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Gouvêa, T.C.(1); Labaki, L.C.(2); Maia, P.A. (3); Ruas, A.C. (4)
(1) UNICAMP, tati.gouvea@bestway.com.br
(2) UNICAMP, lucila@fec.unicamp.br
(3) FUNDACENTRO, paulo.maia@fundacentro.gov.br
(4) FUNDACENTRO, alvaro@fundacentro.gov.br
RESUMO
No Brasil as informações técnicas sobre o conforto térmico são escassas e como não dispomos de
normas sobre esse assunto as avaliações têm que ser baseadas em normas e procedimentos
desenvolvidos em outros países cuja situação térmica ambiental, vestimenta e suscetibilidade às
variáveis ambientais podem ser diferentes das de nosso país. Este trabalho apresenta resultados
parciais de uma pesquisa que visa levantar subsídios que colaborem para a análise da aplicação do
VME como modelo de avaliação de conforto térmico em ambientes de trabalho brasileiros. Assim,
foram coletados através de um questionário, informações sobre a sensação térmica, vestimenta e
atividade dos trabalhadores, enquanto media-se a velocidade do ar e as temperaturas de bulbo seco,
bulbo úmido e de globo. Com os dados coletados foi possível, utilizando o software Conforto 2.02,
estimar o isolamento das vestimentas, as taxas de metabolismo e calcular a temperatura radiante
média, a umidade relativa e o Voto Médio Estimado (VME). O VME foi comparado com a sensação
térmica apurada nos questionários.
Palavras-chave: Conforto Térmico, ISO 7730 (1994), Voto Médio Estimado (VME)
1. INTRODUÇÃO
Conforto é uma palavra que pertence ao senso comum: a maioria das pessoas tem uma noção do que é,
entendem do que se trata. Segundo o dicionário da Língua Portuguesa, FERREIRA (1999), o conforto
é a comodidade ou a sensação de bem-estar físico. Na prática, o conforto costuma ser definido como a
ausência de sensações desagradáveis.
Como muitas são as sensações corporais, diversos são também os tipos de conforto. Há o conforto
acústico, o lumínico, o visual, e outros, embora todos possam influenciar na satisfação com relação
aos locais de trabalho, aqui focalizaremos o conforto térmico.
A necessidade de se conhecer a sensação térmica experimentada pelas pessoas quando expostas a
determinadas combinações de variáveis ambientais (temperatura radiante média, velocidade relativa,
umidade relativa e temperatura do ar) e pessoais (vestimenta e taxa de metabolismo) levou ao
desenvolvimento de índices que possibilitam avaliar a situação de conforto térmico de um ambiente,
bem como obter subsídios para melhor adequá-lo às necessidades humanas.
O método mais conhecido e amplamente aceito para a avaliação do conforto térmico é o Predicted
Mean Vote (PMV) ou Voto Médio Estimado (VME) desenvolvido pelo professor dinamarquês Ole
Fanger e publicado em Fanger (1970), razão pela qual foi adotado como base para o desenvolvimento
de uma norma internacional que especifica condições de conforto térmico para ambientes
termicamente moderados, a ISO 7730 (1984), e para sua atualização em 1994.
Até o momento, não dispomos de norma sobre esse tipo de avaliação. Sendo assim, as avaliações aqui
realizadas têm que ser baseadas em normas desenvolvidas em outros países, cuja situação térmica
ambiental, vestimenta e suscetibilidade às variáveis ambientais podem ser diferentes das nossas.
ARAÚJO (1996) avaliou o conforto térmico de edificações escolares no litoral nordestino brasileiro
com o objetivo de determinar parâmetros das variáveis ambientais que propiciam o conforto térmico
aos alunos e confrontar esses parâmetros com o índice de temperatura efetiva, com zonas de conforto
térmico e com o método proposto por FANGER (1970). GONÇALVES (2000) objetivou comparar os
intervalos de conforto térmico encontrados na literatura com os obtidos em pesquisa de campo com
população universitária da região metropolitana de Belo Horizonte. O estudo de XAVIER (2000)
analisou ambientes escolares e de escritórios de Florianópolis, Brasília e Recife.
