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Eficácia temporal da revogação da

jurisprudência consolidada dos tribunais


superiores*

Luiz Guilherme Marinoni

Sumário
1. Introdução. 2. A questão nos Estados
Unidos. 3. Diferentes razões para tutelar
a segurança jurídica: decisão de inconsti-
tucionalidade e revogação de precedente
constitucional. 4. Efeitos inter partes e
vinculantes da declaração de inconstitu-
cionalidade no controle incidental e da
revogação de precedente constitucional. 5.
Eficácia prospectiva de decisão revogadora
de precedente constitucional e de decisão
proferida em controle incidental. 6. O pro-
blema dos efeitos prospectivos no Superior
Tribunal de Justiça.

1. Introdução
A autoridade dos precedentes dos tribu-
nais superiores é fundamental para a coe-
rência da ordem jurídica, assim como para a
tutela da previsibilidade e da confiança nos
atos do Poder Judiciário. Tal autoridade, no
entanto, não depende apenas do respeito dos
órgãos judiciais inferiores. O próprio tribunal
responsável pela elaboração do precedente
Luiz Guilherme Marinoni é Professor deve observá-lo, sem o que, em verdade,
Titular de Direito Processual Civil da UFPR.
os precedentes não passariam de anúncios
Pós-Doutorado na Università degli Studi di Mi-
lano. Visiting Scholar na Columbia University. passageiros do semblante do Direito.
Advogado em Curitiba e em Brasília. Quando os precedentes ou a jurispru-
* Para maior aprofundamento sobre o tema dência consolidada são levados a sério, a
dos precedentes obrigatórios, ver MARINONI, sua estabilidade requer especial cuidado.
Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. São Isso porque, como chega a ser intuitivo, a
Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. revogação de jurisprudência consolidada

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pode causar surpresa injusta a todos aque- bem como a todas aquelas que lhes são
les que nela pautaram suas condutas. Daí similares e, assim, estão expostas à mesma
por que é imprescindível, na lógica jurídica ratio decidendi.
estribada na autoridade e na obrigatorieda- Porém, a prática judicial americana tem
de dos precedentes, atentar para os efeitos evidenciado, em tempos recentes, hipóteses
da decisão revogadora de precedente ou de em que é necessário não permitir a retroa-
jurisprudência consolidada. tividade da nova regra, firmada na decisão
Nessa dimensão, a eficácia das senten- que revogou o precedente (LEDERMAN,
ças exige estudo renovado, desconhecido 2004, p. 21-). Nestas situações, as Cortes
da tradição do nosso direito processual, mostram-se particularmente preocupadas
na qual não existia lugar para pensar em em tutelar o princípio da segurança – es-
modulação dos efeitos temporais para pecialmente na sua feição de garante da
preservar a segurança jurídica. O art. 882, previsibilidade – e a confiança depositada
V, do Projeto de Código de Processo Civil pelos jurisdicionados nos atos do Poder
afirma que, “na hipótese de alteração da Público.1
jurisprudência dominante do Supremo Eisenberg enfatiza que “the major jus-
Tribunal Federal e dos tribunais superio- tification for prospective overruling is the
res ou daquela oriunda de julgamento de protection of justifiable reliance”.2 Há aí,
casos repetitivos, pode haver modulação antes de tudo, plena consciência de que a
dos efeitos da alteração no interesse social retroatividade de uma decisão que subs-
e no da segurança jurídica”. A norma, que titui precedente que, por certo período
reflete a intenção do projeto em outorgar de tempo, pautou e orientou a conduta
força obrigatória aos precedentes dos Tri- dos jurisdicionados é tão injusta quanto a
bunais Superiores, estimula a reflexão que perpetuação do precedente judicialmente
segue, voltada a elaborar uma teoria da declarado injusto. Mas, para que a não
eficácia temporal das decisões revogadoras retroatividade se justifique, exige-se que
de precedentes obrigatórios. a credibilidade do precedente não tenha
sido abalada, de modo a não tornar pre-
2. A questão nos Estados Unidos visível a sua revogação. Caso a doutrina
e os tribunais já tenham advertido para o
A revogação de um precedente (overru- equívoco do precedente ou apontado para
ling) tem, em regra, efeitos retroativos nos a sua conveniente ou provável revogação,
Estados Unidos e no common law. Como a não há confiança justificável ou confiança
revogação do precedente significa a admis- capaz de fazer acreditar que os jurisdiciona-
são de que a tese nele enunciada – vigente dos tenham, legitimamente, traçado os seus
até o momento da decisão revogadora – es- comportamentos e atividades de acordo
tava equivocada ou se tornou incompatível com o precedente. De modo que, para que
com os novos valores ou com o próprio
direito, aceita-se naturalmente a ideia de 1
Diz Robert Summers que “a aplicação retroativa
que a decisão deve retroagir para apanhar de uma decisão revogadora de precedente pode con-
as situações que lhe são anteriores, tenham trariar relevante confiança no precedente revogado
e tratar partes em posições similares de modo muito
dado origem, ou não, a litígios – cujos pro- diferente” (No original: “Retroactive application of
cessos devem estar em curso. an overruling decision may upset substantial reliance
As decisões do common law são nor- on the overruled precedent and will treat parties
malmente retroativas, no sentido de que similarly situated quite differently”) Summers (1997,
p. 397-398).
a nova regra, estabelecida para o caso sob 2
A maior justificativa para a revogação com efei-
julgamento, é aplicável às situações que tos prospectivos é a proteção da confiança justificada
ocorreram antes da decisão que as fixou, (EISENBERG, 1998, p. 131).

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o overruling não tenha efeitos retroativos, nois revogou o precedente da “imunidade
as situações e relações antes estabelecidas municipal”, responsabilizando o município
devem ter se fundado em uma confiança pelos danos sofridos por Thomas Molitor
qualificada, que pode ser dita uma “con- em acidente de ônibus escolar. Nesta hipó-
fiança justificada”.3 tese, decidiu-se que a nova regra não seria
Há casos em que o precedente pode aplicada a casos anteriores, exceto o de
deixar de corresponder aos valores que Thomas – o caso sob julgamento. Contudo,
o inspiraram ou se tornar inconsistente e, mais tarde a Corte percebeu que teria de
ainda assim, não se mostrar razoável que aplicar a nova regra a outras sete crianças
a sua revogação atinja situações passadas, – três delas irmãos de Thomas –, que tam-
em virtude de a confiança justificável, então bém estavam no ônibus que se acidentara,
caracterizada, sobrepor-se à ideia de fazer em virtude de ter reconhecido que todas as
a revogação valer para trás. crianças que viajavam no ônibus deveriam
Não obstante, embora com a irretroati- ser tratadas de igual forma (EISENBERG,
vidade dos efeitos do overruling ou com o 1998, p. 128-129).
overruling com efeitos prospectivos se ga- Por sua vez, a primeira hipótese, acima
ranta o princípio da segurança e se proteja referida, é exemplificada mediante Spaniel
a confiança nos atos do Poder Público, daí v. Mounds View School District n. 621, em que
também podem advir custos ou prejuízos. a Corte de Minnesota revogou o precedente
O prospective overruling pode gerar resul- que conferia imunidade às unidades muni-
tados ou decisões inconsistentes, especial- cipais, como cidades e distritos estudantis,
mente quando se está diante do overruling recusando-se a aplicar a nova regra ao
cujos efeitos apenas podem ser produzidos caso sob julgamento e declarando que os
a partir de certa data ou do overruling cujos seus efeitos deveriam ficar contidos até o
efeitos retroativos incidem apenas sobre final da próxima legislatura de Minnesota
determinado caso (SHANNON, 2003). (EISENBERG, 1998, p. 128).
Note-se que, na primeira hipótese, como Quando se posterga a produção de
o overruling tem efeitos somente a partir de efeitos da nova regra, fala-se em prospective
certa data, as situações e relações que se prospective overruling. Ademais, como escla-
formam depois da decisão são tratadas de rece Eisenberg (1998, p. 127-128), alude-se a
modo diverso, conforme tenham se esta- pure prospective overruling para demonstrar
belecido antes ou depois da data prevista o que ocorre quando a Corte não aceita
na decisão, ainda que esta tenha declarado que a nova regra regule o próprio caso
a ilegitimidade do precedente. De outro sob julgamento, restando a terminologia
lado, a admissão da retroatividade em prospective overruling para anunciar a mera
relação a apenas um caso ou somente ao irretroatividade da nova regra às situações
caso sob julgamento faz com que todos os anteriores à data da decisão.
outros casos passados sejam tratados à luz Há outras situações intermediárias.
do precedente, embora se declare que este Assim, em Li v. Yellow Cab Co., a Suprema
não mais tem autoridade. Tais situações Corte da Califórnia revogou o precedente
permitem o surgimento de resultados in- da contributory negligence pela regra da
consistentes. comparative negligence, deixando claro que
Esta última situação é exemplificada a nova regra não seria aplicável aos casos
através do caso Molitor v. Kaneland Commu- com julgamento em curso. Em Whitinsville
nity. Trata-se de caso em que a Corte de Illi- Plaza, relacionou-se a técnica do overruling
prospectivo com a técnica da sinalização.
3
V. MARKMAN (2004); NELSON (2001); DELA- Ou seja, decidiu-se que a nova regra teria
NEY (2003). efeitos retroativos até a data da decisão em

