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Sistema de aproveitamento de água para edifícios

O aproveitamento de águas pluviais em edificações não é um conceito recente. No


Brasil, foi introduzido pelos norte-americanos, em 1943, com a construção de uma
instalação na Ilha de Fernando de Noronha (May, 2004). Nos últimos anos, porém,
o aumento da demanda por água, normalmente ocasionado pelo crescimento
populacional acentuado e desordenado nos grandes centros urbanos brasileiros,
tem imposto pressões econômicas e sócio-ambientais aos novos empreendimentos
imobiliários, no que concerne à adoção de medidas que visem à diminuição de
consumo e a busca por fontes alternativas de água.

Nesse sentido, a implementação de sistemas de aproveitamento de águas pluviais


para fins não potáveis, como rega de jardins e áreas verdes; lavagem de pisos,
passeios e fachadas; ornamentação paisagística e descarga de vasos sanitários,
torna-se uma alternativa bastante viável para as novas edificações. Além da água
de chuva coletada no sistema de drenagem de edifícios, outras fontes de água
bruta, normalmente ignoradas, como a água de condensação de ar-condicionado e
a proveniente de cortinas de drenagem de lençol freático também podem ser
aproveitadas para os fins não potáveis.

Apesar de ser uma alternativa economicamente viável e sócio-ambientalmente


correta, o aproveitamento de águas pluviais não deve ser implementado de forma
irresponsável. Diversas pesquisas (May, 2004; Jaques et al., 2005; Valle et al.,
2005) demonstram que a água de chuva carrega poluentes (substâncias tóxicas e
bactérias), cuja ingestão ou contato com a pele e mucosas pode causar doenças,
que vão desde simples irritações cutâneas a severas infecções intestinais. Dessa
forma, é importante o tratamento da água armazenada antes de sua utilização,
principalmente quando o uso pretendido envolve contato direto com seres
humanos.

Materiais
Os componentes de um sistema de aproveitamento de águas pluviais variam de
acordo com as características de cada edificação. Dependendo do uso pretendido,
da qualidade desejada para a água tratada, das características da bacia coletora do
edifício, das fontes de água que alimentarão a cisterna, do espaço existente para
instalação dos equipamentos e do orçamento disponível, pode-se alterar o layout
da instalação adequando o sistema às exigências locais. Resumidamente, os
principais componentes de um sistema de aproveitamento de águas pluviais são:

• Bacia coletora – compreende toda a superfície impermeável do edifício exposta à


chuva e atendida por sistema de drenagem, como os telhados, lajes de cobertura,
pátios, passeios, quadras poliesportivas etc. Preferencialmente, somente a água
coletada em telhados e lajes de cobertura deve ser aproveitada;

• Condutores verticais e horizontais – tubulações e calhas do sistema de drenagem


de águas pluviais do edifício, responsáveis pela condução da água coletada na bacia
coletora até a cisterna;

• Peneiras, grades e grelhas – peças especiais dispostas ao longo da rede de


drenagem de águas pluviais, cuja função é reter sólidos grosseiros como galhos,
folhas etc.;

• Câmara de pré-decantação (opcional) – reservatório que recebe a água pluvial


coletada no edifício. Sua principal função é a abstração da primeira chuva (first
flush), que normalmente carreia boa parte das impurezas presentes nas águas
pluviais;

• Cisterna – reservatório dimensionado para armazenar a água de chuva e suprir a


demanda por água não potável do edifício;

• Filtros de areia – filtros de pressão com leito filtrante composto por carvão
antracitoso e areia ou somente areia, responsáveis pela retenção da maior parte
dos contaminantes presentes na água bruta (veja figura 1);

• Filtro desferrizador – filtro de pressão com leito filtrante composto por zeólitos
naturais ou sintéticos, responsáveis pela remoção de ferro e manganês presente na
água bruta;

• Equipamentos de bombeamento – bombas centrífugas responsáveis pela


alimentação e retrolavagem dos filtros de areia e de desferrização (veja figura 1);

