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Hidrologia Aplicada – CIV 226 Introdução 1

Prof. Antenor R. Barbosa Jr.

INTRODUÇÃO

1. HIDROLOGIA, ENGENHARIA DE RECURSOS HÍDRICOS E APLICAÇÕES


A Hidrologia é uma ciência interdisciplinar que tem se desenvolvido significativamente
nos últimos tempos, notadamente em face do aumento do uso da água e em função dos
crescentes problemas decorrentes da ação antrópica nas bacias hidrográficas e dos impactos
sobre o meio ambiente.
O U. S. Federal Council for Science and Technology, citado por Vilella & Mattos (1975),
dá uma definição da Hidrologia como ciência que é amplamente aceita. Por esta definição, a
Hidrologia é a ciência que trata da água na Terra, estudando a sua ocorrência, circulação e
distribuição, as suas propriedades físicas e químicas e as suas reações com o meio ambiente,
incluindo suas relações com a vida.
A ciência hidrológica é bastante abrangente e pode ser subdividida em diferentes áreas de
conhecimento associadas, a saber:
• Hidrometeorologia, que cuida do estudo da água na atmosfera;
• Limnologia, que é voltada para o estudo dos lagos e reservatórios;
• Potamologia, que estuda os rios;
• Glaciologia, que é o ramo de estudo da água superficial, particularmente quando esta se
apresenta sob a forma de gelo;
• Hidrogeologia, que é especificamente voltada para o estudo das águas na crosta terrestre,
com ocorrência subterrânea.
Considerado o alcance da definição apresentada para a ciência hidrológica, bem como a
abrangência das sub-áreas do conhecimento acima enunciadas, é fácil prever-se a variedade de
profissionais que potencialmente podem atuar nos diversos campos da Hidrologia. De fato,
atuando nas mais diversas atividades relacionadas à Hidrologia encontram-se, freqüentemente,
engenheiros, agrônomos, geólogos, geógrafos, biólogos, químicos, matemáticos e estatísticos,
entre outros.
Um pouco mais específica é a utilização da Hidrologia na Engenharia de Recursos
Hídricos, às vezes também denominada Engenharia Hidrológica. Neste caso, conforme TUCCI
(1993), a Hidrologia pode ser entendida como a área do conhecimento que estuda o
comportamento físico da ocorrência e o aproveitamento da água na bacia hidrográfica,
quantificando os recursos hídricos no tempo e no espaço e avaliando o impacto da modificação
da bacia hidrográfica sobre o comportamento dos processos hidrológicos. Dessa visão, surge
uma nova subdivisão da Hidrologia, representada pelas especializações nas seguintes sub-áreas
da Engenharia de Recursos Hídricos:
• Hidrometeorologia: (já definida anteriormente);
• Geomorfologia de bacias hidrográficas: estuda as características do relevo da bacia
hidrográfica para melhor interpretar os seus efeitos sobre o escoamento;
• Escoamento Superficial: estuda o movimento da água sobre a superfície do terreno da bacia
hidrográfica;
• Interceptação: avalia a interceptação da água de chuva pela cobertura vegetal e outros
obstáculos na bacia hidrográfica rural ou urbana;
• Infiltração e escoamento em meio não-saturado: cuida da observação e previsão da
infiltração da água no solo e do escoamento no meio não-saturado;
• Escoamento em meio saturado: envolve o estudo do comportamento do fluxo em aqüíferos;
• Evaporação e evapotranspiração: estuda e avalia as perdas de água por evaporação de
superfícies livres, como lagos e reservatórios, e pela transpiração das árvores e outros
vegetais;
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• Escoamento em rios e canais: envolve a análise do escoamento em rios e canais,