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que ocorrera a sinalização4. Se mediante a -rogar o precedente da imunidade munici-
técnica da sinalização, conquanto se deixe pal no primeiro caso por ela decidido após
de revogar o precedente, adverte-se para a a conclusão daquela que seria a próxima
sua provável e próxima revogação, pouca sessão do Legislativo, caso este não houves-
diferença existiria em substituir tal técnica se atuado de modo a revogar o precedente.
pela revogação imediata do precedente Neste caso, é certo, não houve propria-
com efeitos prospectivos a partir de certa mente overruling com efeitos prospectivos,
data futura. Portanto, quando se revoga o mas manutenção do precedente mediante
precedente, e sinalização anterior foi feita, a técnica da sinalização, anunciando-se a
é coerente admitir a retroatividade da nova intenção de se proceder à revogação em caso
regra até a data da decisão sinalizadora ou de não atuação do Legislativo. Note-se, po-
até data em que se supõe que o sinal foi rém, que existe maior efetividade em revogar
absorvido na comunidade jurídica. desde logo o precedente, contendo-se os seus
Há um caso, sublinhado por Eisenberg efeitos, pois nesta hipótese não haverá se-
(1998, p. 131), em que o prospective over- quer como temer que o precedente continue
ruling possui grande importância para a a produzir efeitos, diante de uma eventual
consistência de resultados. Trata-se da hi- inação da Corte em imediatamente decidir
pótese em que a Corte possui motivos para como prometera ao fazer a sinalização.
acreditar que o overruling será revertido De outra parte, o prospective overruling
pelo Legislativo, que dará melhor regulação pode ainda trazer outros problemas, espe-
à situação. Nesta hipótese, além de não se cialmente em suas feições de pure prospec-
desejar interferência sobre o passado, não tive overruling e de prospective prospective
se quer que a decisão atinja as situações overruling (TRAYNOR, 1999). Se a nova
intermediárias entre o overruling e a regra regra não vale ao caso sob julgamento, a
legislativa, preferindo-se que a revogação energia despendida pela parte não lhe traz
tenha seus efeitos contidos até a data em qualquer vantagem concreta, ou melhor,
que se presuma que o Legislativo terá cria- não lhe outorga o benefício almejado por
do a regra. Ao se declarar que a revogação todo litigante que busca a tutela jurisdicio-
vai produzir efeitos após a possível criação nal. Isso quer dizer que o uso do prospective
legislativa, os efeitos do overruling somente overruling pode desestimular a propositura
serão produzidos caso o Legislativo não de ações judiciais contra determinados
atue. Foi o que aconteceu em Massachus- precedentes (EISENBERG, 1998, p. 131).
setts, Whitney v. City of Worcester, em que a Ademais, o uso indiscriminado do pure
Corte, utilizando a técnica da sinalização prospective overruling e do prospective pros-
como substituto funcional do prospective pective overruling elimina a necessidade de
overruling, afirmou a sua intenção de ab- os advogados analisarem como os prece-
dentes estão sendo vistos pela doutrina e
4
Em Whitinsville Plaza, Inc. v. Kotseas, a Corte
afirmou que já havia sinalizado para a revogação do
de que forma os tribunais vêm tratando de
precedente firmado em Norcross no caso Ouellette, e, pontos correlatos com aqueles definidos
com base nisso, outorgou efeitos retroativos ao over- na ratio decidendi do precedente. Quando
ruling, declarando que deveriam ser apanhados todos se atribui efeito prospectivo à nova regra,
os negócios realizados após Ouellette. Assim, o over-
ruling ditado em Whitinsville retroagiu até a decisão
impedindo-se a sua incidência em relação
proferida em Ouellette porque a Corte entendeu que, ao caso sob julgamento, resta eliminada
a partir desta data, poder-se-ia racionalmente confiar qualquer possibilidade de a parte ser sur-
na expectativa de que, na próxima ocasião adequada, preendida pela decisão judicial, ainda que o
a Corte iria revogar as decisões tomadas em Shade e
em Norcross. Verifica-se aí nítida aproximação entre
precedente já tenha sido desautorizado pela
a técnica da sinalização e a do overruling com efeitos doutrina e por decisões que, embora obvia-
prospectivos (EISENBERG, 1998, p. 128-). mente não tenham enfrentado de forma

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direta a questão resolvida no precedente, maioria de dois terços de seus membros,
afirmaram soluções com ele inconsistentes. restringir os efeitos daquela declaração ou
Deste modo, a investigação e análise do ad- decidir que ela só tenha eficácia a partir
vogado não seria sequer necessária, já que de seu trânsito em julgado ou de outro
ao jurisdicionado bastaria a mera existência momento que venha a ser fixado”.
do precedente, pouco importando o grau da O tema da eficácia temporal da decisão
sua autoridade ou força e, portanto, a possi- de inconstitucionalidade pronunciada
bilidade ou a probabilidade da sua revoga- na ação direta será melhor aprofundado
ção. Assim, o uso inadequado do prospective adiante, quando se tratar desta ação. Mas é
overruling, de um lado, torna desnecessária importante, neste momento, anunciar esta
a análise de se a tutela da segurança jurídica possibilidade, aludindo-se a ação direta de
e da confiança fundamentam a não retroati- inconstitucionalidade em que o Supremo
vidade dos efeitos do overruling e, de outro Tribunal Federal houve por bem atribuir
constitui obstáculo ao desenvolvimento do efeitos prospectivos à sua decisão. Isto
direito jurisprudencial. Na verdade, desta para demonstrar que, embora os efeitos
forma o direito deixaria de ser visto como retroativos também possam ser limitados
algo em permanente construção, negando- no controle difuso, as suas razões não se
-se o fundamento que deve estar à base de confundem com as que determinam a
uma teoria dos precedentes. limitação da retroatividade ou os efeitos
Deixe-se claro que a doutrina de common prospectivos no controle concentrado.
law entende que a revogação, em regra, Na ação direta de inconstitucionalidade
deve ter efeitos retroativos. Apenas excep- n. 2.2405, em que se questionou a inconsti-
cionalmente, em especial quando há con-
fiança justificada no precedente, admite-se
5
“Ação direta de inconstitucionalidade – Lei
7.619/2000, do Estado da Bahia, que criou o Município
dar efeitos prospectivos ao overruling. E isso de Luís Eduardo Magalhães – Inconstitucionalidade
sem se enfatizar que as Cortes não devem de lei estadual posterior à EC 15/1996 – Ausência de
supor razão para a tutela da confiança sem lei complementar federal prevista no texto constitu-
consideração meticulosa, analisando se a cional – Afronta ao disposto no art. 18, § 4o, da CF
– Omissão do Poder Legislativo – Existência de fato –
questão enfrentada é uma daquelas em que Situação consolidada – Princípio da segurança jurídica
os jurisdicionados costumam se pautar nos – Situação de exceção, estado de exceção – A exceção
precedentes, assim como se os tribunais não se subtrai à norma, mas esta, suspendendo-se, dá
já sinalizaram para a revogação do pre- lugar à exceção – Apenas assim ela se constitui como
regra, mantendo-se em relação com a exceção. 1. O
cedente ou se a doutrina já demonstrou a Município foi efetivamente criado e assumiu existên-
sua fragilidade (EISENBERG, 1998, p. 132). cia de fato, há mais de seis anos, como ente federativo.
2. Existência de fato do Município, decorrente da deci-
3. Diferentes razões para tutelar a segurança são política que importou na sua instalação como ente
federativo dotado de autonomia. Situação excepcional
jurídica: decisão de inconstitucionalidade e consolidada, de caráter institucional, político. Hipóte-
revogação de precedente constitucional se que consubstancia reconhecimento e acolhimento
da força normativa dos fatos. 3. Esta Corte não pode
O artigo 27 da Lei n. 9.868/99 explicita limitar-se à prática de mero exercício de subsunção.
que o Supremo Tribunal Federal, ao de- A situação de exceção, situação consolidada – embora
clarar a inconstitucionalidade de lei ou ato ainda não jurídica – não pode ser desconsiderada. 4.
normativo, tem poder para limitar os seus A exceção resulta de omissão do Poder Legislativo,
visto que o impedimento de criação, incorporação,
efeitos retroativos ou dar-lhe efeitos pros- fusão e desmembramento de Municípios, desde a
pectivos. Diz o artigo 27 que, “ao declarar a promulgação da EC 15, em 12 de setembro de 1996,
inconstitucionalidade de lei ou ato norma- deve-se à ausência de lei complementar federal. 5.
Omissão do Congresso Nacional que inviabiliza o
tivo, e tendo em vista razões de segurança
que a Constituição autoriza: a criação de Município.
jurídica ou de excepcional interesse social, A não edição da lei complementar dentro de um prazo
poderá o Supremo Tribunal Federal, por razoável consubstancia autêntica violação da ordem

