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INFLUÊNCIA DO REVESTIMENTO NA RESISTÊNCIA DE PAREDES DE


ALVENARIA RESISTENTE DE BLOCOS CERÂMICOS

INFLUENCE OF THE MORTAR COVERING ON THE STRENGHT OF CLAY MASONRY


WALLS

F. A. N. Silva (1); R. A. Oliveira (2); C. W. P. Sobrinho (3)

(1) Professor Doutor, Universidade Católica de Pernambuco


(2) Professor Doutor, Universidade Católica de Pernambuco
(3) Pesquisador do Instituto de Tecnologia de Pernambuco

Resumo
Um grande impulso na construção de habitações populares no Brasil ocorreu na década de 70. Edifícios de
até quatro pavimentos em alvenaria resistente foram empregados como uma alternativa de baixo custo. A
principal característica destas construções é a utilização de blocos de vedação com função estrutural. Esse
tipo de sistema tem fundamentação técnico-científica questionável e não encontra amparo normativo. As
paredes mais solicitadas dessas edificações não atendem aos critérios de segurança e apresentam ruptura
brusca com colapso progressivo. A estabilidade das edificações existentes só pode ser explicada
considerando-se algum incremento na capacidade de carga da parede decorrente da capa de revestimento
existente. Este trabalho apresenta análise do desempenho de paredes construídas com blocos cerâmicos,
revestidas com argamassa de cimento, cal e areia. Foram ensaiados prismas com e sem revestimento de
argamassa e os resultados obtidos mostram que há incremento da capacidade de carga dos prismas revestidos
para ações compressivas.
Palavras-chave: Alvenaria resistente, prismas de alvenaria, alvenaria, alvenaria estrutural, revestimento

Abstract
Popular buildings in Brazil grew up quickly in the decade of seventy. Buildings of up to four storeys made
using non structural units as the main resisting system were used as a low cost solution. This type of system
does not have scientific support and there is no code to allow its use. The walls most stressed of these
buildings do not satisfy safety criteria and exhibit fragile failure, characterized by a gradual collapse. The
stability of the existing buildings can only be explained considering some increment in the load capacity
generated by the existing covering layer. This work presents analysis of the performance of walls made from
clays bricks, covered with cement, lime and sand mortar. Prisms were tested and the gotten results showed
Keywords: Resistant masonry, prisms, masonry, structural masonry, mortar

26 a 30 de mayo de 2008 - Santiago - Chile


XXXIII Jornadas Sudamericanas de Ingenieria Estructural

1 INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, ocorreram diversos acidentes com edifícios construídos em alvenaria de
blocos cerâmicos ou de concreto destinados a vedação, mas utilizados com finalidade estrutural, no
estado de Pernambuco. A prática construtiva local se caracterizava pelo uso dos blocos assentados
com os furos na horizontal, resultando numa estrutura que apresenta ruptura brusca e colapso
progressivo [1]. Estes sinistros têm chamado a atenção da comunidade técnica para a necessidade
de se estabelecer critérios de projeto de reabilitação que permitam uma intervenção corretiva nestas
edificações com níveis de confiabilidade aceitáveis. Estima-se que o problema com estas
edificações na Região Metropolitana do Recife atinja aproximadamente 250.000 pessoas, o que
representa 10% da população. Do ponto de vista do projeto, são escassas as informações sobre
técnicas de recuperação deste tipo de construção, e o que se tem observado na prática é o emprego
de soluções de recuperação fundamentadas em visões empíricas que carecem de reflexão mais
aprofundada sobre sua eficácia e aplicabilidade.
A grande produção destas edificações deveu-se a algumas vantagens tais como: menor
custo em relação às obras com estrutura convencional, o que implicou menores custos de
financiamento; rapidez na execução e grande aplicabilidade dos blocos cerâmicos e de concreto
produzidos no estado de Pernambuco. Por outro lado, a busca pela minimização dos custos,
motivada pela perda do poder aquisitivo da população, associada à falta de controle de qualidade
sobre a técnica construtiva e a inexistência de norma técnica específica, vem causando, ao longo
dos últimos anos, uma série de patologias e acidentes com este tipo de obra, que têm sido
amplamente divulgados na imprensa local e nacional. A freqüência destes acidentes tem gerado
inquietação à comunidade técnica local e, principalmente, aos moradores destas edificações, que
hoje vivem em sobressalto pela incerteza das condições de segurança de suas residências.

