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sábado, 13 de abril de 2013 Colaboradores

Elton Frederick
As virtudes do profissional do texto
William C. Cruz

William Campos da Cruz

Revista Digital Terminal

Desde que ingressei na carreira de revisor de textos, fiz alguns cursos, li diversos livros cujo Pesquisar este blog
assunto era o mercado editorial e acumulei alguma experiência. Ainda assim, só muito
recentemente encontrei um livro que abordava um assunto esquecido, quase antiquado. Pesquisar

Valery Larbaud, em seu Sob a Invocação de São Jerônimo,[1] fala a respeito das virtudes do
tradutor (muitas das quais se aplicam igualmente a preparadores e revisores de textos). Para Postagens populares
que fique claro a que me refiro quando falo de virtude, cito o filósofo Mortimer Adler, numa
passagem em que ele expõe a noção aristotélica de virtude: Vida intelectual sob a
ditadura
Por Andrei Pleşu [1]
Traduzido por William C.
Segundo Aristóteles, a virtude moral é o hábito de fazer as escolhas certas. Cruz [2] Em 1992, já no final
Fazer uma ou duas escolhas certas dentre muitas escolhas erradas não basta. do semestre que passamos
Se as escolhas erradas são em número muito maior do que as escolhas certas, juntos no Instituto ...
você persistirá na direção errada – irá para longe da felicidade, não para
Sobre o ofício do tradutor
perto dela. É por isso que Aristóteles enfatiza a ideia de hábito.
Traduzir não é fácil . Quem
Você sabe como os hábitos se criam. Para criar o hábito de ser pontual nos diz isso não sou eu, mas um
seus compromissos, você tem de tentar ser pontual repetidas vezes. dos mais experientes
Gradualmente se cria o hábito da pontualidade. Uma vez criado, você tem tradutores brasileiros: Paulo
Henriques de Britto
uma disposição firme e forte de ser pontual ao chegar onde prometeu chegar. (tradut...
Quanto mais forte o hábito, mais fácil agir daquele jeito, e mais difícil perdê-lo
ou agir de maneira oposta. As virtudes do profissional
Quando você cria um hábito e ele está bem desenvolvido, sente prazer em fazer do texto
aquilo que tem o hábito de fazer porque o faz com facilidade – quase sem Desde que ingressei na
carreira de revisor de textos,
esforço. Você sente que é doloroso agir de modo contrário aos seus hábitos. fiz alguns cursos, li diversos
Aquilo que acabo de dizer vale para os bons e para os maus hábitos. Se você livros cujo assunto era o
criou o hábito de dormir demais, é fácil e agradável desligar o despertador e mercado editorial e acu...
continuar dormindo. É difícil e doloroso acordar na hora. Por isso, se você
Caridade intelectual
criou o hábito de se permitir entregar-se a certos prazeres ou de evitar certas
Por Ernest Hello Tradução
dores, é difícil abandoná-lo.[2] de William Campos da Cruz
(a partir da edição
americana) Sempre que há
Julgo necessário evocar essa ideia de virtude porque ela, pelo que me consta, está uma necessidade de
caridade mat...
praticamente ausente do imaginário dos aspirantes ao trabalho com textos – tradutores,
preparadores, revisores... Tem-se em mente que é necessário estudar língua, dominar certos Uma geração sem palavras
recursos de informática, organizar-se como categoria profissional, etc. No entanto, para além Por Paulo Rónai, em 1954
de tudo isso, há uma espécie de predisposição ao ofício que antecede a toda essa formação, Escritor nas horas vagas, sou
digamos, técnica do profissional. O conjunto de virtudes que listarei adiante é o que, parece- professor por vocação e
destino. “A quem os deuses
me, constitui essa predisposição. odeiam, fazem-no
Parto de minha experiência pessoal e das leituras que fiz e estou bem ciente de que há uma pedagogo”, d...
boa dose de subjetivismo e generalização. Seja como for, se o que tenho a dizer suscitar
alguma autocrítica em profissionais experientes ou contribuir para a formação de aspirantes e Mário Ferreira dos Santos: editor visionário
Ninguém teve uma luta maior do que eu
iniciantes, já me darei por satisfeito.
dentro do meu campo de ação editorial.
Para o propósito que tenho em mente, não é necessário distinguir com precisão as atribuições Quando procurei editor para
o meu livro, não fui corrido
de um preparador e de um revisor de textos. Mantenho o termo revisor simplesmente porque
d...
estas considerações foram suscitadas pela avaliação do trabalho de um revisor. O que vem a
seguir, no entanto, se dirige igualmente a preparadores e revisores.

