Você está na página 1de 96

capa-IA-256.

indd 1 1/9/2010 13:16:55


capa-IA-256.indd 2 1/9/2010 13:16:59
Informe Agropecuário
Uma publicação da EPAMIG
v.31 n.256 maio/jun. 2010
Belo Horizonte-MG

Sumário

Editorial .......................................................................................................................... 3

Entrevista . ...................................................................................................................... 4

Produção de leite em ambiente de agricultura familiar: contribuição da pesquisa


para sua sustentabilidade
José Reinaldo Mendes Ruas, Adriano de Souza Guimarães, Bruno Campos de Carvalho,
Domingos Sávio Queiroz, e Edilane Aparecida da Silva ...................................................... 7

Apresentação Utilização de pastagens, volumosos e concentrados na produção de leite da


agricultura familiar
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e
Domingos Sávio Queiroz, Adriano de Souza Guimarães, Edilane Aparecida da Silva e
Estatística (IBGE), dos 5,2 milhões de proprieda-
des rurais brasileiras, 4,3 milhões são dependen- José Reinaldo Mendes Ruas . ............................................................................................ 15
tes de mão-de-obra familiar. O campo emprega
17,9 milhões de pessoas, e as propriedades, com Produção de alimentos na agroindústria familiar: a higiene em foco
até 50 ha, absorvem 86% dos trabalhadores rurais. Cláudia Lúcia de Oliveira Pinto, Cleide Maria Ferreira Pinto, Sérgio Maurício Lopes Donzeles,
De cada dez trabalhadores rurais, oito trabalham
na produção familiar. Em média, a agricultura Maria Regina de Miranda Souza, Adbeel de Lima Santos, Cristiane Viana Guimarães Ladeira
familiar gera um emprego a cada 7 ha, enquanto e Fernando Antônio Resplande Magalhães ....................................................................... 26
a agricultura empresarial gera um a cada 141 ha.
Dos alimentos que chegam à mesa dos bra- Análise primária sobre a “não-adoção” de tecnologias disponibilizadas a produtores
sileiros, cerca de 60% têm origem na agricultura
rurais: estudo de caso no município de Tiradentes, MG
familiar, que produz 70% do feijão, 87% da man-
dioca, 38% do café, 34% do arroz, 58% do leite. Adauto de Matos Lemos e Pedro Henrique Baptista de Oliveira ........................................ 36
A agricultura familiar detém 59% do plantel de
suínos, 50% do de aves e 30% do de bovinos. A Produção de tilápias em fluxo contínuo de água: alternativa para a agricultura familiar
produção de leite é dependente da pecuária fami- Vicente de Paulo Macedo Gontijo, Elizabeth Lomelino Cardoso, Giovanni Resende de Oliveira
liar em 71,5%.
Maior identidade com o meio ambiente é e Marinalva Woods Pedrosa............................................................................................................... 41
outra importante vertente da agricultura familiar
cada vez mais percebida. Os agricultores familia- Ovinocultura como opção de renda para a pecuária familiar
res utilizam métodos e insumos que, no geral, não Octávio Rossi de Morais e Fernando Flores Cardoso ......................................................... 58
prejudicam o meio ambiente. Por outro lado, há
desafios. Cada sistema de produção precisa ser or-
ganizado a partir de tecnologias que possam agre- Criação de ave caipira como opção de renda e fonte de alimento para família rural
gar valor à produção, promover ganhos de escala, Ana Júlia Rezende do Sacramento e Viviane Assunção de Resende .................................... 63
ajudar a encontrar nichos de mercados, bem como
outros caminhos para o uso da terra, garantindo a Desempenho zootécnico da cunicultura em pequenas criações familiares de Minas
sustentabilidade dos recursos naturais, a qualidade
de vida da família e o próprio fortalecimento da Gerais, Brasil
atividade agrícola. Renata Apocalypse Nogueira Pereira, Daniella Carolina Zanardo Donato, José Camisão de
Ao poder público, cabe a função de gerar e Souza, Cíntia de Oliveira Faria, Tadeu César Gomes de Azevedo, Simone Koprowski Garcia,
transferir tecnologias e também de criar facilida- Antônio Gilberto Bertechini e Marcos Neves Pereira ........................................................... 72
des para sua difusão e adoção pelos agricultores
familiares. Esta edição da revista Informe Agrope-
cuário, sobre a pecuária familiar, contribui para o Suinocultura com foco na agricultura familiar
cumprimento dessa missão. Aloízio Soares Ferreira e Francisco Carlos de Oliveira Silva . ............................................. 78

Cristiane Viana Guimarães Ladeira Importância do Plano de Negócio para a empresa rural familiar
Alberto Marcatti Neto
Fabrício Molica de Mendonça .......................................................................................... 85
Izabel Cristina dos Santos

ISSN 0100-3364

Informe Agropecuário Belo Horizonte v.31 n.256 p. 1-92 maio/jun. 2010

ia256.indb 1 1/9/2010 10:27:30


© 1977 EPAMIG Informe Agropecuário é uma publicação da
ISSN 0100-3364 Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais
INPI: 006505007 EPAMIG

CONSELHO DE DIFUSÃO DE TECNOLOGIA E PUBLICAÇÕES É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem
Baldonedo Arthur Napoleão autorização escrita do editor. Todos os direitos são reservados à
Enilson Abrahão
EPAMIG.
Maria Lélia Rodriguez Simão
Juliana Carvalho Simões
Mairon Martins Mesquita Os artigos assinados por pesquisadores não pertencentes ao quadro
Vânia Lacerda da EPAMIG são de inteira responsabilidade de seus autores.

COMITÊ EDITORIAL DA REVISTA INFORME AGROPECUÁRIO


Os nomes comerciais apresentados nesta revista são citados apenas
Enilson Abrahão
para conveniência do leitor, não havendo preferências, por parte da
Diretoria de Operações Técnicas
EPAMIG, por este ou aquele produto comercial. A citação de termos
Maria Lélia Rodriguez Simão técnicos seguiu a nomenclatura proposta pelos autores de cada artigo.
Departamento de Pesquisa

Vânia Lacerda O prazo para divulgação de errata expira seis meses após a data de
Departamento de Publicações publicação da edição.
Mairon Martins Mesquita
Departamento de Transferência e Difusão de Tecnologia Assinatura anual: 6 exemplares

PRODUÇÃO Aquisição de exemplares


DEPARTAMENTO DE PUBLICAÇÕES Divisão de Gestão e Comercialização
EDITOR Av. José Cândido da Silveira, 1.647 - Cidade Nova
Vânia Lacerda CEP 31170-000 Belo Horizonte - MG
COORDENAÇÃO TÉCNICA Telefax: (31) 3489-5002
Cristiane Viana Guimarães Ladeira, Alberto Marcatti Neto e www.informeagropecuario.com.br; www.epamig.br
Izabel Cristina dos Santos
E-mail: publicacao@epamig.br
REVISÃO LINGUÍSTICA E GRÁFICA CNPJ (MF) 17.138.140/0001-23 - Insc. Est.: 062.150146.0047
Marlene A. Ribeiro Gomide, Rosely A. R. Battista Pereira e
Maria Cláudia Carvalho (estagiária)
NORMALIZAÇÃO
Fátima Rocha Gomes e Maria Lúcia de Melo Silveira Informe Agropecuário. - v.3, n.25 - (jan. 1977) - . - Belo
Horizonte: EPAMIG, 1977 - .
PRODUÇÃO E ARTE
v.: il.
Diagramação/formatação: Maria Alice Vieira, Erasmo dos Reis
Pereira, Ângela Batista P. Carvalho, Letícia Martinez e Fabriciano Cont. de Informe Agropecuário: conjuntura e estatísti-
Chaves Amaral ca. - v.1, n.1 - (abr.1975).
Coordenação de Produção Gráfica ISSN 0100-3364
Fabriciano Chaves Amaral
1. Agropecuária - Periódico. 2. Agropecuária - Aspecto
Capa: Letícia Martinez
Econômico. I. EPAMIG.
Fotos da capa: Elizabeth Lomelino Cardoso, Octávio Rossi e
Erasmo Pereira CDD 630.5

Selo 35 anos Informe Agropecuário: Ângela Batista P. Carvalho

Impressão O Informe Agropecuário é indexado na


AGROBASE, CAB INTERNATIONAL e AGRIS

Governo do Estado de Minas Gerais


PUBLICIDADE Secretaria de Estado de Agricultura,
Décio Corrêa Pecuária e Abastecimento
Av. José Cândido da Silveira, 1.647 - Cidade Nova
Sistema Estadual de Pesquisa Agropecuária
CEP 31170-000 Belo Horizonte-MG
Telefone: (31) 3489-5088 - deciocorrea@epamig.br EPAMIG, UFLA, UFMG, UFV

EM FUNÇÃO DA LEGISLAÇÃO ELEITORAL ESTA EDIÇÃO DO INFORME AGROPECUÁRIO NO 256,


REFERENTE A MAIO/JUNHO DE 2010, CIRCULOU SOMENTE APÓS O PERÍODO ELEITORAL.

Primeiras páginas.indd 2 1/9/2010 13:40:37


Governo do Estado de Minas Gerais
Antonio Augusto Junho Anastasia
Governador
Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento
Gilman Viana Rodrigues

Tecnologias para a produção


Secretário

Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais


Conselho de Administração
animal na agricultura
familiar
Gilman Viana Rodrigues Sandra Gesteira Coelho
Baldonedo Arthur Napoleão Elifas Nunes de Alcântara
José Geraldo Eugênio de França Vicente José Gamarano
Adauto Ferreira Barcelos Joanito Campos Júnior
Osmar Aleixo Rodrigues Filho Helton Mattana Saturnino
Décio Bruxel
A agricultura familiar tem forte peso na cesta básica dos
Conselho Fiscal
Carmo Robilota Zeitune Evandro de Oliveira Neiva brasileiros, com cerca de 60% de produtos oriundos das áreas
Heli de Oliveira Penido Márcia Dias da Cruz
José Clementino Santos Celso Costa Moreira vegetal e animal. A pecuária bovina familiar, por exemplo, foi
Presidência responsável por 58% da produção nacional de leite. Suínos,
Baldonedo Arthur Napoleão
Diretoria de Operações Técnicas ovinos e galinhas são tradicionais na agricultura familiar, em
Enilson Abrahão
sistemas produtivos que podem envolver a diversificação e a
Diretoria de Administração e Finanças
Luiz Carlos Gomes Guerra complementaridade, características bastante desejáveis para o
Gabinete da Presidência
Thaissa Goulart Bhering Viana
sucesso da atividade.
Assessoria de Comunicação A criação de frango e de galinha caipira sempre foi, para os
Roseney Maria de Oliveira
agricultores familiares, uma importante fonte de alimentos (carne
Assessoria de Desenvolvimento Organizacional
Felipe Bruschi Giorni e ovos) e de renda por meio da comercialização de excedentes.
Assessoria de Informática
Silmar Vasconcelos Sem competir com a avicultura industrial, preenche um específico
Assessoria Jurídica nicho de mercado, que atende consumidores que exigem uma
Nuno Miguel Branco de Sá Viana Rebelo
Assessoria de Negócios Tecnológicos alimentação mais natural. A piscicultura intensiva pode ser uma
Jairo Pereira da Silva Júnior
alternativa na geração de renda para a agricultura familiar com a
Assessoria de Planejamento e Coordenação
Renato Damasceno Netto utilização do sistema de produção em fluxo contínuo de água, que
Assessoria de Relações Institucionais demanda custo inicial reduzido. Já a criação de ovinos de corte é
Marcílio Valadares
Assessoria de Unidades do Interior simples, barata e eficiente, quando o manejo e a alimentação dos
José Maurício Fernandes Gonçalves Leite
animais estão inseridos na produção diversificada, que costuma
Auditoria Interna
Márcio Luiz Mattos dos Santos caracterizar a agricultura familiar.
Departamento de Compras e Almoxarifado
Sebastião Alves do Nascimento Neto Estas atividades, além de garantir oferta de produtos na
Departamento de Contabilidade e Finanças área animal, são responsáveis pela geração de emprego e de
Celina Maria dos Santos
Departamento de Engenharia renda no campo. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica
Luiz Fernando Drummond Alves
Aplicada (Ipea), a agricultura familiar é responsável pela grande
Departamento de Estudos Econômicos e Prospecção
Juliana Carvalho Simões maioria dos postos de trabalho no meio rural, se comparados
Departamento de Patrimônio e Serviços Gerais
Mary Aparecida Dias a todos os demais vínculos ocupacionais, incluindo-se aí os
Departamento de Pesquisa empregos gerados pelo agronegócio.
Maria Lélia Rodriguez Simão
Departamento de Publicações Esta edição do Informe Agropecuário, sobre a produção
Vânia Lúcia Alves Lacerda
animal na agricultura familiar, apresenta informações direcionadas
Departamento de Recursos Humanos
Flávio Luiz Magela Peixoto para o setor, com o objetivo de promover um salto de produtividade
Departamento de Transferência e Difusão de Tecnologia
Mairon Martins Mesquita em face da crescente demanda por alimentos. Nesta perspectiva,
Departamento de Transportes atividades tradicionais da agricultura familiar são objeto de
José Antônio de Oliveira
Instituto de Laticínios Cândido Tostes pesquisa para utilização de manejos mais adequados, acessíveis
Fernando A. R. Magalhães, Gérson Occhi e Nelson Luiz T. de Macedo
e baratos, bem como utilização de metodologias eficientes de
Instituto Técnico de Agropecuária e Cooperativismo
Luci Maria Lopes Lobato e Francisco Olavo Coutinho da Costa gestão da criação e seus desdobramentos até a comercialização.
U.R. EPAMIG Sul de Minas
Gladyston Rodrigues Carvalho e Rodrigo Fráguas de Carvalho
U.R. EPAMIG Norte de Minas Baldonedo Arthur Napoleão
Polyanna Mara de Oliveira e Josimar dos Santos Araújo Presidente da EPAMIG
U.R. EPAMIG Zona da Mata
Trazilbo José de Paula Júnior e João Bosco Caldas Campos
U.R. EPAMIG Centro-Oeste
Édio Luiz da Costa e Waldênia Almeida Lapa Diniz
U.R. EPAMIG Triângulo e Alto Paranaíba
José Mauro Valente Paes e Marina Lombardi Saraiva

ia256.indb 3 1/9/2010 10:27:31


Agricultura familiar e sustentabilidade
Técnico em agropecuária, Ronaldo Cardoso de Lima
tem experiência na elaboração e assessoria de projetos
de desenvolvimento local e sustentável. É assessor técnico
do Instituto do Desenvolvimento do Norte e Nordeste de
Minas Gerais (Idene), autarquia vinculada à Secretaria de
Estado Extraordinária para o Desenvolvimento dos Vales do
Jequitinhonha, Mucuri e do Norte de Minas (Sedvan), desde
2008, onde atua em diversos programas voltados para a
agricultura familiar, por meio de metodologias participativas.
Antes de ingressar no sistema Sedvan/Idene, Ronaldo de
Lima foi assessor técnico da Federação dos Trabalhadores
na Agricultura Familiar de Minas Gerais (Fetraf-MG).
Desenvolveu ações em várias áreas temáticas, como Biodiesel,
Projetos Produtivos, Agroindústrias, Cooperativismo. Atuou
também como assessor em Agroecologia, no Projeto de
Desenvolvimento Ambiental Sustentável, em São Joaquim
de Bicas, MG, pela Ecobicas. Possui grande experiência
em programas de agricultura familiar, agricultura urbana e
capacitação agrícola.

IA - A agricultura familiar, cada vez tes, sejam expressivas em função da renda a 62% da mão-de-obra absorvida pela ati-
mais, ganha espaço na imprensa e ou da área utilizada. vidade agropecuária estadual (1.896.924).
na sociedade. Quais características Em 96% dos estabelecimentos, os produ-
definem uma atividade agrícola como IA - A agricultura familiar é constituída, tores familiares são proprietários da terra.
familiar? basicamente, por pequenos e médios O Censo aponta que os empreendimentos
produtores rurais. Em qual dimensão familiares foram responsáveis por 84% da
Ronaldo de Lima - Do ponto de vista ela é importante para o agronegócio produção estadual de mandioca; 46% da
da política pública, a agricultura familiar mineiro? produção de milho; 44% de arroz; 32%
caracteriza-se pela atividade produtiva
desenvolvida pela família numa área de Ronaldo de Lima - Enquanto setor de café; 30% de feijão; 45% de leite; 34%
até quatro módulos fiscais, podendo, in- importante da agricultura, constituído por do plantel de bovinos; 31% de suínos e
clusive, contratar 50% de mão-de-obra, pequenos e médios agricultores familiares, 28% de aves.
proporcional à quantidade de membros representa a imensa maioria de produtores Os dados revelam a significativa par-
da família, ou seja, uma família de seis rurais no estado de Minas Gerais. E, de ticipação da agricultura familiar como
pessoas poderá contratar até três pessoas acordo com o Censo de 2006, do Insti- absorvedora de mão-de-obra, como fator
para auxiliar nos serviços da propriedade. tuto Brasileiro de Geografia e Estatística de fixação da população no campo e como
Agricultores e agricultoras familiares (IBGE), foram identificados 437.415 responsável pela segurança alimentar, na
compreendem meeiros, arrendatários, pos- estabelecimentos de agricultura familiar, medida em que o segmento tem peso desta-
seiros, pescadores artesanais, aquicultores, que correspondem a 79,3% do total sediado cado na produção de itens componentes da
assentados da reforma agrária, agricultores no Estado (551.617), ou seja, grande parte cesta básica consumidos pela população.
tradicionais, indígenas e quilombolas. O das propriedades rurais de Minas pertence Para os camponeses que trabalham e
módulo fiscal é uma unidade de medida, a grupos familiares. Apesar dessa quanti- vivem da atividade agrícola, tem um signi-
também expressa em hectare, fixada para dade, a agricultura familiar ocupa apenas ficado fundamental no seu modo de vida e
cada município, que leva em conta o tipo 27% da área total dos estabelecimentos na forma como se relaciona com a terra e o
de exploração predominante no município, agropecuários do Estado. ambiente a sua volta. Além da importância
a renda obtida com essa exploração e outras Por outro lado, a agricultura familiar econômica, a vida no campo é o espaço
existentes, que, embora não predominan- emprega 1.177.116 pessoas, o equivalente onde a família convive e se desenvolve.
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

entrevista.indd 4 1/9/2010 13:37:28


IA - Por que é estratégico investir na Ronaldo de Lima - Falta de políticas de 20 mil habitantes. Nesses municí-
agricultura familiar? O desenvolvi- permanentes que dariam mais segurança pios, a agricultura familiar tem maior
mento da agricultura familiar pode para as famílias dos agricultores familiares. significado?
promover justiça social? E essas políticas precisam ser implantadas
Ronaldo de Lima - Em municípios
de maneira integrada e multidisciplinar,
Ronaldo de Lima - Historicamente, com esse perfil, percebe-se claramente
para que os agricultores compreendam
existem alguns gargalos vivenciados pelos que a agricultura familiar é o elemento
não apenas a unidade produtiva, mas a
camponeses, como a falta de apoio efeti- propulsor das economias locais. Segundo
unidade familiar que ali habita, produz
vo do Estado (saúde, moradia, educação, estudo do Ministério do Desenvolvimento
e reproduz vida. E, para isso, entendo
crédito, acesso à terra, cultura, infraestru- Agrário (MDA), realizado em municípios
que essas políticas devem abordar vários
tura), no que diz respeito a uma política de até 50 mil habitantes, o Brasil Rural
assuntos de interesse da família, como:
pública que contribua com a sua evolução, tem 50 milhões de brasileiros. Isso revela
saúde, educação, cultura, meio ambiente,
mas que seja capaz de compreender suas a importância não só econômica, mas da
infraestrutura, crédito, moradia, assistência
especificidades, respeitando as vocações organização social camponesa que vive
técnica, associativismo, agroindústria,
produtivas regionais. no campo e contribui com a produção de
produção, assistência social, entre outras
Nesse contexto, já vimos os números alimentos saudáveis para a população,
necessárias.
da agricultura familiar em Minas Gerais, além da geração de trabalho e renda para
Acredito que o governo de Minas tem
os quais comprovam que grande parte das profissionais do campo e da cidade (do
avançado nessa questão, principalmente, a
propriedades rurais do Estado (79,3%) embalador até o vendedor).
partir da criação do sistema Sedvan/Idene,
pertence a grupos familiares. Diante disso, que tem uma política territorial, com a IA - A agricultura familiar é amiga do
espera-se que os gestores públicos pautem missão de articular, coordenar e deliberar meio ambiente?
não só a inclusão social, mas também a junto a agentes econômicos, institucio-
econômica, a partir da promoção e organi- nais e sociais a implementação e gestão Ronaldo de Lima - A opção pelo
zação de arranjos produtivos que possam, participativa de programas e projetos, que desenvolvimento da agricultura, sob o
de fato, superar alguns. assegurem o processo de desenvolvimento domínio dos complexos agroindustriais
Ao garantirmos políticas públicas, que sustentável de sua área de abrangência vinculados ao sistema financeiro interna-
dinamizem a agricultura e contribuam para territorial, considerando o conhecimento cional, com um modelo de sociedade sob
a promoção da organização econômica, acumulado dos agentes locais, respeitan- a lógica do capital, está levando o planeta
tenho a convicção de que é possível, sim, do suas características e promovendo a a uma desestruturação total dos sistemas
promover a justiça social, ou seja, re- transformação das suas potencialidades em naturais, responsáveis pela manutenção
construir a história, invertendo a lógica riqueza para a região, objetivo este inserido da vida.
de concentração de terra e riqueza, distri- no Plano Mineiro de Desenvolvimento Mas a agricultura familiar está relacio-
buindo terra e meios para nela produzir e nada com a multifuncionalidade, que, além
Integrado (PMDI).
reproduzir. de produzir alimentos e matérias-primas,
A implementação desse conjunto de
O desafio lançado e a resposta a essa gera mais de 80% da ocupação no setor
políticas exigiu o desenho de metodologias
questão passam por uma fundamentação rural e favorece o emprego de práticas pro-
inovadoras e interinstitucionais que vêm
de base essencialmente política. Precisa- dutivas ecologicamente mais equilibradas,
dando certo, mas sabe-se que o Estado não
mos, sim, discutir e responder qual tipo como a diversificação de cultivos, o menor
tem pernas suficientes, dada a complexi-
de sociedade queremos. Uma sociedade uso de insumos industriais e a preservação
dade e volume de serviços demandados
do patrimônio genético.
com apenas algumas grandes empresas pela sociedade e dos outros compromissos
de alta competitividade cada vez menos do próprio Estado. Por isso, é importante,
IA - No Brasil, as oportunidades para
empregadoras de mão-de-obra? Uma so- nesse cenário, a presença de instituições e
o homem do campo, na cidade, são
ciedade econômica limitada a uma parcela de redes sociais fortes e organizadas, de
restritas. A agricultura familiar pode
da população? Ou queremos a construção representação e/ou articulação da agricul-
contribuir para desestimular o movi-
de uma sociedade que propõe, por meio de tura familiar, para, juntas, somar esforços mento migratório e as consequências
uma política pública, cenários de inclusão na efetivação das políticas públicas que dele decorrentes?
social e promoção de justiça social? visem ao fortalecimento efetivo da agri-
cultura familiar. Ronaldo de Lima - Acredito que sim,
IA - Quais os principais desafios para mas precisamos compreender as razões
a promoção do desenvolvimento da IA - Em Minas Gerais, há predominância que têm motivado a migração. A descon-
agricultura familiar? destacada de municípios com menos tinuidade de políticas públicas aumenta os
IInnffoorrmmee AAggrrooppeeccuuáárriioo,, BBeelloo HHoorriizzoonnttee,, vv..2391,, nn..224556,, jmu la. i/oa/gj uo n. . 2 20 0 18 0

entrevista.indd 5 1/9/2010 13:37:28


problemas sociais, econômicos, culturais tura familiar, direta ou indiretamente, alternativas de emprego e renda, por meio
e ambientais. E isso cria um ambiente de destacam-se: da implantação de unidades de ovinocul-
insegurança, tanto para quem vive no cam- O Projeto de Combate à Pobreza Rural tura. Cada unidade é constituída por 150
po, quanto para quem vive na área urbana. em Minas Gerais (PCPR/MG), que visa a ovelhas, três reprodutores, 50 hectares de
O êxodo rural expulsa as famílias do apoiar investimentos comunitários, não-re- pastagem, devidamente cercada, e aprisco.
campo para as médias e grandes cidades. embolsáveis, de natureza produtiva, social Quinze unidades já foram implantadas para
De fato isso transforma o agricultor fa- e de infraestrutura básica, das comunidades beneficiar cerca de 1.800 pessoas.
miliar e sua família, ou seja, passam da rurais mais pobres dos 188 municípios das Projovem Trabalhador - Juventude
condição de pessoas íntegras e trabalhado- regiões Norte, Jequitinhonha e Mucuri. No Cidadã – visa à preparação dos jovens para
ras para marginais nas periferias urbanas. acumulado 2006/2010, foram assinados o mercado de trabalho e ocupações alterna-
Em alguns lugares já podemos observar 1.731 convênios, no valor de R$ 83 mi- tivas geradoras de renda. Em 2009, foram
uma redução nesse fenômeno, em função lhões, beneficiando 93 mil famílias. Para a atendidos 12 mil jovens na qualificação
dos investimentos que já foram feitos em segunda etapa, está previsto o investimento profissional, sendo 1.295 em agroextrati-
infraestrutura e no fomento à agricultura de R$18,1 milhões, para atender cerca de vismo e 805 em empreendedorismo rural.
familiar. 420 subprojetos comunitários, benefician- Em 2010, mais 12 mil jovens estão sendo
É evidente que a agricultura familiar do 16 mil famílias. qualificados.
pode reduzir a migração e os efeitos ineren- Leite pela Vida - o Programa, em par- Cidadão Nota Dez - promove o controle
tes a ela e muitas ações já vêm sendo rea- ceira com o governo federal, visa à redução e combate ao analfabetismo entre jovens
lizadas nesse sentido, sobretudo em Minas do índice de desnutrição e mortalidade e adultos e promove a inclusão social.
Gerais. No entanto, vale ressaltar que, para infantil, por meio da distribuição gratuita Abrange, atualmente, 290 municípios e já
isso, é preciso que a promoção de políticas de 1 litro de leite por dia para gestantes, beneficiou mais de 300 mil cidadãos, alfa-
públicas ocorra de modo integrado, bus- crianças de seis meses a seis anos e ido- betizou 180 mil jovens e adultos, capacitou
cando desenvolver políticas de convivência sos acima de 60 anos. Garante ainda a 1.880 parceiros, entre alfabetizadores,
de acordo com os problemas presentes nos comercialização do leite para o pequeno gestores, coordenadores e supervisores.
produtor. O Programa está no 10o módulo Projeto Estruturador Convivência
biomas onde se encontram, bem como
e distribui 151,5 mil litros de leite/dia em com a Seca e Inclusão Produtiva: desde
pautar por uma lógica de desenvolvimento
193 municípios. Atualmente, a rede de 2007, vem atuando em duas vertentes: a
regional que seja concebida, conforme as
captação do leite conta com 38 laticínios, primeira, implementando ações de enfren-
vocações regionais e/ou locais.
são 4.366 pequenos produtores habilitados tamento ao combate e convivência com
IA - Quais são as principais ações do Idene e cerca de 9.700 cadastrados. os problemas inerentes à seca oriunda de
voltadas para o desenvolvimento da Cisternas para o Semiárido - o Progra- região do Semiárido; a segunda, apoiando
agricultura familiar? ma visa à construção de 4.500 cisternas ações complementares para fortalecer as
de placas para armazenamento de água de iniciativas da agricultura familiar com
Ronaldo de Lima - Ao longo de oito chuva, em 55 municípios do Semiárido foco na implantação de centros tecnológi-
anos de atuação, o sistema Sedvan/Idene mineiro, resultado do convênio celebrado cos, distribuição de sementes alimentares,
tem pautado seu trabalho em um sistema entre o sistema Sedvan/Idene e o Ministé- oleaginosas, realização de dias de campo
inovador, em que a população é chamada a rio do Desenvolvimento Social e Combate sobre agroenergia, dentre outras.
participar da gestão, ampliando o direito às à Fome (MDS), a partir da metodologia Acreditamos que o grande desafio
pessoas de fazer escolhas, com saldos favo- participativa de Gerenciamento de Recur- agora é o de consolidar e institucionalizar
ráveis nas políticas e projetos de combate sos Hídricos (GRH); o processo de transformação. O que leva à
à pobreza, tendo potencialidade para obter Apicultura e Desenvolvimento - tem necessidade de construção e de adequação
êxito significativo e melhorar a equidade. como objetivo desenvolver a apicultura de um conjunto expressivo de políticas
Podemos destacar o expressivo rol de como atividade econômica, preserva- nos âmbitos municipal, estadual e federal,
parcerias com o governo federal, univer- cionista e sustentável nas comunidades relacionadas com programas de pesquisa e
sidades e redes sociais, resultando numa atendidas, gerando trabalho e renda para as desenvolvimento, de ensino e de fomento,
grande mobilização dos diversos setores famílias beneficiadas. Vinte e três municí- além de legislações tributária e sanitária
da sociedade civil organizada, que reafirma pios receberam kit completo para manejo específicas. O Fundo de Desenvolvimento
nossa convicção na governança social e e produção de mel e capacitação. Regional que tramita no Congresso Na-
na promoção de um ambiente de diálogo Ovinos Gerais - visa garantir a sustenta- cional pode ser este instrumento indutor e
e cooperação. bilidade da agricultura familiar e melhorar potencializador da economia regional do
Entre as principais ações do sistema a qualidade de vida dos pequenos produ- estado de Minas Gerais.
Sedvan/Idene, voltados para a agricul- tores rurais do Norte de Minas, gerando Por Vânia Lacerda

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

entrevista.indd 6 1/9/2010 13:37:28


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 7

Produção de leite em ambiente de agricultura familiar:


contribuição da pesquisa para sua sustentabilidade
José Reinaldo Mendes Ruas 1
Adriano de Souza Guimarães 2
Bruno Campos de Carvalho 3
Domingos Sávio Queiroz 4
Edilane Aparecida da Silva 5

Resumo - A agricultura familiar tem grande importância na produção de alimentos,


na geração de renda e de postos de trabalho no meio rural. Está presente em mais
de 80% das propriedades rurais brasileiras e é responsável por cerca de 60% do leite
produzido no País. O custo operacional, associado à utilização do trabalhador que re-
side no meio rural, é também uma questão que confere competitividade à agricultura
familiar, principalmente na produção de leite. Esta expressiva produção pode ser atri-
buída ao fato de não haver praticamente barreiras à entrada, de ser um produto muito
utilizado, tanto para consumo interno como para comercialização ou processamento,
por permitir obter renda mensal, usar terras marginais e, ainda, utilizar de forma
intensiva a mão-de-obra familiar. Outro fato é que as barreiras à entrada na atividade
leiteira são pequenas. O capital necessário mínimo para iniciar esta atividade é signi-
ficativamente reduzido (uma vaca, mão-de-obra e alimentação). A produção de leite
em propriedades familiares baseia-se em vacas mestiças e com baixa produtividade.
Assim, busca-se uma vaca mestiça que equilibre tanto genes para a produção de leite,
quanto genes para rusticidade e adaptação às condições tropicais. Neste contexto, a
vaca F1 Holandês x Zebu é capaz de produzir em ambiente de muitas limitações, a
preços mais competitivos, leite e bezerros de qualidade, contribuindo para que a pe-
cuária leiteira de agricultores familiares se torne mais rentável.

Palavras-chave: Gado mestiço. Gado F1 de leite. Gado de leite. Produção de leite. Sis-
tema de produção de leite. Pecuária familiar.

INTRODUÇÃO cuários do País, 4,4 milhões, ou seja, 84% familiares (18,37 ha) é muito inferior à dos

A agricultura familiar tem forte peso são propriedades familiares. Esse tipo de não familiares (309,18 ha). Os dados não
na cesta básica dos brasileiros, segundo exploração da terra foi responsável por são comparativos aos censos anteriores,
revela o Censo Agropecuário (2007). Dos 58% da produção nacional de leite. No porque foram apurados de acordo com a
5,2 milhões de estabelecimentos agrope- entanto, a área média dos estabelecimentos nova lei que define a agricultura familiar.

1
Médico-Veterinário, D.Sc., Pesq. U.R. EPAMIG NM/Bolsista CNPq, CEP 39525-000 Nova Porteirinha-MG. Correio eletrônico:
jrmruas@epamig.br
2
Zootecnista, M.Sc., Pesq. U.R. EPAMIG TP-FEST/Bolsista FAPEMIG, Caixa Postal 135, CEP 38700-970 Patos de Minas-MG. Correio
eletrônico: adriano.guimaraes@epamig.br
3
Médico-Veterinário, D.Sc., Pesq. U.R. EPAMIG CO-FEFX/Bolsista FAPEMIG, Caixa Postal 12, CEP 35794-000 Felixlândia-MG. Correio
eletrônico: bccarvalho@epamig.br
4
Zootecnista, D.Sc., Pesq. U.R. EPAMIG ZM, Caixa Postal 216, CEP 36570-000 Viçosa-MG. Correio eletrônico: dqueiroz@epamig.br
5
Zootecnista, D.Sc., Pesq. U.R. EPAMIG TP/Bolsista FAPEMIG, Caixa Postal 351, CEP 38001-970 Uberaba-MG. Correio eletrônico:
edilane@epamiguberaba.com.br

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 7 - 1 4 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 7 1/9/2010 10:27:32


8 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

Pelo critério adotado pelo Instituto do caráter de subsistência ser a origem de custo (pela dispensa da contratação de
Brasileiro de Geografia e Estatística da diversificação da produção familiar, um gestor), quanto a aplicação de uma
(IBGE), um estabelecimento familiar atualmente é uma estratégia consciente de lógica que valorize o que existe na proprie-
caracteriza-se pela limitação de área de redução de riscos e incertezas (BUAINAIN dade, otimizando a utilização dos recursos
quatro módulos rurais - que podem variar et al., 2003). Associada à diversificação ali existentes (BUAINAIN et al., 2003).
entre 5 e 100 ha, de acordo com a região está a busca pela complementaridade das Há ainda os fatores ligados à atividade
do país - e pelo uso predominante da mão- atividades. leiteira, os quais trazem também algumas
-de-obra da família. Dos 80,25 milhões Em sistemas produtivos da agricultura características, tais como a utilização de
de hectares da agricultura familiar, 45% familiar, esta complementaridade é bas- terras marginais e pastos nativos, que maxi-
eram destinados a pastagens, 28% estavam tante recorrente, principalmente naqueles mizam os fatores de produção. Além disso,
ocupados com matas, florestas ou sistemas onde há produção animal envolvida, como toda essa lógica de produção que minimiza
agroflorestais e 22% com lavouras. é o caso da produção de leite, pois permite os custos e maximiza a utilização dos re-
Considerando o porcentual nacional uma redução dos custos de produção, em cursos disponíveis, permite aos produtores
do leite produzido por esse segmento de virtude do menor consumo de insumos familiares suportarem maiores variações
produtores, Souza e Waquil (2008) citam industriais e da menor dependência dos de preços, frequentes no mercado de leite
uma série de razões para essa expressiva insumos externos à propriedade. Isso reduz no Brasil, em relação aos produtores mais
produção, dentre estas o fato de não haver a possibilidade de comprometer a produção capitalizados e que utilizam sistemas inten-
praticamente barreiras à entrada; de ser um por falta de algum produto ou por causa da sivos de produção. Tendo em vista o que
produto muito utilizado tanto para consu- variação de preços desses insumos. Além foi apontado anteriormente, a agricultura
mo interno como para comercialização ou disso, pela escassez de recursos disponí- familiar apresenta características que lhe
processamento; por permitir obter uma ren- veis, os agricultores familiares tendem são próprias e estão relacionadas com a
da mensal; usar terras não-nobres e ainda a explorá-los de forma mais intensiva, forma de explorar e gerir os recursos da
utilizar de forma intensiva a mão-de-obra evitando, assim, desperdícios. Até hoje não propriedade. Essas características, se bem
familiar, dentre outros fatores. Contudo, as especializada e pouco intensiva em insu- trabalhadas, podem implicar em vantagens
transformações na cadeia produtiva do leite mos, a produção de leite tem-se mostrado econômicas para a agricultura familiar,
têm elevado a pressão para a especializa- competitiva em custos, quando comparada beneficiando sua inserção no mercado.
ção dos produtores de leite, colocando em à produção especializada e mais intensiva Segundo Portugal (2004), este seg-
risco a continuidade de muitos agricultores no Brasil (WILKINSON, 1997). mento tem um papel crucial na economia
familiares na atividade. Por outro lado, as barreiras na atividade das pequenas cidades – 4.928 municípios
leiteira são pequenas. O capital mínimo têm menos de 50 mil habitantes e, destes,
ASPECTOS SOCIAIS necessário para se iniciar nessa atividade mais de 4 mil têm menos de 20 mil ha-
E ECONÔMICOS DA é significativamente reduzido (uma vaca, bitantes. Os produtores e seus familiares
AGRICULTURA FAMILIAR mão-de-obra e alimentação). É comum a são responsáveis por inúmeros empregos
PRODUTORA DE LEITE
produção de leite ter início para o consumo no comércio e nos serviços prestados nas
Segundo Zoccal et al. (2004), a agri- próprio e somente o excesso ser comercia- pequenas cidades. A melhoria de renda do
cultura familiar não significa pobreza. É lizado. Assim, o baixo investimento neces- segmento de produção familiar, por meio
uma forma de produção em que o núcleo sário incentiva a entrada dos produtores na de sua maior inserção no mercado, tem
de decisões, gerência, trabalho e capital são atividade. A redução do custo operacional, impacto importante no interior do País e,
controlados pela família. É o sistema predo- associado à utilização do trabalhador por consequência, nas grandes metrópoles.
minante no mundo inteiro. Os produtores, que reside no meio rural, é também uma
em geral com baixo nível de escolaridade, questão que confere competitividade à BOVINOCULTURA DE
diversificam as atividades para aproveitar agricultura familiar, principalmente na LEITE EM AMBIENTE DA
AGRICULTURA FAMILIAR
as potencialidades da propriedade, ocu- produção de leite. Por ser a atividade lei-
par melhor a mão-de-obra disponível e teira bastante trabalhosa e, em geral, nas Portugal (2004) faz as seguintes con-
aumentar a renda. Por ser diversificada, a propriedades familiares ser desempenhada siderações sobre a bovinocultura de leite
agricultura familiar traz benefícios agros- pelos integrantes da própria família, não na agricultura familiar:
socioeconômicos e ambientais. incorre em gastos com mão-de-obra. Ha- A tecnologia disponível quando bem
Um dos principais trunfos da agricultu- veria ainda os ganhos advindos da gestão usada tem-se mostrado adequada e
ra familiar decorre da própria natureza da da propriedade ser realizada pelo próprio viável. Isto acontece porque há um
produção que é a diversificação. Apesar agricultor, o que permite tanto uma redução grande esforço da pesquisa voltado

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 7 - 1 4 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 8 1/9/2010 10:27:32


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 9

para o setor. A tecnologia é neutra e de leite de apenas 1.200 litros por lactação. Aliado a isso, esse tipo de animal não
não discrimina classes de produtores O rebanho utilizado na exploração leiteira requer instalações sofisticadas, podendo
quanto à área do estabelecimento. A em propriedades familiares não é diferente. utilizar instalações rústicas e/ou adapta-
maioria das tecnologias desenvolvi- Isto é reflexo, em parte, dos manejos ado- das, ambiente encontrado na quase tota-
das visa aumentar a produtividade tados, principalmente o nutricional. Por lidade das propriedades familiares. Outra
da terra e algumas, como máquinas e outro lado, parte dessa produção pode ser característica é que esse tipo de animal
equipamentos adaptados aos pequenos
atribuída à variabilidade genética preva- pode ser considerado como uma unidade
produtores, têm como objetivo eliminar
lente no rebanho nacional, em que se ob- produtora, adequando-se a sistemas que
a ociosidade da terra ou aumentar a
servam animais com prevalência de fração utilizem de uma a centenas de vacas, sem
produtividade do trabalho. O desafio
genética de holandês, criados em condições a necessidade de investimentos em infra-
maior da agricultura familiar é adaptar
inadequadas, animais com prevalência de estrutura e equipamentos. Neste contexto,
e organizar seu sistema de produção a
frações genéticas de raças zebuínas de a EPAMIG vem realizando pesquisas com
partir das tecnologias disponíveis.
No Sudeste e Sul é cada vez mais per-
corte, além de outras combinações não esse genótipo e a seguir serão apresentados
ceptível a transformação de pequenas desejáveis. Tal heterogeneidade do rebanho resultados que poderão ser utilizados pelos
comunidades rurais em unidades de tem como consequência a baixa produção agricultores em ambiente familiar.
processamento de frutas, hortaliças e la- citada. Assim, busca-se uma vaca mestiça
ticínios e da agricultura orgânica. Hoje, que equilibre tanto genes para a produção INDICAÇÕES DA PESQUISA
nas prateleiras dos supermercados de leite quanto genes para rusticidade e PARA O TIPO DE VACA A SER
UTILIZADA
podemos encontrar uma diversidade de adaptação às condições tropicais.
produtos oriundos dessas comunidades, Resultados de pesquisa, conduzidos A primeira opção dos produtores é pela
com marca própria e registro nos órgãos e disponibilizados por instituições como vaca F1 Girolanda (Fig. 1), que se baseia
oficiais de defesa sanitária. Em todos a EPAMIG, Embrapa Gado de Leite e na utilização, além da heterose a genética
esses casos a pesquisa agropecuária Universidades, têm demonstrado o po- aditiva, uma vez que as duas raças são
está presente, fornecendo novas varie- tencial produtivo das fêmeas meio-sangue selecionadas para a produção de leite, as-
dades e cultivares mais produtivos e HZ, sob diversos sistemas de manejo e sociada à rusticidade da raça Gir. Nas vacas
resistentes às doenças, disponibilizando variadas condições ambientais, quando provenientes do cruzamento dessas duas
novos processos de transformação do
comparadas a outros graus de sangue raças ocorre aumento da produção total e
produto agrícola, contribuindo para
sob as mesmas condições. Dentro de diária de leite da primeira à sexta lactação,
qualificação da mão-de-obra para o
determinados limites de produção, esses com produção em torno de 4 mil quilos
uso das novas tecnologias e discutindo
animais, sistematicamente, apresentam por lactação. Observa-se maior período
com os produtores quais as tecnologias,
performances excepcionais a custos com- de serviço no primeiro parto e redução nas
processos e serviços que a pesquisa
petitivos. Tal fato deve-se ao fenômeno outras ordens de partos, fazendo com que
agropecuária precisa desenvolver para
a agricultura familiar. genético denominado heterose (também a vaca fique com o período de serviço em
O aspecto desafiante é fazer tudo isto popularmente conhecido como choque de torno de 100 dias ao longo da sua vida, o
em uma velocidade compatível com o sangue). É o resultado do cruzamento de que representa fertilidade acima de 90%.
processo de transformação que ocorre duas raças originadas de duas subespécies O desempenho produtivo e reprodutivo
no Brasil e no mundo, caracterizado diferentes Bos taurus taurus (ex: Holan- desses animais pode ser explicado pela
por um mercado globalizado, aberto desa) x Bos taurus indicus (ex: Zebu), combinação de genes para produção de
e competitivo. De nada adianta uma obtendo-se o produto meio-sangue (F1), no leite e pela heterose, que é mais evidente
excelente solução quando o problema qual a heterose manifesta-se em seu grau para as características reprodutivas.
já não existe. A agricultura familiar máximo. Fertilidade elevada, longevidade, Outra consideração que deve ser feita
tem pressa. Atender à demanda des- bons níveis de produtividade, adaptação é com relação ao menor porte dos animais
sa importante parcela da população a ambientes com limitações como nas desse cruzamento. O temperamento des-
brasileira é um desafio gratificante e regiões tropicais, adaptação a manejos ses animais também é uma característica
fundamental para uma sociedade mais diferenciados, adaptação à ordenha me- desejável, pois observam-se animais mais
justa e harmoniosa. cânica, habilidade materna, resistência a dóceis, o que facilita o manejo em ambien-
A produção de leite no Brasil baseia-se ectoparasitas, entre outras características, te de criação de leite.
em vacas mestiças, que constituem cerca levam fêmeas F1 HZ à denominação vacas O melhoramento da raça Guzerá para
de 70% do rebanho, com produção média econômicas. características leiteiras permitiu sua difu-
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 7 - 1 4 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 9 1/9/2010 10:27:32


10 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

são, de forma que técnicos e produtores e também à maturidade, que é reflexo do manchas brancas e pretas, além de orelhas
intensificaram o uso de vacas dessa raça em peso dessa vaca. curtas. Essas vacas apresentam elevada
cruzamento com touros da raça Holandesa, Vacas 100% zebuínas com maior apti- eficiência reprodutiva, com intervalos de
produzindo a F1 denominada Guzolanda dão leiteira, cruzadas com touros da raça parto menores de 12 meses a partir do
(Fig. 2). Este cruzamento também associa Holandesa, geram fêmeas F1 Holandês x segundo parto, com fertilidade anual aci-
características de genética aditiva e hete- Zebu (Fig. 3). Apesar de esses animais não ma de 100%, o que reflete muito bem os
rose, uma vez que nas duas raças utilizadas apresentarem raça definida, os efeitos da efeitos da heterose nesses animais. Além
observa-se seleção para leite (genética heterose do cruzamento com o Holandês disso, observa-se bom potencial para a
aditiva), além de explorar a rusticidade proporcionam vacas de boa fertilidade e produção de leite, com lactações acima de
e adaptação da raça Guzerá (expressadas produtividade. As características produti- 2 mil quilos a partir do segundo parto e que
pela heterose). Vacas provenientes do vas e reprodutivas foram semelhantes às alcançam os 3 mil quilos na sexta ordem
cruzamento dessas duas raças apresentam das vacas F1 Holandês x Gir, o que pode de parto, que pode ser atribuído aos genes
produção em torno de 3 mil quilos de leite ter relação com a tradição do manejo desses para produção de leite oriundos da raça
por lactação com aumento da produção animais em ambiente de criação de gado Holandesa. Contudo, a aceitação dessas
total e diária da primeira à sexta lactação. de leite. vacas pelo mercado é restrita.
Observa-se maior período de serviço ao Quando se pensa na genética aditiva Uma importante característica obser-
primeiro parto e redução ao longo das não selecionada para a produção de leite, vada é o aumento da produtividade entre
outras ordens de partos, fazendo com que o cruzamento de vacas zebuínas de corte a primeira e a sexta cria, o que pode ser
a vaca fique com o período de serviço em com touros da raça Holandesa não é uti- atribuído à adaptação e à maturidade
torno de 90 dias ao longo da sua vida, o lizado. Entretanto, quando se consideram desses animais, que continuam crescendo
que representa fertilidade anual próxima a os efeitos de heterose, o cruzamento entre após o segundo parto, por causa do seu
100%. Este animal apresenta maior porte, uma raça selecionada para leite e outra maior porte. As características reprodu-
se comparado a F1 Holandês x Gir. Outro que confira rusticidade e adaptação re- tivas deste cruzamento são excepcionais
aspecto importante é que ainda não há sulta num tipo de animal que poderia ser e as produtivas são satisfatórias, princi-
tradição de manejar a vaca Guzolanda em recomendado. palmente quando comparadas à média
ambiente de criação de leite. Importante, As vacas F1 Holandês x Nelore, Nelo- nacional de produção de leite com vacas
também, é a grande diferença de produção randa (Fig. 4) apresentam características mestiças.
entre a primeira e a sexta lactação, que morfológicas que as distinguem das outras Para minimizar o efeito da raça de
pode ser atribuída à adaptação ao manejo F1, como uma pelagem composta por corte, no caso a Nelore, outra linha que
José Reinaldo Mendes Ruas

José Reinaldo Mendes Ruas

Figura 1 - Vaca F1 Holandês x Gir - Girolanda Figura 2 - Vaca F1 Holandês x Guzerá - Guzolanda

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 7 - 1 4 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 10 1/9/2010 10:27:33


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 11

pode ser explorada é a formação de ma- ou Guzerá x Nelore (Fig. 6). As fêmeas No uso de fêmeas oriundas dos cru-
trizes zebuínas para a produção de vacas obtidas desse cruzamento seriam utilizadas zamentos com base em raças de corte, é
F1 com base nessa raça. Ao considerar-se como matrizes para a produção de vacas F1 necessário estar atento ao seu amansamen-
que a raça Nelore compõe a maior parte do Holandês x Composto Zebu (Fig. 7 e 8). to e condicionamento à ordenha antes do
rebanho nacional, o seu cruzamento com Dados preliminares mostram que vacas F1, primeiro parto. Além disso, esses animais
touros zebuínos com seleção para leite, oriundas desse cruzamento, apresentam apresentarão maior peso adulto do que os
como da raça Gir ou Guzerá, produzirá produção superior às Nelorandas e inferior animais F1 Holandês x Gir. Isso implica na
um composto zebu – Gir x Nelore (Fig. 5) às Girolandas. recomendação de maiores pesos à primeira
José Reinaldo Mendes Ruas

José Reinaldo Mendes Ruas


Figura 3 - Vaca F1 Holandês x Zebu Figura 4 - Vaca F1 Holandês x Nelore - Neloranda
José Reinaldo Mendes Ruas

José Reinaldo Mendes Ruas

Figura 5 - Fêmea Gir x Nelore Figura 6 - Fêmea Guzerá x Nelore


NOTA: Base para cruzamento com touro Holandês - produção NOTA: Base para cruzamento com touro Holandês - produção
de F1. de F1.

