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indígena ao medo
“Acima do medo, coragem” foi uma fala bastante difundida entre os Pankararu da
aldeia Bem-querer de Cima, em Pernambuco, durante o mês de outubro de 2018. Após
trinta anos lutando pelo reconhecimento e retirada das famílias não-indígenas que
ocuparam o território sagrado, o avanço nas negociações parecia ter chegado ao fim.
No dia 29 de outubro, um dia após a vitória de Jair Bolsonaro para presidente, a
situação teve uma reviravolta. O contexto de vitória do candidato conservador mostrou
que a situação de conflito no território indígena pernambucano só estava começando.
Uma escola e um Posto de Saúde da Família foram incendiados.
A situação parece isolada, mas a expansão dos conflitos pelo Brasil demonstra que as
reações à vitória do candidato não são localizadas. Caarapó, Miranda e Dourados, no
Mato Grosso do Sul (MS), locais com foco de tensões entre indígenas e fazendeiros,
também teve ataques aos nativos que lutam pela garantia do direito originário ao
território tradicionalmente ocupado. Todas as ações criminosas contra os índios, pelo
país, acentuaram o sentimento de instabilidade nas aldeias. Temor, medo e
preocupação são sentimentos não só entre os índios mas também atingem os aliados
defensores deles. Movimentos indígena, indigenista e academia preparam-se para
emplacar estratégias de resistência para superação do contexto de ataques.
Essa reportagem especial traz os posicionamentos de quatro importantes atores dentro
do movimento de defesa e reconhecimento das diversidades brasileiras. O texto traz os
posicionamentos em relação ao atual contexto de ataque aos direitos daqueles que
lutam por sua identidade étnica e dos atores da sociedade civil organizada que se
vinculam como aliados à causa.
Com relação ao seu povo, Zé de Santa está apreensivo com o exercício da liberdade
das práticas socioculturais. O medo é que o mesmo contexto de 1980, período em que
os indígenas Xukuru eram negados a praticar sua cultura, volte a se instaurar e que
essa negação seja juridicamente legítima. “O principal receio com relação aos Xukurus
é exercício do direito à cultura específica e diferenciada. Infelizmente, com o desenho
que está sendo formado de proibir o exercício do direito à cultura diferenciada própria
de cada se mostra como uma grande preocupação para todos, para os mais velhos e
as lideranças”, continuou
Todo essa preocupação tem um pano de fundo. Sem a garantia das práticas, os
Xukuru temem a dispersão do povo como aconteceu durante a repressão pelos
posseiros e fazendeiros no território, no século passado. O exercício da cultura é
elemento constitutivo da identidade e do ser Xukuru.
Além disso, 62 projetos de lei (PLs) estão sendo debatidos no Congresso Nacional e
nas câmaras legislativas de 12 estados da Federação vinculados à Escola Sem
Partido. Para além do ataque aos estudos de gênero, o projeto visa ampliar seu poder
de influenciar e combater os assuntos específicos de história e sociologia, áreas onde a
temática indígena é debatida.
Edson defende que ataques à educação e à atuação dos acadêmicos junto aos
movimentos sociais possam fazer unir os pesquisadores que apresentam
posicionamentos acadêmicos distintos. Para ele, esse contexto se mostra como “um
desafio para reinventarmos nosso lugar na academia e para contribuir com o
pensamento social brasileiro”.
União, superação de arestas e atuação em bloco é uma das estratégias possível, para
Edson, “contra qualquer ameaça que, porventura, venha atingir ou restringir a
liberdade de cátedra, publicações e execuções das as pesquisas, os estudos,
orientações”. O pesquisador é enfático ao defender a formação política para atuação
junto a outros atores não acadêmicos, como povos indígenas. “Os pesquisadores têm
um papel fundamental na formação para o reconhecimento de direitos, na formação
dos nossos alunos e alunas”. A promoção de leituras, estudos, seminários, congressos
e eventos que venham aprofundar e debater temas que pesquisamos pode ser uma
saída “para apoiar a mobilização e organização junto aos povos indígenas e aos
movimentos sociais no Brasil, no Nordeste e, especificamente, em Pernambuco”,
finaliza o professor.
José da Cunha Júnior, 62 anos, mora em Recife desde 1989. Desde essa época, o
baiano nascido em Cachoeira trabalha no Conselho Indigenista Missionário. Zé Karajá,
como é conhecido dentro do movimento indigenista, há três voltou a atuar no CIMI.
Durante esses anos, Zé Karajá formou duas dimensões da vida que agora se
entrecruzam no movimento. A dimensão pessoal e institucional caminham juntas e
estão em jogo no atual contexto político, para o indigenista.
O Parecer Antidemarcação da
Advocacia Geral a União (AGU),
publicado em julho de 2017,
transforma em regra a tese político-
jurídica do marco temporal. Isso quer
dizer que as terras indígenas só
podem ser demarcadas se estivessem
sob posse das comunidades indígenas
na data de 5 de outubro de 1988, data
de promulgação da Constituição. Karajá expressa o susto que o parecer da AGU
institui e defende que o entendimento não tem força jurídica. “Estão inviabilizando a
demarcação de terras indígenas e estão querendo levantar uma referência que nos
assusta muito”, exclama. Ele continua destacando o absurdo que posicionamentos
como esse do poder executivo pode implicar no reconhecimento das Terras Indígenas:
“são povos que durante 488 anos estiveram correndo das agressões e se exige que
naquela data eles estivessem no mesmo lugar que seus ancestrais. Tanto isso é
violento, do ponto de vista de negação da história e da migração dos povos”.
Desde quando passou pelo martírio do contexto eleitoral, como ela mesmo qualifica,
sua preocupação esteve direcionada às pessoas que colocaram Bolsonaro no poder.
“Minha preocupação não é ele no poder, mas as pessoas [que o elegeram]. A partir do
momento que várias pessoas elegem uma pessoa como ele, quer dizer que várias
pessoas pensam como ele - ou que querem o que ele quer, porque nem todos tiveram
lavagem cerebral, óbvio!”, enfatizou a indígena
Preocupada com o futuro do Brasil para a sua geração, a jovem Xukuru confia nos
pares da sua idade para enfrentar a situação de instabilidade para os indígenas. “Ele
pode ter ganhado, mas nós não nos entregaremos derrotados. Nós vamos unir as
forças. Vai ter luta até o último índio, até o último pobre, até o último negro”, frisou
Marcinha.
Confiante no poder da informação, Marcinha vê
como estratégia a união “das mulheres, dos negros e
daquelas pessoas que são minorias mas sempre
lutaram”. Ela continua falando do domínio da
informação para enfrentar o momento: “eu acredito
que o modo de unir as forças é ter conhecimento dos
seus direitos e lutar por eles, para que não tenha
retrocesso”.