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Comédia em 3 atos
PERSONAGENS (CRIADORES)
GI Hortência Santos
ALDA Sónia Veiga
PVA Pepita de Abreu
LÉO Restier Júnior
JOÃO Juvenal Fontes
RAUL Armando Rosas
Dr. LUZ Mendonça Balsamão
TOM Eurico Silva
Esta peça está traduzida para o espanhol por Angelo Curotto e para o italiano por
Américo Donnicci.
Paulo de Magalhães. O Coração não envelhece- Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e
Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Setembro/2011
GETEB – O Coração não envelhece
PRIMEIRO ATO
(Sala de estar de casa rica.)
CENA I
EVA, JOÃO e LÉO
EVA (entrando com uma bandeja, seguida de João) — Não me aborreça!... Já são 10
horas. O menino não deve dormir tanto!...
JOÃO — Deixa o menino dormir mais uma hora! Ele deitou-se tarde ontem.
EVA — Você não sabe nada. (dirige-se a porta) Vou acordá-lo.
JOÃO — Não acorde o menino!
EVA — Acordo e não tenho que lhe dar satisfações!
JOÃO — Deixa o menino dormir mais um pouco.
EVA (insistindo) — Menino Leo! Menino Léo!
VOZ DE LÉO (dentro) — Já vou...
JOÃO — Vê? Eu acho que ele se zangou...
EVA — O doutor já disse que o menino não deve dormir mais de 7 horas...
JOÃO — Mas, o menino só dormiu 6 horas!
EVA — Mentira! Dormiu sete. Deitou-se às 3 e são 10 horas.
JOÃO — Mentira! Deitou-se às 4 horas.
EVA — Você não sabe o que diz...
JOÃO — E você é idiota...
LÉO (entrando) — Então? Que é isso? Vocês vivem a brigar desde que se
conheceram...
JOÃO — Ela é impossível!
EVA — E você é irritante...
LÉO — Admiro a vossa persistência na disputa. Vivem aqui ha 48 anos sempre juntos
mas amanhecem discutindo e dormem discutindo...
EVA — A culpa é dele...
LÉO — A culpa é dos dois... Dois não brigam quando um não quer...
EVA — Tome o seu chocolate. Trouxe-lhe também umas torradas com manteiga... • .
JOÃO — Você sabe muito bem que o senhor Léo não pode comer torradas com
manteiga...
EVA (exaltando-se) — Pode, sim senhor...
JOÃO — Não pode, não senhora! Idiota!
LÉO (rindo) — Outra vez? Bem. Para não zangar nem a um nem a outro, eu não como
as torradas...
EVA — Vê? Por sua causa o menino não come as torradas...
JOÃO — Por minha causa não... Por sua culpa. Você vive sempre a teimar...
EVA (para Léo) — O senhor está vendo? Não é de irritar?
LÉO (rindo) — E dizer-se que vocês brigam ha 48 anos...(noutro tom) Escutem cá.
Paulo de Magalhães. O Coração não envelhece- Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e
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GETEB – O Coração não envelhece
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GETEB – O Coração não envelhece
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GETEB – O Coração não envelhece
(ri)
LÉO (sempre com o espelho na mão, senta-se no sofá e mira-se) — Ó João...
Sinceramente... Eu ainda sou um homem prestável?
JOÃO — É mais! É um homem brilhante e um homem bom.
LÉO — És suspeito, João. Tu não és apenas o meu mordomo, e o meu "fac-totum", és
quase o meu irmão de criação...
JOÃO — Muito obrigado, senhor...
LÉO — Há 56 anos que vives perto de mim, sempre bom, sempre atento...
JOÃO — O menino exagera...
LÉO — E ainda chamas-me o "menino" como o fazias ha 30, ha 40 anos! Meu bom
João!
JOÃO — Hoje é dia da manicura, senhor...
LÉO (sobre saltando-se) — Bem o sei... (ternamente) Como é linda a Gi, hein?...
JOÃO — Realmente, senhor, a menina Gi é interessante.
LÉO (entusiasmando-se) — Interessante só, não! A Gi, é simplesmente, deliciosa,
encantadora...
JOÃO — Deve ser, sim senhor...
CENA II
OS MESMOS E ALDA
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GETEB – O Coração não envelhece
ALDA — Tenho muito prazer em ser considerada como tal, senhor Leo.
LÉO — Vou fazer-lhe uma pergunta que é quase indiscreta: você ama o Raul, não?
ALDA — Ó senhor Leo!
LÉO — Diga... Diga... O João é da família... Eu sei que você gosta do meu filho...
ALDA — Quem sou eu?...
LÉO — Isto é frase feita. Você gosta ou não? Confessa... Fica entre nós...
ALDA — Não sei... isto é... não sei...
LÉO — Pois eu sei. Você gosta do Raul. E é pena...
ALDA — Pena porque?
LÉO (rindo) — Viu? Eu não dizia?... Caiu! ...
ALDA — O senhor é invencível...
LÉO — Disse que é pena, não por meu filho, mas por você. Raul infelizmente, não é o
homem que lhe serve, minha filha.
ALDA — E porque?
LÉO — Porque é um estroina ou melhor, porque é um mau estroina... Eu também fui
aloucado nos meus tempos de rapaz, mas nunca cheguei aos exageros do meu filho.
Às vezes, chego a temer por ele... Raul é muito mal educado e tem um caráter frágil
de mais...
ALDA — O senhor exagera...
