ontolégica. Em outro registro, “performance” também constitui uma lente metodolégica que permite aos estudiosos analisar eventos enquanto (em inglés, as) perfor- mances.° Obediéncia civil, resisténcia, cidadania, género, identidade étnica e sexual, por exemplo, sao ensaiados e performados diariamente na esfera Pp blica. Entendé-los como (as) performances indica que a performance também age como uma epistemologia. A pratica encorporada (embodied practice)’, junto (e atrelada) aos discursos culturais, oferece um modo de conhecimen- to. A relagio is/as (é/como) ressalta 0 entendimento da performance como algo simultaneamente “real” e “construfdo”, como priticas que retnem 0 que historicamente foi separado como discursos distintos, supostamente independentes, ontolégicos e epistemolégicos. Os miiltiplos usos da palavra “performance” apontam para suas complexas, aparentemente contradit6rias e por vezes mutuamente sustentadas camadas de referencialidade. Victor Turner fundamenta seu entendimento na raiz ctimol6- gica francesa, parfournir, \‘fornecer”, “completar ou realizar completamente”.® Para Turner, assim Como para outros antropdlogos dos anos 1960 e 1970, as performances revelam o cardter mais profundo, verdadeiro e individual-da cultura. Orientado por uma crenca na universalidade e na transparéncia relativa Richard Schechner, Between Theater and Anthropology, Filadélfia, Pennsylvania University Press, 1985, p. 36. E de Schechner a distingao as/is (“como/é"), a qual sublinha o entendimento que o campo tem de performance tanto como “real” quanto como “canstrufdo", como um fendmeno que enseja qusstdes que sio tanto ontoldficas quanto epistemol6gicas, : Nota do revisor da traduco: sugerimos o neologismo encorporado/a para a palavra embodied, como modo de distingui-la de palavras afins: incorporated, corporeal etc. “Aqui a etimologia de “performance” pode nos dar uma pista itil, porque nao esté relacionada a “forms”, mas deriva do frances antigo parfournir, ‘fornecer', ‘completar ox realizar completamente”. (Victor Turner, From Ritual to Theatre, Nova York, PAJ Publications, 1982, p. 13.) das populagées, alegou que elas poderiam vir a entender umas as outras atra- vés de suas performances. Para outros, obviamente, a performance significa justamente o oposto: o carter construido (constructedness) da performance sinaliza sua artificialidade de — é “postiga”, contrdria ao “real” e “verdadeiro”. Ao passo que em alguns casos a énfase no construfdo da performance releva um preconceito anti limitrofe com o “real”. Conquanto uma danga, um ritual ou uma manifestagao, requerem recortes ou enquadramentos que os diferenciem de outras praticas sociais contiguas, isso nao implica que a performance nao é “real” ou “verda- deira”. Pelo contrério, a ideia de que a performance destila uma verdade mais “verdadeira” do que a prépria vida remonta a Aristételes, passa por Shakes- peare e Calderén de la Barca, por Artaud e Grotowski, e ecoa no presente. As pessoas do ramo dos negécios parecem usar 0 termo mais do que quaisquer atral, em leituras mais complexas 0 construfdo € visto como outras, embora, em geral, assim fazem quando querem dizer que uma pessoa (ou mais frequentemente uma coisa) atinge seu potencial.!” Os funciondrios sio obrigados a performar: realizar tarefas que lhes foram atribuidas. Os super- visores avaliam a eficiéncia dos trabalhadores, sua “performance”, assim como carros e computadores e mercados supostamente competem para outperform (superar) seus concorrentes. Os consultores politicos entendem que € a perfor- mance-enquanto-estilo, mais do que enquanto realizacéo ou desempenho, que frequentemente determina 0 resultado politico. Também a ciéncia comegou a explorar o comportamento humano reiterado e a cultura expressiva através de “memes”: “‘Memes’ sao histérias, cangées, habitos, habilidades, invengées ¢ maneiras de fazer coisas que copiamos de pessoa a pessoa por imitago”!! — ou seja, as ages reiteradas que eu venho.chamando de performance - apesar de que claramente a performance nao necessariamente envolye comportamentos miméticos. Obrigagio, eficdcia, competigao, funcionalidade. O obscurecimento de fronteiras faz parte, tedrica e politicamente, da efic4cia da performance. Nos estudos de performance, as nogdes sobre o papel e a funcao da perfor- mance também variam bastante. Alguns estudiosos admitem a efemeridade SS da performance, afirmando que ela desaparece porque nenhuma forma de ee “Conheceremos melhor uns aos outros participando das performances e aprendendo as suas gramé- ticas e os seus vocabulérios.” (Victor Turner, “From a Planning Meeting for the World Conference on Ritual and Performance”, citado na Introdugo de Richard Schechner & Will Appel (eds.), By ‘Means of Performance, Nova York, Routledge, 1980. 