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30/03/2020 Bate-cabeça na folha de pagamento

questões de governo

BATE-CABEÇA NA FOLHA DE PAGAMENTO


Medida para cortar salário de empregados tentou atender demanda de empresários e evitar
demissões, mas governo atropelou articulação com Congresso, apanhou e recuou
THAIS BILENKY
23mar2020_21h41

FOTO: PEDRO LADEIRA/FOLHAPRESS

O
governo Bolsonaro tentou dar uma resposta a previsões
preocupantes de empresários sobre desemprego e acabou causando
novo tumulto na já conturbada relação com o Legislativo. Apesar
do esforço do ministro Paulo Guedes, da Economia, de se reaproximar do
presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a equipe econômica
decidiu, na noite de domingo (22), atropelar a negociação com o
Congresso e antecipou a publicação da Medida Provisória que, entre
outras iniciativas, permitia que empregadores mantivessem funcionários
sem salário por quatro meses. A medida não sobreviveu a críticas nem 24
horas e foi revogada na segunda-feira (23) pelo presidente Jair Bolsonaro.

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A equipe de Paulo Guedes negociava com a cúpula do Congresso um


pacote para mitigar a crise econômica decorrente da pandemia do novo
coronavírus. Buscava maneiras de empregadores reduzirem custos sem
que a conta sobrasse para os funcionários. Uma das propostas era o
governo pagar 25% da remuneração do trabalhador formal que recebe até
dois salários mínimos, teve a jornada reduzida e pediu o benefício do
seguro-desemprego. Segundo as contas da equipe econômica, essa
medida atenderia a mais de 11 milhões de pessoas e custaria R$ 10
bilhões aos cofres públicos em três meses. De forma geral, o Congresso a
apoia.

Na tarde de domingo, no entanto, empresários e agentes de peso do


mercado financeiro fizeram uma transmissão ao vivo na internet na qual
se mostraram alarmados com os impactos da crise. O executivo
Guilherme Benchimol, presidente da XP Investimentos, uma das
principais corretoras do Brasil, afirmou que o desemprego pode atingir
mais de 40 milhões de brasileiros a depender do tamanho da crise – há
hoje 11,6 milhões de pessoas sem emprego, de acordo com o IBGE. “O
que temos até agora de estímulos é uma gota no oceano. Tem de ser um
plano de verdade. Os números são assustadores, o buraco é muito mais
embaixo”, afirmou Benchimol, que sugeriu a reedição de uma espécie de
Plano Marshall, lançado na Europa depois da Segunda Guerra Mundial.

O governo Bolsonaro decidiu então se apressar. Para facilitar a


tramitação, dividiu o pacote negociado com o Congresso em dois. Em
uma primeira medida, publicaria propostas que não teriam impacto
orçamentário. Foram incluídas, por exemplo, a regularização do trabalho
remoto, a antecipação de férias individuais e a concessão de férias
coletivas. O lay-off – a suspensão temporária do contrato de trabalho –
também foi inserido no texto, que estipulava que caberia ao empregador
negociar diretamente com o funcionário um pagamento no período.
Como a medida não impunha contraprestações obrigatórias ao
empregador, a reação de congressistas, analistas e economistas foi
imediata.

A ideia elaborada pela equipe econômica era, em seguida, editar uma


segunda medida provisória com iniciativas que trariam custos aos cofres
públicos, na qual entraria por exemplo a do pagamento de parcela do

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salário pelo governo. Segundo relatos feitos à piauí, a Secretaria da


Fazenda, liderada por Waldery Rodrigues Junior, pediu mais tempo para
avaliar o impacto fiscal dessas propostas, o que impediu sua publicação
imediata.

O resultado foi “uma crise desnecessária”, nas palavras de Rodrigo Maia,


que tachou a medida provisória de “capenga” e deu por certa sua recusa
na Câmara. O Palácio do Planalto se atrapalhou na comunicação. Por
volta de 13 horas de segunda, anunciou uma entrevista do presidente
Bolsonaro ao lado de Guedes. Uma hora depois informou que a
teleconferência estava suspensa “por motivos técnicos”. Passados quinze
minutos, disse que o evento fora cancelado. No meio tempo, Bolsonaro
revogou o trecho da medida que permitia a manutenção temporária de
empregados sem salários.

Paulo Guedes tentou minimizar o impacto. Disse ao jornal O Globo que a


confusão fora fruto de um “erro de redação” – ele e Bolsonaro assinam
juntos a medida provisória. “O que se queria era evitar as demissões em
massa, dando alguma flexibilidade de salário, mas com o governo
complementando, como está sendo feito em várias economias”, justificou.
Ao Estado de S.Paulo o ministro admitiu que o presidente não gostou da
repercussão da medida. “Ele disse: ‘Tira porque estou apanhando
muito'”, contou Guedes.

Horas depois, em pronunciamento sem perguntas de jornalistas,


Bolsonaro anunciou um pacote de ajuda de R$ 85,8 bilhões a estados e
municípios com medidas como a transferência de R$ 8 bilhões para
gastos em saúde e a suspensão das dívidas dos estados com a União, que
somam R$ 12,6 bilhões. No final do dia, membros da equipe econômica
foram convocados ao Palácio do Planalto para uma entrevista à imprensa
que esclarecesse a iniciativa. Nem Guedes nem Bolsonaro estavam
presentes.

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