LÉO — Infelizmente não exagero, Alda. O Raul já me tem dado vários e ainda me dará
muitos desgostos!...
ALDA — O Raul... O senhor Raul é bom...É preciso saber levá-lo.
LÉO — E você crê que o saberá? (ri)
ALDA — Ó, senhor Léo!
LÉO — Pois eu não creio... O Raul não merece o amor de uma menina boa e
interessante como você, Alda... Seu insuspeito, mas digo a verdade... Não achas,
João?
JOÃO — O senhor quase sempre tem razão...
LÉO — Alda, o meu filho... enfim...
ALDA — Senhor Léo. Ha dois avisos de banco e uns papeis para despachar.
LÉO — Irei mais tarde ao escritório. Você já passou à máquina as copias do contrato
das casas da Tijuca?...
ALDA — Quase todas. Hoje termino o serviço todo. Não precisa mais nada?
LÉO — Não, minha filha.
ALDA — Com licença, (sai)
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CENA III
LÉO, JOÃO E EVA
EVA (entrando com um violino na mão) — Ó João! Você não tem outro lugar para por
a sua rabeca senão na minha caixa de roupa?
JOÃO — Pu-lo lá e está muito bem posto.
EVA — Pois fique sabendo que a primeira vez que encontrar esta porcaria, parto-a em
três pedaços.
LÉO — E então?
EVA — O menino... Não vê? Além de azucrinar os ouvidos da gente com as suas
musicas chorosas, este cavalheiro...
JOÃO — Já lhe disse que não quero que me chame — cavalheiro.
EVA (frisando) — Este cavalheiro ainda vai deixar esta rabequinha na minha caixa! ...
JOÃO — Mas, senhor Léo, é ou não é para desesperar uma mulher assim? (para Eva)
Você é uma víbora!
EVA — E você é um hipopótamo!...
JOÃO — O senhor ouviu? Hipopótamo, eu!...
LÉO — Basta! Deixa o violino e telefone ao barbeiro aí do lado para que venha aqui.
EVA — Sim senhor, (deixando o violino) — Eu deixo aqui porque o "menino" mandou,
mas se o apanho de novo... racho-o! ... (sai)
LÉO — Eu gosto tanto de ouvir-te tocar, João. Tu sabes que tocas bem? Principalmente
aquela Romanza Poloneza...
JOÃO — Bondade sua... Arranho... arranho...
LÉO (mirando-se de novo no espelho) — João... Mas, tu achas mesmo que eu ainda
estou bem conservado?
JOÃO — O "menino" está esplendido. Ninguém lhe dará mais de 45 anos.
LÉO (levanta-se e passeia) — Tu sabes, João... eu queria dizer-te umas coisas... Ouvir-
te responder a certas perguntas...
JOÃO — Estou às suas ordens...
LÉO — Pois bem. Estou com 56 anos e depois de viver muito, e gozar muito, de ter tido
muitos amigos e... amigas, cheguei à conclusão de que, depois da morte de minha
esposa, só me restam dois amigos verdadeiros — tu e a Eva... O meu filho, sabes, é
— como direi? — demasiado fútil e doudivanas... Não chega a ser amigo de
ninguém... Os outros são amigos de ocasião ... Estou num desses momentos em que a
gente precisa falar, fazer perguntas, pedir conselhos, (senta-se no sofá e João na
cadeira) Pensei, pensei e resolvi que tu, melhor que ninguém, podes ouvir-me e -
responder-me. És inteligente e és bom.
JOÃO — Agora, como sempre, estou às suas ordens.
LÉO — João, meu amigo, o que pensas do amor?
JOÃO — Do amor?... Agora, francamente, já não penso mais nada...
LÉO — Compreendo... mas insisto: o que pensas do amor?
JOÃO — O amor... (suspira) Eu já sofri tanto por causa dele...
LÉO — Mas achas bom ou achas mau?...
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JOÃO — Nem bom, nem mau... Depende. O amor varia com as pessoas, com os
ambientes e com as idades...
LÉO — Com a idade sobretudo.
JOÃO — Confesso que não sou autoridade na matéria...
LÉO — Foste infeliz, bem sei, mas és um filósofo, meu amigo, da melhor das filosofias:
a filosofia da bondade. E do casamento, o que pensas tu?
JOÃO — O casamento é muito complicado. Eu não me casei... mas v« tanta coisa a
respeito...
LÉO — Pensa bem e responde: — achas que eu tenho direito ao amor?
JOÃO — Todos o tem. O amor é de todos e para todos. O senhor é como todos
LÉO — A resposta é vaga... Achas que eu posso ser amado ainda sinceramente?
JOÃO — Acho.
LÉO — Mesmo por uma mulher que podia ser minha filha?
JOÃO — Sim... Acho...
LÉO — E se eu te dissesse que pretendo casar, o que dirias?
JOÃO — Eu?...
LÉO — Responde francamente.
JOÃO — Eu o aconselharia a estudar bem a mulher com quem pretendesse casar...
LÉO — E se eu te dissesse que já a observo a quase um ano e que ela é a mais adorável
das mulheres?!...
JOÃO — Toda a mulher que a gente gosta é adorável...
LÉO — Mas ela, a que eu escolhi, é uma maravilha. Bonita, boa, inteligente, modesta,
bem educada.
JOÃO — Confio no seu critério...
LÉO — Mas, responde afinal: achas que eu devo, ou melhor, que eu posso casar?
JOÃO — Pelo senhor, sim. Pela mulher escolhida... depende.