normalmente tratados como escoamento unidimensionais;
• Fluxo dinâmico em reservatórios, lagos e estuários: estuda o escoamento turbulento em
meios de características multidimensionais;
• Produção e transporte de sedimentos: envolve a quantificação da erosão do solo e do
transporte do sedimento na superfície da bacia e nos rios, decorrentes de condições naturais e
do uso do solo na bacia hidrográfica;
• Qualidade da água e meio ambiente: nesta área, faz-se a quantificação de parâmetros físicos,
químicos e biológicos da água, visando a interação dos diversos usos e a avaliação dos
impactos sobre o meio ambiente aquático.
Assim, considerada a amplitude das aplicações da Hidrologia na Engenharia de Recursos
Hídricos, pode-se dizer que este ramo da ciência está voltado para a solução dos problemas que
envolvem a utilização dos recursos hídricos e a ocupação da bacia, bem como a preservação do
meio ambiente.
Na utilização dos recursos hídricos são relevantes os aspectos relacionados à
disponibilidade hídrica, à necessidade de regularização de vazão, etc., dentro de um contexto que
requer ações de planejamento, operação e gerenciamento dos recursos hídricos.
Já os problemas decorrentes da ocupação da bacia pelo homem são vistos sob dois
ângulos: de um lado, em decorrência da urbanização, analisa-se o impacto do meio sobre a
população (enchentes, por exemplo); de outro, analisa-se o impacto sobre o meio ambiente
provocado pelo uso do solo pelo homem. Neste último caso, as ações devem ser planejadas de
modo a compatibilizar o desenvolvimento com a preservação do meio ambiente, visando ao
desenvolvimento sustentado.
A título de ilustração, enumeram-se, a seguir, um conjunto de exemplos de campos de
atuação na engenharia, com os problemas a eles correlacionados, segundo VILELLA &
MATTOS (1975), onde a Hidrologia tem influência direta tanto nos projetos, quanto no
planejamento do uso dos recursos hídricos.
i) Abastecimento de água:
- escolha das fontes para uso doméstico ou industrial.
ii) Projeto e construção de obras hidráulicas:
- fixação das dimensões hidráulicas de obras de arte: pontes, bueiros, etc.;
- barragens: localização e escolha do tipo de barragem, da fundação e do extravasor e
dimensionamento da barragem;
- estabelecimento do método construtivo.
iii) Drenagem:
- estudo das características do lençol freático;
- exame das condições de alimentação e de escoamento natural do lençol:
precipitações, bacia de contribuição e nível d’água dos cursos d’água.
iv) Irrigação:
- problema da escolha do manancial;
- estudo de evaporação e infiltração.
v) Regularização de cursos d’água e controle de inundações:
- estudo das variações de vazão;
- previsão de vazões máximas;
- exame das oscilações de nível e das áreas de inundação.
vi) Controle da poluição:
- análise da capacidade de autodepuração dos corpos d’água receptores de efluentes de
sistemas de esgotos: vazões mínimas dos cursos d’água; capacidade de reaeração e
velocidade do escoamento.
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vii) Controle de erosão:


- análise da intensidade e freqüência das precipitações máximas;
- determinação do coeficiente de escoamento superficial;
- estudo da ação erosiva das águas e da proteção por meio de vegetação e outros
recursos.
viii) Navegação:
- obtenção de dados e estudos sobre construção e manutenção de canais navegáveis.
ix) Geração de energia (aproveitamento hidrelétrico):
- previsão das vazões máximas, mínimas e médias dos cursos d’água para o estudo
econômico e o dimensionamento das instalações de aproveitamento;
- verificação da necessidade de reservatório de acumulação;
- determinação dos elementos necessários ao projeto e construção do reservatório de
acumulação: bacias hidrográficas, volumes armazenáveis, perdas por evaporação e
infiltração.
x) Operação de sistemas hidráulicos complexos.
xi) Recreação e preservação do meio ambiente.
xii) Preservação e desenvolvimento da vida aquática.