2 IMPORTÂNCIA DA PESQUISA

O presente estudo integra um extensivo projeto de pesquisa, em andamento, financiado


pela FINEP e sob a coordenação executiva da Universidade Católica de Pernambuco. Tem entre
seus objetivos a definição de diretrizes para análise e avaliação da segurança estrutural de
edificações em alvenaria portante - alvenaria com elementos de vedação assumindo função
estrutural - e a construção de modelos e procedimentos de recuperação. A fim de que este objetivo
pudesse ser atingido primeiramente foi realizada uma caracterização dos materiais que são
usualmente utilizados neste tipo de construção (blocos e argamassas) de forma que se pudesse
dispor em laboratório das condições mais próximas da realidade executiva destas edificações. Os
ensaios foram realizados em prismas compostos de três blocos, em paredinhas e em paredes em
escala real. A pesquisa em andamento se constitui numa inovação no estudo do comportamento da
alvenaria portante para ações compressivas e pode ajudar de maneira importante a entender a
resposta estrutural destes elementos. Neste trabalho serão apresentados os resultados relativos aos
prismas estudados.

3 CARACTERÍSTICAS DOS MATERIAIS UTILIZADOS E ENSAIOS EXPERIMENTAIS

A areia utilizada na confecção das argamassas de assentamento e revestimentos dos


modelos ensaiados é a usualmente encontrada na região metropolitana do Recife e todo o lote foi
adquirido da mesma jazida. A caracterização foi feita quanto aos seguintes aspectos: granulometria,
coeficiente de inchamento, massa específica, umidade crítica, massa unitária, dimensão máxima
característica e teor de materiais pulverulentos. A TABELA 1 a seguir sumariza os resultados dos
ensaios realizados na areia utilizada.

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TABELA 1 – Caracterização da areia natural utilizada
Agregado miúdo
Peneira Peneira Massa retida % %
(mm) (Pol/Nº) (g) Retida Acumulada
9,5 3/8”
6,3 1/4"
4,8 Nº 4 27,40 5,48 5
2,4 Nº 8 56,50 11,30 17
1,2 Nº 16 107,30 21,46 38
0,6 Nº 30 151,00 30,20 68
0,3 Nº 50 121,50 24,30 93
0,15 Nº 30,80 6,16 99
100
Fundo 5,50
Total 500,00
Dimensão máxima característica (mm) 4,8
Módulo de finura 3,2
3
Massa unitária (g/cm ) 1,42
3
Massa específica (g/cm ) 2,60
Inchamento 1,25
Umidade crítica (%) 3
Teor de material pulverulento (%) 1,26

As argamassas utilizadas, tanto no assentamento dos blocos quanto no revestimento, foram


definidas a partir de uma mistura de cimento, cal e areia na proporção 1:1:6 em volume, traço
também usual em obras de alvenaria portante. A TABELA 2 a seguir apresenta os dados de
caracterização da argamassa utilizada, obtidas através de ensaios de 15 corpos de prova.

TABELA 2 – Caracterização da argamassa de traço 1:1:6


Propriedade Norma Resultados
médios
Resistência à compressão - MPa NBR 7215 [2] 5,68
NBR 13279 [3]
Resistência à tração por compressão NBR 7222 [4] 0,40
diametral – MPa
3
Densidade no estado endurecido (g/cm ) NBR 13280 [5] 2,11

Os blocos cerâmicos utilizados na pesquisa representam aqueles que têm sido usualmente
empregados nas edificações em alvenaria portante no nordeste do Brasil. Tratam-se de blocos
cerâmicos vazados assentados com os furos dispostos na horizontal, conforme se ilustra na parte (a)
da Figura 1. Foram ensaiados 15 blocos quanto aos seguintes aspectos: dimensões, massa e
resistência à compressão. A TABELA 3 a seguir sumariza os resultados obtidos. Todos os blocos
utilizados nos ensaios foram adquiridos em uma cerâmica de porte médio localizada na Região
Metropolitana do Recife, sendo os mesmos obtidos da mesma fornada.