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 7 - 1 4 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 11 1/9/2010 10:27:35


12 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal
José Reinaldo Mendes Ruas

José Reinaldo Mendes Ruas


Figura 7 - Vaca F1 Holandês x Nelore - Gir Figura 8 - Vaca F1 Holandês x Nelore - Guzerá

cobrição, como forma de garantir que esses raças Gir e Guzerá, os rebanhos F1 também Manejo das vacas no
animais tenham peso ao parto próximo são indicados para cruzamentos com esses pré-parto
àquele da idade adulta, o que, associado touros. Os animais provenientes desse As vacas gestantes, 30 dias antes do
ao amansamento e condicionamento à cruzamento são indicados para produtores parto previsto, devem ser levadas para o
ordenha, permitirá maiores produções de de leite de média produção, em sistemas piquete maternidade. No verão, devem
leite nas primeiras lactações. menos tecnificados. ser mantidas somente a pasto e com su-
Outra opção, caso o rebanho F1 Ho- plementação mineral. Durante a seca, nos
POTENCIAL DAS FÊMEAS landês x Zebu esteja localizado em regiões piquetes, devem receber suplementação
F1 HOLANDÊS X ZEBU em que o mercado não valoriza bem as volumosa. Os piquetes devem ser obser-
EM PRODUZIR CRIAS DE matrizes leiteiras, é o cruzamento das vacas
QUALIDADE vados diariamente para acompanhamento
F1 com touros zebuínos de raças de corte, dos partos. Vacas e bezerros devem ser
Uma ótima oportunidade de aumentar por exemplo, a Nelore. Esse cruzamento mantidos juntos nas primeiras 24 horas
a renda da fazenda leiteira é a venda de proporciona bezerros de qualidade para o após o parto, para que sejam garantidos o
animais, o que costuma ser feito por pro- mercado da carne. vínculo maternal e a ingestão do colostro.
dutores familiares. Entretanto, nem sempre A opção por determinado cruzamento
os animais produzidos apresentam a qua- é ditado pelo mercado onde o sistema está Condicionamento à
lidade demandada pelo mercado. Sendo inserido. ordenha
assim, é oportuno e, perfeitamente possível As novilhas F1 são criadas em separado
aproveitar melhor o potencial das vacas F1 ALGUMAS RECOMENDAÇÕES das vacas e sem alimentação no cocho.
Holandês x Zebu, relativo à produção de DE MANEJO PARA VACAS F1 Esse sistema de criação faz com que as va-
bezerros destinados à venda. Este genótipo HOLANDÊS X ZEBU
cas primíparas não tenham nenhum contato
é o que apresenta o maior potencial para Os manejos descritos a seguir são com o meio, ou seja, com a sala de ordenha.
este propósito, pois pode produzir o animal compatíveis com os sistemas de produ- Para facilitar o condicionamento, 30 dias
¾ Holandês x Zebu, que se destaca tanto ção de leite da maioria dos agricultores antes do parto essas novilhas são levadas
pela produção de leite, quanto pela adap- familiares e sua utilização promoverá para o curral de produção de leite. Em um
tação a manejo sem bezerro. aumento da eficiência do sistema, sem, primeiro momento, são introduzidas na
Com o advento do teste de progênie de contudo, onerá-lo, o que resultará em sala de ordenha, somente para passagem
touros zebuínos para produção de leite, nas maior rentabilidade. no corredor conhecido como fila indiana.
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 7 - 1 4 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 12 1/9/2010 10:27:36


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 13

Após essa etapa, procede-se a parada das lactação, cerca de 700 kg de leite a mais consiste em cortá-lo a mais ou menos 3 cm
novilhas na fila de ordenha, quando são do que aquelas ordenhadas uma única vez, do corpo e desinfetá-lo, imergindo-o em
feitas práticas de lavagem e de contato uma produção de leite 32,5% maior. um vidro de boca larga contendo solução
manual do úbere. Caso algum animal de iodo a 10%. É uma prática simples e
mostre comportamento mais bravio, joga- Secagem das vacas eficiente, que deve ser repetida por dois a
se água no corpo do animal. Como existe A secagem dos animais é feita com três dias. Em relação à ingestão do colostro,
grande variação individual entre animais, base na data prevista do parto subsequen- deve-se esforçar para que o colostro seja
o principal é que esses procedimentos te à lactação em curso. Nenhuma prática ingerido nas primeiras horas de vida do
sejam realizados com bastante calma e especial é feita no momento da secagem, bezerro. Isso faz com que os anticorpos
repetidos quantas vezes forem necessárias como a utilização de infusões antibióticas maternos, denominados imunoglobulinas,
para que, ao parto, essas vacas estejam intramamárias. sejam transferidos aos recém-nascidos, bem
condicionadas à ordenha, garantindo um como as vitaminas e minerais, que são im-
procedimento tranquilo. Como deve-se Manejo reprodutivo portantes para a nutrição dos bezerros, além
evitar o uso de peias no momento da orde- Na reprodução, pode ser utilizado sis- de estimular o funcionamento do aparelho
nha, o condicionamento para esse manejo tema de monta natural ou inseminação ar- digestivo e a formação da flora intestinal.
deve ser realizado. tificial. Na monta natural, as vacas deverão Vacinações devem ser realizadas no
ser mantidas com touros de comprovada período recomendado, ou seja, contra
Sistema de ordenha
fertilidade, que são colocados com as vacas febre aftosa (de acordo com a campanha),
Propriedades com produção de leite logo após o parto. No caso de inseminação carbúnculo sintomático (aos 30 e 60 dias
abaixo de 200 litros diários, e rebanho artificial, é importante que haja treina- e à desmama), brucelose (fêmeas de cinco
composto por vacas mestiças, realidade da mento e que esta prática seja feita dentro a oito meses de idade) e raiva (a partir dos
agricultura familiar, utilizam, na maioria de todas as normas, visto que o uso da três meses de idade).
das vezes, o sistema de ordenha manual. inseminação artificial de forma incipiente A vermifugação deve ser feita pelo me-
A opção por este sistema está relacionada pode levar a resultados desastrosos. Avalia- nos quatro vezes nos primeiros oito meses
com a capacidade de investimento, pro- ções ginecológicas deverão ser realizadas de vida, para que haja controle satisfatório
dução de leite e tipo de animal, uma vez mensalmente por profissional qualificado. da maioria dos vermes gastrointestinais e
que, sem comprovação científica, associam pulmonares. Limpeza, drenagem e rotação
ordenha mecânica às vacas especializadas Manejo de vacas secas de pastos, aliadas a uma boa alimentação,
e de alta produção. O sistema utilizado nas As vacas secas devem ser manejadas são condições que favorecem um controle
vacas F1 é de ordenha mecânica, tipo pas- em sistema de pastejo exclusivo durante mais efetivo das verminoses.
sagem ou fila indiana, com arraçoamento todo o período, recebendo apenas sal mi- A prática de combate aos ectoparasistas
na sala e presença do bezerro no momento neral à vontade. Trinta dias antes do parto deve ser realizada de acordo com a infesta-
da ordenha. A adaptação ao sistema de or- devem ser encaminhadas ao piquete mater- ção, com muito rigor, visto que os carra-
denha chega próximo aos 100% e de forma nidade, onde passam a receber tratamento patos são responsáveis pela transmissão da
eficiente. Assim, agricultores que queiram, diferenciado, como descrito anteriormente. tristeza parasitária dos bovinos (anaplas-
podem utilizar esta tecnologia, tendo so- Esse manejo alimentar visa garantir um mose e piroplasmose), que compromete
mente o cuidado de treinar a mão-de-obra bom escore corporal ao parto, evitando o o desenvolvimento e a sobrevivência dos
e fazer a adaptação das vacas. desgaste com a produção de leite. Cria-se, bezerros.
assim, condições ideais para nova gesta- A descorna pode ser realizada até os 15
Frequência de ordenhas ção, o que se traduz em bons níveis de dias de vida, por apresentar menor risco
diárias fertilidade, fundamental para obter bom e maior facilidade. A modalidade mais
A partir de rebanhos leiteiros consti- desempenho no sistema de produção. difundida entre os criadores é a utilização
tuídos de gado especializado, a prática de do ferro candente, que, além de prático, é
Manejo dos bezerros
duas ou mais ordenhas alcançou rebanhos bastante funcional e barato.
mestiços, inclusive muitos com baixa pro- Após o nascimento, os bezerros devem Do nascimento até os 60 dias de idade,
dução. Pode-se afirmar que a produção de permanecer com a mãe durante um período deve-se reservar um teto para amamen-
leite tem relação direta com a frequência mínimo de 24 horas, de preferência no tação completa (sucção direta). Após 60
das ordenhas. Vacas F1HZ ordenhadas piquete maternidade. Logo após o nasci- dias de idade até a desmama, nenhum teto
duas vezes ao dia produziram, durante a mento, realiza-se a cura do umbigo, que é reservado para os bezerros, que devem
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 7 - 1 4 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 13 1/9/2010 10:27:36


14 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

ser levados à vaca apenas para promover de leite do País, com mais qualidade, em BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
o estímulo à descida do leite, sendo ime- sistemas sustentáveis econômico, social e AMARAL, R. et al. Sistema de produção de
diatamente retirados e levados à outra re- ambiental. leite em pasto com vacas F1HZ. Belo Hori-
partição do curral, onde ficam à espera das Outro aspecto importante da produção zonte: EPAMIG, 2006. 32p. (EPAMIG. Bole-
mães. Após a ordenha, as vacas devem ser de leite com gado mestiço é a integração tim Técnico, 78).
encaminhadas ao encontro dos bezerros, entre a cadeia de carne e leite, com pro- CÓSER, A.C.; MARTINS, C.E.; DERESZ, F.
onde fazem a mamada do leite residual, dutos de qualidade. Ou seja, a vaca F1 é Capim elefante: formas de uso na alimenta-
por um período aproximado de 30 minu- capaz de produzir em ambiente de muitas ção animal. Juiz de Fora: Embrapa Gado de
tos. Esse tipo de manejo permite uma boa limitações, a preços competitivos, leite e Leite, 2000. 27p. (Embrapa Gado de Leite.
performance de desempenho dos bezerros Circular Técnica, 57).
bezerros de qualidade, contribuindo, assim,
até a desmama, com custos baixos na cria, para que a pecuária leiteira de agricultores FERREIRA, J.J. Alimentação de bovinos
quando são desmamados, em média, com familiares torne-se mais rentável. mestiços leiteiros. Informe Agropecuário.
180 kg de peso vivo. Esse manejo contribui Produção de leite com vacas mestiças. Belo
Horizonte, v.25, n.221, p.64-72, 2004.
ainda para a qualidade sanitária do úbere e AGRADECIMENTO
consequente reflexo na qualidade do leite, _______. et al. Sistema EPAMIG de alimen-
reduzindo significativamente a incidência À Fundação de Amparo à Pesquisa do tação de vacas mestiças leiteiras. Belo Hori-
Estado de Minas Gerais (Fapemig) e ao zonte: EPAMIG, 2007. 47p. (EPAMIG. Bole-
de mamite e não interferindo na produção
Conselho Nacional de Desenvolvimento tim Técnico, 83).
total de leite por lactação.
Científico e Tecnológico (CNPq), pelo INFORME AGROPECUÁRIO. Gir leiteiro.
Manejo geral do rebanho financiamento das pesquisas e pelas bolsas Belo Horizonte: EPAMIG, v.29, n.243, mar./
concedidas. abr. 2008.
O controle sanitário do rebanho de leite
_______. Produção de leite com vacas mes-
é semelhante ao de um rebanho de corte,
REFERÊNCIAS tiças. Belo Horizonte: EPAMIG, v.25, n.221,
ou seja, vacinação contra febre aftosa, 2004.
BUAINAIN, A.M.; ROMEIRO, A.R.; GUAN-
seguindo o calendário oficial, e vacinação
ZIROLI, C. Agricultura familiar e o novo _______. Recursos genéticos animais para a
anual contra raiva. As demais doenças
mundo rural. Sociologias, Porto Alegre, ano produção de leite. Belo Horizonte: EPAMIG,
devem ser monitoradas e, caso necessário, 5, n.10, p.312-347, jul./dez. 2003. v.16, n.177, 1992.
realizar vacinações de forma estratégica.
CENSO AGROPECUÁRIO 2006. Resultados LOPES, F.C.F. Consumo de forrageiras tro-
Anualmente, devem ser realizados exames
preliminares. Rio de Janeiro: IBGE, 2007. picais por vacas em lactação sob pastejo
de tuberculose e brucelose. O controle de em sistemas intensivos de produção de
carrapatos e bernes é feito de acordo com PORTUGAL, A.D. O desafio da agricultura
leite. Cadernos Técnicos de Veterinária e
familiar. AgroAnalysis, Rio de Janeiro,
a infestação. Zootecnia, Belo Horizonte, v.57, p.67-117,
mar. 2004. Disponível em: <http://www.
2008.
embrapa.br/imprensa/artigos/2002/artigo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS 2004-12-07.2590963189>. Acesso em: jan. MOREIRA, H.A. Suplementação de con-
Atualmente, a competitividade do 2010. centrados para vacas leiteiras. 2.ed. Coro-
nel Pacheco: EMBRAPA-CNPGL, 1984. 14p.
sistema de produção de leite não envolve SOUZA, R.P.; WAQUIL, P.D. A viabilidade
(EMBRAPA-CNPGL. Circular técnica, 17).
somente produtividade, visto que sistemas da agricultura familiar produtora de leite: o
instalados na Oceania são os mais compe- caso do sistema COORLAC (RS). In: CON- NUSSIO, L.G.; SANTOS, M.C.; QUEIROZ,
titivos, apesar de ter produtividade inferior GRESSO DA SOCIEDADE BRASILEIRA O.C.M. Cana-de-açúcar para a produção in-
DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E SO- tensiva de leite em pasto. Cadernos Técni-
aos sistemas intensivos. É necessário que
CIOLOGIA RURAL, 46., 2008, Rio Branco. cos de Veterinária e Zootecnia, Belo Hori-
haja uma matriz diferenciada que se adapte Anais... Rio Branco: SOBER, 2008. p.1-28. zonte, v.57, p.40-66, 2008.
ao sistema e que a exploração seja feita
WILKINSON, J. Mercosul e produção fami- _______. et al. Cana-de-açúcar
���������������������������
como alimen-
à base de pastagens, produzindo leite de
liar: abordagens teóricas e estratégias alter- to para bovinos. In: SIMPÓSIO SOBRE MA-
qualidade e a baixo custo. Pesquisas, cujos nativas. Estudos Sociedade e Agricultura, NEJO ESTRATÉGICO DA PASTAGEM, 3.,
objetivos sejam de identificar animais e Rio de Janeiro, n.8, p.25-50 abr. 1997. 2006, Viçosa. Anais…Viçosa, MG: FUNARB,
tecnologias que atendam a esta nova rea- 2006. p.277-328.
ZOCCAL, R. Produção de leite na agricultu-
lidade, associada a uma assistência técnica
ra familiar. In: CONGRESSO DA SOCIEDA- PEREIRA, M.N. Potencial da cana-de-açúcar
treinada nestas metodologias, farão com DE BRASILEIRA DE ECONOMIA E SOCIO- para alto desempenho de bovinos. Leite in
que cada vez mais consolide a importân- LOGIA RURAL, 42., 2004, Cuiabá. Anais... Natura, Belo Horizonte, n.3, p.56-64, jun./
cia da agricultura familiar na produção Cuiabá: SOBER, 2004. p.1-12. jul. 2006.

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 7 - 1 4 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 14 1/9/2010 10:27:36


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 15

Utilização de pastagens, volumosos e concentrados


na produção de leite da agricultura familiar
Domingos Sávio Queiroz 1
Adriano de Souza Guimarães 2
Edilane Aparecida da Silva 3
José Reinaldo Mendes Ruas 4

Resumo - Os processos de gestão da propriedade familiar ainda estão longe de registrar


custos, investimentos, rentabilidade, planejamento, etc. Na maioria das propriedades fa-
miliares não há um planejamento adequado da produção, armazenamento e utilização
dos recursos alimentares. A criação de bovinos é feita em bases empíricas, que caracte-
rizam a atividade como extrativista, com alta ocorrência de pastos degradados. Estraté-
gias como adubação, práticas de manejo, diversificação e seleção de espécies forrageiras
adaptadas à condição de exploração devem ser observadas pelo produtor de leite. Entre
as propostas disponíveis para recuperação de pastagens degradadas, o uso de sistemas
agrossilvipastoris pode ser uma alternativa viável. No caso da pecuária familiar, o sis-
tema tem forte apelo, pois a lavoura pode custear a recuperação do pasto e as árvores
representam uma opção de renda futura. Além do pasto, outros alimentos volumosos
compõem a alimentação dos ruminantes, os quais compreendem as gramíneas para cor-
te, as silagens, os fenos e os restos de culturas agrícolas. A suplementação com alimen-
tos concentrados é alternativa para bovinos manejados em pasto e pode contribuir para
incrementos produtivos, porém, há necessidade de avaliação criteriosa de seu uso para
vacas em lactação. As características da propriedade e do sistema de produção determi-
narão a adequação de cada alternativa.

Palavras-chave: Pastagem. Suplementação volumosa. Suplementação concentrada. Inte-


gração agrossilvipastoril.

INTRODUÇÃO dades familiares, não há um planejamento com foco no aumento da produtividade do


adequado da produção, armazenamento e rebanho, produzindo reflexos diretos no
A baixa produtividade apresentada
pela maioria dos rebanhos de leite, no utilização dos recursos alimentares para aumento da renda familiar, na capacidade
segmento da agricultura familiar, deve-se a época seca. Em consequência da pouca de capitalização do produtor e na fixação
à inadequada nutrição das vacas em alguma escolaridade e/ou da limitação financeira, da família no campo.
fase do ano. Normalmente, essa situação o produtor familiar não tem acesso às Uma pesquisa feita com 574 produtores
agrava-se nos períodos de seca, por causa tecnologias geradas e adaptadas sobre de diversos segmentos de produção de
da diminuição da oferta e da qualidade nu- manejo alimentar de bovinos leiteiros. O leite, em Minas Gerais, realça a diferença
tricional do pasto. Na maioria das proprie- sistema de alimentação deve ser melhorado entre os indicadores técnicos para distintos

1
Zootecnista, D.Sc., Pesq. U.R. EPAMIG ZM Caixa Postal 216, CEP 36570-000 Viçosa-MG. Correio eletrônico: dqueiroz@epamig.br
2
Zootecnista, M.Sc., Pesq. U.R. EPAMIG TP-FEST/Bolsista FAPEMIG, Caixa postal 135, CEP 38700-000 Patos de Minas-MG. Correio ele-
trônico: adriano.guimarães@epamig.br
3
Zootecnista, D.Sc., Pesq. U.R. EPAMIG TP/Bolsista FAPEMIG, Caixa Postal 351, CEP 38001-970, Uberaba-MG. Correio eletrônico:
edilane@epamig.br
4
Médico-Veterinário, D.Sc. Pesq. U.R. EPAMIG NM/Bolsista CNPq, Caixa Postal 12, CEP 39525-000 Nova Porteirinha-MG. Correio eletrônico:
jrmruas@epamig.br

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 1 5 - 2 5 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 15 1/9/2010 10:27:36


16 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

estratos de produção (Quadro 1). Pequenos QUADRO 1 - Indicadores técnicos médios em 574 propriedades de diversos segmentos de
produtores apresentam baixa produção produção de leite em Minas Gerais no período 1995/1996 a 2001/2002
média por vaca em lactação e menor pro- Estrato de produção (L/dia)
Indicadores técnicos
dutividade por área, em relação aos estratos Até 50 De 51 a 250 Acima de 250
de maior produção. Não há diferença na
Vacas em lactação (L/dia) 6,45 a 10,50 b 14,05 c
lotação dos pastos, o que significa que,
Área de pastagem (ha) 8,90 a 29,64 b 81,28 c
embora os maiores produtores façam um
investimento muitas vezes maior que os Pastagem (L/ha/ano) 909 a 1.612 a 2.529 b

menores produtores, esses investimentos Lotação dos pastos (UA/ha) 1,38 a 1,35 a 1,31 a

não têm como endereço a pastagem. O que Gastos diretos (R$/mês)


(1)
87,40 a 518,11 a 2.485,87 b
FONTE: Dados básicos: Fassio, Reis e Gerado (2006).
explica a grande diferença de produtivi-
NOTA: Médias seguidas de mesma letra, na linha, são estatisticamente iguais pelo teste
dade por vaca é o investimento em ração Tukey, a 5% de probabilidade.
concentrada, praticamente ausente entre os (1) Concentrados, medicamentos, silagem, energia elétrica, mistura mineral, inseminação
artificial.
pequenos produtores.
Essa situação é comum na pecuária
brasileira. A criação de bovinos é feita em produzida, focalizadas principalmente na São Paulo, Estado mais rico da Federação e
bases empíricas, que caracterizam a ativi- manipulação da taxa de lotação, diversi- onde a pecuária sofre grande concorrência
dade, na maioria das propriedades, como ficação e seleção de espécies forrageiras com a cana-de-açúcar e a laranja, somente
extrativista, particularmente em relação ao adaptadas à condição de exploração devem 15,7% das pastagens recebem investimento
uso do pasto. Nesse aspecto, os pecuaristas ser observadas pelo produtor de leite. Solos em adubação, o que as caracteriza como de
não se apropriaram das tecnologias dispo- utilizados com pastagens normalmente são exploração intensiva. Segundo Barcellos et
níveis na exploração de pastagens, como aqueles que apresentam alguma limitação, al. (2008), o consumo de fertilizantes em
tem ocorrido na agricultura. Isto explica a como baixa fertilidade natural, acidez ele- pastagens, nos últimos anos, tem variado
elevada ocorrência de degradação de pas- vada, topografia acidentada, má drenagem. de 400 a 500 mil toneladas. Considerando
tos em todos os segmentos de produção. Na Por isso, apresentam baixa capacidade de que recebe adubação apenas a área de pas-
Zona da Mata de Minas Gerais, um estudo suprir nutrientes, além de teores tóxicos tagem cultivada de, aproximadamente, 140
de campo foi conduzido com o objetivo de alumínio (Al), resultando em níveis de milhões de hectares, a adubação anual de
de identificar os níveis de degradação das
produtividade muito baixos. Na fase inicial pastagem seria da ordem de 2,9 a 3,6 kg/
pastagens (NASCIMENTO et al., 2006).
de utilização, apresenta produção razoável, ha de fertilizantes NPK. Isto explica, em
Da área de 3.670 ha avaliados, aproxima-
decorrente de pequenos investimentos que parte, o porquê de a maioria das pastagens
damente 70% correspondem a pastagens.
são feitos na implantação, como correção encontrarem-se degradadas ou em degra-
De acordo com os resultados, as pastagens
da acidez e do revolvimento de solo, que dação. Por carência de nutrientes minerais,
com nível de degradação moderado, forte
promove a mineralização da matéria or-
e muito forte ocupam 8,21%, 56,46% e as gramíneas sob pastejo não conseguem
gânica (MO), disponibilizando nutrientes,
5,07% da área, respectivamente. As pas- sustentar um crescimento adequado para a
mas cuja produtividade decresce com o
tagens com nível de degradação forte e intensidade de uso a que são submetidas.
passar dos anos.
muito forte ocorrem, predominantemente, O manejo inadequado da forrageira e o
Se o solo aporta quantidades insuficien-
em áreas de relevo forte ondulado e, em esgotamento da fertilidade do solo têm
tes de nutrientes para atender à demanda
situações mais graves, observa-se perda conduzido os pecuaristas a uma cíclica
de produção da forrageira, a fertilização
acentuada de solo. substituição das espécies forrageiras, bus-
torna-se necessária. Se o produtor planeja
cando sempre aquelas consideradas menos
PASTAGENS NA PRODUÇÃO intensificar a produção de leite ou carne, exigentes em nutrientes e, frequentemente,
DE LEITE DA AGRICULTURA a fertilização torna-se essencial. Apesar de menor valor nutritivo.
FAMILIAR disso, poucos produtores adotam a adu- Na pecuária familiar, esses efeitos
Quando se fala em produção de leite bação dos pastos, por não reconhecerem são intensificados. Pressionados pela
em pastagens, alguns aspectos devem ser nessa prática retorno financeiro. Levan- necessidade de manutenção da estrutura
considerados para a obtenção de índices tamento da Coordenadoria de Assistência familiar, quase nada do que é produzido
eficientes de exploração. Estratégias Técnica Integral (CATI), da Secretaria da pela pecuária retorna para a atividade.
como adubação, práticas de manejo que Agricultura e Abastecimento de São Paulo Pelos dados do Quadro 1, pode-se ver que
maximizem o aproveitamento da forragem (MAYA, 2003), revelou que no estado de no segmento até 50 L por dia, nem mesmo
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 1 5 - 2 5 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 16 1/9/2010 10:27:37


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 17

ração concentrada é fornecida para as vacas produções suficientes para manter 7 a 10 Vacas de leite em pastagens têm sua
em produção, e o pequeno investimento vacas por hectare. Algumas considerações produção por área e por vaca dependen-
feito deve estar relacionado com as vacinas devem ser feitas a respeito da adubação te, respectivamente, da capacidade de
obrigatórias e com outros medicamentos, de pastos. O produto obtido da adubação suporte e do valor nutritivo do pasto. A
como carrapaticidas e bernicidas. é o pasto, que não é comercializável dire- capacidade de suporte é afetada princi-
Apesar disso, é fato notório que a ex- tamente. O produto comercial é leite e/ou palmente por fatores como clima, solo,
ploração pecuária bovina no Brasil vem carne. Produzir o pasto e não transformá-lo manejo e adaptação da espécie forragei-
apresentando alguma expansão do uso de em leite e/ou carne é prejuízo. Por isso, ra ao pastejo. A avaliação do potencial
pastagens intensivamente exploradas, que diferentemente de uma atividade agríco- de produção de leite em pastagens sob
permitem altas taxas de lotação. Esta é a la, a adubação de pastagens exige maior condições tropicais é farta em resulta-
filosofia aplicada pelo “Programa Balde acompanhamento administrativo. Como a dos de pesquisa (Quadro 2). Fica claro,
Cheio”, da Empresa Brasileira de Pesquisa resposta de gramíneas tropicais à adubação pelos dados apresentados no Quadro 2,
Agropecuária (Embrapa), direcionado aos é intensa e muito rápida, as decisões têm de que o potencial de produção de pastos
produtores familiares. A adubação nos ser tomadas também rapidamente. O pecu- tropicais sem suplementação concentrada
níveis recomendados constitui o maior arista familiar está preparado para exercer ou com pequeno fornecimento de ração fica
desafio em quebrar a resistência do criador essa função? As informações em trabalhos entre 8 e 12 kg de leite por vaca por dia.
na adoção da tecnologia. Tal resistência técnicos, sociais, gerenciais relacionados Usando a média obtida no Quadro 1 para
justifica-se pela falta de tradição do uso de com a agricultura familiar indicam que produtores de até 50 L/dia, verifica-se que
adubação em pastagens e de seu alto custo não. Os processos de gestão da propriedade há espaço para ampliar a produtividade da
em sistemas intensivos. familiar ainda estão longe de registrar cus- maioria dos produtores de leite familiares.
A eficiência das gramíneas tropicais tos, investimentos, rentabilidade, planeja- Em artigo que simula a aplicação
para produção de forragem é muito alta. mento, etc. Mesmo propriedades maiores, de diversas tecnologias para pequenos
Sob condições de adubação, durante o pe- onde os investimentos são mais elevados, produtores da Zona da Mata de Minas
ríodo quente e chuvoso do ano, são obtidas esses controles são frágeis. Gerais, Leite e Resende (2006) mostram

QUADRO 2 - Produção de leite de vacas mestiças europeu/zebu, mantidas em pasto de gramíneas tropicais puras ou consorciadas com
leguminosas, com ou sem concentrados, na época de chuvas

Gramínea Dose de nitrogênio Taxa de lotação Concentrado kg leite/vaca/dia Fonte


(kg/ha) (vacas/ha) (kg/vaca/dia)
Pennisetum purpureum (elefante) 200 4,5 - 11,7 Deresz (2001a)
Pennisetum purpureum (elefante) 200 4,5 - 11,9 Deresz (2001b)
Pennisetum purpureum (elefante) 200 4,5 2 13,4 Deresz (2001b)
Brachiaria decumbens 100 5,5 2 11,0 Gomide et al. (2001)
Brachiaria brizantha (marandu) 200 4,5 2 9,8 Porto et al. (2009)
Panicum maximum (tanzânia) 200 4,5 2 9,8 Porto et al. (2009)
Pennisetum purpureum (elefante) 300 6,0 2 11,6 Soares et al. (1999)
Pennisetum purpureum (elefante) 700 6,0 2 12,3 Soares et al. (1999)
Pennisetum purpureum (elefante) 200 4,0 2 11,4 Coser et al. (1999)
Pennisetum purpureum (elefante) 200 4,0 1 8,6 Fonseca et al. (1998)
Cynodon nlemfuensis (estrela) 100 2,4 - 9,5 Gonzalez et al. (1996)
Cynodon nlemfuensis+ A. pintoi - 2,4 - 10,8 Gonzalez et al. (1996)
Setaria sphacelata (setaria) 100 2,7 10,4 Alvim et al. (1995)
Panicum maximum (vencedor) 260 4,0 - 11,6 Leal e Nascimento (2002)
Brachiaria mutica (angola) 125 1,8 - 9,7 Alvim et al. (1995)
Brachiaria dictioneura - 1,0 - 9,6 Lascano e Avila, (1991)
Andropogon gayanus - 1,0 - 9,5 Lascano e Avila, (1991)
Cynodom dactylon (coast-cross) 400 3,6 - 13,1 Martinez, Ruiz e Herrera (1980)
Paspalum atratum (pojuca) 108 3,6 1 7,8 Queiroz et al. (2005)
Brachiaria humidicola (Llanero) 108 3,4 2 9,2 Queiroz et al. (2005)
Brachiaria mutica x B. arrecta (tangola) 108 2,9 2 10,3 Queiroz et al. (2005)

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 1 5 - 2 5 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 17 1/9/2010 10:27:37


18 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

que somente o aumento da produtividade ção e maior desenvolvimento do sistema em cocho à vontade com uma mistura de
de leite por vaca, de 7,9 para 10,12 L/dia, radicular da planta forrageira. Mesmo na 50% de silagem de milho + 50% de cana-
e a redução do intervalo entre partos, de ausência de adubação, um sistema radicular -de-açúcar picada + 250 g de concentrado
18 para 15 meses, mais que duplicaram a mais desenvolvido permite explorar maior nitromineral. Todas as vacas recebiam con-
renda do produtor (Quadro 3). área de solo e elevar o vigor das plantas centrado durante a ordenha, de acordo com
Esses resultados podem ser alcançados (Fig. 1). O pasto reservado pode ser usado a produção de leite, sendo 1 kg para cada
com pequenas modificações no sistema de no período de seca com classes animais 3 kg, a partir dos 5 kg de leite produzidos.
produção adotado pela maioria dos produ- menos exigentes (vacas secas, animais de O uso de animais mestiços e sua adap-
tores. Embora não se verifique vantagem recria, etc.) ou mesmo vacas de leite desde tação às condições do ambiente tropical
do pastejo com lotação rotacionada sobre que suplementadas. proporcionam a utilização de sistemas de
o pastejo com lotação contínua, nos resul- Os resultados de um ensaio conduzido produção de grande potencial de rentabi-
tados de pesquisa, o uso do pastejo rota- na Fazenda Experimental de Felixlândia lidade e ecologicamente mais desejáveis,
cionado permite melhor administração dos (FEFX), da Unidade Regional EPAMIG que os sistemas em confinamento. Nessas
recursos forrageiros. Isto porque o produtor Centro-Oeste (U.R. EPAMIG CO), com- condições, produtores cuja produção
não consegue o ajuste perfeito nas taxas provam isso (Quadro 4). Vacas mestiças F1 baseia-se no uso de pastagens, reconhe-
de lotação, de acordo com o crescimento holandês zebu suplementadas na seca em cidamente o mais barato alimento para os
do pasto, prática normalmente adotada pasto diferido de Brachiaria decumbens, ruminantes, apresentam maior capacidade
na pesquisa. Assim, em épocas de sobra com 1,25 kg/dia de ração contendo 33,4% de se manterem na atividade, que aqueles
de forragem, o produtor pode descansar de proteína bruta produziram a mesma dependentes de grandes investimentos na
alguns pastos, permitindo sua recupera- quantidade de leite que vacas suplementadas compra de alimentos concentrados.

QUADRO 3 - Dados médios reais de pesquisa com 55 produtores de leite da Zona da Mata de Minas Gerais e resultados da simulação com
aumento da produtividade decorrente da aplicação de algumas tecnologias

Variável Dados médios Simulação

Vacas totais (cabeças) 18 18


Vacas em lactação (cabeças) 12 14
Produtividade animal (L/vaca/dia) 7,9 10,12
Principal alimento fornecido Pasto de B. decumbens Pasto de B. decumbens
Produção diária (litros) 79 122
Custo de produção (R$/L) 0,38 0,29
Renda líquida mensal (R$/mês) 249,68 562,46

Preço recebido pelo produtor (R$) 0,50 0,50


FONTE: Dados básicos: Leite e Resende (2006).

Fotos: Domingos Sávio Queiroz

A B C
Figura 1 - Área de pasto da Zona da Mata de Minas Gerais em diferentes épocas
NOTA: A - Após a formação; B - Durante a seca após dois anos de uso; C - Após pousio durante o período chuvoso.

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 1 5 - 2 5 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 18 1/9/2010 10:27:37


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 19

QUADRO 4 - Produção diária de leite (L) em vacas suplementadas em pasto diferido de Brachiaria decumbens ou no cocho com silagem de
milho + cana-de-açúcar durante o período seco

Tratamento 120 a 200 dias de lactação 201 a 250 dias de lactação

Proteinado (1,25 kg/cab./dia) em pasto 9,29 a 9,75 a


(1)
Proteinado (1,25 kg/cab./dia) em pasto 9,65 a 4,87 b

Cocho: 50% silagem milho + 50% cana-de-açúcar à vontade 9,54 a 8,21 a


FONTE: Dados básicos: Ruas et al. (2007).
NOTA: Médias com letras iguais na coluna não diferem pelo teste SNK (P<0,05).
(1)Proteinado oferecido apenas de 120 a 200 dias de lactação.

INTEGRAÇÃO LAVOURA se pretende e no potencial que o mercado e à baixa fertilidade do solo devem ser
PECUÁRIA FLORESTA (ILPF) oferece na região. No caso das forrageiras, consideradas. Espécies que apresentam
Entre as propostas disponíveis para deve-se optar por espécies mais tolerantes sistema radicular profundo reduzem a
recuperação de pastagens degradadas, o ao sombreamento. As espécies do gênero competição por nutrientes minerais com
uso de sistemas silvipastoris (SSPs) pode Brachiaria e Panicum apresentam de- o pasto, além de reciclar os nutrientes das
ser uma alternativa viável, por causa do senvolvimento satisfatório sob sombra partes mais profundas para a superfície do
potencial desses sistemas para desenvolver moderada, mas apresentam forte redução solo. Outra característica desejável seria a
modelos sustentáveis de exploração pecu- da produção sob sombreamento intenso. regeneração rápida, quando danificada. A
ária. Os SSPs, modalidade dos sistemas Quanto às árvores, o ideal seria a produção de madeira, frutos, óleo, carvão
agroflorestais, intencionalmente integram utilização de espécies nativas ou bem ou outros produtos com alto potencial para
árvores ou arbustos, culturas forrageiras adaptadas às condições edafoclimáticas comercialização agrega valor econômico
e bovinos dentro de uma estrutura com da região, com crescimento inicial rápido ao sistema. Entre as espécies de legumino-
interações planejadas. A Integração La- e copa reduzida ou pouco densa, para sas nativas de Minas Gerais, destaca-se o
voura Pecuária (ILP) vem sendo avaliada diminuir o sombreamento do pasto, de angico-mirim, por apresentar crescimento
com a introdução do componente florestal preferência leguminosas arbóreas fixado- rápido e capacidade de reciclar nutrientes
na renovação do pasto. As propostas mais ras de nitrogênio. A adaptação à acidez para a pastagem. Outras espécies nativas
recentes incluem a introdução de fileiras
de eucalipto junto com a lavoura e o pasto
(Fig. 2). Após a colheita da lavoura, tem-se
o pasto formado e a espécie florestal em
crescimento. No caso da pecuária familiar,
o sistema tem forte apelo econômico, pois
a lavoura pode custear a recuperação do
pasto e as árvores representam uma opção
de renda futura, sem a perda de renda atual
com o uso do pasto. No caso da introdução
de espécies florestais, pode ser necessária
uma espera maior, para iniciar o pastejo, a
fim de assegurar que os animais não dani-
fiquem as árvores. Nesse caso, a proposta
atende à recomendação de fazer o pousio
de algumas áreas periodicamente. As op-
Domingos Sávio Queiroz

ções de SSPs que integram a utilização do


eucalipto já foram bastante estudadas. No
caso de outras espécies florestais, parti-
cularmente árvores nativas e exóticas, os
estudos ainda são poucos.
A escolha da espécie arbórea deve ser Figura 2 - Área de pasto degradado renovado com integração de milho - B. brizantha cv.
feita com base no tipo de exploração que Marandu e eucalipto, em Viçosa, MG

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 1 5 - 2 5 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 19 1/9/2010 10:27:38


20 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

como o angico-vermelho, angico-branco, VOLUMOSOS os volumosos alternativos mais produtivos


jacarandá-da-bahia, bordão-de-velho, como, por exemplo, a cana-de-açúcar. O
Os alimentos volumosos constituem
mulungu e jacaré também são recomen- fornecimento de concentrado também é li-
a base de alimentação dos ruminantes e
dadas. Dentre as espécies exóticas pode-se mitado e não complementa as necessidades
compreendem as pastagens, as gramíneas
destacar a Acacia mangium. Recomenda-se de consumo do animal.
para corte, as silagens, os fenos e restos
introduzir até 500 árvores por hectare, em Muitos produtores acreditam que a
de culturas agrícolas. Segundo Ferreira
fileiras simples ou múltiplas, cuidando (2004), o volumoso usado na alimentação
facilidade operacional proporcionada pela
sempre para que haja um corredor de utilização da silagem durante o período
de ruminantes não deve ter a função única
pasto com, no mínimo, 10m de largura, seco do ano, em detrimento do corte diário
de estar à vontade no cocho, mas de con-
evitando um sombreamento exagerado da da cana-de-açúcar, reverteria em ganhos
tribuir ao máximo na disponibilização de
forrageira, que comprometa a produção. A laborais para sua família, que normal-
nutrientes para o animal. O emprego de
recuperação do pasto concomitante com a mente representa a mão-de-obra efetiva
volumosos de alta qualidade na nutrição
introdução das árvores compensa a área do empreendimento pecuário. Neste caso
de bovinos de leite é estratégia interessante
específico, a facilidade operacional alcan-
ocupada pelo componente florestal sem para a redução dos custos com a alimen-
çada conduz a prejuízos causados por um
perda na capacidade de suporte animal tação, quando comparada aos alimentos
rebanho mal nutrido e de baixa produção,
da área. concentrados. A qualidade do volumoso
caso a silagem produzida e utilizada não
Outra possibilidade é a implantação irá influenciar na quantidade e na qualidade
seja confeccionada, levando-se em consi-
de SSPs, em que o componente arbóreo- de concentrado para o rebanho leiteiro,
deração critérios técnicos como a quan-
arbustivo seja constituído por espécies com reflexos na rentabilidade do sistema.
tidade requerida, a qualidade nutricional
oleaginosas. Dias, Miller e Fernandes O correto planejamento alimentar deve
desejável e o período de suplementação.
(2007) citam o consórcio do pinhão-manso estar ancorado no número de animais a
Para a obtenção de uma silagem de
(Jatropha curcas L.) com a pastagem. No ser suplementado e o período suplementar
estipulado, independente da espécie forra- qualidade, vários fatores devem ser con-
caso do pinhão-manso, já há recomenda- siderados, segundo Bernardes, Siqueira
ção de espaçamento para o consórcio com geira a ser trabalhada garantindo-se, dessa
forma, a oferta do volumoso. e Reis (2005) e Pereira e Santos (2006):
pastagens, sendo de 6 x 1,5 m para fileiras
a) espécie forrageira utilizada;
simples e de 6 x 2x 2 m para fileiras duplas Silagens b) cultivar e seu ciclo;
(DIAS et al., 2007).
As silagens são alimentos volumosos c) características físico-químicas do
Palmáceas oleaginosas apresentam po- solo (declividade, fertilidade e
tencial para uso em SSPs, como a macaúba de boa aceitação pelos pecuaristas de ex-
ploração familiar e sua maior utilização grau de acidez);
(Acrocomia aculeata), o babaçu (Orrbignya d) correção e preparo do solo;
ocorre no período seco do ano. Nessas
oleifera), o dendê (Elaeis guineensis) e o e) densidade de plantio (estande de
fazendas, as baixas produtividades podem
coco (Cocos nucifera). Wendling et al. plantas);
estar relacionadas com sistemas alimen-
(2006) avaliaram dois sistemas constitu- f) precipitação pluviométrica;
tares com baixo nível de suplementação,
ídos por coco-anão (Cocos nucifera) + g) adubação;
os quais utilizam principalmente silagem
Brachiaria brizantha e cultivo exclusivo h) incidência de pragas e doenças;
de milho ou sorgo como volumoso suple-
de coco. O coco foi plantado no espaça- i) estádio fenológico da forrageira na
mentar para vacas em lactação no período
mento de 7 x 7 m. Não houve diferença na colheita (teor de matéria seca (MS) e
de escassez de chuvas. Tal fato pode ser
produção de coco entre os sistemas, mas o explicado pela baixa oferta diária de sila- nutricional);
consórcio pasto + coco foi mais rentável. gem por unidade animal, não atendendo J) eficiência de colheita (minimiza-
As palmáceas apresentam grande potencial aos requerimentos nutricionais do rebanho. ção de perdas no campo, tamanho
para uso em SSPs, pois apresentam arqui- Diante da baixa produção de milho ou de partícula do material picado e
tetura de copa que permite boa passagem sorgo por área, o produtor tende a limitar a tempo de picagem);
de luz para o pasto. oferta do suplemento, assegurando mínima k) transporte;
A visão que incorpora a questão am- disponibilidade durante toda a seca. Além l ) enchimento do silo;
biental, a sustentabilidade, a qualidade do disso, a baixa qualidade obtida durante os m) efetiva compactação e vedação,
produto, a disponibilidade de tecnologia, processos de confecção da silagem limita dentre outros.
a rentabilidade e a cadeia produtiva deve a resposta. Há ilusão de que a silagem, A silagem poderá ser confeccionada
nortear o processo de tomada de decisão nas condições de baixa oferta e baixa com diversas espécies forrageiras como o
pelos pecuaristas. qualidade, ainda é uma opção melhor que milho (Zea mays L.), considerada silagem-
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 1 5 - 2 5 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 20 1/9/2010 10:27:38


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 21

padrão, sorgo (Sorghum spp.), milheto Cana-de-açúcar leiteiro, promove queda na produção de
(Pennisetum spp.), girassol (Helianthus leite e na condição corporal dos animais.
Tradicionalmente utilizada no Brasil
annuus), cana-de-açúcar (Sacharum A análise de resultados recentes obtidos
como opção forrageira em inúmeras fazen-
officinarum), capineiras como as do grupo em experimentos caracteriza o potencial
das de gado de leite, a cana-de-açúcar apre-
elefante (Pennisetum purpureum Schum), produtivo elevado das dietas que contêm
senta vantagens em relação às gramíneas
leguminosas forrageiras como guandu cana-de-açúcar como volumoso (NUSSIO,
tropicais, por dois pontos desejáveis: ele-
(Cajanus cajan (L) Hunth) ou leucena SANTOS; QUEIROZ, 2008). A suplemen-
vada produção por área e alto conteúdo de
(Leucaena leucocephala), raiz e parte tação com ração concentrada é essencial
açúcar no período de escassez de chuvas.
aérea da mandioca (Manihot esculenta para atender às exigências nutricionais de
Apesar do baixo teor de fibra da cana-
Crantz). Excedente de pastos de gêneros de-açúcar (37% a 56% aos 12 meses) em
animais que consomem cana-de-açúcar.
como Brachiaria spp., Panicum spp., Práticas que maximizem o consumo
relação aos capins (70% a 80%), a fibra da
Cynodon, dentre outros, também podem cana apresenta digestibilidade muito baixa são determinantes no uso da cana-de-
ser utilizados para a produção de silagem (cerca de 20%), se comparada ao milho e açúcar. Bom manejo de cocho, cultivares
de qualidade. ao capim-elefante (SILVA et al., 2007). de alta digestibilidade, colheita no ponto
O produtor deverá estar atento ao Apresenta baixo teor de proteína (1,5% a de maturação ideal, moagem fina (Fig. 3)
teor de MS da forragem no momento de 3,0% na MS) e de minerais, principalmente e instalações adequadas para alimentação
ensilar. Silagens com alto conteúdo de cálcio, fósforo e enxofre. No entanto, os te- são pontos de atuação para maximizar o
umidade normalmente apresentam perdas ores de proteína e minerais são facilmente consumo de novilhas e vacas alimentadas
de nutrientes por lixiviação (chorume) e corrigidos para a utilização da cana-de- com cana-de-açúcar (PEREIRA, 2006). O
fermentações indesejáveis, as quais re- açúcar em dietas de vacas especializadas despalhe da cana-de-açúcar no momento
sultam em baixa qualidade nutricional. O (CORRÊA et al., 2003). do corte ou antes da picagem também
processo de ensilagem dos capins tropicais A cana-de-açúcar permite diferentes contribui para aumentar o consumo pelos
normalmente requer pré-murchamento e/ níveis de desempenho animal, dependen- animais (Fig. 4).
ou uso de aditivos, como o fubá, objetivan- do da forma que for suplementada e/ou Recomendações que devem ser obser-
do reduzir o teor de umidade do material corrigida. Sua utilização na alimentação vadas ao fornecer cana-de-açúcar para os
colhido. O ideal é que a forragem a ser animal é de conhecimento entre os pro- bovinos:
ensilada contenha em torno de 30% de MS. dutores, e algumas das tecnologias para a) colher a cana-de-açúcar no ponto
Outro ponto importante diz respeito a correção das deficiências citadas estão ideal de maturação, quando é máxi-
ao tempo de abertura do silo. Silagens difundidas no meio rural, embora abaixo mo o valor nutritivo, caracterizado
abertas precocemente, em geral, resultam do necessário. A tecnologia de utilização pelo menor teor de fibra em deter-
em queda de consumo dos animais, por de cana-de-açúcar + ureia na alimentação gente neutro (FDN) e maior o teor
ocorrência de fermentações indesejadas e de ruminantes é bem difundida. Entretan- de sacarose;
alterações no seu pH. Na prática, respei- to, casos isolados de intoxicação animal b) durante a colheita, as folhas secas
tar um mínimo de 30 dias para silagens seguidos de morte ainda acontecem, mui- deverão ser retiradas, mantendo as
confeccionadas com milho ou sorgo, 40 tas vezes por negligência na aplicação das ponteiras;
dias para silagens de capins e 45 a 60 técnicas preconizadas. Quando se almejam c) a altura de corte deve ser o mais
dias de intervalo para silagens de cana- desempenhos produtivos elevados, além rente possível ao solo;
de-açúcar, após o fechamento do silo. O da ureia, fontes de proteína verdadeira d) armazenar a cana-de-açúcar em
uso de inoculantes e aditivos de silagem como farelos de soja e algodão, caroço de local ventilado, com sombra por,
permite a antecipação da abertura do silo. algodão, grãos de soja inteiros, farelo de no máximo, três dias, sendo o ideal
Nutricionalmente, não basta ter eficiência glúten de milho, etc., devem compor as die- dois dias;
somente durante o processo de confecção tas que contêm cana-de-açúcar (NUSSIO; e) somente triturar a cana-de-açúcar
da silagem, pois cuidados adicionais após SANTOS; QUEIROZ, 2008). no momento do seu fornecimento
a abertura do silo, como a retirada diária São comuns relatos de produtores que aos animais, pois a cana fermenta
de fatias de silagem de no mínimo 20 cm, não trabalham com a cultura da cana-de- muito rapidamente;
por toda a extensão do painel, são indis- açúcar para a alimentação animal, por falta f) o afiamento das facas e das contra-
pensáveis na minimização de perdas. Inde- de mão-de-obra para a colheita. Há também facas da picadeira deverá ser feito
pendentemente do tipo de silo escolhido, queixas de produtores mal-orientados a cada 4 horas de funcionamento,
todos esses cuidados devem ser seguidos os quais afirmam que a cana-de-açúcar, permitindo um corte da forragem
para obter qualidade. quando utilizada na alimentação do gado entre 3 e 8 mm;
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 1 5 - 2 5 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 21 1/9/2010 10:27:38


22 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

Fotos: Adriano de Souza Guimarães


A B
Figura 3 - Manejo de cocho na Fazenda Experimental de Acauã (FEAC), da Unidade Regional EPAMIG Norte de Minas (U.R. EPAMIG NM),
em Leme do Prado, MG
NOTA: A - Cana-de-açúcar picada grosseiramente; B - Tamanho adequado de partícula.

g) os cochos devem ser bem dimensio-


nados (0,70m/animal), preferencial-
mente cobertos e com drenagem no
fundo para o escoamento de água;
h) os cochos devem estar limpos
antes do fornecimento de uma
nova porção de cana-de-açúcar (a
fermentação da sobra produz odor
de cachaça, diminui o valor nutri-
cional e a aceitação pelos animais,
consequentemente, o consumo é
reduzido);
i) disponibilizar a quantidade sufi-
ciente de cana-de-açúcar no cocho,
sem muita sobra, de acordo com
o consumo (vacas consomem até
45 kg de cana-de-açúcar in natura
Adriano de Souza Guimarães

por dia);
j) não fornecer cana-de-açúcar +
ureia à vontade para animais não
adaptados, pois os bovinos devem
ser adaptados ao consumo de ureia.
A ureia deve ser misturada de forma
Figura 4 - Despalhe da cana-de-açúcar no campo na Fazenda Experimental de Acauã homogênea à cana-de-açúcar e fornecida
(FEAC), da Unidade Regional EPAMIG Norte de Minas (U.R. EPAMIG. NM), em diariamente sem interrupções. Deve ser
Leme do Prado, MG sempre utilizada associada a uma fonte de
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 1 5 - 2 5 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 22 1/9/2010 10:27:40


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 23

enxofre (ex.: sulfato de amônio). A mistura na cana picada, realizar o fornecimento mente levam em conta a altura ou o tempo
recomendada é de nove partes de ureia e preferencialmente à tarde, próximo ao de rebrota, em média 1,8 m ou 60 dias no
uma de sulfato de amônio, ou oito partes anoitecer, quando reduz a presença desses período de chuvas. Como esses critérios
de ureia e duas partes de sulfato de cálcio. insetos. A hidrólise da cana-de-açúcar são variáveis, dependendo da época e da
Para cada 100 kg de cana-de-açúcar picada, afugenta as abelhas. adubação, o ideal é usar um parâmetro
diluir a mistura de ureia + enxofre em 4 L fisiológico relativamente simples, o se-
de água. Distribuir uniformemente a mistu- Capins para corte camento das folhas mais baixas. Quando
ra diluída com regador. Caso o animal dei- As capineiras também são recursos as primeiras folhas da base da planta
forrageiros valiosos que o criador dispõe começam a secar, independentemente da
xe de consumir a mistura cana-de-açúcar +
para ofertar volumoso ao gado. Contudo, altura ou da idade da planta, a massa co-
ureia por dois dias consecutivos, reiniciar
para garantir alimento de boa qualidade lhida apresentará alto conteúdo de folhas
a adaptação. Os sintomas de intoxicação
na seca, precisam ser bem manejadas. O verdes, o que garantirá bom valor nutritivo
por ureia são: da forragem. Para garantir forragem de
a) agitação; capim-elefante destaca-se entre as forragei-
ras mais utilizadas, com a finalidade de corte boa qualidade durante todo o período, a
b) falta de coordenação; capineira deverá ser dividida em talhões.
e fornecimento verde no cocho, pela sua
c) salivação em excesso; Outra opção para o aproveitamento
alta produtividade e qualidade da forragem.
d) tremores musculares e da pele; da capineira, durante o período de cresci-
A idade em que a planta é colhida
e) micção e defecação frequentes; mento, é o seu armazenamento na forma
afeta o seu rendimento, bem como a sua
f) respiração acelerada; de silagem. Ensilado sozinho, o capim-
composição química (Quadro 5). Gramí-
g) timpanismo; -elefante não produz boa fermentação, em
neas jovens têm boa digestibilidade e seu
h) prostração; razão do alto teor de umidade da massa na
consumo pelos bovinos é alto. Plantas
i) asfixia e morte. condição ideal de colheita e do baixo teor
colhidas maduras, embora apresentem
Caso haja intoxicação por ureia, admi- maior produção de massa, têm baixo de carboidratos solúveis. Existem diversas
nistrar, por via oral, de 3 a 6 L de vinagre valor nutritivo. Normalmente, o corte da maneiras de superar esses problemas, como
por animal adulto, logo após o aparecimen- capineira é feito quando o capim apresenta promover a murcha do capim antes da ensi-
to dos primeiros sintomas. avançado estádio de desenvolvimento, lagem ou adicionar produtos como fenos e
Outra opção de utilização da cana-de- porte elevado, com altos teores de fibra palhadas, milho desintegrado com palha e
açúcar é a hidrolisação. Para hidrolisar a e lignificação da parede celular, o que sabugo, fubá, raspa de mandioca, melaço,
cana-de-açúcar, pulverizar 0,5 kg de cal proporciona baixa digestibilidade (Fig, 5). polpa de laranja, etc. Apesar de conhecidas
virgem micropulverizada (CaO), diluída Não são raras as propriedades rurais que há muito tempo, essas técnicas dificilmente
em 2 L de água, em 100 kg de cana-de- manejam capineiras com apenas um corte são adotadas pelos produtores em razão
-açúcar picada. Deixar em repouso por, durante todo o ano. do custo e das dificuldades operacionais.
no mínimo, 10 horas. O ideal é preparar Independentemente do planejamento
no dia anterior, para fornecer ao animal do agricultor, a capineira deve ser colhida Concentrados
no dia seguinte. A cal utilizada deve ser a sempre que atingir o ponto de corte. Os Os concentrados são alimentos que
microprocessada. Não utilizar a cal virgem critérios para definir este ponto normal- contêm baixos teores de umidade e fibra,
aplicada em construções, pois pode causar
problemas aos animais. A utilização de
QUADRO 5 - Produção (teor de proteína bruta) de capim-elefante de acordo com o intervalo
cana-de-açúcar hidrolisada não dispensa a de tempo decorrido entre o último corte e a data subsequente da colheita para
correção dos níveis de proteína e minerais uso da forragem
com ureia + sulfato de amônio. Data da colheita
A ensilagem da cana-de-açúcar é outra Data do último corte
opção. Não melhora sua qualidade e deve 18 de junho 16 de julho 14 de agosto 12 de setembro

ser adotada quando há queima do canavial, kg MS/ha


ocorrência de geadas intensas, sobras (% na MS)
de cana-de-açúcar no final da safra e/ou 28 de fevereiro 1.976 (6,6) 2.185 (5,5) 2.253 (6,0) 2.800 (5,5)
dificuldades com a mão-de-obra diária. A 21 de março 802 (9,1) 951 (7,8) 880 (8,3) 1.390 (6,7)
opção por ensilar a cana-de-açúcar deve 11 de abril 147 (15,6) 336 (11,2) 515 (10,2) 465 (8,4)
considerar a utilização de aditivos durante 02 de maio 71 (19,1) 260 (13,9) 531 (11,2) 571 (8,9)
a confecção do silo. FONTE: Boin et al. (1974 apud FARIA, 1993).
Em regiões com presença de abelhas NOTA: MS - Massa seca.