2. O CICLO HIDROLÓGICO
Na natureza, a água se encontra em permanente movimento, em um ciclo interior às três
unidades principais que compõem o nosso Planeta, que são a atmosfera (camada gasosa que
circunda a Terra), a hidrosfera (águas oceânicas e continentais) e a litosfera (crosta terrestre). A
dinâmica das transformações e a circulação nas referidas unidades formam um grande, complexo
e intrínseco ciclo chamado ciclo hidrológico.
O ciclo representa o caminho percorrido pela água nos seus três estados físicos (sólido,
líquido e gasoso), conforme ilustra a Figura 1. Por conveniência e para facilitar a apresentação,
introduz-se a consideração de que o ciclo hidrológico tem origem na evaporação da água dos
oceanos, lagos e rios e das superfícies úmidas expostas à atmosfera.
Dependendo das condições climáticas e da combinação de outros fatores físicos, o vapor
d’água se concentra nas camadas mais altas, formando as nuvens que se modelam e se
movimentam em função do deslocamento das massas de ar (vento).
Sob determinadas condições físicas, surgem gotículas de água que, sob a ação da força da
gravidade, se precipitam das nuvens. Essa precipitação pode ocorrer sob variadas formas,
incluindo-se a chuva, a neve, o granizo, o nevoeiro, o orvalho e a geada. Pela sua importância e
magnitude frente às outras ocorrências, somente a precipitação sob a forma de chuva será
considerada aqui. Caindo em um dados local, as águas da chuva se distribuirão como segue:
i) Uma porção, conhecida como interceptação, é retida pelas construções, pelas copas das
árvores, arbustos e outras plantas e obstáculos, de onde, eventualmente, evapora. O excesso,
isto é, o que supera a capacidade de interceptação, soma-se à parcela da chuva que atinge
diretamente o solo;
ii) Parte da precipitação que atinge o solo retorna à atmosfera na forma de evaporação. Outras
parcelas infiltram-se no terreno ou escoam-se superficialmente.
iii) Da parcela da água de infiltração, parte vai ocupar a zona das raízes e é utilizada pelas
plantas e, finalmente, retorna à atmosfera pelo processo conhecido como transpiração;
iv) A água de infiltração que percola (escoa através dos espaços intergranulares) para as
camadas mais profundas do solo vai constituir a água ou escoamento subterrâneo.
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v) Além da interceptação, evaporação e infiltração, o restante da água precipitada formará,


inicialmente, poças ou pequenos armazenamentos nas depressões do terreno. Nova
evaporação ocorrerá destes armazenamentos;
vi) Após ser excedida a capacidade de armazenamento nas depressões do terreno, a água passa a
escoar superficialmente e, sob a ação da gravidade, termina por se juntar aos cursos d’água
naturais. Relativamente ao total precipitado, esta parcela da precipitação que se escoa pela
superfície do terreno é chamada precipitação efetiva ou precipitação excedente. Sob o ponto
de vista do escoamento superficial, é também conhecida como escoamento superficial direto
ou runoff. Alguma evaporação também ocorre desse escoamento superficial.
vii) Para ocorrer o runoff, a água deve-se acumular antes de seguir o seu percurso. Essa camada
acumulada constitui um tipo de armazenagem, conhecido como detenção, retenção ou
armazenamento superficial, e também está sujeita à evaporação.
viii) O destino final de todos os cursos d’água naturais são os lagos, mares e oceanos que, com
mais intensidade, estão sujeitos à evaporação.
ix) A evaporação de todas as fontes acima, juntamente com a transpiração, leva a umidade
(vapor d’água) de volta à atmosfera e resulta na formação das nuvens. Em condições
favoráveis terá origem nova precipitação, e o ciclo descrito pelos passos (i) a (ix) se repete.

Figura 1 – O ciclo hidrológico

A fonte de energia de todo esse processo é, fundamentalmente, o Sol, enquanto que a


principal força atuante é a gravidade. Importa, ainda, destacar que o ciclo hidrológico só pode ser
visto como fechado em nível global, o que significa que o total evapotranspirado em uma região
não necessariamente corresponderá ao total precipitado num dado período de tempo.
É importante esclarecer que, como resultado das ocorrências das chuvas, as águas
infiltradas, que constituem os armazenamentos nos reservatórios subterrâneos e que fluem
contínua e lentamente sob a ação da gravidade, terminam por aflorarem por pontos de descarga
subterrânea, tais como fontes de encosta, ou vão abastecer os corpos d’água superficiais (rios,
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lagos, lagunas, reservatórios), constituindo o que se denomina descarga ou escoamento de base.