EVA (reentrando) — O telefone do escritório chama o "menino".
JOÃO (levanta-se) — Vou atender, (sai)
LÉO — Eva, minha boa e velha amiga. O que pensas tu do casamento?
EVA — O pior possível! Casei duas vezes, enviuvei duas e ainda me arrependo até hoje
de não ter ficado a vida toda solteira.
LÉO — A tua opinião não é das melhores...
EVA — E falo com experiência...
LÉO — Sim. Mataste dois maridos... mas eu não pergunto por ti. Pergunto em geral: por
exemplo, se eu te dissesse que ia casar o que dirias?
EVA — Dizia que não vale a pena. O senhor é feliz. Depois que enviuvou tem vivido
sempre livre e alegre. Para que complicar a vida com uma mulher a mais e que será a
definitiva?...
LÉO (levanta-se) — Mas, achas que eu já não sirvo?
EVA — Serve e bem. Tenho medo é da escolhida... Os homens não prestam, mas as
mulheres de hoje ainda são piores! Em todo caso... Podemos estudar a questão...
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CENA IV
OS MESMOS, JOÃO e TOM
TOM (entrando com a maleta de barbeiro) — O senhor queira desculpar. Mas como o
Feitosa hoje não veio à loja, o patrão mandou-me aqui para servi-lo. (afetado) Eu,
toda a gente diz, sou o artista mais perito da cidade! Escanhoo sem suscetibilizar a
epiderme...
LÉO — Estou com a cara cortada...
TOM — Corto o cabelo à perfeição, perfumo, "massajo".
LÉO — "Massajo"?
TOM — Neologismos meus! "Massajo"... verbo "massajar"... Fazer massagens...
LÉO — "Massajar"? Verbo? Muito bem...
TOM — Trabalho com rapidez, elegância e assepsia.
LÉO — E depois?
TOM — Sou, enfim, um artista "raffinée".
JOÃO — Deixe-se de lorotas e arranje a navalha e o pincel, homem!
TOM (arranjando o estojo) — E até o meu nome é interessante e bizarro. Chamo-me
Tom. Tom Broadway. Não sou barbeiro: sou dermatólogo!
LÉO — Tom Broadway. É americano?...
TOM — Não senhor. Nasci em Niterói. Mas compreende, o nome é tudo. Se eu usasse o
meu verdadeiro nome não dava certo...
LÉO — Como se chama?
TOM — Pafuncio de Sousa.
LÉO — Realmente. Pafuncio de Sousa é banal. Não dá nada... (ri; toca a campainha
fora)
EVA — Parece que tocaram a campainha da porta. Vá verJoão.
JOÃO — Não vou. Vá você.
EVA — Pois vou, mesmo só para não olhá-lo por mais tempo, (sai)
TOM — A sua cútis, senhor Léo de Avelar, é predisposta a rupturas capilares?
LÉO — Como é?...
TOM — Pergunto se a sua cútis é suscetível de desagregações subcutâneas.
LÉO — Eu não faço a barba com este sujeito! João! Ponha esse individuo na rua!
JOÃO — Ponha-se lá fora!
TOM — Perdão. Mas, compreende que é sempre bom precisar as prováveis equimoses
sanguíneas da epiderme.
JOÃO — Rua! Vá ser as "equimoses sanguíneas" no raio que o parta!
LÉO — Que raridade! ...
JOÃO — Fantástico!
TOM (da porta) — Lamento profundamente este despautério e retiro-me consternado,
(sai)
LÉO — Ponha-se lá fora! Ora a minha vida!... Aparece cada um...
JOÃO (rindo) — Ele é engraçado...
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LÉO — Sim. Pode ser que seja um excelente cómico. Mas como barbeiro,
francamente, não lhe confio a minha cara! ...
JOÃO — Certamente...
LÉO (depois de pausa) — Sabes, João? Hoje vou jogar uma das cartadas mais sérias da
minha vida. E, não sei porque, eu, velho jogador, sinto-me nervoso e inquieto...
JOÃO — Eu quase que compreendo, senhor...
LÉO — Depois do que te disse não é preciso ser adivinho...
JOÃO — Deus queira que o senhor se saia bem...
EVA (entrando) — A manicura está aí!
LÉO (enervando-se) — A manicura! A GÍ? Espere, (vai ao espelho e endireita-se)
Pode entrar.
EVA — Sim senhor, (sai).
CENA V
JOÃO, LÉO e GI
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qual é agora. Ontem, você não existia. Ontem, você não existiu...
GÍ — O senhor fala-me com tão cristalina sinceridade que eu seria indigna de mim
mesma se não lhe dissesse — antes de dar-lhequalquer resposta definitiva — da
minha vida e do meu passado. (senta-se no sofá).
LÉO — Repito que a aceito sem condições, sem perguntas...
GÍ — Falarei ainda assim. Sou filha de um ex-senador com uma nobre dama
portuguesa. Nasci em berço de ouro. Fui educada cuidadosamente.
LÉO — Não me interessa o seu passado...
GÍ — Ha dois anos conheci um rapaz...
LÉO (pondo-lhe a mão na boca) — Não quero saber de nada. Fosse você, Gí, a mais
infeliz das mulheres e eu lhe daria o meu nome, com a mesma ternura, com que levo
ofereço agora, sem condições.
GÍ — Eu não devo responder assim, apressadamente, a sua proposta é tão honrosa para
mim... Mas é tão perigoza ao mesmo tempo... que eu não sei...