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tucionalidade da lei estadual que criou o em nome do princípio da segurança jurídi-
Município de Luís Eduardo Magalhães, o ca.6 Após o voto do relator, pediu vistas o
Supremo não tinha qualquer dúvida sobre Ministro Gilmar Mendes. Em seu voto ar-
a inconstitucionalidade da lei, mas temia gumentou que não seria razoável deixar de
que, ao pronunciá-la, pudesse irremedia- julgar procedente a ação direta de inconsti-
velmente atingir todas as situações que se tucionalidade para não se atingir o passado,
formaram após a edição da lei. Receava-se advertindo que a preservação das situações
que a declaração de inconstitucionalidade anteriores poderia se dar ainda que a ação
não pudesse permitir a preservação das fosse julgada procedente. Consta do voto
situações estabelecidas antes da decisão de do Ministro Gilmar: “Impressionou-me a
inconstitucionalidade. Partindo-se da teoria conclusão a que chegou o Ministro Eros
da nulidade do ato inconstitucional, a pre- Grau – votou pela improcedência da ação
servação do que aconteceu após a edição da – após tecer percuciente análise sobre a
lei inconstitucional teria de ter sustentáculo realidade fática fundada na lei impugnada
em algo capaz de se contrapor ao princípio e o peso que possui, no caso, o princípio
de que a lei inconstitucional, por ser nula, da segurança jurídica. De fato, há toda
não produz quaisquer efeitos. uma situação consolidada que não pode
É curioso que o relator, inicialmente, ser ignorada pelo Tribunal. Com o surgi-
embora reconhecendo a inconstituciona- mento, no plano das normas, de uma nova
lidade, julgou a ação improcedente. E isso entidade federativa, emergiu, no plano dos
para preservar as situações consolidadas, fatos, uma gama de situações decorrentes
da prática de atos próprios do exercício da
constitucional. 6. A criação do Município de Luís
Eduardo Magalhães importa, tal como se deu, uma 6
Parte final do voto do Min. relator, Eros Grau:
situação excepcional não prevista pelo direito positivo. “Permito-me observar ainda que no caso está em pauta
7. O estado de exceção é uma zona de indiferença entre o princípio da continuidade do Estado, não o princípio
o caos e o estado da normalidade. Não é a exceção que da continuidade do serviço público. Os serviços públicos
se subtrai à norma, mas a norma que, suspendendo-se, prestados pelo Município de Luís Eduardo Magalhães
dá lugar à exceção – apenas desse modo ela se constitui passariam a ser imediatamente prestados, se declarada
como regra, mantendo-se em relação com a exceção. a inconstitucionalidade da lei de sua criação, pelo
8. Ao Supremo Tribunal Federal incumbe decidir Município de Barreiras, de cuja área foi destacado.
regulando também essas situações de exceção. Não Mas não é disso que aqui se cuida, senão da necessária,
se afasta do ordenamento, ao fazê-lo, eis que aplica a imprescindível afirmação, por esta Corte, do sentido
norma à exceção desaplicando-a, isto é, retirando-a da normativo veiculado pelo art. 1o da CF: a República
exceção. 9. Cumpre verificar o que menos compromete Federativa do Brasil é formada pela união indissolú-
a força normativa futura da Constituição e sua função vel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal. É
de estabilização. No aparente conflito de inconstitucio- o princípio da continuidade do Estado que está em
nalidades impor-se-ia o reconhecimento da existência pauta na presente ADIn, incumbindo-nos recusar o
válida do Município, a fim de que se afaste a agressão fiat justitia, pereat mundus. Por certo que a afirmação
à federação. 10. O princípio da segurança jurídica da improcedência da ADIn não servirá de estímulo à
prospera em benefício da preservação do Município. criação de novos municípios, indiscriminadamente.
11. Princípio da continuidade do Estado. 12. Julga- Antes, pelo contrário, há de expressar como que um
mento no qual foi considerada a decisão desta Corte apelo ao Poder Legislativo, no sentido de que supra a
no MI 725, quando determinado que o Congresso omissão constitucional que vem sendo reiteradamente
Nacional, no prazo de dezoito meses, ao editar a lei consumada. Concluído, retornarei à observação de
complementar federal referida no § 4o do art. 18 da CF, Konrad Hesse: também cumpre a esta Corte fazer tudo
considere, reconhecendo-a, a existência consolidada aquilo que seja necessário para impedir o nascimento
do Município de Luís Eduardo Magalhães. Decla- de realidades inconstitucionais, mas indispensável há
ração de inconstitucionalidade da lei estadual sem de ser, quando isso seja possível, que esta mesma Corte
pronúncia de sua nulidade 13. Ação direta julgada tudo faça para pô-la, essa realidade, novamente em
procedente para declarar a inconstitucionalidade, mas concordância com a Constituição. As circunstâncias
não pronunciar a nulidade pelo prazo de 24 meses, da realidade concreta do município de Luis Eduardo
da Lei 7.619, de 30 de março de 2000, do Estado da Magalhães impõem seja julgada improcedente a
Bahia” (STF, Pleno, ADIn 2240, rel. Min. Eros Grau, ADIn” (STF, Pleno, ADIn 2.240, rel. Min. Eros Grau,
DJe 03.08.2007). DJe 03.08.2007).

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autonomia municipal. A realidade concreta causar uma verdadeira catástrofe – para
que se vincula à lei estadual impugnada já utilizar a expressão de Otto Bachof – do
foi objeto de extensa descrição analítica no ponto de vista político, econômico e
voto proferido pelo Ministro relator, e não social”.11 Diante disso, consignou o Minis-
pretendo aqui retomá-la. Creio que o Tri- tro Gilmar: “Não há dúvida, portanto – e
bunal já se encontra plenamente inteirado todos os Ministros que aqui se encontram
das graves repercussões de ordem política, parecem ter plena consciência disso –, de
econômica e social de uma eventual decisão que o Tribunal deve adotar uma fórmula
de inconstitucionalidade”.7 que, reconhecendo a inconstitucionalida-
Após ter deixado claro que o Ministro de da lei impugnada – diante da vasta e
relator esteve preocupado em proteger consolidada jurisprudência sobre o tema
as situações consolidadas, argumentou o –, resguarde na maior medida possível os
Ministro Gilmar que a solução do proble- efeitos por ela produzidos”.12
ma “não pode advir da simples decisão Nesta linha, o Ministro Gilmar Mendes,
de improcedência da ação. Seria como se que acabou sendo acompanhado pelos
o Tribunal, focando toda sua atenção na demais Ministros – inclusive pelo Minis-
necessidade de se assegurar realidades tro relator, que retificou o seu voto –, com
concretas que não podem mais ser des- exceção do Ministro Marco Aurélio – que,
feitas e, portanto, reconhecendo plena embora julgando procedente a ação de
aplicabilidade ao princípio da segurança inconstitucionalidade, pronunciava a nuli-
jurídica, deixasse de contemplar, na devi- dade da lei13 –, votou no “sentido de, apli-
da medida, o princípio da nulidade da lei cando o art. 27 da Lei 9.868/1999, declarar
inconstitucional”.8 Depois disso, advertiu a inconstitucionalidade sem a pronúncia da
que, embora não se possa negar a relevância nulidade da lei impugnada, mantendo sua
do princípio da segurança jurídica no caso, vigência pelo prazo de 24 (vinte e quatro)
é possível primar pela otimização de am- meses, lapso temporal razoável dentro do
bos os princípios – ou seja, dos princípios qual poderá o legislador estadual reapre-
da segurança jurídica e da nulidade da lei ciar o tema, tendo como base os parâmetros
inconstitucional –, “tentando aplicá-los, que deverão ser fixados na lei complemen-
na maior medida possível, segundo as tar federal, conforme decisão desta Corte
possibilidades fáticas e jurídicas que o caso na ADIn 3.682”.14
concreto pode nos apresentar”.9 Note-se que se afirmou estar sendo de-
Mais tarde, sublinhou que “a falta de um clarada a inconstitucionalidade, mas sem a
instituto que permita estabelecer limites aos pronúncia da nulidade da lei impugnada,
efeitos da declaração de inconstitucionali- 11
Idem.
dade acaba por obrigar os Tribunais, muitas 12
Idem.
vezes, a se abster de emitir um juízo de 13
Voto do Ministro Marco Aurélio: “Presidente,
censura, declarando a constitucionalidade peço vênia para cingir-me à concepção que tenho sobre
de leis manifestamente inconstitucionais”.10 as normas de regência da matéria, ao alcance que dou
ao art. 18, § 4o, da CF e ao art. 27 da Lei 9.868/1999,
E que o “perigo de uma tal atitude desme- não estabelecendo solução prática, pouco importando
surada de self restraint (ou greater restraint) o Município, fora desses mesmos parâmetros. Hoje,
pelas Cortes Constitucionais ocorre justa- há autorização – e sob esse preceito foi criado o Muni-
cípio – que não se torna efetiva ante a inexistência de
mente nos casos em que, como o presente, atividade legiferante do Congresso quanto à lei com-
a nulidade da lei inconstitucional pode plementar que fixaria as balizas temporais, afastando,
quem sabe, o ano das eleições – segundo memorial
7
Idem. recebido, esse Município foi criado em ano de eleições
8
Idem. – e, também, os requisitos a serem atendidos. Portanto,
9
Idem. julgo procedente o pedido formulado” (idem).
10
Idem. 14
Idem.