2 Ver Jon McKenzie, Perform or Else: From Discipline to Performance, Londres, Routledge, 2001. 1 Susan Blackmore, “The Power of Memes", in Scientific American, outubro de 2000, p. 64-73. @duewojiad opurznpest 11 12 documentagao ou reprodugao consegue aprender o “vivo”.!? Outros estendem o entendimento da performance considerando-a como sendo limitrofe com a memiéria e a histéria. Como tal, ela participa natransferéncia e na na continuidade aaa de conheciment Estudiosos provenientes da filosofia e da retérica (como J. L. Austin, Jacques Derrida e Judith Butler) cunharam termos como “performativo” e “perfor- matividade”. Performativo, para Austin, refere-se a casos em que “a emissio da elocugdo é a performance de uma ago”.'* Em alguns casos, a reiteragao e o enquadramento (bracketing) que anteriormente associei com performance ficam claros: € dentfoda mento que as palavras “Eu aceito” tém peso legal."> Outros continuaram a desenvolver, de miiltiplas e variadas formas, o conceito de performatividade de Austin. Derrida, por exemplo, vai mais a fundo ao sublinhar a importancia da citacionalidade e iteracionalidade no “evento da fala”, indagando se “uma afirmacao performativa [poderia] ter éxito se sua formulagio no repetisse 1”.16 No entanto, o enquadramento que sustenta 0 uso de performatividade de Judith Butler — 0 processo de sociali- zacio em que as identidades de género € de sexualidade\(por exemplo) sio produzidas através de praticas regulatorias e citacionais — é mais dificil de identificar, pois a normalizagao tornou-o invistyel. Enquanto o performativo, em Austin, aponta para a lin ‘Tinguagem q que atua, em Butler ele vai na diregao contréria; subjetividade e agéncia cultural sd pensadas como pritica discursiva normativa. Nesse percurso, 0 performativo torna-se menos uma qualidade (ou adjetivo) de “performance” do que de discurso. Embora possa ser tarde demais Idiira Convencional de uma ceriménia de casa- uma afirmagao ‘codificada’ ou iterav '? Partindo de uma posicao lacaniana, Peggy Phelan delimita a “vidal\dalp@HOnnancOaO presences performance no pode ser salva, gravada, documentada ou dé outra maneira participar na circulacao Goes ¢ ‘a ser da performance, assim como a ontologia e a nto” (Unmarked: The Politics subjetividade propostas aqui, ocorre por mei of Performance, Londres ¢ Nova York, Routledge, 1993 “As genealogias da performance acercam-se a ideia de imaginarios sonhados por mentes nao anteriores & linguagem, mas que a constituem.” Joseph Roach, Cities of the Dead: Circum-Atlantic Performance, Nova York, Columbia University Press, 1996, p. 26). Ver também, de Paul Connerton, o jé citado How Societies Remember, e, de minha autoria, ‘The Archive and the Repertoire ([2003] 2013). \ J.L. Austin, How to do Things With Words, 2. ed., Cambridge, Harvard University Press, 1975, p. 6 ‘Come coloca Jacques Derrida ao escrever sobre o performative de Austin: “Poderia uma afirmacao performativa ter éxito se sua formulagio nio repetisse uma afirmacao ‘codificada' ow iterével” (‘Signature Event Context”, in Margins of Philosophy). Jacques Derrida, “Signature Event Context”, in Margins of Philosophy, p. 326. para reivindicar “performativo” para o dom{nio nao discursivo da performance, sugiro que ene eraos uma palavra.de uso espanhol contemporaneo para performance }; performdtico ou performatic,\em inglés — para indicar a forma adjetiva do dominio no discursivo da performance. Por que isso é importante? Porque é fundamental sinalizar o perfo sual Como campos que se distinguem do campo discursivo tio privilegiado pelo logocentrismo ocidental, embora com este se entrelacem. O fato de nao possuirmos uma palavra para sinalizar esse espaco performéatico é antes um produto desse mesmo logocen- trismo do que uma comprovacao de que j nao ha mais nada 14.17 Portanto, um dos problemas em usar a palavra “performance” e seus falsos cognatos “performativo” e “performatividade” advém do extraordinariamen- te amplo alcance de comportamentos que ela envolve - desde uma danga especifica até 0 comportamento cultural generalizado. No entanto, essa multiplicidade de camadas indica as profundas correlagdes de todos esses sistemas de inteligibilidade e as fricgées produtivas entre elas, Uma vez que os diferentes empregos do termo/conceito — académico, politico, cientifico, empresarial — raramente se interpelam diretamente, “performance” também tem um histérico de intraduzilibidade. Ironicamente, a propria palavra tem sido enclausurada nas caixas disciplinares e geograficas as quais desafia, e a ela tém sido negadas as