É exatamente devido a esse escoamento de base, ou básico, que se garante a perenização dos
rios.
Ainda, de todo exposto pode-se concluir que quanto maiores a retenção na cobertura
vegetal, o armazenamento superficial e a infiltração das águas de chuva, menores serão os
volumes excedentes disponíveis para o escoamento superficial. Assim, em conseqüência,
menores serão as chances de ocorrência de enchentes e inundações. Portanto, tudo dependerá da
quantidade de chuva, dos limites das capacidades de retenção superficial, das taxas de infiltração
características do solo e das chuvas antecedentes (teor de umidade pré-existente no solo).
Complementarmente, quanto maiores as oportunidades das águas de chuva se infiltrarem,
maior será a recarga dos reservatórios subterrâneos, que fortalecerá a capacidade de
abastecimento dos corpos de água durante os períodos de estiagem.
O conceito do ciclo hidrológico tem-se se mostrado importante também no
desenvolvimento de estratégias de gerenciamento da qualidade da água. Sob o aspecto da
qualidade, tem-se que os contaminantes podem ser introduzidos na água em várias fases do ciclo
hidrológico, quando surgem diluídos ou concentrados, ou são carreados pela água.
Todos estes conceitos serão novamente abordados ao longo do curso mas, certamente,
uma boa compreensão do ciclo hidrológico facilitará a assimilação dos modelos e formulações
empregados na hidrologia e desenvolvidos nos capítulos seguintes.

3. AVALIAÇÃO QUANTITATIVA DAS COMPOMENTES DO CICLO HIDROLÓGICO: A


EQUAÇÃO DO BALANÇO HÍDRICO
Os projetos em recursos hídricos são, essencialmente, exercícios que envolvem a
quantificação das componentes do ciclo hidrológico visando, principalmente, conhecer a relação
demanda-disponibilidade de água. Nestes projetos consideram-se como fontes de suprimento,
fundamentalmente, as águas superficiais e subterrâneas.
As técnicas de medir e avaliar dados quantitativos em recursos hídricos constituem os
elementos básicos da hidrologia, que serão tratados ao longo deste curso. No presente capítulo,
foi fornecido um resumo dos processos fundamentais que contribuem para a formação dos
escoamentos superficial e subterrâneo. Para o engenheiro, um bom entendimento desses
processos facilitará a análise e o planejamento dos recursos hídricos.
Em termos quantitativos o ciclo hidrológico pode ser representado por uma equação que
expressa o princípio da conservação da massa, normalmente chamada na Hidráulica de equação
da continuidade.
A equação do balanço hídrico, dependendo dos propósitos para o qual ela vai ser escrita,
pode admitir a sub-divisão, a consolidação, ou a eliminação de um ou outro termo. Em geral, a
equação do balanço hídrico é empregada:
a) para um determinado intervalo de tempo, que pode ser alguns minutos ou horas, ou um longo
intervalo, como um ano;
b) para uma área de drenagem natural (bacia hidrográfica), ou para uma área artificialmente
limitada, ou para um corpo d’água, como um lago ou reservatório, ou ainda para um lençol
subterrâneo;
c) para a fase vapor acima da superfície terrestre.
São comuns três aplicações da equação do balanço hídrico:
1) equação do balanço hídrico para bacias hidrográficas de grandes áreas de drenagem;
2) equação do balanço hídrico para corpos d’água, como lagos e reservatórios;
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3) equação do balanço hídrico para o escoamento superficial direto (runoff).