LÉO — Se não ha nenhum impedimento material — entende bem? — diga que sim sem
receio, porque a responsabilidade é toda e apenas minha!
GÍ — Mas...
LÉO —- Suponho que não posso ser mais claro, mais formal.
GÍ — Realmente... O senhor compreende, a sua proposta para mim é tentadora, e
brilhante. Casar com o senhor é voltar à minha vida antiga, é ser de novo alguém, é
gozar a vida com a elevada dignidade que eu aprendi a admirar no lar de meus pais...
LÉO — E então? Diga que sim, desasombradamente, e, eu, serei o mais feliz dos
homens. Diga que sim! (pega-lhe nas mãos) Sim?
GÍ — Pois bem. Em principio... Confesso que a proposta começa a tentar-me... Eu...
eu... não digo que... não!...
LÉO (depois de pausa) — Obrigado! (beija-lhe as mãos) Obrigado! ...
GÍ — Mas se o senhor errar, se o senhor tiver errado, propondo me esse casamento,
lembre-se sempre, lealmente, de que a responsabilidade de um tal passo é
exclusivamente sua!
LÉO (enlaçando-a) — Meu amor! Meu amor!...
JOÃO (entrando) — Dá licença?
LÉO — João, chame a Alda e a Eva.
GÍ — A vida é um sonho....
LÉO — O sonho é a vida!...
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CENA ÚLTIMA
OS MESMOS, ALDA E EVA
EVA (entrando seguida de João e Alda) — Não precisa gritar! Eu não sou surda!
LÉO — Meus amigos: tu, João, meu velho mordomo, meu bom amigo de 50 anos; tu,
minha boa Eva e você, Alda, vão ter agora uma enorme surpresa. Chamei-os aqui
para apresentar-lhes minha noiva, a mulher que será a dona desta casa, a vossa nova
amiga e senhora...
ALDA — Você, Gí?
GÍ — Estou tão surpresa quanto todos!...
ALDA — Meus parabéns...
JOÃO — Meus parabéns...
EVA (abraçando-se a Léo e chorando) — Então, o meu "menino" vae casar?
Coitadinho!... (chora forte).
PANO
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SEGUNDO ATO
(O mesmo cenário do 1.° ato)
CENA I
ALDA, JOÃO e EVA
CENA II
JOÃO E EVA
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JOÃO (para Eva, rindo) — Ora até que enfim, concordamos! (ouve-se a buzina de um
automóvel) (indo à porta) O menino e a senhora!
CENA IV
OS MESMOS, LÉO e GÍ
LÉO (entrando de roupa clara, ar feliz e risonho) — Bom dia meus amigos! (abraça a
todos)
GÍ(tailleur de viagem, ar de alegria sincera) — Bom dia meus amigos! (abraça a
todos).
EVA — Então o menino fez boa viagem? E a senhora?
GÍ — Excelente! Dormi a noite toda. Nem o ruído nem a trepidação do trem
despertaram-me.
LÉO — Eu não dormi... (com encantamento) Mas vim contente por ver Gí a ressonar
tranquilamente, sorrindo como uma criança...
JOÃO — A senhora teve bons sonhos?
GÍ(olhando significativamente, para Léo) — Desde que nos casamos... vivo sonhando.
ALDA — Gostou de São Paulo?
GÍ — Maravilhosa cidade! Terra gigantesca e admirável! São Paulo não é um Estado
apenas... É um país dentro de uma nação gigante!
LÉO (entusiasmado) — Realmente! Há quatro anos que eu não ia a São Paulo e volto
deslumbrado. É uma terra formidável e a sua gente entusiasma e orgulha os
brasileiros! Viajamos muito, de automóvel, pelas suas estradas excelentes e, de
cidade em cidade, de vila em vila, de fazenda em fazenda, nós sentimos sempre o
surto palpitante de um progresso estupendo! Terra rica! Linda terra! Eu sou carioca
da gema mas sou paulista-amador! São Paulo é a vaidade mais bonita do meu
coração de brasileiro!
ALDA (rindo) — Meu Deus! Voltam paulistas até a medula!
LÉO — Todo o brasileiro que for a São Paulo voltará mais orgulhoso ainda do seu
Brasil querido!
EVA — Querem dizer, então, que a lua de mel corre às maravilhas?
LÉO (pegando na mão de GÍ) — Minha encantadora mulherzinha!
GÍ — Não me vais fazer agora uma declaração de amor hein? (ri)
LÉO — És a mais doce e a mais adorável das mulheres!
EVA — A senhora não quer arranjar-se?
GÍ — Sim. Vou ao meu quarto, (sai com Eva e Alda)
LÉO — Sou o mais venturoso dos mortais meu bom João! A vida é bela, a vida é
admirável! Milagrosa a força do amor! Eu me sinto feliz e renovado como se tivesse
vinte anos!
JOÃO — Ainda bem...
LÉO — E Gí! Não me enganei. Gí é o próprio amor feito mulher! Dócil, carinhosa,
encantadora! Sou feliz, meu João, sou feliz!
JOÃO — Que Deus os abençoe...
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LÉO — Só me arrependo de não ter tido, antes, a coragem necessária para dar tal
passo... Perdi muito tempo de felicidade...
JOÃO — Não importa. Agora contará o tempo dobrado...(ri)
EVA (entrando) — João! (enérgica) Você sempre desastroso!
JOÃO — Ó! meu Deus! Soprava uma brisa amena... Veio o tufão e escangalhou tudo...
