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Résu m é : C e t t e r e c h e r c h e a n a ly s e l a p r é s en ce d’une idé ologie nat ionale dans le s m anue ls didacti ques de
g éog r a p hie a u c oll è g e , c h er c h a n t à c o m p r en d re com m e nt l’idé e e t l’im age du Bré s il s e s ont form é e s a u cours de
la Pr e miè r e R é p u b l i q u e ( 1 8 8 9 -1 9 3 0 ) . C e t t e p ér i ode dé cis ive de l’affirm at ion e t de la dé finit ion de la nati onal i té
brésilie n n e e s t r e p r é s en t é e pa r l a t r a n s i t i o n de l’idé ologie im p é riale , e ncore lié a u Port ugal, à une i déol ogi e
n ation a le , r e c on n u e p o u r s o n É tat-n ati o n f o rte , civil e t ré p ublicain. Le caract è re unique e t la ce nt ra l i sati on
d u te r r it oir e é ta ien t d es va l e u r s e s s e n t i el l e s . A u Bré s il, la cons olidat ion e t la s y s t é m at is at ion de la pensée
g éog r a p hiqu e in c lu a i e n t l a pa rti c i pat i o n d e la dis cip line s colaire . Le s m anue ls didact ique s de géographi e
prése n t e n t u n c a d r e th éo r i q u e e t m é t h o d o l ogique s e rvant à la com p ré h e ns ion de l’e s pace e t à décri re l a
réalit é v é c u e d e l’ é p o q u e , q u i es t f o n d é s u r u ne analy s e h is t orique de la p é riode , la gé ograp h ie s cola i re et l a
pensé e g é og r a p hiqu e . À pa rti r d e l a c o n jo n c t ion, il a é t é p os s ible d’e xt raire le s cat é gorie s d’analy s e: Nature
et Ter r it oir e e t Civ i l i s ati o n e t M o d e r n i t é . C el l e s -ci s ont p ré s e nt e s a ux m anue ls didact ique s de Gé ogr aphi e et
con s t it u e n t la p e ns é e g é o g r a p h i q u e , en p l u s de nous aide r à com p re ndre le s t rans form at ions m atéri el l es.
Mo ts clés : Géogra phi e ; I dé ol og i e ; D i scours; Nat i o n a l ; S c o l a i r e .
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do Sul, Brazil e Globo Terrestre, de Affonso superficiais seguidas da divisão por localização.
Guerreiro Lima, 1911; Esta divisão também indica a importância que as
divisões jurídico-administrativas foram tomando
• Noções de Geografia: Curso na sociedade moderna, ou seja, do próprio Estado-
complementar – I Parte, também de Affonso Nação, pois é a partir delas que se organizam as
Guerreiro Lima, porém do ano de 1935; sociedades e se estabelecem acordos entre elas.
Nesse período também, os livros passam
• Geographia especial ou Chorographia a contar com maiores possibilidades gráficas
do Brazil, de Carlos de Novaes, 1912; de inclusão de imagens e mapas. O uso desses
recursos disseminou-se desde então nos
• Geographia do Brasil, de Carlos Miguel livros didáticos. Como essas imagens e mapas
Delgado de Carvalho, 1927, 3ª Ed. (sendo a relacionam-se com o conteúdo será comentado
primeira edição de 1913). durante a análise dos livros. Somente o livro de
Delgado de Carvalho (1927) não possui imagens.
• Lições de Chorographia do Brasil, de O autor talvez tenha preferido dar um cunho
Horacio Scrosoppi, 1922, 4ª Ed. mais científico ao trabalho utilizando-se apenas
de mapas e tabelas. As imagens, fotografias e
A análise dos conteúdos dos livros desenhos utilizados pelos outros autores podem
também possuiu um foco específico. O objetivo ser divididos em duas categorias: aquelas que
da pesquisa foi identificar a ideologia nacional nos mostram a natureza exuberante e fornecedora de
livros didáticos de geografia deste período. Sendo recursos para o progresso do país e garantidora
assim, o que se buscou analisar foi o discurso de uma posição do país na divisão internacional do
nacionalista, que no período, tinha como base um trabalho, e aquelas da conquista da modernidade
discurso sobre a civilização e sobre o progresso. e da modernização, em especial as cidades
Nesse sentido, desconsiderou-se os trechos que como monumentos da civilização e as atividades
não coadunam com esta perspectiva, muitos produtivas modernas, mostrando as possibilidades
deles da chamada geografia física ou trechos de o Brasil acertar o passo no atraso econômico e
puramente descritivos8. se tornar potência sem tardar.
E foi deste contexto que retiramos nossas
Comentários gerais sobre categorias de análise, tendo em vista a relação
os livros analisados entre o conhecimento geográfico veiculado nos
livros didáticos, o contexto republicano e a ideologia
Dos livros analisados pudemos perceber nacional e o discurso nacionalista: a Natureza e
uma dificuldade em absorver as inovações do o Território; a Civilização e a Modernidade; e o
conhecimento científico e pedagógico produzidas Povo e a Cidadania. Abaixo faremos uma breve
no exterior e, em parte, aqui. Nesse sentido, o exposição de cada uma dessas categorias e
livro de Delgado de Carvalho (1927) se destaca do algumas de suas ilustrações.
restante, pois embora alguns autores tentassem A categoria Natureza e Território contem
incluir algum tipo de renovação, os conteúdos os discursos que recorrem em seus conteúdos à
de seus livros em muito ainda se baseava no evocação das qualidades da natureza e à ocupação
arranjo discursivo mnemônico9. A sistematização e povoamento do território a fim de compor as
do conhecimento geográfico também estava em ideologias nacionais do período republicano. Por
curso, pois na estrutura dos conteúdos utilizada se tratar de um tema amplo, decidimos subdividi-
pela maioria dos autores analisados, o recorte eram lo em dois grandes grupos:
os estados brasileiros, e não temas geográficos.