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mantendo-se sua vigência pelo prazo de do, embora similar, não se confunde com
vinte e quatro meses.15 O método utiliza- a técnica do prospective prospective overru-
ling, empregada no direito estadunidense
15
Na ADIn 3.615, tratando de caso semelhante, a (TREANOR, 1993). A similaridade decorre
Corte julgou procedente a ação direta, atribuindo à
decisão de inconstitucionalidade efeitos ex nunc: “Ação do fato de se ter mantido a vigência da lei
direta de inconstitucionalidade – Art. 51 do ADCT do pelo prazo de vinte e quatro meses, o que
Estado da Paraíba – Redefinição dos limites territo- permite equiparar esta decisão àquela cujos
riais do Município do Conde – Desmembramento de
efeitos operam somente a partir de deter-
parte de município e incorporação da área separada
ao território da municipalidade limítrofe, tudo sem a minada data no futuro. Não há dúvida que
prévia consulta, mediante plebiscito, das populações ambas as decisões protegem a segurança
de ambas as localidades – Ofensa ao art. 18, § 4o, da jurídica. É isto, precisamente, que permite
CF. 1. Para a averiguação da violação apontada pelo
requerente, qual seja o desrespeito, pelo legislador
a aproximação das situações.
constituinte paraibano, das exigências de consulta Porém, a técnica do prospective overruling
prévia e de edição de lei estadual para o desmem- tem a ver com a revogação de precedentes
bramento de município, não foi a norma contida no e não com a declaração de inconstitucio-
art. 18, § 4o, da CF substancialmente alterada, uma
vez que tais requisitos, já existentes no seu texto pri-
nalidade. Quando nada indica provável
mitivo, permaneceram inalterados após a edição da revogação de um precedente, e, assim, os
EC 15/1996. Precedentes: ADIn 458, rel. Min. Sydney jurisdicionados nele depositam confiança
Sanches, DJ 11.09.1998, e ADIn 2.391, rel. Min. Ellen justificada para pautar suas condutas,
Gracie, Informativo STF 316. 2. Afastada a alegação de
que a norma impugnada, sendo fruto da atividade entende-se que, em nome da proteção da
do legislador constituinte estadual, gozaria de uma confiança, é possível revogar o precedente
inaugural presunção de constitucionalidade, pois, com efeitos puramente prospectivos (a
segundo a jurisprudência desta Corte, o exercício do partir do trânsito em julgado) ou mesmo
poder constituinte deferido aos Estados-membros está
subordinado aos princípios adotados e proclamados com efeitos prospectivos a partir de certa
pela Constituição Federal. Precedente: ADIn 192, rel. data ou evento. Isso ocorre para que as
Min. Moreira Alves, DJ 06.09.2001. 3. Pesquisas de opi- situações que se formaram com base no
nião, abaixo-assinados e declarações de organizações
precedente não sejam atingidas pela nova
comunitárias, favoráveis à criação, à incorporação ou
ao desmembramento de município, não são capa- regra. Contudo, na decisão proferida pelo
zes de suprir o rigor e a legitimidade do plebiscito Supremo Tribunal Federal na ação direta
exigido pelo § 4o do art. 18 da CF. Precedente: ADIn de inconstitucionalidade do município de
2.994, rel. Min. Ellen Gracie, DJ 04.06.2004. A esse
rol de instrumentos ineficazes que buscam driblar a
Luis Eduardo Magalhães, não há como
exigência de plebiscito expressa no art. 18, § 4o, da CF pensar em proteção da confiança fundada
soma-se, agora, este de emenda popular ao projeto de nos precedentes. Lembre-se que a Corte re-
Constituição Estadual. 4. Ação direta cujo pedido se conheceu que os seus próprios precedentes
julga procedente, com a aplicação de efeitos ex nunc,
nos termos do art. 27 da Lei 9.868/99” (STF, Pleno,
eram no sentido da inconstitucionalidade
ADIn 3.615, rel. Min. Ellen Gracie, DJ 09.03.2007). É
importante registrar parte do voto da Ministra rela- cautelar do ato normativo atacado. Assim, mesmo
tora, Ellen Gracie: “Com essas considerações, julgo que o julgamento definitivo demorasse a acontecer,
procedente o pedido formulado na presente ação a aplicação dos efeitos ex tunc não gerava maiores
direta e declaro a inconstitucionalidade do art. 51 do problemas, pois a norma permanecera durante todo
ADCT do Estado da Paraíba. Nos termos do art. 27 da o tempo com sua vigência suspensa. Aqui, a situação
Lei 9.868/1999, proponho, porém, a aplicação ex nunc é diferente. Contesta-se, em novembro de 2005, norma
dos efeitos dessa decisão. Justifico. Nas mais recentes promulgada em outubro de 1989. Durante esses dezes-
ações diretas que trataram desse tema, normalmente seis anos, foram consolidadas diversas situações jurí-
propostas logo após a edição da lei impugnada, se tem dicas, principalmente no campo financeiro, tributário
aplicado o rito célere do art. 12 da Lei 9.868/1999. As- e administrativo, que não podem, sob pena de ofensa
sim, o tempo necessário para o surgimento da decisão à segurança jurídica, ser desconstituídas desde a sua
pela inconstitucionalidade do diploma dificilmente é origem. Por essa razão, considero presente legítima
desarrazoado, possibilitando a regular aplicação dos hipótese de aplicação de efeitos ex nunc da declaração
efeitos ex tunc. Nas ações diretas mais antigas, por sua de inconstitucionalidade” (STF, Pleno, ADIn 3.615, rel.
vez, era praxe do Tribunal a quase imediata suspensão Min. Ellen Gracie, DJ 09.03.2007).

22 Revista de Informação Legislativa


e que, exatamente por conta disto, não se A decisão que revoga precedente,
concebia julgamento de improcedência da negando os seus motivos determinantes
ação. ou a sua ratio decidendi, é pensada em di-
Quando não se outorga efeito retroa- ferentes perspectivas, conforme a decisão
tivo à decisão de inconstitucionalidade, revogadora pronuncie a inconstitucio-
objetiva-se preservar as situações que se nalidade ou a constitucionalidade. No
consolidaram com base na lei inconsti- primeiro caso, em princípio, a norma não
tucional. Nesta situação entra em jogo a é aplicada ao caso sob julgamento e, em
relação entre os princípios da nulidade da virtude da eficácia vinculante, não deverá
lei inconstitucional e da segurança jurídica, ser aplicada nos casos que se seguirem. Na
mas certamente não importa a proteção hipótese de constitucionalidade, também
da confiança justificada nos precedentes em princípio, a norma será aplicada no
judiciais. A segurança jurídica é deduzida caso sob julgamento, e, em face da eficácia
para proteger situações consolidadas que se vinculante, em todos os casos seguintes.
fundaram na lei declarada inconstitucional, No primeiro caso, a norma não é declarada
mas não para justificar ações que se pauta- nula, mas os seus efeitos ficam paralisa-
ram em precedente revogado. dos. No segundo, como a norma estava
em estado de letargia, os seus efeitos são
4. Efeitos inter partes e vinculantes da ressuscitados.
declaração de inconstitucionalidade no Porém, o dilema que marca a revogação
de precedente está exatamente na altera-
controle incidental e da revogação de
ção do sinal de vida dos efeitos da norma.
precedente constitucional Numa hipótese a norma deixa de produzir
A decisão proferida em recurso extraor- efeitos e na outra passa a produzi-los. Isto,
dinário, no que diz respeito à questão cons- entretanto, tem nítida interferência nas
titucional envolvida, possui efeitos com relações e situações que se pautaram no
qualidades distintas. Além de atingir às precedente revogado, considerando a de-
partes em litígio, impedindo que voltem a cisão de inconstitucionalidade ou a decisão
discutir a questão constitucional para tentar de constitucionalidade. A situação que,
modificar a tutela jurisdicional concedida, a considerando precedente constitucional,
decisão possui efeitos vinculantes, obrigan- afronta a decisão que o revogou merece
do todos os juízes e tribunais a respeitá-la. cuidado especial.
Consideram-se, nesta dimensão, os funda- A ordem jurídica – composta pelas
mentos da decisão, ou, mais precisamente, decisões judiciais, especialmente as do
os seus motivos determinantes ou a sua Supremo Tribunal Federal – gera expec-
ratio decidendi, e não o seu dispositivo. Ou tativa e merece confiança, tuteláveis pelo
seja, os motivos determinantes – em relação princípio da segurança jurídica. Assim,
à tutela jurisdicional – tornam-se indiscu- é preciso investigar se há confiança que
tíveis às partes e obrigatórios aos demais pode ser dita justificada no precedente re-
órgãos judiciais. vogado. Basicamente, é necessário verificar
Declarada incidentalmente a inconsti- se o precedente tinha suficiente força ou
tucionalidade da norma, essa não produz autoridade, à época da prática da conduta
efeitos no caso sob julgamento, mas não é ou da celebração do negócio, para fazer ao
declarada nula. A norma se torna inapli- envolvido crer estar atuando em confor-
cável nos demais casos porque os juízes midade com o Direito. Existindo confiança
e tribunais ficam vinculados aos funda- justificada, é legítimo decidir, no controle
mentos da decisão que determinaram a difuso, de modo a preservar as situações
inconstitucionalidade. que se pautaram no precedente.

Brasília ano 48 n. 190 abr./jun. 2011 23


Perceba-se que aí não há limitação da proferidas em ação direta de inconstitu-
retroatividade dos efeitos da decisão de cionalidade.
inconstitucionalidade, mas modulação da Atribuir eficácia vinculante aos fun-
eficácia vinculante da decisão, anunciando- damentos determinantes da decisão é
-se ser ela inaplicável diante das situações o mesmo que conferir autoridade aos
que justificadamente se pautaram no fundamentos da decisão em relação aos
precedente revogado. Não se pode falar demais órgãos do Poder Judiciário. Esses
em limitação da retroatividade dos efeitos ficam vinculados ou obrigados em face dos
da decisão de inconstitucionalidade, mas, fundamentos da decisão, ou seja, diante da
sim, em modulação dos efeitos vinculantes, ratio decidendi do precedente. De modo que
não somente porque a decisão revogadora a técnica da obrigatoriedade do respeito
pode ser no sentido da constitucionalidade, aos fundamentos determinantes é utiliza-
mas também porque não se está diante de da para atribuir força ou autoridade aos
decisão que produz efeitos diretos erga precedentes judiciais, e não, obviamente,
omnes, mas de decisão que gera efeitos inter para simplesmente reafirmar a teoria da
partes. Em verdade, há apenas necessidade nulidade do ato inconstitucional.
de definir em que limite temporal ou situa- Igualmente, a modulação dos efeitos
ções concretas o precedente revogador terá das decisões proferidas em recurso extra-
eficácia vinculante. De qualquer forma, ordinário não é tributária da possibilidade
é inegável que a modulação da eficácia de se modular os efeitos das decisões de
vinculante em relação às situações conso- inconstitucionalidade no controle principal.
lidadas acaba gerando uma limitação de O poder de modular os efeitos das decisões
retroatividade do precedente. em sede de controle incidental deriva exclu-
sivamente do princípio da segurança jurí-
5. Eficácia prospectiva de dica e da proteção da confiança justificada.
decisão revogadora de precedente A declaração de inconstitucionalidade
proferida em recurso extraordinário, em-
constitucional e de decisão proferida
bora tenha eficácia vinculante, obrigando
em controle incidental os demais órgãos do Poder Judiciário, não
Não há dúvida que as decisões proferi- elimina – sem a atuação do Senado Federal
das em recurso extraordinário produzem – a norma do ordenamento jurídico, que
eficácia vinculante em relação aos seus resta, por assim dizer, em estado latente.
motivos determinantes, assim como as É certamente possível que a decisão que
decisões prolatadas em controle principal. reconheceu a inconstitucionalidade de
Como é óbvio, para se admitir a eficácia determinada norma um dia seja contraria-
vinculante no controle incidental não é pre- da, pelas mesmas razões que autorizam a
ciso argumentar que a eficácia vinculante revogação de precedente constitucional ou
é viável no controle principal. Da mesma dão ao Supremo Tribunal Federal a possibi-
forma, a circunstância de ser possível lidade de declarar inconstitucional norma
atribuir efeito prospectivo à decisão de que já afirmou constitucional. Trata-se do
procedência na ação direta de inconstitucio- mesmo “processo” em que, nos Estados
nalidade nada tem a ver com a viabilidade Unidos, a Suprema Corte “ressuscita” a lei
de se atribuir efeitos prospectivos à decisão que era vista como dead law, por já ter sido
proferida em sede de recurso extraordiná- declarada inconstitucional.
rio. A modulação dos efeitos das decisões Na verdade, em sede de controle inci-
proferidas em recurso extraordinário não dental o Supremo Tribunal Federal sem-
é consequência lógica da possibilidade de pre tem a possibilidade de – a partir de
se atribuir efeitos prospectivos às decisões critérios rígidos – negar os fundamentos

