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SANEAMENTO PARA TODOS

Por intermédio do Programa


de Modernização do Setor
Saneamento (PMSS), a Secretaria

novoparaespaço
a
busca contribuir para viabilizar
a reforma institucional do setor
saneamento brasileiro com a
reestruturação de sua gestão. A
apresentação Secretaria atua junto aos Estados
e Municípios e aos prestadores e
de idéias reguladores dos serviços públicos
criativas de saneamento, sobretudo com
vistas ao estabelecimento de
novos modelos de organização e
gestão, e de novas estruturas de
prestação e regulação, objetivando
Com o lançamento da revista o aumento da eficiência e da
Saneamento para Todos, capacidade de financiamento
a Secretaria Nacional de do setor. A meta maior é a
Saneamento Ambiental (SNSA) universalização dos serviços.
abre novo espaço para a
discussão de problemas e para No campo legal e regulatório, o
a apresentação de propostas e Projeto de Lei no. 5296/2005,
ações criativas. em tramitação no Congresso
Nacional, estabelece as diretrizes
Escolhemos para inaugurar para os Serviços Púbicos de
esta publicação a experiência Saneamento Básico e a Política
do Serviço Autônomo de Água e Nacional de Saneamento Básico,
Esgoto de Guarulhos na gestão tendo por objetivo a integração
de perdas de água por seu caráter de esforços e de recursos dos
inédito. E, principalmente, pela diversos níveis de governo e da
importância que concedeu, em sua iniciativa privada. O projeto está
primeira fase, ao protagonismo baseado nos princípios básicos
dos servidores do prestador do da universalidade, integralidade
serviço no processo. Outro mérito e equidade, sempre privilegiando
do programa é que, em sua o interesse público.
segunda fase, os consumidores e
usuários serão mobilizados, sendo O PL 5296 cria um ambiente pro-
convidados a exercer plenamente pício à melhoria de desempenho
seus direitos de cidadania. dos prestadores de serviços, so-
bretudo diante dos atuais baixos
A próxima edição será dedicada níveis de eficiência global do se-
ao tema da capacitação. tor, acentuados, particularmente,
pelas elevadas perdas de água
A nova revista está alinhada com verificadas nos sistemas públi-
o objetivo central da SNSA de cos de abastecimento. Segundo
assegurar os direitos humanos dados do Sistema Nacional de In-
fundamentais de acesso à água formações sobre Saneamento, em
potável e à vida em ambiente 2003 o índice médio das perdas
salubre nas cidades e no de faturamento do conjunto de
campo, com a universalização prestadores de serviços do País
do abastecimento de água e foi de 39,4%, enquanto o índice
dos serviços de esgotamento de perdas de água por ligação
sanitário, da coleta e tratamento ativa foi de 502,3 litros/ligações/
dos resíduos sólidos, e do manejo dia, em média. Ao compararmos
das águas pluviais. esse número com o consumo per

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A experiência de Guarulhos

capita médio de água, igual a 149 O objetivo das ações empreen- Ministro das Cidades: Márcio Fortes
litros/habitante/dia, observa-se didas é implantar uma solução Secretário Executivo: Felipe Mendes
que o índice das perdas de água definitiva e sustentável, sensibili- e Oliveira
é significativamente elevado. zando os trabalhadores do SAAE Chefe de Gabinete: Rodrigo José
para a importância da atuação Pereira-Leite Figueiredo
A gravidade do baixo desempenho individual e coletiva de todos no Secretário Nacional de Saneamento
dos serviços de abastecimento enfrentamento do problema. Ambiental (SNSA): Abelardo de
de água, no que diz respeito às Oliveira Filho
perdas, pode também ser vista sob Espera-se que, a partir dos re- Secretária Nacional de Habitação
a ótica financeira. Uma estimativa sultados desta experiência, a Se- (SNH): Inês Magalhães
do retorno financeiro decorrente cretaria Nacional de Saneamento Secretário Nacional de Transporte
da redução das perdas de água Ambiental esteja contribuindo e Mobilidade Urbana (SEMOB):
até um patamar de perdas para a disseminação de um mo- José Carlos Xavier
inevitáveis, estimado em 20%, delo exitoso de gerenciamento Secretária Nacional de Programas
indica um valor anual da ordem das perdas de água em sistemas Urbanos (SNPU): Raquel Rolnik
de R$ 2,4 bilhões, correspondente públicos de abastecimento no Diretor de Desenvolvimento e
à soma dos valores estimados Brasil. Cooperação Técnica da SNSA:
referentes à diminuição dos Marcos Helano Fernandes Montenegro
custos de produção e ao aumento Diretor do Departamento de Água
do faturamento. e Esgotos da SNSA: Cesar Scherer
Abelardo de Oliveira Filho Diretor do Departamento de
Muito embora as elevadas Articulação Institucional da SNSA:
perdas de água possam sinalizar Secretário Nacional de Sérgio Antonio Gonçalves
problemas de ordem operacional, Saneamento Ambiental do Coordenador do Programa de
as ações mais eficazes para a Ministério das Cidades Modernização do Setor
solução de tais problemas estão Saneamento (PMSS):
no campo da gestão. Dentre Ernani Ciríaco de Miranda
outros, podemos citar itens
como: mudanças na estrutura Programa de Modernização do
da organização; mudanças de Setor Saneamento (PMSS):
comportamento dos técnicos, SCN - Qd 01 - Bloco F - 8º andar
corpo gerencial e dirigentes; Edifício America Office Tower - 70711-905
busca de soluções alternativas; pmss@pmss.gov.br
treinamento e capacitação de www.cidades.gov.br e www.snis.gov.br
pessoal; implementação de Conselho editorial: Marcos Helano
instrumentos de sustentabilidade Fernandes Montenegro, Ernani Ciríaco,
das ações de combate às perdas; e de Miranda, Rodolfo Alexandre Cascão
participação da área encarregada Inácio
do gerenciamento das perdas no Reportagem e Edição: Antônio Carlos
orçamento da organização. Queiroz ( DF 00645 JP )
Foi exatamente no contexto Secretaria geral, Edição de arte,
dessa compreensão do problema Editoração eletrônica: Rosana Lobo
que a Secretaria Nacional de Ilustração: Fernando Rabelo
Saneamento Ambiental, por Fotos: SAAE/Guarulhos, Rodolfo
intermédio do PMSS, decidiu Alexandre Cascão Inácio, Antonio
apoiar o Serviço Autônomo Carlos Queiroz
de Água e Esgotos (SAAE) de Fotolitos e Impressão:
Guarulhos na construção de um Gráfica Qualidadade
modelo alternativo de gestão das Tiragem:5.000 exemplares
perdas de água, privilegiando a
articulação de todos os setores
da autarquia em torno de ações
integradas de redução e controle
das perdas.

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SANEAMENTO PARA TODOS

“Estamos melhorando o abastecimento e evitando o desperdício”

O nosso desafio na área de abastecimento de água é grande: Guarulhos tem mais de um milhão e
duzentos mil habitantes e trabalhamos com a premissa de que água é um direito de todos.
A situação do fornecimento de água encontrada na cidade em 2001, quando assumimos a Pre-
feitura, era crítica. Por conta da falta de investimentos durante vários anos, o problema de falta de água
atingia muitos bairros, sendo que alguns chegavam a ficar até 20 dias sem abastecimento. A cidade tam-
bém sofria com perdas no sistema, provocadas principalmente por constantes vazamentos.
Diante desse quadro, investimos até agora cerca de R$ 25 milhões para resolver a questão do
abastecimento, construímos mais de 160 km de redes e fizemos mais de 42 mil novas ligações de água.
Também elaboramos, em 2002, o Plano Diretor do Sistema de Abastecimento de Água, que vai nortear as
intervenções e os investimentos necessários até 2025.
O problema das perdas precisou de uma grande atenção de nosso governo. Implantamos um Pro-
grama de Controle e Redução de Perdas que resultou, por exemplo, na troca de 45 mil hidrômetros entre
2002 e 2004, quase 20% do total de medidores do município. O Sistema Autônomo de Água e Esgoto de
Guarulhos (SAAE) conseguiu, ainda, vários outros resultados positivos, como a criação de um sistema
para aquisição e recebimento de materiais e a melhoria nos procedimentos de execução de obras, com a
utilização de materiais mais adequados.
Além de resultar em economia e melhoria da produtividade, o Programa de Controle e Redução de
Perdas tem ainda uma grande importância social e ambiental, já que a cidade de Guarulhos está inserida
numa região de cabeceira de bacia, com baixa disponibilidade hídrica e onde, portanto, é fundamental
não perder água.

Elói Pietá
Prefeito de Guarulhos

SUMÁRIO
18 Olhares múltiplos
4 Guarulhos, oitava economia do Brasil
20 Mobilização social
6 Nova gestão, novos horizontes
22 Mobilização social
8 O Programa de combate às perdas
25 A Peleja
11 As Diretrizes 28 A engenhoca
12 As Oficinas 29 Combate ao desperdício
14 O que pensam os ARPs 30 PMSS e PROCEL
16 A redução de perdas 31 Modelo sustentável

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A experiência de Guarulhos

Guarulhos, a oitava economia do


Com mais de 1.100 mil habitantes, O município, de 341 km², é cortado
Guarulhos é a segunda maior cidade pelos rios Tietê, Cabuçu, Baquirivu
de São Paulo e a 13ª mais populosa Guaçu e Jaguari, além do córrego
do Brasil. Está localizada na região Parati Mirim e dos ribeirões Jaguari,
metropolitana de São Paulo, sendo Tanque Granade e Lavras. Também
cruzada por duas das principais fazem parte de sua hidrografia os
rodovias nacionais, a Via Dutra, que lagos de Vila Galvão e do Franco.
liga São Paulo ao Rio de Janeiro, e
a Fernão Dias, que liga São Paulo a Guarulhos foi fundada em 1560
Belo Horizonte. pelos jesuítas, a partir de um
aldeamento de índios Guaru, do
Seu aeroporto internacional é tronco tupi-guarani, com o objetivo
o maior e mais movimentado da de ser um posto avançado no
América Latina, com capacidade sistema de proteção de São Paulo.
para transportar 15 milhões de Até meados do século 18, com a
passageiros por ano. exploração da mão-de-obra escrava,
foi um centro de mineração de ouro.
Com PIB de R$ 7 bilhões, Guarulhos Em 1880, emancipou-se de São Paulo
é o 8º município mais rico do e se transformou em vila. Em 1906,
País. Sua economia está baseada foi elevada à categoria de cidade.
principalmente nas indústrias
metalúrgica, química, de vestuário,
farmacêutica e plástica.

Cruzamento Santa Francisca

Igreja Matriz
SANEAMENTO PARA TODOS

Brasil

Aeroporto

Vista panorâmica

SANEAMENTO
94% dos domicílios de Guarulhos são
abastecidos com água e 72% dispõem de
esgotamento sanitário.
O município conta comtrês fontes de água
bruta, comprando da Sabesp o maior volume
(cerca de 87%).
O abastecimento é complementado com a
produção de poços profundos e das Estações
de Tratamento do Cabuçu e Tanque Grande.
Guarulhos tem 19 reservatórios, com
capacidade total aproximada de 88.300 m³.