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 1 5 - 2 5 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 23 1/9/2010 10:27:40


24 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

Fotos: Domingos Sávio Queiroz


A B
Figura 5 - Capineiras
NOTA: A - Capineira manejada com colheita na condição recomendada, com muitas folhas verdes e colmo ainda tenro; B - Capineira
muito passada, com quase todas as folhas secas e colmos maduros.

podendo ter altas concentrações de ener- zação de pastagens, a redução no consumo para correção da deficiência nutricional
gia, proteína ou ambas. No meio rural é de pasto pode diminuir a lucratividade do da cana-de-açúcar, com ganhos produti-
denominado ração. Sua alta densidade sistema produtivo. vos do ponto de vista técnico-econômico,
em nutrientes lhe confere preços mais O fornecimento de concentrado em têm sido disponibilizadas pela pesquisa
elevados comparados aos alimentos vo- quantidade fixa para todo o rebanho pode (FERREIRA et al., 2007). O produtor
lumosos, recomendando-se avaliações de prejudicar as vacas mais produtivas, em deverá conhecer a composição química
custo-benefício, que visam sua utilização consequência da deficiência de nutrien- do volumoso utilizado e os teores nutricio-
em programas alimentares para bovinos tes, com prejuízos na produção de leite nais da dieta total, para que possa corrigir
leiteiros manejados em pasto. Vacas lei- e excesso de alimento para vacas menos os nutrientes deficientes. Agindo assim,
teiras manejadas exclusivamente em pasto produtivas, o que aumenta os custos dos reduzem-se os efeitos da suplementação
com forrageiras tropicais normalmente não sistemas de produção. Assim, o forneci- empírica e defasada.
apresentam produções diárias de leite su- mento de concentrados deve basear-se em
periores de 10 a 13 kg (Quadro 2). Deresz resultados de controle leiteiro, pois permite AGRADECIMENTO
e Mozzer (1990) observaram respostas de identificar e privilegiar, por mérito, as
À Fundação de Amparo à Pesquisa do
vacas leiteiras manejadas em pastagem de vacas mais produtivas do rebanho. Tal me-
Estado de Minas Gerais (Fapemig) e ao
capim-elefante e baixo nível de suplemen- dida contribui para uma melhor eficiência
Conselho Nacional de Desenvolvimento
tação concentrada próximos a 2.500 kg de do sistema produtivo, com racionalização
Científico e Tecnlógico (CNPq), pelo fi-
leite por lactação. do uso de concentrados. A EPAMIG utiliza
nanciamento das pesquisas e pelas bolsas
A suplementação com alimentos con- em seus rebanhos um sistema próprio de
concedidas.
centrados para bovinos manejados em manejo alimentar com o objetivo de produ-
pasto pode contribuir para incrementos zir leite rentável em pasto com resultados
REFERÊNCIAS
produtivos, porém, há necessidade de ava- consistentes, que pode ser consultado em
liações quanto ao uso para vacas em lacta- Ferreira et al. (2007). ALVIM, M.J. et al. Produção de leite em pas-
tagens de capim-angola e de setária. Coro-
ção. A suplementação concentrada pode ter O uso de concentrados também está
nel Pacheco: EMBRAPA-CNPGL, 1995. 30p.
efeitos no consumo de pasto. De maneira relacionado com o seu custo e com a
(EMBRAPA-CNPGL. Circular Técnica, 37).
geral, a utilização de quantidades mode- quantidade utilizada. A margem líquida
BARCELLOS A. de O. et al. Sustentabilida-
radas de concentrados provoca depressão é crescente, à medida que reduz o preço
de da produção animal baseada em pasta-
no consumo de forragem. Esse fenômeno, do concentrado e aumenta a produção
gens consorciadas e no emprego de legu-
denominado efeito de substituição, é de leite. Dietas à base de cana-de-açúcar minosas exclusivas, na forma de banco de
proporcionalmente maior em níveis mais exigem maiores quantidades de concen- proteína, nos trópicos brasileiros. Revista
elevados de suplementação concentrada. trado em relação a sistemas que utilizam Brasileira de Zootenia, Viçosa, MG, v. 37,
Considerando-se um modelo de produção silagens de milho ou sorgo. Tecnologias p. 51-67, jul. 2008. Número especial.
de leite a baixo custo sustentado na utili- de formulações concentradas específicas BERNARDES, T.F.; SIQUEIRA, G.R.; REIS,

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 1 5 - 2 5 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 24 1/9/2010 10:27:40


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 25

R.A. Importância do planejamento na pro- _______. et al. Sistema EPAMIG de alimen- NUSSIO, L.G.; SANTOS, M.C.; QUEIROZ,
dução e uso da silagem. In: EVANGELISTA, tação de vacas mestiças leiteiras. Belo O.C.M. Cana-de-açúcar para a produção in-
A.R. et al. (Ed.). Forragicultura e pastagens: Horizonte: EPAMIG, 2007. 47 p. (EPAMIG. tensiva de leite em pasto. Cadernos Técni-
temas em evidências. Lavras: UFLA, 2005. Boletim Técnico, 83). cos de Veterinária e Zootecnia, Belo Hori-
p.121-176. zonte, n. 57, p. 40-66, jun. 2008.
FONSECA, D.M.da et al. Produção de leite
CORRÊA, C.E.S. et al. Performance of Hols- em pastagem de capim-elefante sob diferen- PEREIRA, M.N. Potencial da cana-de-açúcar
tein cows fed sugarcane or corn silages of tes períodos de ocupação dos piquetes. Re- para alto desempenho de bovinos. Leite in
different grain textures. Scientia Agricola, vista Brasileira de Zootecnia, Viçosa, MG, Natura, Belo Horizonte, n.3, p.56-64, jun./
Piracicaba, v. 60, n. 4, p.621-629, Oct./Dec. v.27, n.5, p.848-856, set./out. 1998. jul. 2006.
2003.
GOMIDE, J.A. et al. Consumo e produção PEREIRA, O.G.; SANTOS, E.M. Microbiolo-
COSER, A.C. et al. Efeito de diferentes pe- de leite de vacas mestiças em pastagem gia e processo de fermentação em silagens.
ríodos de ocupação da pastagem de capim- de Brachiaria decumbens manejada sob In: SIMPÓSIO SOBRE MANEJO ESTRA-
elefante sobre a produção de leite. Pesquisa duas ofertas diárias de forragem. Revista TÉGICO DA PASTAGEM, 3., 2006, Viçosa,
Agropecuária Brasileira, Brasília, v.34, n.5, Brasileira Zootecnia, Viçosa, MG, v.30, MG. Anais... Viçosa, MG: UFV, 2006. 430p.
p. 861-866, maio 1999. n.4, p. 1194-1199, jul./ago. 2001. PORTO, P.P. et al. Produção e composição
DERESZ, F. Influência do período de des- química do leite, consumo e digestabili-
GONZALEZ, M.S. et al. Producción de leche
canso da pastagem de capim-elefante na dade de forragens tropicais manejadas em
en pasturas de estrella africana (Cynodon
produção de leite de vacas mestiças Holan- sistema de lotação interminante. Revista
nlemfuensis) solo y asociado con Arachis
dês x Zebu. Revista Brasileira Zootecnia, Brasileira Zootecnia, Viçosa, MG, v. 38, n. 8,
pintoi o Desmodium ovalifolium. Pasturas
Viçosa, MG, v.30, n.2, p. 461-469, mar./abr. p. 1422-1431, ago. 2009.
Tropicales, v.18, n.1, p.2-12, abr. 1996.
2001a.
LASCANO, C.E.; ÁVILA, P. Potencial de pro- QUEIROZ, D.S. et al. Avaliação de forra-
_______. Produção de leite de vacas mesti- geiras sob pastejo com lotação contínua
ducción de leche en pasturas solas y aso-
ças Holandês x Zebu em pastagem de ca- em solo de várzea - II: composição broma-
ciadas con leguminosas adaptadas a suelos
pim-elefante, manejada em sistema rotativo tológica e produção de leite. In: REUNIÃO
ácidos. Pasturas tropicales, Cali, v.13, n.3,
com e sem suplementação durante a época ANUAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE
p.2-10, Dic. 1991.
das chuvas. Revista Brasileira Zootecnia, ZOOTECNIA, 42., 2005, Goiânia. Anais... A
Viçosa, MG, v.30, n.1, p. 197-204, jan./fev. LEAL, J.A.; NASCIMENTO, M.P.S.C.B. produção animal e o foco no agronegócio.
2001b. Produção de leite em pastagem de capim- Goiânia: Sociedade Brasileira de Zootecnia,
_______; MOZZER, O.L. Produção de leite elefante e em duas variedades de Panicum 2005. 1 CD-ROM.
em pastagem de capim-elefante. In: SIMPÓ- Maximum. Teresina: Embrapa Meio-Norte,
2002. 6p. (Embrapa Meio-Norte. Comunica- RUAS, J.R.M. et al. Produção de leite de
SIO SOBRE CAPIM-ELEFANTE, 1990, Juiz
do Técnico, 141). vacas F1 holandês x Zebu, submetidas a
de Fora. Anais... Coronel Pacheco: EMBRA-
diferentes sistemas de alimentação e mane-
PA-CNPGL, 1990. p. 155-172. LEITE, J.L.B.; RESENDE, H. Simulação de jo. In: REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE
DIAS, L.A.S.; MILLER, M.D.; FERNANDES, cenários para a pecuária leiteira de econo- BRASILEIRA DE ZOOTECNIA, 44., 2007,
E.N. Potencial do uso de oleaginosas arbóre- mia familiar em Minas Gerais. In: CON- Jaboticabal. Anais... O avanço científico
as em sistemas silvipastoris. In: SIMPÓSIO GRESSO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE e tecnológico na produção animal. Jaboti-
INTERNACIONAL: SISTEMAS AGROS- ECONOMIA E SOCIOLOGIA RURAL, 44., cabal: Sociedade Brasileira de Zootecnia,
SILVIPASTORIS NA AMÉRICA DO SUL, 2006, Fortaleza. Anais... Fortaleza: SOBER, 2007. 1 CD-ROM.
2., 2007, Juiz de Fora. Anais... Juiz de Fora: 2006. 1 CD-ROM.
SILVA, E.A. da et al. Utilização da cana-de-
Embrapa Gado de Leite, 2007. CD-ROOM. MARTINEZ, R.O.; RUIZ, R.; HERRERA, açúcar na alimentação de ruminantes. Infor-
_______. et al. Cultivo de pinhão manso R. Milk production of cows grazing coast- me Agropecuário. Cana-de-açucar, Belo Hori-
(Jatropha curcas L.) para produção de óleo cross-1, bermuda grass (Cynodon dactylon) - zonte, v. 28, n.239, p.102-119, jul./ago. 2007.
combustível. Viçosa, MG: UFV, 2007. 40p. I: different concentrate supllementation le-
SOARES, J.P.G. et al. Capim-elefante
FARIA, V.P. Evolução no uso do capim vels. Cuban Journal Agricultural Science,
(Pennisetum purpureum Schum.) sob
elefante: uma visão histórica. In: SIMPÓ- v.14, n.2, p.225-232, 1980.
duas doses de nitrogênio: consumo e
SIO SOBRE MANEJO DE PASTAGEM, 10., MAYA, F.L.A. Produtividade e viabilidade produção de leite. Revista da Socieda-
1992, Piracicaba. Anais... Piracicaba: FE- econômica da recria e engorda de bovinos de Brasileira de Zootecnia, Viçosa, MG,
ALQ, 1993. p. 19-46. em pastagens adubadas intensivamente v.28, n.4, p.889-897, jul./ago. 1999.
FASSIO, L.H.; REIS, R.P.; GERALDO, L.G. com e sem o uso da irrigação. 2003. 94f.
WENDLING, I.J. et al. Avaliação do consór-
Desempenho técnico e econômico da ati- Tese (Mestrado em Agronomia) - Escola
cio Cocos nucifera e Brachiaria brizantha,
vidade leiteira em Minas Gerais. Ciência e Superior de Agricultura ‘’Luiz de Queiroz’’,
como alternativa de sistema silvipastoril
Agrotecnologia, Lavras, v.30, n.6, p.1154- Universidade de São Paulo, 2003.
para a região do Vale do Rio Doce. In: REU-
1161, nov./dez. 2006. NASCIMENTO, M.C. et al. Uso de imagens NIÃO ANUAL DA SOCIEDADE BRASILEI-
FERREIRA, J.J. Alimentação de bovinos do sensor ASTER na identificação de níveis RA DE ZOOTECNIA, 43., 2006, João Pessoa.
mestiços leiteiros. Informe Agropecuário. de degradação em pastagens. Revista Brasi- Anais... Produção animal em biomas tropi-
Produção de leite com vacas mestiças, Belo leira de Engenharia Agrícola e Ambiental, cais. João Pessoa: Sociedade Brasileira de
Horizonte, v. 25, n. 221, p. 64-72, 2004. v.10, n.1, p.196-202, jan./mar. 2006. Zootecnia, 2006. 1 CD-ROM.

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 1 5 - 2 5 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 25 1/9/2010 10:27:41


26 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

Produção de alimentos na agroindústria familiar:


a higiene em foco
Cláudia Lúcia de Oliveira Pinto 1
Cleide Maria Ferreira Pinto 2
Sérgio Maurício Lopes Donzeles 3
Maria Regina de Miranda Souza 4
Adbeel de Lima Santos 5
Cristiane Viana Guimarães Ladeira 6
Fernando Antônio Resplande Magalhães 7

Resumo - A produção de alimentos na agroindústria familiar é uma atividade de grande


importância econômica e social, amplamente difundida no País. O controle da qualidade
desses alimentos é fundamental para a redução dos custos decorrentes de perdas e de
devoluções, prevenção da ocorrência de casos e surtos de infecções e de intoxicações,
associadas ao consumo de produtos contaminados. Portanto, produtores e autoridades
governamentais têm grande responsabilidade na adequação das condições de produção,
transporte, comercialização e qualidade do produto acabado. Os impactos do consumo
de alimentos contaminados sobre a saúde da população assumem importância social e
econômica, quando são considerados os gastos associados ao tratamento de saúde e aos
dias não trabalhados, que representam parcela considerável da renda nacional. Os riscos
e as consequências das contaminações alimentares são motivos de preocupação, consi-
derando que as doenças de origem alimentar constituem um dos principais problemas
de saúde pública no mundo. A adoção de práticas de higiene na cadeia produtiva dos
alimentos é essencial, para a obtenção de produtos inócuos, de acordo com os padrões de
qualidade exigidos pela legislação.

Palavras-chave: Agricultura familiar. Alimento. Produto. Qualidade. Higiene. Armazena-


mento. Legislação.

INTRODUÇÃO interesse e preocupação dos produtores e de comercialização, além da conscien-


e dos governos em adequar as condições tização de fabricantes, comerciantes e
A fabricação de produtos alimentícios
de fabricação dos produtos às normas de consumidores, é essencial para a obtenção
em agroindústrias familiares é amplamente produção e padrões de qualidade, consi- de produtos de acordo com os padrões de
difundida no Brasil e está associada à tra- derando a importância social, econômica qualidade (SALOTTI et al., 2006).
dição cultural de consumo e sustentabili- e ambiental desse segmento. A fiscalização A agroindústria familiar é caracteriza-
dade das famílias. Portanto, há um grande das condições de produção, de transporte da por incluir pequenas agroindústrias de

1
Farmacêutica Bioquímica, D.Sc., Pesq. U.R. EPAMIG ZM/Bolsista FAPEMIG, Caixa Postal 216, CEP 36570-000 Viçosa-MG. Correio eletrônico:
clucia@epamig.ufv.br
2
Enga Agr a , D.Sc., Pesq. EMBRAPA/U.R. EPAMIG ZM, Caixa Postal 216, CEP 36570-000 Viçosa-MG. Correio eletrônico: cleide.pinto@epamig.ufv.br
3
Eng o Agr o , D.Sc., Pesq. U.R. EPAMIG/Bolsista FAPEMIG, Caixa Postal 216, CEP 36570-000 Viçosa-MG. Correio eletrônico: slopes@epamig.br
4
Eng a Agr a , D.Sc., Pesq. U.R. EPAMIG ZM, Caixa Postal 216, CEP 36570-000 Viçosa-MG. Correio eletrônico: mmiranda@epamig.ufv.br
5
Bacharel Ciência e Tecnologia de Laticínios, M.Sc., Pesq. U.R. EPAMIG ZM, Caixa Postal 216, CEP 36570-000 Viçosa-MG. Correio eletrô-
nico: lima@vicosa.ufv.br
6
Médica-Veterinária, M.Sc., Pesq. EPAMIG-DPPE-DVPA, CEP 31170-000 Belo Horizonte-MG. Correio eletrônico: cv.guimaraes@epamig.br
7
Engo Agro , D.Sc., Pesq./Prof. EPAMIG-ILCT, Caixa Postal 183, CEP 36045-560, Juiz de Fora-MG. Correio eletrônico: fernando.magalhaes@epamig.br

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 2 6 - 3 5 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 26 1/9/2010 10:27:41


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 27

alimentos, rurais e urbanas, muitas vezes comercializados em pequena escala em te e comercialização;


informais, onde são processados alimentos supermercados, feiras, açougues. O aporte b) higienização inadequada das instala-
orgânicos ou não, de origens vegetal e ani- tecnológico é originado da própria família ções, equipamentos e utensílios;
mal, além de massas e produtos de panifi- do produtor ou de um agente de extensão c) hábitos higiênicos e saúde dos ma-
cação, de forma artesanal, geralmente pelo rural. Os produtos apresentam baixa com- nipuladores;
emprego de mão-de-obra não qualificada petitividade associada à baixa escala de d) qualidade insatisfatória da água;
e de processos simples, consolidados pela produção e à pouca atenção dispensada à e) falta de controle de pragas e vetores;
cultura local. Apesar do baixo conteúdo legislação, quanto a condições de produção f) contaminações cruzadas e ineficiên-
tecnológico empregado, possui grande e apresentação dos produtos, no que se cia do controle na cadeia produtiva.
potencial de agregação de valor. refere a embalagens, rótulos e símbolos, Portanto, os profissionais responsáveis
Este segmento impulsiona a geração, bem como a transporte e a sistema de pela produção/industrialização de ali-
direta e indireta, de novos postos de traba- comercialização (CARMO; PINTO; MAR- mentos devem atuar de forma preventiva,
lho e de renda, em especial para agricul- TINS, 2003; ALVES et al., 2007; PINTO na busca da adequação dos processos e
tores familiares, permitindo sua inclusão et al., 2007). Como consequência, um dos instalações para atingir os padrões de
social e econômica, além de contribuir grandes entraves do setor é a colocação dos qualidade exigidos pela legislação e pelos
para melhoria da qualidade de vida das produtos no mercado em função da falta de consumidores.
populações que vivem em comunidades um selo de inspeção. A prevenção das doenças de origem ali-
rurais (PREZOTTO; LIMA; WILKIN- mentar depende de cuidados nas etapas de
SON, 2002). Os produtos da agroindústria QUALIDADE DOS ALIMENTOS produção, manipulação da matéria-prima,
familiar rural e urbana têm consumidores A qualidade dos produtos possui impor- preparação, distribuição e comercializa-
nas mais variadas camadas sociais, em tância decisiva para o comércio de alimen- ção do produto acabado. Vários fatores
mercados locais ou regionais. Incluem tos. Entretanto, um dos entraves do setor, associados comprometem a qualidade dos
produtos como farinha de mandioca, fubá, apesar dos avanços tecnológicos da atua- alimentos e a ocorrência de doenças de
conservas caseiras típicas, geleias, doces, lidade, é representado pela ocorrência de origem alimentar (Quadro 2).
derivados do leite, entre outros. doenças associadas à ingestão de alimentos Nas propriedades de pecuária leiteira,
Os produtos orgânicos provenientes contaminados, o que constitui um dos prin- cuidados no manejo sanitário e na ordenha
desse segmento possuem um mercado di- cipais problemas de saúde pública mundial, são imprescindíveis, para garantir a obten-
ferenciado, constituído por consumidores com alta taxa de morbidade e mortalidade. ção de leite de qualidade. O controle da
de maior poder aquisitivo. Recentemente, Nos Estados Unidos da América, ocorrem saúde dos animais, além de garantir uma
o Ministério da Agricultura, Pecuária e por ano, aproximadamente, 76 milhões de produção compatível com suas caracterís-
Abastecimento (MAPA) instituiu o selo casos de doenças de origem alimentar, com ticas zootécnicas, propicia uma fonte de
único oficial para os produtos orgânicos, uma estimativa de 325 mil hospitalizações alimento confiável. Ou seja, na agricultura
o qual pode ser usado nos produtos pro- e 5 mil mortes (CENTERS OF DISEASE familiar, cada animal doente, além de re-
venientes de unidades credenciadas. A CONTROL AND PREVENTION, 2005). presentar prejuízo econômico, pela queda
exceção da obrigatoriedade de certificação Os principais problemas relacionados na produtividade, também representa um
dos orgânicos vale para os produtos da com a qualidade dos alimentos são: risco para a saúde dos demais animais e
agricultura familiar, que podem ser vendi- a) presença de contaminantes de nature- dos humanos, quando se trata de zoonoses
dos diretamente aos consumidores, desde za biológica como bactérias patogê- (HOMEM, 1999).
que os agricultores estejam vinculados a nicas e suas toxinas, vírus, parasitas Doenças zoonóticas de distribuição
uma organização de controle social (OCS). e protozoários (Quadro 1); mundial, como a brucelose e a tuber-
O selo de certificação serve para dar ao b) contaminantes químicos como resí- culose são associadas à ingestão e/ou à
consumidor a segurança de aquisição de duos de antibióticos, micotoxinas, manipulação do leite contaminado, e seus
um produto isento de contaminações de pesticidas e metais pesados; derivados. Portanto, a pasteurização do
natureza química. O selo é conferido ape- c) contaminantes físicos representados leite é necessária. Do ponto de vista da
nas após rigorosos exames de controle de por fragmentos de vidro, metal ou Saúde Pública, essas doenças trazem como
qualidade de solo, água e reciclagem de madeira. consequências a incapacidade para o traba-
matéria orgânica (MO). Entre as principais causas da contami- lho, diminuição do rendimento e compro-
Os alimentos produzidos no sistema nação dos alimentos, incluem: metimento da qualidade nutricional. Em
de agricultura familiar, na sua maioria, a) falta de adequação e/ou precariedade países em desenvolvimento, esta situação
não possuem conservantes químicos. São das instalações de produção, transpor- é particularmente relevante, considerando
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 2 6 - 3 5 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 27 1/9/2010 10:27:41


28 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

QUADRO 1 - Contaminantes de natureza biológica, habitat e causas da contaminação dos alimentos


Microrganismos Habitat Causas
Vírus
Uma ampla variedade pode causar doen- Águas contaminadas, moluscos, frutas e Higiene precária e cultivo de vegetais em áreas
ças, como a hepatite A e gastrenterite. vegetais crus. contaminadas com esgotos não tratados, deje-
tos de animais e refugos de plantas.

Bactérias

Bacillus cereus, Clostridium, Campylobacter, Alimentos crus e processados: cereais, pei- Higiene precária em geral: proveniente de
Escherichia coli, Salmonella, Shigella, xes e frutos do mar, vegetais, alimentos crus animais como roedores e pássaros e de excre-
Staphylococcus e Vibrio. e desidratados de origem animal, incluindo mentos humanos.
produtos lácteos.

Fungos

Aspergillus flavus e outros. Nozes, cereais e grãos em geral, como Produtos estocados em ambiente com alta
amendoim e milho. umidade e temperatura.

Protozoários

Amoebae e Sporidia. Vegetais, frutas e leite cru. Áreas de produção e reservatórios de água
contaminados.

Helmintos

Grupos de parasitas internos, incluindo Vegetais e carnes cruas ou malcozidas e Água e solos contaminados em áreas de pro-
Ascaris, Fasciola, Opisthorchis, Taenia, peixes crus. dução.
Trichinella e Trichuris.
FONTE: Forsythe (2002).

QUADRO 2 - Fatores associados à ocorrência de doenças de origem alimentar

Fatores (1)
Porcentual

Associados ao crescimento microbiano


Estocagem à temperatura ambiente 43
Resfriamento inadequado 32
Preparação do alimento muito longe do lugar onde será servido 41
Espera em ambientes e temperaturas inadequadas 12
Utilização de sobras 5
Descongelamento inadequado e estocagem subsequente imprópria 4
Produção de alimento em excesso 22

Associados à sobrevivência microbiana


Aquecimento impróprio 17
Cozimento inadequado 13

Associados à contaminação
Manipuladores de alimentos 12
Alimentos processados contaminados não-enlatados 19
Alimentos crus contaminados 7
Contaminação cruzada 11
Limpeza inadequada dos equipamentos 7
Fontes duvidosas 5
Alimentos enlatados contaminados 2

(1)A porcentagem excede o total de 100, ao considerar que são muitos os fatores que normalmente contribuem para ocorrência de enfermi-
dades de origem alimentar.

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 2 6 - 3 5 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 28 1/9/2010 10:27:41


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 29

os muitos entraves na produção animal e de fundamental importância para o setor suas secretarias estaduais ou municipais e
as condições em que os produtos de origem alimentício nos últimos anos. Dentre essas Agência Nacional de Vigilância Sanitária
animal são processados e comercializados. legislações e normas estão incluídas as (Anvisa). O estabelecimento deve situar-se
É importante conscientizar os produtores BPA, Boas Práticas Agropecuárias e BPF em locais isentos de odores indesejáveis,
que fornecem leite a usinas de industria- (BRASIL, 1997ab), padrões sanitários de fumaça, pó ou outros contaminantes; não
lização, que fabricam produtos derivados alimentos (ANVISA, 2001), procedimen- estar exposto a inundações e ser devida-
do leite, e os funcionários da indústria tos padronizados de higiene operacional mente cercado e afastado do limite de vias
que beneficiam o produto, não só sobre as (BRASIL, 2003), Análises de Perigos e públicas. A edificação e as instalações de-
doenças e os riscos que oferecem à saúde Pontos Críticos de Controle (APPCC) vem ter o seu projeto aprovado, prevendo
humana, mas também sobre seus métodos (BRASIL, 1998). A Norma ISO 22000, o fluxo ordenado e sem cruzamentos em
de controle e erradicação. publicada pela International Organization todas as etapas do preparo de alimentos,
Diferenças culturais na preparação e for Standardization (ISO), em 2005, trata e facilitadas as operações de manutenção,
no uso do leite podem ser responsáveis
da certificação do sistema de gestão da limpeza e, quando for o caso, desinfecção.
pelo surgimento de doenças. Em muitas
segurança na produção de alimentos e O acesso às instalações deve ser controla-
culturas, manteigas e cremes de leite são
representa uma oportunidade para atingir do e independente, não comum a outros
produzidos com leite cru. No mundo todo,
a harmonização internacional dos padrões usos. Outras exigências são apresentadas
a prática do consumo de leite cru está
de segurança alimentar (ASSOCIAÇÃO no Quadro 3.
associada ao hábito e ao modo de vida da
BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS,
população rural, o que aumenta as ocor- Instalações sanitárias e
2006).
rências de intoxicações e infecções, prin- vestiários
cipalmente em crianças, idosos e pessoas
BOAS PRÁTICAS DE Os estabelecimentos deverão dispor de
imunocomprometidas. As medidas preven-
FABRICAÇÃO (BPF) vestiários, sanitários e banheiros adequa-
tivas incluem estratégias de educação ao
As BPF são representadas por um con- dos, situados em locais corretos de acordo
consumidor e a eliminação de doença das
junto de procedimentos adotado na cadeia com o projeto, o que garante a eliminação
vacas leiteiras. O governo brasileiro, diante
produtiva de alimentos, para garantir a qua- higiênica das águas residuais. Os locais
dos dados de ocorrência de brucelose e
devem ser bem iluminados, ventilados,
tuberculose bovina, instituiu, em 2001, o lidade do produto final. São fundamentadas
sem comunicação direta com as áreas
Programa Nacional de Controle e Erradi- na obtenção de produtos livres de conta-
onde os alimentos são manipulados. De-
cação da Brucelose e Tuberculose Animal minações, prevenção de contaminação
vem dispor de pias com água fria ou fria e
(PNCEBT), com o objetivo de diminuir o cruzada e de condições que favoreçam a
quente, providas de elementos adequados
impacto negativo destas zoonoses na saúde multiplicação microbiana e/ou produção de
à lavagem e à secagem das mãos e meios
comunitária e de promover a competitivi- toxinas, o que permite a rastreabilidade do
higiênicos. Não é permitido o uso de
dade da pecuária nacional. processo e do produto acabado (BRASIL,
toalhas de pano. Toalhas de papel devem
Os cuidados higiênico-sanitários na ca- 1997ab). A implementação de BPF é uma ficar junto aos sanitários, bem como perto
deia produtiva são indispensáveis para ob- exigência dos órgãos fiscalizadores para a das áreas de manipulação dos alimentos,
tenção de produtos inócuos, de acordo com produção de alimentos e obtenção de pro- para que as mãos, após lavadas sejam
os padrões exigidos pela legislação. É ne- dutos de acordo com padrões de segurança secadas. As toalhas de papel deverão ser,
cessária a implementação de programas de alimentar, bem como para a orientação em quantidade suficiente, adaptadas em
qualidade na cadeia produtiva, a exemplo dos manipuladores envolvidos na cadeia porta-toalhas e com recipientes coletores.
das Boas Práticas Agrícolas (BPA), Boas
produtiva. As normas de BPF (BRASIL Devem ser colocados avisos indicando a
Práticas Agropecuárias e Boas Práticas
1997ab) são apresentadas a seguir. obrigatoriedade de lavar as mãos após o
de Fabricação (BPF), pré-requisitos para
uso de tais instalações.
a implementação de sistemas de garantia Edificação, instalações,
Nos casos em que substâncias contami-
de qualidade em toda a cadeia alimentar. equipamentos, móveis e
nantes sejam manipuladas ou quando o tipo
utensílios
de tarefa requerer desinfecção adicional à
LEGISLAÇÃO
Ao planejar as instalações de um es- lavagem, devem existir locais para a desin-
A elaboração de legislações e de nor- tabelecimento de produção de alimentos fecção das mãos. As instalações deverão
mas nacionais e internacionais fundamen- é necessária a orientação de profissional estar providas de tubulações sifonadas, que
tadas em procedimentos que permitem especializado e informações nos órgãos levem as águas residuais aos condutos de
a garantia de qualidade dos produtos foi fiscalizadores, nesse caso, o MAPA e escoamento.
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 2 6 - 3 5 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 29 1/9/2010 10:27:41


30 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

QUADRO 3 - Características e exigências de BPF quanto a edificação, instalações, equipamentos, móveis e utensílios

Item Exigência
Dimensionamento da edificação e das instalações Compatível com todas as operações.
Projeto Prevenção de contaminação cruzada: separação das áreas, setores de alvenaria ou outro ma-
terial aprovado por órgãos competentes, com definição de um fluxo de pessoas e alimentos.
Refeitórios, lavabos, vestuários e banheiros do pes- Proibição de acesso direto: separação completa dos locais de manipulação de alimento.
soal auxiliar e local de armazenamento do material
de limpeza
Insumos, matérias-primas e produtos acabados Estocagem sobre estrados e longe das paredes.
Piso, parede e teto Íntegros, conservados, livres de rachaduras, trincas, goteiras, vazamentos, infiltrações,
bolores, descascamentos, ausência de focos de contaminações: utilização de materiais
resistentes ao impacto, revestimento liso, impermeável e lavável.

Portas Mantidas ajustadas aos batentes e aquelas da área de preparo e armazenamento de alimentos
devem possuir fechamento automático, de material não absorvente, fácil limpeza, com
dobradiças vai-vem e sem maçanetas.
Aberturas externas das áreas de armazenamento e Uso de telas removíveis de malha milimétrica para impedir o acesso de vetores e pragas
preparo de alimentos, e sistema de exaustão urbanas.

Janelas e outras aberturas no ambiente Devem ser mantidas ajustadas aos batentes. Outras aberturas devem ser construídas para
evitar o acúmulo de sujidades. Aquelas que possuem comunicação com o exterior, devem
ser providas de proteção de telas antipragas, ser de fácil limpeza e possuir boa conservação.
Devem ser projetadas para que propiciem uma boa ventilação e impeçam o excesso de sol.
O peitoril não deve ser utilizado para depósito ou colocação de plantas e de outros objetos.
Paredes Construídas de alvenaria e revestidas de materiais impermeáveis, laváveis e de cores claras.
Devem ser lisas, sem frestas, de fácil limpeza e sanitização, e altura de até 2 m. Os ângulos
entre as paredes e os pisos e entre as paredes e o teto devem ser abaulados e sem frestas
de qualquer espécie, para facilitar a limpeza.
Pé direito e pisos Deve permitir a instalação adequada de equipamentos, com altura mínima de 3 m. Os
pisos devem ser de cor clara, de material resistente ao trânsito, impermeáveis, laváveis,
antiderrapantes, de fácil limpeza e sanitização, não devem possuir frestas. Sua inclinação
deve ser eficiente para o escoamento de líquidos em direção aos ralos. Os ralos, do tipo
sifão ou similar, devem ser lavados com frequência para evitar o acúmulo de gorduras e
a proliferação de pragas.
Tetos ou forros Construídos e/ou acabados para facilitar a limpeza, impedindo o acúmulo de sujeira, e que
minimize ao máximo a condensação e o crescimento de fungos. Deve possuir sistema de
vedação contra insetos e outras fontes de contaminação. A junção com a parede deve ser
arredondada. As dependências industriais deverão dispor de iluminação natural e/ou artifi-
cial, que possibilitem a realização das tarefas e não comprometam a higiene dos alimentos.
Fontes de luz artificial As fontes de luz devem ser suspensas inócuas, protegidas contra rompimentos. A ilumina-
ção não deve alterar as cores. As instalações elétricas deverão ser embutidas ou aparentes
e, neste caso, estarem protegidas por canos isolantes e apoiadas nas paredes e tetos, não
sendo permitida a presença de cabos pendurados nas áreas de manipulação.
Ventilação Suficiente para evitar o calor excessivo e a condensação de vapor. A corrente de ar nunca
deve fluir de uma área suja para uma área limpa. Aberturas como janelas, portas e outras,
que permitem a ventilação, deverão ser dotadas de dispositivos que protejam contra a
entrada de agentes contaminantes.
Escadas, monta-cargas e estruturas auxiliares, como Deverão estar localizadas e construídas de maneira que não causem contaminação.
plataformas, escadas de mão e rampas
Materiais que dificultem a limpeza e a desinfecção Evitar o uso de madeira, a menos que a tecnologia empregada torne imprescindível o seu
adequadas uso e não constitua uma fonte de contaminação.
Locais refrigerados Uniformidade da temperatura na conservação das matérias-primas dos produtos e durante
os processos industriais. Uso de termômetro de máxima e mínima ou de dispositivos de
registro da temperatura.
NOTA: BPF – Boas práticas de fabricação.

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 2 6 - 3 5 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 30 1/9/2010 10:27:41


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 31

Equipamentos Manipuladores - saúde e pulseiras, maquiagem e similares. O uso de


higiene pessoal luvas não dispensa o funcionário da obri-
Para a limpeza e a desinfecção dos uten-
O controle da saúde dos manipuladores gação de lavar as mãos cuidadosamente.
sílios e equipamentos de trabalho devem
deve ser registrado. Os manipuladores com Os visitantes devem cumprir os requisitos
existir instalações adequadas, construídas
lesões e/ou sintomas de enfermidades, de higiene e de saúde estabelecidos para
com materiais resistentes à corrosão, e
que possam comprometer a qualidade os manipuladores. Os manipuladores de
que possam ser limpas com facilidade.
higiênico-sanitária dos alimentos, devem alimentos devem ser supervisionados e
São necessários meios adequados para o
ser afastados da atividade de preparação capacitados periodicamente em higiene
fornecimento de água fria ou fria e quente,
pessoal, em manipulação higiênica dos
em quantidade suficiente. Os equipamentos, de alimentos até a sua recuperação. Os
manipuladores devem ter asseio pessoal, alimentos e em doenças transmitidas por
móveis e utensílios que entram em contato
apresentando-se com uniformes compatí- alimentos. A capacitação deve ser compro-
direto com os alimentos devem ser de
veis à atividade, conservados e limpos. Os vada mediante documentação.
materiais que não transmitam substâncias
tóxicas, odores, nem sabores aos alimentos. uniformes devem ser trocados, no mínimo,
Qualidade da água
Além disso, devem apresentar resistência à diariamente e usados exclusivamente nas
corrosão e manutenção de bom estado de dependências internas do estabelecimento. O uso de água de qualidade insatisfa-
conservação, mesmo com repetidas opera- Além disso, devem usar calçados fechados tória inviabiliza a obtenção de produtos
ções de limpeza e desinfecção. Deve ser re- e máscaras laváveis ou descartáveis. As rou- alimentícios de acordo com os padrões
alizada manutenção programada e periódica pas e os objetos pessoais devem ser guarda- (ANDRADE; MACEDO, 1996; SCHMI-
dos equipamentos e utensílios e calibração dos em locais específicos e reservados para DT, 1997; ANDRADE; PINTO, 2008). O
dos instrumentos ou equipamentos de medi- esse fim. Os manipuladores de alimentos abastecimento de água potável deve ser
ção, mantendo registro da realização dessas devem lavar as mãos com frequência, com abundante e corrente, e a fonte, canaliza-
operações. Os equipamentos fixos deverão produtos de limpeza autorizados e água ção e reservatório deverão ser protegidos.
ser instalados de modo que permitam fácil potável fria ou quente. As mãos devem ser O sistema deve dispor de conexões com
acesso e limpeza profunda. Deverão ser lavadas antes do início do trabalho, ime- rede de esgoto ou fossa séptica. Os ralos
usados, exclusivamente, para as finalidades diatamente após o uso do banheiro, entre a devem permitir o perfeito escoamento da
sugeridas pelo formato que apresentam. manipulação de alimentos crus e cozidos, água, a fim de evitar o seu acúmulo no piso.
Os recipientes para colocação de ma- após pentear os cabelos, ao entrar na área As grelhas devem possuir dispositivo que
teriais não comestíveis e resíduos deverão de preparação dos alimentos, antes de usar permitam seu fechamento. É imprescindí-
ser construídos de metal ou outro material algum equipamento ou manipular qualquer vel o controle frequente da potabilidade
não absorvente e resistente, que facilite a tipo de produto alimentício, após comer, da água. O vapor e o gelo usados para
limpeza e eliminação de todo o conteúdo. fumar, assoar o nariz, manipular lixo, restos contato direto com os alimentos ou com
Suas estruturas e vedações terão de garantir de alimento ou qualquer material contami- as superfícies que entrem em contato
que não ocorrerão perdas nem vazamentos. nante que possa transmitir enfermidades. com estes não deverão conter qualquer
Esses equipamentos deverão ser marcados Devem ser afixados cartazes de orientação substância contaminante, que cause risco
com a indicação do seu uso e não poderão aos manipuladores sobre a correta lavagem à saúde. A água não-potável usada na
ser utilizados para produtos comestíveis. e antissepsia das mãos e demais hábitos produção de vapor, refrigeração, combate
As superfícies dos equipamentos, mó- de higiene, em locais de fácil visualiza- a incêndios e outros fins correlatos, não
veis e utensílios utilizados na preparação, ção, inclusive nas instalações sanitárias e relacionados com alimentos, deverá ser
embalagem, armazenamento, transporte e lavatórios. Os manipuladores não devem transportada por meio de tubulações se-
distribuição do produto devem ser lisas, fumar, falar, cantar, assobiar, espirrar, paradas, identificadas, de preferência com
impermeáveis, laváveis e isentas de rugo- cuspir, tossir, comer, manipular dinheiro cores específicas, sem que haja conexão
sidades, frestas e outras imperfeições que ou praticar outros atos que possam conta- transversal e sifonada, refluxos ou qualquer
possam comprometer a higienização e minar o alimento, durante o desempenho outro recurso técnico que a faça comuni-
ser fonte de contaminação dos alimentos. das atividades. Devem usar cabelos presos car com tubulações que conduzem água
Toda peça ou equipamento que esteja que- e protegidos por redes, toucas ou outro potável (BRASIL, 1997ab). As análises
brado deve ser retirado da área de proces- acessório apropriado para esse fim. Não é para avaliar a qualidade da água indicam
samento de alimentos até ser consertado ou permitido o uso de barba. As unhas devem suas características sensoriais (cor, sabor,
substituído. Não é permitida a presença de estar curtas e sem esmalte ou base. Durante odor e turbidez), riscos à saúde humana
animais nos estabelecimentos de produção a manipulação, devem ser retirados todos (metais pesados, pesticidas, solventes or-
e de comercialização de alimentos. os objetos de adorno pessoal como anéis, gânicos, nitratos, nitritos, microrganismos
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 2 6 - 3 5 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 31 1/9/2010 10:27:41


32 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

patogênicos), indicadores de depósitos, in- devem ter conhecimento da importância da dadosamente lavadas entre uma e outra
crustações e corrosão (cobre, ferro, zinco, prevenção e controle de contaminações e manipulação de produtos nas diversas
cálcio, magnésio, cloretos, sulfatos, sílica, dos riscos a estas associados e possuírem fases do processo. Todos os equipamen-
bicarbonatos/ácido carbônico, oxigênio), capacitação em técnicas de limpeza e tos e utensílios que tenham entrado em
indicadores de poluição (amônia, nitrito, sanitização. contato com matérias-primas ou com
nitrato) e características microbiológicas. Os equipamentos e os utensílios devem material contaminado devem ser limpos
ser construídos com materiais que não e sanitizados cuidadosamente antes de
Limpeza e sanitização transmitam substâncias tóxicas, odores e ser utilizados em produtos acabados. As
Os prédios, equipamentos e utensílios sabores aos alimentos. Além disso, devem matérias-primas devem ser protegidas de
e as demais instalações do estabelecimen- possuir características não-absorventes, re- possíveis contaminações, por contato com
to, incluindo os condutos de escoamento sistência à corrosão e a repetidas operações lixos ou sujidades de origem animal, do-
das águas, deverão ser mantidos em bom de limpeza e sanitização. As superfícies méstica, industrial ou agrícola, que possam
estado de conservação e funcionamento. deverão ser lisas e isentas de imperfei- causar risco à saúde. Recomenda-se, como
As salas da área de produção deverão es- ções, incluindo fendas, amassaduras, medida preventiva de contaminações dos
tar permanentemente limpas, sem vapor, entre outras. O uso de madeira e de outros alimentos, não cultivar, produzir ou extrair
poeira, fumaça e acúmulos de água. Os materiais deve ser evitado. A natureza do alimentos ou criar animais destinados à
vestiários, sanitários e banheiros, as vias material empregado para construção e de- alimentação humana, em áreas onde a água
de acesso e os pátios também deverão estar senho dos equipamentos é tão importante usada nos diversos processos produtivos
permanentemente limpos. quanto o das instalações. O aço inoxidável seja de qualidade insatisfatória. Ao usar
As áreas de manipulação de alimentos, é o material mais empregado na fabricação substâncias tóxicas nos recipientes, estes
os equipamentos e utensílios deverão ser de equipamentos e utensílios. Esse mate- deverão ser descartados com o objetivo de
limpos e sanitizados com a frequência ne- rial, apesar de ser mais resistente, pode evitar possíveis contaminações nos alimen-
cessária e não deverão ser usadas substân- ser danificado pelo contato com soluções tos. As matérias-primas inadequadas para
cias odorizantes e/ou desodorizantes. Os de salmoura e soluções de higienização consumo humano devem ser separadas
produtos de limpeza e sanitização deverão em função da temperatura, concentração, durante os processos produtivos para pre-
ter seu uso aprovado por órgão competente velocidade de fluxo e pH (ANDRADE; venir a contaminação dos alimentos, água
e pelo setor de controle de qualidade da MACÊDO, 1996). e ambiente. Medidas de proteção contra a
empresa e devem ser guardados em local contaminação das matérias-primas e danos
adequado, fora das áreas de manipulação Prevenção de à saúde pública devem ser tomadas para
contaminações cruzadas
de alimentos. Devem-se dispor de recipien- evitar contaminações químicas, físicas ou
tes adequados, em número e capacidade, Contaminação é a presença não- microbiológicas ou por outras substâncias
necessários para depósitos de dejetos e/ou intencional de qualquer material estranho indesejáveis, além de medidas quanto à
materiais não-comestíveis. Os resíduos nos alimentos, de origem química, física prevenção de possíveis danos. Os meios
de detergentes e desinfetantes devem ser ou biológica, que os tornam inadequados para transportar as matérias-primas dos
eliminados mediante lavagem minuciosa, para consumo humano. Contaminação locais de produção ou armazenamento
com água potável, antes que as áreas e os cruzada é a transferência de substâncias devem ser adequados para a finalidade a
equipamentos voltem a ser utilizados para ou microrganismos prejudiciais à saúde que se destinam e construídos de materiais
a manipulação de alimentos. humana, de uma fonte contaminada para que permitam a limpeza, desinfecção e
Precauções adequadas, quanto à lim- um alimento não contaminado ou pronto a desinfestação fáceis e completas.
peza e à sanitização, devem ser tomadas, ser consumido. Exemplos podem ser ilus-
quando forem realizadas operações de trados como fatiamento de carnes prontas Controle integrado de
pragas e vetores
manutenção geral e/ou específica de equi- para o consumo com faca anteriormente
pamentos, utensílios ou qualquer elemento utilizada para cortar carnes cruas, circula- O Controle Integrado de Pragas (CIP)
que possa contaminar o alimento. Imedia- ção de pessoas que trabalham na recepção e vetores compreende o tratamento com
tamente após o término da jornada de traba- de leite em áreas de produtos processados. agentes químicos, biológicos ou físicos,
lho, ou quantas vezes forem necessárias, o Medidas eficazes devem ser tomadas com o objetivo de aperfeiçoar o controle
chão, os condutos de escoamento de água, para evitar contaminações nas etapas de pragas e minimizar os riscos de conta-
as estruturas de apoio e as paredes das áreas iniciais do preparo dos alimentos, por minações. Deve ser realizado apenas sob
de manipulação de alimentos deverão ser contato direto ou indireto, com o material a supervisão direta de pessoal que conheça
rigorosamente limpos. Os manipuladores contaminado. As mãos devem ser cui- os perigos potenciais que representam para
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 2 6 - 3 5 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 32 1/9/2010 10:27:41


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 33

a saúde. Uma forma ativa de contaminação dos recipientes, utilizados para o armazena- ou bandejas limpas, dispostos na ordem
dos alimentos é o seu contato com insetos mento, todos os equipamentos que tenham adequada para a rotação “primeiro que
ou roedores que atuam como vetores de entrado em contato com estes recipientes entra primeiro que sai” (Peps). Os produ-
diversas doenças. Os serviços de CIP são deverão ser limpos e desinfetados. A área tos ou ingredientes mais recentes devem
estabelecidos pela legislação brasileira de armazenamento de resíduos deverá ser ser colocados atrás ou embaixo daqueles
(BRASIL, 1997ab; ANVISA, 2002b). limpa e desinfetada. mais antigos para evitar a contaminação
O armazenamento dos produtos deve cruzada. Os produtos que possam vazar ou
ser feito em locais cujo controle garanta a Recepção de matérias-primas gotejar devem ser armazenados abaixo dos
proteção contra a contaminação e reduza ao As recomendações incluem a inspeção demais em recipientes limpos, tampados
mínimo as perdas da qualidade nutricional de todos os ingredientes, embalagens de e rotulados, se tiverem sido retirados dos
ou deteriorações. Os equipamentos e os produto, itens descartáveis, roupas lavadas, recipientes originais.
recipientes não devem constituir um risco estrados e documentos de entrada quanto a
Não armazenar
à saúde, devendo ser lavados e santizados. evidências de contaminação. Os requisitos
Além do conhecimento das pragas existen- aplicáveis à matéria-prima são: Embaixo de tubulações de esgoto,
tes, é essencial o conhecimento do local, a) não aceitar matéria-prima ou ingre- de água ou de refrigeração, onde exista
da região onde está localizada a empresa, diente que contenham parasitas, mi- condensação acumulada ou evidência de
layout e identificação de pontos críticos. O crorganismos ou substâncias tóxicas, vazamento. Em banheiros, vestiários, lo-
CIP minimiza o uso de inseticidas no am- decompostas ou estranhas, que não cais de refugo ou de recuperação ou salas
biente, com o emprego de barreiras físicas, possam ser reduzidas a concentra- de equipamentos mecânicos. Diretamente
visando menor exposição das pessoas e/ou ções aceitáveis, pelos procedimentos sobre o piso ou encostados nas paredes e
animais aos produtos. Os procedimentos normais de classificação e/ou prepa- em locais muito cheios.
devem contemplar as medidas preventivas ração ou elaboração; Armazenamento a seco
e corretivas destinadas a impedir a atração,
b) inspeção e classificação de matérias-
o abrigo, o acesso e/ou proliferação de ve- Os recipientes devem ser mantidos fe-
-primas ou ingredientes antes de
tores e pragas urbanas. No caso do controle chados até o momento do uso. Quando for
serem introduzidos na linha de fa-
químico, o estabelecimento deve apresentar usada apenas uma porção do conteúdo de
bricação/elaboração e, se necessário,
comprovante de realização do serviço forne- uma embalagem ou de um recipiente, o res-
deverão ser submetidos a controles
cido pela empresa especializada contratada. tante deve ser transferido para recipientes
laboratoriais. Na elaboração, deve-
As agroindústrias de alimentos apresentam plásticos ou metálicos limpos, sanitizados,
rão ser utilizadas somente matérias-
diversos locais propícios à proliferação de tampados e rotulados. Os produtos críticos
primas ou ingredientes limpos e em
insetos e roedores. Nessas áreas, o controle como os pós de base láctea, açúcar e pro-
boas condições. As matérias-primas
de pragas só pode ser realizado por profis- ou ingredientes armazenados nas
dutos aromatizantes, entre outros, devem
sionais treinados e legalizados. ser examinados com frequência quanto à
dependências do estabelecimento
presença de sinais de infestação por pra-
deverão ser mantidos em condições
Manejo de resíduos gas. Um espaço de pelo menos 45 cm deve
que evitem a sua deterioração, que
O estabelecimento deve dispor de re- ser deixado entre as pilhas de produtos e
sejam protegidos contra a contami-
cipientes identificados e íntegros, de fácil entre estas e as paredes. Os utensílios de
nação, a fim de reduzir as perdas ao
higienização e transporte, em número e ca- limpeza e os suprimentos de embalagem
mínimo. Deverá ser assegurada a
pacidade suficientes para conter os resíduos. rotatividade adequada dos estoques
e descartáveis devem ser armazenados
Os coletores utilizados para deposição dos bem fechados sob as mesmas condições
de matérias-primas e ingredientes.
resíduos das áreas de preparação e armaze- sanitárias que as matérias-primas. Os agen-
namento de alimentos devem ser dotados de Armazenamento de tes de limpeza e sanitizantes não devem
tampas acionadas sem contato manual. Os produtos e matérias-primas ser armazenados acima ou próximos dos
resíduos devem ser frequentemente coleta- ingredientes, suprimentos de embalagem,
dos e estocados em local fechado e isolado Itens secos, refrigerados e itens descartáveis e itens que entrem em
congelados
da área de preparação e armazenamento dos contato com os produtos. Os produtos
alimentos, a fim de evitar focos de contami- Devem ser mantidos em áreas limpas inseticidas e os outros materiais tóxicos
nação e atração de vetores e pragas urbanas. e organizadas, pelo menos com 15 cm devem ser armazenados trancados em
Imediatamente após a retirada dos resíduos acima do piso, sobre prateleiras, estrados uma área separada daquela usada para o
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 2 6 - 3 5 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 33 1/9/2010 10:27:41