24 Revista de Informação Legislativa


determinantes das suas decisões, sejam mente, que “o réu não poderá apelar em
elas de inconstitucionalidade ou de cons- liberdade, nos crimes previstos nesta Lei”
titucionalidade. Porém, como a revogação e que “os crimes disciplinados nesta Lei são
de um precedente institui nova regra, a ser insuscetíveis de fiança e liberdade provisó-
observada pelos demais órgãos judiciários, ria e, em caso de sentença condenatória, o
é pouco mais do que evidente a possibilida- juiz decidirá fundamentadamente se o réu
de de se violentarem a segurança jurídica e poderá apelar em liberdade”. O Ministro
a confiança depositada no próprio Supremo Gilmar Mendes, acompanhando os votos
Tribunal Federal. Quando não há indica- proferidos pelos Ministros Marco Aurélio
ções de que o precedente será revogado, e Cezar Peluso, declarou, incidentalmente,
e, assim, há confiança justificada, não há a inconstitucionalidade do art. 9o da Lei
razão para tomar de surpresa o jurisdi- 9.034/95 e emprestou ao artigo 3o da Lei
cionado, sendo o caso de atribuir efeitos 9.613/98 interpretação conforme à Consti-
prospectivos à decisão, seja ela de incons- tuição, no sentido de que o juiz, na hipótese
titucionalidade ou de constitucionalidade. de sentença condenatória, fundamente
Portanto, cabe analisar, em determi- a existência ou não dos requisitos para a
nadas situações, a eficácia a ser dada à prisão cautelar. Logo após, porém, consi-
decisão que revoga precedente constitu- derando que, com esta decisão, estar-se-ia
cional, e, assim, a necessidade de limitar revisando jurisprudência firmada pelo
a retroatividade para tutelar as situações Superior Tribunal Federal, amplamente
que se pautaram no precedente revogado. divulgada e com inegáveis repercussões
Embora a viabilidade de outorgar efeitos no plano material e processual, admitiu a
prospectivos à decisão de inconstitucio- possibilidade da limitação dos efeitos da
nalidade esteja expressa no art. 27 da Lei declaração de inconstitucionalidade em
9.868/1999,16 é indiscutível que esta possi- sede de controle difuso e, assim, atribuiu à
bilidade advém do princípio da segurança sua decisão efeitos ex nunc (DIREITO, 2003).
jurídica, o que significa que, ainda que se Ao se limitar os efeitos retroativos em
entendesse que tal norma se aplica apenas nome da confiança justificada, não se está
ao controle principal, não haveria como restringindo os efeitos diretos da decisão
negar a possibilidade de modular os efeitos sobre os casos que podem ser julgados
da decisão proferida em recurso extraordi- ou que estão em julgamento, mas se está
nário (ÁVILA, 2009). deixando de atribuir eficácia vinculante à
O Supremo Tribunal Federal já teve decisão proferida para obrigar os órgãos
oportunidade de tratar desta importante judiciais diante dos casos que podem vir
questão em caso em que se analisou o tema. a dar origem a processos judiciais ou que
Isto ocorreu na Reclamação 2391, em que já estão sob julgamento em processos em
se analisou o tema do “direito de recorrer andamento.
em liberdade” e a constitucionalidade, em Frise-se que a necessidade de modula-
face do princípio da não-culpabilidade, ção no caso de revogação de precedente
dos artigos 9o da Lei 9.034/95 e 3o da Lei decorre da preocupação de não atingir as
9.613/98, que prescrevem, respectiva- situações que com base nele se formaram
e não da imprescindibilidade de proteger
16
Lei 9.868/1999, art. 27: “Ao declarar a incons-
titucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em
as situações que se consolidaram com base
vista razões de segurança jurídica ou de excepcional na lei inconstitucional. Contudo, no Brasil
interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, a técnica dos efeitos prospectivos foi pen-
por maioria de dois terços de seus membros, restringir sada a partir da teoria da nulidade dos atos
os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só
tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou inconstitucionais. Vale dizer, para tutelar a
de outro momento que venha a ser fixado”. segurança jurídica, mas em virtude do prin-

Brasília ano 48 n. 190 abr./jun. 2011 25


cípio da nulidade da lei inconstitucional. dade, à semelhança do que se faz no direito
Daí não se ter percebido, com maior nitidez, estadunidense mediante o pure prospective
a imprescindibilidade da adoção desta overruling. Ou, ainda, definir uma data a
técnica em sede de controle incidental, em partir da qual a decisão passará a produzir
especial quando se altera a jurisprudência efeitos, como ocorre quando se aplica o
consolidada. prospective prospective overruling.
Não se pensa em confiança justificada O Supremo Tribunal Federal já limitou
para se dar efeitos prospectivos na hipótese a retroatividade de decisão proferida em
de decisão de inconstitucionalidade. Só há recurso extraordinário sem relacioná-la
razão para investigar se a confiança é justi- a confiança justificada em jurisprudência
ficada em se tratando de revogação de pre- consolidada. Assim sucedeu no Recurso
cedente. É apenas aí que importa verificar Extraordinário n 197.91717, em que se de-
se havia, na academia e nos tribunais, ma- clarou a inconstitucionalidade de norma
nifestações que evidenciavam o enfraqueci- da Lei Orgânica do Município de Mira
mento do precedente ou apontavam para a Estrela, por ofensa ao artigo 29, IV, ‘a’,
probabilidade da sua revogação, a eliminar da Constituição Federal18. Entendeu-se,
a confiança justificada. De modo que, nesta no caso, que o Município, diante da sua
situação, tutela-se o passado em nome da população, somente poderia ter nove vere-
confiança que se depositou nas decisões adores e não onze – como fixado em norma
judiciais, enquanto, no caso de decisão de de sua Lei Orgânica. Em seu voto, disse o
inconstitucionalidade, tutelam-se excepcio- Ministro Relator, Mauricio Corrêa, ter bem
nalmente as situações que se formaram na decidido “o magistrado de primeiro grau
vigência da lei declarada inconstitucional. ao declarar, incidenter tantum, a inconstitu-
Em verdade, os fundamentos para se dar cionalidade do parágrafo único do artigo
efeitos prospectivos, em cada um dos casos, 6o da Lei Orgânica em causa”, mas que
são diferentes. Os fundamentos bastantes este não poderia “alterar o seu conteúdo,
para se dar efeitos prospectivos na hipótese fixando de pronto o número de vereadores,
de revogação de precedente estão longe usurpando, por isso mesmo, competência
das “razões de segurança jurídica ou de constitucional específica outorgada tão-só
excepcional interesse social” que justificam ao Poder Legislativo do Município (CF,
efeitos prospectivos em caso de decisão de artigo 29, caput, IV). Agindo dessa forma,
inconstitucionalidade. o Poder Judiciário estaria assumindo atri-
É certo que a limitação da retroatividade buições de legislador positivo, que não
da revogação de precedente constitucional lhe foi reservada pela Carta Federal para
se funda na confiança justificada e, assim, a hipótese. Oficiado à Câmara Legislativa
não tem o mesmo fundamento dos efeitos local acerca da inconstitucionalidade do
prospectivos na ação direta de inconstitu- preceito impugnado, cumpre a ela tomar
cionalidade. Porém, mesmo em recurso
extraordinário, pode haver limitação da 17
RE 197.917-8, Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa,
retroatividade ou atribuição de efeito DJ 07.05.2004.
18
“Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica,
prospectivo ainda que não se esteja diante votada em dois turnos, com o interstício mínimo de
de decisão revogadora de precedente. Há dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da
casos em que o Supremo Tribunal Federal Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os
pode declarar a inconstitucionalidade da princípios estabelecidos nesta Constituição, na Cons-
norma e limitar a retroatividade da decisão, tituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:
(...) IV – para a composição das Câmaras Munici-
decidindo com efeitos ex nunc, ou mesmo pais, será observado o limite máximo de: a) 9 (nove)
excluir o próprio caso sob julgamento dos Vereadores, nos Municípios de até 15.000 (quinze mil)
efeitos da declaração de inconstitucionali- habitantes; (...)”.