Lagoa dos Patos


A experiência de Guarulhos

Nova gestão,
Novos horizontes

á quase cinco anos de caminhões-pipa em postes.

H ocupando a superin-
tendência do SAAE, no
segundo mandato consecutivo do
Nos últimos quatro anos e meio,
no entanto, mais de 400 mil
pessoas, ou 45% da população,
prefeito Elói Pietá, o engenheiro tiveram o abastecimento de água
João Roberto Rocha Moraes tem regularizado. “A cidade tinha
dados e histórias para escrever um déficit de água que variava
um livro sobre o recente de um a 20 dias; havia retorno
desenvolvimento de Guarulhos. de esgotos na torneira da casa
Um processo de mudanças dos moradores; e os sistemas
riquíssimo que, segundo ele, de água e de esgoto não tinham
acabou revolucionando a cultura cadastro”, lembra João Roberto.
e a consciência da população
local, “que só nos últimos anos PLANO ESTRATÉGICO - Ele conta
se deu conta da grandeza de que todos esses problemas foram
Guarulhos e de que a cidade atacados logo na segunda sema-
deve ser parceira e não caminhar na de janeiro de 2001, quando se
“...por várias vezes a a reboque de São Paulo”. fez um plano estratégico para en-
contrar soluções para os proble-
população se propôs, João Roberto explica que mas mais graves em no máximo
historicamente Guarulhos serviu, 90 dias. “Nós começamos 2001
em um esquema de e ainda serve, em parte, como com 78% de reprovação dos ser-
cidade-dormitório da capital. viços, mas em abril esse número
mutirão, a ser nossa Mas, com mais de 1,2 milhão já havia baixado para 41%, e em
de habitantes e com o oitavo agosto para 14%. Permanecemos
parceira. PIB do País, ela se deu conta de muito bem referenciados junto à
que pode andar com as próprias população, porque ela entende a
Participamos de pernas, ou melhor, que pode voar falta de solução imediata, desde
de maneira autônoma, referindo- que seja devidamente esclareci-
um movimento se ao fato de o município abrigar da. Quando a gente se deparou
o maior aeroporto da América do com alguns problemas de natu-
de construção e Sul. reza financeira, por várias vezes
a população se propôs, em um
consolidação de GRANDES MUDANÇAS - Algumas esquema de mutirão, a ser nossa
das maiores mudanças ocorre- parceira. Sem querer, participa-
cidadania nesta ram justamente no SAAE. Em mos de um movimento de cons-
2001, a população estava tão trução e consolidação de cidada-
cidade”. insatisfeita com a falta d’água nia nesta cidade”.
que, nas manifestações de
protestos, queimava pneus na
Via Dutra e amarrava motoristas

6
SANEAMENTO PARA TODOS

João Roberto acrescenta que, tal e de novas relações comuni- O superintendente informa que
nesse esforço, foi preciso cons- tárias. A reestruturação física da grande parte das redes estão
truir mais do que reconstruir o autarquia incluiu a maciça com- em funcionamento há mais de
SAAE. Para isso firmou-se um pra de equipamentos de informá- 35 anos e grande parte dos hi-
pacto com os servidores, inau- tica. “Os poucos computadores drômetros não funciona adequa-
gurando-se um relacionamento que tínhamos eram locados por damente, duas das principais
entre a direção e os servidores uma prestadora de serviço. Se causas do alto índice de perdas
da autarquia. “O SAAE tem um essa empresa, por algum motivo, de água. Para combater as per-
corpo técnico muito sério e mui- saísse do SAAE, no dia seguinte das de água , o SAAE implantou
to comprometido, mas que, his- não podíamos rodar a folha, as uma política intensa de troca
toricamente foi relegado na polí- contas de água, nada”. dos hidrômetros. E para rever-
tica da instituição. Então existia ter a evasão de receitas , adotou
uma defasagem entre o que o Segundo João Roberto, “antes, uma forte política de cortes dos
corpo técnico sabia e a realida- quando o usuário queria fazer inadimplentes.
de do mercado. Nós tratamos de alguma reclamação, tinha que se
diminuir essa diferença, usando deslocar ao longo da cidade, por “TORÓ DE PALPITES” - João Ro-
todos os recursos para isso. Foi vezes pegando até três conduções berto está empolgado com as
muito importante, por exemplo, para chegar numa unidade. Hoje ações de gestão de perdas inicia-
a participação de outras cidades são sete unidades centralizadas das em meados de 2002 com o
onde já tínhamos trabalhado, de atendimento ao cidadão, apoio do Programa de Moderni-
extremamente gentis e compa- informatizadas e integradas com zação do Setor Saneamento da
nheiras nessa jornada em que a área operacional. Visam a dar Secretaria Nacional de Sanea-
a troca de experiências foi mui- agilidade e inclusive mudar o mento Ambiental. Ele chama de
to rica. Mas o mais legal foi a estado de ânimo da população “toró de palpites” – tradução bem
pró-atividade dos funcionários que precisa solicitar um serviço humorada da expressão america-
e a vontade de querer mudar a ao SAAE”. na “brainstorming” – o processo
história. Eles foram peças fun- das oficinas montadas para mo-
damentais para o sucesso que a MODERNIZAR SISTEMAS - Para bilizar e engajar os servidores do
gente teve até agora”. modernizar os sistemas de abas- SAAE na discussão e proposição
tecimento de água e de esgota- de soluções para os problemas
REESTRUTURAÇÃO - A autarquia mento sanitário, o SAAE buscou enfrentados por todos os setores
foi completamente reequipada: os financiamentos possíveis jun- da autarquia.
reestruturou-se a Divisão de to ao governo federal e às insti-
Recursos Humanos; criou-se o tuições internacionais, e ampliou Com um balanço positivo das
departamento de Comunicação bastante as receitas das tarifas. ações já realizadas, João Rober-
Social; e foram implementados O volume dos recursos obtidos to diz que o SAAE pretende ago-
programas de educação ambien- até agora, no entanto, não é su- ra atuar em duas frentes. Na
ficiente para resolver primeira, intensificando as in-
todos os problemas. tervenções para obter resultados
Do atual orçamento, mais breve no combate às perdas.
sobram menos de R$ 9 Na segunda, envolvendo a popu-
milhões por ano para lação no programa, por meio de
investimentos. Mas se- ações de comunicação (fôlderes,
riam necessários cer- filmes), atividades lúdicas (es-
ca de R$ 145 milhões quetes de teatro) e em discussões
para resolver definiti- públicas promovidas em parceria
vamente os problemas com a sociedade civil organizada
de água e mais R$ 450 (Confederação das Indústrias
milhões para concluir do Estado de São Paulo - Ciesp,
o plano de esgotamento. Associação Comercial, Conselho
Regional de Engenharia, Arqui-
tetura e Agronomia - CREA), por
João Roberto Rocha Moraes exemplo.

7
A experiência de Guarulhos

Como surgiu o
programa de
combate às perdas
de Guarulhos
m 2001, o sistema de Paula Sobrinho, diretor de Pla- De acordo com o técnico, a

E abastecimento de água
da cidade de Guarulhos
encontrava-se em estado caótico.
nejamento e Projetos.

Eles explicam que não havia


situação era dramática e as
soluções oferecidas, amadoras.
“O desabastecimento era con-
Faltava água mesmo em bairros informações consistentes sobre siderado normal”. Os motivos
próximos do centro, como o a rede de distribuição de água disso, explica, é que a cidade se
Continental. Ali, os moradores e por isso enfrentaram imensas desenvolveu sem planejamento,
recebiam água três vezes por dificuldades para fazer as sem a infra-estrutura acom-
semana. No Triunfo, na distante operações mais triviais. Segundo panhar. “As pessoas se assentam
região de Bonsucesso, a água Silvano, “a manutenção e operação aqui, vão trazendo os parentes e
só chegava com as manobras de água estava centralizada no fazendo o puxadinho da casa e o
quinzenais do Serviço Au- Gopoúva e na Angélica. Logo puxadinho da rede de água”. Até
tônomo de Água e Esgotos identificamos a necessidade o final do ano passado, havia 366
de Guarulhos (SAAE). Eram de fazer a descentralização da favelas em Guarulhos. Em maio,
corriqueiras as manifestações manutenção e das operações. já se falava em 390, abrigando
de pessoas insatisfeitas nas Criamos os centros operacionais, 20% da população ou cerca de
vias Dutra e Fernão Dias, dividindo a cidade em quatro 200 mil pessoas.
quando queimavam pneus para partes (Gopoúva, Angélica, São
chamar atenção. De tão grave, o João e Cidade Martins). E já em
problema acabou dando o tom abril conseguimos aprovar, em “Identificamos
das eleições ocorridas no final de lei, a primeira parte da reforma
2000. da estrutura administrativa do a necessidade de fazer
SAAE. Nos primeiros cem dias, a descentralização da
Sensibilizada, no início de 2002, também fizemos muitas obras”.
a nova direção do SAAE contra-
manutenção e das
tou técnicos com experiências NEGOCIAÇÃO DA DÍVIDA - De operações.”
em outras autarquias munici- acordo com Afrânio de Paula, o
pais. Não havia em Guarulhos desabastecimento tinha causas
especialistas em número sufi- orgânicas, principalmente de
ciente para executar as opera- gestão. Por exemplo, a autarquia
ções emergenciais de combate à havia deixado de pagar durante
falta d’água nem para atacar os três anos à companhia estadual
problemas gerenciais da autar- de saneamento, a Sabesp,
quia. fornecedora de quase 90% da
água consumida em Guarulhos.
NOVOS DIRIGENTES - Dois dos Em represália, a companhia
novos dirigentes convocados pelo reduziu o volume fornecido.
SAAE contam esse histórico: os Por isso, uma das primeiras
engenheiros Silvano Silvério da providências da nova direção do
Costa, hoje diretor de Manu- SAAE foi a negociação da dívida.
tenção e Operação, e Afrânio de Silvano Silvério da Costa

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UM PROGRAMA DE QUALIDADE
s perdas em um sistema de abastecimento de água decorrem de