promessas de universalidade e transparéncia que alguns diriam ela abre para os seus objetos de pesquisa. Obviamente, esses muitos pontos de intraduzibilidade so o que tornam o termo € as praticas teorica- mente possiveis e culturalmente reveladores. Embora talvez ndo possam nos garantir acesso a outra cultura e conhecimento dela, como Turner esperava, certamente as performances nos di ito sobre nosso anseio por eficdcia acesso — sem mencionar a politica de nossas interpretagdes. Na América Latina, onde 0 termo nio encontra equivalente satisfatério seja em espanhol ou em portugués, “performance” tem sido constantemente referida a\‘arte performatica”| Traduzida simplesmente (porém de maneira ambigua) como “el performance” ou “la performance” — um travestimento linguistico que evoca para o falante do inglés a ideia de sexo/género da performance —a palavra comega a ser usada num sentido mais amplo para falar sobre dramas sociais € praticas encorporadas (embodied practices).'* Hoje as pessoas comumente se 1 Nota de tradutor: a autora escreve uma “pegadinha” — “there's no there there" ~ aqui traduzida como “no mais nada la". Ou seja, ali onde havia alguma coisa, j4 nfo hé mais nada ~ mudou. 'S El performance geralmente se refere a agées associadas aos neyécios ou A politica, ao passo que o feminino la comumente exprime aquelas que se associam fis artes. Devo a Marcela Fuentes ssa observacio. ‘e2ueuno}ied opurznpedt 14| _referem a “lo performético” como aquilo que est relacionado a performance, Z. em seu sentido mais amplo.!? Apesar das acusagdes de que performance é > uma palavra inglesa sem chances de soar bem em espanhol ou em portugués, estudiosos e praticantes comegam a apreciar as qualidades multivocais e es- tratégicas do termo. Se a palavra é estrangeira e intraduztvel, os debates, os decretos e as estratégias emergindo das varias tradig6es de pratica encorporada e conhecimento corporificado (corporeal knowledge) sio profundamente en- raizados e guarnecidos nas Américas. No entanto, a linguagem que se refere a «J __esses conhecimentos corporificados mantém forte vinculo com as artes visuais (arte-accién, arte efimero) eas tradicées teatrais. “Performance” inclui qualquer tum dos seguintes termos frequentemente utilizados para substitui-la, apesar de nao ser redutivel a eles: teatralidad, espectaculo, accion, representacién. Teatralidad e espectéculo capturam, assim como em inglés theatricality e spec- tacle, 0 sentido englobante e construido da performance. Cruzam-se nestes termos, embora com valor préprio, as miltiplas maneiras pelas quais a vida social e 9 comportamento humano podem ser vistos ¢ como performance. A teatralidade, a meu ver, supde um cenério, uma estrutura paradigmatica que se ampara em participantes supostamente “vivos”, armada ao redor de uma trama esquematizada, com um “fim” previsto (embora ajustavel). Contrariamente as narrativas, os cendrio$ forgam-nos os participantes. A teatralidade torna vivido e instigante esse cenério. Dife- rente de tropo, que é uma figura de linguagem, a teatralidade nao se baseia na linguagem para transmitir um conjunto padrao de comportamentos ou acées. Os cenfrios teatrais so estruturados de maneira previsivel, estereotipada e, portanto, passivel de ser repetida. A teatralidade (assim como o teatro) ostenta seu carater de artificio, de coisa construida; luta por eficdcia, nao autenticidade. Sugere uma dimensao consciente, controlada e, por conseguinte, politica que “performance” pode nao sugerir. Diverge de “espetdculo” na medida em que teatralidade ressalta a mecdnica do espetaculo. O espetaculo ~ concorde com ‘Guy Debord } néo é uma imagem, mas uma série de relacdes sociais media- das por imagens. Dessa maneira, como escrevi em outro artigo, ele “amarra individuos a uma economia de olhares e do olhar” que pode parecer mais “Gnvisivelmente” normalizante, ou seja, menos “teatral”.”° Ambos os termos, considerar a existéncia corpérea de todos © © uso comum de “performance” na América Latina agora se inspira em diferentes nogbes de performance, desde as antropolégicas e sociolégicas (o periédico brasileiro Performance, Cultura & Espetacularidade) 8 “performance” enquanto arte performitica (como em “47.882 minutos de performance” de Ex-Teresa Arte Actual, do México), a fim de destacar 0 entrelacamento produtivo de varios significados. ® Diana Taylor, Disappearing Acts, Durham, Duke University Press, 1997, p. 119. no entanto, sdo substantivos que nao levam verbo — portanto nao permitem agéncia cultural individual do mesmo modo que “performar’” o faz. Perde-se_ muito, me parece, quando desistimos do potencial de intervengio direta e ativa ao adotar palavras como