26 Revista de Informação Legislativa


as providências cabíveis para tornar efetiva Tratando-se de revogação de preceden-
a decisão judicial transitada em julgado”19. te, a razão de ser dos efeitos prospectivos
O Ministro Gilmar Mendes, concordando está na confiança justificada e na tutela
com o relator quanto à inconstitucionali- da previsibilidade. Porém, não são ape-
dade da norma, advertiu que, “no caso em nas os precedentes do Supremo Tribunal
tela, observa-se que eventual declaração Federal que geram confiança justificada,
de inconstitucionalidade com efeito ex mas também os do Superior Tribunal de
tunc ocasionaria repercussões em todo o Justiça (e dos outros Tribunais Superiores),
sistema vigente, atingindo decisões que especialmente quando sublinhadas as suas
foram tomadas em momento anterior ao funções de unificar a interpretação da lei
pleito que resultou na atual composição e dar unidade ao direito federal (DERZI,
da Câmara Municipal: fixação do número 2009, p. 498-).
de vereadores, fixação do número de can- Bem por isso, como não poderia deixar
didatos, definição do quociente eleitoral. de ser, a questão dos efeitos prospectivos
Igualmente, as decisões tomadas posterior- já repercutiu no Superior Tribunal de
mente ao pleito também seriam atingidas, Justiça. Nessa Corte, chegou-se a discutir,
tal como a validade da deliberação da inclusive, sobre a aplicação do art. 27 da
Câmara Municipal nos diversos projetos e Lei 9.868/1999, que autoriza o Supremo
leis aprovados”. Por conta disto, declarou Tribunal Federal a dar efeitos prospectivos
a inconstitucionalidade da norma da Lei às suas decisões de inconstitucionalidade.
Orgânica do Município de Mira Estrela, Há caso exemplar, oriundo do Paraná,
explicitando que “a declaração da inconsti- que não pode deixar de ser lembrado. Tra-
tucionalidade da lei não afeta a composição ta-se dos EDiv no REsp 738.689, julgados
da atual legislatura da Câmara Municipal, pela 1a Seção.21 Buscava-se, na ação que deu
cabendo ao legislativo municipal estabe- origem ao recurso especial e aos embargos
lecer nova disciplina sobre a matéria, em de divergência, o reconhecimento do di-
tempo hábil para que se regule o próximo reito ao aproveitamento do crédito-prêmio
pleito eleitoral (declaração de inconstitu- do IPI, instituído pelo art. 1o do Dec.-lei
cionalidade pro futuro)”.20 491/1969. Ao enfrentar o recurso especial,
a Turma reafirmou a improcedência do
6. O problema dos efeitos prospectivos pedido, daí tendo sido interpostos embar-
no Superior Tribunal de Justiça gos de divergência à 1a Seção. Durante o
julgamento dos embargos de divergência
Como já demonstrado, a técnica dos – que restaram improvidos –, o Ministro
efeitos prospectivos, além de importante Hermann Benjamin pediu vista e propôs
em face do princípio da nulidade do ato a modulação dos efeitos da decisão, nos
inconstitucional, é absolutamente funda- termos do art. 27 da Lei 9.868/1999.
mental diante da teoria dos precedentes. Frise-se que, até agosto de 2004, o enten-
dimento pacífico no Superior Tribunal de
19
RE 197.917-8, Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, Justiça era pela subsistência do benefício.
DJ 07.05.2004.
20
Decidiu o Supremo Tribunal Federal, no RE Inicialmente, observou o Ministro Her-
197.917-8, tratar-se de “situação excepcional em que mann que, ao tentar se familiarizar com os
a declaração de nulidade, com seus normais efeitos debates sobre a vigência do crédito-prêmio
ex tunc, resultaria grave ameaça a todo o sistema le-
– dos quais não participou, pois ocorridos
gislativo vigente”, e, assim, proclamou: “Prevalência
do interesse público para assegurar, em caráter de antes do seu ingresso na Corte –, chamou
exceção, efeitos pro futuro à declaração incidental de
inconstitucionalidade” (RE 197.917-8, Pleno, Rel. Min. 21
STJ, 1a Seção, EDiv no REsp 738.689, rel. Min.
Maurício Corrêa, DJ 07.05.2004). Teori Albino Zavascki, DJ 22.10.2007.

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a sua atenção “a profunda mudança de dependentemente da produção legislativa
orientação jurisprudencial sobre o tema, ordinária, haveriam de ser observados tan-
fato que é insistentemente repisado pelos to pelo e. Supremo Tribunal Federal quanto
contribuintes, no contexto da segurança pelo Superior Tribunal de Justiça. No caso
jurídica”.22 Alegou que, “em face da ju- dos Vereadores [em que o Supremo Tribu-
risprudência predominante no Superior nal Federal limitou os efeitos da declaração
Tribunal de Justiça até agosto de 2004, per- de inconstitucionalidade], parece evidente
sistiu em favor dos contribuintes uma certa que eventual inexistência de lei federal
‘sombra de juridicidade’”.23 Assim, para prevendo expressamente a modulação
proteger a segurança jurídica e a confiança, temporal dos efeitos da decisão judicial não
entendeu o Ministro Hermann Benjamin impediria o e. Supremo Tribunal Federal
que seria o caso de se proceder à modu- de sopesar os efeitos de seu acórdão, por
lação dos efeitos da decisão, limitando-se conta do imperativo da segurança jurídica.
a sua retroatividade. Para fundamentar a Da mesma forma, a inexistência de norma
sua proposta, fez as seguintes pondera- ordinária expressa que regule o assunto
ções: “Tenho para mim que, também no não tem o condão de impedir os Tribunais
âmbito do Superior Tribunal de Justiça, as Superiores de adequarem sua atividade,
decisões que alterem jurisprudência rei- ou o produto da ação jurisdicional, aos di-
terada, abalando forte e inesperadamente tames da segurança jurídica. O e. Supremo
expectativas dos jurisdicionados, devem Tribunal Federal adota esse entendimento,
ter sopesados os limites de seus efeitos no ao modular temporalmente os efeitos de
tempo, buscando a integridade do sistema suas decisões, mesmo em se tratando de
e a valorização da segurança jurídica. É que controle difuso de constitucionalidade, não
o reconhecimento da ‘sombra de juridicida- abarcado expressamente pelo regime das
de’, decorrente da atividade jurisdicional Leis 9.868 e 9.882, ambas de 1999”.24
do Estado, revela indiscutível a necessida- Após sustentar a possibilidade de o
de de resguardarem-se os atos praticados Superior Tribunal de Justiça modular os
pelos contribuintes sob a expectativa de efeitos das suas decisões, para o que – na
que aquela era a melhor interpretação do sua argumentação – não seria sequer pre-
Direito, já que consubstanciada em uma ciso norma infraconstitucional, o Ministro
jurisprudência reiterada, em sentido favo- Hermann Benjamin passou a traçar crité-
rável às suas pretensões, pela Corte que rios para justificar a limitação dos efeitos
tem a competência constitucional para dar a da nova regra do Superior Tribunal de
última palavra no assunto. Essa necessida- Justiça. Ao observar a necessidade de se
de de privilegiar-se a segurança jurídica e, preservar a segurança jurídica, refletida
por consequência, os atos praticados pelos na expectativa dos jurisdicionados quanto
contribuintes sob a ‘sombra de juridicida- à aplicação, aos seus próprios casos, do
de’ exige do Superior Tribunal de Justiça o entendimento pacificado pelo Superior
manejo do termo a quo dos efeitos de seu Tribunal de Justiça, advertiu o Ministro que
novo entendimento jurisprudencial. Repito “esse entendimento exige sejam fixados a)
que não se trata de, simplesmente, aplicar- o limite temporal a partir do qual se afasta
-se as normas veiculadas pelas Leis 9.868 e a ‘sombra de juridicidade’ e b) os tipos de
9.882, ambas de 1999, por analogia, mas sim atos e negócios jurídicos realizados pelos
de adotar como válidos e inafastáveis os contribuintes que devem ser resguarda-
pressupostos valorativos e principiológicos dos da mudança jurisprudencial. O limite
que fundamentam essas normas e que, in- temporal é de fácil visualização. A ‘sombra
de juridicidade’– e, a partir daí, também
22
Idem.
23
Idem. 24
Idem.