A uma multiplicidade de causas de naturezas diversas. A topografia


do sítio urbano e as características do uso e ocupação do solo
são alguns aspectos relevantes. Cidades com relevo de mudanças
pronunciadas e com território ocupado de modo desorganizado tendem a
apresentar perdas elevadas. O grau de verticalização, por significar maior
ou menor número de ligações por unidade de extensão das redes, e a
idade das redes e instalações da aglomeração urbana também impactam
no volume das perdas.
Afrânio de Paula Sobrinho No entanto, quando se trata de controle e redução de perdas, variáveis
do tipo acima mencionado são, quase sempre, dados do problema. O
que vai importar é a capacidade do prestador do serviço público de
“É mais fácil abastecimento de água de dar as respostas que permitam reduzir as
perdas ao mínimo razoável (custo marginal do volume recuperado menor
diagnosticar os que o custo marginal do volume produzido).
problemas do que Os programas de controle e redução de perdas atuais já se baseiam
combatê-los.” na percepção de que são variadas as causas das perdas, exigindo ações
abrangentes que se apóiam em todas as áreas em que normalmente se
organiza um prestador, motivo pelo qual caracterizam-se como atividade
permanente de gerenciamento das perdas.
Segundo Silvano da Costa, o
SAAE fixou como objetivo, para Sistemas de abastecimento mal planejados, cuja implantação ou expansão
o final de 2004, atender toda a se faz com base em projetos inadequados resultam em setorização
população com água, todos os inadequada, pressões elevadas e outros fatores que concorrem para a
dias. “Não conseguimos alcançar intensificação das perdas. O uso nas redes de materiais e componentes
a meta dessa forma. Mas fizemos de baixa qualidade, seja por especificações inadequadas, por licitações
obras que atenderam em torno defeituosas ou por falta de sistema de controle na recepção dos mesmos,
de 400 mil novos usuários. A leva também à elevação das perdas. Procedimentos operacionais
situação hoje é muito melhor. inadequados ou a manutenção precária dos hidrômetros, redes,
Ainda temos rodízios instituídos, reservatórios e demais unidades operacionais também concorrem na
mas não há comparação com os mesma direção. E têm a mesma conseqüência cadastros técnicos ou
tempos da falta d’água”. comerciais imprecisos e desatualizados, assim como procedimentos
de baixo padrão para as atividades de faturamento, como leitura dos
PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO hidrômetros, processamento, baixa, corte etc.
Silvano diz que as conquistas Pode-se confirmar que a qualidade do atendimento às solicitações e
foram possíveis graças ao queixas dos usuários e dos demais interessados e a comunicação social
planejamento estratégico da são também relevantes quando se quer reduzir perdas.
nova direção do SAAE, que criou
relatórios de gestão da área
Assim é que, por sua natureza e sua abrangência, o gerenciamento das
financeira, da área operacional,
perdas de água é, na prática, um programa de qualidade. E como todo
de planejamento e de obras.
programa de qualidade, tem o fator humano como aspecto crítico. Por
Um dos braços do plano foi a
isso, da enumeração acima, não poderiam estar ausentes as atividades de
criação do Programa de Controle
capacitação e treinamento em praticamente todas as atividades.
e Redução de Perdas. O trabalho que se realiza em Guarulhos, para o qual o SAAE está
recebendo apoio do PMSS, parte do entendimento de que controlar e
Dirigido por um Comitê de reduzir perdas é uma tarefa que exige a participação de todos os que
12 funcionários, o programa trabalham no prestador do serviço de abastecimento de água.
definiu quatro operações para
Esta publicação registra a metodologia de sensibilização, envolvimento e
retirar Guarulhos do topo da
participação dos funcionários do SAAE de Guarulhos no planejamento e
lista dos municípios que mais
implementação das ações de gerenciamento de perdas, que, em muitos
desperdiçam água no País (cerca
aspectos, se caracteriza pelo ineditismo que justifica a sua divulgação.
de 56% na distribuição e 48% no
faturamento). Marcos Helano Fernandes Montenegro
Diretor de Desenvolvimento e Cooperação Técnica
9Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental
A experiência de Guarulhos

A primeira operação tem o objetivo Setor de Saneamento (PMSS) do


de consolidar no SAAE uma Ministério da Cidade.
cultura voltada para o controle e
redução das perdas. A segunda, Envolver a maior parte dos fun-
criar uma sistemática de controle cionários do SAAE no programa
de redução de perdas reais e foi o objetivo do processo. Para
aparentes. A terceira operação começar, organizou-se uma ofici-
definiu ações para suprir a na de sensibilização em novem-
inexistência de procedimentos bro de 2003. Depois, em fevereiro
normalizados e a deficiência e março do ano seguinte, foram
da estrutura operacional. “É realizadas 42 oficinas com a par-
óbvio que a falta de pessoal, ticipação de 75% dos servidores
ou de veículos, ou de materiais da autarquia, com a meta de re-
adequados afeta a intervenção duzir em 10% o índice de perdas
das equipes que operam em (ver matéria na página 12).
campo”, explica Afrânio de Paula.
Por fim, a operação número ARPs - Durante as oficinas foram
quatro estabelece a meta de eleitos 120 Agentes de Redução
informar e iniciar o processo de de Perdas (ARPs), voluntários, e
conscientização da necessidade listadas 400 proposições de com-
de combater perdas e reduzir bate às perdas. As sugestões fo-
desperdícios de água, envolvendo ram filtradas pelo Comitê, sinte-
os funcionários do SAAE e a tizadas em 40 propostas discuti-
população de Guarulhos. das em três plenárias de cerca de
120 pessoas, com a participação
COMITÊ - O programa foi institu- de 90 ARPs, os membros do co-
ído por meio de portaria no dia mitê e a diretoria do SAAE. Após
19 de junho de 2002. O docu- novo processo de discussão, de-
mento criou o Comitê Interno de ram origem às 10 diretrizes que
12 funcionários para dirigi-lo e definem as prioridades do Pro-
adotou “uma estratégia não-con- grama de Controle e Redução de
vencional, de envolvimento de Perdas de Guarulhos (ver maté-
todos os funcionários, pensada ria na página 11).
e acompanhada por um comitê
com membros de todas as dire- Os ARPs são os elos entre o Co-
torias do SAAE”, informa Silvano mitê e o corpo de funcionários do
da Costa. SAAE e entre o Comitê e a popu-
lação. Eles se reúnem periodica-
Silvano, que coordenou o mente e não se limitam a com-
programa até o início de 2004, bater as perdas de água, foco do
antes de Afrânio, diz que o programa, estando atentos tam-
processo acabou indo além do que bém aos desperdícios em geral.
havia sido planejado inicialmente.
“Percebemos que o comitê não OTIMISMO - Afrânio faz uma ava-
era suficiente para implementar liação bastante otimista do pro-
as ações planejadas, e em boa grama, sem deixar de ser crítico.
hora veio o trabalho dos Agentes Diz que que é mais fácil fazer o
de Redução de Perdas (ARPs)”. diagnóstico dos problemas do
Ele se refere ao fator que conferiu que combatê-los. “Não basta só
a originalidade ao programa: vontade. Seria necessário fazer
a inauguração, em outubro de grandes investimentos para mo-
2003, do processo de mobilização dernizar a rede de água de Gua-
social, animado pelo educador rulhos”, afirma. A questão é que,
social Rodolfo Cascão, consultor por enquanto, a cidade não dis-
do Programa de Modernização do põe dos recursos necessários.

10
SANEAMENTO PARA TODOS

As 10 Diretrizes
O caminho das pedras para a redução das perdas

Dez diretrizes detalham as metas do Programa de Redução de Perdas de Guarulhos. Mais do que isso,
elas refletem o modelo democrático adotado. Foram selecionadas dentre as 400 sugestões feitas pelos 1.200
funcionários que participaram das 42 oficinas promovidas no SAAE. Suas matrizes foram as quatro operações do
Plano Operacional originalmente definido pelo Comitê.
É importante assinalar que as diretrizes não são meras declarações de intenção, mas a compatibilização
do entendimento de todos os níveis hierárquicos da autarquia. A responsabilidade por seu cumprimento é atribuída
a funcionários de um ou mais departamentos, que devem prestar contas de cada etapa de sua implementação.

1) Identificação e eliminação de ligações clandestinas e fraudes.

2) Quantificação e redução de perdas na micromedição.

3) Fortalecimento no SAAE de uma cultura voltada à redução de perdas.

4) Implantação de setorização do sistema.

5) Sensibilização da população para o combate ao desperdício de água.

6) Redução no tempo de atendimento ao reparo de vazamentos.

7) Quantificação e redução de perdas em favelas.

8) Implementação de três áreas piloto para laboratório de combate às perdas.

9) Melhoria da estrutura do SAAE.

10) Atualização de cadastro técnico.

11
A experiência de Guarulhos

OFICINAS de SENSIBILIZAÇÃO
ois gerentes foram os res-

D
Até na escolha do local para história do SAAE, a crise da água
ponsáveis pela coorde- a realização das oficinas, o na região metropolitana de São
nação das 42 oficinas auditório de um hotel três Paulo, noções de educação am-
“aprender a não perder”, que estrelas, os organizadores das biental e, mais especificamente,
atraíram 1.054 dos 1.435 funcio- oficinas se preocuparam em a discussão de problemas técni-
nários do SAAE: Hamilton Tadeu valorizar os servidores. cos de hidrometria, válvulas de
Maurício e José Casimiro Corrêa pressão, desperdícios etc. Na se-
Lima, da Divisão de Desenvolvi- “BEM BOLADO” - Houve também gunda parte, houve trabalho em
mento de Recursos Humanos. o cuidado de organizar as turmas grupo para o levantamento de
por departamentos, de maneira propostas e para a escolha dos
Lotado no Departamento de a não prejudicar o andamento agentes de redução de perdas,
Comunicação, Hamilton conta dos serviços da autarquia. além da avaliação das oficinas.
que o primeiro grande avanço no “Cada departamento fez o seu
combate às perdas foi a direção ‘bem bolado’, um esquema de “A minha impressão das oficinas
do SAAE ter chegado à conclusão revezamento das turmas”, diz foi muito boa, porque houve um
de que as soluções não poderiam Hamilton. empenho bastante positivo dos
ser apenas técnicas. Deveriam funcionários, tanto na freqüência
ser fruto de um trabalho mais Segundo José Casimiro, a di- quanto na participação. Nós
orgânico, que envolvesse todo o nâmica das oficinas previa, ini- tivemos um número grande de
corpo funcional da autarquia. Era cialmente, a exposição de infor- propostas e, no final de cada
preciso, portanto, sensibilizar e mações gerais sobre os recursos oficina, o pessoal construia uma
mobilizar, se não todos, a grande hídricos no mundo e no país, a frase para uma futura campanha
maioria dos funcionários, muitos junto à população”, diz José
dos quais, no passado, estavam Casimiro.
alienados da missão da empresa
ou a viam apenas como um QUEBRANDO O GELO - Segun-
cabide de emprego. do Hamilton, houve o cuidado
de não transformar as oficinas
As oficinas, diz Hamilton, em sessões maçantes. “A gen-
foram organizadas não apenas te tentou não tornar aquilo um
para repassar informações aos monte de gente falando, falando,
servidores, mas sobretudo para falando e a pessoa sentada escu-
ouvir as suas opiniões e sugestões. Hamilton Tadeu Maurício tando. Com as idéias do Cascão
Foram três seus objetivos: (o consultor do PMSS, Rodolfo
estimular a identificação de Alexandre Cascão Inácio), a gen-
problemas e soluções; definir “As soluções não podem te procurou fazer um teatrinho.
ações imediatas; e constituir ser apenas técnicas, mas Uma coisa mais brincadeira,
a rede de agentes de redução mais light, porque o funcionário
de perdas (ARPs). Segundo
fruto de um trabalho não estava acostumado com isso:
Hamilton, o processo tomou orgânico, que envolva ‘Olha, vou chamar você para me
mais de um mês de trabalho, em todo o corpo funcional da dar uma informação. Alguns vie-
fevereiro e março de 2004, “todos ram até naquela de ‘que se abrir
os dias, só parando sábado e autarquia.” a boca, vou dançar’. A gente ten-
domingo”. tou criar um campo neutro, onde

12
José Casemiro Corrêa

“Houve participação
Os encontros
bastante positiva dos
aconteciam
funcionários.”
em campo neutro.
não eram as chefias que estavam Não eram as chefias
ali. Onde se podia conversar e
falar à vontade, discutir os as-
que estavam ali.
suntos. Onde eles sentissem que
são importantes na empresa e
que fazem parte da empresa. Nós
conseguimos quebrar o gelo”.