TABELA 3 – Caracterização dos blocos cerâmicos


Ensaios Norma Resultados Médios
Dimensões:L, H e C (cm) NBR 6136 [6] 9,08 : 18,90 e 19,10
Peso (g) NBR 8947 [7] 2.127,66
Resistência à compressão (MPa) NBR 6461 [8] 2,85

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Foram confeccionados trinta prismas, sendo 15 sem revestimento e 15 revestidos com
argamassa de cimento, cal e areia no traço 1:1:6 em volume. Os prismas são compostos de três
blocos cerâmicos ao longo da altura, conforme indicado na Figura 1 a seguir, sendo o revestimento
aplicado um dia após o chapisco. A adoção destes procedimentos visa reproduzir em laboratório as
condições encontradas na prática construtiva das edificações em alvenaria portante. Os prismas sem
revestimentos têm espessura média de 9 cm, largura média de 20 cm e altura média de 60 cm.
Foram também ensaiados 15 prismas revestidos apenas com chapisco no traço de cimento e areia
1:3.

(a) (b)

Figura 1 – (a) Blocos e (b) Prismas de blocos cerâmicos com e sem revestimento

O transporte dos protótipos para a máquina de ensaios exigiu cuidados especiais a fim de
se evitar danos às amostras. No caso dos prismas, o transporte foi realizado com carrinhos
devidamente. A Figura 2 a seguir ilustra o aparato utilizado para transporte dos prismas.

Figura 2 – Transporte dos prismas para ensaio

Os prismas com e sem revestimentos foram ensaiados de acordo com os procedimentos da


NBR 8215 [9]. Embora esta norma seja específica para blocos estruturais, ela foi estendida para o
caso dos prismas de blocos cerâmicos não estruturais contemplados na pesquisa, tendo em vista a
inexistência de normas relativas ao tema. A única alteração que foi efetuada diz respeito ao número
de unidades que compõem cada um dos prismas que, nos ensaios realizados, foi de três ao invés de
dois conforme especifica a NBR 8215. A cura dos prismas foi realizada ao ar livre com temperatura
média de 25ºC e umidade relativa do ar média de 82%. Os ensaios foram realizados após 28 dias. A
aplicação da camada de revestimento de argamassa com 3 cm de espessura foi realizada de uma
única vez.

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4 RESULTADOS EXPERIMENTAIS E DISCUSSÃO

A Figura 3 e a Figura 4 a seguir apresentam, respectivamente, a evolução do processo de


ruptura dos prismas sem e com revestimento. Como podem ser observadas, as rupturas são frágeis e
explosivas, que se caracterizam por uma perda imediata da capacidade resistente do sistema logo
após o atingimento da carga máxima. Para os prismas com revestimento foi observado que o
processo de fissuração se inicia nos septos horizontais dos blocos e a partir deste momento a carga é
primordialmente resistida pelas duas capas de revestimento. Deve-se registrar, no entanto, que
várias formas de ruptura foram constatadas, não se podendo estabelecer uma que represente o
universo dos protótipos ensaiados. Uma gama variada de fatores pode influenciar este processo, tais
como: a qualidade da mão-de-obra, a uniformidade da espessura das argamassas de assentamento,
processo de execução da camada de revestimento, entre outros. Não obstante, podem-se destacar as
seguintes formas de rupturas como mais freqüentes:

• Ruptura da capa de revestimento causada por deslocamentos laterais excessivos da


argamassa de assentamento (Figura 4, terceira foto);
• Ruptura da capa de revestimento por cisalhamento (Figura 5);
• Ruptura por descolamento das capas de revestimento.

Figura 3 – Prismas sem revestimento: evolução da ruptura [10]

Figura 4 – Prismas com revestimento: evolução da ruptura [10]

Figura 5 – Ruptura do revestimento por cisalhamento [10]

A TABELA 4 a seguir sumariza os resultados obtidos no que respeita à carga de ruptura


dos prismas ensaiados.

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TABELA 4 – Carga de ruptura dos prismas
Protótipo Carga média de Medidas de Dispersão
ruptura - (kN) Desv. Padrão - COV - %
kN
Prismas sem revestimento 32,95 4,51 13,69
Prismas só com chapisco 43,35 8,08 18,64
Prismas revestidos 143,22 24,83 17,34