28 Revista de Informação Legislativa


a necessidade de modulação temporal resistência do Fisco ao aproveitamento de
da eficácia da decisão – deixa de existir um direito pela empresa, há que se buscar
quando do julgamento, pela 1a Turma, do um provimento administrativo ou judicial
REsp 591.708/RS, em 08.06.2004, acórdão para legitimar a escrituração. A propósito,
relatado pelo e. Ministro Teori Zavascki e registro o Alerta ao Mercado, exarado
publicado no DJ de 09.08.2004 (conforme pela Comissão de Valores Mobiliários em
registrado pelo e. Min. João Otávio de No- 30.03.2005, que, de maneira ainda mais
ronha em seu voto-vista no REsp 541.239/ severa e referindo-se a atos normativos e
DF). Até esse momento, o entendimento pareceres anteriores, veda expressamente
pacífico do Superior Tribunal de Justiça, a contabilização do direito ao ‘crédito-
dando a interpretação última à legislação -prêmio’ pelas companhias abertas antes
federal, era pela subsistência do benefício, de eventual trânsito em julgado da sen-
nos termos de detalhado registro efetuado tença favorável. Entendo, portanto, que a
pelo e. Min. José Delgado, por ocasião de expectativa a ser protegida contra a mudança
seu voto-vencido no REsp 591.708/RS. jurisprudencial refere-se exclusivamente àque-
Fixo, portanto, a data de publicação desse las empresas que buscaram provimento judicial
acórdão (REsp 591.708/RS) em 09.08.2004, e efetivamente aproveitaram o ‘crédito-prêmio’
como o momento em que se exaure a ‘som- até 09.08.2004. As pretensões de empresas
bra de juridicidade’ que garantiria a subsis- não deduzidas em juízo não podem ser
tência do benefício, não cabendo, a partir resguardadas. A estas, não socorre o ar-
de então, falar-se em expectativa, boa-fé ou gumento da expectativa de provimento
confiança legítima dos contribuintes. É essa judicial favorável e, portanto, o imperativo
data (09.08.2004) que serve como marco inicial da segurança jurídica que me leva a decidir
para a irradiação dos efeitos da novel jurispru- pela modulação temporal dos efeitos da
dência desta Corte, no sentido da extinção do decisão. Os contribuintes que demandaram
crédito-prêmio do IPI, seja em 1983, seja em judicialmente, e somente eles, tinham a
1990. Quanto aos atos e negócios jurídicos expectativa de um provimento judicial fa-
praticados pelos contribuintes, a serem res- vorável. Utilizaram-se do ‘crédito-prêmio’
guardados da mudança jurisprudencial, há num momento em que o Superior Tribunal
que se ter em mente o objetivo da modula- de Justiça mantinha um posicionamento
ção temporal dos efeitos da decisão judicial, sólido a seu favor. Este aproveitamento
qual seja privilegiar a segurança jurídica, do benefício implicou redução dos custos
refletida na expectativa dos contribuintes e preços praticados por essas empresas, em
na manutenção do entendimento que, até valor correspondente ao montante do IPI
então, lhes era favorável. Pois bem, em face mitigado, levando-as a orientar seus planos
da inconteste e incansável resistência do fis- e atividades com base nessa realidade. São
co ao aproveitamento do “crédito-prêmio”, estes atos dos contribuintes, de apropriação
restava aos interessados o caminho do Judi- e aproveitamento do ‘crédito-prêmio’ antes
ciário. Por isso, não se descuida que, dados da guinada jurisprudencial, que se aperfei-
os efeitos inter partes dos precedentes desta çoaram sob a ‘sombra de juridicidade’ e,
Corte, os contribuintes haveriam de buscar agora, merecem ser preservados. Afasta-se
provimento jurisdicional a garantir-lhes o também, portanto, a hipótese de empresas
direito que, em sua visão, era certo. Conse- que, apesar de demandarem judicialmente,
quentemente, somente cabe falar em expec- não realizaram, por qualquer razão, o efeti-
tativa ao provimento judicial favorável, por vo aproveitamento do ‘crédito-prêmio’ até
óbvio, em favor daqueles que se socorreram 09.08.2004. Não tiveram elas reduzidos seus
da via pretoriana. Na seara contábil, essa custos, nem deixaram, por consequência, de
busca do provimento judicial é exigência repassar o ônus tributário integral (sem a
do princípio do conservadorismo. Havendo dedução do crédito-prêmio) aos seus clien-
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tes. Com relação a esses contribuintes, não às normas revogadas), mas também em
há ofensa relevante à segurança jurídica seus aspectos subjetivos (= para beneficiar
que justifique a modulação temporal dos alguns contribuintes, não todos) e em seus
efeitos da decisão. Tampouco aproveita aspectos materiais (= para abranger apenas
a mitigação dos efeitos da decisão decla- alguns atos e negócios, e não todos)”.26
ratória a outros que não o titular original A maioria dos membros da 1a Seção
do ‘crédito-prêmio’, já que a ‘sombra de aderiu à posição do Ministro Teori27, tendo
juridicidade’ refere-se ao entendimento restado consignado na ementa do acórdão o
pacificado por esta Corte, que não abrange seguinte: “Salvo nas hipóteses excepcionais
a possibilidade de aproveitamento, por previstas no art. 27 da Lei 9.868/1999, é
terceiros, do benefício fiscal. Sem dúvida, a incabível ao Judiciário, sob pena de usur-
controvérsia acerca da possibilidade desse pação da atividade legislativa, promover
aproveitamento por terceiros e a interpreta- a ‘modulação temporal’ da suas decisões,
ção a ser dada à legislação federal que trata para o efeito de dar eficácia prospectiva a
do assunto nunca gozaram, neste Tribunal, preceitos normativos reconhecidamente
da pacificação jurisprudencial advinda de revogados”.28
profundo debate e reiterados precedentes. O Superior Tribunal de Justiça, neste
Não há, em favor desses cessionários do julgamento, perdeu grande oportunidade
crédito-prêmio, ‘sombra de juridicidade’ a para adotar técnica imprescindível a um
socorrer-lhes. Numa palavra, a modulação Tribunal incumbido de dar unidade ao di-
temporal dos efeitos da decisão favorece reito federal. Pouco importa que o art. 27 da
somente os créditos aproveitados pelos Lei 9.868/1999 faça referência expressa ape-
titulares originários do benefício. Diante de nas às decisões de inconstitucionalidade. A
todo o exposto, posiciono-me pela extinção limitação dos efeitos retroativos das deci-
do crédito-prêmio em 1983 e, superada esta sões não é mera decorrência da necessidade
tese, pelo término do benefício em 1990, nos de compatibilizar a segurança jurídica com
termos do art. 41, § 1o, do ADCT, acompa- a teoria da nulidade da lei inconstitucional.
nhando o e. relator, Ministro Teori Albino Trata-se, ao contrário, de algo imprescin-
Zavascki, para negar provimento aos em- dível para não se surpreender aqueles
bargos de divergência, resguardando, dos que depositaram confiança justificada nos
efeitos desta decisão, eventual aproveitamento precedentes judiciais. Os atos, alicerçados
do crédito-prêmio pelo titular originário, desde em precedentes dotados de autoridade em
que realizado até 09.08.2004”.25 determinado momento histórico – e, assim,
Em voto-vista, o Ministro Teori Albino irradiadores de confiança justificada –, não
Zavascki se opôs à proposta do Ministro podem ser desconsiderados pela decisão
Hermann Benjamin, argumentando “que que revoga o precedente, sob pena de vio-
a modulação dos efeitos das decisões do lação à segurança jurídica e à confiança nos
Supremo Tribunal Federal, quando autori- atos do Poder Público. Ou seja, a modula-
zada, é apenas a que diz respeito a normas ção dos efeitos ou a limitação dos efeitos
declaradas inconstitucionais e limita-se aos retroativos das decisões certamente não
efeitos de natureza exclusivamente tempo-
ral. Aqui, ao contrário, pretende-se modu- 26
Idem.
27
O Ministro João Otávio de Noronha, acrescen-
lar os efeitos de decisões judiciais, não sobre tando que “o efeito prospectivo e a modulação do
a inconstitucionalidade de norma, mas so- julgamento têm o condão, exatamente, de permitir
bre a sua revogação, e não apenas em seus a uma Corte Superior transcender o interesse indi-
aspectos temporais (= eficácia prospectiva vidual e fazer prevalecer a própria credibilidade do
Poder Judiciário”, acompanhou o voto do Ministro
Hermann Benjamin.
25
Idem. 28
Idem.

30 Revista de Informação Legislativa


pode servir apenas às decisões de inconsti- De outro lado, excetuar alguns atos e
tucionalidade. Na verdade, a limitação dos sujeitos dos efeitos retroativos de uma de-
efeitos da decisão de inconstitucionalidade cisão não significa dar efeitos prospectivos
é um dos aspectos que se insere na questão à lei revogada, ainda que tal decisão tenha
relativa à tutela da segurança diante das reconhecido que, na época da prática dos
decisões judiciais. atos, a lei não deveria produzir efeitos.
Aliás, mesmo que o art. 27 não existis- Ora, se, no momento em que os atos foram
se, o Supremo Tribunal Federal poderia praticados, o Poder Judiciário afirmava
e deveria limitar, quando necessário, os que a lei estava em vigor, inegavelmente
efeitos da decisão de inconstitucionalidade, existia “norma jurídica” para orientar os
bastando argumentar com base na Cons- jurisdicionados. Se esta norma é revogada
tituição Federal. Uma norma, afirmando por norma posteriormente emanada do
a possibilidade da limitação dos efeitos próprio Poder Judiciário, a nova norma não
retroativos das decisões revogadoras de pode retroagir para apanhar as situações
precedentes – ou, caso se queira em outros que se consolidaram à época em que era
termos, de jurisprudência consolidada e justificada a confiança na norma judicial
pacífica – no Superior Tribunal de Justiça, revogada.
jamais poderia ser vista como resultado De modo que, limitar os efeitos de de-
de “livre opção” do legislador infracons- cisão, para preservar atos praticados com
titucional. Tal norma é necessária para o base em lei declarada revogada, não é usur-
legislador cumprir com o seu dever de par o poder do legislador, mas proteger a
tutela da confiança justificada nos atos do confiança justificada no Poder Judiciário.
Poder Público. O que significar dizer que a Trata-se, em verdade, de um ato de auto-
inexistência desta norma configuraria “falta tutela do próprio Judiciário.
de lei”, que, por isso, necessariamente deve- Também não é correto supor que, para a
ria ser suprida pelo Poder Judiciário diante proteção da confiança, basta apenas limitar
dos casos concretos. Como o Judiciário não os efeitos retroativos da decisão, sem dis-
pode prestar adequada tutela jurisdicional sociar os atos que foram e não foram pra-
sem limitar os efeitos da decisão que revoga ticados com base em confiança justificada.
precedente – deixa de lado jurisprudência Portanto, pouco importa que a lei tenha se
pacífica ou, o que é o mesmo, inaugura referido apenas à limitação dos efeitos re-
nova compreensão de dada situação jurídi-
da segurança jurídica, estamos convencidos de que,
ca –, não há como subordinar a sua decisão, também no controle difuso de constitucionalidade,
de limitação dos efeitos retroativos, à exis- o STF detém a aptidão para, na salvaguarda dos
tência de lei. Na realidade, a possibilidade princípios constitucionais, máxime o da segurança
jurídica, apontar a prospectividade, evitando, assim,
de limitar os efeitos retroativos das decisões a fulminante e por vezes formidável eficácia ex tunc.
é inerente ao exercício do poder de julgar (...) Assentadas estas premissas, podemos avançar em
conferido aos Tribunais Superiores.29 nosso raciocínio indagando: e os demais Tribunais
Superiores (STJ, TST, STM e TSE) podem, à míngua de
29
“Com efeito, a possibilidade de aplicação uma lei formal expressa, manter os efeitos da antiga
prospectiva da lei ou do ato normativo declarado e arraigada jurisprudência, quer em relação à causa
inconstitucional decorre do princípio da segurança agora julgada em sentido oposto, quer às demais, que
jurídica. Logo, mesmo que inexistisse o art. 27 da Lei ainda tramitam, quer, finalmente, a todas as pessoas
9.868/1999, ainda assim o Supremo Tribunal Federal, que estavam a pautar sua conduta de acordo com
em alguns casos, teria o poder/dever de restringir aquilo que, sem nenhuma hesitação, o próprio Poder
os efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou Judiciário considerava correto e adequado? Agora
decidir a partir de que momento esta teria eficácia. Tal respondemos que sim, em que pese a inexistência
se dá, a nosso ver, na mudança abrupta da jurispru- de autorização em meio técnico-processual expresso.
dência do próprio Pretório Excelso, com repercussões Sempre o autoaplicável princípio constitucional da
seja no Erário, seja no patrimônio de grande número segurança jurídica impõe o período de transição que
de empresas. (...) Sempre com apoio no princípio estamos a aludir” (CARRAZZA, 2009, p. 67-68).