Nos primeiros dois casos, são consideradas as quantidades acima e abaixo da superfície
da terra. Em sua forma geral, a equação pode ser escrita para um determinado volume de
controle, num dado intervalo de tempo, como:
[Quantidade que entra no vol. de controle] − [Quantidade que sai do vol. de controle] =
= [variação da quantidade acumulada no interior do vol. de controle]
ou
[P + R in + G in ] − [E + T + R out + G out ] = ∆S , (1)
tendo as componentes a dimensão de volume [L3], ou de vazão [L3T-1], ou de comprimento [L],
onde P = precipitação; R = escoamento superficial; G = escoamento subterrâneo; E =
evaporação; T = transpiração; e S = armazenamento, e os índices in e out referindo-se às
quantidades que entram e saem, respectivamente, do volume de controle.

3.1. EQUAÇÃO DO BALANÇO HÍDRICO PARA GRANDES BACIAS


Em bacia de grande área de drenagem, a equação do balanço é usada na avaliação
quantitativa dos recursos hídricos na bacia para a concretização de projetos de determinados usos
e para os propósitos de avaliações das demandas e/ou disponibilidades hídricas.
No caso de grandes bacias, o estudo do balanço hídrico é normalmente realizado para um
longo intervalo de tempo (como num ciclo anual) e os valores das componentes envolvidas
geralmente referem-se a um ano médio. Em termos médios e para um longo intervalo de tempo,
as variações positivas e negativas do armazenamento tendem a se balancear, isto é, a variação
média do armazenamento ∆S pode ser desprezada. Em grandes bacias, as trocas de água
subterrânea com as bacias vizinhas (“fugas”) são ignoradas, isto é, Gin – Gout = 0. Além disso, o
único input na bacia é a precipitação (não pode haver escoamento superficial através da linha de
contorno da bacia: Rin = 0). Com todas essas considerações, a Eq. (1) reduz-se a:
P − E − T = R out , [L3, L3T-1, ou L] (2)
ou
P − ET = Q (3)
onde, na Eq. (3), ET representa a evapotranspiração (soma dos processos de evaporação e
transpiração) e Q é o volume, vazão ou altura de lâmina d’água correspondente na seção de saída
da bacia.

3.2 EQUAÇÃO DO BALANÇO HÍDRICO PARA CORPOS D’ÁGUA EM CURTOS


INTERVALOS DE TEMPO
No caso de reservatórios, lagos, rios e armazenamento subterrâneo a equação do balanço
hídrico é usada para prever as conseqüências das condições hidrológicas atuais sobre a estrutura.
A equação mostra-se importante nas análises que envolvem a operação diária da estrutura.
O curto intervalo de tempo empregado na análise exige que o termo de variação do
armazenamento, ∆S, seja necessariamente considerado. Contudo, em intervalos curtos de tempo
o termo de evaporação geralmente é muito pequeno e pode ser desprezado. Se não ocorrer uma
chuva no período de análise, a equação pode ser representada, em termos de taxas volumétricas,
como:
∆S
Q in − Q out = (4)
∆t
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onde Qin e Qout = vazão de entrada e saída, respectivamente (representam todos os termos in e
out, respectivamente), e ∆S/∆t = variação do armazenamento no intervalo ∆t.

EXEMPLO 1
Num dado instante, o armazenamento num trecho de rio é de 68.200m3. Naquele instante,
a vazão de entrada no trecho é de 10,6m3/s e a vazão de saída é de 15,9 m3/s. Transcorridas duas
horas, as vazões de entrada e saída são, respectivamente, 17,0m3/s e 19,1 m3/s. Determine:
a) A variação do armazenamento na calha do rio durante nessas 2 horas;
b) O volume armazenado ao final das duas horas.
Sugestão: Admitir variação linear das vazões de entrada e saída no trecho.
Solução
a) Em termos de volumes, a equação do balanço hídrico (Eq. 4) se escreve: Q in ∆t − Q out ∆t = ∆S .

Q in ⋅ ∆t =
(17 ,0 + 10,6) × 2 × 3600 = 99.360m 3 , que é numericamente igual à área sob a linha de
2
variação da vazão de entrada no trecho (área do trapézio), conforme representado na figura
abaixo.

