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Aquecimento Global, Agricultura, e Alimentação.

(texto de opinião)

O aquecimento global vem aí. Isso qualquer pessoa com bom senso sabe. O que a maioria de nós
não percebeu ainda é que nós não seremos capazes de o evitar. Essa é uma batalha perdida. O que
podemos fazer é nos esforçar para não piorar ainda mais o que está por vir. Isso, e claro, criar planos
para diminuir as mazelas que nos aguardam. Na verdade, deveríamos, no Brasil, estar em busca de
uma única resposta: o que podemos fazer para proteger a agricultura familiar contra o aquecimento
global. Vou tentar apontar rapidamente três coisas: (a) porque acredito que não seremos capazes de
impedir o aquecimento global; (b) porque a agricultura familiar é a chave do futuro (do Brasil); e
(c) porque a questão é urgente.

(a) O aquecimento global não será barrado.


Em 2019, o Dia da Sobrecarga da Terra foi em 29 de julho. Isso significa que pouco depois da
metade do ano, esgotamos a capacidade que a Terra terá de se recuperar no resto do ano. Ou seja,
tudo que consumimos de recursos naturais de agosto para cá foi excessivo. Se quisermos dar chance
da Terra se recuperar, precisamos mudar o padrão de consumo da humanidade radicalmente. Seria
necessário reduzir o consumo per capita em cerca de 50%. Como quem consome mesmo é a elite
dos países em desenvolvimento, e o conjunto dos países desenvolvidos, na verdade essas pessoas
que consomem deveriam passar a consumir apenas uns 10% do que consomem hoje. Vamos ser
sinceros? Nenhum estadunidense, alemão, francês, inglês, ou ninguém da “classe média” brasileira
vai reduzir tão drasticamente seu consumo. Perdemos essa guerra pela natureza.

(b) A agricultura familiar brasileira é o mais importante.


Segundo estudos recentes (incluindo o censo agrícola do IBGE), cerca de 50% dos produtos da
cesta básica brasileira são produzidos por agricultura familiar. São os camponeses brasileiros que
produzem quase todos os legumes e verduras que consumimos. Se incluirmos as cooperativas
agrícolas (como as do MST), esses números se elevam ainda mais. Por exemplo, hoje as
cooperativas do MST são as maiores produtoras de arroz orgânico no país. Sem essa produção, o
povo passa fome. Simples assim. O “agronegócio”, a grande propriedade, produz para exportar.
Produz soja, cana, etc. Não produz para alimentar ninguém.

(c) Porque devemos ter um plano de desenvolvimento para agricultura


A agricultura familiar é pobre, e não terá como se defender do aquecimento global. Essa agricultura
familiar que produz 50% dos produtos da cesta básica é composta de cerca de 4,4 milhões de
pequenas propriedades, onde trabalham 12,3 milhões de pessoas. A renda de cada estabelecimento
é, em média, de R$1.250,00, o que dá R$447,15 por trabalhador. A agricultura familiar
simplesmente não tem dinheiro para investir em adaptações. Não farão estufas, nem sistemas de
irrigação adequados para as novas temperaturas esperadas. Ou seja, dependerão de ajuda do Estado
para continuar alimentando o povo. O problema é, a modernização de cada uma dessas unidades
custa muito caro. Será necessário adaptar as sementes, o sistema de irrigação, criar estufas, fertilizar
a terra, etc. Usando dados do IBGE e da EMBRAPA sobre tamanho de propriedades e custo de
modernização por hectare, estamos falando de um custo adicional de 50 mil por fazenda familiar,
em média. Ou seja, 220 bilhões de custo inicial a mais (fora a manutenção). Isso é pouco menos de
10 vezes mais do que o gasto anual com o Bolsa Família. Custear a adaptação vai sair caro para o
Estado, e não poderá ser feito de uma só vez. E não temos tanto tempo assim para fazer a transição.
Ou começamos nos próximos anos, ou será tarde.

Conclusão

O futuro do Brasil é sombrio. Seremos umas das vítimas do aquecimento global. Nossa soberania
alimentar desaparecerá. Quem não tiver dinheiro para comprar comida importada, morrerá de fome
(ou seja, 80% da população brasileira). A única saída é criar um projeto de modernização da
agricultura familiar. Isso custa caro, e precisaremos de tempo para implementar corretamente. Se já
estivéssemos discutindo esse assunto, talvez teríamos alguma chance. Mas qual foi a última vez que
você viu alguém no Brasil falar da urgência de adaptar a produção camponesa para o aquecimento
global?

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