34 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

armazenamento dos agentes de limpeza, e outros. O controle da temperatura é ou Serviço de Inspeção Federal (SIF). O
sanitizantes e dos produtos. importante para impedir o crescimento rótulo deve conter as seguintes informa-
das bactérias e produção de suas toxinas. ções: nome e marca do alimento, nome do
Armazenamento em
A área de armazenamento de alimentos fabricante ou produtor, número de registro
temperatura controlada
congelados deve ser seca, limpa e bem ven- no órgão competente, identificação dos
A temperatura do congelador deve ser tilada. O freezer deve estar funcionando na aditivos, ingredientes do produto, data de
verificada pelo menos duas vezes por dia. temperatura correta, a -18 oC, os alimentos fabricação, data de validade, carimbo de
Os itens congelados devem ser mantidos não devem ser armazenados acima da linha inspeção para produtos de origem animal e
a -17 °C ou menos, e os itens refrigerados de carga do freezer. Os prazos de validade seus derivados, peso e volume, temperatura
a +4,4 °C ou menos. devem ser frequentemente verificados. de armazenamento e condições de estoca-
Os alimentos descongelados não devem gem e informação nutricional.
Desinfecção das matérias-
-primas ser recongelados. Os alimentos devem ser
Documentação e registro
embalados corretamente.
Na sanitização da matéria-prima são
As agroindústrias devem dispor de
usados agentes com atividade antimicro- Embalagem Manual de BPF e a descrição dos Procedi-
biana, sendo que a legislação brasileira
As embalagens devem ser armazenadas mentos Operacionais Padronizados. Esses
recomenda o uso de substâncias cloradas.
em condições higiênico-sanitárias, em documentos devem estar acessíveis aos
Armazenamento e local destinado para este fim, sendo que o manipuladores envolvidos e disponíveis à
transporte do alimento material deve ser seguro e apropriado ao autoridade sanitária. Devem ser aprovados,
pronto para o consumo produto acabado. As condições previstas datados e assinados pelo responsável do
As matérias-primas e os produtos de armazenamento não devem permitir estabelecimento. Os registros devem ser
acabados deverão ser armazenados e que sejam transferidas para o produto final mantidos por período mínimo de um ano
transportados em condições que impeçam substâncias indesejáveis, que excedam os e em local de fácil acesso e disponível ao
a contaminação e/ou a multiplicação de limites aceitáveis pelo órgão competen- serviço de fiscalização.
microrganismos e protejam contra a alte- te. Conferir proteção apropriada contra
as contaminações. Não devem ter sido CONSIDERAÇÕES FINAIS
ração do produto e danos aos recipientes
ou embalagens. Durante o armazenamento, anteriormente utilizadas para nenhuma Os responsáveis pelo processamento de
deverá ser feita uma inspeção periódica outra finalidade que não seja o acondi- alimentos devem ter conhecimento sobre
dos produtos acabados, com o objetivo cionamento do produto acabado. Devem as BPF para avaliar e intervir nos possíveis
de liberar só alimentos aptos ao consumo ser inspecionadas imediatamente antes do riscos e assegurar uma vigilância e contro-
humano e cumprir as especificações aplicá- uso, para verificar sua segurança. Em casos les eficazes. Os aspectos de saúde pública e
veis aos produtos acabados. Os veículos de específicos, limpas e/ou desinfetadas e, econômicos devem ser considerados como
transporte próprios ou contratados deverão caso necessário, devem ser secas antes do prioritários prevendo-se a capacitação dos
estar autorizados pelo órgão competente. uso. Na área de envase e de embalagem, manipuladores, instruções específicas e
Os veículos de transporte deverão realizar devem permanecer apenas as embalagens detalhadas sobre procedimentos de BPF,
as operações de carga e descarga fora dos necessárias para uso imediato. O ato de estabelecimento de um plano de avalia-
locais de elaboração dos alimentos, evitan- embalar deve ser feito em condições que ção fundamentado em critérios visuais,
do, assim, a contaminação destes alimentos excluam as possibilidades de contaminação químicos e microbiológicos, critério para
e do ar pelos gases de combustão. Os veí- do produto. a eliminação ou tratamento de resíduos,
culos destinados ao transporte de alimentos manutenção das instalações, prédios e
Rotulagem e apresentação
refrigerados devem dispor de meios que terrenos e cálculo dos custos.
permitam verificar a umidade, quando Todos os alimentos adquiridos de Algumas das adequações apresentadas
necessário, e a temperatura, que deve ser fornecedores e expostos à venda devem não exigem investimentos dispendiosos e
mantida dentro dos níveis adequados. apresentar rotulagem completa e legível sim mudanças de hábitos e organização,
Os alimentos perecíveis, principal- (ANVISA, 2002a), o que possibilita iden- como por exemplo, aspectos de higiene
mente os de alto risco, que deterioram tificar a procedência e o registro do pro- pessoal, prevenção de contaminações,
facilmente, necessitam de maior atenção duto nos Serviços de Inspeção Municipal controle da qualidade da água, organização
como os produtos à base de leite, cremes (SIM), Serviço de Inspeção Estadual (SIE) dos ambientes, entre outros. Já a adequa-
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 2 6 - 3 5 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 34 1/9/2010 10:27:42


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 35

ção da infraestrutura demanda um maior Fabricação em Estabelecimentos Produto- de de adequação às boas práticas de pro-
investimento por parte dos produtores. res/Industrializadores de Alimentos. Diário dução e de comercialização. Revista do
Oficial [da] República Federativa do Bra- Instituto de Laticínios “Cândido Tostes”,
Nesse caso, os agricultores devem buscar
sil, Brasília, 6 nov. 2002b. Juiz de Fora, v.58, n.333, p.178-180, jul./
orientação nos órgãos competentes sobre
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS ago. 2003. Anais do XX Congresso Nacio-
a existência e como ter acesso a linhas de
TÉCNICAS. NBR ISO 22000: sistemas de nal de Laticínios.
crédito para esse fim. A conscientização da
gestão da segurança de alimentos - requi- CENTERS OF DISEASE CONTROL AND
necessidade das adequações e a orientação sitos para qualquer organização da cadeia PREVENTION . How many cases of food-
a proprietários de agroindústrias familiares produtiva de alimentos. Rio de Janeiro, borne disease are there in the in United
sobre o cumprimento às exigências da 2006. States. Atlanta, 2005. Disponível em: <http://
legislação são fatores primordiais para a BRASIL. Ministério da Agricultura. Por- www.cdc.gov/ncidod/dbmd/diseaseinfo/
obtenção de produtos de boa qualidade e taria no 368, de 4 de setembro de 1997. foodborneinfections_g.htm#howmanycases>.
conquista do selo de inspeção. Deve-se vis- Aprova o Regulamento Técnico sobre as Acesso em: 20 nov. 2009.
lumbrar que todos os esforços investidos condições Higiênico-Sanitárias e de Boas
FORSYTHE, S.J. Microbiologia da segu-
Práticas de Fabricação para Estabeleci-
contribuem para a inserção dos produtos no rança alimentar. São Paulo: Artmed, 2002.
mentos Elaboradores/Industrializadores de
mercado, o que possibilitará a sustentabi- 424p.
Alimentos. Diário Oficial [da] República
lidade desse setor de produção. Federativa do Brasil, Brasília, 8 set. 1997a. HOMEM, V.S.F. Brucelose, leptospirose e
Seção 1, p.19697. tuberculose em Uruará, PA, município da
REFERÊNCIAS Amazônia Oriental: estudo da população
_______. Ministério da Agricultura, Pecu-
ALVES, B.M.R. et al. Diagnóstico sobre ina- humana e animal. 1999. 76p. Dissertação
ária e Abastecimento. Portaria no 46, de
dequações na comercialização de queijos (Mestrado em Epidemiologia Experimental
10 de fevereiro de 1998. Institui o Sistema
Minas. Revista do Instituto de Laticínios e Aplicada a Zoonoses) - Faculdade de Me-
de Análise de Perigos e Pontos Críticos de
“Cândido Tostes”, Juiz de Fora, v.62, n.357, Controle - APPCC a ser implantado, gra- dicina Veterinária e Zootecnia, Universida-
p.348-353, jul./ago. 2007. Anais do XXIV dativamente, nas indústrias de produtos de de São Paulo.
Congresso Nacional de Laticínios. de origem animal sob o regime do Serviço PINTO, C.L. de O. Análise de condições
de Inspeção Federal - SIF, de acordo com de comercialização de produtos da agroin-
ANDRADE, N.J. de; MACÊDO, J.A.B. de. Hi-
o manual genérico de procedimentos. Di- dústria familiar no Território da Serra do
gienização na indústria de alimentos. São
ário Oficial [da] República Federativa do Brigadeiro. Revista Brasileira de Agroe-
Paulo: Varela, 1996. 182p.
Brasil, Brasília, 16 mar. 1998. Seção 1, cologia, Porto Alegre, v.2, n.2, p.273-276,
_______; PINTO, C.L.O. Higienização na p.24. out. 2007. Disponível em: <http://www6.
indústria de laticínios. In: BASTOS, M. dos
_______. Resolução no 10, de 22 de maio ufrgs.br/seeragroecologia/ojs/viewarticle.
S.R. Ferramentas da ciência e tecnologia
de 2003. Institui o Programa Genérico de php?id=1745>. Acesso em: nov. 2009.
para a segurança dos alimentos. Fortaleza:
Procedimentos - Padrão de Higiene Ope-
Embrapa Agroindústria Tropical: Banco do PREZOTTO, L.L.; LIMA, D.M.A.; WILKIN-
racional-PPHO, a ser utilizado nos Esta-
Nordeste do Brasil, 2008. p.41-68. SON, J. Qualidade ampla: referência para
belecimentos, de Leite e Derivados, que
a pequena agroindústria rural inserida
ANVISA. Resolução RDC no 12, de 2 de funcionam sob o regime de Inspeção Fede-
numa proposta de desenvolvimento re-
janeiro de 2001. Aprova o Regulamento ral, como etapa preliminar e essencial dos
gional descentralizado. In: LIMA, D.M. de
Técnico sobre padrões microbiológicos de Programas de Segurança Alimentar do tipo
alimentos. Diário Oficial [da] República A.; WILKINSON, J. (Org.). Inovações nas
APPCC (Análise de Perigos e Pontos Críticos
Federativa do Brasil, Brasília, 10 jan. 2001. tradições da agricultura familiar. Brasília:
de Controle). Diário Oficial [da] Repúbli-
Disponível em: <http://www.anvisa.gov.br/ CNPq: Paralelo 15, 2002. p.285-300.
ca Federativa do Brasil, Brasília, 28 maio
e-legis/>. Acesso em: 20 nov. 2009. 2003. Seção 1, p.4. SALOTTI, B.M. Qualidade microbiológica
_______. Resolução RDC no 259, de 20 de _______. Ministério da Saúde. Portaria do queijo minas frescal comercializado no
setembro de 2002. Aprova o Regulamento no 326, de 30 de Julho de 1997. Aprova o município de Jaboticabal, SP, Brasil. Arqui-
Técnico sobre Rotulagem de Alimentos Em- Regulamento Técnico: Condições Higiêni- vo do Instituto de Biologia, São Paulo, v.73,
balados. Diário Oficial [da] República Fe- co- Sanitárias e de Boas Práticas de Fabri- n.2, p.171-175, 2006.
derativa do Brasil, Brasília, 23 set. 2002a. cação para Estabelecimento Produtores/ SCHMIDT, R.H. Basic elements of equip-
Industrializadores de Alimentos, confor- ment cleaning and sanitizing in food pro-
_______. Resolução RDC n 275, de 21 de ou- o
me Anexo l. Diário Oficial [da] Repúbli- cessing and handling operations. Gaines-
tubro de 2002. Dispõe sobre o Regulamento
ca Federativa do Brasil, Brasília, 1 ago.
Técnico de Procedimentos Operacionais Pa- ville: University of Florida - Institute of Food
1997.
dronizados aplicados aos Estabelecimentos and Agricultural Sciences, 2003. Disponível
Produtores/Industrializadores de Alimentos CARMO, A.P. do; PINTO, C.L. de O.; MAR- em: <http://edis.ifas.ufl.edu/FS077>. Aces-
e a Lista de Verificação das Boas Práticas de TINS, M.L. Queijos artesanais: necessida- so em: 1 nov. 2009.

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 2 6 - 3 5 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 35 1/9/2010 10:27:42


36 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

Análise primária sobre a “não-adoção” de tecnologias


disponibilizadas a produtores rurais: estudo de caso no
município de Tiradentes, MG
Adauto de Matos Lemos 1
Pedro Henrique Baptista de Oliveira 2

Resumo - A despeito de avanços tecnológicos, as estratégias de transferência de tec-


nologias até então praticadas não têm proporcionado resultados na dimensão espe-
rada. Na pecuária leiteira, por exemplo, cerca de 90% dos produtores aplicam pouca
tecnologia na produção. Em levantamento realizado por pesquisadores da EPAMIG,
na região de Tiradentes, MG, observou-se depois de dois anos, de 2005 a 2007, que
pouca tecnologia foi de fato adotada pelos produtores locais assistidos pela EPAMIG
nesse período, no qual foram oferecidas palestras, cursos, visitas técnicas e orientação
diversa, numa ação conjunta com o poder público local. A situação é desconfortante,
porque houve um grande esforço e gasto, para que, no final, somente um quarto dos
assistidos usasse parcialmente as tecnologias disponibilizadas. Mais da metade sequer
ousou em qualquer conhecimento ofertado, mesmo para aquelas tecnologias que não
representam grandes investimentos, as quais podem ser atingidas simplesmente com
mudanças de comportamento e visão de mercado mais adequada. A necessidade de
buscar outros caminhos para a transferência de tecnologia ficou evidente.

Palavras-chave: Transferência de tecnologia. Pecuária familiar. Pecuária leiteira.


Extensão rural.

INTRODUÇÃO lhão de famílias produtoras de leite, isto é, oneroso, burocrático e, no geral, não
mais de 80% dos produtores de leite são tem conformidade com o calendário
O Brasil possui sua base de Produto
considerados pequenos produtores, com agrícola;
Interno Bruto (PIB) alicerçada na agro-
baixa produtividade por animal, pouco c) a assistência técnica e a extensão
pecuária. Particularmente em relação à
uso de tecnologia e respondem por 20% rural estão necessitando de novos
pecuária leiteira, Fonseca e Santos (2007)
da produção total. instrumentos e recursos para am-
exemplificam sua importância pela produ-
Melhorias no campo são perceptíveis. pliar o atendimento aos pequenos
ção, em 2005, de cerca de 25 bilhões de
No entanto, alguns fatores continuam agricultores;
litros de leite, os quais geraram, confor-
afetando negativamente o seu desenvolvi- d) a tecnologia agropecuária gera-
me Martins (2007), uma renda bruta de,
mento, dentre os quais destacam-se: da não alcança e nem sempre é
aproximadamente, 12 bilhões de reais.
Caracterizadas pela heterogeneidade, há a) a própria política agrícola que compatível com as necessidades e
propriedades leiteiras com produção diária apresenta equívocos, quando da realidade do grande contingente de
inferior a 10 litros e outras que superam abordagem de fatores culturais, agricultores familiares;
60 mil litros. De acordo com Martins agroecológicos e socioeconômicos; e) a dificuldade de acesso à educação
(2007), no Brasil, existem cerca de 1 mi- b) o crédito rural é frequentemente por parte dos pequenos agricultores.

1
Médico-Veterinário, M.Sc., Pesq. U.R. EPAMIG SM-FERN, CEP 36301-360 São João del-Rei-MG. Correio eletrônico: adautolemos@epamig.br
2
Engo Alimentos, Pesq. EPAMIG-ILCT, Caixa Postal 183, CEP 36045-560 Juiz de Fora-MG. Correio eletrônico: pedrohenrique@epamig.br

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 3 6 - 4 0 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 36 1/9/2010 10:27:42


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 37

Em relação aos três últimos fatores ci- rural considerava a família rural como uma culturais e ambientais do País. Este norte
tados, cabe analisar a estrutura de apoio ao unidade de trabalho. Posteriormente, com a está demandando uma nova postura insti-
pequeno agricultor, especialmente àquele Revolução Verde, o atendimento passou a tucional e um novo profissionalismo com
que se autodenomina “tirador de leite”. ser individualizado, priorizando médios e orientações estratégicas para suas ações,
Segundo Castro et al. (2005), vive-se grandes agricultores. Em 1970, foi criada a bem como o restabelecimento da articula-
hoje um momento de resgate da política de Empresa Brasileira de Assistência Técnica ção da extensão rural com as instituições de
Assistência Técnica e Extensão Rural para e Extensão Rural (Embrater), centralizando ensino e pesquisa (CASTRO et al., 2005).
o País, percebida recentemente como um as decisões em nível federal. No início da
processo educativo que propicia assistência década de 1980, no entanto, houve uma PAPEL DO EXTENSIONISTA
técnica, econômica e social às famílias redução de recursos que culminou com a NO BRASIL
rurais, com o objetivo de ajudá-las a ele- extinção da Embrater em 1990, colocan- Segundo Bernardo, Muniz e Moreira
var seu nível de vida ou mesmo difundir do os sistemas estaduais em desconforto (2007), ainda persiste o modelo clássico
conhecimentos por meio de processos financeiro, gerando modificações nas es- americano de extensão rural, em que o
educativos. Diferem, neste sentido, do truturas dessas empresas, como fusões das extensionista é a ponte entre a pesquisa e
paternalismo e do fomento da agropecu- entidades de pesquisa com as de assistência o produtor, o qual leva novas tecnologias
ária, quando há, somente, distribuição técnica e extensão rural (CASTRO et al., aos produtores e traz problemas perce-
gratuita de sementes, adubos, máquinas 2005). Tal fato, no entanto, não ocorreu bidos no campo para os pesquisadores.
ou qualquer outro insumo. A assistência em Minas Gerais, ficaram preservadas Segundo Rogers (1969 apud BERNARDO;
técnica de hoje está mais voltada para a a Empresa de Pesquisa Agropecuária de MUNIZ; MOREIRA, 2007), o comporta-
capacitação do produtor, para que este Minas Gerais (EPAMIG) e a Empresa de mento de camponeses em várias partes do
possa alavancar seu próprio empreendi- Assistência Técnica e Extensão Rural do mundo tem dez características em comum
mento. Para isso, o extensionista utiliza Estado de Minas Gerais (Emater-MG). (Quadro 1).
de diversos meios de comunicação, como Ainda, segundo Castro et al. (2005), um Em relação à falta de inovação, item
jornal, rádio, televisão, filme, retroprojetor, terceiro momento foi vivido pela extensão dois do Quadro 1, Rogers (1969 apud
datashow e métodos pedagógicos, como rural, quando as maiores ações deslocaram- BERNARDO; MUNIZ; MOREIRA,
visitas, reuniões, excursões, dias de cam- se para a área ambiental, agroecologia, um 2007) avalia que tal fato não é decorrente
po, entre outros. De fato são instrumentos caminho mais equitativo e mais apropriado do comportamento limitado do camponês
novos, mas conforme Castro et al. (2005) para a agricultura familiar. Segundo dados e, sim, da escassez de recursos financei-
afirmaram, a extensão rural clássica sempre da Associação Brasileira das Entidades Es- ros disponíveis; não adota determinada
deu prioridade à agricultura familiar, valo- taduais de Assistência Técnica e Extensão tecnologia, mesmo ciente dos ganhos que
rizando o contato direto dos extensionistas Rural (ASBRAER, 2003 apud CASTRO poderia obter. Essa atitude cria um conflito
com os produtores em suas propriedades et al., 2005), há, nas 27 unidades da Fe- e frustra muitos extensionistas que estimu-
ou comunidades rurais, estabelecendo, deração, 24.127 trabalhadores, dos quais lam a adoção de determinadas tecnologias,
assim, um diálogo que possibilite uma 14.500 atuam no campo, atendendo cerca que mesmo óbvias, quanto aos benefícios,
troca de conhecimentos entre os agentes de 93% dos municípios brasileiros, mas não são adotadas pelo produtor assistido.
de extensão e os agricultores. apenas 40% dos agricultores familiares do Essa relação de dualidade entre tecno-
País são alcançados. logias potencialmente benéficas a serem
HISTÓRICO DA ASSISTÊNCIA No momento, uma Política Nacional adotadas e dificuldade de adaptação e uso
TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL de Assistência Técnica e Extensão Rural motiva uma avaliação.
PÚBLICA NO BRASIL (Pnater), conduzida pelo Ministério do De-
Em 1948, foi fundada a Assistência senvolvimento Agrário (MDA), preconiza PROFISSIONALIZAÇÃO DA
novas metodologias para fortalecimento da BOVINOCULTURA DE LEITE E
Técnica e Extensão Rural (Ater) brasileira
PEQUENOS AGRICULTORES
e a Associação de Crédito e Assistência agricultura familiar. Em foco a inclusão
Rural de Minas Gerais (Acar), com o social da população rural brasileira mais A falta de profissionalização e o defi-
objetivo de, por meio da comunicação e pobre, os assentados da reforma agrária, os ciente gerenciamento da atividade, bem
tecnologia, proporcionar a transferência extrativistas, os ribeirinhos, os indígenas, como a pouca ou nenhuma utilização de
de novos conhecimentos às comunidades. os quilombolas, os pescadores artesanais, tecnologia, são vistos por Benedetti (2006)
Neste sentido, os extensionistas da Acar os seringueiros dentre outros, sempre como a causa principal da má situação
atuavam como educadores voltados à procurando o respeito à pluralidade e às vivida pelos “tiradores de leite”. Esclare-
empresa familiar. Até 1964, a extensão diversidades sociais, econômicas, étnicas, ce ainda que, embora a produção leiteira
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 3 6 - 4 0 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 37 1/9/2010 10:27:42


38 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

QUADRO 1 - Perfil e comportamento de camponeses em nível mundial de Saúde (OMS) é de uma UBS para cada
Característica Descrição 20 mil – o PSF ainda enfrenta muitos
problemas. Um deles, segundo Franco e
1 Mútua desconfiança nas relações interpessoais e falta de habilidade
de agir em grupo.
Merhy (200-), são as visitas domiciliares
compulsórias, que não deveriam ser feitas
2 Falta de inovação, sendo pouco inovadores evitando riscos e in- sem que houvesse uma indicação explícita
certezas.
para isto; sem nenhum indicativo do que
3 Fatalistas, com crença divina profunda. o médico ou o enfermeiro vão fazer em
4 Baixos níveis de aspiração em termos de vida, status social, educação determinado domicílio.
e ocupação. Outra dificuldade, apontada por Franco
5 Baixo nível de expectativa de gratificação a longo prazo.
e Merhy (200-), que merece destaque é
a figura do médico generalista. Segundo
6 Perspectiva de tempo limitada às condições naturais de plantio, esses autores, a presença do médico gene-
colheita.
ralista no Programa pode gerar constran-
7 Primam sobre a ação familiar, em função dos objetivos individuais. gimentos; ao longo do tempo esse médico
8 Relação de hostilidade e dependência em relação aos governos locais.
pode-se transformar em um “especialista
da generalidade”. Equipes de referência
9 Baixo grau de relação com outras experiências que não aquelas representam, portanto, uma necessidade.
vividas no seu meio social.
Certamente, o Programa alcançaria melho-
10 Baixa empatia. res resultados para a população.
FONTE: Dados básicos: Bernardo, Muniz e Moreira (2007). É possível que no PSF não estejam
sendo adotadas as melhores estratégias
e que, como no Programa de Extensão
seja fonte de renda, principalmente pelos cura de doenças no hospital. Agora o PSF é
Rural adotado no País, surjam equívocos.
custos baixos com a mão-de-obra e pela centrado na família, em seu ambiente físico
Também o extensionista é muitas vezes
participação ativa da família na atividade, e social, indo além de práticas curativas.
percebido como generalista. Por falta de
há dificuldades, entre as quais: por ser Os princípios mais importantes do sis-
pessoal, em particular de especialistas,
trabalho diário intensivo; por apresentar tema são mostrados no Quadro 2.
em segmentos distintos do agronegócio,
relações de conflito entre produtor e indús- A territorialização do PSF estabelece o extensionista se vê no dever de ajudar
tria; além da necessidade de investimentos para uma clientela de 1 mil a 6 mil famílias produtores de áreas diversas.
em instalações e maquinários. em determinado território, uma equipe Portanto, é possível inferir que o suces-
Portanto, Benedetti (2006) sugere que
composta por um médico, um enfermeiro, so alcançado no País, tanto pelo PSF como
o gerenciamento dos negócios de produ-
um auxiliar de enfermagem e cinco agen- pelos Programas de Assistência Rural,
ção e a transferência de tecnologia podem
tes comunitários de saúde. Embora haja credencia a utilização da estrutura existente
contribuir para a ocorrência do processo
no País cerca de uma Unidade Básica de para a implantação de outro processo que
de transformação do produtor rural. Além
Saúde (UBS) para cada 5.424 habitantes – permite também atuar de forma direta e
disso, afirma que esse compartilhamento de
a recomendação da Organização Mundial individual sem gerar nenhum vício.
tecnologia deve ser feito de forma pessoal,
e o resultado é o aumento de conhecimento,
mesmo em pequenas áreas. QUADRO 2 - Características do Programa de Saúde da Família (PSF)

O PROGRAMA DE SAÚDE DA Característica Descrição


FAMÍLIA E O PROGRAMA DE 1 Substituição das práticas convencionais de assistência.
EXTENSÃO RURAL
2 Integralidade e hierarquização: o PSF está no primeiro nível de ação
Segundo Franco e Merhy (200-), o dos serviços de saúde.
Programa de Saúde da Família (PSF) foi
criado pelo Ministério da Saúde em 1994, 3 Trabalho com territórios de abrangência definida.
com o objetivo de proceder à reorganização 4 Equipe multiprofissional: médico generalista/de família, enfermeiro,
da prática assistencial em novas bases e auxiliar de enfermagem e quatro a seis agentes comunitários de
critérios, em substituição ao modelo tradi- saúde (ACS).
cional de assistência que é orientado para a FONTE: Dados básicos: Franco e Merhy (200-).

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 3 6 - 4 0 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 38 1/9/2010 10:27:42


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 39

IDENTIFICAÇÃO DA NÃO-ADOÇÃO legislação e mercado. A avaliação relativa de qualidade e segurança dos alimentos,
DE TECNOLOGIAS PROPOSTAS ao uso de tecnologias, realizada in loco não possui uma estrutura de produção,
NA CADEIA LÁCTEA: UM ESTUDO nas propriedades rurais do município de captação, transporte e beneficiamento de
DE CASO Tiradentes, pode ser vista no Gráfico 1. leite e derivados com níveis tecnológicos
Este processo é consequência de inú- Verifica-se, também, que mais da metade satisfatórios. Muitos produtores de queijos
meras discussões e de situações vividas dos pequenos agricultores não utilizou e de outros produtos no município fazem
pela área de Difusão de Tecnologia de qualquer tecnologia aprendida. É possível uso de métodos pouco adequados de fa-
Leite e Derivados, do Instituto de Lati- que isto tenha ocorrido em consequência bricação.
cínios Cândido Tostes (ILCT), criado há de fatores supracitados, alguns dos quais Nesse sentido, é urgente a transferência
75 anos, constituindo uma das Unidades dizem respeito à falta de acompanhamento de técnicas que possam provocar melhorias
da EPAMIG. O ILCT atua na pesquisa técnico na região, à escassez de recursos tanto no processo produtivo quanto no
e transferência de tecnologia na área de financeiros ou à falta de orientação quanto beneficiamento de derivados, garantindo
Leite e Derivados, atendendo diretamente ao modo e à instituição aos quais podem a segurança alimentar dos consumidores
inúmeros agricultores, muitos dos quais recorrer para obter tais recursos, para cons- desses produtos dentro e fora da região.
comparecem ao Instituto em busca de truir melhores instalações, equipamentos A percepção da realidade em Tiradentes
reciclagem ou mesmo para obtenção de e insumos. indica a necessidade de buscar outras estra-
conhecimentos na área de processamento A implantação da Fazenda Experimen- tégias para a transferência de tecnologia.
de leite, em particular na produção de tal Risoleta Neves (FERN) da Unidade
Ações e resultados
queijos, doces e fermentados em escala Regional EPAMIG Sul de Minas (U.R.
mínima para um empreendimento. EPAMIG SM) possibilitou uma parceria Algumas ações que possam contribuir
Diferente dos demais cursos até então com a Universidade Federal de São João para o desenvolvimento rural sustentável
realizados, foi proposta, em 2005, uma del-Rei (UFSJ) e prefeituras dos municí- precisam ser incentivadas, tais como:
nova dinâmica que possibilitasse uma pios do Campo das Vertentes. Juntas, vão instalação de unidades de processamento
averiguação da adoção das tecnologias encontrar as estratégias que possibilitarão de derivados lácteos, doces, fruticultura,
adquiridas após dois anos de treinamento avanços no processo de transferência de olericultura, piscicultura, grãos para ali-
de agricultores nas áreas de queijo, fermen- tecnologias. mentação humana, grãos para alimentação
tados e técnicas de produção de leite mais Paradoxalmente, embora seja uma animal, oleaginosas, biocombustível,
apropriadas à realidade de suas condições, região turística com muitas pousadas, fre- produtos orgânicos, silvicultura, orga-
controle de qualidade de leite e derivados, quentadas por pessoas exigentes em termo nizações sociais como associativismo,
cooperativismo, preservação ambiental e
sustentabilidade econômica. A criação de
uma marca para o queijo artesanal típico da
região é apenas o primeiro passo.
Neste contexto, qualquer caminho tra-
çado precisa considerar a vocação artesanal
da região. Desse modo relacionam-se, a
seguir, os resultados mais esperados:
a) organização da cadeia produtiva do
queijo típico da região;
b) aperfeiçoamento do queijo artesanal
típico da região, via adoção de tec-
nologia;
c) produtos padronizados;
d) criação de marca - comercialização
conjunta de queijos em embalagens
que fortaleçam a marca;
e) motivação para a produção de outros
Gráfico 1 - Uso de tecnologias difundidas aos agricultores familiares que receberam
treinamento no Instituto de Laticínios Cândido Tostes (ILCT), da EPAMIG em produtos oriundos do leite com a
Tiradentes, MG marca da região.
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 3 6 - 4 0 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 39 1/9/2010 10:27:42


40 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para dar um passo à frente é preciso
entender por que tecnologias repassadas
não foram utilizadas. Novos caminhos e
novas estratégias relativos à transferência
de tecnologia são, certamente, necessários.
O produtor, particularmente o de dimensão
familiar, precisa aprender a conhecer o
mercado. Tecnologia de produção apenas,
não é suficiente; está faltando estratégia
de gestão.

REFERÊNCIAS
BENEDETTI, E. Reflexos da validação tec-
nológica em sistemas de produção de leite
de pequenos produtores. In: BERNARDO,
W.F.; MEREIRA, M.S. de P.; ESTEVÃO, P.
(Ed.). Tecnologias de produção de leite
a baixo custo para Minas Gerais. Juiz de
Fora: Embrapa Gado de Leite, 2006. cap.1,
p. 9-19.

BERNARDO, W.F.; MUNIZ, J.N.; MOREIRA,


M.S.de P. A valorização do extensionista
pela nova Política Nacional de Assistên-
cia Técnica e Extensão Rural - PNATER.
In: MOREIRA, M.S. de P. et al. (Ed.). Al-
ternativas sustentáveis para produção de
leite no estado de Minas Gerais. Juiz de
Fora: Embrapa Gado de Leite, 2007. cap. 3,
p. 47-64.

CASTRO C.E.F. da. Pontes para o futuro.


Brasília: CONSEPA, 2005. 149p.

FONSECA, L.F. L. da; SANTOS, M.V. dos.


A nova geografia do leite no Brasil. In:
FERNANDES, E. N. et al. (Ed.). Novos desa-
fios para o leite do Brasil. Juiz de Fora: Em-
brapa Gado de Leite, 2007. cap. 1, p. 11-24.

FRANCO, T.; MERHY, E. PSF: contradições


e novos desafios. In: CONFERÊNCIA DE
SAÚDE ON LINE, 1999, Belo Horizonte/
Campinas. Brasília: Ministério da Saúde-
DATASUS, [200-]. Disponível em: <http://
www.datasus.gov.br/cns/temas/tribuna/
Psftito.htm>. Acesso em: jun. 2008.

MARTINS, P. do C. Análise da cadeia pro-


dutiva do leite no Brasil. In: MOREIRA,
M.S. de P. et al. (Ed.). Alternativas susten-
táveis para produção de leite no estado de
Minas Gerais. Juiz de Fora: Embrapa Gado
de Leite, 2007. cap. 1, p.9-24.

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 3 6 - 4 0 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 40 1/9/2010 10:27:51


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 41

Produção de tilápias em fluxo contínuo de água:


alternativa para a agricultura familiar
Vicente de Paulo Macedo Gontijo 1
Elizabeth Lomelino Cardoso 2
Giovanni Resende de Oliveira 3
Marinalva Woods Pedrosa 4

Resumo - A piscicultura intensiva pode ser uma alternativa na geração de renda para
a agricultura familiar. No caso do sistema de produção em fluxo contínuo de água,
o reduzido investimento inicial, quando comparado com o do sistema tradicional
de piscicultura em viveiros escavados, e a possibilidade de reutilização da água
permitem que pequenos agricultores, sujeitos a limitações de crédito ou com baixa
disponibilidade de água, possam praticar a atividade com sucesso. A facilidade de
tratamento da água efluente da piscicultura ou de sua utilização para produção
vegetal, por meio da hidroponia, fertirrigação ou produção de macrófitas aquáticas,
torna factível, nesse sistema, produzir peixes com a devida sustentabilidade ambiental
e econômica.

Palavras-chave: Piscicultura. Aquaponia. Recirculação de água. Macrófitas aquáticas.

INTRODUÇÃO essas alternativas, encontra-se a piscicul- Nesse caso, necessita-se de água de boa
tura em fluxo contínuo de água. qualidade, com temperaturas acima de
A piscicultura convencional em vi-
O sistema de produção de peixes em 22 oC e volume suficiente para manter
veiros escavados, além dos problemas
fluxo contínuo de água (flow-through) é altas taxas de renovação nos tanques
inerentes ao elevado custo de implantação,
utilizado amplamente em países da Eu- (caixas d’água) de produção. A utilização
ao difícil manejo dos peixes e às baixas
ropa e da América do Norte. Em algumas de caixas d’água circulares, de fibra de
produtividades, tem sido questionada por
regiões montanhosas do Centro-Sul do vidro com pequenas adaptações, permite
provocar grande impacto ambiental. Entre Brasil (Fig. 1), os piscicultores valem-se implantar unidades produtivas com o
os problemas causados pela implantação de cursos d’água de boa qualidade e com menor custo-investimento entre todos os
e manutenção desses empreendimentos baixas temperaturas para a produção de sistemas de produção (Quadro 1). Além
aquícolas, destacam-se: alteração de trutas arco-íris. No caso desses salmoní- disso, esse sistema proporciona menor
brejos e várzeas, poluição causada pelos deos, necessita-se de cerca de 10 L/s de emprego de mão-de-obra por unidade
efluentes e excesso do uso de água para água, com alta concentração de oxigênio produzida, já que o manejo dos peixes é
enchimento dos viveiros (BOYD, 2003). dissolvido, para produzir uma tonelada bastante facilitado.
Assim, é importante que se viabilizem métrica de peixes, anualmente. Ainda necessitam-se de pesquisas para
tecnologias alternativas, com menor custo Esse sistema também pode ser utili- definir alguns fatores de produção, como os
de implantação, para a piscicultura. Entre zado para a produção de tilápias do Nilo. fluxos de circulação da água adequados a

1
Engo Agr o , M.Sc., Pesq. U.R. EPAMIG CO, Caixa Postal 295, CEP 35701-970 Prudente de Morais-MG. Correio eletrônico: vicentegontijo@epamig.br
2
Bióloga, M.Sc., Pesq. EPAMIG-DPPE, CEP 31170-000 Belo Horizonte-MG. Correio eletrônico: elomelinoc@epamig.br
3
Zootecnista, M.Sc., Pesq. U.R. EPAMIG CO/Bolsista FAPEMIG, Caixa Postal 295, CEP 35701-970 Prudente de Morais-MG. Correio eletrô-
nico: giovanni@epamig.br
4
Eng a Agr a , D.Sc., Pesq. U.R. EPAMIG CO, Caixa Postal 295, CEP 35701-970 Prudente de Morais-MG. Correio eletrônico: marinalva@epamig.br

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 4 1 - 5 6 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 41 1/9/2010 10:27:51


42 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

ou 600 peixes por caixa d’água de 4 mil


litros. Considerando esses valores, estima-
se em 1,2 L/s de água, o fluxo necessário
para produzir uma tonelada de peixes por
ano. Como se pode observar, a tilápia
necessita de oito vezes menos água que a
truta arco-íris.

SISTEMA DE PRODUÇÃO EM
FLUXO CONTÍNUO DE ÁGUA
Sistema de produção em fluxo contínuo
de água é aquele em que a água flui per-

Elizabeth Lomelino Cardoso


manentemente pelos tanques de produção.
Esse sistema compõe-se, normalmente, de
três partes principais, interligadas entre si:
a) sistema de armazenamento de água
e adução, localizado a montante da
produção;
Figura 1 - A truticultura em áreas montanhosas da região Centro-Sul do Brasil é alterna-
tiva para aproveitamento de águas com baixa temperatura - NR Truticultura - b) sistema de produção propriamente
Sapucaí Mirim, MG dito, onde os peixes são cultivados;
c) sistema de tratamento de efluentes,
QUADRO 1 - Estrutura física mínima para a produção de 1.000 kg/ano de biomassa de tilápia localizado a jusante, onde a água
do Nilo, em três sistemas de produção que sai dos tanques de produção é
Viveiro Fluxo tratada para retornar ao ambiente,
Sistema de produção Tanque-rede
escavado contínuo ser utilizada em produção integrada
Produtividade estimada 8.000 kg/ha.ano 280 kg/ m2.ano 360 kg/ m3.ano de vegetais ou ser reutilizada na
Estrutura necessária (1.000 kg/ano) 1.250 m2 3,6 m2 2,8 m3 piscicultura (recirculação).
Custo da estrutura física (R$) (1)
3.750,00 (2)
900,00 (3)
865,00
Vida útil (anos) 20 8 5
Sistema de armazenamento
Tanque de decantação (R$) 750,00 Já incluído de água e adução
(4)
Cerca, tela antipássaro X
(5)
Barco, motor, balsa, aerador X Mesmo que o produtor tenha disponibi-
(6)
Galpão, estufa, sistema de aquecimento X lidade de água por gravidade, é necessário
Depósito, escritório e acessórios X X X um reservatório com capacidade para 20
Total (R$) 4.500,00 900,00 865,00 horas de circulação, no mínimo, a fim de
(1)Considera-se o valor da terra em R$ 5 mil por hectare e custo para a construção dos vivei-
garantir a disponibilidade de água em casos
ros em R$ 25 mil por hectare. (2)Considera-se o conjunto: tanque-rede, material de fixação,
berçário, comedouro e sombrite. (3)Considera-se o conjunto: caixa circular de fibra de vidro,
de interrupção no conduto adutor ou pane
sistema hidráulico e bacias de tratamento. (4)Estrutura fixa complementar para sistema de no sistema de bombeamento. O reservató-
viveiro escavado. (5)Estrutura fixa complementar para sistema de tanque-rede. (6)Estrutura rio deve localizar-se a montante da unidade
fixa complementar para sistema de fluxo contínuo. de produção, em nível de, pelo menos, 2 m
acima da borda dos tanques de produção.
Dois terços da superfície do reservatório,
cada densidade de estocagem, nas diversas adequadas, boa qualidade de água, possibi-
aproximadamente, deverão ser cobertos
fases do ciclo produtivo da tilápia. Estima- litando a produção economicamente viável
com plantas aquáticas flutuantes, aguapé
se que a taxa de renovação da água dos durante o rápido período de crescimento dos (Eichornia crassipes) de preferência,
tanques, onde os peixes são cultivados, peixes (LOSORDO; MASSER; RAKOCY, para garantir a retenção de nutrientes que
necessária para o bom desempenho produ- 1998). Assim, a densidade de estocagem no entrem no reservatório pelo canal adutor
tivo, seja de 150% a cada hora. É importan- final do ciclo produtivo, após sete meses, ou que não tenham sido capturados pelo
te que o ambiente aquático, onde os peixes quando as tilápias atingem o peso corporal sistema de tratamento dos efluentes, no
se encontram, seja mantido em condições médio de 900 g, deve ser de 150 peixes/m3 caso de recirculação. Essas plantas, em
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 4 1 - 5 6 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 42 1/9/2010 10:27:53


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 43

virtude do sombreamento, contribuem para c) facilidade de limpeza e desinfecção UNIDADE PRODUTIVA


evitar a formação de plâncton, garantindo das instalações a cada troca de lotes
Para a agricultura familiar, preconiza-
a transparência de água que chega aos de peixes;
se uma unidade produtiva composta de
tanques de produção. d) pequenos espaços físicos são neces- sete caixas d’água circulares, de fibra de
sários, permitindo altas produções vidro, sendo quatro caixas com 4 mil li-
Sistema de produção em pequenas áreas; tros de capacidade e três com 2 mil litros,
O sistema de produção, propriamente e) facilidade de transporte e desloca- totalizando 22 mil litros. Essas caixas
dito, é formado por caixas d’água circula- mento de caixas d’água, já que o devem ser adaptadas para a piscicultura
res de fibra de vidro, onde os peixes são material é leve; (Fig. 2, 3 e 4). Uma das caixas maiores será
cultivados. Essas caixas devem ter um f) alto controle da produção, pela utilizada como berçário, onde os alevinos
tamanho que facilite o manejo dos peixes possibilidade de visualização dos serão mantidos por período de 70 dias, até
(desinfecção, amostragem e despesca). peixes e facilidade de amostragens; atingirem peso corporal médio de 70 g.
O formato circular é mais indicado, pois g) possibilidade de tratamento dos As três caixas menores serão utilizadas
permite maior homogeneização da água. efluentes, com redução do impacto para a fase de crescimento (70 g a 400 g).
Para isso, a adução deve ser periférica e ambiental da atividade; As outras três caixas maiores serão uti-
a saída da água no centro dos tanques. lizadas para a fase de terminação (400 g
h) possibilidade de aproveitamento
O fundo deve ser autolimpante, ou seja, a 900 g). Recomenda-se a construção de
dos nutrientes dissolvidos na água
ligeiramente cônico, com vértice para um reservatório com, no mínimo, 600 m3
efluente para produção integrada de
baixo. Desse modo, o material sólido será de capacidade, localizado a montante das
vegetais.
arrastado para o centro e cairá na caixa caixas. Isso garantirá cerca de 20 horas
coletora, sob a caixa d’água, evitando o O sistema, no entanto, tem algumas de circulação de água por gravidade. Lo-
desvantagens: calizadas a jusante da unidade produtiva,
seu acúmulo no fundo dos tanques.
a) necessita de grande disponibilidade deverão ser implantadas duas bacias de
Sistema de tratamento de de água de boa qualidade, obtida por tratamento dos efluentes, cada uma com
efluentes gravidade ou por bombeamento. Se 200 m2 (10 x 20 m) de superfície. Essas ba-
houver necessidade de bombeamen- cias devem ser dispostas sequencialmente,
Este sistema, construído a jusante dos
to, é preciso dispor de um reserva- a fim de permitir maior tempo de residên-
tanques de produção, é composto de bacias
tório que armazene água suficiente cia da água a ser tratada. A disposição dos
de tratamento dos efluentes. Nessas bacias,
para 15 a 20 horas de circulação por componentes do sistema de produção pode
a água efluente dos tanques de produção é
gravidade. Isso é importante no caso ser visualizada na Figura 5, onde estão
tratada para retirar as partículas sólidas - de pane no sistema de bombeamen- incluídas uma bacia de decantação e uma
sobras de ração e fezes dos peixes - e os to; bacia que servirá como biofiltro.
nutrientes dissolvidos - principalmente
b) custo adicional com energia elétrica, Uma unidade produtiva como essa pos-
nitrogênio (N) e fósforo (P). Livre dessas sibilita a produção de 1.620 kg de tilápias
em casos de necessidade de bombe-
impurezas, a água poderá ser devolvida amento da água. O custo de energia do Nilo, a cada período de 70 dias, equi-
ao meio ambiente ou reutilizada na pis- pode ser reduzido com bombea- valentes a 8.100 kg anuais. O investimento
cicultura. mento noturno (entre 21h30 e 6h), previsto, nesse caso, é de R$ 15.000,00,
quando o preço da energia elétrica aproximadamente, incluindo motobomba.
VANTAGENS E é 60% menor que o preço normal. Pode-se trabalhar com unidades produti-
DESVANTAGENS DO SISTEMA Estima-se em R$ 0,10 o custo da vas menores – sete caixas d’água de mil
eletricidade por quilo de peixe; e de 2 mil litros – com produção anual de
Além do baixo custo de implantação,
o sistema de produção em fluxo contínuo c) é preciso manter sistemas de segu- 4.050 kg, por exemplo. Pode-se, por outro
de água tem outras vantagens em relação rança (vigilância), pela facilidade de lado, utilizar número menor de caixas
aos demais sistemas de produção: captura de grandes quantidades de d’ água – quatro caixas de 4 mil litros ou
peixes em pequeno espaço de tempo de 2 mil litros, por exemplo – com pro-
a) possibilidade de aquecimento da (possibilidade de roubo); duções anuais de 3.780 kg e de 1.890 kg,
água de entrada; d) obrigatoriedade de fluxo permanen- respectivamente. Nesse caso, a utilização
b) possibilidade de tratamento da água te da água. Caso o sistema pare por das caixas será menos eficiente, resultando
residente nas caixas d’água, para mais de uma hora, há risco de altas em maior investimento por unidade produ-
controle de doenças e parasitas; mortalidades. zida – 0,37 kg de peixe por ano por litro
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 4 1 - 5 6 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 43 1/9/2010 10:27:53


44 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

d’água residente, no caso de sete caixas,


versus 0,24 kg de peixe por ano, por litro
de água, no caso de quatro caixas.
Uma alternativa para a agricultura

Vicente de Paulo Macedo Gontijo


familiar é o empreendimento coletivo ou
grupal, por meio de associações ou coope-
rativas. Nesse caso, a produção pode ser
integrada: um produtor fica responsável
pela alevinagem, fornecendo juvenis para
os demais, que fazem apenas a terminação
dos peixes.
Figura 2 - Caixa d’água de fibra de vidro As adaptações a serem feitas nas caixas
NOTA: Cano adutor com registro (2”) e o cano de saída (100 mm), que regula o nível da água. d’água circulares são as seguintes:
a) alteração do fundo plano para cônico
invertido, tornando-o autolimpante;
b) abertura central (no fundo), para
escoamento de água. Desse modo,
quando se retira o cano de esvazia-
mento (saída), a caixa se esvazia
completamente;
c) montagem do sistema de abasteci-

Vicente de Paulo Macedo Gontijo


mento, mantendo a entrada perifé-
rica e propiciando oxigenação por
borbulhamento de água já residente;
d) adaptação do sistema de saída de
água na parte central do fundo, de
maneira que permita o arraste dos
sólidos (fezes e restos de ração),
Figura 3 - Vista do fundo autolimpante da caixa d’água, com a caixa coletora, em fibra para a caixa coletora.
de vidro e o cano de saída da água

FUNCIONAMENTO DA
UNIDADE PRODUTIVA
Como o nome do sistema de produ-
ção diz, a água deve fluir continuamente
E
pelas caixas d’água, onde se encontram
as tilápias. Pequenas interrupções já são
A prejudiciais ao desempenho produtivo
D C dos peixes. Interrupções mais prolonga-
das podem provocar elevada mortalidade.
Por esse motivo, para que a água flua sem
interrupções, devem-se tomar os seguintes
Fluxo de água B F cuidados:
a) evitar que animais entrem no reser-
vatório de adução;
b) manter a superfície da água nas pro-
Figura 4 - Esquema de funcionamento de caixa d’água em fluxo contínuo ximidades da captação sem plantas
NOTA: A - Caixa d’água de fibra de vidro (2.000 Litros); B - Caixa coletora adaptada no aquáticas, que podem ser sugadas e
fundo (fibra de vidro); C - Sistema de saída de água (esvaziamento) PVC - 100 mm;
D - Sistema de abastecimento com registro (PVC - 2 polegadas); E - Nível de água entupir o cano da tomada de água
(regulada pela inclinação do tubo de saída; F - Conexões (joelhos e luvas) removíveis. para as caixas de produção;
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 4 1 - 5 6 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 44 1/9/2010 10:27:57


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 45

Para isso, é necessário que se faça, por 30


12 m 28 m segundos, a retirada do cano vertical da
saída de água (Fig. 4).