Em se tratando de pesquisa em ambiente industrial, o único trabalho encontrado foi o de
HACKENBERG (2000) que avaliou a sensação térmica de trabalhadores, tanto em edificações com
ventilação natural como em prédios com ventilação mecânica, em regiões climáticas diferentes
(Joinvile-SC e Campinas-SP). O trabalho também objetivou verificar a influência das variáveis
ambientais e pessoais nas respostas dos trabalhadores e a aplicabilidade dos questionários da ISO
10551 (1995) em cultura diferente da que lhe deu origem.
Dessa forma, este trabalho apresenta resultados parciais de uma pesquisa que objetiva principalmente
levantar subsídios que colaborem para a análise da aplicação do modelo do Voto Médio Estimado da
norma ISO 7730 (1994) para avaliação de conforto térmico em ambientes de trabalho no Brasil. Para
isso foi desenvolvida pesquisa de campo em indústrias de confecção da região de Amparo-SP. As
variáveis ambientais assim como as variáveis pessoais foram medidas e estimadas respectivamente
com o auxílio de normas ISO. Concomitantemente a essas medições e estimativas foi aplicado um
questionário sobre a sensação de conforto térmico da população pesquisada, conforme ISO 10551
(1995).
2. METODOLOGIA
2.2. Variáveis que influenciam o conforto térmico das pessoas e a metodologia utilizada
para determiná-las
O conforto térmico depende do grau de atuação do sistema termorregulador para que a temperatura
interna do corpo seja mantida. Assim, é necessário que se conheça os fatores que atuam nos processos
de trocas de calor entre o corpo e o ambiente, já que esses exercem influência sobre o sistema
termorregulador e conseqüentemente sobre a sensação térmica.
Somente para efeito de classificação, as variáveis que influenciam no conforto térmico podem ser
reunidas em dois grupos: o das variáveis ambientais e o das variáveis pessoais.
As variáveis ambientais são às referentes às condições termo-climáticas do ambiente pesquisado. Para
os estudos de conforto térmico são, segundo a norma internacional ISO 7730 (1994) as variáveis
apontadas por FANGER (1970), ou seja, a temperatura radiante média, a velocidade relativa, a
umidade relativa e a temperatura do ar.
A temperatura do ar é uma variável utilizada pela grande maioria dos índices de conforto térmico,
constituindo um primeiro parâmetro de análise da condição térmica do ambiente.
A velocidade relativa, dentro do contexto de conforto térmico, está mais especificamente relacionada
com as trocas térmicas entre o corpo e o ambiente por convecção e evaporação. Sob condições de
calor, o movimento do ar pode ser empregado para reduzir o desconforto térmico. Por outro lado, em
função da temperatura ambiente haverá um determinado valor de velocidade do ar em que poderá se
iniciar a produção de desconforto (corrente de ar) através de um resfriamento localizado.
Dentre as variáveis ambientais que exercem influência sobre o conforto térmico, existem aquelas
como a umidade relativa e a temperatura radiante média que para serem obtidas dependem de rotinas
de cálculo a partir de parâmetros medidos diretamente.
Nesse trabalho, para obter as variáveis anteriormente mencionadas, foram utilizados os seguintes
equipamentos:
- psicrômetro da marca Wilh.Lambrecht KG Göttingen, com faixa de medição entre 0 ºC e 60 ºC, e
resolução de 0,2 ºC;
- termômetro de globo, constituído por uma esfera oca de cobre de aproximadamente 1 mm de
espessura e diâmetro de 152,4 mm, pintada externamente de preto fosco e com uma emissividade de
0,95. Junto à essa esfera é acoplado e vedado, por meio de uma rolha cônica de borracha, um
termômetro de mercúrio com escala de +10 ºC a +120 ºC, com subdivisões de 0,2 ºC ou menores, e
exatidão de ± 0,5 ºC.
- termoanemômetro de fio quente da marca Alnor, modelo 8565 T/A.
As variáveis pessoais são aquelas características de cada pessoa e para os estudos de conforto são a
taxa de metabolismo representativa da atividade física da pessoa e o isolamento térmico da roupa que
ela utiliza.
Essas variáveis foram obtidas simultaneamente às medidas das variáveis ambientais. Para isso, foi
aplicado um questionário bem como observados todos os outros fatores que poderiam influenciar nas
medições ou nas respostas dos trabalhadores da população avaliada.