DIFICULDADES - Como não podia


deixar de ser, houve também di-
ficuldades, quando, por exemplo,
alguns funcionários passaram a
fazer reivindicações salariais.
“Mas a gente conseguiu absorver
e explicar que aquele não era o
ambiente propício para isso”, diz
Hamilton.

Um dos resultados mais impor-


tantes das oficinas foi a escolha
de 120 agentes de redução de Foram escolhidos,
perdas, os ARPs, escolhidos por
voto dentre os voluntários de por voto, 120 ARPs.
cada grupo.

13
esperiência de Guarulhos
A experiência

O QUE PENSAM OS ARPss

entre a direção e os funcionários do SAAE, olhos e ouvidos da autarquia


Elos nas ruas de Guarulhos, at ent os aos vaz ame nt os e defe it os da re de, os
A R P s cumprem també m o importante pape l de orie nt ar a popula ção
n o combate aos desperdícios. A qui , ele s cont am o que pe nsam sobre se u trabalho.

Eu entendo que o trabalho de ARP é importante porque traz as informações


para o SAAE tentar solucionar em relação às perdas, algum uso de água
indevido. Às vezes chega a informação de um vazamento ou de uma dificuldade,
uma irregularidade. Então a gente procura estar passando a informação para
a sessão certa, procura estar solucionando. É um trabalho de fiscalização, de
companheirismo. Nós que fazemos serviços externos, trabalhamos nas ruas,
vamos observando; às vezes damos uma orientação para um usuário que está
usando água indevida, jogando água na calçada, lavando um carro. A gente
procura orientar, explicando a importância do uso correto da água. É importante
a gente estar participando dessas oficinas. Estamos aprendendo mais alguma
coisa. É importante a gente ser lembrado. Muitos estão se sentindo lembrados.
João Carlos Ferreira, lotado no setor que faz o cadastramento de
ligações de água e as vistorias de esgoto, está há 11 anos no SAAE.

Quando vejo vazamento nas ruas, eu comunico à firma. A firma analisa, vai
lá e arruma. Eu fiscalizo os vazamentos. Ah, eu sinto orgulho de ser ARP.
Eu tenho 14 anos dentro da firma, e pensava que não servia para alguma
coisa. Depois eles me convidaram para participar da reunião dos ARPs e
pediram para a gente ser voluntário. Aí eu peguei e disse: “Tudo bem, eu
vou”. É que eu gosto de estar conversando, gosto de estar no meio do povo.
Faz uns 30 anos que eu moro no Bom Clima. Lá todo mundo me conhece. Eu
sou comunicativa. Onde eu ando, eu converso, eu puxo conversa. Eu passo
as informações para o pessoal, como é que funciona, como é que não.
Neide Ferreira, auxiliar geral, lotada na
recepção do Departamento de Projetos.

14
SANEAMENTO PARA TODOS

O operador de compressor prepara o asfalto, a rua, para poder fazer as ligações de


água e de esgoto. Eu achei interessante ser ARP porque ajuda nos problemas da
cidade. Resolve vazamentos, ajuda as pessoas a indicar como parar de vazar, passa
a informação para o pessoal da seção ir mais rápido arrumar, e não ter desperdício
de água. Ser ARP é importante. O pessoal dá valor mesmo. Ninguém critica nada.
Sou cidadão de Guarulhos há 30 anos. Morei em Mauá e Santo André, mas meus
pais são originários lá de Pernambuco. Eu acho que o programa está indo bem. O
pessoal está se empenhando, fazendo reuniões para se atualizar, para melhorar cada
vez mais. Se não acabar, vai diminuir bastante a perda de água. Não dá pra resolver
tudo rapidamente. Mas com o tempo dá para resolver. Estamos melhorando, por
exemplo, as mangueiras, trocando as mangueiras para ficar mais visíveis, quebrar
menos. As antigas quebravam fácil, eram de polietileno preto. Agora é azul.

Delmiro Ferreira da Silva, operador de compressor

Eu sou voluntário porque, com 15 anos dentro do SAAE, a gente conseguiu pegar uma
certa experiência. A gente sabe que a perda em Guarulhos é muito grande. Eu me
voluntariei justamente por causa disso, porque eu sabia que tinha alguma coisa a
dar ao município de Guarulhos e ao SAAE. Eu gosto muito, me dou muito bem
aqui na empresa. A gente procura sempre fazer uma parceria com o pessoal do
esgoto e com o pessoal da manutenção. Para quê? Para diminuir a perda de água.
Eu também sou um munícipe. Como eu trabalho muito na rua, procuro orientar
as pessoas: “Se tiver um vazamento, entre em contato com o SAAE”. Por quê?
Porque isso vai doer não nele mas sim nos filhos e nos netos dele, porque no amanhã
a gente sabe que a água doce do planeta vai diminuir muito. É muito gratificante
e muito objetivo ser ARP. Tem um lado positivo porque todo mundo te ouve. A
gente dialoga muito, troca muitas idéias nas reuniões, todo mundo consegue falar
a mesma língua. Já sentimos que o SAAE lucra com isso em tudo: materiais e
condições de trabalho. Gastando menos água, a gente consegue economizar e ter
menos dívida para poder pagar a água que compramos da Sabesp.
Roberto dos Santos, chefe de seção que faz ligações de água

Meu cargo de origem é trabalhador braçal. Estou no SAAE há quase cinco anos
e para mim foi um prazer participar como ARP. A gente tem visto informações
que antes não tinha. Isso tem ajudado muito porque a gente pode passar para os
próprios colegas de trabalho e para a população também a preocupação do SAAE
com as perdas. Se a gente puder controlar as perdas, o benefício maior é da
nossa própria cidade. Desde que eu me interessei por trabalhar no SAAE, a gente
sempre ouvia falar em privatização, “que vão vender, que não dá lucro”. Eu sempre
achei que o caminho da privatização não é a saída. A saída é procurar melhorar
aquilo que nós temos. Temos uma fonte muito boa, que é a água, importante
para a nossa vida. Se não procurarmos atingir a meta da redução de perdas vai
chegar um tempo que a gente não vai conseguir nem pagar aquilo que a gente
deve. É verdade que o resultado do programa está lento. Está precisando mais
ação. Hoje, cada setor toma conta da sua área. Na minha opinião, deveria ter um
departamento, uma divisão que cuidasse especificamente das perdas. Temos um
órgão que faz isso, mas a gente percebe que as funções ali estão acumuladas.
Júlio César Moraes, escriturário
15
A experiência de Guarulhos
$$$$$$$$$$$ $ $ $ $ $$ $ $ $ $$ $ $ $ $ $ $ $$$$$ $ $ $

$$$$$ $ $ $ A redução
$ $ $ $ $ $$ $ $ $ $ $ $ $$$$$$$$$
$ $ $ $ $ $de
um ponto percentual
$$$$$$$$$$$ $ $ $ $ $ $ $ $ $ $$ $ $ $ $ $ $ $$$$$ $ $ $

$$$ $ $ $ $ $ $ $ $significa
$$$$$$$$$$$ $ $ $ $ $$ $$ $ $ $ $ $ $R$ $$$$$$$$$$
$ $ $ $3$milhões $$ $ $ $ $$ $ $ $ $ $ $ $$$$$ $ $ $

economista Heral- passado foi de R$ 130 milhões, com a folha de pagamento,

O do Marcon trabalha
h á 1 7 anos na área de
saneamento, já tendo passado,
com um índice de perdas de
faturamento de mais ou menos
56%. Ora, se a meta de redução,
número bem abaixo dos limites
médios das prefeituras e de
companhias congêneres. Outros
por exemplo, pela companhia de 10%, fosse cumprida, estima- R$ 52 milhões nós pagamos à
de saneamento de Diadema. No se que a receita líquida cresceria Sabesp, de quem compramos
SAAE de Guarulhos desde 2001, para perto de R$ 160 milhões, cerca de 87% da água que
ele ocupa a diretoria comercial, um ganho de R$ 30 milhões. consumimos em Guarulhos. So-
financeira e de recursos huma- O raciocínio é válido porque há braram, portanto, R$ 23 milhões
nos, e tem uma visão muito re- demanda reprimida no município para os outros gastos, que
alista tanto dos problemas como e, assim, é possível estimar que incluem os serviços de tapa-vala,
das limitações para resolvê-los o volume de perdas de água informática, manutenção da
no curto prazo. recuperado será transformado frota de caminhões e automóveis,
em faturamento. Portanto, cada serviço de leitura de hidrômetros
Nesta entrevista procuramos ponto percentual de redução etc”.
saber por que a meta de redução de significaria quase R$ 3 milhões,
perdas de 10% não foi alcançada dinheiro que hoje faz muita falta. TROCA DE HIDRÔMETROS - Para
e quanto significaria reduzir Heraldo explica por quê. “Para este ano, projeta-se a arrecada-
cada ponto percentual. Heraldo uma receita bruta de R$ 143 ção bruta de R$ 175 milhões,
faz as contas rapidamente. A milhões no ano passado, nós dos quais R$ 58 milhões com a
receita líquida do SAAE no ano comprometemos R$ 58 milhões folha, R$ 52 milhões com a con-

Investimos bastante
em manutenção.
Trocamos mais ou menos
45 mil hidrômetros.
Heraldo Marcon