FLUXO DE PRODUÇÃO

15 m
Aguapé
1 Para maior eficiência na utilização da
unidade produtiva, a produção deve ser es-
calonada. Essa estratégia, além de facilitar
a comercialização dos peixes, possibilita a
40 m
100 mm
150 mm distribuição da renda do produtor ao longo
do ano. Sendo assim, deve-se, inicialmen-
8
2 te, definir o fluxo de produção (Quadro 2).
10 m 10 m Estocam-se 2 mil alevinos (0,5 g) numa

3m
Canaleta (40 cm) 4 das caixas d’água de 4 mil litros, que serve
16 m como berçário. Após 70 dias, esses alevi-
5 nos, já com 60 a 70 g de peso médio, são
3m

10 m transferidos para as três caixas de 2 mil


litros (crescimento), onde permanecem
7
17 m

20 m
por mais 70 dias. Logo após essa transfe-
3
rência, outros 2 mil alevinos são estocados
no berçário. Após esse segundo período
10 m

6
de 70 dias, os peixes das caixas d’água
de crescimento já com cerca de 400 g
de peso médio são transferidos para as três
caixas de terminação, com 4 mil litros,
1 Reservatório de adução
onde permanecem por mais 70 dias, até
2 Caixa d’água de produção: a comercialização, quando devem atingir
B - Berçário, 4 mil litros
C - Crescimento, 2 mil litros 900 g de peso médio.
T - Terminação, 4 mil litros A partir de 210 dias, a produção
3 Área disponível para outras atividades: estabiliza-se. A cada período de 70 dias,
hidroponia, beneficiamento de peixes, aves caipiras, etc.
4 Bacia de decantação - (revestida de plástico) adquirem-se 2 mil alevinos com 0,5 g e
5
comercializam-se 1.800 (três lotes de 600)
Biofiltro - (com brita)
peixes com 900 g. Pode-se, então, estimar
6 Bacia de tratamento (fito e zooplancton)
a produção da unidade:
7 Bacia de tratamento (macrófitas aquáticas)
8 Bombeamento (7,5 cv) - 150mm a) 600 peixes por caixa x 900 g x 3
caixas = 1.620 kg, a cada período
Figura 5 - Piscicultura em fluxo contínuo para agricultura familiar de 70 dias;
b) 1.620 kg por período x 5 períodos
por ano = 8.100 kg de tilápias por
c) realizar manutenções periódicas no ca – pelo menos uma vez por semana – de
ano.
sistema de bombeamento. parte dessas plantas (50% a 60%). Desse
Outro aspecto a ser considerado é a modo, possibilita-se o crescimento normal
das plantas restantes e evita-se a morte, o AQUISIÇÃO DOS ALEVINOS
qualidade da água. Todo o sistema de tra-
tamento baseia-se na oxidação da amônia decaimento e a decomposição de plantas Os alevinos de tilápia devem ser adqui-
excretada pelos peixes e na retirada de mais velhas. ridos de empresas idôneas, que trabalham
nutrientes pelas plantas aquáticas. Essas É preciso retirar, diariamente, as com linhagens geneticamente melhoradas.
plantas têm altas taxas de crescimento es- partículas sólidas, compostas de fezes e De maneira geral, os produtores de alevi-
pecífico e, em pouco tempo, podem cobrir sobras de ração, que ficam acumuladas na nos de tilápia do Nilo realizam a coleta
toda a superfície das bacias de tratamento. caixa coletora e no cano de esvaziamento, dos ovos, ainda na boca das fêmeas, e
É importante que se faça a retirada periódi- localizados no fundo das caixas d’água. promovem a incubação artificial desses
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 4 1 - 5 6 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 45 1/9/2010 10:27:57


46 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

QUADRO 2 - Fluxo de produção de tilápias do Nilo cultivadas em fluxo contínuo de água


(1)
Período 1 (1)
Período 2 (1)
Período 3 (1)
Período 4
Instalações
(70 dias) (70 dias) (70 dias) (70 dias)
Berçário (caixa d’água de 4 mil litros) 2.000 (0 a 60 g) 2.000 (0 a 60 g) 2.000 (0 a 60 g) 2.000 (0 a 60 g)
Crescimento (caixa d’água de 2 mil litros) - 600 (60 a 400 g) 600 (60 a 400 g) 600 (60 a 400 g)
Crescimento (caixa d’água de 2 mil litros) - 600 (60 a 400 g) 600 (60 a 400 g) 600 (60 a 400 g)
Crescimento (caixa d’água de 2 mil litros) - 600 (60 a 400 g) 600 (60 a 400 g) 600 (60 a 400 g)
Terminação (caixa d’água de 4 mil litros) - - (2)
600 (400 a 900 g) (2))
600 (400 a 900 g)
Terminação (caixa d’água de 4 mil litros) - - (2)
600 (400 a 900 g) (2)
600 (400 a 900 g)
Terminação (caixa d’água de 4 mil litros) - - (2)
600 (400 a 900 g) (2)
600 (400 a 900 g)
NOTA: Os lotes com as mesmas cores representam os mesmos peixes.
(1)Número de peixes estocados em cada caixa d’água. (2)Tilápias prontas para a comercialização.

ovos. Completada a incubação, as larvas 2 a 3 cm de comprimento total e 0,5 a 0,6 g REPICAGEM E


são transferidas para as instalações de re- de peso corporal médio, por quaisquer das TRANSFERÊNCIA DOS PEIXES
versão sexual (hapas ou tanques), onde são razões referidas. Ao atingirem 60 g a 70 g, os juvenis
alimentadas com ração contendo metil-tes- devem ser transferidos do berçário para
tosterona, por um período de 28 a 30 dias, PEIXAMENTO DO BERÇÁRIO as três caixas d’água de crescimento (re-
para que a reversão seja completa. Findo picagem). Nessa ocasião, deve-se fazer o
O primeiro cuidado que se deve ter,
esse período, os alevinos são classificados, descarte de peixes muito pequenos ou com
durante a introdução dos alevinos de tilápia
segundo o tamanho, e comercializados. Se defeitos físicos. Analogamente, os peixes
no berçário, é a diferença de temperatura
todos esses processos forem bem condu- das caixas d’água de crescimento, após 70
da água dos recipientes de transporte e a do
zidos, ao final da reversão, têm-se, pelo dias, devem ser transferidos para as caixas
berçário. Quando essa diferença for supe-
menos, 60% a 70% dos indivíduos classi-
rior a 1 oC, deve-se promover a equalização de terminação. Essas transferências devem
ficados na categoria 2, na qual o compri- seguir um protocolo, para que os peixes
das temperaturas. No caso de transporte em
mento total dos alevinos varia entre 2 e 3 cm sacos plásticos, estes devem permanecer sejam minimamente afetados pelo manejo
e o peso corporal médio é de 0,5 a 0,6 g. fechados dentro do berçário por 30 min, a que serão submetidos. Recomendam-se
Lotes de alevinos de tilápias revertidas com aproximadamente, tempo suficiente para os seguintes procedimentos:
medidas inferiores às mencionadas indicam que a temperatura da água dos recipientes
a existência de um dos seguintes problemas: a) não manejar os peixes, quando a
se aproxime daquela do berçário. Já no temperatura da água estiver muito
a) menos tempo de reversão; caso de transporte dos alevinos em caixas distante da zona de conforto térmi-
b) baixa qualidade da ração utilizada d’água, deve-se misturar água do reser- co. Evitar temperaturas abaixo de
na reversão; vatório de adução ou do próprio berçário, 21 oC ou acima de 30 oC;
até que a diferença de temperaturas fique
c) baixa qualidade genética da linha- b) fazer a amostragem prévia para
abaixo de 1 oC.
gem utilizada; definir o limite de tamanho e o por-
Mudanças bruscas de temperatura são
d) problema de qualidade da água das centual de descarte;
danosas para os peixes. Quando a diferença
instalações de reversão (inclusive a for maior que 5 oC, a mortalidade é signi- c) suspender a alimentação dos peixes
temperatura) ou uma combinação ficativa, caracterizando o choque térmico. 24 horas antes da transferência;
desses fatores. Os alevinos não devem ser alimentados d) evitar capturar muitos peixes no
Pode ocorrer que alguns produtores de nas primeiras horas após o peixamento, até mesmo puçá, para evitar traumatis-
alevinos comercializem aqueles indivíduos que estejam adaptados ao novo ambiente. mos físicos, principalmente naque-
de classificações inferiores (categorias 0 O estresse da viagem afeta o sistema imune les que ficam por baixo, dentro do
e 1), que correspondem à fração de 30% dos peixes, predispondo-os a doenças e a puçá;
a 40% dos peixes oriundos da reversão. parasitoses. É importante, nesses primeiros e) durante a transferência, evitar o acú-
Esses alevinos têm menor potencial de dias, que a qualidade da água permaneça mulo de muitos peixes nos baldes
crescimento e deveriam ser descartados. boa. Sobras de ração devem ser evitadas, ou caixas d’água (100 indivíduos,
Portanto, é aconselhável que se evite a para que não se tenham processos de no máximo), evitando a depleção
aquisição de alevinos com medidas inferio- fermentação e de putrefação que afetem a do oxigênio da água. Transferi-los
res às descritas para a categoria 2, ou seja, qualidade da água. aos poucos;
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 4 1 - 5 6 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 46 1/9/2010 10:27:57


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 47

f) evitar, ao máximo, manipular os pei- m3 no final do ciclo produtivo (peixes com sárias (Fig. 6). Como a definição das quan-
xes (pegar com as mãos). Devem-se 814 g). Quanto ao segundo fator, deve-se tidades de ração a serem fornecidas aos
usar peneiras, escorredores de arroz considerar que a caixa d’água de 4 mil litros peixes baseia-se na biomassa presente, cal-
ou outros utensílios. A manipulação tem o diâmetro superior de 2,30 m, o que culada pela multiplicação do peso médio
pode retirar parcialmente o muco corresponde à área superficial de, aproxima- pelo número de peixes presentes nas caixas
que reveste as escamas, facilitando damente, 4 m2. Segundo Gontijo et al. (2008), d’água, realizam-se algumas biometrias
o ataque de fungos (saprolegnia) e a densidade recomendada é de 150 peixes/m2, durante o ciclo produtivo. Essas medições
bactérias oportunistas; ou seja, 600 peixes por caixa d’água na fase permitem verificar se o desenvolvimento
final ou terminação. Assim, estima-se a taxa dos peixes está correspondendo àquele pre-
g) após a transferência dos juvenis,
visto por meio das curvas de crescimento.
reduzir a quantidade de ração a ser de renovação da água nas caixas, necessária
Os peixes devem ser manipulados o
fornecida nesse dia e no dia seguin- para manter níveis adequados de amônia e de
mínimo possível. Recomenda-se sortear
te. O estresse reduz o apetite dos oxigênio, em 150% por hora, equivalentes a
uma caixa d’água de cada fase e, dentro
peixes; 6 mil litros por hora, para a caixa de 4 mil
de cada uma dessas caixas, retirar uma
litros. No Quadro 3, são apresentados os
h) é recomendável que a água usada amostra de 40 a 50 peixes. Sugere-se a
volumes de água necessários para cada fase
nos recipientes de transferência seja realização de três biometrias intermedi-
de produção. árias durante o ciclo produtivo: aos 35
salinizada por meio da adição de 3,0
p.p.t.5 de sal comum. Isso correspon- Biometria
dias, ainda no berçário; aos 70 dias, na
de a 3,0 kg de sal por mil litros de ocasião da transferência dos alevinos para
água; Apesar de causarem estresse aos as caixas de crescimento e, aos 140 dias,
peixes, biometrias periódicas são neces- por ocasião da transferência para as caixas
i) evitar repicagens intermediárias
para uniformização de lotes. Além
do estresse que provocam nos pei- QUADRO 3 - Fluxo total de água e fluxo relativo por unidade de biomassa para as diversas
xes, as repicagens são pouco efica- fases do cultivo de tilápias do Nilo
zes. Ao quebrar a hierarquia que se Biomassa Biomassa Fluxo total de Fluxo relativo
Fases
estabelece nos tanques, enseja-se inicial final água final
(n de peixes/caixa)
o
(kg) (kg) (L/h) (L/h.kg)
um novo processo de hierarquiza-
Berçário (2.000) 1,0 144,0 6.000 41,7
ção, em que há disputa dos peixes
Crescimento (600) 43,2 243,0 3.000 12,4
dominantes por espaço e por alimen-
Terminação (600) 243,0 570,0 6.000 10,5
to. Isso provocará estresse social,
que poderá durar até uma semana,
resultando em nova dispersão no
peso corporal dos indivíduos.

DENSIDADE DE ESTOCAGEM E
FLUXO DE ÁGUA
Ao se definir a densidade de estocagem
de tilápias nas caixas d’água, devem-se
levar em conta dois fatores: a qualidade
da água residente nas caixas e a área dis-
Elizabeth Lomelino Cardoso

ponível para a alimentação dos peixes, no


caso a superfície das caixas. O primeiro
fator depende da velocidade de renovação,
que é proporcional ao fluxo da água. Em
unidade demonstrativa nas Ilhas Virgens,
Rakocy, Masser, Losordo (2006) definiram
taxa de renovação de 75% por hora, usando Figura 6 - Biometrias periódicas são necessárias para acompanhamento do cultivo e
densidade de estocagem de 75 tilápias por para definição dos níveis de arraçoamento

5
p.p.t. - Parts per thousand.

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 4 1 - 5 6 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 47 1/9/2010 10:27:58


48 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

d’água de terminação. Ao final do ciclo Algumas indústrias têm produzido desempenho produtivo dos peixes, tanto
produtivo, aos 210 dias, deve-se realizar a rações para peixes com 28% e até 22% de em relação ao ganho em peso, quanto à
última biometria, para estimar a biomassa proteína bruta. Esses níveis de proteína conversão alimentar, quando se fornecem
a ser comercializada e observar o grau de são obtidos pela redução das quantidades rações com menos de 30% de proteína
uniformidade dos lotes comerciais, fator de fontes proteicas de origem animal, bruta. Assim, as recomendações mostradas
importante para o caso de venda para a que são substituídas por farelos vegetais: no Quadro 4 podem contribuir para elevar a
indústria. milho, trigo, arroz, etc. Nesses casos, há, rentabilidade das pisciculturas e para redu-
também, redução significativa da qualidade zir o impacto ambiental da atividade, pois
ALIMENTAÇÃO DOS PEIXES da proteína ingerida pelos peixes. Não só o maior retenção de N pelos peixes resulta
A alimentação dos peixes é, talvez, perfil de aminoácidos presentes, mas tam- em menor excreção de amônia.
a prática de manejo mais importante no bém a sequência de aminoácidos na cadeia
cultivo de tilápias ou de qualquer outra peptídica têm grande influência na digesti- AVALIAÇÃO DO
espécie de peixe, em fluxo contínuo. Nesse bilidade da proteína e, posteriormente, na DESEMPENHO PRODUTIVO
sistema de produção, a ração é praticamen- síntese proteica (miogênese), que ocorre DOS PEIXES
te a única fonte de nutrientes para os peixes nas fibras musculares dos peixes. Se todas as condições de cultivo esti-
e representa cerca de 70% do custo final O que se tem observado em experimen- verem adequadas, os peixes manifestarão
de produção. Assim, é importante forne- tos com tilápias em tanques-rede e em fluxo todo o seu potencial de crescimento. Cada
cer rações de boa qualidade, produzidas contínuo de água é a redução drástica do linhagem tem uma curva de crescimento
por empresas idôneas. As rações devem
apresentar elevada digestibilidade dos
QUADRO 4 - Níveis e frequência de arraçoamento para tilápias do Nilo cultivadas em sistema
nutrientes nela contidos, ter boa flutuabi-
de fluxo contínuo de água
lidade e ser estáveis na água, ou seja, não
Peso
absorverem água rapidamente, inchando, Duração do Tempo inicial e final Tipo de Ganulo- (1)
Quantidade
Frequência
Fases período acumulado dos peixes ração metria diária
perdendo nutrientes hidrossolúveis e se diária
(dias) (dias) (g) (% PB) (mm) (g)
desmanchando.
Inicial 5 5 0,5 a 1,0 45-55 pó 6 vezes 300
As rações devem ser fornecidas em
5 10 1,0 a 1,7 45-55 pó 6 vezes 400
quantidades que garantam a saciedade
5 15 1,7 a 2,5 45-55 pó 6 vezes 510
dos peixes, mas não deve haver sobras. 5 20 2,5 a 3,5 45-55 pó 6 vezes 650
Além do custo elevado, há prejuízo na 5 25 3,5 a 5,0 45-55 pó 6 vezes 770
qualidade da água, resultante de proces- 6 31 5,0 a 8,5 40-42 1a2 4 vezes 1.000
sos bioquímicos como fermentação e 6 37 8,5 a 13,0 40-42 1a2 4 vezes 1.440
putrefação. 6 43 13 a 19 40-42 1a2 4 vezes 1.950
6 49 19 a 27 40-42 1a2 4 vezes 2.660
Ao definir as quantidades de ração a
7 56 27 a 39 35-36 2a4 4 vezes 3.510
serem fornecidas diariamente aos peixes,
7 63 39 a 54 35-36 2a4 4 vezes 4.290
levou-se em conta que, embora os porcen- 7 70 54 a 72 35-36 2a4 4 vezes 5.940
tuais em relação à biomassa presente sejam
Crescimento 7 77 72 a 93 30-32 4a6 3 vezes 2.160
sempre decrescentes, a quantidade absoluta
7 84 93 a 117 30-32 4a6 3 vezes 2.510
a ser consumida por peixe é sempre cres- 7 91 117 a 143 30-32 4a6 3 vezes 2.810
cente. Qualquer deterioração da qualidade 7 98 143 a 172 30-32 4a6 3 vezes 3.180
da água ou queda de temperatura pode 7 105 172 a 205 30-32 4a6 3 vezes 3.610
alterar essa regra. 7 112 205 a 240 30-32 4a6 3 vezes 4.060
Recomenda-se a utilização de cinco 7 119 240 a 278 30-32 4a6 3 vezes 4.470
7 126 278 a 318 30-32 4a6 3 vezes 4.840
tipos de ração durante todo o ciclo pro-
7 133 318 a 360 30-32 4a6 3 vezes 5.150
dutivo (Quadro 4). Considerou-se, nessa
7 140 360 a 405 30-32 4a6 3 vezes 5.260
recomendação, o nível de proteína bruta da
ração, que, via de regra, está relacionado Terminação 14 154 405 a 500 30-32 6a8 3 vezes 6.080
14 168 500 a 603 30-32 6a8 3 vezes 6.690
com a qualidade da proteína, e com a gra-
14 182 603 a 718 30-32 6a8 3 vezes 7.600
nulometria das rações. Esse último fator é
14 196 718 a 840 30-32 6a8 3 vezes 8.190
muito importante. A tilápia do Nilo, espécie 14 210 840 a 961 30-32 6a8 3 vezes 8.300
filtradora, não consegue ingerir partículas (1)Fase inicial: quantidade de ração para 2 mil alevinos. Fases de crescimento e terminação:
muito grandes. quantidade de ração para 600 peixes.

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 4 1 - 5 6 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 48 1/9/2010 10:27:58


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 49

potencial, que não será atingido, se algum


fator de produção for restritivo, como:
baixa temperatura ou qualidade ruim da
água, ração de má qualidade, manejo ina-
dequado, densidade de estocagem muito
elevada, etc.
Para as linhagens melhoradas de tilápia
do Nilo mais comercializadas no Brasil,
as curvas de crescimento não são muito
discrepantes. Diferenças inferiores a 15%
no peso médio final dos peixes têm sido
observadas em cultivos com duração de
180 a 230 dias, em fluxo contínuo de água
ou em tanques-rede (Gráfico 1).
De qualquer maneira, é preciso estabe-
lecer um padrão mínimo de desempenho
produtivo para linhagens melhoradas de
tilápia cultivadas em fluxo contínuo de Gráfico 1 - Curvas de crescimento de duas linhagens de tilápia do Nilo, cultivadas em
água. Com base nas curvas de crescimen- sistema de recirculação de água
to, no acompanhamento do consumo de NOTA: Aos 230 dias, a diferença entre o peso corporal médio dos peixes da linhagem A
ração e na avaliação de carcaça de algumas e da linhagem B foi de 14% (1.140 g versus 1.000 g).
dessas linhagens, podem-se definir como
satisfatórios os seguintes coeficientes
caixas. À medida que os peixes crescem, com mortalidade ou contaminação dos
técnicos para a piscicultura, após 210 dias peixes.
elevam-se o consumo de oxigênio e a ex-
de cultivo:
creção de amônia. Assim, deve-se observar
a) peso médio final após 24 horas de o comportamento dos peixes ou realizar UTILIZAÇÃO DA ÁGUA
jejum: 900 a 1.050 g; análises periódicas de algumas variáveis EFLUENTE

b) consumo total de ração por peixe: indicadoras da qualidade da água. Nor- De maneira geral, peixes alimentados
1.300 a 1.700 g; malmente, determinados comportamentos com rações balanceadas retêm apenas
são indicativos de baixa qualidade da água, pequena parte dos nutrientes consumidos.
c) conversão alimentar acumulada: 1,4
como: redução no consumo de ração, Porcentagens de retenção que variam
a 1,6;
concentração dos peixes junto à entrada de 20% a 32% do N ingerido têm sido
d) rendimento industrial (% de filés): observadas em pisciculturas (SURESH;
de água ou respiração junto à tona (bo-
32% a 34%; LIN, 1992; RAFIÉE; SAAD, 2005). Ana-
quejamento) podem indicar deterioração
e) taxa de sobrevivência durante todo da qualidade da água. Níveis de amônia logamente, apenas 16% do P total ingerido
o ciclo: >90%. foram retidos por peixes cultivados em
acima de 0,15 mg/L ou concentrações de
sistema de circulação de água (RAFIÉE;
oxigênio dissolvido abaixo de 4 mg/L já
MONITORAMENTO DA SAAD, 2005). Pode-se considerar, então,
são prejudiciais ao desempenho dos peixes.
QUALIDADE DA ÁGUA que grande parte dos nutrientes ingeridos
Essas concentrações, embora distantes
é liberada no ambiente aquático, por meio
Embora seja prática pouco comum dos níveis letais, são críticas, pois podem
da ração não consumida e da excreta: fezes,
entre os piscicultores, o monitoramento da representar a diferença entre o sucesso e o
urina e difusão pelas brânquias. Fica claro,
qualidade da água é importante. Algumas fracasso do empreendimento. assim, que a intensificação da atividade,
variáveis de qualidade da água das caixas Outras variáveis podem ser medidas com maior aporte de nutrientes, contri-
são bastante influenciadas pelo cultivo de com menor frequência: fosfato, nitrito, bui para elevar severamente o impacto
peixes. Duas delas – as concentrações de alcalinidade, pH, etc. Em casos de suspeita ambiental.
amônia e de oxigênio dissolvido – podem de contaminações por metais pesados ou A preocupação com a deterioração
ter grande influência no desempenho pro- resíduos de agrotóxicos, as análises da qualitativa dos cursos d’água a jusante de
dutivo dos peixes. Por isso, é importante água devem ser realizadas com a máxima pisciculturas é crescente em vários países
a regulação do fluxo de água, que aduz às urgência, para que se evitem problemas (TACON; FOSTER, 2003). Medidas de con-
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 4 1 - 5 6 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 49 1/9/2010 10:27:58


50 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

trole e gerenciamento das pisciculturas têm


sido implementadas por meio de Boas Práti-
cas de Manejo – Best Management Practices
(BMP) (BOYD; QUEIROZ, 2001).
Pesquisas sobre instalações para tra-
tamento de efluentes de piscicultura e
de outras atividades antrópicas têm sido
conduzidas com o fim de avaliar seu efeito
sobre características físicas, químicas e
biológicas da água. Processos de tratamento
de efluentes usados em sistemas de recircu-
lação de água, como biofiltração, flotação e

Vicente de Paulo Macedo Gontijo


denitrificação, têm-se mostrado eficazes na
retirada de nutrientes, principalmente o N
da água (SUZUKI et al., 2003). Sistemas
experimentais de denitrificação conseguem
remover de 90% a 100% do nitrato produzi-
do na aquicultura (MOSQUERA-CORRAL
et al., 2001; SUZUKI et al., 2003). Esses
processos, no entanto, dependem da utili- Figura 7 - A taboa (Typhaceae) serve como filtro biológico e tem diversas utilizações
zação de equipamentos caros e do consumo
de energia. HIDROPONIA NA para que esta água possa ser utilizada nas
A utilização de tanques de decanta- AQUAPONIA etapas seguintes, os dejetos sólidos devem
ção e de Wetlands tem sido testada com ser removidos após a saída dos tanques de
Aquaponia é um sistema que integra
resultados promissores (SUMMERFELT criação de peixes. Em seguida, a água passa
a produção de peixe em cativeiro com a
et al., 1999; SCHAAFSMA; BALDWIN; por um biofiltro, que serve para oxidar a
produção de plantas sem solo, ou seja, pis-
STREB, 2000). Todos esses processos amônia a nitrato, para então alimentar o
cicultura mais hidroponia. Trata-se de um
são usados com o objetivo de melhorar a sistema hidropônico. Finalmente, a água é
sistema fechado, em que a água da criação
qualidade da água efluente ou recirculante, coletada em um reservatório que irá abas-
dos peixes é reutilizada para a produção
mas não são capazes de prover meios de tecer os tanques de piscicultura reiniciando
de plantas em cultivo hidropônico, com
aproveitamento dos nutrientes excretados todo o processo (RAKOCY; MASSER;
reduzido consumo de água.
pelos peixes. Nessas circunstâncias, há LOSORDO, 2006).
Para o correto funcionamento da aqua-
várias maneiras de utilizar os nutrientes A hidroponia, por sua vez, é uma
ponia, a água proveniente da piscicultura técnica alternativa de cultivo, na qual o
da água que sai da piscicultura em fluxo (efluente) deverá ser tratada para remoção
contínuo: produção de plantas aquáticas solo é substituído pela solução nutritiva,
de produtos tóxicos. A reutilização con- contendo todos os nutrientes essenciais
(Fig. 7), que podem ser utilizadas como tínua dessa água promove o acúmulo de ao desenvolvimento das plantas. O termo
fertilizantes ou na alimentação animal; nutrientes e de matéria orgânica (MO), que, hidroponia é de origem grega: hydro = água
cultivo de microalgas para produção de por sua vez, serão utilizados no cultivo de e ponos = trabalho, cuja junção significa
biodiesel ou fertirrigação de culturas plantas no sistema hidropônico. trabalho em água. Na aquaponia, a solução
anuais ou perenes. Uma alternativa é a Dessa forma, com a recirculação, gran- nutritiva na verdade será a água tratada
aquaponia, que consiste na produção in- des quantidades de N podem ser acumula- proveniente da piscicultura.
tegrada de aquicultura com hidroponia. das na água desse sistema, pois a amônia Entre os diversos sistemas de cultivo
Essa tecnologia, que tem sido preconizada é excretada pelos peixes diretamente na hidropônico destaca-se o Nutrient film
em outros países (RAKOCY; MASSER; água. A amônia e o nitrito são tóxicos aos technique (NFT) ou técnica de fluxo lami-
LOSORDO, 2006), pode contribuir para a peixes em concentrações muito baixas, nar. No Brasil, é amplamente empregado
elevação da produtividade total do sistema, acima de 0,2 mg/L, porém o nitrato é no cultivo de diversas espécies de plantas,
por meio da utilização desses nutrientes, menos tóxico e é também a forma em que desde hortaliças folhosas à produção de
garantindo a sustentabilidade econômica e o N é mais absorvido pelas plantas. Para flores de corte e hortaliças-fruto, que se
ambiental de empreendimentos aquícolas. melhorar a qualidade da água efluente e adaptam bem à aquaponia.
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 4 1 - 5 6 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 50 1/9/2010 10:28:00


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 51

O sistema é composto por um conjunto


de canais de cultivo em policloreto de vini-
la (PVC) rígido (Fig. 8), polietileno ou po-
lipropileno, com orifícios em espaçamento
definido, de acordo com as necessidades da
cultura, sendo mais comumente utilizado
canais com 100 mm de largura, que permi-
tem o cultivo de diversas espécies. Esses
canais são dispostos a 1 m de altura do solo
em bancadas com declividade de 1,5% a
2%, por onde a água da piscicultura escorre
por gravidade e é recolhida novamente no
reservatório.

Marinalva Woods Pedrosa


Outro sistema hidropônico que também
se adapta bem à aquaponia é o tipo Piscina
ou Floating (Fig. 9). Nesse sistema, utiliza-
se uma mesa plana ou um reservatório, com
lâmina de solução nutritiva (5 a 20 cm),
onde as raízes ficam submersas. A circula-
ção da solução ou efluente é realizada por Figura 8 - Agrião produzido em sistema hidropônico NFT
meio de um sistema de entrada e drenagem. NOTA: NFT - Nutrient film technique.
É mais usado para a fase de produção de mu-
das, mas também em cultivos comerciais,
onde a fase de crescimento das plantas se
dá nesse tipo de sistema.
Contudo, deve-se atentar que a pis-
cicultura e a hidroponia são técnicas
distintas, que requerem conhecimento
técnico e que, portanto, o manejo de um
sistema aquapônico não é prática simples.
A aquaponia pode ser uma boa alternativa
para o agricultor familiar, para elevar sua
renda, além de melhorar a diversidade e a
qualidade alimentar.

ENFERMIDADES E CONTROLE

Marinalva Woods Pedrosa


SANITÁRIO
A alta densidade de animais, com o
propósito de maximizar a produtividade
dos cultivos, propicia o aparecimento de
enfermidades e sua propagação no plantel.
Nos peixes, pode ocorrer uma série de Figura 9 - Mudas de alface, cultivadas em sistema hidropônico tipo Piscina ou Floating
doenças ocasionadas pelo ambiente e por
agentes patogênicos e, ainda, por fatores
nutricionais, fisiológicos e genéticos. Mas, patogênicos podem assumir importância de os peixes sofrerem estresse e adoece-
seguramente, o estresse é um dos mais sanitária. As variações térmicas e luminosas, rem são maiores. Portanto, o piscicultor
importantes desencadeadores do processo a composição físico-química da água e os deverá ficar atento e ser rigoroso no con-
saúde/doença em peixes. Várias doenças es- constantes traumatismos naturais são os trole da sua produção. Um bom programa
tão associadas à depressão do sistema imune maiores agentes estressantes para os peixes. profilático pode garantir a sanidade de
dos peixes, muitas vezes em consequência Nas caixas d’água, em consequência da um cultivo por tempo indeterminado.
do estresse. Nesse caso, alguns agentes alta densidade de estocagem, as chances Deve-se ficar atento à possível entrada
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 4 1 - 5 6 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 51 1/9/2010 10:28:01


52 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

de patógenos no sistema. As formas mais térias, ecto e endoparasitas, fungos e vírus. tando a captura. Esse procedimento deve
comuns disso ocorrer são a introdução de Especialistas consideram que as doenças ser evitado, se os peixes forem vendidos
peixes doentes e o carreamento pela água. mais comuns encontradas nos cultivos vivos para indústria ou pesque e pague. É
O controle da procedência dos alevinos é brasileiros são: importante reduzir o estresse dos peixes,
de suma importância, assim como a água a) saprolegnia: é a doença mais durante a despesca e a transferência para
que entra no sistema deve ser monitorada comum. Ataca ovos por falta de as caixas de transporte, para que cheguem
periodicamente. higiene e limpeza das incubadoras. vivos e em bom estado físico ao destino.
Controlar o pessoal envolvido na rotina Os peixes podem ser transportados
Cresce também em feridas na pele
diária do criatório também é relevante. Al- vivos ou abatidos, dependendo do canal
e nas brânquias. Apresenta-se sob a
guns patógenos podem ser transferidos por de comercialização do piscicultor. Se a
forma de tufos de algodão;
meio de utensílios e apetrechos de pesca: venda for para pesque e pague ou indús-
redes, puçás e botas. O uso de desinfetantes b) lernaea: causa lesões generalizadas
tria, que necessita abater os peixes in loco,
é aconselhado para diminuir essa via de nos peixes. Provoca halos averme-
geralmente por choque térmico, os peixes
infecção. No entanto, esses desinfetantes lhados na superfície corporal, dando
deverão ser transportados vivos. Nesse
devem ser escolhidos cuidadosamente, condições para outros parasitas se
instalarem; caso, devem-se usar caixas de transporte
pois podem provocar intoxicações. A cada apropriadas, que tenham mecanismo de
troca de peixes (70 dias), as caixas d’água c) ichthyophthirius: conhecida também
oxigenação. A água usada no transporte
devem ser lavadas e desinfetadas. como doença do ponto branco; o
deve ser salinizada, com 3,0 kg de sal
O manejo inadequado é o grande parasita provoca irritação na pele
comum para 1 mil litros de água. A tem-
causador das intoxicações nos cultivos de e penetra no interior do organismo
peratura da água não deve estar acima de
peixes, especialmente aqueles sob o regime pelas brânquias. A disseminação
25 oC, podendo-se adicionar gelo, se for
de exploração intensiva como fluxo con- ocorre rapidamente, porque estes
preciso. A carga máxima recomendada é
tínuo. As rações estocadas sob condições parasitas multiplicam-se facilmente
de 350 kg de peixes para 1 mil litros de
inadequadas podem provocar intoxicações; e são levados pela água, sem que o
rações mofadas são fatais para determina- piscicultor perceba; volume. Para distâncias maiores, essa carga
das espécies. A ração deve ser conservada deve ser reduzida. O transporte de peixes
d) arculose: é chamada, também, de
em local limpo, seco, ventilado e longe de abatidos, processados ou não, destinados a
piolho do peixe (Argulus). O para-
pragas e animais. Nunca usar ração fora da peixarias, supermercados, restaurantes ou
sita localiza-se na pele, nas brân-
data de validade, úmida ou mofada. feiras, deve ser feito em caixas térmicas,
quias e nas nadadeiras, provocando
Vários tipos de doenças são respon- com a utilização de gelo. Normalmente,
lesões, necrose, úlcera e infecções
sáveis pela mortandade de peixes, o que recomenda-se adicionar gelo em partes
secundárias. A doença passa de um
ocasiona prejuízos financeiros ao pisci- peixe para outro.
iguais à quantidade de peixe.
cultor. Para reconhecer a presença de É importante que o produtor tenha em
peixes doentes no cultivo, alguns sinais são mente que o peixe deve chegar ao consu-
DESPESCA E TRANSPORTE
facilmente visíveis: peixes nadando lenta-
DOS PEIXES midor final sem qualquer alteração em sua
mente na superfície da água, isolados do qualidade, principalmente no que concerne
cardume, próximos da superfície da água, A despesca ou captura dos peixes pode ao sabor e ao odor. Afinal, a melhor espécie
tentando pular fora da água, presença de ser realizada de duas maneiras: parcial de peixe é o peixe fresco.
feridas, erosões nas nadadeiras, escamas ou total. Na despesca parcial, podem-se
arrepiadas, inchaços, coloração modifi- selecionar ou não os peixes a ser comer- COMERCIALIZAÇÃO DOS
cada, exoftalmia (olhos esbugalhados) e cializados. No primeiro caso, é importante
PEIXES
parasitas agarrados nas brânquias e pele. que os peixes rejeitados sejam colocados
Observar o comportamento dos ani- em recipientes auxiliares e, só depois de O peso dos peixes à comercialização
mais diariamente é muito importante terminada a despesca, devolvidos à caixa deve ser definido em função do mercado.
para o sucesso do empreendimento e, ao d’água de origem, evitando capturar os É importante que se estime o peso médio
suspeitar de doenças no criatório, entrar mesmos peixes várias vezes. Durante a final dos peixes para que, pelo menos,
em contato, imediatamente, com o técni- captura, pode-se reduzir o fluxo de água na 90% dos indivíduos tenham atingido o
co responsável pelo criatório ou com um caixa e baixar o nível até o ponto em que peso mínimo desejado. No caso de venda
médico veterinário. seja fácil capturar os peixes com o puçá. a pesque e pague, peixarias e feiras, onde
Diversos tipos de microrganismos No caso de despesca total de uma caixa, são aceitos peixes de menor porte, o peso
podem ocasionar doenças nos peixes: bac- esta pode ser totalmente esvaziada, facili- mínimo adequado pode ser de 500 g. Já se
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 4 1 - 5 6 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 52 1/9/2010 10:28:01


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 53

a venda for realizada para restaurantes ou


indústrias, que trabalham com filés, o peso
mínimo é de 700 g. Atualmente, algumas
indústrias têm incentivado os produtores
a trabalharem com pesos médios mais
elevados à despesca. Considerando a
variabilidade do peso corporal de tilápias
do Nilo cultivadas, pode-se definir o peso
médio final de cada lote para satisfazer a
condição já mencionada:
a) 90% com peso mínimo de 500 g
correspondem a peso médio do lote
de 700 g;

Elizabeth Lomelino Cardoso


b) 90% com peso mínimo de 700 g
correspondem a peso médio do lote
de 950 g;
c) 90% com peso mínimo de 900 g
correspondem a peso médio do lote
de 1.250 g. Figura 10 - Diversas formas de comercialização de tilápias

Há diversas formas de comercializar as


tilápias (Fig. 10): peixes vivos, eviscerados AVALIAÇÃO ECONÔMICA DO Assim, é importante saber que o tempo de
e descamados, filés sem toalete (inclui a EMPREENDIMENTO retorno do investimento está intimamente
pele, as costelas e as nadadeiras peitorais), relacionado com o volume de produção
O sistema de produção proposto possui
filés com toalete, etc. da piscicultura, visto que, quando se tem
uma vantagem comparativa considerável
As diferentes formas de processamento maior volume por intervalo de tempo, os
em relação aos demais sistemas existentes,
das tilápias são adequadas aos diversos
que é o fato de depender de pequeno in- custos fixos diluem-se, permitindo que
canais de comercialização. Peixes vivos os produtos sejam mais competitivos no
vestimento em infraestrutura de produção.
podem ser comercializados para indústrias mercado, em termos de preço.
Tal característica, associada à dinâmica
ou para pesque e pague. Peixes eviscerados Uma estratégia de negócio, que permite
operacional do referido sistema, permite
e descamados são mais adequados para encurtar o ciclo econômico da atividade é a
maior escala de produção com menor mo-
venda a peixarias e em feiras livres. Filés bilização de capital. Assim, tem-se menor produção especializada de juvenis. Ao pos-
sem toalete podem ser vendidos em feiras ônus dos custos fixos sobre o custo total sibilitar a comercialização do produto final
livres, peixarias e restaurantes populares de produção, resultando em maior compe- com maior frequência, permite-se maior
ou de empresas. Filés com toalete são mais titividade do produto no mercado e, con- liquidez, já que se tem a conversão mais
apropriados para restaurantes e supermer- sequentemente, mais rápida recuperação rápida do produto em dinheiro, exigindo
cados. Excetuando-se os peixes vivos, do capital investido. Além disso, o fato de menor volume de capital de giro.
os demais produtos podem ser vendidos ter uma estrutura mais “enxuta” e “móvel” Do mesmo modo, aqueles piscicul-
congelados ou, simplesmente, resfriados. propicia maior liquidez ao projeto, ou seja, tores que se especializam na terminação
É importante que, no momento da venda do o agricultor, se necessário, tem a opção de da tilápia, em sistema de fluxo contínuo,
seu produto, o piscicultor já tenha definido converter boa parte dos investimentos em têm menores riscos econômicos, pois essa
o canal de comercialização. Essa atitude dinheiro, a qualquer tempo, sem grande estratégia possibilita maior escalonamento
pode auxiliar na definição do tamanho dificuldade e/ou perda econômica. de produção, menor intensidade do uso de
dos peixes à despesca, do escalonamento Na análise de viabilidade econômica mão-de-obra, além de otimizar o uso de
das capturas e da forma como os peixes de projetos o termo Pay-back refere-se espaços e de infraestrutura, e depender de
serão comercializados, já que o seu pro- ao tempo de retorno do investimento. menor volume de capital de giro para com-
cessamento (evisceração, filetagem, etc.) Tal índice permite prever o momento no pra de insumos – principalmente ração –
exige regularização nos órgãos de inspeção qual os ganhos (lucro líquido) irão pagar comparado a outros sistemas de produção
federal ou estadual. os gastos com a implantação do projeto. tradicionais.
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 4 1 - 5 6 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 53 1/9/2010 10:28:02


54 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

O sistema de fluxo contínuo pode ser prio segmento, passa a ser imprescindível efetiva elaboração de cada produto final,
modulado, o que dá ao agricultor familiar que o agricultor familiar busque outras respectivamente.
a oportunidade de trabalhar as diversas formas de comercialização do produto, A partir do Quadro 5, pode-se perceber
estratégias de negócio, com praticidade a fim de diversificar o seu mix e atender que, apesar de o filé apresentar um incre-
e versatilidade peculiares. Em virtude outros nichos de mercado consumidor. mento de 105% em relação ao peixe inteiro
da baixa capacidade de investimento do Essa estratégia de negócio permite a ob- fresco, seu ganho real é menor do que
agricultor ou da restrição de aporte de tenção de incremento real nas margens aquele obtido com o peixe eviscerado com
recursos oriundos de fontes de financia- de lucro, comparada à venda exclusiva de escama, já que este último apresenta custo
mento, pode-se iniciar a produção com um peixe inteiro fresco para frigoríficos e ou operacional comparativamente menor.
módulo, ampliando-a, posteriormente, com
intermediários. Essas considerações são válidas, prin-
o reinvestimento dos recursos gerados pela
O incremento real nas margens de cipalmente, quando se adota o uso de mão-
própria produção.
lucro é estimado por meio da avaliação -de-obra artesanal, pois em termos opera-
Desde o pequeno até o grande inves-
do incremento comum e as exigências cionais há significativa diferença entre as
tidor tem a liberdade de dimensionar e
(implicações) necessárias, em termos de práticas de evisceração (peixe eviscerado)
“montar” seu próprio sistema produtivo,
de acordo com as características da sua
investimentos de toda natureza, para a e a filetagem manual (filé). Entretanto, em
propriedade, das limitações de ordem
natural, financeira e de mão-de-obra, e em QUADRO 5 - Estratégias de comercialização de tilápia e suas implicações econômicas e
atendimento às demandas dos mercados operacionais, considerando mão-de-obra artesanal
consumidores da região. Preço de
Canal ou estratégia Margem líquida
Nesse sentido, a integração da pisci- venda Incremento(2) Implicações(3)
de comercialização (R$/kg de peixe)(1)
(R$/kg)
cultura com outras atividades agropas-
toris também constitui boa estratégia de Peixe inteiro fresco 4,00 1,40 - -
(PV)
negócio, por possibilitar diversificação e
melhor utilização dos recursos materiais, Peixe eviscerado com 6,00 2,56 83% Destinação de resíduos;
financeiros e naturais existentes na pro- escama (89% do PV) infraestrutura de pro-
cessamento; mão-de-
priedade. O agricultor precisa ter em mente
-obra; taxas; impostos e
que a água é um dos bens mais preciosos embalagem
do planeta, passível de valoração, e seu
Peixe eviscerado sem 7,00 2,30 64% Destinação de resíduos;
aproveitamento deve ser da forma mais escama (86% do PV) infraestrutura de proces-
racional e inteligente possível. samento; mão-de-obra;
Assim, os sistemas integrados (aqua- taxas; impostos; emba-
ponia, fertirrigação e produção de macró- lagem e desescamação

fitas), já em prática em diversos países do Peixe eviscerado sem 9,00 2,10 50% Destinação de resíduos;
cabeça e nadadeiras infraestrutura de proces-
mundo, têm como fundamento básico o
(porquinho) samento; mão-de-obra;
aproveitamento dos nutrientes existentes (56% do PV) taxas; impostos; embala-
na água efluente, por meio de diversos gem; descabeçamento e
métodos ou estratégias. Essas tecnologias retirada das nadadeiras
permitem economia significativa em face Filé com costela 10,00 1,90 36% Destinação de resíduos;
da substituição parcial de adubos químicos (50% do PV) infraestrutura de proces-
comerciais, que representam, em conjunto, samento; mão-de-obra;
taxas; impostos; emba-
grande parcela do custo de produção em
lagem e retirada dos filés
sistemas agrícolas não-integrados.
Filé (33% do PV) 18,00 2,87 105% Destinação de resíduos;
Atualmente, as formas mais comuns infraestrutura de proces-
de comercialização de tilápias são o peixe samento; mão-de-obra;
vivo, para indústrias e pesque e pague, e em taxas; impostos; emba-
filés, para restaurantes e supermercados. lagem e toalete dos filés
NOTA: PV - Peso vivo.
Em razão do alto ônus que o filé (produto
(1)Considerando-se custo de produção de R$ 2,60/kg de tilápia. (2)A partir da segunda
final embalado) representa em termos de estratégia, faz-se um comparativo de incremento porcentual de margem, com a primeira
custo de produção e processamento para estratégia de comercialização. (3)Aumento gradativo dos itens, em número e intensidade, à
toda e qualquer unidade produtiva e o pró- medida que se “corta” o peixe.

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 4 1 - 5 6 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 54 1/9/2010 10:28:03


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 55

tempos de consciência ambiental, mesmo Um produtor do grupo especializa-se juvenis por mês. Os dez agricultores, em
em grandes plantas processadoras automa- em juvenis (ou alevinões), enquanto os conjunto, necessitarão de 6 mil juvenis
tizadas a diversificação do mix proporciona demais limitam-se à fase de recria e ter- mensalmente.
significativa economia com os investimen- minação. O investimento, nesse caso, é Para atender a essa demanda, o agricul-
tos em processos de destinação de resíduos, fracionado e todo o grupo beneficia-se de tor que produzir os juvenis deverá estocar
a não ser que seja alto o valor agregado a maior eficiência na produção e de maior 8 mil alevinos mensalmente. Conside-
esse produto, por meio da elaboração de frequência de produção, podendo auferir rando mortalidade e descarte, estima-se
empanados e/ou similares. renda mensal com a atividade (Quadro 7). a produção mensal em 6 mil juvenis já
O pequeno e o médio piscicultor podem A título de exemplo, para se dimen- selecionados. Para atingir essa produção,
ainda beneficiar-se da comercialização sionarem as instalações, supõe-se um o agricultor precisará de oito caixas d’água
de alguns coprodutos e subprodutos re- grupo de 11 agricultores familiares. Um de 4 mil litros, divididas em dois setores de
sultantes do processamento (Quadro 6), deles irá adquirir alevinos de larviculturas quatro caixas cada. Como a fase de alevi-
como a carne da base da cabeça (corte comerciais e conduzirá somente a fase de nagem dura cerca de 60 dias, o agricultor
em linha), para elaboração de bolinhos ou alevinagem, produzindo juvenis a serem
estocará 8 mil alevinos por mês em cada
almôndegas, e as vísceras, que podem ser vendidos aos outros dez agricultores, que
setor, alternadamente, sendo 2 mil alevinos
utilizadas para complementação da dieta farão a terminação dos peixes.
por caixa.
de frangos caipiras, criados em sistema A fase de crescimento e terminação das
semi-intensivo. tilápias dura cerca de 150 dias. Inicia-se
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em sistemas produtivos organizados, com os juvenis com 60 g de peso médio e
como em cooperativas ou associações, é finda com os peixes atingindo 900 g, que A agricultura familiar tem recebido
possível trabalhar com produtos mais ela- é o peso médio comercial recomendado. muita atenção, ultimamente. Instituições de
borados, como artigos de couro de tilápia, Para ter produção mensal, cada agricultor pesquisa e fomento têm sido desafiadas a
sabão, farinhas, empanados, etc. Nesses necessitará de cinco caixas d’água de 4 mil desenvolver e a disponibilizar tecnologias
casos, os maiores volumes processados e litros (150/30 = 5). Isso corresponde a 600 adequadas a agricultores familiares que,
comercializados, obtidos pela produção
conjunta, viabilizam técnica e economica- QUADRO 6 - Diferentes formas de utilização de coprodutos e derivados de tilápia do Nilo e
mente a elaboração dos referidos produtos. respectivos rendimentos (peixe de 1 kg)
A viabilidade de um dado projeto não Produtos Rendimento
Aplicações
é ditada somente por índices financeiros, e derivados (g)
mas também pela análise criteriosa dos Filé Pratos diversos 330
recursos disponíveis e emprego de tecno- Pele Vestuário, gelatina, artigos 100
logia apropriada (viabilidade técnica), do Escamas Indústria cosmética 10
correto planejamento e gerenciamento das Cabeça Bolinhos de peixe, almôndegas, pirão 140
atividades (acompanhamento e monitora- Vísceras Silagem ácida, farinha, adubo, sabão, biodiesel 100
mento), da adoção de formas coletivas de Carcaça sem polpa Silagem, farinha multiuso (Ca e P), adubo 140
organização (associações e cooperativas) e Polpa + aparas Empanados, CMS, surimi, steaks, nuggets 120
de maior atenção ao mercado consumidor Barriguinha Aperitivo, óleo, sabão, biodiesel 30
e à imagem do produto (comercialização Paleta Aperitivo, porção de tira-gosto 30
e marketing).
Total 1.000

INTEGRAÇÃO OU
ASSOCIAÇÃO DE
QUADRO 7 - Balanço financeiro de agricultores envolvidos em associação de piscicultura
PISCICULTORES em fluxo contínuo.
Uma alternativa para que os agriculto- Índices econômicos Produtor de juvenis Terminadores
res familiares possam utilizar recursos do Investimento total R$ 17.000,00
(1)
R$ 12.000,00
(1)

Programa Nacional de Fortalecimento da Custo de produção R$ 250,00/ mil juvenis RS 2,60/kg


Agricultura Familiar (Pronaf) é a produ- Preço de venda R$ 450,00/ mil juvenis R$ 4,00/kg
ção integrada ou associada. Nesse caso, Margem líquida R$ 200,00/ mil juvenis R$ 1,40/kg
o financiamento dos projetos poderá ser Renda mensal R$ 1.200,00 (6 X R$ 200,00) R$ 756,00 (540 kg X R$ 1,40)
coletivo ou grupal. (1)Inclui bomba hidráulica e reservatórios para adução e tratamento da água efluente.

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 4 1 - 5 6 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 55 1/9/2010 10:28:03


56 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

por sua vez, dispõem de limitados recursos LOSORDO, T.M.; MASSER, M.P.; RAKOCY, %20Tank%20Production%20Systems/
materiais (terra) e financeiros. Além disso, J.E. Recirculating aquaculture tank pro- S RA C % 2 0 4 5 4 % 2 0 R e c i r c u l a t i n g % 2 0
duction systems: an overview of criti- Aquaculture%20.pdf>. Acesso em: 15 mar.
as linhas de crédito direcionadas para a
cal considerations. [S. l.]: USDA-SRAC, 2010.
agricultura familiar têm valores máximos
1998. (USDA. SRAC Publication, 451). SCHAAFSMA, J.A.; BALDWIN, A.H.; STREB,
de financiamento que limitam a capaci- Disponível em: <http://www.scribd.com. C.A. An evaluation of a constructed we-
dade de investimento desses agricultores. doc/28844411/Recirculating-Aquaculture- tland to treat wastewater from a dairy farm
Assim como a horticultura, a piscicultura Tank-Production-Systems-An-Overview-of- in Maryland, USA. Ecological Engineering,
em fluxo contínuo de água é uma atividade Critical-Considerations>. Acesso em: 12 v.14, n.1/2, p.199-206, Sept. 2000.
que propicia a obtenção de consideráveis mar. 2010.
SUMMERFELT, S.T. et al. Aquaculture slud-
volumes de produção em pequenas áreas MOSQUERA-CORRAL, A. et al. Simulta- ge removal and stabilization within created
e com baixo investimento inicial. neous methanogenesis and denitrification wetlands. Aquacultural Engineering, v.19,
of pretreated effluents from a fish canning n.2, p.81-92, Jan. 1999.
REFERÊNCIAS industry. Water Research, v.35, n.2, p.411- SURESH, A.V.; LIN, C.K. Effect of stocking
418, Feb. 2001. density on water quality and production of
BOYD, C.E. Guidelines for aquaculture
RAFIÉE, G.; SAAD, C.R. Nutrient cycle and red tilapia in a recirculation water system.
effluent management at the farm-level. Aqua-
sludge production during different stages Aquacultural Engineering, v.11, n.1, p.1-22,
culture, v.226, n.1/4, p.101-112, Oct. 2003.
of red tilapia (Oreochromis sp.) growth in a 1992.
_______; QUEIROZ, J.F. Feasibility of re- recirculation aquaculture system. Aquacul- SUZUKI, Y. et al. Performance of a closed
tention structures, settling basins, and best ture, v.224, n.1/4, p.109-118, Feb. 2005. recirculation system with fom separation,
management practices in effluent regula- nitrification and denitrification units for in-
RAKOCY, J.E.; MASSER, M.P.; LOSORDO, T.M.
tion for Alabama Channel catfish farming. tensive culture of cel: twards zero emission.
Recirculating aquaculture tank production sis-
Reviews in Fisheries Science, v.9, n.2, p.43- Aquacultural Engeneering, v.29, n.3/4,
tems: aquaponics-integrating fish and plant cul-
67, Apr. 2001. p.165-182, Dec. 2003.
ture. [S. l.]: USDA-SRAC, 2006. (USDA. SRAC
GONTIJO, V. de P.M. et al. Cultivo de tilápias Publication, 454). Disponível em: <http:// TACON, A.G.J.; FORSTER, I.P. Aquafeeds and
em tanques-rede. Belo Horizonte: EPAMIG, ces3.ca.uky.edu/westkentuckyaquaculture/ the environment policy implications. Aqua-
2008. 44p. (EPAMIG. Boletim Técnico, 86). Data/Recirculating%20Aquaculture culture, v.226, n.1/4, p.181-189, Oct. 2003.