Nos questionários foram obtidas informações pessoais como idade, sexo, altura, peso, sensação
térmica (através de escala de 7 pontos) e os itens de vestimenta que compunham a roupa. Foram
também levantadas as atividades exercidas no ciclo de trabalho executado por cada trabalhador
entrevistado. Cada atividade foi analisada individualmente, conforme mostra a Tabela 1, chegando-se
a um valor médio de taxa metabólica de acordo com os preceitos e valores referenciais da norma ISO
8990 (1990).
O isolamento térmico das vestimentas foi estabelecido de acordo com a norma ISO 9920 (1995).
Tabela 1 – Determinação do metabolismo para as diversas atividades
3. RESULTADOS
32,0% Embalagem
Estampagem
Corte
Corte Viez
51,1% Prega Botão
6,1% Costura
5,8%
3,6% 1,5%
22,5%
20,6%
14,0%
12,6%
7,0% 7,0%
5,8% 5,8%
2,9%
0,0% 1,5%
0,2%
0,0% 0,0%
,1
,1
,2
,3
,4
0,
0,
0,
0,
0,
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0,
0,
1,
a0
a1
a1
a1
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a
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,2
,3
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e0
e0
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e0
e1
e1
e1
e0
e0
e0
e0
e0
e0
e
D
D
Isolamento Térmico da Vestimenta (clo)
18,05%
Figura 3 – Variação do VME para o voto de sensação 0 (nem calor nem frio) obtido dos questionários
A Figura 3 representa a população cujo voto de sensação térmica foi igual a 0, ou seja, os indivíduos
sentiam-se na neutralidade (nem calor nem frio, segundo o questionário), considerando-se a
correspondência desse voto ao intervalo -0,5 ≤ VME ≤ 0,5, pode-se verificar que 64,88% dos VME
calculados estão nesse intervalo. Foi ainda encontrado para as pessoas que se diziam na neutralidade,
31,22% dos VME calculados no intervalo de 0,5 < VME ≤ l (leve sensação de calor).
A população cujo voto de sensação térmica foi de 1 e que corresponde a indivíduos com uma leve
sensação de calor está apresentada na Figura 4. Dos VME calculados para essa população, 55,84%
pertenciam ao intervalo de 0,5 < VME ≤ 1,5, correspondentes a esse voto. Encontrou-se também
34,42% de VME no intervalo 0<VME ≤ 0,5.
9,09% 9,74%
0,00% 0,65%
Figura 4 - Variação do VME para o voto de sensação 1 (leve sensação de calor) obtido dos
questionários
A Figura 5 representa a população cujo voto de sensação térmica foi igual a -1, ou seja, os indivíduos
sentiam uma leve sensação de frio, considerando-se a correspondência desse voto ao intervalo
-1,5 ≤ VME < -0,5, pode-se verificar que nenhum dos VME calculados estão nesse intervalo. Porém,
foi encontrado para essas pessoas, que diziam sentir uma leve sensação de frio, 81,58% dos VME
calculados no intervalo de –0,5 ≤ VME ≤ 0,5 (neutralidade).
Voto de Sensação Térmica: -1 47,37%
-1,0<=VME<-0,5
Amostra: 38 dados
-0,5<=VME<0
VME=0
0<VME<=0,5
0,5<VME<=1,0
28,95%
18,42%
5,26%
0,00%
Figura 5 - Variação do VME para o voto de sensação -1 (leve sensação de frio) obtido dos
questionários
Para os votos de sensação térmica iguais a 2 (calor) apresentados na Figura 6, dos VME calculados
para essa população, 13,33% pertenciam ao intervalo de 1,5 < VME ≤ 2,5, correspondentes a esse
voto. Encontrou-se também 13,33% de VME no intervalo 0,5 < VME ≤ 1 e, a grande maioria, ou seja,
66,67% de VME calculados no intervalo de 1< VME ≤ 1,5.