Conforme pode ser observado, o incremento na capacidade de carga decorrente do


revestimento do prisma é significativo. Com efeito, quando se comparam os valores obtidos para o
prisma revestido com aquele decorrente do prisma sem qualquer revestimento, o acréscimo na carga
de ruptura chega a 335% ao passo em que, quando a comparação é feita com o prisma simplesmente
chapiscado, este valor chega a 230%. Comparando as cargas de rupturas do prisma sem
revestimento com aquele apenas chapiscado obtém-se um acréscimo de 32% que é decorrência
exclusiva do chapisco.
Utilizando os valores obtidos acima na avaliação da capacidade de carga de paredes de
alvenaria não armada conforme preconiza NBR 10.8376, admitindo um pé direito típico de 2,80 m
encontrado na grande maioria das edificações em alvenaria resistente, obtêm-se os seguintes
valores:
2
σadm = 0,019 kN/cm para estimativa da carga a partir da resistência do prisma sem revestimento;
2
σadm = 0,028 kN/cm para estimativa da carga a partir da resistência do prisma chapiscado e
2
σadm = 0,078 kN/cm para estimativa da carga a partir da resistência do prisma revestido,

que consubstanciam um significativo incremento na capacidade de carga da parede decorrente da


existência do revestimento de argamassa.

Quando se constata que a maior parte das edificações construídas em alvenaria resistente
na cidade do Recife apresenta valor da tensão atuante na parede mais carregadas da ordem de 0,07
2
kN/cm , é razoável admitir que os revestimentos de argamassa existente nestas paredes podem ser
um dos fatores responsáveis pela garantia da sua estabilidade.
Este acréscimo na capacidade de carga deve, no entanto, ser analisado com cautela, já que
será tanto maior quanto menor for a resistência dos blocos utilizados e é provável que menores
valores sejam obtidos quando se utilizam blocos com resistências mais elevadas.

5 CONCLUSÕES

• Foi observado nos ensaios realizados que os revestimentos contribuíram para aumentar a
capacidade de carga vertical dos elementos de alvenaria resistente estudados;
• Este aumento na capacidade de carga alcançou 335%, nos modelos ensaiados. No entanto, é
preciso ter em mente que este acréscimo está diretamente relacionado com a resistência à
compressão das unidades. Com efeito, quanto menor a resistência das unidades maior será a
contribuição do revestimento para a resistência global do elemento;
• Vários tipos de ruptura foram observados nos prismas não sendo possível eleger uma forma
de ruptura típica. Por outro lado, foram freqüentes as rupturas por deslocamento lateral
excessivo da capa de revestimento decorrente da mudança do estado de tensão da argamassa
de assentamento em virtude do quadro de fissuração excessivo dos septos dos blocos.

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6 AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à FINEP – Financiadora de Estudos e Projetos e ao CNPq -


Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e ao Tecnológico - Brasil - pelo apoio financeiro
concedido através do Edital MCT/FINEP/FVA-HABITARE - 02/2004, Convênio nº.
01.04.1050.00, que tornou possível a pesquisa da qual este trabalho faz parte.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] OLIVEIRA, R. A., SOBRINHO, C. W. A. P. Acidentes com prédios em alvenaria resistente na região
metropolitana do Recife. Damstruct,. João Pessoa, PB, Brasil.2005, pp 285-292.
[2] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. “Argamassa e Concreto – Determinação da resistência
à compressão”. NBR7215, Rio de Janeiro, 1996.
[3] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. “Argamassa para assentamento de paredes e
revestimento de paredes e tetos – determinação da resistência à compressão”. NBR13279, Rio de Janeiro, 2005.
[4] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. “Argamassa e concreto - determinação da resistência
à tração por compressão diametral de corpos-de-prova cilíndricos ”. NBR7222, Rio de Janeiro, 1994.
[5] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. “Argamassa para assentamento e revestimento de
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1995.
[6] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. “Blocos vazados de concreto simples para alvenaria
estrutural”. NBR 6136, Rio de Janeiro, 1994.
[7] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. “Determinação da massa e absorção de água em
blocos cerâmicos”. NBR8947, Rio de Janeiro, 1985.
[8] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. “Bloco cerâmico para alvenaria - Verificação da
resistência à compressão”. NBR6461 , Rio de Janeiro, 1983.
[9] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. “Prismas de blocos vazados de concreto simples para
alvenaria estrutural: preparo e ensaio à compressão”. NBR8215, Rio de Janeiro, 1983.
[10] MOTA, J. M. de F. P. Influência da argamassa de revestimento na resistência à compressão axial em prismas de
alvenaria resistente de blocos cerâmicos. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Pernambuco, Recife,
PE, Brasil.2006, p 135.

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