Da maneira análoga, a área sob a linha de variação da vazão de saída do trecho será:

Q out ⋅ ∆t =
(19,0 + 15,9) × 2 × 3600 = 126.000m 3 .
2
∴ ∆S = 99.360 − 126.000 → ∆S = −26.640m 3

b) Como ∆S = S final − Sinicial = S 2 − S 0 , então


S final = S 2 = S0 + ∆S = 68.200 − 26.640 ⇒ S 2 = 41.560m 3 .

3.3 EQUAÇÃO DO BALANÇO HÍDRICO PARA O ESCOAMENTO SUPERFICIAL


DIRETO DURANTE UMA CHUVA INTENSA
Para determinar o runoff devido a uma tempestade deve-se considerar a equação do
balanço hídrico acima da superfície do solo. A equação, escrita para um curto intervalo de tempo
em termos de alturas médias, é da forma:
P − Int − E − R − I − S D = 0 (5)
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onde P = altura da lâmina d’água precipitada; Int = interceptação; E = evaporação; R =


escoamento superficial direto ou runoff; I = infiltração e SD = armazenamento em depressões do
terreno.
Durante a chuva, em curtos intervalos de tempo pode-se desprezar a evaporação. Se não
se exige uma determinação exata, a interceptação e o armazenamento nas depressões do terreno
também podem ser ignorados, o que permite reescrever a Eq. (5) na forma reduzida:
R =P−I. (6)

3.4 FONTES DE ERRO NAS COMPONENTES DO BALANÇO HÍDRICO


A quantificação das componentes do balanço hídrico sempre envolve erros de medida e
interpretação. As únicas componentes extensivamente observadas através de redes de estações
são a precipitação e a vazão. A evaporação é raramente mensurada e os dados de infiltração
limitam-se a bacias experimentais. As variações de armazenamento normalmente são obtidas de
observações do nível d’água e da umidade do solo. Além disso, fórmulas empíricas são
freqüentemente utilizadas no cálculo da evaporação, da infiltração e do armazenamento.
Também o tempo de análise é importante: erros na média diminuem com o aumento do tempo
considerado.
A Tabela 1 traz as estimativas dos erros associados às determinações mensais e anuais
das diferentes componentes do ciclo hidrológico, baseadas em metodologias comumente
adotadas.

Tabela 1 – Erros nas componentes do ciclo hidrológico segundo metodologias usuais, segundo Ram S. Gupta

Erro Percentual
Componente tipo ou fonte de erro Estimativa Estimativa
Mensal Anual
1. Precipitação
equipamento de observação 2 2
altura de colocação do medidor 5 5
média na área 15 10
densidade de medidores 20 13
2. Vazão
molinete hidrométrico 5 5
curva-chave 30 20
alteração da seção fluviométrica 5 5
regionalização de vazão --- 70
3. Evaporação
balanço de energia --- 10
tanque classe A 10 10
tanque para o coeficiente do lago 50 15
média na área 15 15

Em decorrência dos erros de medida e de estimativa das componentes do ciclo


hidrológico, a equação do balanço hídrico não é equilibrada e poderia conter um termo de
incerteza ou resíduo. Quando uma componente é estimada de uma fórmula empírica, o erro de
previsão da fórmula é adicionado ao termo de resíduo da equação do balanço hídrico.