66,67%
Voto de S ensação Térm ica: 2
-1,0< =V ME <-0,5
Am ostra: 14 dados
-0,5< =V ME <0
0,5< VM E< = 1,0
1,0< VM E< = 1,5
1,5< VM E< = 2,0
2,0< VM E< = 2,5
13,33% 13,33%
6,67%
0,00% 0,00%
Figura 6 - Variação do VME para o voto de sensação 2 (calor) obtido dos questionários
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O pequeno número de dados disponíveis até o momento, especialmente para os votos de sensação –1 e
+2 (figuras 5 e 6), não permitem nenhuma análise conclusiva sobre a comparação entre os votos de
sensação e os VME calculados, no entanto é possível fazer as seguintes considerações:
- Para os votos 0 e +1, figuras 3 e 4, que se dispõe de amostra razoável, 205 e 154 dados, pode- se
verificar uma concordância relativa entre os intervalos representativos desses votos e os VME
calculados, 64,9% e 55,8% respectivamente, contudo para o voto 0 obteve-se 31,2% dos VME
calculados no intervalo 0,5 < VME ≤ l o que poderia sugerir uma maior tolerância dos trabalhadores
ao calor do que estabelece o VME;
- A hipótese mencionada no item anterior não se confirma no voto 1, no qual se constatou 34,4% dos
VME calculados no intervalo 0<VME ≤ 0,5 o que representaria menor tolerância ao calor do que
determina o VME.
Tendo em vista que o trabalho foi realizado em campo, onde as variáveis ambientais, pessoais, assim
como a interpretação da escala de sensações por parte dos indivíduos questionados são fatores que não
podem ser controlados, a origem das divergências encontradas na comparação entre a sensação
térmica obtida através de questionário e os VME calculados, pode ser função da combinação de
fatores como os seguintes:
- Os VME calculados variam numa escala contínua de –3 a +3 com precisão centesimal enquanto que
a escala de questionamento tem variação unitária. Além disso, não se pode esperar dos trabalhadores
uniformidade de interpretação da escala de sensações térmicas uma vez que eles somente tiveram
contato com a mesma no momento do questionamento;
- A inexistência de informações sobre taxas de metabolismo do trabalhador brasileiro e sobre
isolamento térmico das roupas por eles utilizadas, faz com que a estimativa desses fatores a partir de
valores referenciais obtidos em outros países seja uma fonte potencial de erros, tendo em vista a
importância deles no cálculo do VME. O desenvolvimento de pesquisas brasileiras sobre esses fatores
seria uma contribuição importante para os estudos de conforto térmico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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litoral nordestino brasileiro. 179p. Tese (Doutorado). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo.1996
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Copenhagen, 1970.244p.
FERREIRA, A.B.H. Aurélio Século XXI. O dicionário da Língua Portuguesa. 3ª edição, 1999.
GONÇALVES, W.B. Estudo de índices de conforto térmico, avaliados com base em população
universitária na região metropolitana de Belo Horizonte. Dissertação (Mestrado). Faculdade de
Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Minas Gerais.2000.
HACKENBERG, A.M. Conforto e “stress” térmico em indústrias: pesquisas efetuadas nas
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Campinas, UNICAMP. 2000.
INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. ISO 7730; Moderate thermal
environments – Determination of the PMV and PPD indices and specification of the conditions
for thermal comfort. Geneva, 1984.
INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. ISO 7730; Moderate thermal
environments – Determination of the PMV and PPD indices and specification of the conditions
for thermal comfort. Geneva, 1994.
INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. ISO 8996; ergonomics-
determination of metabolic heat prodution. Geneva, 1990.
INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. ISO 9920; ergonomics-
estimation of the thermal insulation and evaporative resistance of a clothing ensemble. Geneva,
1995.
INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. ISO 10551; assessment of the
influence of the thermal environment using subjective judgement scales. Geneva, (1995).
RUAS, A.C. Sistematização da avaliação de conforto térmico em ambientes edificados e sua
aplicação num software. 183 p. Tese (Doutorado). Faculdade de Engenharia Civil. Universidade
Estadual de Campinas, 2002.
XAVIER, A.A.P. Predição de conforto térmico em ambientes internos com atividades
sedentárias – Teoria física aliada a estudos de campo. 251p. Tese (Doutorado). Universidade
Federal de Santa Catarina.2000.
AGRADECIMENTOS
À FAPESP, pela bolsa de Mestrado para Tatiana Chrispim Gouvêa.
À FUNDACENTRO pelo apoio técnico nos trabalhos de campo, sempre presente.