Carta de Voegelin sobre


1. O revisor humilde (humildade x orgulho) Louis Lavelle e René Le
Senne
Já vi o revisor ser comparado a um goleiro – execrado quando falha, esquecido quando
Dr. Alvin Johnson, Diretor
brilha. Não considero a metáfora válida. Para mim, o revisor de textos se aproxima mais da The New School for Social
figura de um contrarregra – alguém cujo trabalho é garantir, com a máxima discrição Research 66 West Twelfth
possível, sem fazer-se notar, que tudo funcionará bem para que o outro brilhe. Street New York, New York Prezado Dr.
Aliás, um contrarregra que, por alguma razão, se julgue digno dos holofotes está fugindo à Johnson, ...

sua função. Pode até ser que tenha seu talento e o exiba noutras oportunidades; mas,
Credo ou caos
enquanto estiver como contrarregra, ele é contrarregra. O mesmo vale para o revisor. O Por Dorothy L. Sayers [1] E,
pressuposto básico, fundamental, da atividade de revisão é que se revisam textos alheios. Isso quando ele vier, convencerá
implica que o revisor: o mundo do pecado, e da
justiça e do juízo. Do
pecado, porque não creem
e...
1. Renuncia seu próprio estilo, suas preferências, seu gosto pessoal. Se as
escolhas do autor/tradutor estão corretas, coerentes, aplicadas Romancistas católicos e seus
sistematicamente, adequadas ao tom do texto, não cabe ao preparador/revisor leitores
modificá-las. Neste quesito se encontram boa parte das substituições de seis Sempre que penso no
romancista católico e em
por meia dúzia que tanto incomodam tradutores e editores.
seus problemas, lembro-me
2. Presume que o tradutor é alguém suficientemente qualificado para fazer o da lenda de São Francisco e
serviço de tradução. Se esta presunção vai se sustentar ao longo do trabalho é do lobo de Gubbio. Diz a lenda que S...
outra história. Em geral, é aconselhável que o profissional parta desta
presunção e procure imaginar por que o tradutor fez determinadas escolhas. O
Total de Seguidores
revisor é um humilde zelador do texto alheio e só deve interferir quando for visualizações de
capaz de justificar, de modo plausível, cada uma de suas intervenções. página Seguidores (46)
Próxima
3. Intervém no texto criteriosamente. Na minha segunda semana de trabalho
como revisor, fiz alterações no texto de um dos diretores de uma grande 115,843
empresa. Este deu um chilique, perguntando quem tinha mexido no texto
dele. Muito cautelosamente, mas com firmeza, tive de explicar a razão de cada
Arquivo do blog
uma das intervenções que fiz. Certamente, quem mais saiu ganhando dessa
experiência fui eu. Daí saí com o preceito: Não intervir arbitrariamente, mas ► 2016 (8)

criteriosamente. ► 2015 (1)

A humildade faz o revisor/preparador reconhecer que o texto não é seu. ► 2014 (29)

▼ 2013 (18)

► Dezembro (2)

2. O revisor diligente (diligência x negligência) ► Novembro (1)

Se há um vício mortal ao revisor de textos, este é a negligência, a displicência, a suposição de
► Outubro (2)

que ninguém vai conferir a qualidade do trabalho. Ainda que demore, em algum momento os
problemas virão à tona, e o profissional ficará marcado. Por exemplo: todos os profissionais ► Setembro (1)

que trabalham para editoras recebem um manual de padronização e estilo. O manual não ► Agosto (3)

pretende ser exaustivo nem uma camisa de força; mas contém critérios convencionais que
► Junho (1)