16
SANEAMENTO PARA TODOS

ta da Sabesp, R$ 38 milhões com terço do valor da conta normal que devem surgir na sociedade
o custeio e R$ 16 milhões com o para consumo de até 25 metros é assim: ‘Bom, vocês estão
pagamento de um precatório da cúbicos, tem se mostrado um pedindo para a gente economizar
Sabesp. De novo, portanto, não instrumento eficaz. “A tarifa água, mas olha só o nível de
sobrará praticamente nada para social tem dois objetivos: tentar perdas que vocês têm. O que é
os investimentos. “Precisaríamos colocar uma certa ordem nessas que vocês estão fazendo para
realmente ter uma melhora bas- áreas porque em algumas a não desperdiçar água?’ A gente
tante significativa no projeto de situação é bastante caótica, com precisa estar preparado para
redução de perdas para alavan- problemas de contaminação responder a isso”.
car a receita”, diz Heraldo. etc. O outro objetivo é trazer
esse pessoal para a cidadania. AVALIAÇÃO POSITIVA - Mais
TAREFA DIFÍCIL - Não é que não Dizemos assim: ‘Olha, a gente vai do que dar respostas, diz, é
tenha havido avanços, pondera botar água de qualidade, vai fazer preciso mostrar resultados. No
o diretor. A questão é que os a manutenção, vai cobrar uma cômputo geral, Heraldo avalia
avanços são ainda insuficientes. tarifa, só que você vai pagar. Só positivamente o programa de
Antes, as perdas na distribuição que é uma tarifa menor do que o redução de perdas. Diz que o
estavam no mesmo nível das restante da cidade paga. Portanto ritmo poderia ser mais acelerado,
perdas de faturamento. Com as você não tem desculpa para mas pondera que há uma série
providências tomadas pelo SAAE, não pagar’”. Heraldo acrescenta de limitações, tanto financeiras
essas últimas foram reduzidas que o SAAE oferece também como gerenciais.
para cerca de 48%. “Investimos alternativas para as famílias que
bastante em manutenção. acumularam débitos. “Para as
Trocamos mais ou menos 45 famílias que ganham até cinco
mil hidrômetros, a maioria com salários mínimos, há o desconto
mais de 15 anos de uso”. Heraldo na conta de água. E também dá
ressalta, no entanto, que essa para parcelar”.
providência, isolada, não é uma
boa alternativa, pois quando se Segundo Heraldo, ainda falta
troca o hidrômetro, a conta sobe uma perna para a política da
e amplia-se a inadimplência. tarifa social, porque, mesmo
Vários procedimentos precisam sendo menor, muita gente não
ser tomados simultaneamente: consegue pagar a conta. “Existe
a troca de hidrômetro, o corte hoje em nosso País a miséria
dos inadimplentes e a caça absoluta. O cara que não
aos vazamentos. Todos esses consegue pagar um real. Então
procedimentos exigem, no a gente precisa também ter uma
entanto, mais investimentos. Um alternativa para essa gente.
hidrômetro simples, da classe Pensamos em um fundo, em que
B, custa R$ 30,00. E, como diz as pessoas pagariam um pouco
Heraldo, seria preciso trocar mais para bancar os miseráveis.
mais de 100 mil. A questão é que Mas isso não foi para frente, eu
o SAAE não dispõe dos recursos acho que falta essa perna”.
necessários. “A gente fica naquela
brincadeira do cachorro correndo CAUTELA - Com relação à
atrás do gato. Mas precisamos externalização do programa
romper esse círculo”. de redução de perdas, Heraldo
tem uma posição de cautela.
Não é uma tarefa fácil. Heraldo “Eu acho que a gente precisa se
diz foi preciso também intervir estruturar melhor para poder
na cidade em favelas ou dizer à sociedade que temos um
assentamentos irregulares, programa que está em curso,
com os clássicos problemas de em funcionamento, construir e
abastecimento de água e falta mostrar os indicadores, e poder
de esgotamento sanitário. A assumir compromissos. Porque,
criação da tarifa social, com um certamente, uma das perguntas

17
A experiência de Guarulhos

Olhares múltiplos
“Só o que toca o coração e harmoniza

Adélia Prado
os sentimentos é capaz de provocar

sintonizados
nas perdas
comportamento ecológico”

Sonia Maria Dias1

cada vez maior o grito das águas, clamor de denúncia sobre a precária
É situação da disponibilidade de água no planeta. Grito que nos alerta
para os riscos de poluição das reservas de água doce. Fonte primordial
de vida, a água é um recurso finito que estamos dilapidando a passos largos.
O grito das águas nos conclama a um constrangimento ético: somos todos
co-responsáveis no equacionamento do problema – instituições públicas e
privadas, entidades da sociedade civil, cidadãos do planeta. Devemos todos
dar a nossa contribuição.

É essa conjugação de forças que pudemos observar dentro do SAAE de


Guarulhos, no processo estabelecido de mobilização social para a redução
e controle de perdas de água. A mobilização dos funcionários partiu da
premissa de que não basta atingir a razão para que as pessoas mudem seus
hábitos: é preciso atingir corações e mentes! Seguindo o poema: é preciso
harmonizar os sentimentos para que as pessoas se engajem em atitudes
ecológicas.

E os funcionários se engajaram: se voluntariaram enquanto Agentes de Redução


de Perdas (ARPs) e participaram de um rico processo de estabelecimento de
diretrizes de combate à perdas de água no seio do Comitê de Redução de
Perdas. Uma pesquisa de opinião aplicada em outubro de 2004 em 169
funcionários através de um questionário. e realizada na entidade permitiu
ver como o conjunto dos funcionários percebeu o processo de mobilização
social. A pesquisa foi um dos instrumentos usados para se aferir a visibilidade
do programa de perdas, qual o nível de socialização das informações sobre o
mesmo e a receptividade quanto ao processo participativo posto em marcha
a partir da introdução do componente de mobilização social. Foi também
uma oportunidade para o envolvimento dos Agentes de Redução de Perdas,
tanto na formatação da pesquisa, quanto na aplicação dos questionários.

1
Socióloga, consultora do PMSS.

18
SANEAMENTO PARA TODOS

A pesquisa revelou que o progra- de seus respectivos setores, rodas


ma de redução de perdas vive um de prosa, teatro, cartazes, painéis
momento de crescente visibilidade etc), num processo contínuo e
entre o conjunto dos funcionários. ininterrupto.
Alguns dados: 83% dos funcioná-
rios sabiam da existência do Co- Vozes que respondem ao “grito
mitê de Perdas; 59% conheciam das águas”, quando a instituição
o significado da sigla ARP, em que abre espaço para o exercício da
pese ser essa uma função relati- co-responsabilidade. Isso é o
vamente nova dentro do programa que a experiência de Guarulhos
(criada a partir das oficinas seto- vem mostrando conforme
riais em março de 2004) e 9% identificado na pesquisa de
têm uma idéia, embora vaga, do opinião. É preciso acreditar
que sejam os ARPs; 51% dos res- na capacidade das pessoas se
pondentes souberam informar o mobilizarem em torno de seus
índice correto de perdas do SAAE. desejos. É preciso, no entanto,
A chamada radio-peão ou o boca- manter o processo fluindo para
a-boca parece ter sido o meio mais que possamos assegurar (a partir
eficaz de transmissão de informa- da conservação desse líquido
ções sobre o programa de redução precioso) que as gerações futuras
de perdas, já que à pergunta sobre ainda poderão conclamar uns aos
a forma como usualmente se rece- outros para que
be informações sobre o mesmo, os
resultados apontaram em primeiro Escutem os rios
lugar “através dos colegas” segui- os risos chegando,
do de “através dos ARPs”. das águas correndo,
das pedras cantando!2
A pesquisa registra não só a cres-
cente visibilidade, o reconhecimen- Esse é um futuro para se sonhar
to da importância e a percepção e construir juntos!
dos funcionários sobre o programa
como, também, a participação
direta dos mesmos em diversas
ações de notificação, fiscalização e
agilização do trabalho e nas ações
relativas à racionalização do uso
de materiais e de sensibilização.

A pesquisa de opinião aponta,


também, para o fato de que é pre-
ciso refinar mais esse processo de
envolvimento dos funcionários na
gestão integrada e participativa do
programa de perdas da instituição.
Dois pontos poderiam ser destaca-
dos: a necessidade de uma maior
precisão do papel dos ARPs e a ne-
cessidade de se avançar mais em
relação às estratégias de comuni-
cação intersetoriais e de socializa-
ção de informações a nível interno,
com o uso simultâneo de diversos
2
meios (intranet, quadro de avi- Do poema “Verdes e Vozes”
so, folhetos, fóruns, informativos, extraído do livro Ver de Ver de
reuniões de ARPs com funcionários Maria Dinorah.

19
“O percurso que a gente fez no ano passado
Mobilização social, foi de construção, era inaugural. Ninguém sabia o que
era um ARP. Muitas coisas eram novidade inclusive para a
um processo em consultoria. Fomos aprendendo juntos.”

construção “Precisamos agora fazer uma análise


OFICINAS ENVOLVERAM CERCA DE mais profunda dessa dinâmica social
1.100 FUNCIONÁRIOS E FORMULARAM
para podermos tirar lições de como
PROPOSTAS QUE RESULTARAM NAS
DIRETRIZES QUE CIMENTAM O desenvolver trabalhos intersetoriais
PROGRAMA DE REDUÇÃO DE PERDAS e criar, enfim, uma cultura organizacional
participativa e sustentável”.
Um dos colaboradores que formataram a Mo-
bilização Social do Programa de Redução de Perdas de Cascão diz que o mesmo processo ocorreu
Guarulhos é o consultor do PMSS Rodolfo Cascão Inácio. com o Comitê responsável pela direção do processo. “O
Educador e mobilizador social, e, como ele mesmo diz, Comitê foi aprendendo a trabalhar com as diferenças,
“engenheiro por acidente de percurso”, coube a Cascão os vários setores trocaram figurinhas, enfim, houve um
o papel de facilitador do Comitê no processo de sensibi- avanço estupendo no sentido da coordenação de ações
lização dos funcionários do SAAE para a causa do comba- e no sentido de vencer a insegurança em lidar com os
te às perdas. ARPs”. E arremata com um trocadilho: “O lema no ano
passado era aprender a não perder. Por isso, o patrimô-
A avaliação que faz de todo o processo é positi- nio de motivação não pode se perder.”
va. Cascão descreve como um dos momentos mais ricos
e integradores a realização das oficinas que envolveram Como educador, Cascão afirma que a apren-
cerca de 1.100 funcionários da autarquia e que formu- dizagem se constrói com perseverança e teimosia, com
laram, inicialmente, mais de 400 propostas, as quais re- um processo constante de encontros, capacitações, ati-
sultaram nas 10 diretrizes que cimentam o programa. vidades, planejamento e muita avaliação. Assegura que
Cascão comenta, no entanto, que embora o processo o diálogo permanente e uma sistemática de encontros
seja positivo, as circunstâncias naturais do processo de entre os vários atores do SAAE – funcionários, ARPs,
eleições municipais, ocorrido no ano de 2004, criaram Comitê, Diretoria – são peças chaves para o sucesso do
um descompasso no ritmo do programa, que precisa, Programa de Combate a Perdas. “Eu tenho uma con-
agora, ser recuperado, de forma a possibilitar que ocor- vicção: apesar dos investimentos necessários na área
ram as definições ainda pendentes quanto aos rumos do técnica e de engenharia, não acredito que se combata
processo. as perdas pra valer sem o amplo envolvimento dos fun-

20
SANEAMENTO PARA TODOS

cionários.” Assim, reitera, “é preciso estar vigilante para biente. É que pretende fazer um trabalho mais abrangen-
que não ocorra queda no ritmo dos encontros e reuniões te, levando a discussão das questões ambientais para as
dos ARPs”. ruas da cidade.