EVA (indignada) — Imagine o menino que este palerma misturou o pó de arroz lilás da
patroa com o pó branco. Resultado: estragou tudo!
JOÃO — Não fui eu. Foi você mesma!
EVA — Minha Nossa Senhora da Penha! Você não tem vergonha de mentir assim?
JOÃO — Não fui eu, já disse!
EVA — Eu vi você misturar os dois pós!
JOÃO — Sacrílega! Está levantando falso testemunho!
LÉO — Bem. Chega! Não vale a pena brigar por tão pouco. (ri) Vocês até parecem
casados! Brigam tanto, brigam sempre!
JOÃO — A culpa é dela!
EVA — A culpa é dele!
LÉO — E o Raul? Tens noticias do navio?
JOÃO — Sim. Deve estar atracando aos cães.
EVA — Mentira! O navio só atraca ao meio dia...
JOÃO (para Eva) — Você é a própria teimosia!
ALDA (entrando) — Telefonei para a agencia. O navio já atracou.
JOÃO (dando uma gargalhadinha "gozada", para Eva) — Vossa Excelência ouviu ou o
seu tímpano auditivo está "enguiçado"?
EVA (saindo zangadíssima) — Idiota (sai).
ALDA — O Raul não deve tardar.
LÉO — Como estás alegre, Alda! Você gosta muito do Raul, não?
ALDA — Para que dissimular?
JOÃO (significativo) — O senhor Raul tem muita sorte...
LÉO — Realmente. Interessar a uma menina boa e bonita como a Alda...
JOÃO — Se o navio já atracou, ele deve estar a chegar.
LÉO — Avise-me quando chegar meu filho. Vou lá dentro, (sai).
JOÃO — Como ele está bem disposto!
ALDA — É o amor!
JOÃO — É o amor... (buzina fora) ,
ALDA (indo à porta) — Chegou um automóvel!
CENA V
OS MESMOS E RAUL
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CENA VI
LÉO (entrando, indo a Raul sem grande efusão) — Como estás Raul?
RAUL (também seco) — Bem. E o senhor?
LÉO — Ótimo!
RAUL — Recebi o seu telegrama comunicando-me que casava. Meus parabéns.
LÉO — Casei-me e sou felicíssimo!
RAUL — E quem é a eleita?
LÉO — Ela já vem aí. (noutro tom) — Porque voltaste tão depressa?
RAUL (cínico) — "Comidas"...
LÉO — Quando tomarás juízo?
RAUL (intencional) — Cada um é desajuizado à sua maneira ...
LÉO — És um caso perdido meu filho...
RAUL — Ora bolas! A vida é boa e só os "trouxas" não sabem gozá-la.
LÉO — Exageras um pouco na maneira de encarar a vida...
CENA VII
OS MESMOS, GI E ALDA
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RAUL — Mas tu, Gí, pensaste ainda em mim quando aceitaste o casamento?
GÍ — Se pensei!... Apesar de toda a tua maldade, de toda a má ingratidão, de todas as
tuas infâmias...
RAUL — Exageras...
GÍ — Eu pensei muito em ti, Raul, antes de casar-me...
RAUL — E depois?
GÍ — Depois não. Teu pai é um homem admirável!
RAUL (chegando-se) — Gí... eu não sou assim tão culpado.
GÍ — Tens todas as culpas da minha queda e da minha tragédia. Tu te portaste,
infamemente, comigo.
RAUL (chegando-se mais) — Eu estava disposto a casar-me contigo, a reparar todo o
mal que te havia feito... Foi tudo obra da fatalidade!...
GÍ — Sim, da fatalidade... Desculpa cômoda e cínica.
RAUL — É melhor não lembrarmos o passado.
GÍ — Não! É preciso que eu o relembre agora mais que nunca!
RAUL (observando as portas) — Cuidado! Fala baixo... Não te exaltes... Foi tudo obra
de um mau destino...
GÍ(exaltada) — Como queres que não me exalte se só agora, passados dois anos, eu te
revejo e encontro nestas condições! ? Agora que tudo passou, que tudo acabou, eu
quero dizer-te apenas uma frase que me queima os lábios, desde aquela época: — És
um canalha!...
RAUL — (cínico) — Exageras as coisas... (pausa sorrindo) — Sabes que ficas linda,
assim zangada?
GÍ — Terminemos! E, agora que tudo mudou, peço-te que não olhes mais para mim se
não como a tua madrasta que procurará ser o mais cordial e gentil possível com o seu
enteado... Apenas...
RAUL — Há de ser difícil...
GÍ — Porque?
RAUL — Porque, quer creias, quer não creias, eu ainda te amo, Gí. (avança).
GÍ(recuando) — Hipócrita!
RAUL — Amo-te agora mais do que nunca!...
CENA IX
OS MESMOS, ALDA E JOÃO
Paulo de Magalhães. O Coração não envelhece- Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e
Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Setembro/2011
GETEB – O Coração não envelhece
RAUL — Certamente. Em primeiro lugar pela diferença de idades. Meu pai podia ser
quase avô de Gí.
ALDA — O amor não olha idades...
RAUL — Talvez... mas hás de convir comigo que foi um casamento desproporcionado,
desigual. Meu pai é um homem ilustre, um grande nome, um milionário. Gí, afinal de
contas, não passa de uma manicura...
ALDA — Há manicuras que valem rainhas! (amargada) Tenho muita pena que tu
penses assim, Raul...
RAUL — Eu... não penso nada. Mas os outros, quase todos pensam assim...