DEVEM ser aplicados. Se o manual diz que o número da remissão à nota de rodapé deve ficar
depois do sinal de pontuação, não há nada que justifique que este apareça antes! Se o manual ► Maio (1)

prescreve que depois do título de um livro citado em referência vem ponto final, não há razão ▼ Abril (6)

para que conste vírgula. E assim por diante. Muito curiosamente, a revisão de prova acaba O rei está nu
tendo de corrigir problemas de padronização porque o preparador deixou a desejar! Isso tem Se a tanto me
nome: negligência! São exemplos de negligência também erros de ortografia gritantes (que ajudar o
até o revisor do Word pode pegar), dúvidas que podem ser resolvidas com uma simples engenho e
arte
consulta ao Google, etc.
O revisor diligente confere tudo, consulta tudo, tira dúvidas, relê... Dando ouvidos
a quem Seguir
sabe das
A diligência faz o revisor/preparador seguir com atenção as instruções recebidas e não se coisas...
furtar à pesquisa para esclarecer suas dúvidas.
Faça um bem a Quem costumo
si mesmo visitar?

As virtudes do Bons modos em


3. O revisor prudente (prudência x temeridade) profissional livraria
A partir daqui, as virtudes passam a aproximar-se umas das outras. Já dissemos que o revisor do texto
Bruno
humilde tenta inferir os critérios do autor/tradutor e que o revisor diligente pesquisa, Sobre o ofício Garschagen
consulta, tira dúvidas. Pois bem, diremos agora que o revisor prudente não intervém quando do tradutor C. S. Lewis Brasil
têm dúvida, não repadroniza injustificadamente, não mexe no texto à revelia daquele que
► Janeiro (1)
► Cadê o revisor?
assina o texto ou de seu editor. Se, num romance, o tradutor optou por manter as marcações
Chesterton Brasil
de diálogo com aspas, mantenham-se; se optou por usar travessões, conservem-se (salvo, ► 2011 (4)

claro, orientação contrária). Se, num texto ensaístico, o tradutor optou por usar as segundas Cristianismo
► 2010 (10)
► Hoje
pessoas, que assim seja; se ocorrem termos pouco usuais, um vocabulário rebuscado, por que
Crítica na rede
vulgarizá-los? Vejam: escolher um vocabulário rebuscado ou simplório envolve uma decisão ► 2009 (16)

editorial que foge ao escopo do preparador/revisor. George
► 2008 (62)

Macdonald Brasil
Hottopos
A prudência faz o preparador/revisor pesquisar, perguntar, esclarecer e somente então
interferir. J. P. Coutinho
Jessé de Almeida
Primo
José Carlos
4. O revisor seguro (segurança x insegurança) Zamboni
Nada do que foi dito até aqui tem como objetivo tolher a liberdade do preparador/revisor. O Livros e Pessoas
que se espera é que os profissionais sejam seguros do que fazem. Repetidas vezes, Minha Língua -
preparadores deixam comentários e revisores de prova fazem marcações a lápis com Tom Fernandes
perguntas que poderiam facilmente ser resolvidas (com um pouquinho mais de diligência). Mortimer Adler
Estar seguro de si e de seu trabalho significa apenas que se fez o trabalho com diligência e que Norma Braga
se é capaz de justificar as decisões tomadas. Não Gosto de
Plágio
A segurança faz o preparador/revisor julgar criticamente suas justificativas e apresentá- O temporas, o
las de modo plausível, caso lhe sejam exigidas. mores
Olavo de
Carvalho
5. O revisor responsável (responsabilidade x irresponsabilidade) Ordem Livre
Espera-se que profissionais responsáveis assumam as consequências de seus atos, para o bem Paulo Cruz
e para o mal. Caso algum padrão não tenha sido aplicado, o colaborador deve estar disposto a Reinaldo
refazer imediatamente o que fez de modo incompleto ou equivocado; caso se comprometa a Azevedo
entregar o trabalho em determinado prazo, espera-se que o cumpra ou, ao menos, avise à Revista
editora com alguma antecedência que não conseguirá cumpri-lo. Sumir é atitude Dicta&Contradict
a
irresponsável. Não responder e-mails é atitude irresponsável. Não atender o telefone é atitude
Revista Ultimato
irresponsável.
Não cabe aqui tratar deste assunto, mas abordo-o apenas de passagem: em geral, o Rodrigo Gurgel
profissional já sabe quanto vai receber por determinado trabalho no momento em que o Site do professor
Cláudio Moreno
aceita. Alegar que fez o trabalho proporcionalmente ao valor recebido não é apenas
irresponsabilidade: é ser desonesto! Se aceitou fazer o trabalho, que o faça com É Realizações
profissionalismo e responsabilidade!