O consultor do PMSS diz que a comunicação Fazer a ampliação do Programa de Redução


e a arte são importantes para o bom desempenho de um de Perdas parece ser um dos grandes desafios enfren-
programa de envolvimento funcional e cita o teatro e o tados pela direção do SAAE. Na verdade, a autarquia já
boletim ‘Aprender a não perder’, que foi um dos veícu- desenvolve muitas ações externas, com a área de comu-
los que nasceram no processo de mobilização. “Vejo o nicação social, com a relação comunitária e colaborando,
teatro como uma potente ferramenta para desenvolver por exemplo, com o programa de educação ambiental
um processo de ensino/aprendizagem não pelo cerebral, nas escolas da rede municipal. No entanto, um proces-
mas pelo coração”, diz. “O teatro faz com que as pesso- so de definição quanto ao momento mais apropriado de
as se sensibilizem e se apaixonem pelas grandes causas. mobilizar a população para a redução de perdas exige
Além de ser uma ferramenta pedagógica, é uma forma reflexão aprofundada dos dirigentes. Podem ocorrer di-
de falar para o mundo que, às vezes, linguagens como a vergências. Os mais cautelosos tendem a achar que o
científica não conseguem. É uma forma de conhecimen- operador deve demonstrar que é capaz de controlar as
to”. perdas de maneira mais eficiente, antes de pedir aos usu-
ários para conter seus desperdícios. O SAAE venceu esse
Ele conta também que logo no início identificou momento e o Programa vai para a rua.
meia dúzia de atores potenciais entre os funcionários do
SAAE e que o esquete que apresentavam nas primeiras Cascão lembra que a mobilização externa para
oficinas foi muito bem recebido “pelo público e pela crí- o combate e redução das perdas sempre esteve coloca-
tica”. Meses depois, já nos encontros dos ARPs, outros da, e que a sua implementação só irá fortalecer o diálogo
esquetes nasceram de maneira improvisada. Os parti- com a cidade, que já vem de anos. “Quando as engrena-
cipantes resolveram institucionalizar o grupo, batizado gens começarem a funcionar com essa nova dinâmica,
de Grupo de Mobilização Teatral ‘Aprender a não perder’. haverá mais gente credenciada para ir às ruas. Quando
Para isso, apresentaram à direção da autarquia um pro- você vai para a cidade, você vai para o inesperado. Ali
jeto completo, solicitando figurino, maquiagem, espaço, você recebe grandes críticas, mas também enormes
tempo de ensaio e preparação. O pedido foi integral- adesões. A corporação do SAAE precisa sentir-se segura
mente aprovado, possibilitando, no final do ano, a mon- para lidar com isso, é natural, mas há que ter um pouco
tagem da peça “A peleja do SAAE de Guarulhos contra de ousadia para enfrentar o diálogo”.
o João Gastão”. “É uma trama maluca na qual são tantas
as dificuldades para combater as perdas que o jeito foi Para finalizar, o consultor afirma:
chamar Lampião e Maria Bonita para resolver a peleja”,
adianta (ver página 25). “A mobilização social é inquieta, não pára
No momento, o grupo está inativo, enquanto nunca, é feita de altos e baixos, é um
amadurece uma parceria com a Secretaria do Meio Am-
processo em construção permanente.”

21
A experiência de Guarulhos

Programa de redução de
perdas exige
mudança cultural
Rodolfo Alexandre Cascão Inácio*

istoricamente, os progra- informativo ou, quando da produção bruta e se conclui com a utilização da

H mas de controle e redução


de perdas de água têm sido
focados nas ações técnico-operacio-
de eventos - como a Semana da
Água - são episódicas. As atividades
sistemáticas e de caráter educativo
água tratada. Conseqüentemente,
um programa eficiente e sustentável
exige a construção de objetivos
nais (macromedição, instalação de são dirigidas à rede escolar dentro comuns e ações articuladas de
novos hidrômetros, modernização do entendimento que as crianças todos os funcionários do prestador
de trechos das redes de distribuição e jovens assimilam com mais de serviços e de todas as classes
etc.) e/ou em campanhas educati- facilidade propostas de mudança de usuários do sistema de
vas de uso racional da água para os comportamental. abastecimento.
usuários. Esses programas demons-
traram uma eficácia limitada já que, MUDANÇA CULTURAL - Entre- A mobilização social passa então a
muitas vezes, os resultados imedia- tanto, essas iniciativas têm se mos- assumir um papel decisivo, não só no
tos decorrentes da sua implantação trado insuficientes para configurar gerenciamento integrado das perdas
não permanecem sustentáveis a mé- programas solidamente instituídos. de água e do uso de energia elétrica
dio e longo prazo. Hoje, os especialistas manifestam nos sistemas de abastecimento,
cada vez mais a visão de que um mas na criação de uma cultura
Alguns prestadores de serviços, programa de redução de perdas de conservacionista que garanta a
especialmente através de assessorias água e de eficiência energética é, de preservação e a qualidade da vida
de comunicação, vêm empreendendo fato, um processo de mudança cul- para todas as espécies existentes no
programas de Educação Ambiental tural que deve ser internalizado por planeta.
com a realização de campanhas, todos os funcionários do prestador
cursos, oficinas, eventos e publicações de serviço e disseminado na socie- A dimensão organizativa da mobili-
visando o uso racional da água. São dade. zação social coloca a necessidade de
iniciativas importantíssimas e nelas implementar a gestão compartilhada
podemos destacar dois aspectos. As perdas existem ao longo de todo o no processo que supere algumas di-
As ações voltadas aos usuários processo de abastecimento de água, cotomias tais como: planejadores X
e à comunidade são de caráter que se inicia na captação da água executores; social X técnico, abrin-

22
SANEAMENTO PARA TODOS

do espaço, assim, para a construção Comitê é composto de chefias e/ 2° momento: sensibilização da


de um programa de conservação ou técnicos estratégicos e tem um direção sobre o processo e ajuste do
a partir de múltiplos olhares. Isso membro da alta direção (diretor, as- plano de mobilização com a definição
implica a participação intersetorial sessor, chefe de gabinete...) no papel das regras do jogo.
desde o estágio de concepção até a de coordenador.
implementação, inclusive em sua re- 3° momento: encontro de
lação comunitária. 2º momento: o comitê faz um diag- sensibilização das chefias agregando
nóstico das causas das perdas e ela- contribuições para o plano de perdas
OS NÍVEIS - Explicitamos abaixo bora um plano de controle e comba- e o plano de mobilização.
os níveis da gestão compartilhada te a perdas PI-1 (plano integrado 1)
proposta para o programa, bem que é uma proposta aberta. 4° momento: oficinas setoriais com
como as fases indicativas as quais o todo o corpo de funcionários para
processo pode trilhar. 3º momento: de forma incipiente, sensibilização sobre a questão da água
Vale ressaltar que todo processo de o Comitê leva à prática as ações no Brasil e no mundo, apresentação
mobilização social, embora parta de dentro da sua governabilidade, passa do plano integrado proposto PI-1,
pressupostos metodológicos que o a ter uma atuação intersetorial e identificação de problemas locais
norteiam, é gestado na dinâmica so- estabelece um diálogo permanente e gerais e discussão de propostas
cial e requer um processo contínuo com chefias e direção. de controle e combate às perdas.
de readequações. O que significa di- Fase de envolvimento dos Acorda-se uma meta de redução
zer que ele é fruto do contexto no funcionários - Quando o comitê já dentro de um prazo estabelecido.
qual ele se insere, das forças motri- tem um certo grau de integração e Nessas oficinas são identificados os
zes do processo, das oportunidades uma plataforma básica de trabalho, Agentes de Combate ao Desperdício
que se apresentam e das possibilida- já pode estabelecer um diálogo (ACPs) ou Agentes de Redução de
des de execução. Em outras pala- qualificado com os funcionários. Perdas (ARPs), cuja participação é
vras, não há receita de bolo: as fases voluntária. Esses agentes devem ter
são sugestivas e dependem o tempo 1° momento: o comitê elabora uma cota de liberação por suas chefias
todo de tomadas de posição inteli- um plano de mobilização como para a participação em encontros e
gentes, criativas e particularizadas. estratégia de envolvimento de toda atividades específicas.
A ação externa com a população, a corporação. As oficinas setoriais apresentam um
para citar uma possibilidade, pode banco de proposições vindas da
caminhar conco- base.
mitante a do en-
volvimento dos 5° momento:
funcionários. encontros dos
Fase de consti- ACPs, Comitê
tuição do Comi- e Direção para
tê – O prestador socialização das
amadurece para propostas de
o enfrentamen- base; discussão,
to das perdas de incorporação e
forma institucio- revisão do PI1
nal. e ratificação de
um plano inte-
1º momento: a grado participa-
direção do pres- tivo PI2; além de
tador se vê sen- estabelecer uma
sibilizada pelo revisão da mo-
combate às per- bilização social
das (leituras, inclusive visando
eventos, visitas a uma atuação ex-
outras experiên- terna.
cias, diagnósticos
internos...) e re-
solve constituir
um comitê. O

23
A experiência de Guarulhos

6º momento: o comitê passa a de parcerias é o que possibilita a


incorporar os ACPs nas atividades constituição de sujeitos do processo
de planejamento e monitoramento numa dinâmica permanente de
das ações visando atingir as metas planejamento de ações e de controle
propostas. O estabelecimento de social.
indicadores é fundamental para
medir o avanço do processo. Como esse processo é uma
Fase orgânica do combate às mobilização e revisão de idéias,
perdas - O processo caminha para valores, comportamentos e hábitos
uma espiral de mobilização com a extremamente arraigados, tem se
ressonância das várias ondas: direção apostado numa linguagem lúdica,
 chefias  comitê  ACPs  imagética e artística para contribuir
funcionários. E transborda para uma na mudança de cultura presente na
ação externa com a cidade. sociedade, e um desses recursos de
sensibilização tem sido o teatro.
1º momento: seminários de balanço
de metas e replanejamento com Ao se instituir um processo de
todos os funcionários. mobilização social em caráter
dinâmico e permanente agrega-
2º momento: estabelecimento de se valor às ações de engenharia já
um plano de mobilização externa tradicionalmente empreendidas
com a comunidade no intuito de combate às perdas de água,
da conservação dos mananciais com o fim de alcançar um maior
e de combate às perdas e ao envolvimento dos funcionários das
desperdício. prestadoras de serviços, estimular
o trabalho intersetorial e sensibilizar
3º momento: o plano integrado a população para a sua co-
participativo é permanentemente responsabilidade na gestão das águas
avaliado, ajustado e replanejado, no âmbito das bacias hidrográficas.
desdobrando-se em programas
e subprogramas que respondem
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS -
a visão estratégica que o coletivo
coloca como mais prioritário e 1.TORO, A. J. Bernardo. Mobilização
possível naquela conjuntura dada. Social: um modo de construir a
democracia e a participação.
CONCLUSÃO - A mobilização MA / UNICEF. Brasília, 1997.
social, de acordo com Bernardo 2.INÁCIO, Rodolfo Alexandre
Toro, visa convocar vontades para Cascão. A inserção da
um bem comum. O processo mobilização social na limpeza
mobilizatório explicita uma prática urbana de Belo Horizonte.
social integradora, com as pessoas Seminário Internacional:
se juntando, discutindo e atuando o futuro da cidade latino-
coletivamente para resolver um americana. ONU / PNUMA /
problema que as aflige. Aqui emerge HABITAT / PBH. Belo Horizonte,
tanto uma dimensão educativa 1995.
quanto organizativa. 3.FREIRE, Paulo. Pedagogia do
Oprimido. São Paulo: Paz e
É vital que no processo se constituam Terra, 1997.
instâncias organizadas para garantir 4.MATUS, Carlos. Adeus senhor
a sustentabilidade do programa, a presidente. Litteris editora.
exemplo dos comitês e da criação Pernambuco, 1989.
da figura dos agentes de combate
ao desperdício. Essa prática de *Com a colaboração das consul-
trabalho em rede através de diálogos toras Mara da Silva Rosa, Rosalva
intersetoriais e de construção Alves Portella e Sonia Maria Dias

