Você está na página 1de 5

26/03/2020 (Quase) todos contra um

questões de poder

(QUASE) TODOS CONTRA UM


Desgastado até entre aliados, Bolsonaro se isola cada vez mais; as 24 horas seguintes ao
pronunciamento do presidente tiveram embate com governadores e declaração ambígua de Mourão
THAIS BILENKY
26mar2020_11h54

Bolsonaro e o pronunciamento em que comparou o coronavírus a uma “gripezinha” Isac Nóbrega - Agência Brasil

P
elo oitavo dia consecutivo, os panelaços em mais de quinze capitais
do país começavam a ser ouvidos na noite de terça-feira, dia 24,
quando o presidente Jair Bolsonaro entrou no ar em rede nacional.
“O vírus chegou, está sendo enfrentado por nós e brevemente passará”,
declarou em pronunciamento oficial. “Algumas poucas autoridades
estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada, a
proibição de transportes, o fechamento de comércios e o confinamento
em massa. O que se passa no mundo tem mostrado que o grupo de risco
é o das pessoas acima dos 60 anos. Por que fechar escolas? Raros são os
casos fatais de pessoas sãs com menos de 40 anos de idade.” Ele acusou a
imprensa de disseminar o “pavor” e disse que o novo coronavírus não lhe
traria mais que um “resfriadinho”.
https://piaui.folha.uol.com.br/quase-todos-contra-um/ 1/5
26/03/2020 (Quase) todos contra um

A insatisfação não ficou restrita às janelas. Líderes políticos


imediatamente saíram em repulsa ao pronunciamento. O presidente do
Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), em geral resistente a polêmicas
com o Palácio do Planalto, soltou nota classificando a fala de Bolsonaro
como “grave”. “O país precisa de uma liderança séria, responsável e
comprometida com a vida e a saúde da sua população”, cobrou.
Alcolumbre recebeu parabéns do presidente da Câmara, Rodrigo Maia
(DEM-RJ), que também condenou a fala “equivocada”, na sua visão, do
presidente. Maia e diversos políticos reiteraram a necessidade do
isolamento social como principal arma contra a disseminação
descontrolada do vírus. É a recomendação da OMS (Organização
Mundial da Saúde), do Ministério da Saúde do Brasil e de mais de 150
países.

Uma reação, em especial, aumentou a temperatura política. O


governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), aliado de primeira hora de
Bolsonaro, como ele próprio se definiu, anunciou seu rompimento depois
do “discurso totalmente irresponsável”. Caiado externou a interpretação
corrente em Brasília dos motivos que levaram o presidente a pedir o fim
da quarentena: evitar uma crise econômica – considerada inescapável no
mundo todo – para não prejudicar seus planos de reeleição. “Não posso
admitir que venha agora o presidente da República lavar as mãos e
responsabilizar outras pessoas por um colapso econômico. Um estadista
tem que ter coragem de assumir as dificuldades. Se existem falhas na
economia, não tente responsabilizar outras pessoas, assuma sua parcela”,
disse Caiado.

Na manhã do dia seguinte seguinte, quarta-feira, na porta do Palácio do


Alvorada, Bolsonaro defendeu uma quarentena “vertical”, restrita a
grupos de risco, idosos principalmente, e não “horizontal”, incluindo
toda a população. Segundo ele, uma crise econômica aguda ameaçaria a
estabilidade política do país. “Se é que o Brasil não possa ainda sair da
normalidade democrática que vocês tanto defendem. Ninguém sabe o
que pode acontecer no Brasil”, afirmou.

O desgaste do presidente se evidenciou inclusive nas fileiras


bolsonaristas. Influenciadores digitais e deputados aliados criticaram “a
forma” como Bolsonaro se expressou, que para eles não foi a mais efetiva.

https://piaui.folha.uol.com.br/quase-todos-contra-um/ 2/5
26/03/2020 (Quase) todos contra um

Um congressista disse que a situação política de Bolsonaro se esgarçou, e


“a aura de mito acabou”. Ponderou, contudo, que o argumento
econômico do presidente conquistará, se não o coração, o bolso de
brasileiros.

Os termômetros políticos voltaram a esquentar no meio da tarde de


quarta com a altercação entre Bolsonaro e o governador de São Paulo,
João Doria (PSDB), potenciais adversários na disputa presidencial. Em
reunião por videoconferência, o tucano criticou o pronunciamento da
véspera. “O senhor, como presidente da República, tem que dar o
exemplo. Tem que ser mandatário para comandar, para dirigir, liderar o
país, e não para dividir”, afirmou Doria. Bolsonaro se exaltou e o mandou
“sair do palanque”. “Não aceito, em hipótese alguma, essas palavras
levianas, como se vossa excelência fosse o responsável por tudo o que
acontece de bom no Brasil”, retrucou, com tom de voz elevado. “Acusa
levianamente esse presidente que trabalha 24 horas por dia. Não
aceitamos essa demagogia barata.”

