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Da série: Porque não faço participação política partidária.

Ausência de um projecto de formação pedagógica partidária.


Celeste Fortes
Antropóloga
Durante um diálogo entre gerações, sobre a participação política
partidária e não-partidária e os impactos, mais imediatos, que cada um pode
proporcionar, me posicionei contra o determinismo de que só a participação
politica partidária consegue estes resultados. Isto é, de que esta é via mais eficaz
de participação com vista a transformações estruturais e visíveis no espaço
público.
Aqueles que têm projectos de participação, na vida do país, certamente
já estiveram nesta encruzilhada e por algumas vezes já se devem ter
questionado, será que para participar terei de me filiar num partido? Se sim,
quais critérios para a filiação? A filiação faz-se em que sentido? Do futuro
filiado para o partido escolhido ou a filiação é dialéctica e dialógica?
Eu vejo a participação política partidária como um exercício de filiação e
militância a um grupo, isto é, a aquilo que convencionamos apelidar de partido
politico.
Creio que este processo de filiação faz-se por aproximação e partilha dos
mesmos ideais, do mesmo projecto para o país, bitolada também por uma
relação de identificação, confiança e lealdade.
Enquanto jovem, o processo de filiação partidária, como condição de
participação, parece-me um exercício difícil. O processo de construção da
relação partidária com o país é marcado, no geral, por uma tendência de
apagamento da memória política e partidária do país. Isto é, sem haver um
passado, que possa servir de referência, não conseguimos conhecer a
identidade do partido. Será que o passado da formação do partido, não é
pertinente para traçarmos a narrativa biográfica do partido X ou Y?
Não que seja uma condição central para a decisão. As identidades fazem-
se num processo relacional com os contextos sociais, culturais, económicos,
mas a sua linha ideológica construi-se neste passado. Ou não?
Por outro lado, esta filiação é dificultada pelo facto de não haver um
programa de formação pedagógica de filiação. O resultado é que quando
pergunto a outros jovens, porque se filiaram no partido X ou Y, a grande
maioria assenta os seus argumentos em critérios pouco concretos, e por
conseguinte, nada convincentes, para quem procura construir os sentidos da
sua filiação. Estes, raramente conhecem a biografia do partido que defendem e
mais ainda não se mostram interessados numa discussão crítica sobre o
processo de filiação.
Não será do interesse dos partidos a promoção de um processo de
filiação pedagógica? Isto é, que os seus afiliados conquistem este estatuto ou
papel porque tiveram oportunidade de criar laços genealógicos com o partido?
Haverá espaço para participação crítica dos jovens na vida política
partidária em Cabo Verde? Se não, porque somos sempre confrontados com
este discurso que devemos participar mais? Porque nos descarregam nos ombros
este papel de responsáveis pelo futuro do país?
Pode-se responder a estas questões com o argumento de que não é do
interesse dos partidos políticos que exista este programa de formação, já que a
estratégia é a de promover uma filiação cega.
A cegueira, na participação, confere maiores legitimidades ao partido
para falar em nome dos seus afiliados. Como me disse um jovem, é uma
estratégia de maximização dos potenciais filiados, que não cria espaços de
possibilidade para um relacionamento tensional. Não é do interesse dos
partidos que existem laços pendulares, que conduza a uma saída sem máculas,
do afiliado. É compreensível que os partidos, enquanto grupo, se construam
com base na confiança, mas terá este jovem razão?
Com base neste meu olhar, não tenho participação na vida politica
partidária do país, porque não tenho esta relação de filiação com nenhum
partido politico cabo-verdiano. Não tenho referências, não possuo laços que me
permitam filiar. Para mim filiação, que permita entrega, defesa ideológica e
partilha dos mesmos ideais, não se faz do dia para noite e nem porque fulano é
do partido X então serei do partido X ou Y.
Eu preciso que a minha caminhada de filiação, seja orientada, desde o
início, por outros, que chegaram antes. Os partidos políticos não fazem isto.
Necessito que esta seja uma filiação pedagógica para que resulte numa
relação consciente. Mas não poderei filiar-me a partir de juramentos de
lealdade cega, afinal de contas as nossas filiações, com excepção das familiares,
raramente são eternas e acríticas.
Os meus posicionamentos podem ser lidos a partir da ideia de que
muitos jovens não querem envolver-se na vida politica cabo-verdiana, por não
acreditarem na política ou porque vivem este momento biográfico com grande
dependência em relação aos outros, quando devem tomar as rédeas do país. Se
não se fizer um mapeamento destes que se declaram não alinhados com a
participação política partidária, antes destes olhares sobre os jovens e a vida
política, se reproduzirá a ideia cristalizada de que os jovens devem ser
revolucionários.
O futuro constrói-se hoje, mas não sou apologista da fácil relação que se
faz entre jovem e mudança, como se a identidade política do jovem seja o
resultado natural da ligação lógica entre o seu momento biográfico e a
revolução. Acho que nem todos cabem dentro desta interligação. Não existe
nada de expectável e de naturalizado nesta relação.

Jornal A Nação/ Nº377. De 20 a 16 de Novembro.

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