ALDA (tristemente) — Achas, então, que uma mulher porque não nasceu em berço de
ouro, porque tem na vida social uma posição menos brilhante, apesar de honesta, de
inteligente, de bem educada, não pode aspirar a um homem ilustre?
RAUL — Há convenções e preconceitos que devem ser respeitados... A sociedade está
orgulhosa assim. Assim deve ser...
ALDA — Como me fazem mal as tuas palavras! (chora).
RAUL — Choras? Por que?
ALDA — Não reparaste ainda que eu sou como a Gí, que eu sou, talvez, menos que a
Gí?
RAUL — Bem... Mas tu és diferente. Eu não pensava em ti quando falava. E depois,
suponho que tu não projetas casar com um homem rico e velho, de elevada posição...
ALDA — As tuas palavras tiram-me todas as ilusões...
RAUL — Como assim?
ALDA — Mas Raul, tu ainda não percebeste nada a meu respeito?
RAUL — A teu respeito?
ALDA — Sim. Tu ainda não pensaste na possibilidade de eu amar alguém?
RAUL — Certamente. És uma mulher nova e bonita. Tens todo o direito ao amor.
ALDA — E não reparaste ainda? É melhor não prosseguir. Eu volto ao escritório, (vai
sair).
RAUL — (impedindo) — O que queres dizer, Alda? Mas... Agora começo a
compreender... Então... Tu... Ó! Queres dizer que...
ALDA (baixando a cabeça) — Deixe-me sair, por favor...
RAUL — Queres dizer que me amas?
ALDA — E ainda não p sabes?
RAUL — Não me diga! (noutro tom) Sabes que estás linda! E que és extremamente —
como direi? — provocante?
ALDA (enlevada) — Raul!
RAUL (beijando-a) — Alda.
. ALDA — Meu Deus! (desvencilha-se e sai a correr).
RAUL — Que "boia" louca! (ri).
CENA X
JOÃO, RAUL, LÉO E GÍ
Paulo de Magalhães. O Coração não envelhece- Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e
Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Setembro/2011
GETEB – O Coração não envelhece
Paulo de Magalhães. O Coração não envelhece- Cópia digitalizada pelo GETEB - Grupo de Estudos e
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JOÃO (enérgico) — Aqui não há criado nem patrão! Há apenas dois homens: um que
defende a honra do seu maior amigo! Outro que desrespeita e enxovalha o lar do seu
próprio pai!
GÍ (interpondo-se) — Obrigada, João! Eu mesma saberei defender-me.
JOÃO — Vou sair, senhora. Mas se precisar do meu auxílio, é só chamar (sai).
(Há uma pausa angustiosa e enervante).
GÍ — Vê o que você fez?
RAUL — Realmente...
GÍ — Isso não pode continuar assim...
RAUL — Perdoa-me, Gí. Estou cego de amor.
GÍ — Não insista!
RAUL — Farei por ser coerente e bom...
GÍ — É o único favor que eu lhe peço.
RAUL — Mas, então, já que tudo vai acabar, eu quero fazer-lhe um último pedido.
GÍ — E qual é ele?!
RAUL — Beija-me!
GÍ(recuando com dignidade) — Porque? Para que?
RAUL (enleiante) — Será o último... Será o melhor... Será
0 maior de todo o nosso romance...
GÍ — Insensato!
RAUL (avançando) — Gí! (agarra-a violentamente e beija-a na boca).
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CENA ÚLTIMA
OS MESMOS, LÉO E DEPOIS JOÃO
LÉO (entra e surpreende o beijo de Raul em GÍ) — Ó!... (fica estático).(GÍ e Raul
separam-se, bruscamente e olham com ansiedade e temor para Léo. Há uma pausa
trágica. Léo sofre a tortura da desilusão e o desencanto amargo do seu sonho,
introspectivamente. Gí faz gesto de explicação e pretende ir a Léo. João entra e
compreende tudo).
GÍ(dolorosamente) — O teu filho... é o meu passado! (baixa a cabeça, esmagada pelo
peso da própria tragédia íntima).
LÉO (olha para GÍ, amargurado e fala como um eco) — Saia!... Saia, pelo amor de
Deus!... (GÍ sai cabisbaixa. Raul também sai. Léo abraçando-se a João e
desprezando, em avalanche, a caudal da sua tremenda mágoa!) João! João (chora
alucinadamente).
PANO RÁPIDO
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TERCEIRO ATO
(O mesmo cenário do segundo ato)
CENA I
LÉO E JOÃO
LÉO (acabrunhado) — Sinceramente, meu bom João, eu nunca esperei que uma tal
coisa fosse possível de acontecer!...
JOÃO — Realmente... Mas é preciso ter coragem.
LÉO — A minha primeira impressão foi chocante. Quando eu entrei aqui e vi meu filho
abraçado a minha mulher, tive a sensação mais dolorosa. Sofri, nesses minutos, uma
vida inteira! E, ainda atordoado, pergunto a mim mesmo como tudo se encadeou
dessa maneira...
JOÃO — Realmente tudo isso é muito doloroso...
LÉO — Nunca podia esperar que o passado de minha esposa... fosse o meu filho!
JOÃO — Não desanime. Nem tudo está perdido.
LÉO — Tu crês que ainda há remédio?
JOÃO — Creio.
LÉO — Como?
JOÃO — É preciso apenas estudar uma fórmula...
LÉO — E qual será essa fórmula?
JOÃO — Antes do senhor eu surpreendi as palavras do senhor Raul à dona GÍ.
