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GILBERTO SCHÄFER
Juiz de Direito/RS
Mestre e Doutorando em Direito Público pela UFRGS
Professor de Direito Constitucional da ESM/AJURIS
O
Mandado de Injunção está previsto entre os direitos e deveres individuais
e coletivos, no art. 5º, LXXXI:
“Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma
regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades
constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à
cidadania”
Benedito Felipe Rauen Filho1, em seu parecer, baseado na lição de Zeno
Veloso para quem deve ser compreendido restritivamente a concepção de direitos:
Os “direitos” a que se refere o dispositivo, conforme Celso Ribeiro Bastos,
citado por Zeno Veloso em “Controle Jurisdicional de Constitucionalidade”, 2ª
edição, página 265, não são todos ou quaisquer direitos constantes ou que se
inferem da Constituição, pois “Fora assim, o constituinte não teria necessidade
de acrescentar especificamente os direitos relativos à nacionalidade, à soberania
e à cidadania”. Tudo indica, pois, que os “direitos” a que se refere o mandado de
injunção são direitos e garantias fundamentais previstos no Título II, da Carta
Magna e esta também é a lição do mesmo autor (Zeno Veloso) que conclui: “Nosso
parecer é de que, embora o art. 5º, LXXI, que instituiu o mandado de injunção,
esteja inserido no Capítulo I, destinado a reger os “direitos e deveres individuais
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1
BENEDITO FELIPE RAUEN FILHO, Parecer sobre os subsídios para a Associação de Juízes do Rio
Grande do Sul, digitado. Na conclusão consta: “Diante do exposto, concluo pela possibilidade irrestrita
do uso da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, para tanto devendo a Ajuris, se assim
decidir, representar à AMB pelo ajuizamento, em face do inciso IX, do artigo 103, da Constituição
Federal e discordo do parecer apresentado à mesma AMB que dá pelo cabimento da utilização do
mandado de injunção”.
58 - DOUTRINA NACIONAL
e coletivos”, quando menciona o exercício dos “direitos constitucionais”, isto deve ser
entendido como abrangendo todo o Título II da Constituição, sob a epígrafe: “Dos
Direitos e Garantias Fundamentais”, que podem, sim, obter efetivação pela via do mandado
de injunção”.
Mas a previsão do subsídio não criou nenhum direito fundamental, mas sim
constituiu regra referente à organização do Estado, tanto que está inserido no Título III,
da Constituição Federal, caracterizando uma obrigação ao administrador e o legislador
e não um direito fundamental do homem a ser buscado em juízo via mandado de injunção.
Em que pese essa compreensão, o STF tem entendido que o Mandado de Injunção
constitui defesa constitucional para a fiscalização concreta, para a proteção de todos os
direitos constitucionais cujo exercício está à mercê da edição da norma regulamentadora,
ou seja, para a defesa de todos os direitos, não apenas os direitos individuais, como no
Mandado de Injunção nº 501-0/SP, STF, Rel. Min. Moreira Alves, j. 07.03.96, un., DJU
17.05.96, p. 16.319, “MANDADO DE INJUNÇÃO. JUROS REAIS. PARÁGRAFO 3º DO
ARTIGO 192 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Esta Corte, ao julgar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 4, entendeu, por maioria de votos, que o disposto no parágrafo
3º do artigo 192 da Constituição Federal não era auto-aplicável, razão por que
necessitava de regulamentação. Passados mais de cinco anos da promulgação da
Constituição, sem que o Congresso Nacional haja regulamentado o referido dispositivo
constitucional, e sendo certo que a simples tramitação de projetos nesse sentido não é
capaz de elidir a mora legislativa, não há dúvida de que esta, no caso, ocorre. Mandado
de injunção deferido em parte, para que se comunique ao Poder Legislativo a mora em
que se encontra, a fim de que adote as providências necessárias para suprir a omissão,
deixando-se de fixar prazo para o suprimento dessa omissão constitucional em face da
orientação firmada por esta Corte (MI 361)”.