EXERCÍCIOS
1o) Estima-se que 60% da precipitação anual numa bacia hidrográfica de 24,67km2 sejam
evapotranspirados. Se a vazão média anual na desembocadura do rio principal é de 70,8l/s, qual
a precipitação anual na bacia?
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2o) Num trecho de rio, a vazão de entrada num dado instante é de 9,91m3/s e a vazão de saída é
de 8,07m3/s. Decorridos 90min, as vazões de entrada e saída no trecho são de 7,08m3/s e
5,66m3/s, respectivamente. Calcular a variação do armazenamento em 90min.
3o) As perdas por evaporação de um reservatório são de 185 mil metros cúbicos de água por dia.
Se o reservatório tem área de superfície constante de 2,02km2, e se a diferença entre as vazões de
saída e entrada do reservatório é de 1,41m3/s, qual a variação do nível d’água do reservatório em
um dia?
4o) No problema anterior, se, devido a uma chuva, 76mm de água são admitidos no reservatório
em um dia, qual a variação na profundidade do reservatório?
5o) O reservatório da figura foi construído em
uma região onde a precipitação anual média é de
610mm e a evaporação normal anual é de
1.524mm. A área média da superfície de água no
reservatório é de 12km2 e a área da bacia
hidrográfica é de 242km2. Como informação
adicional tem-se que apenas 20% do total
precipitado escoam-se superficialmente. Isto
posto, pede-se:
a) calcular a vazão média de saída do
reservatório, em m3/s; b) quantificar o aumento
ou redução da vazão, em conseqüência da
construção do reservatório.
6o) O sistema de abastecimento de água de uma cidade deve utilizar como manancial um curso
d’água natural cuja área de drenagem, relativa à seção de captação, é igual a 100km2. A
precipitação média anual na região é de 1.200mm e as perdas por evapotranspiração são
estimadas em 800mm. Sabendo-se que o consumo médio previsto é de 50.000m3/dia, verifique
se esse manancial tem capacidade para abastecer a cidade.
7o) A evaporação anual de um lago com superfície (área do espelho d’água) de 15km2 é de
1500mm. Determinar a variação do nível do lago durante um ano se, nesse período, a
precipitação foi de 950mm e a contribuição dos tributários foi de 10m3/s. Sabe-se, também, que
naquele ano foi retirada do lago uma descarga média de 5m3/s para a irrigação de culturas e a
manutenção da vazão ecológica, além de uma captação de 165x106m3 para refrigeração de uma
unidade industrial. (Desprezar a variação da área do espelho d’água).
8o) O total anual precipitado em uma bacia hidrográfica de 1.010km2 de área de drenagem é de
1.725mm, em média. Sabendo-se que a evapotranspiração média anual é de 600mm, qual a
vazão média anual, em m3/s, na foz do curso d’água principal desta bacia? E qual o deflúvio
anual, em mm?
9o) Uma barragem é construída na parte média da bacia hidrográfica da questão anterior,
formando um espelho d’água de aproximadamente 60km2. Sabendo-se que a área de drenagem
relativa à seção da barragem é de 600km2 e que a evaporação média direta no lago é de 5mm/dia,
qual a redução percentual esperada da vazão na foz do curso d’água principal?
10o) Numa bacia hidrográfica de área A= 360 km2 o total anual precipitado é 1420 mm e a vazão
média anual na seção exutória é de 11,35 m3/s.
a) Com base nas informações disponíveis e fazendo claramente as considerações que julgar
necessárias, estimar a evapotranspiração anual na bacia.
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b) Se for construído um reservatório no curso d’água principal da bacia e se este inundar 10% da
área total da bacia, qual será a variação percentual da vazão média na seção exutória, sabendo-se
que a evaporação da superfície da água no local é de 1240 mm/ano?

BIBLIOGRAFIA
GUPTA, R.S. (1989). Hydrology and Hydraulic Systems. Prentice Hall, Englewood Cliffs, New
Jersey.
PONTIUS, F.W. (technical editor) (199?). Source Water Quality Management, by Robert H.
Reinert and John A. Hroncich. In: Water Quality and Treatment – A Handbook of
Community Water Suplies, 4th edition, American Water Works Association, Chapter 4.
RAMOS, F, OCCHIPINTI, A.G., VILLA NOVA, N.A., REICHARDT, K. & CLEARY, R.
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SEMADS – SECRETÁRIA DE ESTADO DE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO
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de Janeiro: Uma Abordagem Geral. Projeto PLANÁGUA SEMADS / GTZ de cooperação
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TUCCI, C.E.M., org. (1993). Hidrologia. Ciência e Aplicação. Ed. da Universidade - UFRGS /
Ed. da Universidade de São Paulo – EDUSP / Associação Brasileira de Recursos Hídricos –
ABRH.
VILLELA, S.M. & MATTOS, A. (1975). Hidrologia Aplicada. Ed. McGraw-Hill.

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