Capítulos continham definições geográficas 1. A exaltação da natureza: presente desde
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Fi gura 1 | F lo r esta d a s re g i õe s t ro p i c a e s .
Font e: L acer d a ( 1 8 9 5 , p . 3 2 7 )
F i g u ra 1 | A c a s c a t a He r v a l , n o m u n i c íp i o d e Sã o Leopoldo,
c o m 1 0 5 m e t ro s d e a l t u ra . F o n t e : L i m a (1 935, p. 90)
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F i g u ra 5 | Ri o d e J a n e i ro – L a rg o da Car ioca.
F o n t e : No v a e s (1 912, p. 61)
Fi gura 4 | P lan ta d e P o rt o A l e gre .
Font e: L IMA ( 1 9 1 1 , p . 33 )
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Fi gura 6 | R o d eio d e g a d o ho l a nd ê s .
Font e: L im a ( 1 9 3 5 , p . 1 0 1 ) vertentes ou a proposição de um amálgama das
teorias e discursos, bem ao estilo da miscigenação.
Nesse período, além da valorização da ciência, Critérios como a língua e a religião, essenciais
havia também uma valorização da racionalidade para a formação da nacionalidade, tornavam esse
instrumental que daria forma à modernização. trabalho mais fácil aos autores, pois se assumia
Assim, as novas técnicas deveriam ser então, uma homogeneidade nesses dois critérios,
empregadas na agricultura, na indústria, no mesmo sabendo-se não serem tão homogêneos
comércio, enfim em todas as áreas da economia assim. Hegemônicos, talvez sim. Ilustrações
nacional para gerar um maior aproveitamento e como a figura 7 eram comuns em muitos dos
lucratividade. livros da época
2. As dificuldades para a formação do
A categoria Povo e Cidadania foi Povo: Nessas concepções, podem-se perceber
subdividida em três tópicos: as dificuldades existentes para a formação do
1. O Povo - os elementos raciais da povo brasileiro e da cidadania de todos os seus
constituição do povo brasileiro: a questão da habitantes, agora sob o regime republicano. O
formação do que seria o povo brasileiro era indígena aparece romantizado, uma ascendência
de extrema importância para a definição da de um povo americano originário, mas poucas são
nacionalidade brasileira. Muitas foram as tentativas suas influências naquele momento.
de unificar as particularidades históricas, regionais Já o elemento negro impõe uma
e ‘raciais’ em um único povo, que pudesse dar questão constrangedora, muitas vezes tratada
unidade ao sentimento de pertencimento. Estas superficialmente, ou mesmo negligenciada, a
tentativas passaram por um discurso culturalista escravidão. A mestiçagem com o negro não
que enfocava as particularidades de cada região e poderia ser negada, mas a sua cidadania sim.
se omitia sobre a história, as teorias racialistas da O que se percebe na maioria dos livros
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Fi gura 7 | R aça B r an c a : um G re g o ; R a ç a a m a re l l a : um
Chi ne z ; R aça p r eta: n e gro d’ A f ri c a ; R a ç a a m e ri c a n a : I nd i o
dos Es tad o s Un id o s.
Fonte : L a c e r d a ( 1 8 9 5 , p . 2 0 -2 1 )
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interna? Constatamos que sim, pois como vimos como um fenômeno discursivo, ou seja, considerando sua
materialidade como uma prática e ao mesmo tempo relacionando-a
os elementos considerados constituintes de
com a produção histórica de sentidos, significados.
uma nação estão todos presentes nos livros do
período: o território, o povo, a língua, o passado 2
As referências teóricas sobre a questão nacional são encontradas
em: Anderson (1989); Guibernau (1997); Hobsbawn & Ranger
comum, a religião. Cada um desses elementos foi (2008); Hobsbawn (2008).
destacado de forma a criar uma imagem da nação
que se pretendia naquele momento. A afirmação Neste artigo, consideramos o discurso o lugar em que as ideologias
3
1
Entendemos a ideologia enquanto um fenômeno social que estaria
8
Tais trechos possuem importância para a construção do
diretamente relacionado com o funcionamento das sociedades. conhecimento geográfico, mas devido à multiplicidade de
A partir da crítica à ideologia como proposta por Eagleton (1997) possibilidades de análises desses conteúdos, a análise deteve-se
conseguimos articular a dimensão da racionalidade e dos sistemas ao objetivo da pesquisa. As partes que tratam de cosmographia,
de crenças - relacionadas à questão epistemológica da verdade por exemplo, por se referirem à Terra e seus movimentos, foram
ou falsidade da ideologia - com sua dimensão afetiva, simbólica desconsideradas nesta pesquisa.
e inconsciente - relacionada às representações e aos sentidos
presentes na vida cotidiana. Para isso consideramos a ideologia
9
Lourenço (1996).
LACERDA, J. M.. Curso Methodico de Geographia Physica, Política e Astronômica: Composto para uso das Escolas Brasileiras. 6ª ed. Rio
de Janeiro: H. Garnier, 1895.
LIMA, Affonso Guerreiro. Noções de Geografia do Rio grande do Sul, Brazil e Globo Terrestre. Porto Alegre: Officinas Graphicas da Escola
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SCROSOPPI, Horacio. Lições de Chorographia do Brasil. 4ª ed. São Paulo: Casa Duprat, 1922.
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