Enquanto a lei não o regulamenta, aplica-se ao mandado de injunção, por analogia,
o procedimento do mandado de segurança. Estão legitimados ativamente os detentores de
direito abstratamente conferido pela Constituição e cujo exercício tenha sido inviabilizado
pela falta da norma regulamentadora. Reconhece-se a possibilidade de impetração coletiva
por sindicato ou associação2 como seria o caso da AJURIS. Na legitimidade passiva, de
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2
“MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO. Esta Corte tem admitido o mandado de injunção coletivo.
Precedente do Tribunal. Em mandado de injunção não é admissível pedido de suspensão, por
inconstitucionalidade, de Lei, por não ser ele o meio processual idôneo para a declaração de
inconstitucionalidade, em tese, de ato normativo. Inexistência, no caso, de falta de regulamentação
do artigo 179 da Constituição Federal, por permanecer em vigor a Lei 7.256/84 que estabelece
normas integrantes do Estatuto da Microempresa, relativas ao tratamento diferenciado, amplificado
e favorecido, nos campos administrativo, tributário, previdenciário, trabalhista, creditício e de
desenvolvimento empresarial. Mandado de injunção não conhecido”. (Mandado de Injunção nº 73-5/
DF, STF, Rel. Min. Moreira Alves, DJU 19.12.94, p. 35.177).
MANDADO DE INJUNÇÃO – PARÁGRAFO 3º DO ART. 192 DA CF. Esta Corte ao julgar o Mandado
de Injunção nº 361 admitiu a legitimidade ativa de Sindicato para impetrar Mandado de Injunção
acordo com o STF, sempre estará um órgão, pessoa ou entidade de natureza pública,
vedando-se particulares, mesmo como litisconsortes.3
Quanto aos efeitos, parece que o STF está próximo de uma virada jurisprudencial no
sentido de remover obstáculos ao exercício do direito constitucional, quando isso for
juridicamente possível e desde que seja dada ciência ao órgão legislativo ou executivo,
para que promova as medidas necessárias.4 ‘Neste caso, o órgão jurisdicional não irá
propriamente exercer função normativa genérica, mas, sim, possibilitar ao impetrante,
caso mereça procedência a sua pretensão, afinal, o gozo do direito não exercitado em
face da falta de norma regulamentadora. A norma jurídica individual ‘criada’ pelo
Judiciário não seria diferente das normas jurídicas concretas veiculadas por qualquer
decisão judicial. O papel do Judiciário, então, não seria o de ‘legislar’, mas o de ‘aplicar’
o direito ao caso concreto, revelando a normatividade já inscrita no dispositivo
constitucional, e removendo eventuais obstáculos à sua efetividade”.5
O Min. Marco Aurélio, em voto no MI 721-DF que pende de julgamento, conforme
consta no informativo 450 do STF, indica também essa virada jurisprudencial. Trata-se de
Mandado de Injunção em que Servidora do Ministério da Saúde pede a regulamentação da
aposentadoria especial para trabalhos insalubres (art. 40, § 4º, da Constituição Federal). O
Ministro após a análise do direito material aduz:
Então, é dado concluir que a jurisprudência mencionada nas informações sobre
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se este mandado de injunção não para lograr-se simples certidão da omissão do Poder
incumbido de regulamentar o direito a liberdades constitucionais, a prerrogativas
inerentes a nacionalidade, à soberania e à cidadania. Busca-se o Judiciário na crença
de lograr a supremacia da Lei Fundamental, a prestação jurisdicional que afaste as
nefastas conseqüências da inércia do legislador. Conclamo, por isso, o Supremo, na
composição atual, a rever a óptica inicialmente formalizada, entendendo que, mesmo
assim, ficará aquém da atuação dos tribunais do trabalho, no que, nos dissídios coletivos,
a eles a Carta reserva, até mesmo, a atuação legiferante, desde que, consoante prevê o §
2º do artigo 114 da Constituição Federal, sejam respeitadas as disposições mínimas
legais de proteção ao trabalho. Está-se diante de situação concreta em que o Diploma
Maior recepciona, mesmo assim de forma mitigada, em se tratando apenas do caso
vertente, a separação dos Poderes que nos vem de Montesquieu. Tenha-se presente a
frustração gerada pelo alcance emprestado pelo Supremo ao mandado de injunção.