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 4 1 - 5 6 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 56 1/9/2010 10:28:05


artigo 05 256.indd 57 1/9/2010 11:06:49
58 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

Ovinocultura como opção de renda para


a pecuária familiar
Octávio Rossi de Morais 1
Fernando Flores Cardoso 2

Resumo - A criação de ovinos de corte para consumo ou para venda pode ser uma in-
teressante opção de renda na pecuária familiar. Como atividade complementar à explo-
ração de bovinos leiteiros ou a culturas, como mandioca, café e frutíferas, e envolvendo
mão-de-obra familiar, a ovinocultura torna-se economicamente viável mesmo com pe-
quenos rebanhos, o que não ocorre, quando a atividade é exclusiva. Ações de governo
têm favorecido a adoção da ovinocultura como complementação da renda na atividade
rural familiar, porém, aspectos culturais e inexistência de uma cadeia produtiva não
têm permitido um desenvolvimento mais acelerado desta atividade.

Palavras-chave: Ovino de corte. Ovino de leite. Nutrição animal. Produção de ovinos.


Carne ovina.

INTRODUÇÃO século passado, para somente ressurgirem No Norte de Minas, até início dos anos
no final da década de 1990. 2000, era comum caminhões passarem
A criação de ovinos no estado de Minas
Com pico de crescimento entre os anos comprando carneiros. Esses compradores
Gerais teve, desde o início do século 20,
2000 e 2005, a ovinocultura vem experi- recolhiam animais de várias propriedades
característica de atividade complementar
mentando um período de desenvolvimento para completar a carga, que era vendida
ou de criação de subsistência. Até meados
em Minas Gerais, com algumas criações especialmente em Brasília, onde a carne
do século passado, muitas fazendas, espe-
expressivas sendo implantadas. Pelo Censo invariavelmente atendia ao mercado
cialmente do Sul de Minas, utilizavam a lã
de 2006, comparado ao de 1995, o rebanho informal nas feiras das cidades satélites
dos carneiros para a confecção de agasa-
ovino cresceu 80% no Estado, enquanto (SEBRAE-MG; FAEMG; EMATER-MG,
lhos e cobertores, produzidos nas próprias
que os rebanhos de caprino e bubalino 2004). Com o surgimento dos criatórios
fazendas. A carne dos ovinos era produto
secundário, sem grande valor comercial. cresceram 26% e o de bovino, 4% (IBGE, de porte comercial, alguns frigoríficos de
No Norte do Estado, a criação de ovinos 2006). Propriedades com exploração ex- Goiás e de Minas passaram a fazer compras
tinha como objetivo apenas a utilização clusiva de ovinos são ainda uma exceção, na região, exigindo alguma organização
da carne, sendo que esses animais sempre entretanto, essas poucas propriedades têm por parte dos produtores, para a preparação
foram criados sem maiores cuidados, possibilitado a difusão de novas estratégias das cargas. Durante um curto período,
apenas aproveitando as pastagens dos de exploração da ovinocultura como ativi- houve movimentação e organização de
bovinos e, muitas vezes, acompanhando dade complementar. Isto ocorre porque as produtores liderados pela Associação de
cabras, alimentando-se de arbustos pelas propriedades que possuem grandes reba- Criadores de Caprinos e Ovinos do Norte
capoeiras. Embora as criações do Norte e nhos ovinos são as que mais necessitam de Minas (Accomontes), com apoio do
Nordeste mineiro fossem especialmente escoar seus produtos e, assim, acabam por Serviço de Apoio às Micro e Pequenas
destituídas de qualquer cuidado, essas se viabilizar também a venda dos produtos Empresas de Minas Gerais (Sebrae-MG)
mantêm até hoje, enquanto que as do Sul dos produtores familiares, em pequenos e da Companhia de Desenvolvimento dos
praticamente se extinguiram em meados do lotes de animais. Vales do São Francisco e do Parnaíba (Co-

1
Médico-Veterinário, D.Sc., Pesq. U. R. EPAMIG CO, Caixa Postal 295, CEP 35701-970 Prudente de Morais-MG. Correio eletrônico:
octaviorossi@epamig.br
2
Médico-Veterinário, Ph.D., Pesq. Embrapa Pecuária Sul, Caixa Postal 242, CEP 96401-970 Bagé-RS. Correio eletrônico: fcardoso@cppsul.embrapa.br

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 5 8 - 6 2 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 58 1/9/2010 10:28:08


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 59

devasf). Os esforços não se converteram pal ou exclusiva, é dependente de grande a taxa de desfrute, sem aumentar custos
em desenvolvimento de uma ovinocultura número de matrizes, um rebanho explorado na produção, os pequenos produtores
comercial na região, porém, houve expan- por mão-de-obra familiar e de forma com- poderiam obter renda extra com a venda
são do número de criatórios e de animais plementar a outras atividades é economi- de alguns animais para abate na própria
por criatório. camente viável, mesmo quando diminuto. região.
O aumento do número de criatórios e do Na pecuária familiar do Rio Grande do No Sul de Minas, os pequenos pro-
plantel total de Minas é fundamental no de- Sul, por exemplo, a ovinocultura, seja de dutores, que estão apostando na ovino-
senvolvimento da atividade no Estado, pois corte, de lã, seja mista, tem sempre papel cultura, têm encontrado algum apoio no
facilita a captação de animais para abate, mercado do estado de São Paulo, onde a
importante na complementação de renda,
incentivando a adaptação de frigoríficos e instalação recente de um frigorífico para
e esse modelo é bastante aplicável à rea-
permitindo a distribuição e o comércio da abate de ovinos vem movimentando a ati-
lidade mineira.
carne ovina com frequência regular. A regu- vidade. Nessa região, rebanhos com 100
Como a mão-de-obra e a alimentação
laridade na oferta, por sua vez, possibilita a ou 200 matrizes já encontram mercado
correspondem às maiores frações do
regularidade no consumo. Tal situação pode para seus cordeiros.
desembolso na ovinocultura (MORAIS,
ser observada nos estados do Nordeste do
Brasil e, mais claramente, no Rio Grande 2006), a exploração familiar, com apro-
ALIMENTAÇÃO DOS OVINOS
veitamento de subprodutos da agricultura,
do Sul. Nesse Estado, há pequenas criações NA PEQUENA PROPRIEDADE
de subsistência, assim como criatórios de permite o baixo custo da atividade, sem RURAL
médios e de grandes rebanhos, com mais comprometer necessariamente sua pro-
Dentre as forragens utilizadas para
de mil cabeças, quase sempre explorados dutividade. A criação de ovinos de corte
bovinos, somente a Brachiaria decumbens
em conjunto com a bovinocultura. São raras é simples, barata e eficiente, quando o
seria pouco adequada para ovinos, por
as explorações exclusivas, e o comércio é manejo e a alimentação dos animais estão
representar risco de intoxicação. Havendo
facilitado pela oferta de animais para abate, inseridos na produção diversificada, que
pastagem em quantidade suficiente, os
resultado da distribuição de criatórios por costuma caracterizar a agricultura fami-
ovinos podem aproveitá-la junto com os
todo o Estado. liar. A mão-de-obra feminina pode ser
bovinos, apenas tomando-se o cuidado de
A tradição da ovinocultura no Rio aproveitada com muita eficiência na lida
não deixá-los rebaixar demais a cobertura
Grande do Sul foi desenvolvida no tempo com os ovinos, especialmente porque esses
vegetal.
em que a lã tinha bom valor de mercado. animais são dóceis e requerem atenção e
Os ovinos são também excelentes
Os rebanhos, até a década de 1970, eram delicadeza em seu manejo diário.
grandes, uma vez que a escala de produção aproveitadores dos restos de cultura e
No Norte e Nordeste de Minas, aplica-
era fundamental para a rentabilidade da palhadas, bem como são úteis na limpeza
se melhor o modelo de comercialização
ovinocultura de lã. Embora se acreditas- de ruas de plantio, especialmente nas de
existente no Nordeste do Brasil. Pequenos frutíferas de porte mais alto. Muitas pro-
se no contrário, o tempo mostrou que o
produtores nordestinos comercializam priedades do Sul de Minas têm utilizado
mesmo ocorre na exploração de ovinos de
seus ovinos em pequenos lotes ou mesmo esses animais na limpeza das ruas de café,
corte, onde o volume de produção é crucial,
apenas um animal por vez, de acordo com havendo mesmo quem plante, nas ruas,
não só para a viabilidade da exploração
a necessidade. O rebanho funciona como forrageiras para esses animais. As ovelhas
dentro da propriedade, mas para a ativida-
uma reserva para auxiliar nas despesas fazem o “serviço de capina” e limpeza da
de como um todo, possibilitando ajustar a
logística de transporte, abate e distribuição. mensais. Enquanto não há organização saia do cafeeiro, além de contribuir para a
Dessa forma, os rebanhos para exploração de uma cadeia produtiva da ovinocultura adubação com seu esterco e urina (Fig. 1).
exclusiva teriam também que ser grandes, em Minas, os pequenos produtores do Nas áreas de frutíferas, como mangueira,
o que não condiz com a realidade atual, Norte e Nordeste do Estado terão dificul- coqueiro, goiabeira e pessegueiro, há van-
quando as propriedades rurais são cada vez dades com o mercado, caso aumentem tagens na consorciação com ovinos (GUI-
menores e mais caras. expressivamente seus rebanhos, e pouco MARÃES FILHO; SOARES, 2003). Nas
retorno financeiro, se investirem em seus pequenas propriedades, onde se beneficia
VIABILIDADE DA criatórios. Entretanto, é possível melhorar a mandioca, atividade bastante comum no
OVINOCULTURA DE sensivelmente os índices produtivos des- Norte de Minas, as ramas da planta, bem
PEQUENA ESCALA
sas explorações, apenas com a utilização como as raspas, após secagem adequada
Enquanto a ovinocultura comercial, adequada de restos de cultura e adoção de ao sol, servem como excelente alimento
tendo os ovinos como exploração princi- técnicas simples de manejo. Melhorando para os ovinos. Ovelhas também podem
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 5 8 - 6 2 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 59 1/9/2010 10:28:08


60 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

No caso de ovinos foram considerados


os índices, 90% de fertilidade, intervalo de
partos de nove meses, 10% de mortalidade
de cordeiros e 0% de mortalidade de adul-
tos (para efeito de cálculo).
Há que se considerar, porém, que, na
pecuária familiar, a vaca é fornecedora
de leite, quase que independentemente
de sua capacidade de produção, sendo o
bezerro um produto a mais. Porém, nas
condições de exploração mista, com vacas
sem nenhuma especialização, os parâme-
tros utilizados para os cálculos citados
tenderiam a ser bastante alterados. Os pa-
râmetros usados para as ovelhas estão bem
próximos aos atualmente alcançados nas
pequenas explorações pouco tecnificadas.

Juarez S. Batista
Cálculos bem mais otimistas dão conta de
400 kg de bovinos e de 3.840 kg ovinos em
quatro anos, na mesma área (NOGUEIRA
Figura 1 - Ovelhas criadas soltas na lavoura de café
FILHO, 2003).
Do ponto de vista econômico, é preciso
ser utilizadas nas entrelinhas dos plantios nove meses, a contar da prenhez alertar para o fato de que, pela tradição da
de eucalipto e de seringueira, logo a partir da vaca, criação e do consumo, o comércio de bo-
do segundo ano de plantio, proporcionando - intervalo entre as produções se- vinos e de seus produtos é bem mais fácil,
um melhor aproveitamento dessas áreas e guintes - 13 meses, de forma que os cálculos apresentados
permitindo a produção de alimento ou a - em seis anos, cerca de 40 arrobas devem ser levados em conta apenas para
geração de renda, quando as árvores ainda de animal vivo produzidas ou 20 as pequenas explorações familiares, com o
não permitem qualquer tipo de exploração, arrobas de carcaça (rendimento objetivo de gerar alimento para consumo
mas já adquiriram porte e resistência su- de 50%). próprio ou para a comercialização de pe-
ficientes para a introdução desses animais Para a obtenção do desempenho quenos excedentes.
na área plantada. mencionado foram considerados os A criação de ovinos tem ainda, diante
índices, 90% de fertilidade, intervalo da criação de bovinos, a vantagem de
PRODUTIVIDADE DOS de partos de 13 meses, 5% de mortali- diluir os riscos, pois a morte por acidente
OVINOS dade de bezerros e 0% de mortalidade ou doença de um ovino tem muito menos
Comparados aos bovinos, os ovinos são de adultos; impacto econômico para o produtor, que a
mais eficientes na produção de carne por b) seis ovelhas - produtos por ano, apro- morte de um bovino. O abate de um ovino
área de pastagem, além de proporcionarem ximadamente, 8,0: é muito mais adequado às necessidades
produtos em menor espaço de tempo e a - tempo para os cordeiros passarem de consumo e às possibilidades de bene-
intervalos mais curtos. Considerando-se pela cria, recria e engorda - oito ficiamento e/ou armazenamento da carne
a possibilidade de criar seis ovelhas no meses, na pequena propriedade rural, que o de
mesmo espaço e com o mesmo volume - primeiro abate após 13 meses a um bovino.
de alimentos de uma vaca, pode-se fazer a contar da prenhez das ovelhas,
seguinte comparação: - intervalo entre as produções sub- CARNE OVINA PARA VENDA
OU CONSUMO
a) uma vaca - produtos por ano, apro- sequentes: nove meses,
ximadamente, 0,8: - em seis anos, cerca de 96 arrobas A carne ovina tem características de
- tempo para o bezerro passar pela de animal vivo produzidas ou 57,6 sabor, maciez e acúmulo de gordura que
cria, recria e engorda - três anos, arrobas de carcaça (rendimento variam de forma muito acentuada do
- primeiro abate após três anos e de 40%). animal jovem para o mais velho. Animais
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 5 8 - 6 2 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 60 1/9/2010 10:28:09


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 61

abatidos com até um ano de idade têm LEITE DE OVELHA embora tenha sabor bem característico, é
carne rosada, macia, suculenta e, conforme muito mais difundido, mas também sofre
A criação de vacas para produção
a dieta, com pouca gordura. Até o final dos restrições, sendo mais reconhecido como
de leite é uma atividade amplamente di-
anos 90 havia o costume de abater animais remédio que como alimento. Dessa forma,
fundida nas pequenas propriedades, seja
velhos, às vezes muito gordos e outras é ainda impensável dispensar a criação de
exclusiva, seja complementar. Por outro
vezes até caquéticos, especialmente nas vacas em favor da de ovelhas na exploração
lado, a produção de leite de ovelha, tanto
pequenas criações, o que conferiu à carne rural familiar, enquanto um de seus obje-
para o consumo in natura quanto para a
ovina fama de ser dura e de sabor forte. tivos for o consumo e a produção de leite
preparação de derivados, é totalmente
Com o maior acesso da classe média às e seus derivados. É válido, no entanto, um
desconhecida dos produtores rurais de
viagens internacionais e a oportunidade de esforço para difundir o consumo do leite
Minas Gerais. Fato estranho, uma vez
contato com outras culturas, a carne de cor- de ovelha na pequena propriedade, pois
que a exploração de ovelhas para leite
deiro, ovino jovem com menos de um ano, as ovelhas comuns (sem raça definida), da
é tradicional nos países que ajudaram a
ganhou destaque na culinária brasileira, raça Santa Inês ou de raças especializadas
forjar a cultura brasileira, notadamente em
sendo hoje considerada sinônimo de classe para corte e seus cruzamentos, podem
e sofisticação nos eventos gastronômicos. Portugal (MORAIS, 2008).
ter boa capacidade de produção de leite
Muitos pequenos produtores tradicionais O consumo do leite de ovelha e seus de-
(FERREIRA, 2009) e, normalmente, os
estão atentos a essas mudanças e procuram rivados, bem como da carne ovina, poderia
cordeiros são desmamados, quando estes
saber o que é necessário para colocar seus ser, para famílias dos pequenos agricultores
animais ainda são lactantes. É comum
produtos no mercado. e pecuaristas, um importante adjuvante
acontecer, na exploração para corte, casos
Se for considerada a maior capacidade naquilo que define a segurança alimen-
de mamite em ovelhas boas produtoras,
de produção dos ovinos comparada à dos tar: acesso das pessoas aos alimentos em
após a desmama ou a morte precoce de
bovinos, a sua alimentação mais barata, quantidade e qualidade suficientes para
seus cordeiros. Para evitar esse problema,
quando comparada à dos suínos, e o preço seu bem-estar e saúde. O leite de ovelha
muitos produtores fazem a ordenha de
de sua carne ante a essas outras duas, as tem uma composição muito rica do ponto
esgota até conseguir a secagem dessas
vantagens de criar ovinos em pequena de vista nutricional e bastante eficaz no
ovelhas, jogando o leite fora ou fornecendo
escala, na pecuária familiar, são muito evi- processamento de produtos lácteos, como
a outros animais, como cães e porcos. Esta
denciadas. Com a carne ovina valorizada, se pode observar no Quadro 1.
prática significa o desperdício de uma rica
coloca-se uma importante opção para o O leite de ovelha é mais rico também
fonte de nutrientes, especialmente para
pequeno produtor, que pode consumir a em vitaminas e minerais. Fatores culturais,
crianças e idosos.
carne na propriedade, mas pode também, no entanto, tornam difícil a aceitação, pelos
com vantagem, vendê-la e comprar maior agricultores e suas famílias, do leite de INVESTIMENTOS OFICIAIS NA
quantidade de outra carne mais barata, ovelha como alimento, embora não haja, OVINOCULTURA FAMILIAR
como a bovina ou a suína, atendendo me- a rigor, nenhuma diferença de sabor entre Ao longo dos últimos dez anos foram
lhor aos seus hábitos alimentares. leite de ovelha e de vaca. O leite de cabra, vários os investimentos governamentais
na ovinocultura mineira, sempre direcio-
nados para as regiões Norte e Nordeste do
QUADRO 1 - Composição do leite de ovelha e de vaca
Estado. Esta preferência acontece pelas
Constituinte Vaca Ovelha
semelhanças entre essas regiões do Estado
Sólidos totais (%) 10,5-14,3 17,4-18,9
e o Nordeste brasileiro, onde a ovinocultu-
Gordura (%) 2,8-4,8 6,0-7,5
ra é tradicional. O Banco do Nordeste do
Energia (kcal/L) 700 1.050
Brasil (BNB) investe constantemente em
Proteína total (%) 3,29 5,98
ações de Pesquisa & Desenvolvimento,
Proteínas do soro (%) 0,3-0,8 0,9-1,1
delimitadas às regiões Norte e Nordeste
Caseína (%) 2,5-3,6 4,3-4,6
do Estado.
Lactose (%) 4,2-5,0 4,3-4,8
O governo do estado de Minas Gerais,
Cálcio (mg/L) 119 193
por meio do Instituto de Desenvolvimen-
FONTE: Dados básicos: Ferreira (2009).
to do Norte e Nordeste de Minas Gerais
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 5 8 - 6 2 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 61 1/9/2010 10:28:09


62 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

(Idene) em conjunto com o Ministério da les produtores individuais que assumiram REFERÊNCIAS
Integração Nacional, implantou, em 2006, os rebanhos, levaram o Projeto adiante
FERREIRA, M.I.C. Produção e composição
um projeto batizado de “Ovinos Gerais”. com bons resultados na produção, mas as do leite de ovelhas Santa Inês e biometria
Foram treinados técnicos e produtores de dificuldades para comercialização ainda de seus cordeiros. 2009. 80p. Tese (Douto-
quinze comunidades de pequenos produ- persistem. Um primeiro lote de cordeiros rado) - Escola de Veterinária, Universidade
tores rurais organizados, da região Norte de comunidades beneficiadas pelo Projeto Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
do Estado, para atuarem na ovinocultura. foi comercializado na Cooperativa Mineira
GUIMARÃES FILHO, C.; SOARES, J.G.G.
Disponibilizaram-se, para cada comuni- dos Produtores de Cordeiro (Procordeiro),
Fruti-ovinocultura: limitações e possibi-
dade, 150 matrizes e três reprodutores, no final de 2007. Entretanto, a distância
lidades da consorciação de fruteiras com
além de tela própria para cercamento dos criatórios do Norte de Minas ao frigo- ovinos. In: SIMPÓSIO MINEIRO DE OVI-
de 50 hectares de pastagens, sementes rífico situado em Sete Lagoas, único com NOCULTURA, 3., 2003, Lavras. Anais...
de forrageiras, mourões, material para licença para abate de ovinos em atividade Cadeia produtiva: ovinocultura. Lavras:
construção de aprisco, sal mineral para no Estado, inviabiliza o transporte de pe- UFLA, 2003. p. 107-120.
um ano, desintegrador de forragens, ro- quenos lotes.
çadeira e enfardadeira manual de feno. IBGE. Censo Agropecuário 2006: confronto
Novos investimentos governamentais
dos resultados dos dados estruturais dos
Avaliações realizadas no final de 2008 na ovinocultura familiar do Norte de
Censos Agropecuários Minas Gerais -
constataram a baixa adesão de boa parte Minas, dentro de programas de desenvol- 1970/2006. Rio de Janeiro, [2006].
dos associados, sendo que em algumas vimento sustentável do bioma Caatinga, Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/
comunidades o rebanho, que deveria ser estão em estudo. Experiências anteriores home/estatistica/economia/agropecuaria/
de exploração coletiva, havia passado
apontam para a necessidade de priorizar censoagro/2006/defaulttab_censoagro.
para as mãos de apenas um produtor, por
a solução dos problemas ligados à comer- shtm>. Acesso em: 10 fev. 2010.
desinteresse dos demais. Em algumas
cialização.
comunidades, o material destinado aos MORAIS, O.R. Melhoramento genético dos

ovinos vinha sendo usado para cercar ovinos no Brasil. In: PEREIRA, J.C.C. Me-
CONSIDERAÇÕES FINAIS
lhoramento genético aplicado à produção
galinheiros, para construção de varandas
A ovinocultura pode ser bastante in- animal. Belo Horizonte: FEPMVZ, 2008.
nas casas de moradia ou para a lida com
teressante, quando complementar outras
o gado bovino. A perda de grande número _______. Valores econômicos de caracte-
atividades agrícolas, pecuárias e silvíco-
de animais foi atribuída a ataques de cães, rísticas de produção de ovinos Santa Inês.
onças, às doenças, aos rigores das secas, las. Por ser um animal de fácil manejo, a 2006. 55f. Tese (Doutorado em Ciência Ani-
ao abandono dos rebanhos e à necessidade ovelha de corte pode ser uma boa opção de mal) - Escola de Veterinária, Universidade
da mão-de-obra disponível para atividades complemento para a bovinocultura leiteira Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
mais importantes. de exploração familiar.
NOGUEIRA FILHO, A. Ações de fomento
Há algumas razões para essa situação. Embora haja exemplos de sucesso da
do Banco do Nordeste e potencialidades
Ao deixarem as ovelhas largadas à sua pró- ovinocultura como atividade exclusiva, na
da caprino-ovinocultura. In: SIMPÓSIO
pria sorte, como fazem na maior parte das grande maioria dos casos, especialmente
INTERNACIONAL SOBRE CAPRINOS E
vezes com os bovinos, os produtores não em Minas Gerais, esse tipo de exploração OVINOS DE CORTE, 2.; SIMPÓSIO INTER-
puderam acompanhar o potencial produti- seria infrutífero, pela desorganização da NACIONAL SOBRE O AGRONEGÓCIO DA
vo desses animais, ao contrário, viram seus cadeia produtiva. O mercado, no entanto, CAPRINOCULTURA LEITEIRA, 1., 2003,
rebanhos serem dizimados. Por outro lado, é francamente comprador de carne ovina João Pessoa. Anais... João Pessoa: EMEPA,
se os bovinos são capazes de sobreviver e de boa qualidade. 2003. p. 43-55.
deixar alguma produção praticamente sem Com a evolução dos plantéis e do
SEBRAE-MG; FAEMG; EMATER-MG. Aná-
a interferência do homem, não seriam esses número de criatórios no Estado, aliadas à
lise da ovinocaprinocultura do Norte e
animais mais eficientes e mais interessan- difusão de técnicas mais eficazes de pro- Nordeste de Minas Gerais. Belo Horizonte,
tes para esse tipo de exploração? dução econômica de ovinos, há a tendência 2004. 127 p. Disponível em: <http://www.
O quadro de insucesso, no entanto, não de a ovinocultura tornar-se uma atividade bioinfo.cpqrr.fiocruz.br/files/RGMG2006/
foi geral no programa “Ovinos Gerais”. com melhores possibilidades de geração ovinocaprinocultura.pdf>. Acesso em: 9
Algumas comunidades, assim como aque- de renda para a pecuária familiar. fev. 2010.

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 5 8 - 6 2 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 62 1/9/2010 10:28:09


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 63

Criação de ave caipira como opção de renda e fonte de


alimento para família rural
Ana Júlia Rezende do Sacramento 1
Viviane Assunção de Resende 2

Resumo - A criação de frango e de galinha caipira sempre foi, para os agricultores


familiares, uma importante fonte de alimentos (carne e ovos) e de renda por meio da
comercialização de excedentes. Sem competir com a avicultura industrial, preenche
um específico nicho do mercado, que atende consumidores que exigem uma alimen-
tação mais natural. Há produtores que optam pela criação de aves caipira de corte, na
qual tanto os machos quanto as fêmeas são abatidos ao atingir o peso comercial. Ou-
tros optam pela criação de aves para a produção de ovos caipira e utilizam apenas as
fêmeas. Há ainda a opção pela criação de lotes mistos, em que os machos são vendidos,
quando atingem o peso de abate, e as fêmeas são mantidas para produção de ovos. Al-
guns produtores também produzem pintos de um dia de idade, além de frangas de re-
posição para comercialização. Nesses sistemas, as aves vivem soltas, alimentam-se de
vegetais e insetos que encontram no piquete, mas recebem também ração balanceada.
Serão descritas algumas instalações e equipamentos, bem como o manejo adequado
para a criação de ave caipira.

Palavras-chave: Avicultura familiar. Ave caipira. Galinha caipira. Frango. Pintinho.


Ave de postura. Ave de corte.

INTRODUÇÃO Entre 1930 e 1940, a valorização da tir do qual surgiu o sistema totalmente
beleza das aves levou à criação de frangos confinado, utilizado até os dias atuais. De
No ano 5000 a.C., já se utilizavam as
e galinhas em função do seu tamanho, lá para cá, houve um grande incremento
aves para sacrifícios e oferendas. O ano de
das cores das penas e da formação de tecnológico no processo de produção de
1350 a.C. foi considerado o do princípio
cristas e barbelas - período denominado ovos e carne, tanto no que diz respeito ao
da domesticação das aves pelo homem. No
“romantismo”. De 1940 a 1960, diante da manejo sanitário quanto ao melhoramento
Brasil, a criação de aves teve início entre
escassez de alimentos provocada pela 2a genético, o qual proporcionou a produção
1500 e 1550, quando os colonizadores Guerra Mundial, a criação de aves teve seu de linhagens mais eficientes. Porém, os
trouxeram algumas aves da Europa. O foco direcionado para a produção de carne sistemas de produção industrial são em
método de criação era bastante rudimentar, e de ovos (aptidão mista). Além disso, a grande parte dependentes do uso de pro-
o que originou a denominação criação cai- sociedade da época passou a valorizar motores de crescimento, rejeitados por
pira. Já naquela época os ovos e a carne de mais a natureza, e as aves passaram a consumidores que valorizam produtos
aves eram percebidos como uma rica fonte ser criadas com livre acesso a áreas de mais saudáveis, obtidos em sistemas mais
de proteína para a alimentação humana. pastagens (SILVA; NAKANO, 2001; próximos das condições naturais. Por isso,
Há relatos na literatura de que, entre HELLMEISTER FILHO, 2002). é crescente o aumento da demanda por
1900 e 1930, a avicultura passou por um A fase compreendida entre 1960 e carne e por ovo caipira.
período chamado “colonial”, onde as aves 1970 passou a ser conhecida como o Na Europa, a criação de ave caipira
eram criadas totalmente soltas, sem contro- período de “especialização das raças” é também difundida e encontra-se em
le de produção. (HELLMEISTER FILHO, 2002), a par- expansão, abrangendo mais de 20% do

1
Médica-Veterinária, M. Sc., Prof a Avicultura EPAMIG-ITAC, Caixa Postal 43, CEP 35650-000 Pitangui-MG. Correio eletrônico: anajulia@epamig.br
2
Zootecnista, Produtora Rural, Rua Paulo Freitas,197- A ,CEP 36301-004 São João del-Rei-MG. Correio eletrônico: vivianeresendecxc@yahoo.com.br

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 6 3 - 7 1 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 63 1/9/2010 10:28:09


64 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

segmento, que surgiu pela necessidade de


substituição das carnes de perdiz e de fai-
são, que não podiam ser criados em grande
escala. Diante dessa demanda foram feitos
cruzamentos para a obtenção de aves que
produzissem carne com melhor qualidade.
Para atender às necessidades do mer-
cado, muito variável em preferências e
exigências, vários sistemas de criação
coexistem e utilizam raças especializadas
em produção de carne ou ovos ou de ap-
tidão mista.

Viviane Assunção de Resende


No Brasil, a criação de frangos e ga-
linhas caipira sem raça definida (SRD),
para consumo próprio e/ou para o comér-
cio local, já é tradicional, mas a oferta é
variável, pois tanto a produção quanto a
produtividade não são controladas. Mas
o aumento da procura por frango e ovos Figura 1 - Galpão das poedeiras e piquete arborizado para proporcionar conforto e
caipira obrigou produtores a buscarem um sombra às aves nas horas mais quentes do dia
sistema definido de produção, coerente
com o bem-estar das aves e harmonia com
o meio ambiente (Fig. 1), bem como com o
bom controle sanitário. Muitos produtores
rurais já estão se especializando nesse tipo
de produção. É o caso da granja “Caipirão
do Parque”, localizada em Coronel Xavier
Chaves, região Campo das Vertentes, em
Minas Gerais, que comercializa ovos, aves
vivas (frangos e poedeiras) e aves abatidas.

SISTEMAS DE PRODUÇÃO

Viviane Assunção de Resende


Extensivo
O sistema extensivo de criação de
aves caipira é praticado com o propósito
de atender ao consumo familiar de ovos e
carnes frescos e, às vezes, para venda de
excedentes no comércio local. Geralmente
as aves – tanto machos quanto fêmeas – Figura 2 - Piquete com grama estrela africana e o capim-quicuio onde as aves “pastam”
pastam livremente pela propriedade ou livremente
em piquetes (Fig. 2), e a alimentação su-
plementar não é balanceada, constituindo em quantidade e qualidade demandada nas diversas fases de desenvolvimento
de restos de grãos, hortaliças e frutas. pelo mercado. Nesse caso, é um negó- (ALBINO; MOREIRA, 2006).
Geralmente não é feito controle produ- cio, e negócio sobrevive com lucro. O
tivo, reprodutivo, nutricional e sanitário sistema requer maior investimento em INSTALAÇÕES
(ALBINO; MOREIRA, 2006). insumos (ração balanceada e vacinas) e
maiores cuidados no manejo das aves. As instalações são simples, já que a
Semi-intensivo atividade de criação de frango caipira não
Por isso, é essencial construir instala-
O sistema semi-intensivo foi desen- ções que podem ser rústicas (Fig. 3), exige sofisticação, pois os animais são
volvido para atender à crescente demanda porém funcionais, para proteção das aves rústicos e bastante resistentes.
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 6 3 - 7 1 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 64 1/9/2010 10:28:10


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 65

Galpão
O galpão é mais utilizado no sistema
semi-intensivo. Deve ser instalado em lo-
cais secos, ligeiramente inclinados e com
disponibilidade de água de boa qualidade.
A construção deve ser no sentido leste-
oeste, com atenção para ventos dominantes
no local, especialmente no inverno, pois
o movimento de ar no interior do galpão
é fundamental para manter o ambiente
saudável (Fig. 3).

Viviane Assunção de Resende


A estrutura pode ser erguida com
madeira, alvenaria ou pré-fabricados me-
tálicos, com o pé direito de, no mínimo,
2,6 m de altura. A cobertura pode ser de
telhas de barro, cerâmica ou amianto. As
telhas de amianto devem ser pintadas de
branco, para evitar excesso de aquecimento.
Figura 3 - Galpão rústico, com paredes de proteção construídas com placas de cimento
pré-moldadas
Piquete
O piquete é uma área destinada ao
pastejo, onde as aves ficam soltas a maior
parte do dia. É importante para o bem-estar
animal e contribui para a diversificação e
diminuição dos custos com alimentação.
Para calcular a área de piquete é ne-
cessário considerar que cada ave ocupe
de 3 a 5 m2 para pastejo, dependendo da
quantidade de ração fornecida e da quali-
dade do pasto.
A cerca do piquete (Fig. 4) pode ser fei-
ta com tela de arame de, no mínimo, 1,5 m

Viviane Assunção de Resende


de altura, com mureta de 5 cm junto ao
solo, para evitar o contato da tela com o
chão. Podem-se fazer cercas também com
outros materiais, e até a cerca viva é viável.
O piquete pode ter vegetação natural,
desde que as aves recebam complemen-
tação alimentar com ração balanceada,
a fim de atender suas necessidades para Figura 4 - Piquete de capim-tifton 85, cercado com tela
produção de carne ou ovos. Entretanto, é
melhor que o piquete seja preparado com
É importante que haja disponibilidade Pinteiro
a implantação de uma espécie forrageira
de vários piquetes para cada lote de aves,
adequada. Para cada região e clima, há O pinteiro deve ser construído em
de forma que possa ser feito o pastejo local de fácil acesso com parede de alve-
espécies mais indicadas. Quando não se
tem informação, o melhor é experimentar rotacionado. Esta estratégia permite a re- naria até a altura de 50 cm para melhor
várias espécies para avaliar a produção de cuperação de cada piquete após o pastejo. proteção dos pintinhos nos primeiros dias
biomassa, capacidade de pastejo (tempo Além disso, o fornecimento de alimentos de vida (Fig. 5). Deverá contar com fonte
de permanência das aves no piquete sem alternativos, como restos de culturas, de de água potável e de energia elétrica, para
comprometer sua recomposição), aceitação hortaliças e de frutas, também alivia a aquecimento dos pintinhos. O uso de cor-
pelas aves. sobrecarga sobre os piquetes. tinas é indispensável, pois tem a função
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 6 3 - 7 1 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 65 1/9/2010 10:28:11


66 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

vento. Pode ser construído com madeira,


papelão, chapas de metal ou qualquer ou-
tro material disponível na propriedade. A
altura do círculo pode variar de 30 a 70 cm
e a circunferência deve ser de, aproximada-
mente, 5 a 7 m², para o alojamento de 500
pintinhos. O tamanho do círculo deve ser
ajustado para evitar o esmagamento, im-
portante fator de mortalidade de pintinhos.

Bebedouro
No comércio existem vários tipos e

Viviane Assunção de Resende


tamanhos de bebedouros, adequados a
cada fase da vida das aves. Também podem
ser feitos na propriedade com tubos de
policloreto de vinila (PVC). Nos primei-
ros dez dias, dois bebedouros de 1 L são
suficientes para 50 pintinhos e devem ser
colocados em cima de estrados de madeira
Figura 5 - Pinteiro com parede e cortina de proteção para pintinhos
ou outro material para impedir que molhe
a cama dos pintinhos. Após dez dias, esses
de proporcionar um ambiente confortável do número de pintinhos que deverão ser bebedouros devem ser trocados por outros
para as aves, protegendo-as das variações aquecidos. Há, no mercado, campânulas maiores. Um bebedouro com 1 m de com-
climáticas, especialmente nos meses mais elétricas, a gás e até a lenha. primento é suficiente para 50 pintinhos.
frios do ano. O piso do pinteiro deve ser
coberto com material absorvente e que pro- Círculo de proteção Comedouro
porcione conforto térmico aos pintinhos, O círculo de proteção (Fig. 6) tem a Um comedouro tipo bandeja de 30 x
como serragem, sabugo de milho triturado função de limitar o espaço destinado aos 50 x 3 cm é suficiente para 50 pintinhos
e casca de arroz. pintinhos e proteger contra corrente de no primeiro dia de vida. No segundo dia,
devem ser substituídos por comedouros
EQUIPAMENTOS pendulares infantis, que permanecem no
A ave caipira, para expressar seu poten- pinteiro até os 15-20 dias, quando são
Comedouro Bebedouro
cial de crescimento, precisa de ambiente (1/80) (1/80) substituídos pelos comedouros pendulares
saudável, nutrição e manejo adequados. para adultos. No comércio são encontrados
O uso de alguns equipamentos é absoluta- todos os tipos de comedouros.
mente necessário.
ALIMENTAÇÃO
Lâmpada
O fornecimento da ração está relacio-
Para que o ambiente do pinteiro fique nado com a qualidade e com o tamanho
iluminado todo o tempo, é necessário usar da área de pastagem destinada a cada ave.
lâmpadas. Além disso, estas contribuem Vários alimentos podem ser fornecidos às
para manter o ambiente aquecido. aves em criação à solta.
Dentre os grãos, podem ser utilizados
Campânula milho, girassol, soja, feijão-guandu, arroz
A campânula é um equipamento uti- quebradinho e sorgo. Capim cortado fora
lizado para promover o aquecimento do Campânula da área do piquete também pode ser for-
ambiente de criação, principalmente do necido às aves.
Círculo de proteção
pinteiro. É encontrada em vários tamanhos Frutas e hortaliças de todos os tipos
e tipos. A escolha depende da disponibili- Figura 6 - Esquema do círculo de proteção podem ser utilizadas, pois dão boa colora-
dade e custo da energia a ser utilizada e das aves ção à gema. As frutas são muito apreciadas
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 6 3 - 7 1 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 66 1/9/2010 10:28:12


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 67

pelas aves e devem participar da alimen- a não-observância dos cuidados com a Para que a produção de aves caipira
tação destas por sua diversidade e riqueza higiene e sanidade. Os pintinhos, com um seja viável, o uso de forragem como ali-
em componentes nutricionais, principal- dia de vida, produzidos na propriedade ou mentação alternativa é imprescindível.
mente quanto aos carboidratos solúveis, adquiridos de incubatórios, necessitam de Para a formação de pastos várias espécies
ácidos graxos, aminoácidos, vitaminas e cuidados para desenvolvimento saudável forrageiras podem ser utilizadas: quicuio,
minerais. As frutas podem rotineiramente e aumento da produtividade da criação. tifton, grama estrela africana e estilosantes
fazer parte da dieta das aves, quando estas Devem ser criados em pinteiros pelo menos Campo Grande são bons exemplos. O con-
são alojadas em pomares, em pastagens até quatro semanas de idade (Fig. 7). No sórcio de dois ou mais tipos de forrageiras
sombreadas com espécies frutíferas ou pelo pinteiro, receberão mais atenção quanto a é também uma boa alternativa.
seu fornecimento no piquete de criação
fornecimento de água, aquecimento, ração Como cerca de 70% dos custos de
de melhor qualidade, vacinas e medica- produção de aves e ovos são creditados à
(SALES, 2005).
mentos, além disso, estarão afastados das alimentação, o uso de alimentos alternati-
Para as galinhas poedeiras, que têm
aves adultas que podem transmitir alguma vos, produzidos dentro do próprio estabe-
maior necessidade de cálcio, devem-se
doença. Assim, a mortalidade diminuirá e o lecimento agrícola, é uma saída para que
manter os comedouros supridos com calcá-
desempenho melhorará substancialmente. esse tipo de atividade prospere.
rio calcítico ou farinha de ossos calcinada. Uma área de 1 m2 é suficiente para 40 Resíduos de atividade agrícola encai-
O Quadro 1 apresenta o desempenho de a 50 pintinhos. Os pinteiros podem ser xam-se perfeitamente neste propósito. A
aves criadas em sistema semi-intensivo. É construídos no próprio local ou comprados parte aérea da mandioca de mesa (cultivar
importante ressaltar que não são aves cai- no comércio (criadeiras teladas). mansa), por exemplo, é rica em proteína.
pira e sim aves mestiça, mas, os números
É possível também utilizar suas raízes,
podem ser utilizados como referência pelos MANEJO DAS AVES ADULTAS
cascas e os subprodutos da fabricação de
produtores de aves caipira.
No sistema de semiconfinamento, as farinha e fécula.
aves devem ser recolhidas ao galpão no É comum o uso de restos de culturas,
MANEJO DOS PINTINHOS
período da tarde (às 17 horas) e soltas às 10 como da batata-doce, da batata-baroa, da
A alta mortalidade de pintinhos na horas da manhã. Comedouros com farinha abóbora, de frutos como mamão, banana,
criação caipira está relacionada com o de ossos calcinada também poderão estar goiaba e outras hortaliças. Aliás, todo o
manejo, a alimentação inadequada e com disponíveis para as aves. material proveniente da horta pode ser

QUADRO 1 - Desempenho esperado para lotes de frangos de corte coloniais


semiconfinados

Peso Ganho Consumo de ração Conversão alimentar


Idade (g) Viabilidade
vivo semanal
(dias) (%)
(g) (g) Semanal Acumulado Semanal Acumulado
7 105 65 91 91 1,400 1,400 99,5
14 220 115 252 343 2,191 1,559 99,0

21 375 155 364 707 2,348 1,885 98,5

28 555 180 4.698 1.176 2,606 2,119 98,0

35 755 200 560 1.736 2,800 2,299 97,5


Viviane Assunção de Resende

42 965 210 630 2.366 3,000 2,452 97,0

49 1.185 220 686 3.052 3,118 2,576 96,5

56 1.410 225 735 3.787 3,267 2,686 96,0

63 1.630 220 784 4.571 3,564 2,804 95,5

70 1.845 215 805 5.376 3,744 2,914 95,0

77 2.055 210 826 6.202 3,933 3,018 94,5 Figura 7 - Pinteiro com comedouros e bebedouros
84 2.255 200 840 7.042 4,200 3,123 94,0 infantis e pintinhos de corte (Label Rouge)
e de linhagem poedeira (Caipira Negra)
91 2,445 190 847 7.889 4,458 3,227 93,5 com três dias de idade, limitados pelo cír-
FONTE: Gessulli (1999 apud FIGUEIREDO et al., 2001). culo de proteção

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 6 3 - 7 1 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 67 1/9/2010 10:28:13


68 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

utilizado, pois a ave caipira aproveita tanto a carne quanto a gema adquirem uma nicos e de uma profilaxia adequada.
melhor resíduos e subprodutos do que a tonalidade amarelo-forte, cor associada à O sistema de produção de aves de
ave industrial. Esses alimentos podem ser origem da ave caipira. linhagens caipira recomenda a criação
oferecidos inteiros ou triturados, depen- Os ajustes nutricionais necessários à solta e baixa densidade populacional.
dendo da quantidade e das condições de decorrentes do uso de produtos localmen- Condições menos estressantes que, pro-
armazenagem. te disponíveis devem ser feitos de modo vavelmente, promovem maior resistência.
É certo que a necessidade de fibras por que atendam às exigências das aves, sem Contudo, é preciso atenção a doenças
parte das aves é baixa, quando comparada contudo provocar aumento do custo de carenciais, inclusive o canibalismo que,
com as necessidades de outros animais. produção. geralmente, é consequência de deficiências
Logo, o consumo de vegetais é pequeno, e A opção de fazer as rações na pro- nutricionais, combinadas com desconforto
uma alimentação balanceada complemen- priedade proporciona redução de custos e térmico. Também é preciso estar atento a
tar é necessária para manter boa saúde e garante a ausência de hormônios e/ou de outras doenças como a coccidiose que,
bons índices produtivos. outras substâncias que, geralmente, fazem geralmente, surge em época de chuva e
A alimentação vegetal pode suprir de parte das rações comerciais. em galpões com muita umidade. Quando
25% a 30% das exigências nutricionais presente, a coccidiose é responsável por
das aves. SANIDADE, HIGIENE E grandes perdas de aves e, via de conse-
PROFILAXIA
A ingestão de capins, leguminosas e quência, de perdas econômicas.
outras fontes vegetais fornece vitaminas e Uma elevada mortalidade que às vezes No Quadro 2, encontram-se relaciona-
minerais às aves, conferindo-lhes resistên- ocorre em plantéis avícolas está geralmente das algumas doenças que acometem aves
cia às doenças e valorizando seus produtos; relacionada com a falta de cuidados higiê- caipira. Para as doenças de marek e bouba

QUADRO 2 - Algumas doenças que acometem aves caipira, seus agentes transmissores, prevenção, sintomas e controle
Aplicação de vacinas
Nome Transmissor Sintomas Controle
Dose Idade Modo
Bouba aviária Vírus 1a 1 a 5 dias Punção na membrana Nódulos escuros são for- Isolamento das aves doen-
(também conhecida da asa ou colocar uma mados na pele e em volta tes; retirada dos nódulos,
como varíola aviária) 2a 35 dias gota de vacina em um dos olhos, bico, crista e o que pode causar sangra-
poro, a partir da retira- barbelas. A ave apresenta mento; uso de antibióticos.
da de uma pena. dificuldade para respirar.

Bronquite infecciosa Vírus 1a 4 dias Adicionar na água do Tosse e dificuldade na Uso de antibióticos; boa
2a 4 semanas bebedouro. respiração; pulmões são alimentação e água de qua-
danificados por lesões e lidade; as aves enfermas
3a 4 meses apresentam catarro. devem ser colocadas em
4a
Após o pico outro ambiente.
de produção

Coriza infecciosa Bactéria 1a 35 a 40 dias Subcutânea no dorso Secreções nos olhos e orifí- Uso de antibióticos; isola-
2a 80 a 90 dias do pescoço. cios nasais; risco de ceguei- mento do plantel infectado
ra; inchaço da cabeça. e desinfecção do galinheiro.

Marek (também Vírus Única Ao nascer Subcutânea no dorso Tumores nos nervos, rins, Isolamento das galinhas
conhecida como do pescoço. baço, fígado e sob a pele; com sintomas.
paralisia das aves) pode ocorrer diarreia; apa-
rência de aves ofegantes.

Newcastle Vírus 1a 3 a 10 dias Ocular (no canto dos Presença de catarro; perda Desinfecção do galinheiro
2a
21 a 30 dias olhos) ou na água. de equilíbrio; andar em e separação das aves en-
círculos; pescoço torto; fermas.
3a
45 a 60 dias diarreia esverdeada; risco
4a 180 dias de morte.
Demais Anualmente

Gumboro Vírus 1a 7 a 10 dias Na água. Tristeza, anorexia, diarreia, Isolamento das aves doen-
desidratação , palidez acen- tes, desinfecção dos equi-
tuada, bolsa aumentada e pamentos.
de aspecto hemorrágico.
FONTE: Silva (2009).

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 6 3 - 7 1 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 68 1/9/2010 10:28:13


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 69

aviária, a vacinação é feita no incubatório. Délcio Resende, ocupa área total de 1 ha, ção às aves comerciais, sua carne é
Para a bouba, é necessário aplicar uma dividido em seis piquetes de 1.500 m², onde mais suculenta, tem menos gordura
segunda dose. Para as demais doenças, o as aves passam a maior parte do tempo. e um sabor semelhante ao da carne
produtor deve ficar atento ao calendário Em cada piquete foi construído um galpão de faisão e/ou de perdiz. As fêmeas
de vacinação, o qual é flexível, mas deve com capacidade para alojar 500 frangos produzem cerca de 180 ovos (casca
ser cumprido durante o período de criação dos 30 aos 90 dias de idade. Os galpões são marrom) por ano;
das aves. utilizados para o alojamento das aves nos b) Máster Griss: o frango caipira fran-
dias chuvosos, período noturno e proteção cês exótico é uma ave de grande
DESCRIÇÃO DE UM SISTEMA contra eventuais predadores. Possui tam- porte, com canelas compridas adap-
DE PRODUÇÃO DE AVES bém três pinteiros de 18 m² com 60 m² de tadas ao campo. A pele do bico e das
CAIPIRA
área de piquete cada um, o que possibilita patas é resistente, tem pigmentação
Délcio Resende, produtor rural no alojar 500 pintos até os 30 dias de idade. amarela, e a plumagem apresenta
município de Coronel Xavier Chaves, na uma mescla irregular nas cores bran-
região Campo das Vertentes, explica que Linhagens
ca, preta e marrom. Pelo seu grande
resolveu criar galinhas caipira incentivado A principal estratégia para obtenção de porte, é mais apropriado para corte;
por amigos e familiares, com a finalidade uma boa produção de aves caipira é a uti- c) Pesadão Vermelho: este frango cai-
de ter uma produção de carne e de ovos de lização de linhagens melhoradas, oriundas pira francês é vermelho-claro, apre-
boa qualidade: de galinhas caipira adaptadas ao sistema senta grande porte, peito avantajado
No mercado regional não havia uma semi-intensivo. e excelente rendimento após abate.
boa oferta desses produtos. As terras das Na granja “Caipirão do Parque”, as A cor branca aparece nas penas do
quais eu poderia dispor ofereciam boas principais linhagens de aves utilizadas são: rabo e também na extremidade das
condições de topografia, fertilidade e a) Caipira Pescoço Pelado - Label penas do corpo. O bico e as patas são
acesso fácil, além de uma ótima localiza- Rouge (Fig. 8 e 9): é uma ave rústi- amarelos e o pescoço emplumado;
ção em relação aos principais mercados ca, que se adapta a qualquer região d) Caipira Negra: ave de médio porte
consumidores (informação verbal)3.
do Brasil. É excelente tanto para a (Fig. 8 e 9) para criação em sistema
A granja “Caipirão do Parque”, esta- produção de ovos, quanto para a semi-intensivo, destinada à produ-
belecida na propriedade do produtor rural produção de carne. Em compara- ção de ovos. Possui penas pretas e

Viviane Assunção de Resende


Viviane Assunção de Resende

Figura 9 - Frango de corte Label Rouge, em destaque,


Figura 8 - Frangas das linhagens Label Rouge e Caipira Negra e frangas Caipira Negra em segundo plano

3
Relato do produtor rural Délcio Resende, em 2010.

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 6 3 - 7 1 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 69 1/9/2010 10:28:14


70 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

brilhantes, com plumas avermelha- de uma porta aberta ou de cortina substituídos por comedouros adultos e os
das na cabeça e pescoço. O bico e as aberta; bebedouros infantis por bebedouros auto-
patas também são negros. Na idade d) pintinhos uniformemente dispostos máticos. Nessa ocasião, oferta de couve
adulta, cada ave consome cerca de em círculo, comendo, bebendo, in natura é uma boa medida. Em geral, a
120 g de ração/dia e produz 280 dormindo e em silêncio, indica aceitação por parte dos pintinhos é boa. A
ovos por ano. Os ovos são graúdos conforto, ou seja, temperatura ideal cama é revolvida todos os dias para evitar
e de casca vermelha. e uniforme. a proliferação de potenciais agentes cau-
sadores de doenças, bem como o excesso
Manejo dos pintinhos Hidratação de umidade.