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troativos, sem dizer que os atos praticados entregues ao órgão ministerial. 3. Dessa
no passado podem ser diferenciados. Ora, é maneira, constata-se que o Procurador de
da essência da limitação de efeitos em nome Justiça, nos idos anos de 2000, tendo em
da proteção da confiança a discriminação conta a então sedimentada jurisprudência
de atos que não foram praticados com base das Cortes Superiores, valendo-se dela,
em confiança justificada, e que, assim, não interpôs o recurso dentro do prazo legal. 4.
devem ser ressalvados dos efeitos retroa- Não se poderia, agora, exigir que o órgão
tivos da decisão. ministerial recorrente se pautasse de modo
Há outro importante caso a ser lembra- diverso, como se pudesse antever a mudança do
do. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar entendimento jurisprudencial. Essa exigência
o HC 83.255/SP, alterou a regra judicial a seria inaceitável, na medida em que se es-
respeito do prazo recursal para o Ministério taria criando obstáculo insuperável. Vale
Público, que desde então passou a ser con- dizer: depois de a parte ter realizado o ato
tado a partir da data da entrada do processo processual, segundo a orientação pretoriana
nas dependências da instituição. O Superior prevalente à época, seria apenada com o não
Tribunal de Justiça acompanhou a nova conhecimento do recurso, quando não mais
orientação do Supremo Tribunal Federal. pudesse reagir à mudança. Isso se traduziria,
Naturalmente, porém, surgiu o problema simplesmente, em usurpação sumária do
relacionado com os recursos que haviam direito de recorrer, o que não pode existir em
sido interpostos à época em que prevalecia um Estado Democrático de Direito, mormen-
o entendimento anterior. Mas o Superior te se a parte recorrente representa e defende
Tribunal de Justiça sabiamente preservou a o interesse público. 5. Ordem denegada”.30
tempestividade dos recursos que se funda- Essa decisão merece um único reparo.
ram na regra judicial – ou no entendimento Pouco importa se a parte recorrente repre-
jurisprudencial – que ainda prevalecia senta e defende o interesse público. Não
quando da interposição, não admitindo a é possível retroagir entendimento novo
retroatividade do novo entendimento para para o efeito de prejudicar quem quer
descaracterizar a tempestividade recursal. que tenha praticado ato em confiança em
Neste sentido, há o seguinte julgado da precedente ou em jurisprudência pacífica.
5a Turma do Superior Tribunal de Justiça: A sua importância, entretanto, transcende
“Habeas corpus – Processual penal – Tempes- este ponto, pois demonstra que um Tri-
tividade do recurso ministerial – Mudança bunal cuja missão é a de atribuir unidade
do entendimento jurisprudencial das Cortes ao direito federal deve estar consciente de
Superiores – Aplicação aos casos futuros. 1. que a revogação de um precedente – ou de
De fato, o Supremo Tribunal Federal, a partir um entendimento jurisprudencial – tem
do julgamento plenário do HC 83.255/SP significado muito mais amplo ao de uma
(Informativo 328), decidiu que o prazo recur- simples decisão judicial.31
sal para o Ministério Público conta-se a partir
da entrada do processo nas dependências da 30
STJ, 5a T., HC 28.598/MG, rel. Min. Laurita Vaz,
Instituição. O Superior Tribunal de Justiça, DJ 01.08.2005.
por seu turno, aderiu à nova orientação da 31
A própria Corte Especial do Superior Tribunal
de Justiça já teve oportunidade de declarar que este
Suprema Corte. 2. Não se pode olvidar, to- Tribunal “foi concebido para um escopo especial:
davia, que o entendimento jurisprudencial, orientar a aplicação da lei federal e unificar-lhe a
até então, há muito sedimentado no STF e interpretação, em todo o Brasil. Se assim ocorre, é
no STJ, era justamente no sentido inverso, necessário que sua jurisprudência seja observada, para
se manter firme e coerente. Assim sempre ocorreu em
ou seja, entendia-se que a intimação pessoal relação ao Supremo Tribunal Federal, de quem o STJ é
do Ministério Público se dava com o ‘ciente’ sucessor, nesse mister. Em verdade, o Poder Judiciário
lançado nos autos, quando efetivamente mantém sagrado compromisso com a justiça e a segu-

32 Revista de Informação Legislativa


A revogação de precedente, ao alterar Tribunal de Justiça. Esse Tribunal, para
o entendimento da Corte a respeito da dar cumprimento a sua missão constitu-
interpretação da lei federal, tem grande cional de dar unidade ao direito federal,
impacto sobre as situações levadas a efeito tem o dever de utilizar a técnica da limi-
sob o império do precedente revogado. De tação dos efeitos retroativos, como todo
forma que exige do Tribunal, em primeiro tribunal que, ao decidir, fixa normas que
lugar, a análise acerca da existência de orientam a conduta dos jurisdicionados,
“confiança justificada”, uma vez que nem dando-lhes previsibilidade para trabalhar
todo precedente gera confiança capaz de e viver.
legitimar a conduta praticada. Depois, há
que se verificar se o ato ou a conduta real-
mente deriva da confiança que se depositou Referências
no precedente.
Assim, tomando-se como exemplo o ÁVILA, Ana Paula. A modulação de efeitos temporais
caso do “prazo do Ministério Público”, pelo STF no controle de constitucionalidade. Porto Alegre:
caberia perguntar se, à época da interpo- Livraria do Advogado, 2009.
sição do recurso, existiam manifestações BRASIL. Lei no 9.868m de 10 de novembro de 1999.
jurisprudenciais e da doutrina no sentido Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de
de que o prazo deveria ser contado a partir inconstitucionalidade e da ação declaratória de cons-
titucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.
da entrada dos autos na dependência da
Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder
instituição ou firmando o entendimento Executivo, Brasília, DF, 11 nov. 1999.
de que não seria razoável subordinar o
CARRAZZA, Roque Antonio. Seguerança jurídica
início do prazo à boa vontade do Ministério e eficácia temporal das alterações jurisprudenciais:
Público. Se o Superior Tribunal de Justiça, competência dos Tribunais Superiores para fixá-la.
ainda que sem expressamente decidir que In: FERRAZ JR., Tercio Sampaio; CARRAZZA, Roque
o prazo deveria ser contado a partir da Antonio; NERY JUNIOR, Nelson. Efeito ‘Ex nunc” e as
entrada dos autos no Ministério Público, decisões do STJ. Barueri: Manole, 2008.
já tinha sinalizado para este entendimento DELANEY, Sarah K. Stare decisis v. The “New Ma-
ou já havia decidido com base em distinção jority”: the Michigan Supreme Court’s parctice of
inconsistente – considerando, por exemplo, overruling precedent, 1998-2002. Albany Law Review,
Albany, v. 66, n. 871, 2003.
que o prazo do Ministério Público, para a
indicação de testemunhas ou de quesitos DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações da
periciais, deveria ser contado a partir da jurisprudência no direito tributário. São Paulo: Noeses,
2009, 647 p.
entrada dos autos na instituição ou que o
prazo para a interposição de recurso, no DIREITO de recorrer em liberdade: 1 : RCL-2391.
Informativo STF, Brasília, n. 334, 15-19 dez. 2003.
processo civil, deveria obedecer a tal lógica
–, a autoridade do precedente assim como a EISENBERG, Melvin. The naure of the common law.
confiança que nele poderia ser depositada Cambridge: Harvard University Press, 1998.
estariam abaladas. LEDERMAN, Howard. Judicial overruling: time for
A proteção da confiança justificada nos a new general rule. Michigan Bar Journal, Michigan,
precedentes judiciais constitui dever dos Sept. 2004.
Tribunais Superiores, pelo que a limitação MARKMAN, Stephen. Precedent: tension between
dos efeitos das decisões que revogam pre- continuity in the law and the perpetuation of wrong
cedentes ou jurisprudência consolidada decisions. Texas Review of Law & Politics, Austin, v. 8,
n. 2, Spring 2004.
não está sequer à discrição do Superior
NELSON, Caleb. Stare decisis and demonstrably erro-
rança” (STJ, Corte Especial, AgRg nos EResp 228432, neous precedents. Virginia Law Review, Charlottesville,
rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 18.03.2002). v. 87, Mar. 2001.

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SHANNON, Bradley Scott. The retroactive and pros- TRAYNOR, Roger J. Quo vadis, prospective overru-
pective application of judicial decision. Harvard Journal ling: a question of judicial responsibility. Hastings Law
of Law & Public Policy, Cambridge, v. 25, Summer 2003. Journal, San Francisco, v. 50, Apr. 1999.
SUMMERS, Robert S.. Precedent in the United TREANOR, William Michael. Prospective overruling
States (New York State). In: MACCORMICK, Neil; and the revival of unconstitutional statutes. Columbia
SUMMERS, Robert S. (Ed.). Interpreting precedents: a Law Review, New York, v. 93, Dec. 1993.
comparative study. London: Aldershot; Brookfield,
Vt. : Ashgate/Dartmouth, 1997, p. 397-398.

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