Embora sejam tantos os preceitos da Constituição de 1988, apesar de passados dezesseis
anos, ainda na dependência de regulamentação, mesmo assim não se chegou à casa do
milhar na impetração dos mandados de injunção.
No caso, a dificuldade não é maior, porquanto é possível adotar-se, ante o fator
tempo e à situação concreta da impetrante, o sistema revelado pelo regime geral de
previdência social. O artigo 57 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, dispõe que:
Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência
exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que
prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte
e cinco) anos, conforme dispuser a lei.
§ 1º A aposentadoria especial, observado o disposto no art. 33 desta Lei, consistirá
numa renda mensal equivalente a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício.
A impetrante conta com 25 anos de serviços prestados, atendendo à dilação
maior prevista na Lei nº 8.213/91. Julgo parcialmente procedente o pedido formulado
para, de forma mandamental, assentar o direito da impetrante à aposentadoria especial
de que cogita o § 4º do artigo 40 da Constituição Federal.
Também o MI 712/PA, rel. Min. Eros Grau, 7.6.2006. (MI-712), conforme notícia
publicada no informativo 430, em que se discute o direito de Greve, destaque-se os votos
dos Ministros Eros Grau e Gilmar Mendes para “enquanto a omissão não for sanada,
aplicar, observado o princípio da continuidade do serviço público, a Lei 7.783/89, que
dispõe sobre o exercício do direito de greve na iniciativa privada”. O processo igualmente
pende de julgamento, através de voto vista do Min. Ricardo Lewandowski.
Então se verifica que há possibilidade de ser concretizada a virada jurisprudencial
no que tange ao mandado de injunção e, se torne possível, dar efeitos concretos e práticos,
bastando extraí-los do ordenamento.
O Poder Judiciário e o seu sistema de remuneração têm conformação Nacional. A
nacionalidade do Poder Judiciário foi reconhecida na ADI 3367, tendo o STF decidido que
Revista da AJURIS - v. 34 - n. 106 - Junho 2007
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em relação ao Poder Judiciário há expressão de forma normativa diversa da que atua sobre
os demais Poderes, pois a Jurisdição, enquanto manifestação da unidade do poder soberano
do Estado, é una e indivisível, sendo assente que tem caráter nacional, consistindo a
divisão da estrutura judiciária brasileira, sob equívoca denominação, em “Justiças”, como
resultado tão-só da repartição racional do trabalho da mesma natureza entre distintos
órgãos jurisdicionais. Naquele julgamento se considerou que o CNJ reúne as características
palpáveis de órgão federal, enquanto representativo do Estado unitário, formado pela
associação das unidades federadas. Não é órgão da União, mas sim do Poder Judiciário
nacional, não havendo que se falar, assim, em supervisão administrativa, orçamentária,
financeira e disciplinar dos órgãos judiciários estaduais por órgão da União.
Ora, em razão da ratio decidendi da decisão acima pode-se justamente sustentar
que a normatividade aplicada à justiça federal – ou ao menos aos juízes de direito e
desembargadores do DF – deva se aplicar ao nosso caso em decorrência do caráter nacional
da justiça.
Além do mais como referido no parecer sobre auto-aplicação da lei federal 11.143/05
aos, Ana Frazão e Alberto Pavie Ribeiro6 sustentam o caráter nacional do Poder Judiciário:
54. Com efeito, assim como a Constituição Federal estabelece que o salário mínimo
será fixado em lei, com a característica de ser nacionalmente unificado, o que acaba por
vincular os Estados e Municípios, que se vêm obrigados a observar o valor fixado pela
União Federal, sem que se dê a violação ao princípio da federação, é também a
Constituição Federal que estabelece o caráter nacional do Poder Judiciário e vincula,
de forma escalonada, os subsídios dos membros da magistratura, tendo como parâmetro
máximo o subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.