• Reservatório de retrolavagem – reservatório de acúmulo de água de chuva


tratada a qual é empregada nas operações de retrolavagem dos filtros (veja figura
2);
• Unidade de desinfecção – a desinfecção é etapa indispensável para garantir a
segurança sanitária de um sistema de aproveitamento de águas pluviais, pois sua
função é inativar microrganismos patógenos presentes na água de chuva. Para esse
fim, podem ser empregados: cloro (hipoclorito de sódio ou hipoclorito de cálcio),
ozônio ou radiação ultravioleta;

• Sistema de pressurização – para o encaminhamento da água tratada aos pontos


de utilização é necessária a pressurização da rede de distribuição. Isso pode ser
alcançado de duas formas: bombeando a água tratada para reservatório elevado ou
pressurizando a rede de distribuição por meio de sistema de bombeamento direto
com ou sem tanque pulmão;

• Componentes auxiliares de controle e comando – equipamentos como


pressostatos, medidores de nível, válvulas solenóides, válvulas automáticas para
filtros e painel elétrico de controle são itens empregados na automação completa
ou parcial do sistema (veja figura 3).
Filtro ou peneira?
Percebe-se certa confusão relacionada à nomenclatura dos componentes de
sistemas de aproveitamento de águas pluviais. A mais recorrente diz respeito ao
emprego indiscriminado da palavra filtro.

As peneiras, grades e grelhas empregadas no tratamento de águas pluviais são


equipamentos instalados a montante de cisternas, responsáveis pela retenção de
sólidos grosseiros (da ordem de alguns milímetros), maiores que suas aberturas,
pela simples interceptação. Já os filtros são instalados a jusante de cisternas para
remover partículas (da ordem de alguns milésimos de milímetros), muito menores
que os espaços intersticiais de seu meio filtrante. Esse fenômeno decorre da ação
combinada de mecanismos de aderência e transporte, ambos relacionados ao
escoamento no meio filtrante e às interações superficiais entre os grãos que o
compõem e as impurezas presentes na água.

Projeto
A figura 4 apresenta dois fluxogramas de processo. No primeiro, a água
armazenada em cisterna é bombeada, passando por tratamento (filtração e
desinfecção) e seguindo até reservatório elevado. Nesse tipo de arranjo, o sistema
de tratamento, preferencialmente, deve ser alocado na cobertura, evitando
problemas relacionados ao excesso de pressão nas unidades de filtração. No
segundo arranjo, o sistema de aproveitamento de água de chuva conta com
equipamento de pressurização com tanque pulmão. Essa solução tem sido
normalmente adotada, uma vez que os pontos de utilização concentram-se no piso
térreo dos edifícios (rega de jardim e áreas verdes, ornamentação paisagística,
limpeza de piso etc.), o que não justifica os elevados investimentos incorridos na
construção de reservatórios elevados.

Observa-se, nos fluxogramas de processo da figura 4, que a água pluvial coletada


no edifício, como também a água de lençol freático e aquela resultante da
condensação em sistema de ar-condicionado devem ser encaminhadas para a
cisterna, normalmente localizada no último subsolo do prédio. Esse reservatório
acumula duas funções básicas: tanque de armazenagem e poço de sucção, porém,
em cidades onde a legislação municipal exige a construção de "piscininhas", as
cisternas podem acumular, também, a função de reservatório de amortecimento.
Para tanto, basta acrescer ao volume exigido por lei aquele calculado para atender
à demanda do empreendimento.

Como as cisternas são certamente um dos itens mais caros e importantes do


sistema, seu dimensionamento deve ser balizado por critérios técnico-econômicos
que atendam às disposições normativas da NBR 12217. O projeto desses
reservatórios deve considerar a existência de extravasores, medidores de nível,
dispositivos de esgotamento, equipamentos que impeçam a entrada de animais em
seu interior, cobertura, inspeção e ventilação de segurança. A água armazenada
deve ser protegida contra a insolação direta ou indireta, para evitar a proliferação
de algas que podem comprometer a qualidade da água.
Para o cálculo do volume de água a ser armazenado podem ser empregados: o
Método de Rippl, o MSR (Método da Simulação de Reservatório), o Método
Australiano, o Método Azevedo Netto, o Método Prático Alemão ou o Método Prático
Inglês, conforme sugestão da NBR 15527. Todavia, recomenda-se a utilização dos
métodos da Simulação de Reservatório ou Australiano, pois ambos pautam-se no
emprego de séries históricas de precipitação e na otimização do volume a ser
reservado, o que evita a construção de reservatórios demasiadamente grandes.