teatralidad ou espectaculo no lugar de performance. Palavras como accién e representacién possibilitam aco ¢ intervencao individu- al. Accién poderia ser definida como um “ato”, um “happening” vanguardista, uma arte-accién, um “comicio” ou “intervengao” politica. ( Accion Fetine as dimensées estética ‘e politica de “performar”. Mas as imposicdés econémicas e sociais que pressionam as pessoas a performarem de determinadas maneiras normativas sao deixadas de lado — as maneiras como performamos género ou etnicidade, por exemplo. Accién parece mais direto e intenci politicamente entremeado doq que “pe r re ena TRE Podemos, por mans performar simultaneamente miltiplos papéis construidos socialmente mesmo que nos encontremos comprometidos com uma accién notadamente antimilitar. Repre~ sentacao, mesmo com seu verbo “representar”, conjuga nogées de mimese, de Tie Gi atedgiel Graeme cee Gee ibm weornee e “performar” complicaram de forma tao produtiva. Conquanto esses termos tenham sido sugeridos em lugar da estrangeira “performance”, também eles derivam de linguagens, histérias culturais e ideologias ocidentais. Por que entdo nao usar um termo proveniente de alguma das linguas nao euro- peias, como nduatle, maia, guarani, quichua, aimard ou qualquer das centenas de linguas indigenas ainda faladas nas Américas? Olin, “movimento” em néuatle, seria um possivel candidato. Olin £0 motor por tras de tudo que acontece na vida — 0 repetido movimento do | Sol, das estrelas, da Terra e dos elementos. Olin, ainda, € um més no calendario mexica, assim, evoca especificidade temporal e histérica. E Olin também se manifesta como uma deidade que intervém nos assuntos sociais. O termo apreende ao mesmo tempo a ampla e globalizante natureza da “performance” como proceso reiterativo e real zador, bem como seu potencial de especificidade histérica e agéncia cultural individual. Ou talvez adotar areito, termo ‘para danca-cang’o? Areitos, como descritos pelos conquistadores do Caribe no século XVI, constituiam um ato coletivo de canto, danga, celebracio e louvagdo que reivindicava legitimidade estética, assim como sociopolitica e religiosa. O termo € atraente porque borra as nogoes aristotélicas de géneros, publicos e objetivos distintamente elabora- dos. Mostra claramente a hipétese de que-as manifestacées culturais excedem a compartimentagao, seja por género (danca-cangao), por participantes/atores ou por efeito almejado (religioso, sociopolitico, estético), que fundamenta o ‘aouewiojid opulznpesy 16 pensamento cultural ocidental. Coloca em x para novas possibilidades interpretativas. Ent3o por que nao fazé-lo? Nesse caso, substituir uma palavra de histéria reconhecivel, apesar de problematica - como “performance” — por outra, desenvolvida em diferente contexto e para assinalar uma visio de mundo ossas taxonomias, apontando profundamente diferente, nao passaria, acredito, de uma autoilusao, uma as- piragio a0 esquecimento de nossa hist6ria compartilhada de relag6es de poder e de dominacio cultural que nao desapareceriam mesmo se muddssemos nossa lingua. O termo “performance”, mais enquanto termo teérico do que objeto ou prdatica, € um novato na drea. Se ele emergiu nos Estados Unidos em um period de deslocamentos disciplinares visando abranger objetos de anilise anteriormente muito além das fronteiras académicas (por exemplo, a “estéti da vida cotidiana”), ele no é, como “teatro”, sobrecarregado por séculos de empreendimentos de evangelizagéo ou normatizacao coloniais. Suas préprias indefinibilidade e complexidade sao, a meu ver, tranquilizadoras. “Performan- ce” traz,consigo a possibilidade de desafio, até mesmo de autodesafio. Uma vez que 0 termo imy ica simultaneamente um | processo, >, uma rdxis, uma € visteme, um modo de transmisséo, umd realizacdole u oo de intervir no Per ele em muito excede as possibilidades dessas outras palavras oferecidas em seu lugar. Ademais, o problema da intraduzibilidade, da forma como vejo, é na verdade positivo, uma pedra no caminho necesséria para nos fazer lembrar que “nds” — seja em nossas varias disciplinas, linguagens ou localizag6es geograficas através das Américas ~ no compreendemos um ao outro de maneira simples (ou sem problemas). Eu proporia procedermos a partir dessa premissa — a de que nao entendemos um ao outro ~e reconhecer que cada esforgo nessa direga0 precisa opor-se a nogées de facil acesso, decifrabilidade e traduzilibidade. Essa pedra no caminho contraria nao apenas falantes do espanhol e do portugués em face de uma palavra estrangeira, mas também falantes do inglés que pensavam saber o que “performance” quer dizer. Diana Taylor

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