55. Se não há violação à Lei de Responsabilidade Fiscal no primeiro caso (da
vinculação do salário mínimo federal aos Estados e Municípios) não haverá, d.v., violação
à Lei de Responsabilidade Fiscal no segundo caso (da vinculação escalonada dos
subsídios da magistratura).
56. Mas não é só. Ainda que não houvesse a exceção na Lei de Responsabilidade
Fiscal, haveria de prevalecer a norma constitucional sobre a norma infraconstitucional
(a Lei Complementar de Responsabilidade Fiscal).
57. Não é por outra razão que o Superior Tribunal de Justiça já decidiu no
sentido de que as decisões judiciais não se submetem à Lei de Responsabilidade Fiscal
(STJ, Corte Especial, Ag.Rg. SS 1231/SC, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ. 22.11.04):
SUSPENSÃO DE SEGURANÇA – AGRAVO REGIMENTAL – INTERVENÇÃO DO
MP – NÃO OBRIGATORIEDADE – REINTEGRAÇÃO DE SERVIDORES –
CONTRAPRESTAÇÃO EM SERVIÇOS – LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL – NÃO
CONFIGURAÇÃO DA LESÃO À ECONOMIA PÚBLICA
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6
Publicado em http://www.amb.com.br/portal/index.asp?secao=pareceres:
7
Como se viu do acórdão transcrito por Ney Wiedemann Neto in Revista da Ajuris, Ano XXXIII,
dezembro/2006, págs. 213-4
8
Exemplo dessa postura foi o julgamento da Relatoria do Eminente Des. Wellington Pacheco Barros
acerca da tese de ingerência do Poder Judiciário na Administração Municipal, em situação em que se
determinou a construção de abrigo para menores (Reexame Necessário nº 70006523112) “(...) Destarte,
não há se falar em ingerência do Ministério Público na Administração Pública, vez que o próprio
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Estatuto determina a sua incumbência de proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos
relativos à infância e à adolescência. Incumbência essa dada, inclusive, pela Constituição Federal de
1988, arts. 217 e 129, III. De outra banda, uma vez verificada a legitimidade o Ministério Público para
proteger os interesses relativos à infância e a adolescência, a extrema relevância do caso em questão e
a omissão, para não dizer descaso, do requerido, surge para o Poder Judiciário, como manda seu ofício,
determinar o cumprimento da Lei. É obrigação do Município assegurar às crianças e adolescentes, com
absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária, consoante o disposto no art. 4º e 88, do ECA, e também no art. 227, da
Constituição Federal. (...)” (g.n.) Especificamente com relação à questão orçamentária, valioso colacionar
a ementa do citado julgamento: “CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REEXAME
NECESSÁRIO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – LEI N.º 8.069/90. MUNICÍPIO DE
AGUDO. CONSTRUÇÃO DE ABRIGO PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES PELO MUNICÍPIO.
PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. OBRIGAÇÃO, NO ENTANTO, CONDICIONADA A PREVISÃO
ORÇAMENTÁRIA. MULTA AFASTADA. Tendo o Município a obrigação constitucional e legal de
edificar abrigo para criança e adolescentes com base no art. 204 da Constituição Federal e art.88, I,
do ECA, é de se manter decisão judicial nesse sentido. No entanto, essa obrigação deve ficar
condicionada a previsão orçamentária, que é o instrumento de concretude das políticas públicas e
que envolve a receita e a despesa municipal. PRELIMINARES AFASTADAS. SENTENÇA
PARCIALMENTE REFORMADA EM REEXAME NECESSÁRIO.” (RN n° 70006523112, Quarta Câmara
Cível, Relator: Des. Wellington Pacheco Barros, julgado em 10/12/2003)”
9
Mauricio Jr, Alceu, A Revisão Judicial das Escolhas Orçamentárias e a efetivação dos Direitos
Fundamentais, Revista Diálogo Jurídico, n. 15 – janeiro/fevereiro/março de 2007 – Salvador – Bahia –
Brasil,
10
Idem, Ibidem.