Será descrito o manejo dos pintinhos, Para garantir uma boa hidratação dos Manejo das aves adultas
na granja “Caipirão do Parque”, Coronel pintinhos, os bebedouros são distribuídos
As aves adultas são alimentadas com
Xavier Chaves, MG. uniformemente pelo pinteiro. No primeiro
ração e com massa verde picada três vezes
dia de vida, a hidratação é feita com uma
Temperatura solução que contenha 1 kg de açúcar e
ao dia. A água é fornecida em bebedouros
automáticos.
Os pintinhos de um dia são alojados na 100 g de sal, dissolvidos em 25 L de água
Para os frangos de corte, a ração
metade de um pinteiro, devidamente desin- fresca, que é ofertada duas horas antes do
fornecida dos 30 aos 60 dias é do tipo
fetado e esterilizado e com cortinas. O piso fornecimento da ração. Os bebedouros são
crescimento 1; dos 60 aos 85 dias é do tipo
de terra batida é forrado com serragem: lavados duas vezes por dia, visando manter
crescimento 2. Dos 85 aos 90 dias, a ração
5 cm no verão e 8 a 10 cm no inverno. Nos a água limpa e fresca.
fornecida é do tipo engorda.
primeiros 15 dias, são utilizadas lâmpadas As galinhas poedeiras recebem o mes-
Alimentação
para manter os pintinhos aquecidos e, nos mo tipo de ração que os frangos de corte
dias mais frios, utiliza-se também uma Durante os primeiros 30 dias é forneci- até os 90 dias. Continuam com a do tipo
campânula elétrica ou a gás. Como na da ração do “tipo inicial”. Nas primeiras 12 crescimento 2 até os 120 dias, quando
primeira semana os pintinhos são muito horas, a ração é distribuída acompanhando começam a ingerir a ração de pré-postura.
sensíveis a baixas temperaturas, é utilizado o círculo, e sobre um forro de papelão. No A ração de postura é fornecida assim que
um termômetro para monitoramento da dia seguinte, intercalados com os bebedou- se inicia a produção de ovos. É necessário
temperatura, visando manter o ambiente ros, são colocados comedouros infantis na o fornecimento de calcário à vontade, pre-
o mais confortável possível, evitando proporção de um para cada 100 pintinhos. ferencialmente na forma de pedrisco para
mortalidade. A temperatura ideal é de 32 ºC A cada 7 a 10 dias, deve-se regular a altura suprir a necessidade de cálcio.
na primeira semana, 29 ºC na segunda e, dos comedouros, acompanhando o cresci- As aves passam o dia soltas no pique-
em torno de 26 ºC, na terceira. Daí em mento das aves. te. É importante que os piquetes tenham
diante, manter a temperatura ambiente, é árvores para o melhor conforto térmico
Vacinação
suficiente. das aves, que, nas horas mais quentes
Observar o comportamento dos pinti- No 7o dia, é administrada a vacina con- do dia, procuram por sombra (Fig. 10).
nhos é uma maneira eficaz de verificar se tra a doença newcastle; no 9o dia, a vacina Cada piquete deve ser dividido em quatro
estão adequadamente aquecidos: contra gumboro, e, aos 30 dias, quando os piquetes menores, para se fazer a rotação
pintinhos são transferidos para o galpão de ocupação.
a) pintinhos amontoados embaixo da
definitivo, onde permanecerão por cerca de
campânula, piando e disputando Manejo das poedeiras
60 dias, é aplicada a vacina contra bouba
espaço, é sinal de temperatura baixa
aviária. Como sempre há possibilidade de A fase de produção das poedeiras
(frio);
contato com fezes dos outros lotes durante começa a partir da 18a semana de idade,
b) pintinhos dispostos nas laterais e o pastejo, cinco dias antes da transferência quando as barbelas e a crista apresen-
encostados no canto, afastados da para o galpão definitivo é feita a vermi- tam crescimento acelerado e ficam mais
campânula, é sinal de calor em fugação de todo o lote, misturando-se o avermelhadas. O pico de produção ocorre
excesso; vermífugo na ração. entre a 27a e 29a semanas, dependendo
c) pintinhos agrupados de um só lado da linhagem escolhida. Após o pico de
do círculo e próximos da campânula, Conforto térmico
produção, o porcentual de postura diminui
piando muito e disputando espaço, Após completarem 15 dias de idade, gradativamente até a 72a semana de idade,
é sinal de deficiência de calor e/ou os pintinhos são liberados para a área total quando se dá o início da mudança de penas
corrente de ar, geralmente, vinda do pinteiro. Os comedouros infantis são e as aves param de botar por mais ou menos
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 6 3 - 7 1 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 70 1/9/2010 10:28:14


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 71

superior a 2 kg. Essa etapa pode ser ter-


ceirizada, caso o volume produzido seja
insuficiente para justificar a construção de
um abatedouro próprio.
No caso da granja “Caipirão do Par-
que”, a proximidade entre a granja e o
abatedouro favoreceu a terceirização do
abate. A despesa com impostos, mão-de-
-obra e encargos é menor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Viviane Assunção de Resende


A ave caipira tornou-se um prato
culinário bastante apreciado em todo o
Brasil. É percebida como um produto de
boa palatabilidade, além de ser criada em
conformidade com o meio ambiente e em
situação mais compatível com o bem-estar
animal.
Figura 10 - Aves soltas em piquete instalado em pomar de citrus
Por ser ave rústica, capaz de suportar
melhor as adversidades climáticas e resistir
quatro meses. As aves diminuem de peso Os ovos são produtos perecíveis; por mais ao acometimento de algumas doen-
e adquirem uma aparência de franga em este motivo devem ser armazenados na ças, a ave caipira representa uma boa fonte
início de produção, mas quando retornam geladeira ou em locais muito frescos, por de renda e de alimento para a família rural,
à postura a produtividade é menor que a período de 15 a 25 dias. se a criação for bem planejada e o manejo
obtida no primeiro ciclo. Após este período O abate das poedeiras pode ser feito adequado.
o mais aconselhável é fazer o descarte, pois da mesma forma que o dos frangos, mas
a produção de ovos já não proporcionará o o produto é colocado no mercado como REFERÊNCIAS
retorno desejado. galinha caipira, pois sua carne é mais dura, ALBINO, L.F.T.; MOREIRA, P. Criação de
A luz é muito importante para a matu- em compensação, é mais saborosa. frango e galinha caipira. Viçosa-MG: UFV:
ração sexual das aves e para a taxa de pro- CPT, 2006. 198p. Acompanha 1 DVD.
dução dos ovos. Para melhorar a produção, Práticas higiênico-sanitárias FIGUEIREDO, E. A. P. et al. Criação dos
e saúde das aves frangos de corte coloniais EMBRAPA 041.
deve-se promover aumento semanal de 15
minutos no fotoperíodo diário, a partir da Os comedouros e bebedouros são la- Concórdia: Embrapa Suínos e Aves, 2001.
vados todos os dias e desinfetados a cada (Embrapa Suínos e Aves. Instrução Ténica
18a semana de idade, até atingir 16 horas
para o Avicultor, 21).
de luz (natural mais artificial). mudança de lote. A cama dos pinteiros e
Manter os ninhos cobertos por algum dos galpões é retirada imediatamente após HELLMEISTER FILHO, P. Efeitos de fatores
a saída de cada lote, evitando o contato de genéticos e do sistema de criação sobre o
tipo de proteção como capim seco, palha
desempenho e o rendimento de carcaça de
de arroz, serragem. Os ninhos devem ficar animais novos com resíduos de um lote
frangos tipo caipira. 2002. 77f. Tese (Dou-
fechados durante a noite, para evitar que mais velho. Após a retirada da cama, o chão
torado em Ciência Animal e Pastagens) –
as aves deixem a cama em má condições e as paredes são desinfetados utilizando- Escola Superior de Agricultura “Luiz de
higiênico-sanitárias, o que afetará os ovos, se ‘’lança-chamas’’ e/ou desinfetantes. É Queiroz”, Universidade de São Paulo, Pira-
que ficarão sujos, marcados ou quebrados. realizado o vazio sanitário por 21 dias. cicaba.
A proporção de ninhos deverá ser de um As aves mortas são retiradas tão logo SALES, M.N.G. Criação de galinhas em sis-
para cinco galinhas, com as dimensões de sejam identificadas e queimadas ou enter- temas agroecológicos. Vitória: INCAPER,
0,40 x 0,40 x 0,40 cm. radas em fossa apropriada, localizada fora 2005. 284p.
A maior parte da postura ocorre na da área de criação dos animais sadios. SILVA, M.V.F.da. Doenças e aplicação de
parte da manhã. Por este motivo é essencial vacinas em galinhas. São Paulo, 2009.
Abate
que se faça a coleta de ovos neste período, SILVA, R.D. de M.; NAKANO, M. Sistema
evitando que se acumulem ou se quebrem Em geral o abate é feito após 90 dias, caipira de criação de galinhas. 3.ed. Pira-
no ninho. idade em que o frango atinge peso vivo cicaba, 2001. 115p.

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 6 3 - 7 1 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 71 1/9/2010 10:28:15


72 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

Desempenho zootécnico da cunicultura


em pequenas criações familiares de Minas Gerais, Brasil
1

Renata Apocalypse Nogueira Pereira 2


Daniella Carolina Zanardo Donato 3
José Camisão de Souza 4
Cíntia de Oliveira Faria 5
Tadeu César Gomes de Azevedo 6
Simone Koprowski Garcia 7
Antônio Gilberto Bertechini 8
Marcos Neves Pereira 9

Resumo - A execução do projeto intitulado “Utilização da pele e do couro de coelho


no artesanato mineiro”, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq), surgiu como oportunidade para avaliar o
desempenho zootécnico de coelhos criados em pequenas propriedades no
município de Barroso, Minas Gerais. Nessa direção, foi estabelecido, como
objetivo, avaliar a capacidade de produção de carne de uma atividade de pequeno
porte exercida numa estrutura familiar, bem como a possibilidade de gerar alguma
renda em decorrência da comercialização de subprodutos e/ou de excedentes
de carne. A alimentação utilizada, deficiente em valor nutritivo e quantidade,
provocou impacto negativo sobre o desempenho produtivo e reprodutivo dos
coelhos. Os agricultores ofereceram aos animais, forragem, restos de horta,
frutas, mandioca, cana-de-açúcar, subprodutos do processamento de grãos e/ou
qualquer outro produto disponível na propriedade. Foram oferecidos, durante a
execução do trabalho, dois cursos/treinamento sobre curtimento da pele, ainda
assim, os produtores não se sentiram suficientemente confiantes para realizar essa
atividade sozinhos. A despeito das dificuldades observadas foi possível perceber
potencialidades na criação familiar de coelhos, tanto para a produção de carne
para autoconsumo, quanto para gerar renda, via comercialização de excedentes.

Palavras-chave: Cunicultura familiar. Pequeno Animal. Coelho.

Projeto financiado por Ciência e Tecnologia-Agronegócio/Ministério da Ciência e Tecnologia/Ministério do Desenvolvimento Agrário/Conselho


1

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CT- Agro/MCT/MDA/CNPq).


2
Zootecnista, D.Sc., Pesq. U. R. EPAMIG SM/Coordenadora Projeto CT- Agro/MCT/MDA/CNPq, Caixa Postal 176, CEP 37200-000 Lavras-
MG. Correio eletrônico:renata.nogueira@epamig.br
3
Zootecnista, Fazenda São Francisco, Caixa Postal 21, CEP 37205-000 Ijaci-MG. Correio eletrônico: dzdonato@gmail.com
4
Médico-Veterináro, Ph.D.,Prof. Associado UFLA - Depto. Zootecnia, Caixa Postal 3037, CEP 37200-000 Lavras-MG. Correio eletrônico:
jcamisao@dzo.ufla.br
5
Zootecnista, Fazenda São Francisco, Caixa Postal 21, CEP 37205-000 Ijaci-MG. Correio eletrônico: cintialavras@yahoo.com.br
6
Téc. Agrícola EMATER-MG, CEP 36205-000 Barroso-MG. Correio eletrônico: alfredo.vasconcelos@emater.mg.gov.br
7
Médica-Veterinária, D.Sc., Profa Adj. UFMG-Escola de Veterinária, Caixa Postal 576, CEP 30123-970 Belo Horizonte-MG. Correio eletrônico:
simonekg@vet.ufmg.br
8
Zootecnista, Ph.D.,Prof. Tit. UFLA - Depto. Zootecnia, Caixa Postal 3037, CEP37200-000 Lavras-MG. Correio eletrônico: bertechini@dzo.ufla.br
9
Médico-Veterináro, Ph.D.,Prof. Associado UFLA-Depto. Zootecnia, Caixa Postal 3037, CEP 37200-000 Lavras-MG. Correio eletrônico:
mpereira@dzo.ufla.br

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 7 2 - 7 7 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 72 1/9/2010 10:28:15


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 73

INTRODUÇÃO utilizados no artesanato brasileiro. A pele “Utilização de pele e couro de coelho no


é considerada ecologicamente correta, artesanato mineiro”, na cidade de Barroso,
O coelho tem um papel importante
já que os animais não são abatidos com MG, o qual foi financiado por Ciência
como fonte alternativa de alimento, par-
esse propósito, mas, sim, o de obter pro- e Tecnologia – Agronegócio/Conselho
ticularmente em países em desenvolvi-
teína de alta qualidade para a população Nacional de Desenvolvimento Científico
mento. Alta prolificidade, necessidade de
de baixa renda. Além disso, a opção do e Tecnológico (CT-Agro/CNPq).
um espaço reduzido para a criação, apro-
couro, ou seja, a pele sem pelos, faz-se Inicialmente, foram repassados, a
veitamento dos subprodutos (pele, couro,
necessária, quando o material é utilizado cada uma das dez famílias inscritas no
esterco, etc.), pequeno tamanho do animal,
em um país tropical. Programa, quatro coelhos adultos, sendo
ambiente controlado da gaiola e alimenta-
Barroso é um dos municípios que três fêmeas e um macho. Esses animais
ção à base de forrageiras, fazem do coelho
integram a microrregião do Campo das foram adquiridos no setor de cunicultura
uma escolha vantajosa para a produção de
Vertentes, cujo polo é São João del-Rei. do Departamento de Zootecnia da Ufla e
carne em nível de simplicidade.
Com uma população de 20 mil habitantes, transportados à Barroso, com o auxílio da
Programas nacionais de criação de
é a sede da fábrica de Cimento Barroso, prefeitura do município.
coelhos, principalmente na África Ociden-
a qual, 20 anos atrás, empregava 1.500 No dia da entrega, os animais foram pe-
tal, têm sido estabelecidos, objetivando a
pessoas com salários acima da média. sados e um termo de compromisso foi assi-
autossuficiência e o desenvolvimento da
Hoje, como consequência da automação, nado pela família participante, assegurando
população rural (LUKEFAHR, 1992). Na
seus empregados passam de pouco mais de que os coelhos fossem criados de maneira
mesma linha, o México, por meio do Pro-
200 e os chamados terceirizados recebem adequada, e que, no final do programa, o
grama “Paquetes Familiares”, vem incenti-
salários bem mais baixos que anterior- equivalente ao peso animal recebido por
vando a criação de coelhos em áreas rurais.
mente, resultando em queda de renda e família fosse devolvido (animal vivo ou
Nesses sistemas extensivos, domésticos ou
desemprego. Entretanto, a proximidade carcaça). Dez grupos de animais, identifi-
de subsistência, com emprego de um repro-
de Barroso a cidades turísticas, como cados em algarismos romanos, totalizando
dutor e menos de dez matrizes, a produção
Tiradentes e São João del-Rei, favorece a 40 animais, foram distribuídos às famílias
é baixa, mas os custos de produção também
comercialização de produtos gerados por associadas (Quadro 1).
são mais baixos. Os insumos, tais como
atividades familiares. Na fase inicial do programa, um ques-
alimentos e materiais para construção das
A capacitação de produtores rurais no tionário semiestruturado foi aplicado a
gaiolas, são obtidos localmente, e a mão-
aproveitamento e utilização dos subpro- essas famílias com o objetivo de traçar
de-obra familiar é formada principalmente
dutos pele e couro no artesanato local por o perfil socioeconômico e cultural, como
por mulheres e jovens, já que o tempo gasto
meio da transferência de conhecimentos, forma de caracterização dos indivíduos
é curto (10 a 18 horas por coelha/ano) e o
treinamento e assistência técnica rural, for- (COSTA, 2005).
trabalho exercido não requer força física.
necida por pesquisadores de instituições de O recebimento dos animais foi atrelado
A produção de carne de coelho no
pesquisa – EPAMIG,
‌​ Universidade Federal à construção de um alojamento individual
Brasil apresenta resultados bem módicos,
de Lavras (UFLA) – e técnicos da Empresa para os animais (Fig.1). Na ocasião, uma
quando comparada à de outras espécies.
de Assistência Técnica e Extensão Rural apostila elaborada pela coordenação do
Apesar de alguns tabus tradicionais e
do Estado de Minas Gerais (Emater-MG), projeto, constando informações sobre
sociais relacionados com essa criação, a
podem contribuir para o desenvolvimento as medidas necessárias, foi distribuída
falta do hábito de inclusão dessa carne
rural do município de Barroso. Além disso, ao grupo. Essas instalações foram, pre-
na alimentação do brasileiro pode ser
resgatar o hábito de produzir alimento de ferencialmente, construídas, utilizando
apontada como um fator importante nesse
alto valor nutricional sem competir com recursos locais. As famílias que rece-
resultado. Entretanto, ampliar a atividade
a alimentação humana; obter um produto beram os grupos de animais de número
para comercialização dos subprodutos
de origem animal de boa qualidade que III, IV, V e VIII resolveram construir um
dessa criação, e não somente para produção
pode ser consumido pelo produtor rural e galpão comunitário (Fig.2), localizado na
de carne, representa uma saída viável para
comercializado o excedente; melhorar as propriedade do proprietário do grupo III,
essas dificuldades.
condições de vida do pequeno produtor, comprometendo-se a dividir os cuidados
PROGRAMA “UTILIZAÇÃO DE por meio de um pequeno acréscimo no necessários para a atividade. A família do
PELE E COURO DE COELHO faturamento familiar também faz parte grupo VI construiu um galpão simples,
NO ARTESANATO MINEIRO” dos objetivos. com boa proteção contra o frio (Fig.3).
Com isso, foi realizado um trabalho Durante as visitas semanais realizadas
A pele e o couro de coelho são sub-
com as famílias associadas ao Programa pela equipe de coordenação, foram enfati-
produtos que podem ser amplamente
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 7 2 - 7 7 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 73 1/9/2010 10:28:15


74 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

QUADRO 1 - Famílias associadas, localização da propriedade e interesse da família no Programa


Família(1) Família(1) Família(1)
Animais
(início Localidade(2) Interesse(2) (meio Localidade(2) Interesse(2) (final Localidade(2) Interesse(2)
(Grupo)
programa) programa) programa)

I Licéia Rural Renda Licéia Rural Renda Licéia Rural Renda


extra e extra e extra e
consumo consumo consumo

II Vicente Rural Renda Magaiver Urbana Renda Magaiver Urbana Renda


extra e extra extra
consumo

III Cibele Rural Consumo e Cibele Rural Consumo e Cibele Rural Consumo e
renda extra renda extra renda extra

IV Marco Rural Renda Cibele Rural Consumo e Cibele Rural Consumo e


Antônio extra e renda extra renda extra
consumo

V D. Itel- Rural Consumo e Cibele Rural Consumo e Cibele Rural Consumo e


vina renda extra renda extra renda extra

VI D. Olga Rural Renda D. Olga Rural Renda D. Olga Rural Renda


extra e extra e extra e
consumo consumo consumo

VII Freco Urbana Consumo e Sr. Ari Urbana NI Magaiver Urbana Renda
renda extra extra

VIII Marcus Rural NI Cibele Rural Consumo e Cibele Rural Consumo e


Adriano renda extra renda extra

IX Cláudia Rural NI Igor Rural NI Cibele Rural Consumo e


renda extra

X Belmiro Rural NI Sílvio Urbana Consumo e Sílvio Urbana Consumo e


renda extra renda extra
NOTA: NI - Não informado.
(1)Nome do responsável no termo de compromisso. (2) Informações obtidas pelo questionário socioeconômico e cultural (COSTA, 2005).
Daniela Donato

Daniela Donato

Figura 1 - Alojamento individual construído, em grande parte, com Figura 2 - Alojamento simples construído para a produção comu-
material encontrado na propriedade nitária de coelhos

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 7 2 - 7 7 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 74 1/9/2010 10:28:15


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 75

zados temas sobre o manejo alimentar, a re- nente foram anotados nas fichas. Para iden- a comercialização ser de responsabilidade
produção e os cuidados gerais necessários tificação posterior desses animais, optou-se das famílias, uma viagem a Tiradentes,
para a condução da criação, além de noções por uma marcação temporária (utilizando com esse propósito, foi efetuada com a
sobre agregação de valor. Neste período, caneta de retroprojetor), fazendo-se um nú- participação da equipe de coordenação e
os animais foram pesados individualmente, mero ou um número e uma letra em ambas do proprietário do grupo III. Nessa ocasião,
utilizando-se uma balança eletrônica. Para as orelhas, reforçadas semanalmente. Esta foi explicado aos donos de restaurantes
a fase do nascimento à desmama, optou-se prática, além de simples e barata, obrigava da cidade a importância do Programa e
por pesagem total da ninhada. O acom- o contato contínuo do proprietário com os a participação das empresas de pesquisa
panhamento dos reprodutores (machos animais. envolvidas.
e fêmeas) incluiu a pesagem individual, Da mesma forma, na fase de recria e Os participantes foram unânimes em
o monitoramento do estado sanitário e o engorda realizada em baia coletiva (Fig. 4), dizer que o ingresso ao Programa estava
os animais foram pesados individualmente,
fornecimento de alimento e de água. atrelado ao interesse no aumento da
o que permitiu o cálculo do ganho de peso
As coberturas das fêmeas foram contro- renda da família e ao consumo da carne.
diário, da mortalidade e da idade ao abate
ladas pelas famílias, anotando-se na ficha Dentre as famílias associadas, apenas
efetuado quando os animais estavam entre
de controle do animal: a data da cobertura, uma não possuía experiência na criação
2,0 e 2,5 kg.
o macho utilizado, a data da colocação do de coelhos.
Um curso sobre “Curtimento Caseiro
ninho, a data do parto, o número de coelhos Entretanto, seis famílias desistiram do
da Pele de Coelho” foi promovido pela
nascidos (vivos e mortos). Na época, foi Programa, enquanto este foi implantado, e
equipe de coordenação do programa, na
recomendado que as coberturas fossem foram substituídas por novos associados. A
sede da Emater-MG, quando foram abor-
assistidas, evitando-se deixar as fêmeas dados, além da técnica, aspectos do manejo alta rotatividade das famílias prejudicou a
com o macho por um período superior alimentar ligados à reprodução, diagnosti- análise dos dados. O principal argumento
a 20 minutos. Dessa maneira, o criador cado como principal problema enfrentado da desistência foi a falta de resultados
teria certeza da realização da cobertura, pelas famílias na ocasião. Junto ao tema reprodutivos positivos. A pesagem sema-
além de evitar o cansaço desnecessário do “Agregação de valor” foram sugeridos os nal foi útil na verificação de problemas
macho e o risco de briga, comuns quando preços de venda da carcaça, de animal vivo, nutricionais envolvidos nesse baixo índice
a fêmea permanece muito tempo na gaiola de animais recém-desmamados e da pele reprodutivo. No geral, todos os animais
do reprodutor. curtida. Para estimular o consumo e ensinar mostraram perda de peso inicial. O fato de
O desmame foi realizado quando cada algumas alternativas de preparo da carne os animais terem recebido dieta comercial
filhote atingiu 500 g de peso vivo. Nesta de coelho, três carcaças, fornecidas pela peletizada antes de serem entregues às
ocasião, as mortes, o número de animais criadora do grupo VI, foram defumadas e famílias, pode ter contribuído para essa
desmamados e qualquer observação perti- degustadas pelos participantes. Apesar de perda de peso. Contudo, as fêmeas que
Daniela Donato

Daniela Donato

Figura 3 - Galpão simples construído para dar boa proteção aos Figura 4 - Recria e engorda de coelhos realizadas em baia co-
coelhos contra o frio letiva

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 7 2 - 7 7 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 75 1/9/2010 10:28:16


76 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

apresentaram bom desempenho reprodu- A média da taxa de concepção (TC) oferecidas à vontade. Nesse caso, por
tivo foram também aquelas que ganharam observada nesse sistema extensivo, foi decisão do proprietário, um período mais
peso, 14 semanas após serem entregues superior a 78% registrados em sistemas longo foi permitido antes que a fêmea
pelo Programa. Os animais que estiveram semi-intensivos (MELLO; SILVA, 1989). fosse novamente coberta pelo macho.
sob os cuidados das famílias que desis- Entretanto, o valor mais alto da TC (93%) O baixo valor da TC (57%), para os grupos
tiram do Programa foram aqueles que foi observado nas fêmeas do grupo VI, as III, IV, V, VIII e IX, pode ter ocorrido por
demonstraram perda contínua de peso, quais conseguiram recuperar o peso vivo mudanças no manejo alimentar. No início
após o período de adaptação. Sem recupe- dentro das 14 semanas após o período de do Programa, os animais receberam uma
ração do peso apresentaram dificuldades adaptação. Nesse grupo, o manejo nu- mistura caseira feita para suínos, sendo
reprodutivas. tricional adotado incluiu o uso de ração substituída posteriormente por uma ração
Os índices zootécnicos alcançados peletizada para as fêmeas lactantes, além comercial peletizada. Capim-elefante (na-
pelos sete grupos de animais estão apre- de sobras de vegetais, frutas e forrageiras. pier) foi oferecido em todas as ocasiões.
sentados no Quadro 2. Os resultados Esta dieta provavelmente contribuiu para Apesar desse baixo valor da TC, o IEP
dos três grupos restantes (II, VII e X) diminuir o intervalo entre partos (IEP) (59 foi aceitável (67 dias). O número médio
foram excluídos das análises de dados dias). A TC também foi superior (85%) de animais nascidos vivos (NV) foi maior
por terem iniciado muito tardiamente em para as fêmeas do grupo I, quando com- no grupo VI (6,6), quando comparado aos
relação aos demais. Os dados de cinco parada ao valor encontrado na literatura outros (5,87), e superior ao valor de 5,96
grupos (III, IV, V, VIII e IX), apesar de para sistema semi-intensivo (70%). Esse relatado por Lukefahr e Cheeke (1991).
pertencerem a famílias diferentes, foram valor superior pode, provavelmente, ter Animais lactantes do grupo VI ganha-
analisados em conjunto, por estarem alo- sido consequência do uso de uma mistura ram 17,16 g/dia, enquanto os do grupo
jados na mesma instalação e recebendo caseira de farelo de trigo e fubá, além da I ganharam 14,75 e, os demais, 5,93 g.
o mesmo manejo. utilização de sobras de vegetais e frutas Durante esta fase, o leite é a única fonte de

QUADRO 2 - Desempenhos produtivos e reprodutivos dos grupos de coelhos pertencentes às famílias associadas ao Projeto

Total de láparos/Ninhada/Fêmea Mortalidade do


TC Idade ao desmame
Grupo IEP (dias) DP nascimento ao desmame DP
(%) (dias)
(%)
Ao
Ao nascer DP DP
desmame

I 85.71 85 36.51 6.06 0.92 3.39 0.67 44.06 49 6.43

III, IV, V,
57.45 67 26.75 5 2.71 3 2.51 37.4 52 (1)
NE
VIII e IX

VI 92.86 59 7.33 6.56 2.26 4.5 0.41 31.4 37 8.96

Média 78.67 70.33 13.32 5.87 0.80 3.63 0.78 37.62 46.00 7.94

GPMD
Mortalidade do
TC (g) Idade ao abate
Grupo IEP (dias) DP desmame ao abate DP
(%) (dias)
(%)
Nascimento Desmame
DP DP
ao desmame ao abate

I 85.71 85 36.51 14.75 5.89 14.27 5.75 NE


(2) (2)
NE NE
(2)

III, IV, V,
57.45 67 26.75 5.93 2.86 9.42 4.11 66.67 144 NE
(1)
VIII e IX

VI 92.86 59 7.33 17.16 10.70 21.2 5.96 7 131 37.9

Média 78.67 70.33 13.32 12.61 5.91 14.96 5.92 36.84 137.50 9.19

NOTA: TC - Taxa de concepção; IEP - Intervalo entre partos; DP - Desvio Padrão ; GPMD - Ganho de peso médio diário.
(1) Não avaliado, apenas um dado. (2) Não avaliado.

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 7 2 - 7 7 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 76 1/9/2010 10:28:16


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 77

alimento para os láparos, pois a ingestão de Ganho de peso satisfatório do nasci- com mais habilidades e gosto pela produ-
alimento sólido é muito limitada. Entretan- mento ao desmame nos grupos I (15 g/dia) ção conquistaram melhores resultados e
to, a produção de leite pode ser afetada por e VI (17 g/dia) resultou positivamente em sentiram-se motivados a continuar com
vários fatores. Considerando que todos os idades mais baixas ao desmame (49 e 37 a atividade. Contudo, os resultados, a
animais adquiridos para o Programa eram dias, respectivamente), comparados aos despeito de ficarem aquém do esperado,
da mesma origem e, assim, apresentavam demais grupos. Os animais do grupo VI indicam viabilidade da criação de coelhos
pequena variabilidade genética, é possível mantiveram a tendência de maior GPMD em ambiente de agricultura familiar, tanto
concluir que o manejo alimentar adotado também na fase do desmame ao abate para produção de carne para consumo
no grupo VI surtiu efeitos positivos na (21,2 g/dia), permitindo um abate mais próprio, quanto para venda de excedentes.
produção de leite pela matriz, refletindo no cedo (131 dias), que aqueles do grupo Mesmo com as dificuldades percebidas, a
ganho de peso diário da ninhada. Lukefahr III (144 dias). Entretanto, a idade média criação familiar de coelhos representou,
et al. (2000) também relataram que 77% ao abate em países em desenvolvimento para os produtores, fonte de alimento,
dos produtores africanos, assistidos pelo foi próxima aos 120 dias (LUKEFARH; oportunidade de ocupação e renda.
Projeto Internacional Heifer, apresenta- CHEEKE, 1991), e o GPMD de 22,0 g
ram problemas no manejo alimentar dos (RASTOGI, 1988) e 14,9 g (BERCHICHE; REFERÊNCIAS
animais, resultando em reduzidas taxas de LEBAS; LAKADI, 1988). Esses autores BERCHICHE, M.; LEBAS, F.; LAKADI, D.
fertilidade e altas taxas de mortalidade dos forneceram aos coelhos dietas caseiras à Utilization of home made diets: effects on
láparos. Esses autores observaram queda base de forragem. growth performance and slaughter yield of
na produção de leite em fêmeas lactantes Após o desmame, animais do grupo Algerian local rabbits. In: WORLD RABBIT
que não estavam recebendo água à vontade, VI foram criados juntos, alojados em um CONGRESS, 6., 1996, Tolouse, France.
podendo esse fato estar associado às altas Proceedings … [Paris: WRSA, 1996]. v. 3,
galpão com piso de cimento. Isto permitiu
taxas de mortalidade registradas. A des- p. 309-313.
um gasto menor com instalações, princi-
peito da alta taxa de ganho de peso médio palmente com gaiolas galvanizadas, mas COSTA, B.A.L. P. Caracterização sócio-
diário (GPMD) do nascimento à desmama econômico e cultural de agricultores fa-
a adoção desse manejo muitas vezes au-
(17,16 g/dia), resultando em animais mais miliares participantes do projeto: Apro-
menta o risco de incidência de coccidiose
veitamento da Pele e do Couro de Coelho
desenvolvidos e mais fortes, a taxa de e, consequentemente, da mortalidade de no Artesanato Mineiro. 2005. 47f. Relatório
mortalidade próxima a 32%, no grupo VI, animais nesta fase. Contudo, a taxa de de Projeto Supervisionado - trabalho de con-
foi considerada alta para esta fase. Rasto- mortalidade do desmame ao abate desse clusão de curso (Graduação em Zootecnia) –
gi (1988) relatou taxa de mortalidade de grupo foi significantemente menor (7%), Universidade Federal de Lavras, Lavras, 2005.
22,7% do nascimento ao desmame, quando quando comparada com o grupo III (III, LUKEFAHR, S.D. Un manual para ins-
ofereceu para fêmeas em lactação dieta
IV, V, VIII e IX) (67%), os quais usaram tructores de proyectos de desarrollo para
peletizada com 16% de proteína bruta (PB) la producción de carne de conejo. Mon-
gaiolas de arame.
própria para suínos, complementada com tecillo, México: Colegio de Postgraduados,
várias espécies de capins. Taxas de morta- 1992. 133p. Heifer Project International.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
lidade também foram altas para os grupos I
_________; CHEEKE, P.R. Rabbit project de-
e III (III, IV, V, VIII e IX) – 44% e 37%, A criação de coelhos não provocou
velopment strategies in subsistence farming
respectivamente. Contudo, a mortalidade entusiasmo em todas as famílias selecio-
systems. World Animal Review, Rome,
para o grupo I poderia ter sido ainda mais nadas. Situação absolutamente normal. n.68, p.60-70, 1991.
elevada, caso não tivesse sido administrado Alguns não se sentiram à vontade criando
__________ et al. Present status of the hei-
um sucedâneo lácteo, pois algumas fêmeas coelhos, outros não se sentiram recom-
fer project international-cameroon rabbit
não produziram quantidade suficiente de pensados como esperavam e foram subs- program: back to the future. World Rabbit
leite para a ninhada. tituídos. Para alcançar melhores índices Science, v.8, n.2, p.75-83, 2000.
A média de animais desmamados produtivos, os coelhos exigem nutrição
MELLO, H. V. de; SILVA, J.F. da. A criação
observada neste Projeto (3,63) foi menor de melhor qualidade do que a ofertada, de coelhos. 2. ed. São Paulo: Globo, 1989.
que aquela relatada na África (5,87), principalmente quando criados presos, 214 p.
Ásia (5,77) e América Latina (5,29) já que nesta situação não têm a opção de
RASTOGI, R. K. Performance data from
(LUKEFAHR; CHEEKE, 1991). Mesmo conseguir algum alimento na natureza.
a rabbitry in Trinidad (West Indies). In:
o número de láparos desmamados por Com uma boa alimentação, tanto os ín- WORLD RABBIT CONGRESS, 4., 1988,
ninhada no grupo VI (4,5) ficou aquém dices produtivos quanto os reprodutivos Budapest, Hungary. Proceedings … [Paris,
ao relatado na literatura. seriam certamente melhores. Os criadores WRSA, 1988]. v. 3, p. 256-263.

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 7 2 - 7 7 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 77 1/9/2010 10:28:16


78 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

Suinocultura com foco na agricultura familiar


Aloízio Soares Ferreira 1
Francisco Carlos de Oliveira Silva 2

Resumo - O modelo produtivo de granjas é muito diversificado, existindo desde aque-


las que visam exclusivamente o sustento familiar, até os grandes projetos de produção
com milhares de matrizes em um único local ou sítio de produção. Há processos de
produção que podem ser utilizados em grandes empreendimentos, em propriedades
familiares, em sistemas de criação ao ar livre, em sistemas de produção de suínos em
lotes ou de forma escalonada, em criação de suínos em cama sobreposta e em suino-
cultura orgânica. Essa diversidade de sistemas de produção, com múltiplas possibili-
dades de adaptação, faz da suinocultura uma atividade não só complexa e de grandes
variabilidades, mas também com grandes desafios para a sua sustentabilidade e ex-
pansão. Para a implantação de novos sistemas de produção ou novos locais de início
da atividade, obrigatoriamente a logística de produção deve focar principalmente as
questões econômicas e ambientais. No caso da agricultura familiar, deve-se levar em
consideração que a atividade será mais uma dentro do sistema produtivo da proprie-
dade e, portanto, uma atividade agregadora de renda ao trabalho da família. Desse
modo, o rebanho deve ter um menor número de matrizes com um sistema organizado
em lotes de produção e, de preferência, com organização cooperativa entre várias fa-
mílias.

Palavras-chave: Suíno. Suinocultura orgânica. Sistema de produção.

INTRODUÇÃO num efetivo de 2,46 milhões de matrizes para a profissional, entre os anos 70 e 90.
(ASSOCIAÇÃO..., 2006). Somam-se, também, as crises relacionadas
No Brasil, a suinocultura passou por
A suinocultura nacional sofreu influên- não só com a produtividade, mas basica-
diversas fases. A atividade iniciou-se de
cia positiva e negativa de várias naturezas. mente com as restrições de mercado, e as
maneira extrativista, evoluindo para siste-
Podem-se destacar como positivas a intro- crises relacionadas com o surgimento de
mas semiconfinados em meados da década
dução da inseminação artificial na década outras doenças como, por exemplo, a cir-
de 1920, após o surgimento da indústria de
de 1960, a redução da idade de desmame covirose suína. Porém, mesmo com tantos
banha no sul do País. No início da década de 56 dias para 21 dias e a produção de ani- desafios, a atividade expandiu-se significa-
de 1970, com a transformação da indústria mais híbridos e melhorados geneticamente tivamente nas últimas décadas, colocando
de banha para indústria de carnes e deriva- para produção de carne em detrimento da o Brasil em destaque na produção mundial.
dos, a suinocultura brasileira deu um salto produção de gordura. Mas não se pode A suinocultura, no entanto, reserva
qualitativo, deixando de ser uma atividade esquecer das influências negativas, tais peculiaridades que merecem ser estudadas
incipiente para se tornar uma atividade de como: os desafios sanitários com a rinite e avaliadas com critério, visando sua sus-
grandes projetos e de grande importância atrófica e a pneumonia enzoótica nas déca- tentabilidade ou até mesmo um aumento de
na cadeia produtiva nacional. Assim, o País das de 1970 e 1980, a peste suína africana sua capacidade produtiva. O modelo pro-
se posicionou entre os quatro maiores pro- na decáda de 1980, a gripe suína no ano dutivo de granjas é muito heterogêneo no
dutores mundiais de carne suína, com um de 2009, bem como a transferência ou a Brasil, existindo desde aquelas que visam
abate em torno de 36,5 milhões de suínos divisão da atividade estritamente familiar exclusivamente o sustento familiar, até os

1
Eng o Agr o , D.S. Zootecnia, Prof. Tit. UFV - Depto. Zootecnia, CEP 36570-000 Viçosa-MG. Correio eletrônico: alosofe@ufv.br
2
Zootecnista, D.Sc., Pesq. EPAMIG ZM, Caixa Postal 216, CEP 36570-000 Viçosa-MG. Correio eletrônico: fcosilva@epamig.ufv.br

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 7 8 - 8 4 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 78 1/9/2010 10:28:16


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 79

grandes projetos de produção com milhares d) corte e desinfecção do umbigo; No contexto deste artigo serão tratadas
de matrizes em um único local ou sítio de e) corte ou desgaste dos dentes; questões pertinentes à produção de suínos
produção. Contrariamente ao modelo de de forma autossustentável em escala fami-
f) corte da cauda;
produção da avicultura (que também teve liar e que também pode ser uma alternativa
excepcional expansão nos últimos anos, g) fornecimento de ferro dextrano para o problema desses dejetos.
levando o País a líder mundial na pro- injetável para prevenção de anemia
dução), a suinocultura permite processos ferropriva; ALTERNATIVAS DE
diversificados de produção como: h) castração; PRODUÇÃO PARA
AGRICULTURA FAMILIAR
a) granjas de ciclo completo de produ- i) fornecimento de calor e de ração de
ção; boa qualidade.
Produção de suínos
b) granjas com produção em sítios O desmame dos leitões em mais de em lotes ou de forma
separados; 95% das granjas tem sido realizado aos escalonada
c) granjas com produção em sistemas 21 dias de idade, porém tem-se observado
A suinocultura, como qualquer outra
semiconfinados; uma tendência de mudança desta idade
atividade agropecuária, exige fluxo cons-
para 28 dias. Após o desmame, os leitões
d) granjas com produção em sistemas tante de produção. A formação de lotes
são transferidos para as creches, onde
de criação ao ar livre, etc. de produção é um requisito básico para
permanecem até alcançar peso médio de
Esta diversidade de sistemas de pro- manutenção controlada de receitas. O
25 kg.
dução, com múltiplas possibilidades de princípio básico na formação de lotes está
As fases de crescimento e terminação
adaptação (sítios de preparação de leitoas, na definição de um tamanho padrão, que
(25 aos 110 kg) podem ser realizadas
sítios de preparação de primíparas e partos garanta fluxo de produção estável, tanto
dentro da mesma granja, sítio completo na cria quanto na recria e terminação de
segregados, autorreposição de plantel,
ou em outra propriedade em sistema de leitões. Por se tratar de uma atividade ex-
compra de leitoas desmamadas ou animais
condomínios. Também, tem-se constata- tremamente dinâmica, as granjas, que no
de recria, além da diversidade nos moldes
do, em função do rendimento industrial, passado foram referenciadas por tamanho,
construtivos), faz da suinocultura uma
uma tendência de abate de animais com consideradas grandes, não possuíam mais
atividade não só complexa e de grandes
até 130 kg. do que 240 matrizes, sendo que, atualmen-
variabilidades, mas também de grandes
Entretanto, o crescimento embasado te, dentro de uma ótica industrial, essas
desafios para a sua franca expansão.
nesse sistema de produção tem sido alvo granjas são consideradas pequenas.
A suinocultura brasileira tem passado
de preocupação, principalmente no que se Por isso, para granjas com até 300 ma-
por mudanças complexas no que se refere
refere a questões ambientais, pois quando trizes, tem sido recomendado o manejo em
a sistemas, tipo e escala de produção,
esses sistemas de produção são mal pro- lotes múltiplos de sete dias (a cada 7, 14, 21
predominando a produção vertical em
jetados ou malconduzidos podem gerar ou 28 dias) ou a cada dez dias (decenais). O
grande escala.
grandes quantidades de resíduos. A falta manejo em lotes aqui denominado refere-
Assim, a produção de suínos tem sido
de um manejo adequado desses resíduos se à escala de produção que é determinada
realizada predominantemente via sistema
tem instigado os suinocultores a lançá-los pela idade dos leitões ao desmame. As
confinado, em que as matrizes de gestação
em corpos hídricos ou aplicá-los como fer- escalas de produção de 14 e 21 dias têm
são mantidas, por 35 dias (até a confirma-
tilizantes agrícolas de forma inadequada, sido pouco usadas por demandarem idades
ção da gestação), em celas de alojamento
poluindo águas superficiais e subterrâneas. de desmame de 42 dias, mas ainda existem
individual, podendo ser transferidas ou não
O manejo correto dos dejetos tem sido algumas poucas granjas com estas escalas
para baias de alojamento coletivo, onde
um dos maiores desafios que os suinocul- de produção. Quanto menor a granja, maior
permanecem até, aproximadamente, 100
tores e ambientalistas têm enfrentado nos deve ser a escala de produção. Dessa for-
dias de gestação. Após esse período são
últimos anos, em razão dos problemas de ma, granjas com o máximo de 30 matrizes
transferidas para as salas de maternidade
poluição das águas, dos custos de armaze- devem adotar a escala mensal de produção,
onde permanecem alojadas até o desmame
namento, das formas de tratamentos e do e, para essa escala, são necessários sempre
(14 a 28 dias pós-parto).
aproveitamento desses dejetos como adubo números múltiplos de cinco grupos de
Os leitões são submetidos aos manejos
orgânico na agricultura. Várias têm sido as matrizes desmamadas com, pelo menos,
de rotina, que são:
alternativas apresentadas para a redução da 28 dias de idade. Nas granjas com mais
a) acompanhamento durante o parto;
produção de dejetos e de suas substâncias de 100 matrizes deve-se adotar uma es-
b) enxugamento e limpeza dos leitões; poluidoras, bem como de seus manejos cala semanal de produção com a idade de
c) auxilio à primeira mamada; adequados na suinocultura. desmame múltipla de sete, podendo ser o
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 7 8 - 8 4 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 79 1/9/2010 10:28:16


80 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

desmame aos 14, 21 e 28 dias de idade. Já


granjas com número de matrizes entre 30 e
100 devem adotar uma escala decenal com
desmame aos 30 dias. Excepcionalmente,
as granjas pequenas com 16 até 48 matrizes
na agricultura familiar podem e devem usar
a escala de produção decenal.
A escala de produção possibilita a
criação dos animais em subgrupos dentro
de uma mesma granja, reduzindo o risco
sanitário e concentrando atividades, o que
pode levar a maiores ganhos zootécni-
cos e econômicos. A criação em lotes de
produção pode transformar a realidade
das granjas, permitindo que as pequenas
tenham maiores lotes de produção por meio

Gregório Murilo
da adaptação dos manejos reprodutivos e
dos momentos de realização das atividades
rotineiras, até alterações com adaptações na
construção. Além das alterações de desenho Figura 1 - No Sistema Intensivo de Suínos Criados ao Ar Livre (Siscal), os animais ficam
de granja, a adoção de sistemas em lotes de- soltos em piquetes com cobertura vegetal
cenais ou maiores que duas semanas pode
exigir o ingresso de leitoas de reposição
nas fases de reprodução, na maternidade a) matrizes gestantes, secas e varrões
com idades diferentes ou pode-se lançar
e na creche (Fig. 2). Há também a possi- (Fig. 4 e 5);
mão da opção de suprimento com animais
bilidade de criação dos animais nas fases b) matrizes lactantes e leitões em alei-
já gestantes (BRANDT; LIMA, 2005).
de crescimento e terminação em sistema tamento;
Para novos sistemas de produção ou
de semiconfinamento. No interior dos
locais de início da atividade, obrigatoria- c) varões;
piquetes são colocadas cabanas móveis
mente a logística de produção deve focar d) leitoas de reposição;
com estruturas de madeira cobertas com
principalmente as questões econômicas e
chapas galvanizadas do tipo iglu ou até e) leitões em creche.
ambientais. No caso da agricultura fami- mesmo abrigos rústicos com cobertura de
liar, deve-se levar em conta que a atividade São confinados apenas os animais que
palha (Fig. 3). Além dessas estruturas de estão nas fases de crescimento e termi-
será uma a mais dentro do sistema produ- proteção dos animais, há a necessidade
tivo da propriedade e que, portanto, será nação.
de fornecimento de áreas de sombra para
mais uma agregadora de renda ao trabalho A área dos piquetes deve ser definida
prevenir contra queimaduras de pele. A
da família. Por isso, nesses casos o rebanho pela taxa de lotação, topografia do terreno,
água e o alimento devem ser fornecidos
deve ter um menor número de matrizes clima, vegetação e tamanho dos grupos ou
em locais apropriados (de alvenaria), para
com o sistema organizado em lotes de lotes. Assim, na prática, têm sido recomen-
evitar desperdícios e mal aproveitamento
produção e de preferência com organização dados de 500 a 900 m2/matriz, principal-
dos alimentos, bem como doenças.
cooperativa entre várias famílias. mente em função da cobertura vegetal e das
Normalmente, os animais permanecem
neste sistema até atingir de 25 a 30 kg de condições climáticas da região.
Produção de suínos ao Para cobertura vegetal, tem sido re-
peso corporal e, após, são vendidos para
ar livre comendado o capim-quicuio, pensacola,
terminadores (podendo ser criados dentro
No Sistema Intensivo de Suínos Cria- do próprio sistema). Como os animais são pangola e tifton 85 (LEITE, 1996) e,
dos ao Ar Livre (Siscal) (Fig. 1), também mantidos em piquetes, livres e em menores se possível, com algumas leguminosas.
denominado plein air, os suínos são quantidades, a água de limpeza e os trata- Campos nativos e algumas espécies de
mantidos em piquetes cobertos com vege- mentos de dejetos são dispensáveis. forrageiras adaptadas podem e devem ser
tação, cercados com fios ou telas de arame No Siscal, os suínos são alojados em pi- utilizadas, visto que o objetivo principal
eletrificados com corrente alternada em quetes específicos de acordo com a função da cobertura vegetal é proteger o solo e
dois ou três fios até uma altura de 60 cm, do animal dentro do sistema de produção: proporcionar o bem-estar animal.
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 7 8 - 8 4 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 80 1/9/2010 10:28:17


Gerson Fausto Silva Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 81

Gerson Fausto Silva


Figura 2 - Piquete maternidade cercado com três fios eletrificados Figura 3 - Abrigo rústico coberto de palha
Gerson Fausto Silva

Gerson Fausto Silva

Figura 4 - Matrizes gestantes soltas em piquetes com boa cober- Figura 5 - No Siscal, o varrão também pode ser mantido solto
tura vegetal e abrigo de alvenaria em piquetes
NOTA: SISCAL - Sistema Intensivo de Suínos Criados ao Ar Livre.