24
A
L ucas ARP, um agente de redução
de perdas, anda perdendo o
sono com as estripulias de João
Gastão, um dos grandes responsáveis
pelos 56% de perdas de água no

peleja
município de Guarulhos. Após
rigorosas investigações localiza a
casa do perdulário e faz todo tipo de
pressão sobre ele. Matreiro, esperto,
João Gastão utiliza a sedução de
sua mulher, Raimunda, para tentar
ludibriar o funcionário do SAAE.
Lucas recebe, então, uma ordem
superior: para eliminar um problema
tão difícil como o João Gastão, só
mesmo apelando para Lampião
do SAAE
contra
e Maria Bonita. Os cangaceiros
aparecem em nova versão e, após um
entrevero, os personagens concluem
que a violência não resolve a questão:
só a união de todos poderá um dia
diminuir o desperdício e as perdas
de água na cidade.
João
Gastão
Esse é o enredo da peça bem
humorada do Grupo de Mobilização
Teatral ‘Aprender a não perder’.
O grupo, constituído de
servidores voluntários, foi formado
durante o processo participativo de
2004. Alguns atores destacaram-se
nas oficinas setoriais ocorridas em
março e abril daquele ano, quando se
apresentava um esquete na abertura
dos trabalhos.
Os atores foram treinados em
artes cênicas por Cascão, consultor
do PMSS e especialista em arte
mobilização. Daí resultou a peça da
peleja do SAAE contra João Gastão,
criada coletivamente. Cascão redigiu
o texto final da peça cuja produção
ficou por conta de Adriana, da
Educação Ambiental.
Durante o mês de dezembro de
2004, a peça foi apresentada nas uni-
dades de trabalho do SAEE nos vários
bairros da cidade e teve a função de
sensibilizar os funcionários do SAAE
para o Programa de Redução de
Perdas. Os atores Jaime (Segurança
Patrimonial), Edna (Educação Am-
biental), Tatiana e Samuel (Relações
Comunitárias) tiveram que mostrar
versatilidade nas encenações em pá-
tio aberto, dentro de corredores ou
no auditório da prefeitura. A aceita-
ção foi enorme entre os 600 funcio-
nários que assistiram ao espetáculo.

25
A experiência de Guarulhos

CENA 6 – CANGACEIROS e pra combater as perdas e pra combater as perdas


eu saí lá do Nordeste ou aparece o João agora
No meio da platéia, ao som da música atrás dum cabra da peste (pegando um punhal)
“Acorda, Maria Bonita” aparecem (procurando) ou lavro a multa na hora
Lampião e Maria Bonita procurando o safado João Gastão e a senhora assina
o rei do desperdício (“Cadê o João
Gastão? Oxente, alguém conhece um Raimunda: (De trás da cortina sai João Gastão de
sujeitinho desperdiçador chamado João peruca, fantasiado de mulher,
Gastão?”). João Gastão no palco, ao Bem-vindo seus cangaceiros falando com voz efeminada)
aqui no meu alojamento
perceber os cangaceiros, se esconde
ainda bem que vocês vieram João Gastão:
atrás de uma cortina, tremendo. combater os vazamento
Lampião e Maria Bonita vão ao que o SAEE com todo esforço Ai meu Deus, que emoção
centro, conversam com a Raimunda, e demora no atendimento que no meu coração brota
começam o repente: e reclama que ainda falta conhecer o Virgulino
o tal geofonamento e a sua linda cocota
Maria Bonita: que viero lá do céu
e pra combater as perdas pra tirar o Gastão da rota
Meu povo aqui presente tem que pegar o João Gastão mas tem que pegá o cabra
preste muita atenção só que não sei dele não sem ficá nessa lorota
viemo lá dos inferno e num tô com fingimento
do Satanás e do Cão
a chamado aqui do SAAE Maria Bonita:
que tá com um problemão
tem mais água que se perde Olha aqui dona Raimunda
do que água pro povão veja lá s’eu sô cretina
o que é que tá agarrado
e pra combater as perdas bem atrás dessa cortina
eta coisa esquisita e eu quando entrei na casa
contrataro Maria Bonita vi coisa que num combina
(fazendo apresentação) sinal que vocês fizero
e o jagunço Lampião a ligação clandestina

Lampião:

Moradores de Guarulhos
é grande a satisfação
de tá aqui nessa cidade
de um povo que é muito bão
mas num saco de batata
tem uma que é podridão
e pra esse desperdiço
(tirando a peixeira)
eu empunho meu facão

26
SANEAMENTO PARA TODOS

pois pra combater as perdas (Todas as três se juntam indignadas e As três juntas:
olha aqui Guilherme Tell vão alternando as falas)
(falando pra Lampião) E pra combater as perdas
tem que ter o Nextel João Gastão: tem que ir é de mansinho
e renovar a nossa frota com amor e com carinho
Vixe Santa Benedita melhorando a integração
Lampião: Ave, que provocação
(Agora, todos os quatro entram no
Oxente, muito obrigado Raimunda: desfecho final)
Pelo que a senhora fala
Mas temos que assuntá Num aceitamo violência Lampião:
Que dinheiro tem na mala e nem discriminação
A dívida da Sabesp Vocês três me convencero
É maior que essa sala João Gastão: de acabá co João Gastão
Como o povo num paga em dia só pegando a parte técnica
o SAAE tá indo pra vala As muié quem mais preocupa juntando coa educação
com a conscientização
E pra combater as perdas Maria Bonita:
chega desse nhenhenhé Maria Bonita:
num é coisa de muié Trabalhando nas favelas
(puxando um trabuco) Sai pra lá com esse machismo e na micromedição
eu resolvo é na bala! tá por fora Lampião
João Gastão:

Ora olhando o cadastro


ora a setorização

Raimunda:

Cada um faz sua parte


nesse grande mutirão

Todos:

E pra combater as perdas


só juntando os ARPs
junto com o Comitê
E toda a população

A
peleja
27
A experiência de Guarulhos

A dinâmica da
engenhoca
No final de cada oficina,
os ARPs foram convidados a avaliar as discussões do dia
de maneira inusual.
Ao mesmo tempo em que expunham suas opiniões,
colaboraram com a complementação de uma escultura
feita de tubos e conexões.
Escolhiam no chão uma das peças soltas
e tentavam conectá-la à “engenhoca”,
como passaram a chamar a escultura.
Se alguém tinha pouca habilidade,
era ajudado pelos colegas.
Foi um exercício divertido,
que ajudou os funcionários a refletir sobre
a importância do trabalho coletivo.

28
SANEAMENTO PARA TODOS

A Fase II do Programa, em 1998, médio e longo prazo, detalhou ações


incluiu a produção e publicação e atividades prioritárias, determinou
de mais quatro DTAs, além da estratégias de implementação e
implantação de um sistema de definiu períodos de realização
COMBATE AO acesso via Internet. Como parte
da Fase II foi realizado o 1º Curso
e agentes envolvidos nas ações.
Foram produzidos subsídios para a
DESPERDÍCIO Básico de Combate ao Desperdício
de Água em Brasília (dezembro/99).
orientação de atividades e alcance das
metas propostas para as principais
DE ÁGUA Com início em 1999, foi realizado
linhas estratégicas do programa,
tais como o conjunto de atividades
o Projeto Piloto do PNCDA em e estratégias para implementação da
Juazeiro da Bahia. O Projeto teve a terceira fase do PNCDA e uma lista
finalidade de implementar melhorias de potenciais entidades parceiras .
práticas no Serviço Autônomo
romover o uso racional de Água e Esgoto (SAAE) local. Na Fase III do PNCDA, por meio

P da água de abastecimento
público nas cidades brasileiras
é a missão do Programa Nacional
Foi constituído dos seguintes
subprojetos:
de Convênio entre a SNSA e a
Fundação de Apoio à Universidade
de São Paulo (FUSP), vários
de Combate ao Desperdício de . Modernização do Cadastro Técnico; DTAS foram elaborados e outros
Água (PNCDA), instituído em . Estudo de Setorização e revisados.
abril de 1997, e desenvolvido pela Macromedição do Sistema;
Secretaria Nacional de Saneamento . Modernização do Cadastro Comercial; Ainda no âmbito da fase III do
Ambiental do Ministério das Cidades. . Avaliação do Nível de Erro de Programa, no projeto de Estratégias
Entre seus objetivos está a melhoria Hidrômetros Existentes; de Educação e Comunicação, em
da saúde pública e a maior eficiência . Avaliação Comparativa de 2003, foram oferecidos cinco cursos
dos serviços de saneamento. A Hidrômetros Classes C e B; de capacitação em combate ao
conquista de melhor produtividade . Avaliação de perdas de água em desperdício de água a uma clientela
dos ativos existentes permite, é ligações prediais; diversificada (operacional e gerencial)
claro, o adiamento de parte dos . Influência da Redução de Pressão nas de prestadores de serviços das cinco
investimentos para a ampliação dos Perdas da Distribuição; regiões do País.
sistemas. . Pesquisa de Vazamentos não Visíveis; e
. Avaliação do Volume de Água de Os DTAs podem ser acessados na
De maneira específica, o Programa Processo Utilizado na ETA. página eletrônica do Ministério das
define e implementa ações e instru- Cidades (www.cidades.gov.br) no
mentos tecnológicos, normativos, O enfoque principal dos subprojetos ícone de Programas e Ações da SNSA.
econômicos e institucionais com esteve voltado para a gestão dos A página do PNCDA tem interface
vistas a uma efetiva economia dos serviços do SAAE, tendo como amigável, que oferece, além das
volumes de água demandados para premissa essencial a redução das informações técnicas (documentos
consumo nas áreas urbanas. perdas de água. Além disso, o Projeto produzidos pelo PNCDA e demais
Piloto contribuiu para a qualificação documentos correlatos), uma parte
Executando hoje a sua Fase III, nas dos técnicos do SAAE e a integração de notícias, eventos e campanhas de
Fases I e II o programa concentrou de seus diversos setores em torno combate ao desperdício.
esforços no apoio ao desenvolvi- do tema “perdas de água”.
mento, à transferência e à dissemi-
nação de tecnologia, em articulação Em agosto de 2003 foi realizada em
com outros programas federais e Brasília a Oficina de Planejamento
apoiando os Planos de Combate ao do PNCDA, que consistiu num
Desperdício de Água. fórum de especialistas de todo
o País – consultores externos,
Durante a Fase I, executada em 1997, técnicos do Ministério das Cidades e
foram discutidos 16 Documentos instituições parceiras – para debate
Técnicos de Apoio (DTAs), que sobre as estratégias do Programa
refletiram a retomada de estudos e refinamento de seus elementos
abrangentes na área. chave. A Oficina levantou metas
qualitativas e quantitativas de curto,