A responsabilidade faz o preparador/revisor cumprir os prazos e as exigências daquele


que contratou os seus serviços.

6. O revisor solícito (solicitude x hostilidade)


É imprescindível que um freelancer saiba que é um prestador de serviços, e a editora é um
CLIENTE! E, como cliente, tem o direito de exigir que o trabalho seja feito de acordo com o
que foi combinado e, caso seja necessário um retrabalho, o profissional, se é profissional de
fato, há de fazê-lo de bom grado, visando a satisfazer seu cliente e a garantir que este continue
a contar com seus trabalhos.

A solicitude faz o preparador/revisor receber de bom grado um feedback relativo ao seu


trabalho mesmo quando este é negativo.

***

Perceberam como nada do que foi mencionado aqui diz respeito à competência técnica do
profissional? Concordam que as características mencionadas aqui independem de sua
formação acadêmica? Ficou claro que há uma espécie de atitude de espírito a ser adquirida
perante o trabalho com textos? Espero que sim. Espero também que humildade, diligência,
prudência, segurança, responsabilidade e solicitude façam de nós profissionais melhores. A
começar em mim.

[1] Valery Larbaud, Sob a Invocação de São Jerônimo: Ensaios sobre a Arte e Técnicas de
Tradução. Trad. Joana Angélica d’Avila Melo. São Paulo, Editora Mandarim, 2001.
[2] Mortimer J. Adler, Aristóteles para Todos. Trad. Pedro Sette-Câmara. São Paulo, Editora
É, 2010, p. 108-09. (Coleção Educação Clássica)

Postado por William C. Cruz às 21:58

Marcadores: Mercado Editorial

8 comentários:
Unknown disse...
brilhante texto, William! Compartilhe! Compartilharei tb!
15 de abril de 2013 07:47

Anônimo disse...
Fantástico, William! Todos nós deveríamos recortar as frases em itálico e andar com elas
dentro da carteira para reler de tempos em tempos e lembrar qual é o nosso verdadeiro
papel.
Muito obrigados pelo curso intensivo de revisão.

Abraço grande,
Pablo
Cadê o Revisor?
15 de abril de 2013 08:49

BeMedina disse...
Muito bom. Com pequenos ajustes, aplica-se perfeitamente a tradutores também.
15 de abril de 2013 10:59

Mariana Santana disse...


Ótimo texto!
Todos esse hábitos são às vezes tão duros de serem cultivados por revisores em início de
carreira. É tão pesado ter que refazer o trabalho ou perceber que deixou de corrigir algo
tão bobo, por pura falta de atenção ou por preguiça...
É preciso ter claro sempre que a boa revisão só trará benefícios ao profissional e ao
cliente. É necessário, também, perder o medo de assumir TODAS as responsabilidades
profissionais.
15 de abril de 2013 11:02

Andressa Bezerra disse...


Havia tempo eu procurava uma boa definição para o papel do revisor... "Contrarregra" é
excelente!
17 de abril de 2013 08:08

aline naomi disse...


Também gostei muito do texto, William!
Como já estive/estou do outro lado também, posso dizer que os free-lancers que não
cumprem várias dessas questões que você colocou ficam "queimados" nas editoras - ou
seja, dificilmente serão chamados para fazer outros trabalhos. Além disso, como é comum
funcionários do departamento editorial migrarem para outras editoras, às vezes, se essas
pessoas pessoas tiveram uma/várias experiência(s) negativas com um determinado
prestador em uma editora, provavelmente não se arriscarão a contratar o trabalho de um
determinado free-lancer novamente ao receber o currículo dele nessa outra editora.
Eu concordo totalmente que ter conhecimentos técnicos é importante, mas ter uma
postura profissional é essencial para a profissão.
Abraços.
21 de abril de 2013 07:57

Unknown disse...
Excelente texto, parabéns pela explanação e obrigada pela contribuição!
15 de maio de 2013 11:23

tita berton disse...


sensacional! que bom saber que existe gente como você, que fala em valores tão
esquecidos.
21 de maio de 2013 13:44

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