Os animais devem ser introduzidos nos Sistema Confinado (Siscon), verificou que das matrizes e dos leitões. É importante
piquetes após a cobertura vegetal estar am- o número de leitões desmamados por parto agregar a essas informações, que o Siscal
plamente estabelecida, sendo recomendada e o peso médio dos leitões ao desmame oferece melhores condições de conforto
a ocupação rotativa. com 28 dias foram maiores no Siscal do aos animais.
Este sistema de produção tem-se mos- que no Siscon. Este pesquisador atribui os Os dados que constam no Quadro 1
trado amplamente viável no Brasil. Dalla melhores resultados do Siscal às melhores evidenciam que, no Siscal, os resultados
Costa (1994), ao comparar o Siscal com o condições ambientais e de alojamento econômicos são melhores, por causa dos
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 7 8 - 8 4 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 81 1/9/2010 10:28:26


82 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

menores custos fixos e variáveis, além de ximadamente, 8 mil dólares, ou seja, cerca do custo das instalações de crescimento
melhores índices técnicos como maior nú- de R$ 14.700,00 e mais um investimento e terminação em alvenaria e em área de
mero de leitões desmamados/porca/ano e inicial de cerca de R$ 10 mil em animais. piquetes para os animais nestas fases. Por-
maior peso médio dos leitões à desmama. É Estes dados, atualizados (Quadro 1) foram tanto, o custo do investimento será menor
interessante observar que, neste estudo, as obtidos por Dalla Costa (1994). tanto em instalação quanto em área.
condições do meio ambiente, as condições Além desses investimentos há também Em síntese, pode-se inferir que o Siscal
sanitárias e de alojamento proporcionaram a demanda de, aproximadamente, 112 tone- constitui alternativa para os criadores que
melhores produções, uma vez que não hou- ladas de ração por ano e uma área de 8 mil queiram ingressar na atividade da suinocul-
ve diferença no material genético utilizado metros quadrados em sistema de produção tura familiar ou para os que desejam inte-
e na qualidade da alimentação. de leitões e 16 mil metros quadrados em grar e diversificar sua propriedade. Além
Comparando diferenças genéticas e sistema de ciclo completo para instalação disso, o Siscal pode oferecer facilidades
ambientais, vale lembrar que a China, dos animais. aos criadores, em função do baixo custo
maior produtora mundial de carne suína, O Siscal com esta base, se bem ma- de implantação e manutenção, do número
investe mais na diversificação genética e nejado, pode proporcionar a agregação reduzido de edificações, da simplicidade de
bem-estar dos animais do que na especia- de, aproximadamente, R$ 1.700,00 por implantação do sistema, da mobilidade das
lização genética em sistemas de confina- mês na renda familiar, considerando uma instalações, do bom desempenho técnico
mento, como ocorre no Brasil. Segundo rentabilidade média de 20% sobre a pro- e, sobretudo, por promover condições de
Cerri (1999), mais de 80% da suinocultura dução e o preço atualmente praticado em conforto e bem-estar aos animais.
chinesa é desenvolvida em pequenas gran- Minas Gerais (R$ 2,70/kg de suíno vivo).
jas de origem familiar, com média de dez O sistema permite produzir 30 terminados Suinocultura orgânica
matrizes por propriedade. O segredo do por mês com 106 kg cada um deles aos O produto orgânico tem valores agre-
sucesso dos chineses pode estar relacio- 160 dias de idade (memória de cálculo: gados que permitem a sua comercialização
nado com a criação em sistema familiar e 106x30x2,70 = R$ 8.586,00). com maior margem de lucro, visto que, ge-
com o número de raças nativas de suínos O Siscal poderá ter maior rentabilidade ralmente, é demandado por consumidores
utilizado nos sistemas de produção, pois (40% do total da produção), se a tarefa com maior poder de compra. No Brasil,
são usadas mais de 40 raças. for dividida entre famílias agregadas em existe uma demanda não atendida nos
A implantação do Siscal, como mais sistema cooperativo para compartilhar grandes centros urbanos por carne orgânica
uma atividade no processo de produção em responsabilidades. Nesses casos, a família de suínos, e no País existe apenas um re-
escala familiar, demanda poucos investi- responsável pela produção de leitões co- banho preparado para receber certificação
mentos. Como exemplo, pode-se citar um mercializará por mês em torno de 30 leitões de orgânico pelo Ministério da Agricul-
sistema com 16 matrizes e um reprodutor com 25 kg cada, ao preço de R$ 150,00, tura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
em escala de produção decenal com 30 com a agregação mensal de R$ 1.800,00. A suinocultura orgânica pode-se tornar
terminados por mês, que demanda um in- Dessa forma, serão necessárias apenas 31 uma realidade no Brasil, a partir da criação
vestimento inicial em instalações de, apro- toneladas de ração por ano e ficarão livres de suínos em pequena escala, via agricul-
tura familiar.
QUADRO 1 - Indicadores econômicos para Sistema Intensivo de Suínos Criados ao Ar O conceito de suinocultura orgânica
Livre (Siscal) e Sistema Confinado (Siscon) com 16 matrizes em escala envolve a origem do animal, o tipo de
de produção decenal alimento usado, o uso de fitoterápicos, o
Siscal Siscon Siscal não-uso de quimioterápicos e o bem-estar
Itens
(1995) (1995) (2010) animal. Implica, ainda, na possibilidade de
Custos fixos médios/kg de porco produzido (em dólares) 0,12 0,33 0,15 uso de tecnologias adequadas e modernas,
Custo variável médio/kg de porco produzido 0,96 1,32 1,17 tais como, inseminação artificial e animais
híbridos, com alto potencial genético cria-
Custo total médio/kg de porco produzido 1,08 1,64 1,32
dos para tal finalidade (exemplo: animas de
Custo total das instalações 4.990,83 11.160,15 7.935,33 C40 da linha A, produzida e comercializa-
Custo por matriz alojada 311,93 697,51 499,08 da pela Topics do Brasil ou até mesmo com
Número de partos/porca por ano 2,24 2,31 2,31
C50 produzida e animais de raças chinesas
e Wessex na Holanda).
Número de leitões desmamados aos 28 dias/por parto 9,20 8,80 10,50
A alimentação dos animais deve conter
Peso do leitão ao desmame 10,50 8,80 11,00 pelo menos 60% de grãos e/ou de outros
FONTE: Dados básicos: Dalla Costa (1994). produtos orgânicos (cana-de-açúcar e mi-
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 7 8 - 8 4 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 82 1/9/2010 10:28:27


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 83

lho inorgânico germinado). Além disso, Criação de suínos em Contudo, esse sistema requer alguns
não se podem usar produtos ou subpro- cama sobreposta cuidados, quando da construção das edifi-
dutos de origem animal nas dietas, leite O Sistema de Produção de Suínos em cações, tais como:
integral ou desnatado em pó (resíduo) e Cama Sobreposta, também conhecido por a) maior altura do pé-direito e maior
plasma sanguíneo na primeira fase de deep bedding, foi desenvolvido para ser ventilação;
criação dos leitões. Estes dois produtos um sistema alternativo aos convencionais b) maior disponibilidade de água;
constituem alternativas aos antibióticos. de produção. Caracteriza-se por apresentar
A cana-de-açúcar, produzida de forma c) disponibilidade de material de boa
menor custo de implantação, maior faci-
orgânica, deve ser usada para porcas em qualidade para a cama, como mara-
lidade no tratamento dos dejetos, menor
gestação, como forma de reduzir a quanti- valha, casca de arroz, palha ou feno;
poder de poluição e proporcionar maior
dade de milho nas dietas. conforto e bem-estar aos animais. d) animais oriundos de um plantel de
Deve-se usar, continuamente, uma No sistema de criação em cama so- matrizes com bom status sanitário.
combinação de fitoterápicos fornecidos breposta, os animais são mantidos em Existe um modelo de sistema de
de forma controlada para os animais em edificações com piso de cimento (ou até produção em cama sobreposta em baixa
todas as fases. Os fitoterápicos usados são: mesmo de chão batido), por cima do qual escala com 25 terminados a cada dez dias
a) alecrim como antifúngico; são colocadas camadas de maravalha, e criação de animais apenas nas fases de
palha, casca de arroz ou casca de café. crescimento e terminação, concebido para
b) bálsamo ou babosa como cicatrizan-
Os dejetos passam por um processo de
tes e anti-inflamatórios; a agricultura familiar e implantação em
compostagem durante o período em que
c) boldo como digestivo e protetor pequenas propriedades (DALLA COSTA
o animal é mantido sobre a cama. Este
hepático; et al., 2006). As edificações para esse mo-
sistema visa reduzir os investimentos em
delo são construídas com o uso de madeira
d) mastruz como vermífugo; edificações, minimizar a poluição e valori-
rústica, que é de baixo custo, e a cama é
e) terramicina vegetal como antibióti- zar o composto final como adubo orgânico.
colocada sobre o piso de chão batido. O
co natural; Neste sistema de produção de suínos, o
manejo e o tratamento dos dejetos ocorrem modelo proposto possibilita a redução
f) couve como laxativo;
dentro das edificações. Essa prática resulta significativa dos custos de implantação,
g) melissa e cidreira como calmantes; em um resíduo final, cuja concentração de dos riscos de poluição ambiental e dos pro-
h) carqueja como diurético; nutrientes foi significativamente maior, blemas com os odores, quando comparado
i) talo ou a folha da bananeira como quando comparada à do dejeto obtido no com o sistema convencional, e viabiliza a
antidiarreicos; sistema convencional. Veja composição produção de um adubo orgânico de boa
no Quadro 2. qualidade e de fácil manuseio.
j) alho incorporado à dieta como pro-
Chiucchetta e Oliveira (2002) conside- A manutenção desse sistema requer a
motor de crescimento e antibiótico
raram que o composto gerado no sistema formação de um consórcio entre produto-
natural;
de produção em cama sobreposta, por sua res de leitões e terminadores. Isto pode ser
k) Cambarazinho como antipneumôni- maior concentração de nutrientes, possui incentivado para a agricultura familiar a
co e antigripal. viabilidade econômica como fertilizante, partir do associativismo entre os produtores
Para viabilizar um projeto de suinocul- quando transportado até uma distância de leitões em sistemas de criação orgânica
tura orgânica com conceitos de bem-estar de 7 km, enquanto que o dejeto na forma de suínos ou ao Siscal, apresentado an-
animal, deve-se adotar o Siscal, conforme líquida, produzido nas granjas com animais teriormente, e outros terminadores. Para
apresentado anteriormente, para a agricul- confinados, só é viável a uma distância cada dez famílias produtoras de leitões são
tura familiar. Pode-se montar uma estrutura máxima de 2 km. necessárias mais quatro terminadoras.
cooperativa entre 15 famílias, sendo uma
com o rebanho de matrizes contendo 32
QUADRO 2 - Composição de dejeto de suínos em função do sistema de produção
avós, outra com dez produtoras de leitões
Nutriente
e quatro terminadoras. Um projeto estabe- Matéria seca (MS) (kg/t)
Sistema de produção Tipo de dejeto
lecido dessa forma pode ser implantado em (%)
N P205 K2O
uma área compreendida num raio de 7 km,
Convencional Dejetos líquidos 1,6 2,2 0,6 0,9
para viabilizar o uso dos dejetos na produ-
ção do milho, da cana e dos fitoterápicos Cama sobreposta Cama de maravalha 43,4 8,7 7,2 11,7
necessários para a suinocultura orgânica. FONTE: Dados básicos: Oliveira, Menes e Nunes (2001).

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 7 8 - 8 4 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 83 1/9/2010 10:28:27


84 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

Os terminadores com um investimento em caráter familiar, que historicamente DALLA COSTA, O.A. Índices técnicos e
de cerca de R$ 8 mil, em dez galpões de se formou em torno dessa atividade, pode econômicos de sistemas de criação de suí-
madeira e com a necessidade de 178 to- nos ao ar livre e confinado. 1994. 88f. Tese
voltar a ser o pilar de sustentação do setor
(Mestrado em Zootecnia) – Universidade
neladas de ração por ano, podem ter uma suinícola no Brasil. Como exemplo de
Federal de Viçosa, Viçosa, MG, 1994.
lucratividade de R$ 2.900,00 por mês, se o políticas voltadas para isso, pode-se citar
lucro for de apenas 13,5% sobre a produ- _______. et al. Sistema Alternativo de Cria-
o Programa de Estímulo à Produção de
ção de Suínos em Cama Sobreposta para
ção. Memória de cálculo: 106x75x2,70 = Carne Suína de Qualidade, denominado
Agricultura Familiar. Concórdia: Embrapa
R$ 21.465,00. “Projeto de criação de suínos saudáveis: Suínos e Aves, 2006. 7p. (Embrapa Suínos e
uma alternativa para a agricultura fami- Aves. Comunicado Técnico, 419).
CONSIDERAÇÕES FINAIS liar”, coordenado pelo Instituto Biológico,
CHIUCCHETTA, O.; OLIVEIRA, P.A.V. Va-
Vários fatores têm alterado o perfil da da Secretaria de Agricultura do Estado de riação cambial e sua influencia na utiliza-
atividade suinícola no Brasil, sendo que a São Paulo. ção agronômica dos dejetos suínos sólidos
escala de produção e a pressão ambiental como fertilizantes. In: CONGRESSO LATI-

merecem destaques especiais. A legislação REFERÊNCIAS NO AMERICANO DE SUINOCULTURA,


1.; CONGRESSO DE SUINOCULTURA DO
ambiental tem exigido cuidados cada vez ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚS- MERCOSUL, 3.; CONGRESSO DA ALVEC,
maiores do suinocultor, em relação à ati- TRIA PRODUTORA E EXPORTADORA DE 9., 2002, Foz do Iguaçu. Anais... Concórdia:
vidade que é considerada potencialmente CARNE SUÍNA. Relatório ABIPECS 2006. Embrapa Suínos e Aves, 2002. p.293-294.
São Paulo, 2006. Disponível em: <http://
poluidora, e isto tem inibido a expansão da LEITE, D.M.G. Manejo da cobertura vege-
www.abipecs.org.br/uploads/relatorios/
atividade nas pequenas propriedades. Em tal em Siscal. In: SIMPÓSIO SOBRE SISTE-
relatorios-associados/abipecs_
contrapartida está a escala de produção que relatorio_2006_pt.pdf>. Acesso em: 20 jul. MA INTENSIVO DE SUÍNOS CRIADOS
sutilmente tem mudado o perfil do suino- 2008. AO AR LIVRE – SISCAL, 1., 1996, Concór-
cultor, tornando-o um grande produtor. dia. Anais... Concórdia: EMBRAPA-CNPSA,
BRANDT, G.; LIMA, I. Novidades no mane- 1996. p.58-61.
O aumento de plantel tem sido motivado
jo reprodutivo da leitoa: experiência do 4o
pela necessidade, não de aumentar ganhos, sítio. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL
OLIVEIRA, P.A.V.; MENES, G.L.; NUNES,
mas simplesmente de mantê-los, visto que M.L.A. Viabilidade técnico-econômica da
DE AVES E SUÍNOS - AVESUI, 4., 2005,
produção de suínos em cama sobreposta.
a lucratividade tem sido cada vez menor. Florianópolis. Anais... Concórdia: Embrapa
In: SIMPÓSIO SOBRE MANEJO E NUTRI-
Assim, a atividade suinícola poderá ser, Suínos e Aves, 2005. p.68-71.
ÇÃO DE AVES E SUÍNOS E TECNOLOGIA
mais uma, fadada ao insucesso, se políticas CERRI, C. O desconforto da modernidade. DA PRODUÇÃO DE RAÇÕES, 2002, Cam-
governamentais e incentivos não forem Globo Rural, Rio de Janeiro, ano 14, n.165, pinas. Anais... Campinas: CBNA, 2002.
dados ao setor. O incentivo à produção p.44-50, jul. 1999. p.89-102.

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 7 8 - 8 4 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

artigo 9-256.indd 84 1/9/2010 11:22:17


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 85

Importância do Plano de Negócio


para a empresa rural familiar
Fabrício Molica de Mendonça 1

Resumo - O Plano de Negócio é uma oportunidade para que o gestor da empresa


rural familiar analise o seu negócio, desde a concepção da ideia até a execução
do Plano. Sua estrutura é composta pelo resumo executivo, missão, descrição do
empreendimento, comercialização, plano de marketing e plano financeiro. Envolve
todas as variáveis que representam os desafios e oportunidades de sucesso do
negócio, tais como: mercado; produtos/serviços; fontes de captação de recursos;
formas de aplicação de recursos; receitas; custos variáveis e fixos. A interação
dessas variáveis resulta no fluxo de caixa relevante, em que são registradas todas as
entradas e saídas de recursos. A aplicação de métodos determinísticos de avaliação
é importante para perceber a viabilidade do negócio.

Palavras-chave: Agricultura familiar. Administração. Plano operacional. Plano


financeiro. Propriedade rural. Produção animal.

INTRODUÇÃO GUANZIROLI, 2003), por outro, acabam No entanto, essas alternativas de pro-
dificultando o desenho de um plano capaz dução e renda, seja em consequência da
O Plano de Negócio é um instrumento
de explicitar os conhecimentos do proprie- complementaridade ou apenas da diversifi-
básico de planejamento operacional que
tário. Como consequência, muitos negó- cação, acabam confundindo o proprietário
subsidia o processo de tomada de decisão
cios surgem apenas com base em intuições, em relação ao foco do seu negócio. Isso
em relação a um empreendimento, a uma
sem estrutura e sem visão de futuro. faz com que se perca muito tempo em
avaliação do desempenho e a uma correção
Em sistemas produtivos da agricultura atividades operacionais, voltadas para dar
de rumo e ajuste nos negócios. Por meio
familiar que envolvem a produção de ani- uma solução imediata a um determinado
desta ferramenta, é possível planejar e
decidir o futuro do negócio, avaliar sua mais, a diversificação e a complementari- problema que surge, do que no desenvol-
situação em relação à concorrência, aos dade são bastante comuns (WILKINSON, vimento de estratégias de negócio e de
clientes e ao mercado, identificando riscos 1997). Por exemplo, os resíduos da produ- parcerias para tornar os processos mais
e criando alternativas para a minimização ção de hortaliças podem ser utilizados para eficientes e as atividades rentáveis dentro
de seus efeitos sobre a empresa (BANCO complementar a alimentação de galinhas da propriedade.
DA AMAZÔNIA, 2006?). caipira e coelhos. Das galinhas, pode-se Ao optar pela produção de leite, o
A diversidade e a complementaridade vender ovos e carne. Dos coelhos, além da proprietário rural já sabe onde adquirir o
das atividades de uma propriedade rural carne, pode-se vender o couro. O esterco gado e para quem vender o leite; da mesma
familiar dificultam a utilização do Plano dos animais, depois de curtido, pode ser forma, o produtor de coelho já sabe onde
de Negócio pelos proprietários. Se por um vendido ou utilizado para adubação das adquirir as matrizes e para quem vender a
lado a diversificação e a complementarida- áreas cultivadas. A manutenção de uma carne e o couro, e o produtor de ovos caipi-
de são alternativas para a melhor ocupação boa área de pastagem pode contribuir ra já sabe onde comprar as matrizes e para
dos recursos produtivos da propriedade, para a diminuição dos custos com ração, quem vender os ovos. No entanto, apenas
aumento de renda, redução dos riscos e os bezerros machos podem ser criados e essas informações não são suficientes para
e incertezas (BUAINAIN; ROMEIRO; engordados para venda de garrotes. garantir, ao proprietário rural, um negócio

1
Adm. Empresas, Dr. Engenharia Produção, Prof. Adj. UFSJ - Depto. Ciências Administrativas e Contábeis, CEP 36301-160 São João del-Rei-
MG. Correio eletrônico: fabriciomolica@yahoo.com.br

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 8 5 - 9 1 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 85 1/9/2010 10:28:28


86 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

consistente. Há outras oportunidades de O plano deve ser avaliado com base o negócio será conduzido (SIEGEL et al.,
negócio, associadas ao negócio principal, em premissas objetivas e realistas (ROSA, 1993), examinando a propriedade rural
que devem ser planejadas, para que o 2009): sob os aspectos mercadológico, financeiro
empresário rural não perca dinheiro com e operacional, além de abordar questões
a) a abertura de um negócio: como
tratamento de resíduos, com descartes de relacionadas com mercado, clientes, for-
no caso de optar pela produção de
animais e com perda de oportunidades de necedores e concorrentes.
coelhos para atender à demanda de
mercado. Por exemplo, um produtor de Por exemplo, se a opção do negócio
restaurantes em uma região turísti-
leite tem que optar em vender todos os for pela produção de leite, o plano deverá
ca;
bezerros machos, ou então, trabalhar na fornecer informações a respeito do melhor
produção de garrotes. Um produtor de b) a expansão de um negócio: como, tipo de gado para leite na região; o tipo de
carne de coelho pode optar por vender o por exemplo, para aumentar a pro- pastagem apropriada; o manejo das pasta-
coelho vivo ou a produção de carne e couro dução de ovos caipira para atender gens; o manejo do rebanho, etc. Se a opção
curtido. Com relação à galinha caipira, o a um nicho de mercado, em um for para produção de carne de coelho, será
negócio pode envolver a venda da ave viva, determinado tempo; necessário analisar as espécies; o tempo e o
da ave abatida (inteira ou em pedaços) e c) o arrendamento de um terreno e o volume de produção; o manejo confinado,
de ovos, ou a produção de pintinhos para investimento em pastagens: para etc. Se a opção for para produção de ovos
abastecer os criadores. No caso do abate ampliar a produção de leite; caipira, será necessário escolher a raça de
das aves na propriedade rural, algumas d) a aquisição de mobiliário e utensí- galinha mais adequada para produzir ovos
vísceras e o esterco podem ser utilizados na lios de cozinha: para implantação de com boa aceitação no mercado; o tipo
produção de adubo orgânico, que pode ser um restaurante de comida típica; de alimentação apropriado; os cuidados
vendido ou utilizado nas áreas cultivadas. e) o descarte de resíduos da produção, necessários, etc.
O Plano de Negócio é, portanto, uma como no caso da suinocultura: para A partir dessas informações, o gestor
importante ferramenta para subsidiar a adequação à legislação ambiental; deverá buscar respostas para outras ques-
tomada de decisão em atividades da agro- tões, tais como:
f) a situação atual de um negócio: para
pecuária, especialmente nas propriedades
estabelecer controle ou desenvolver a) relevância desse negócio associada
familiares.
estratégias de mudança de rumo, ao tamanho do mercado e à capaci-
Este artigo tem por finalidade mos-
como no caso do produtor de carne dade de produção;
trar, aos produtores rurais familiares da
produção animal, a importância do Plano de coelho que deseja desenvolver b) tamanho do mercado concorrente;
de Negócio como instrumento diário de estratégias mercadológicas para c) diferença do produto em relação aos
gestão, capaz de contribuir para o aumento introduzir o produto no mercado. concorrentes e formas alternativas
do lucro e da riqueza da propriedade en- Um Plano de Negócio deve ser mon- de agregar valor e obter um ganho
volvida na criação de animais. tado de maneira que todas as informações extra;
sejam disponibilizadas ao interessado, de d) custo de produção e formas alterna-
PLANO DE NEGÓCIO NA forma objetiva, concisa e dentro de for- tivas de redução desse custo, seja
EMPRESA RURAL FAMILIAR mulários exigidos, uma vez que, segundo por meio da produção de insumos
O Plano de Negócio é um documento Siegel et al. (1993), serve a três propósitos: seja por meio do manejo;
que descreve os objetivos de um negócio instrumento de planejamento, instrumento e) confronto entre custo e receita, re-
e os passos necessários para que esses de controle e instrumento de captação de lacionado com o preço de mercado
objetivos sejam alcançados, diminuindo recursos. dos produtos;
os riscos e as incertezas (ROSA, 2009).
Deve conter informações gerenciais, Plano de Negócio f) fontes de obtenção de recursos e
como instrumento de seus custos para investimentos e
plano socioambiental e plano econômico-
planejamento na empresa para capital de giro.
financeiro (BANCO DA AMAZÔNIA,
rural familiar
2006?). Trata-se de um instrumento de pla-
Plano de Negócio como
nejamento operacional capaz de subsidiar o O Plano de Negócio é compreendido
instrumento de controle e
processo de tomada de decisão que envolve como função inicial do processo de gestão
avaliação das atividades
todas as etapas de um negócio, ou seja, a de negócio, ou seja, é a base da organiza-
implantação, a avaliação do desempenho, ção para que o proprietário da empresa O Plano de Negócio permite que o
a correção de rumo e os ajustes desse ne- rural familiar atinja seus objetivos. São desempenho da atividade seja mais bem
gócio (MENDONÇA, 2010). desenvolvidas ideias a respeito de como avaliado ao longo do tempo. O acompanha-
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 8 5 - 9 1 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 86 1/9/2010 10:28:28


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 87

mento do Plano também ajuda a identificar ELABORAÇÃO DE UM PLANO sensação de entusiasmo e importância.
se os objetivos e as ações propostos foram DE NEGÓCIO Por isso, deve cobrir as áreas funcionais
executados. As projeções financeiras apre- O Plano de Negócio é composto por
relevantes, transmitindo as ideias básicas
sentadas no Plano servirão de parâmetro e destaques de cada uma (BANCO DA
várias seções que se relacionam e permitem
para avaliar se o orçamento previsto está AMAZÔNIA, 2006?).
um entendimento global do negócio. Para
sendo executado. Caso sejam identificados isso, há diversas publicações que sugerem
Em se tratando de resumo, deverá ser a
desvios entre o desempenho previsto e última parte a ser escrita, uma vez que en-
modelos, alguns mais complexos, outros
o real, poderão ser adotadas medidas de volve o fornecimento de destaques do Pla-
mais simples. A adoção de um modelo
correção para que os resultados sejam no, seção por seção. Pode focalizar todas
depende do nível de detalhamento exigido
alcançados (SALIM et al., 2005). ou quase todas as áreas funcionais, incluin-
pelo negócio. Por exemplo, a produção de
Para exemplificar, imagine que o preço do perfil do produto, plano de marketing e
leite para venda requer um modelo mais
do leite caia significativamente em um comercialização, plano operacional e plano
simples, enquanto a criação de coelhos
financeiro. Pode ser escrito em um único
determinado período. Essa queda poderá confinados para produção de carne e couro,
ou mais parágrafos, contendo inclusive
trazer prejuízo para os produtores rurais, a produção de ovos caipira ou o descarte
algumas tabelas. Tudo depende da intenção
caso o Plano de Negócio não seja readap- de galinhas após período útil de postura
do Plano (SALIM et al., 2005). Por exem-
tado. O produtor, nesse caso, pode fazer podem ser feitos por modelos mais comple-
plo, um resumo executivo, voltado para
alterações, a fim de transformar o leite xos. Neste trabalho, a estrutura proposta foi
o congelamento e distribuição de galinha
em algum outro produto de maior valor adaptada dos estudos de Pavani, Deutscher
caipira, pode conter informações como: a
agregado, como doces caseiros e queijos, e López (1997), em virtude da simplicidade
empresa familiar e rural Kadiru produz e
até que os preços se restabeleçam. e da praticidade apresentadas. A estrutura
distribui ovos caipira para o mercado local.
do Plano de Negócio será dividida em:
Atualmente, enfrenta problemas relacio-
Plano de Negócio como
a) resumo executivo; nados com o descarte de galinhas que já
instrumento de captação
b) missão; encerraram a postura. Por isso, esse Plano
de recursos
c) descrição do empreendimento; de Negócio tem por finalidade apresentar
O Plano de Negócio tem sido o do- um estudo de viabilidade econômica de
d) mercado e comercialização;
cumento mais utilizado por instituições implantação de um abatedouro de aves,
financeiras para liberação de linhas de e) plano de marketing e vendas; incluindo congelamento e distribuição.
crédito. Além de demonstrar sua viabili- f) plano financeiro. A região conta com 150 restaurantes de
dade econômica e financeira, o Plano deve comida mineira, espalhados em cinco
Resumo executivo municípios que compram galinhas para a
apresentar indicadores de mercado e a
capacidade interna de a empresa alavancar O resumo executivo é uma versão produção de canjas e sopas. Por meio de
resultados no futuro (ROSA, 2009). condensada do Plano de Negócio. Se uma pesquisa de mercado, concluiu-se que
Imagine que o produtor de ovos cai- for apresentado para um cliente, deverá há potencial para venda de 800 galinhas
pira queira aproveitar a oportunidade de mostrar o produto/serviço e os benefícios congeladas por mês. Os produtos caipiras
que este plano irá trazer. Se for para um congelados têm conquistado cada vez mais
negócio de uma região e resolva descartar
investidor/financiador, deverá demonstrar espaço e estão longe de ser supridos, uma
suas galinhas nesse mercado. Para isso,
a viabilidade do negócio e as expectativas vez que a oferta é reduzida.
precisará de equipamentos para formali-
de retorno de investimento. Se for para um Para obtenção desse produto, é necessá-
zar o processo de abate e estocagem. Por
parceiro, deverá focar sua importância para rio adquirir máquinas e equipamentos para
meio do Plano de Negócio, é possível que
a empresa e como se encaixa no negócio. abate, limpeza, embalagem e congelamen-
se consiga uma fonte de financiamento
Se for destinado ao público interno, é im- to, bem como contratação de mão-de-obra
com taxa de juros mais atrativa. O mes- portante que todos saibam o papel que irão especializada.
mo ocorre com um produtor de coelho cumprir na empresa. A distribuição será feita por meio de
que queira introduzir o seu produto em Dessa forma, o resumo executivo deve transporte próprio. Espera-se vender 400 kg
um determinado mercado, onde não há gerar interesse imediato do interessado, de galinha/mês, ao preço de R$10,00/kg.
tradição no consumo desse tipo de carne. que pode ser despertado pelo conceito, O retorno de investimento acontecerá em
Esse produtor poderá também recorrer às pela taxa de retorno ou mesmo pelo um ano e meio e a taxa interna de retorno
fontes de financiamento para investir em estilo de exposição das ideias (PAVANI; é de 30%, acima da taxa mínima de atrati-
gastos com marketing, que incentivará o DEUTSCHER; LÓPEZ, 1997). O tom vidade (TMA), que hoje está em torno de
consumo do produto. deve ser empresarial e transmitir uma 14%, considerando um universo de cinco
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 8 5 - 9 1 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 87 1/9/2010 10:28:28


88 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

anos. Os sócios já possuem 40% do capital Mercado e comercialização galinha caipira e de coelho pelos
necessário para investimento em ativos restaurantes de comidas típicas re-
Em relação ao mercado e à comercia-
não circulantes e ativos circulantes, sendo, gionais ou pratos exóticos. Na safra,
lização do produto, o Plano de Negócio
portanto, a obtenção de financiamento de o aumento da produção de leite pode
deve apresentar resultados de estudos
longo prazo de 60% do investimento ini- fazer com que caia o preço do pro-
relacionados com:
cial necessário, para pagamento durante duto in natura. Os produtores, neste
cinco anos. a) a demanda do produto, enfatizando caso, podem partir para a produção
a não satisfação da capacidade de de queijo e de manteiga, levando à
Missão absorção do mercado, seja em rela- redução da quantidade de leite in
ção à falta do produto, como no caso natura no mercado.
A missão representa o modo como a da carne de coelho, seja em relação e) análise do mercado de modo que
empresa se projeta na visão de futuro e qual à qualidade do produto, como no identifique as forças, oportunidades,
o papel, enquanto empresa e empresário, negócio da galinha caipira; fraquezas e ameaças (ROSA, 2009).
se vê exercendo. Por exemplo, a empresa
b) o tamanho e a capacidade de Nesta análise, são identificados fato-
familiar rural Kadiru tem como missão:
produção, associados à função da res que diferenciam o produto/servi-
produzir e fornecer galinha caipira con-
essencialidade do produto e de sua ço como a embalagem do leite ou o
gelada para restaurantes de comida típica
demanda potencial. Dentro desse tipo mais aceito de corte de carnes;
regional. O público-alvo é constituído de pontos fracos e fortes; deficiências
tamanho, deve-se dimensionar o
turistas que apreciam a carne de galinha atuais de mercado; necessidades
volume ótimo a ser produzido de
caipira, que é mais consistente, mais escura de consumo; tendências de moda;
modo que se possa dimensionar as
e de sabor característico. possíveis alterações no ambiente
receitas, as despesas e a viabilidade
do projeto. Para isso, faz-se neces- macroeconômico; sazonalidade do
Descrição geral do negócio; capacidade de o produtor
sário: caracterizar o produto quanto
empreendimento superar crises; grau de disponibilida-
à sua utilização, seus substitutos e
Nessa seção, o Plano de Negócio deve complementares; identificar consu- de dos insumos; índice de lucrativi-
midores potenciais do produto em dade; mudanças no setor; efeitos da
conter um breve histórico da propriedade
rural e de suas atividades como empresa, função da localização geográfica, evolução tecnológica; potencial de
nível de renda e setor produtivo; lucro e crescimento (DOLABELA,
mostrando sua evolução, localização, da-
dos dos proprietários ou sócios, definição identificar potenciais compradores; 1999).
de responsabilidades no negócio proposto, identificar concorrentes e a faixa de A análise do mercado envolve aspec-
estrutura legal da propriedade, principais mercado que se encontra suprida, tos demográficos, econômicos, legais, po-
produtos comercializados, quadro de re- considerar a evolução dos custos de líticos, tecnológicos e culturais. Para obter
cursos humanos, tipos de parcerias, plano produção e preço de comercializa- essas informações é necessário consultar
operacional detalhado, contendo formas ção do produto ao longo do tempo estatísticas fornecidas pelo Instituto Bra-
de manejo, administração, produção e (MENDONÇA; SANTOS, 2010); sileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
comercialização. c) fatores de localização do negócio, que fornecerão dados sobre características
No caso da expansão de um negócio, tais como proximidade dos forne- gerais da população, sexo, grau de escola-
como no exemplo da empresa familiar cedores de insumos e dos compra- ridade, distribuição geográfica, profissão,
Kadiru, é importante salientar a situação dores do produto; disponibilidade de renda, etc.; jornais e revistas especializa-
atual da empresa – produtora de ovo mão-de-obra; infraestrutura local; das; informações cedidas pela internet em
caipira – e como a ampliação do negócio transporte; energia elétrica; água; relação à inflação, taxas de juros, renda
influenciará a expansão da empresa e da comunicação etc.; per capita, projeções de crescimento da
rentabilidade. d) conjunturas regionais, nacionais e economia, etc. Se o produtor tem dúvidas,
Caso seja um negócio novo, como por internacionais que irão influenciar deve procurar um profissional capacitado
exemplo a produção de coelhos, poderá ser nas expectativas de comercializa- para auxiliá-lo.
apresentado um resumo de como surgiu a ção (BANCO DA AMAZÔNIA,
ideia do negócio. Se houver experiência Plano de marketing e
2006?). Uma política econômica
vendas
anterior com o animal em questão ou com que favorece o turismo interno,
outros pequenos animais deve também por exemplo, pode refletir positiva- Segundo Kotler e Armstrong (2008), o
ser relatada. mente no aumento do consumo de marketing significa trabalhar com merca-
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 8 5 - 9 1 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 88 1/9/2010 10:28:28


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 89

dos para realizar trocas potenciais com a fazer com que o cliente saiba da existência Negócio tem por finalidade formular um
finalidade de satisfazer as necessidades e do produto? Como despertar no cliente conjunto de projeções abrangentes e dig-
os desejos do consumidor. o interesse pelo produto oferecido pela nas de crédito, refletindo o desempenho
O plano de marketing e vendas deve empresa? As formas de promoção mais financeiro previsto do negócio. Esse deve
fornecer informações detalhadas que utilizadas são: propaganda (jornais, revis- ser o resultado e o reflexo de todo o Plano
envolvam a definição do mercado e do tas, televisão, rádios locais, distribuição de Negócios. Nesta seção, o empreendedor
produto; a análise da concorrência; a ado- de panfletos, outdoors), relações públicas vai calcular quais os recursos necessários
ção de estratégias de preço; a definição (notícias favoráveis em jornais; organi- à implementação do projeto (investimento
de estratégias de promoção, publicidade e zação de eventos, patrocínios, palestras, inicial) e qual a projeção de receitas, custos
propaganda; as decisões sobre os principais concursos, atividades comunitárias), e despesas operacionais. Deve apresentar
canais de distribuição e a maneira como o promoção de vendas (cupons de descon- ainda uma análise da viabilidade do negó-
produto será transportado e distribuído. Por tos, descontos pós-compras, pacotes de cio, incluindo taxas de retorno previstas
isso, envolve praticamente os quatro “p” – preços promocionais, prêmios, sorteios, (SIEGEL et al., 1993).
produto em si, preço, ponto de distribuição, concursos, recompensas por preferência, O investimento inicial está relaciona-
promoção. degustações, garantias do produto, venda do com a implementação do projeto e é
O produto deverá ser apresentado com pessoal, merchandising e mala direta.
composto basicamente das despesas pré-
uma descrição detalhada, relacionando De acordo com Dolabela (1999), o
características físicas e funcionais, lo- operacionais, efetuadas antes do negócio
plano de marketing é elaborado a partir
gomarca, embalagem e diferenciação da entrar em funcionamento (gastos com
de uma pesquisa de mercado e deve iden-
concorrência. elaboração de projetos, layout, programas
tificar as oportunidades de negócio mais
A formação dos preços deve levar em etc.); investimentos fixos (gastos com aqui-
promissoras para a empresa, esboçar como
consideração o preço praticado pelo mer- sição de máquinas e equipamentos, obras
penetrar em mercados identificados, como
cado, os prazos requeridos pelos clientes e reformas, móveis e utensílios, veículos,
conquistá-los e como manter posições.
para pagar pelo produto, e os custos de equipamentos de informática e aquisição
É um instrumento de comunicação que
produção, uma vez que a determinação combina todos os elementos do composto de imóveis); e capital de giro (envolve os
do preço afeta a posição da empresa no mercadológico em um plano de ação co- prazos de recebimento, estocagem e paga-
que diz respeito ao seu faturamento e ordenado. Neste plano, o empreendedor mento da empresa). O Quadro 1 mostra um
rentabilidade. ordenará de maneira lógica ideias, fatos exemplo de cálculo do investimento inicial.
A distribuição envolve todas as ativi- e conclusões. Cabe ressaltar que o capital de giro
dades relacionadas com a transferência
Cabe ressaltar que o plano de marketing inicial envolve os gastos operacionais para
do produto até o consumidor. Nesta etapa, iniciar as atividades da empresa e colocá-la
e vendas deve estar dentro da realidade
serão respondidas perguntas como: Qual em funcionamento. São gastos que, pos-
do negócio. Por exemplo, o negócio de
é o mercado? Qual o nicho de mercado teriormente, serão cobertos pelas receitas,
frangos caipira congelados e de produção
em que a empresa vai atuar? Onde pode mas, no início, terão que ser suportados
de carne de coelho pode adotar a estraté-
ser encontrado o consumidor? Como o pelo empresário. Referem-se a aluguel, sa-
gia de vendas diretas e distribuição com
produto vai chegar até ele? A empresa
transporte próprio; usar de outdoors; rádios lários, encargos, compra de matéria-prima
irá usar canal de distribuição já existente
locais como veículos de propaganda; patro- inicial, honorários de contador, material
ou deverá criar um? A escolha do canal
cinar eventos como estratégia de relações de limpeza e expediente, energia elétrica,
de distribuição dependerá da natureza do
públicas; usar descontos pós-compras e telefone, água, etc. É importante que estes
produto, das características do mercado, de
descontos por volume como estratégias dados sejam criteriosamente calculados,
concorrentes e intermediários e da política
promocionais; usar de venda pessoal como para que se tenha uma projeção mais pró-
da empresa. Se estiver localizada próximo
estratégia de fidelização de restaurantes e, xima possível da realidade, uma vez que
ao nicho de mercado a ser atingido, poderá
até mesmo, para obtenção de um feedback. as receitas somente serão aferidas depois
usar a própria força de vendas, por meio
Já o produtor de leite pode concentrar de determinado tempo. Por exemplo, se
de distribuidores, comércio eletrônico e
todos os seus esforços na venda direta ao um negócio leva dez dias para receber a
serviços de telemarketing. Para que se faça
consumidor ou para cooperativas e na com- matéria-prima, outros quinze para que o
a escolha do canal mais adequado, deve-se
provação da superioridade do seu produto produto esteja pronto, dez para vendê-lo e
levar em consideração que o produto certo,
no lugar certo e na hora certa aumentará as em relação ao seu concorrente. trinta dias para receber, a projeção deverá
chances de sucesso nas vendas. ser suficiente para manter a empresa em
Plano financeiro
As estratégias de promoção deverão funcionamento por, aproximadamente,
responder às seguintes questões: como A seção financeira de um Plano de setenta dias. O cálculo do valor do capital
I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 8 5 - 9 1 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 89 1/9/2010 10:28:28


90 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

de giro necessário para o funcionamento QUADRO 1 - Levantamento do investimento inicial de um negócio


do projeto pode ser encontrado em Motta Descrição Valor
e Calôba (2002). 1 Gastos pré-operacionais
Após o cálculo do investimento inicial Elaboração de projetos
Elaboração do layout
é necessário fazer a projeção de vendas.
Publicidade e propaganda
Nessa ocasião é preciso considerar o Informações
volume de produção, o preço unitário, as Registros
deduções da receita bruta (impostos) e a 2 Investimentos fixos
apuração mensal e anual da receita líqui- Máquinas (detalhar)
da, para todos os períodos subsequentes. Equipamentos (detalhar)
No caso do negócio de produção de leite, Veículos
galinha caipira e coelho, o universo de Móveis e utensílios (detalhar)
análise deve ser em torno de cinco anos. O 3 Investimento em capital de giro
Quadro 2 é um exemplo para o cálculo da Total de investimentos em capital de giro
receita líquida anual. Total do investimento inicial
FONTE: Mendonça e Santos (2010).
Após o levantamento da receita de ven-
das, é necessário o levantamento dos custos
e despesas variáveis e fixos. Os custos e QUADRO 2 - Levantamento da receita líquida de vendas para um período
despesas variáveis estão associados ao Receitas Receitas
Unidade Volume Receita Deduções
volume de produção e vendas, tais como, Preço líquidas líquidas
Produto de da bruta de receitas
unitário de vendas de vendas
custo com sementes, defensivos, adubos, medida produção vendas (impostos)
(mensal) (anual)
horas de trator, combustíveis, lubrificantes,
vacinas, ração, etc. (Quadro 3). Os custos
Total
fixos são aqueles que não estão associados
FONTE: Mendonça e Santos (2010).
diretamente com a variação no volume de
produção, tais como, aluguel, mão-de-obra
operacional, encargos, depreciação, etc. QUADRO 3 - Levantamento dos custos e despesas variáveis para um período
(Quadro 4). Levantamento custos e despesas variáveis do período 1
Após o levantamento das receitas, Preço Total Total
Itens Quantidade
impostos, custos e despesas, torna-se unitário mensal anual
necessário apurar o lucro do negócio, por Combustíveis e lubrificantes
meio do levantamento da Demonstração do Adubação
Alimentação
Resultado do Exercício, conforme mostra
Reposição
o Quadro 5. Reserva Técnica
Concluída a projeção de receitas, des- Custo variável total
pesas e lucros para todos os períodos do Volume de produção
projeto, é fundamental que se elabore um Custo variável por unidade de medida
fluxo de caixa com a previsão de entradas FONTE: Mendonça e Santos (2010).

e saídas de recursos por determinado pe-


ríodo. Neste fluxo é representado o inves- QUADRO 4 - Levantamento dos custos e despesas fixos para um período
timento inicial (contendo o investimento Levantamento dos custos e despesas operacionais fixos do período 1
em ativos fixos e em capital de giro), com Itens Valor mensal Valor anual
sinal negativo, uma vez que representa a Mão-de-obra operacional e encargos
saída de recurso para investir no negócio; o Retirada do empresário
saldo inicial de caixa; as entradas e saídas Imposto territorial rural (ITR)
de caixa, a depreciação e o fluxo líquido de Depreciação
Manutenção de instalações e máquinas
caixa, conforme mostra o Quadro 6.
Outros
Para concluir o plano financeiro, Publicidade
deverá ser apresentada uma análise da Transporte
viabilidade do negócio. Os critérios de- Total
terminísticos mais usados são: o valor FONTE: Mendonça e Santos (2010).

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 8 5 - 9 1 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 90 1/9/2010 10:28:29


Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal 91

QUADRO 5 - Levantamento da demonstração do resultado do exercício do período REFERÊNCIAS


  Produto 1 Produto 2 Total mensal Total anual BANCO DA AMAZÔNIA. Gerência de Cré-
Receita bruta de vendas dito e Fomento. Roteiro de plano de ne-
(-) Impostos gócios para implantação e/ou ampliação
(=) Receita Líquida de Vendas de atividades de pecuária/agricultura/
floresta/aquicultura e pesca (médios e
(-) Custos e despesas variáveis
grandes produtores para projetos abaixo de
(=) Margem de contribuição total R$ 1.000.000,00). Belém, [2006?]. Disponí-
(-) Custos e despesas fixos vel em:<http://www.bancoamazonia.com.
(=) Resultado br/bancoamazonia2/includes/produtserv/
FONTE: Mendonça e Santos (2010). financiamento/arquivos/RoteiroPlano
Negócios_MedioeGrande.pdf>. Acesso em:
5 dez. 2009.
QUADRO 6 - Planilha de cálculo para o levantamento do fluxo de caixa para análise do BUAINAIN, A.M.; ROMEIRO, A.R.;
Plano de Negócio GUANZIROLI, C. Agricultura familiar e o
Fluxo de caixa Ano 0 Ano 1 Ano 2 … Ano n novo mundo rural. Sociologias, Porto Ale-
Receita de vendas gre, ano 5, n. 10, p. 312-347, jul./dez. 2003.
(-) Impostos sobre vendas CASAROTTO FILHO, N.; KOPITTKE, B. H.
(=) Receita líquida vendas Análise de investimentos. São Paulo: Atlas,
(-) Custo produto vendido 2008. 458p.
(-) Custo fixo DOLABELA, F. O segredo de Luísa. São Pau-
(-) Despesas operacionais lo: Cultura, 1999. 312p.
(=) Entrada de caixa operacional
GITMAN, L. Princípios de administração
(+) Entrada de caixa não operacional financeira. São Paulo: Bookman, 2004.
Valor residual 745p.
Capital de giro
KOTLER, P.; ARMSTRONG, G. Fundamen-
(=) Entrada de caixa total
tos de marketing. São Paulo: Pearson, 2008.
(+) Investimento inicial 608p.
Ativos fixos
MENDONÇA, F.M. de; SANTOS, I.C. dos.
Capital de giro
Importância do plano de negócio para a
(=) Fluxo caixa relevante agricultura familiar. Informe Agropecuário.
FONTE: Mendonça e Santos (2010). Tecnologias para a agricultura familiar: pro-
dução vegetal, Belo Horizonte, v.31, n.254,
p.95-102, jan./fev. 2010.
presente líquido e a taxa interna de re- Por meio do Plano de Negócio, essas
torno. Para aprofundar no cálculo desses variáveis acabam se interagindo por meio MOTTA, R.; CALÔBA, G.M. Análise de in-
vestimentos: tomada de decisão em projetos
critérios, recomenda-se ler Gitman (2004) da construção de um fluxo de caixa rele-
industriais. São Paulo: Atlas, 2002. 392p.
e Casarotto Filho e Kopittke (2008). vante, onde são registradas todas as entra-
das e saídas de caixa. A partir da aplicação PAVANI, C.; DEUTSCHER J.A.; LÓPEZ,
S.M. Plano de negócios: planejando o su-
CONSIDERAÇÕES FINAIS de métodos determinísticos de avaliação de
cesso de seu empreendimento. Rio de Janei-
investimentos é possível tomar decisão em
O Plano de Negócio, apesar de pouco ro: Lexikon, 1997. 202p.
relação à realização ou não de um negócio.
difundido no meio rural, representa uma Além de ser uma ferramenta de pla- ROSA, C. A. Como elaborar um plano de
oportunidade para que o gestor de uma nejamento do futuro, o plano serve para negócio. Brasília : SEBRAE, 2009. 120p.
empresa rural familiar possa pensar e avaliar a situação do negócio em relação SALIM, C.S. et al. Construindo planos de ne-
analisar o seu negócio em diferentes ân- à concorrência, aos clientes e ao mercado, gócios. Rio de Janeiro: Campus, 2005. 231p.
gulos. O Plano envolve todas as variáveis identificando e minimizando riscos. Além SIEGEL, E.S. et al. Guia da Ernst & Young
que podem representar os desafios e as disso, serve para confrontar resultados para desenvolver o seu plano de negócios.
oportunidades de sucesso, tais como, o com os almejados (planejados), permitin- Rio de Janeiro: Record, 1993. 221p.
mercado, os produtos/serviços, as fontes do correções ao longo da vida do projeto. WILKINSON, J. Mercosul e produção fami-
de captação de recursos, as formas de Por isso, acaba se tornando, também, um liar: abordagens teóricas e estratégias alter-
aplicação de recursos, as receitas, os custos instrumento de controle e de captação de nativas. Estudos Sociedade e Agricultura,
variáveis e fixos. recursos no mercado. Rio de Janeiro, n. 8, p.25-50, abr. 1997.

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , p . 8 5 - 9 1 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 91 1/9/2010 10:28:29


92 Tecnologias para a agricultura familiar: produção animal

INSTRUÇÕES AOS AUTORES


INTRODUÇÃO PRAZOS E ENTREGA DOS ARTIGOS
O Informe Agropecuário é uma publicação seriada, periódica, Os colaboradores técnicos da revista Informe Agropecuário devem
bimestral, de caráter técnico-científico e tem como objetivo principal observar os prazos estipulados formalmente para a entrega dos
difundir tecnologias geradas ou adaptadas pela EPAMIG, seus parceiros trabalhos, bem como priorizar o atendimento às dúvidas surgidas ao
e outras instituições para o desenvolvimento do agronegócio de Minas longo da produção da revista, levantadas pelo coordenador técnico,
Gerais. Trata-se de um importante veículo de orientação e informação pela Revisão e pela Normalização. A não-observância a essas normas
para todos os segmentos do agronegócio, bem como de todas as ins- trará as seguintes implicações:
tituições de pesquisa agropecuária, universidades, escolas federais e/ a) os colaboradores convidados pela Empresa terão seus trabalhos
ou estaduais de ensino agropecuário, produtores rurais, empresários excluídos da edição;
e demais interessados. É peça importante para difusão de tecnologia, b) os colaboradores da Empresa poderão ter seus trabalhos excluídos
devendo, portanto, ser organizada para atender às necessidades de ou substituídos, a critério do respectivo coordenador técnico.
informação de seu público, respeitando sua linha editorial e a priori- O coordenador técnico deverá entregar ao Departamento de
dade de divulgação de temas resultantes de projetos e programas de Publicações (DPPU) da EPAMIG os originais dos artigos em CD-ROM ou
pesquisa realizados pela EPAMIG e seus parceiros. pela Internet, já revisados tecnicamente, 120 dias antes da data prevista
A produção do Informe Agropecuário segue uma pauta e um para circular a revista. Não serão aceitos artigos entregues fora desse
cronograma previamente estabelecidos pelo Conselho de Difusão de prazo ou após o início da revisão lingüística e normalização da revista.
Tecnologia e Publicações da EPAMIG, conforme demanda do setor O prazo para divulgação de errata expira seis meses após a data
agropecuário e em atendimento às diretrizes do Governo. Cada edi- de publicação da edição.
ção versa sobre um tema específico de importância econômica para
Minas Gerais. ESTRUTURAÇÃO DOS ARTIGOS
Do ponto de vista de execução, cada edição do Informe Agropecuário Os artigos devem obedecer a seguinte seqüência:
terá um coordenador técnico, responsável pelo conteúdo da publicação, a) título: deve ser claro, conciso e indicar a idéia central, podendo
pela seleção dos autores dos artigos e pela preparação da pauta. ser acrescido de subtítulo. Devem-se evitar abreviaturas, parên-
teses e fórmulas que dificultem a sua compreensão;
APRESENTAÇÃO DOS ARTIGOS ORIGINAIS b) nome do(s) autor(es): deve constar por extenso, com nume-
ração sobrescrita para indicar, no rodapé, sua formação e títulos
Os artigos devem ser enviados em CD-ROM ou pela Internet, no
acadêmicos, profissão, instituição a que pertence e endereço.
programa Word, fonte Arial, corpo 12, espaço 1,5 linha, parágrafo
Exemplo: Engo Agro, D.Sc., Pesq. U.R. EPAMIG SM, Caixa
automático, justificado, em páginas formato A4 (21,0 x 29,7cm).
Postal 176, CEP 37200-000 Lavras-MG. Correio eletrônico:
Os quadros devem ser feitos também em Word, utilizando apenas
ctsm@epamig.br;
o recurso de tabulação. Não se deve utilizar a tecla Enter para forma-
c) resumo: deve constituir-se em um texto conciso (de 100 a 250
tar o quadro, bem como valer-se de “toques” para alinhar elementos
palavras), com dados relevantes sobre a metodologia, resulta-
gráficos de um quadro.
dos principais e conclusões;
Os gráficos devem ser feitos em Excel e ter, no máximo, 15,5 cm
d) palavras-chave: devem constar logo após o resumo. Não
de largura (em página A4). Para tanto, pode-se usar, no mínimo, corpo
devem ser utilizadas palavras já contidas no título;
5 para composição dos dados, títulos e legendas.
e) texto: deve ser dividido basicamente em: Introdução, Desenvol-
As fotografias a serem aplicadas nas publicações devem ser re-
vimento e Considerações finais. A Introdução deve ser breve e
centes, de boa qualidade e conter autoria. Podem ser enviadas em
enfocar o objetivo do artigo;
papel fotográfico (9 x 12 cm ou maior), cromo (slide) ou digitalizadas.
f) agradecimento: elemento opcional;
As foto-grafias digitalizadas devem ter resolução mínima de 300 DPIs
no formato mínimo de 15 x 10 cm e ser enviadas em CD-ROM ou g) referências: devem ser padronizadas de acordo com o
“Manual para Publicação de Artigos, Resumos Expandidos e
ZIP disk, prefe-rencialmente em arquivos de extensão TIFF ou JPG.
Circulares Técnicas” da EPAMIG, que apresenta adaptação das
Não serão aceitas fotografias já escaneadas, incluídas no texto, em
normas da ABNT.
Word. Enviar os arquivos digitalizados, separadamente, nas extensões
já mencionadas (TIFF ou JPG, com resolução de 300DPIs). Com relação às citações de autores e ilustrações dentro do texto,
Os desenhos devem ser feitos em nanquim, em papel vegetal, ou também deve ser consultado o Manual para Publicações da EPAMIG.
em computador no Corel Draw. Neste último caso, enviar em CD-ROM NOTA: Estas instruções, na íntegra, encontram-se no “Manual para
ou pela Internet. Os arquivos devem ter as seguintes extensões: TIFF, Publicação de Artigos , Resumos Expandidos e Circulares Téc-
EPS, CDR ou JPG. Os desenhos não devem ser copiados ou tirados de nicas” da EPAMIG. Para consultá-lo, acessar: www.epamig.br,
Home Page, pois a resolução para impressão é baixa. entrando em Publicações ou Biblioteca/Normalização.

n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 3 1 , n . 2 5 6 , m a i o / j u n . 2 0 1 0

ia256.indb 92 1/9/2010 10:28:29


capa-IA-256.indd 2 1/9/2010 13:16:59
capa-IA-256.indd 1 1/9/2010 13:16:55

Você também pode gostar