LÉO (interessado) — Tu ouviste alguma coisa?
JOÃO — Não ouvi apenas: assisti a cena toda.
LÉO (ansioso) — Conta-me, conta-me!
JOÃO — Eu ia entrando aqui. Ouvi uma altercação. Era o senhor Raul que dizia
coisas intencionais à dona Gí...
LÉO — Leviano!
JOÃO — Dona Gí reagiu. Quando me viram entrar, o sr. Raul recuou. Quis castigá-lo.
Dona GÍ interpôs-se. LÉO — E depois?
JOÃO — Voltei aqui há pouco. Compreendi tudo.
LÉO — E porque dizes que talvez haja uma solução para todo esse drama?
JOÃO — Eu ouvi as palavras de dona Gí. Dona Gí é infeliz, foi leviana no seu passado,
mas hoje, senhor Léo, parece-me que se tornou uma mulher digna do seu respeito.
LÉO (animando-se) — Dizes isto sinceramente? Não será um consolo?
JOÃO — Eu não diria nunca palavras de tal gravidade numa situação dessas...
LÉO — Mas então...
JOÃO — Todos foram culpados...
LÉO — Compreendo. Eu fui culpado porque não quis ouvir Gí quando ela desejou
falar-me do seu passado. Gí foi culpada... Não! A Gí não tem culpa de nada... Ela é
tão boa, tão gentil... Mas... Esse Raul! (dolorosamente) E é meu filho! Que poderei
fazer, João? Que poderei fazer? (passeia agitado)
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GETEB – O Coração não envelhece
JOÃO — Aja com serenidade, senhor Léo, e pense acima de tudo na felicidade! Eu o
aconselharia, antes de mais nada, a afastar o senhor Raul do Rio de Janeiro, do
Brasil, se possível...
LÉO (interessadamente) — Sim...
JOÃO — Seria ainda melhor que o senhor obrigasse seu filho a mudar de vida...
LÉO — Mas, como?
JOÃO — Eu lembraria ao senhor Léo que fizesse casar o senhor Raul...
LÉO — Casar? — Mas... e se ele se opuser?
JOÃO — O senhor Raul terá que obedecer. Ele depende inteiramente do senhor.
LEO — Muito bem! Eu imponho! Ou ele muda de vida, casa, e vai ser feliz longe daqui,
ou eu o abandono a sua sorte...
JOÃO — É uma solução...
LÉO (raciocinando) — Mas casá-lo com quem?
JOÃO — É a parte mais fácil do problema: dona Alda gosta dele com loucura!
LÉO — A Alda? (depois de curta indecisão) Mas não será uma maldade imensa
entregar uma moça encantadora como a Alda a um homem como meu filho?!...
JOÃO — O amor faz milagres... Quem sabe se o carinho, a bondade e o encanto de
dona Alda junto ao senhor Raul não o regenerarão?
CENA II
OS MESMOS E ALDA
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CENA III
JOÃO, LÉO E RAUL
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CENA IV
LÉO E GÍ
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GETEB – O Coração não envelhece
GÍ — Porque Raul é teu filho e eu não pretendo separar e tornar inimigos um pai e um
filho!
LÉO (eloquente) — Não! Tu não partirás! Tu és o meu amor e a minha vida! Fica. Fica.
e partilha comigo do meu lar; das minhas alegrias como dos meus penares. Fica.
Quando a gente chega a ter, amadurecido e sazonado, um amor, nada é mais infeliz
do que perdê-lo! E eu prefiro tudo a perder-te, minha querida! (pausa) Parece que
depois dessas palavras tu não tens mais o direito de partir.
GÍ (carinhosa) — Meu bom, meu admirável Léo!
LÉO (beijando-lhe a mão) — Dize-me que ficas, dize-me que não me abandonarás e eu
serei feliz como um deus!
GÍ — Pois bem: ficarei. E tá, meu amigo, podes contar que a tua mulher há de saber ser
digna de ti e do teu carinho! (sai olhando para Léo inundada de ternura)
LÉO — Ainda bem, meu Deus! Ainda bem! (acende um cigarro) Como o dia está
bonito! Que temperatura agradável! (passeia) Como a vida é bela! Como eu me sinto
bem disposto!
CENA V
JOÃO, DR. LUZ e LÉO
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GETEB – O Coração não envelhece
que o senhor nos merece, mandou-me aqui avisar-lhe que o assunto ficará entre nós
desde que as letras sejam pagas.
LÉO — E se eu não pagar?
LUZ — O banqueiro Morton ver-se-á na dura contigência de mandar prender o senhor
Raul Sarmento de Avelar como falsário.
LÉO (iluminando-se ante uma ideia feliz) — Mas... estas letras... (para João,
significativamente) — Podem servir-me de muito. Percebes, João?
JOÃO — Se percebo!...
LÉO — Muito bem, doutor Luz. O senhor terá a gentileza de passar para o escritório
enquanto eu falo a meu filho.
LUZ — Perfeitamente. Com licença, (sai)
LÉO — João: chame o Raul.
JOÃO — Sim senhor, (sai)
CENA VI
LÉO (dissimulado e irônico) — Meu caro filho: conhece, acaso, o banqueiro Morton?
RAUL — Como diz?
LÉO — Digo apenas que o senhor Raul Sarmento de Avelar falsificou a firma de seu
pai, Léo de Avelar, e que se não pagar as promissórias até amanhã, irá para a cadeia
como falsário que é!