A tabela 1 é um exemplo de aplicação do Método da Simulação de Reservatório na


escolha do volume de reservação de uma cisterna para edifício com bacia coletora
de 580 m3 e demanda mensal de 36 m³, localizado na cidade de Curitiba. Ao
analisar os dados apresentados, evidentemente, nota-se que o acréscimo de
volume reservado eleva a economia percentual de água, entretanto, é notável
também que é necessário aumentar em 32 vezes o tamanho da cisterna para que a
economia percentual passe de 74% para 99% (aumento de 25%). Dessa forma fica
claro que, para o edifício em questão, não é economicamente justificável o
investimento na construção de cisterna com capacidade superior a 16 m³, e que a
economia percentual de água não potável esperada não deverá ultrapassar 75%.

Como já mencionado, a água de chuva armazenada em cisterna deve ser


submetida a tratamento. Recomenda-se o emprego de filtros de areia, operados
com taxa de aplicação superficial (TAS) da ordem de 200 m³/m²/dia a 400
m³/m²/dia, seguidos por sistemas de desinfecção com cloro, ozônio ou radiação
ultravioleta. Atualmente, o cloro tem sido a opção adotada na maioria dos projetos,
devido ao seu longo histórico de sucessos na desinfecção de águas para
abastecimento público e ao fato de que, após a cloração, é possível manter
concentrações residuais de cloro livre que oferecem segurança extra aos usuários
do sistema.

As bombas de alimentação, retrolavagem e pressurização do sistema, assim como


as tubulações de sucção e recalque, devem ser projetadas de acordo com as
recomendações da NBR 12214. O dimensionamento de calhas coletoras, condutos
verticais e horizontais deve ser pautado na NBR 10844, enquanto a rede de
distribuição de água tratada deve atender à NBR 5626. Os pontos de consumo
como, por exemplo, as torneiras de jardim, devem ser de uso restrito e
identificados com placa de advertência com a seguinte inscrição: "água não
potável". Vale ressaltar que não são permitidas ligações cruzadas entre a rede de
distribuição de água potável e de água de chuva do edifício, e que os reservatórios
de água de chuva e água potável não devem ser interligados.

Manutenção
A tabela 2 apresenta as recomendações da NBR 15527 acerca da freqüência de
manutenção em todo o sistema de aproveitamento de água de chuva.
Além das recomendações normativas relacionadas na tabela 2, aconselha-se,
também, para sistemas e aproveitamento de águas pluviais automatizados, que
todos os componentes de controle, como painel elétrico de comando, válvulas
solenóides, válvulas automáticas para filtro, medidores de nível entre outros, sejam
mensalmente verificados.
Conclusão
O emprego de sistemas de aproveitamento de água de chuva é ambientalmente
correto, traz economia de consumo de água potável, ajuda na redução da
possibilidade de enchentes e é uma tendência irreversível nas novas edificações. No
entanto, dado ao potencial risco sanitário envolvido, a sua implantação deve ser
feita de modo criterioso, seguindo especificações de projeto elaborado,
preferencialmente, por profissional especializado na área da qualidade e tratamento
de água.

Gustavo Silva do Prado, engenheiro civil, doutor em Engenharia Hidráulica e


Sanitária. Coordenador técnico de Projetos da Acquabrasilis Meio Ambiente Ltda.
Mônica Sibylle Korff Muller, engenheira civil, mestre em Engenharia da Construção
Civil. Diretora da Acquabrasilis Meio Ambiente Ltda.

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