Pouco depois, foi a vez do vice-presidente Hamilton Mourão aquecer a


cena política. “A posição do nosso governo por enquanto é uma só:
isolamento e distanciamento social”, declarou, contradizendo Bolsonaro.
“Isso está sendo discutido e ontem o presidente buscou colocar, e pode
ser que ele tenha se expressado de uma forma, digamos assim, que não
foi a melhor”, amenizou. “O que ele buscou colocar é a preocupação que
todos nós temos com a segunda onda, como se chama nesta questão do
coronavírus. Nós temos uma primeira onda, que é a saúde, e temos uma
segunda onda, que é a questão econômica”, completou.

A fala ambígua de Mourão acendeu novos alertas em Brasília. Para


deputados com trânsito no governo, mas sem adesismo automático, o
vice se mostrou politicamente disponível para uma eventual sucessão,
mas sem uma articulação por trás para provocar a queda do titular. Seria
algo mais sutil. Dez dias atrás, a ex-bolsonarista Janaina Paschoal,
deputada estadual de São Paulo pelo PSL, defendeu que Mourão
assumisse o comando do Executivo. Outros ex-apoiadores, como João
Amoêdo (Novo), também falam em renúncia.

https://piaui.folha.uol.com.br/quase-todos-contra-um/ 3/5
26/03/2020 (Quase) todos contra um

No Palácio do Planalto, militares minimizaram a fala de Mourão,


negando que ele tenha querido se contrapor a Bolsonaro, como fez
sistematicamente nos primeiros meses de governo, em 2019. A avaliação
desse grupo é que Bolsonaro se expressou mal, mas que a preocupação
com o desemprego e a crítica ao isolamento social são legítimas.
Assessores dizem que o presidente afinou o discurso com Mourão e com
o ministro Luiz Henrique Mandetta, da Saúde, que na tarde de quarta-
feira criticou o isolamento social, defendido anteriormente por ele e por
sua pasta.

“Temos que melhorar esse negócio de quarentena, não ficou bom”,


afirmou o ministro, depois de anunciar que o número de mortes causadas
pelo novo coronavírus chegou a 57 no Brasil, e o de casos confirmados, a
2.433. De acordo com as secretaria estaduais, já são 59 mortes e 2.567
casos confirmados. “A quarentena é um remédio extremamente amargo e
duro.”

A Câmara, já de noite, 24 horas depois do pronunciamento de Bolsonaro,


interpretava as intenções de Mourão. Deputados creem que ele aprendeu
com os embates com a ala ideológica, em especial o filho do presidente,
Carlos, e não fará movimentações escancaradas. Se o ambiente favorecer
sua eventual posse, estará posicionado, dizem, mas não antecipará uma
articulação para isso acontecer.

O deputado Alexandre Frota (PSDB-SP), autor de um pedido de


impeachment de Bolsonaro, lamentou que o presidente da Câmara não
esteja demonstrando entusiasmo com os apelos pela saída do presidente
do cargo. “Rodrigo Maia é um dos mais atacados violentamente, é
esculachado por aquele gabinete do ódio e agora começa um discurso na
Câmara de que ‘vamos tentar entender a demanda e procurar o equilíbrio
e o diálogo’. Bolsonaro não procura diálogo com ninguém. Rodrigo não
pode engavetar os processos de impeachment. Ele tem que tirar na hora
certa”, afirmou.

Bolsonarista de carteirinha, o deputado Filipe Barros (PSL-PR), por sua


vez, minimizou o desgaste de Bolsonaro e a dissonância entre ele e seu
vice. “Mourão está tentando colaborar. Não vejo ele, como no começo do
governo, tentando interferir no que não é chamado. Pode ter havido

https://piaui.folha.uol.com.br/quase-todos-contra-um/ 4/5
26/03/2020 (Quase) todos contra um

alguma falha de comunicação, algum erro conceitual”, relativizou. Barros


endossou o discurso do presidente em relação à pandemia. “É lamentável
que haja óbito, qualquer óbito que seja. Mas mais grave que isso é uma
crise econômica sem precedentes”, disse. Para o deputado, a quarentena
precisa ser mais criteriosa para amenizar os efeitos na economia. “Você
não pode dar um tiro de canhão em uma pombinha.”

Diversas cidades do país voltaram a registrar panelaços 24 horas depois.

https://piaui.folha.uol.com.br/quase-todos-contra-um/ 5/5

Você também pode gostar