RAUL — Está muito bem. O que quer que eu faça? Deseja que eu me suicide?
LÉO — Quer dizer... que sabes estar perdido...
RAUL — Não... Eu sei que Léo de Avelar é bastante vaidoso para não consentir na
prisão escandalosa do seu filho...
LÉO (irônico) — Sabe? Pois muito bem. O senhor meu filho vae cumprir o seu
destino...
RAUL — Faça o que quiser...
LÉO (enérgico) — Não por ti, mas pela minha própria tranquilidade futura, vou dar-te a
última oportunidade; escolhe: — Ou aceitas o casamento com a Alda, como te
propus ha pouco, ou não aceitas e eu te abandono à tua sorte.
RAUL (rancoroso) — A quanto chega o seu egoísmo de amoroso ridículo!
LÉO — Frases não resolvem nada agora... Responde: sim ou não?
RAUL (cínico) — Meu querido papá: o senhor fala com tanta ternura e eloquência que
eu não devo opor-me... Caso-me com a Alda ou até, com a velha Eva, quando
quiser...
LÉO — Perfeitamente. (Indo à porta) Dr. Jorge Luz!
CENA VII
OS MESMOS, JOÃO, ALDA e EVA
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CENA II
OS MESMOS E GÍ
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GETEB – O Coração não envelhece
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GETEB – O Coração não envelhece
não pela idade tardia de ambos!... Mas tal coisa não tem importância. Vocês têm a
mesma idade — 60 anos! Estão fortes, sadios podem viver até os 100 anos... E
depois, meus amigos, é justamente na velhice que nós necessitamos de uma
companhia boa e desinteressada... Envelhecer sem amparo e sem amor, envelhecer
sem ligações e sem liames, envelhecer sem a ternura de uma voz amiga: é morrer
antes do tempo!
JOÃO — O senhor talvez tenha razão...
EVA — Quem sabe?
LÉO — Estão vendo? Havia dentro de vocês a chama e o desejo... Mas vocês não o
sabiam definir... Vamos, meus amigos, abracem-se, beijem-se e amem-se
sinceramente.
JOÃO (comovido) — Minha boa Eva!
EVA (choramingando) — Meu bom João!
LÉO (aproximando-os) — Vamos... Abracem-se de uma vez!
JOÃO (abraçando Eva) — Estou comovidíssimo!
LÉO — Vou ao meu quarto, (da porta, vendo João e Eva abraçados) — Lindo quadro!
Lindo quadro! Deixem lá falar... O amor ainda é a coisa mais interessante que existe
sobre a terra! (sai)
JOÃO — Tudo isso parece um sonho...
EVA — Eu sempre gostei de você, João.
JOÃO — Eu também... Mas você implicava tanto comigo.
EVA — Era você que implicava comigo...
JOÃO (rindo) — Éramos os dois que implicávamos um com o outro...
EVA — Eu gosto de você, desde o tempo do meu primeiro marido...
JOÃO — Não diga! Então porque casou com o segundo, se eu estava aqui?
EVA — Você era tão frio, tão arisco...
JOÃO — Pois o meu amor é mais antigo. Eu gosto de você desde o tempo em que você
era solteira. Lembra-se quando o Vovô Avelar nos mandava colher mangas no
pomar?
EVA — Se me lembro!
JOÃO — Pois bem... Um dia na chácara, eu tive uma louca vontade de beijá-la. Você
estava linda! Trazia um vestido vermelho e ria com lindos dentes!
EVA (tristemente) — Com os dentes que eu já não tenho...
JOÃO — Você carregava uma cesta. Passou por mim tão perto... Eu ia beijá-la na nuca.
Você voltou a cabeça... Afastei-me. Mas nunca mais esqueci do seu pescoço roliço...
EVA — Hoje tão cheio de rugas!
JOÃO — Depois... Você casou com o Antônio. Não casei nunca! Você enviuvou. Tive
uma nova esperança... Você casou de novo. Desiludi-me para sempre... (ouve-se um
violino fora) Lembra-se dessa musica que o senhor Léo está tocando?
EVA — Se me lembro! Era a musica predileta do Vovô Avelar...
JOÃO — Quanta coisa me faz recordar! Quanta coisa!
EVA — Um passado inteiro!
JOÃO — O passado inteiro!
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GETEB – O Coração não envelhece
CENA ÚLTIMA
GI, LÉO, EVA E DEPOIS JOÃO
LÉO (entrando) — Já terminaram o idílio! Eu fui tocar violino para provocá-los! Não
ha como a musica para esses momentos!
GÍ (entrando) — Como te sentes meu maridinho?
LÉO — Admiravelmente, Parece até que volvi aos meus 20 anos!
GÍ — Falas sempre na tua velhice...
LÉO — É o meu maior tormento! Sentir-me tão velho e sentir-te tão nova!
GÍ — Tens a mocidade de um espírito cintilante! Ser velho não é ter 60 anos! Ser
velho... é descrer! Ser velho... é não saber sorrir.... Ser velho é desanimar! Juro-te que
eu nunca quis a um homem como te quero agora a ti!
LÉO (exaltado) — Repete, GÍ! Repete sempre!
GÍ — Amo-te, Léo, raciocinadamente!
LÉO — E os meus cabelos brancos?
GÍ (acarinhando-o) — Amo-te como se tu tivesses 20 anos!
JOÃO (entrando e observando, chamando Eva que entra também e observa) — Agora,
quem vai tocar violino, sou eu!
PANO
FIM
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