29
A experiência de Guarulhos

Além do apoio direto ao prestador


de serviços, operando segundo
o modelo de gestão vigente, a
PARCERIA
COM
PMSS
assistência do PMSS estuda arranjos
alternativos de gestão, que permitam
o fortalecimento do prestador atual
dos serviços e que também abram
O PROCEL
possibilidades para que o governante Ministério das Cidades
explore novos modelos com vistas a
enfrentar o quadro de dificuldades
em que se encontra os serviços de
O firmou, em 2004, pro-
tocolo de cooperação
com o Ministério das Minas e
m dos principais projetos saneamento. Energias com o objetivo de desen-

U da Secretaria Nacional de
Saneamento Ambiental
(SNSA) do Ministério das Cidades,
Um ponto fundamental na sua
metodologia adotada é o de que todo
volver ações integradas no campo
da conservação de água e energia
elétrica em sistemas de saneamento
tem suas ações voltadas para a o processo de apoio às intervenções ambiental. Os trabalhos da coopera-
criação das condições propícias de mudança e melhoria dos órgãos e ção desenvolvem-se por intermédio
a um ambiente de mudanças e entidades do setor de saneamento, de três Programas, sendo dois da
de desenvolvimento do setor em especial dos prestadores de Secretaria Nacional de Saneamento
saneamento no país. serviço, esteja vinculado a propósitos Ambiental (PMSS e PNCDA) e um
e compromissos claros de mudança da Eletrobrás/MME, o Programa
Sua pauta principal é o apoio por parte dos demandantes. O apoio de Conservação de Energia Elétrica
técnico para o desenvolvimento de tem continuidade na medida em que (PROCEL).
mudanças nos órgãos e entidades, as avaliações demonstrem avanços na
especialmente os prestadores de obtenção de resultados, expressos na A parceria tem apoiado impor-
serviço. O propósito é melhorar a melhoria de desempenho, conforme tantes ações para o melhor uso
qualidade e o nível de eficiência e os objetivos acordados. de água e energia nos sistemas de
eficácia de suas ações, condição básica saneamento do País, com ênfase
para universalização dos serviços. A assistência técnica do PMSS na extensa programação de cursos
Neste sentido, são potenciais é precedida de uma negociação para capacitação e sensibilização de
beneficiários do PMSS: o Estados política, que estabelece as diretrizes técnicos, corpo gerencial e dirigentes
e Municípios, na formulação de gerais e identifica as principais dos operadores públicos brasileiros
políticas públicas e desenvolvimento demandas. Como resultado dessa (companhias estaduais e serviços
de planos de saneamento; as negociação, são celebrados Acordos municipais). Para a realização dos
instâncias de regulação e fiscalização, de Cooperação Técnica (ACT) cursos, a cooperação estendeu-se
na implementação de atividades entre a entidade beneficiária e o também à Associação Brasileira de
regulatórias e de controle social; e os Ministério das Cidades, sem ônus Engenharia Sanitária e Ambiental
prestadores públicos de serviços, na para a beneficiária. (ABES), que desenvolve os cursos
sua revitalização e reestruturação. em todo o País, numa programação
A segunda etapa do Programa de dois anos, iniciada em 2004.
É nessa última linha de ação que o – o PMSS II – é resultado do
PMSS vem apresentando, nos últi- Acordo de Empréstimo n° 4292- Outra importante iniciativa
mos dois anos, uma forte mudança BR, celebrado em 16.06.1999, entre da cooperação tem sido o
conceitual, privilegiando os operado- o Governo Brasileiro e o Banco desenvolvimento de doze projetos
res públicos, sejam eles companhias Internacional para a Reconstrução e demonstrativos de Conservação
estaduais ou serviços municipais. O o Desenvolvimento - BIRD, devendo e Uso Racional de Energia Elétrica
foco de sua atuação tem sido a rees- ser executada até outubro de 2007. e Água no Setor de Saneamento
truturação dos prestadores públicos, Ambiental. Selecionados em
apoiando ações nas áreas institucional, Informações a respeito do PMSS Chamada Pública, entre 57 projetos
operacional, administrativa, financeira, podem ser obtidas pelo e-mail de empresas municipais e estaduais,
comercial e jurídica. O Programa tem pmss@pmss.gov.br, ou diretamente têm por objetivo desenvolver ações
se concentrado na assistência às com- pelo telefone (61) 3322-7170, da integradas de redução de perdas
panhias estaduais, sobretudo do Nor- Unidade de Gerenciamento do de água e do consumo de energia
te e Nordeste, mas também do Sul. Programa (UGP). elétrica em sistemas públicos de
abastecimento de água.

30
SANEAMENTO PARA TODOS

É necessário adotar um modelo des centros urbanos, pressionando a demanda,


sustentável de gestão de perdas* fizeram com que soluções pragmáticas fossem
Ernani Ciríaco de Miranda** adotadas, como ampliar a carga dos sistemas
existentes por meio de estações de bombeamento

O
planejamento da oferta de serviços públi- e estender as redes até áreas sem atendimento,
cos de abastecimento de água no Brasil geralmente localizadas nas periferias.
ganhou impulso a partir da criação do
Planasa (Plano Nacional de Saneamento), institu- Observa-se que a soma de fatores criou, então, o
ído em 1971 pelo Banco Nacional de Habitação ambiente propício ao crescimento descontrolado
(BNH), o qual, do ponto de vista da ampliação da das perdas de água nos sistemas de abastecimento.
cobertura dos serviços, permitiu avanços consi- Essas perdas alcançaram patamares elevados
deráveis ao setor de saneamento do País. e tornaram-se um dos maiores problemas
dos sistemas de abastecimento de água do
Desde aquela época, a demanda por serviços de País. Segundo dados do Sistema Nacional de
saneamento fez-se mais forte nas áreas urbanas, Informações sobre Saneamento (SNIS), em 2003,
por concentrar maiores problemas relativos à o índice médio de perdas de faturamento no Brasil
saúde pública e ao meio ambiente, conseqüência foi de 39,4%, enquanto que o indicador médio das
evidente do crescimento populacional acelerado. perdas na distribuição foi de 502,3 litros/ligação/
Segundo dados do IBGE, a cobertura passou de dia.
45,7% em 1970 para 81,2% em 1991.
Em que pese os altos índices de perdas verificados
Os investimentos em saneamento, seguindo o atualmente, há muitos anos o combate
modelo da maioria das obras de infra-estrutura aos desperdícios de água nos sistemas de
urbana, privilegiaram as grandes obras, com ên- abastecimento tem merecido atenção de técnicos
fase nos sistemas de produção (captação, adutora e pesquisadores do setor saneamento. Desde
e tratamento). 1980, percebeu-se que, não só o crescimento
da demanda, mas também as perdaas e os usos
A lógica dos grandes empreendimentos justificava- inadequados, exigiam ampliações nos sistemas
se pelo emprego do conceito de expansão absoluta produtores, cada vez mais distantes, com custo
da oferta, que era a base, à época, do planejamento marginal elevado. Contudo, as atenções voltadas
dos serviços públicos vinculados a redes de ao problema não foram suficientes para manter
distribuição.Em conseqüência, a tecnologia dos as perdas em patamares aceitáveis.
sistemas evoluiu em maior escala na produção
e tratamento de água e menos nos sistemas de Mais recentemente, a discussão do problema
distribuição e nas ações de desenvolvimento retornou à cena. Para isso contribuíram diversos
institucional. fatores, como o debate nacional em torno da
necessidade de revisão do modelo atual de
O cenário das grandes obras e da expansão gestão dos serviços de saneamento brasileiros,
absoluta da oferta considerava a água doce associando os elevados índices de perdas à
como bem inesgotável, usada em abundância, ineficiência do modelo atual.
sem a preocupação de conter desperdícios e de
promover o uso racional, tudo isso associado à
cultura de que o bem-estar social está diretamente
relacionado ao aumento do consumo.

A pouca disponibilidade de recursos para inves-


timentos e o crescimento desordenado dos gran-

31
31
A experiência de Guarulhos

Outros temas, como a necessidade de ordenamento há escassez de água e conflitos pelo uso; elevados
dos usos da água, as secas constantes, o aumento volumes de águas não faturadas; e um ambiente
crescente da poluição dos recursos hídricos, a de competição, em que os indicadores que retratam
importância das perdas no cenário da conservação as perdas de água estão entre os mais valorizados
da água, em seu conceito mais amplo, e a exigência para a avaliação de desempenho.
por serviços de maior qualidade também têm
despertado o interesse da sociedade. Tal situação renova e enfatiza a necessidade de se
desenvolver metodologias e procedimentos para a
Tudo isso, agregado aos aspectos econômicos avaliação das perdas, incluindo a construção de
da prestação de serviços de água, na esteira da indicadores – base para o planejamento, a avaliação
reorganização dos serviços públicos, trouxe a figura de resultados e a comparação de desempenho – e
dos entes reguladores, com a função de controlar o estabelecimento de metodologia para avaliação
e fiscalizar a prestação dos serviços, em suas da confiabilidade dos indicadores.
variáveis técnica e econômica. Aos responsáveis
pelos serviços deve interessar, agora, mostrar que Assim, é de fundamental importância adotar
o seu gerenciamento está se dando com qualidade um modelo de gerenciamento das perdas de
e custos eficientes. água, contínuo e sustentável. As soluções para o
problema, no campo tecnológico, são conhecidas
Todo esse quadro fez inverter a lógica da aplicação e as inovações são de mais fácil assimilação pelos
de recursos no setor, dirigindo os investimentos, técnicos dos serviços de abastecimento de água do
prioritariamente, para as ações de desenvolvimento País. No entanto, o mesmo não se pode dizer sobre
institucional, dentre as quais se destacam aquelas a gestão das perdas, que deve estar associada à
de redução e controle das perdas. Programas de gestão dos sistemas como um todo e utilizar-se de
investimentos do Governo Federal e de organismos ferramentas de planejamento; ações integradas
internacionais passaram a exigir menores níveis envolvendo todos os setores do prestador de
de perdas como condição para os prestadores de serviços; orçamento próprio, incluindo competição
serviços acessarem recursos voltados à ampliação pelos recursos internos do prestador; e, sobretudo,
dos sistemas. garantia de que o retorno financeiro das ações seja
reaplicado em novos projetos de redução e controle
A redução das perdas possibilita o melhor de perdas.
aproveitamento da infra-estrutura existente e
a postergação da aplicação de recursos para **Mestre em tecnologia ambiental e recursos
ampliação dos sistemas. Além do mais, possibilita hídricos; coordenador do PMSS - Programa de
um grande retorno financeiro, seja pela diminuição Modernização do Setor Saneamento da Secretaria
dos custos de produção de água seja pelo aumento Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério
do faturamento. das Cidades.
*Compilação do artigo publicado na Revista ECOS,
Uma avaliação simplificada desse retorno estima nº 24, ano 11, junho de 2004, na seção Opinião.
um valor de R$ 2,4 bilhões ao ano, considerando-
se a redução até o patamar de perdas inevitáveis,
previsto em 20%.

Portanto, o gerenciamento das perdas é estratégico


para a sobrevivência empresarial dos prestadores
de serviços. Combater e controlar as perdas é
uma questão fundamental, em cenários em que

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