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2020 - 03 - 25

Juiz constitucional: Estado e poder no Século XXI


DIREITO, JUDICIÁRIO E POLÍTICA: UM DIÁLOGO MAIS QUE NECESSÁRIO

DIREITO, JUDICIÁRIO E POLÍTICA: UM DIÁLOGO MAIS QUE


NECESSÁRIO
JOSÉ FRANCISCO SIQUEIRA NETO

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Doutor pela USP. Mestre pela PUC-SP. Professor Titular do Programa de Pós Graduação em
Direito Político e Econômico e Diretor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana
Mackenzie. Advogado.

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Morosidade do Judiciário e ativismo judicial – 3. Racionalidade,


Poder Judiciário e participação – 4. Considerações finais – 5. Referências.

1. Introdução

Dois assuntos frequentes das revistas jurídicas e das revistas acadêmicas são ativismo judicial e
morosidade da prestação jurisdicional. Porém, o que se nota em ambas as esferas de construção do
pensamento jurídico é que os dois temas são, na maioria das vezes, tratados isoladamente – sem as
necessárias conexões entre eles.

De um lado, o Poder Judiciário é acusado de extrapolar suas funções e arbitrariamente


interferir em Políticas Públicas de competência do Poder Executivo. De outro lado, esse mesmo
Poder Judiciário sofre em sua imagem e confiança, devido, principalmente, a demora em oferecer
respostas adequadas às demandas que lhe são apresentadas.

Esta ambiguidade cotidiana foi claramente identificada pelo professor homenageado em seu
Discurso de Posse na Presidência do STF:

“Nos dias de hoje, não são poucas as críticas veiculadas nos meios acadêmicos e na mídia em
geral contra aquilo que é visto como um protagonismo mais acentuado – ou até mesmo exagerado
– do Poder Judiciário, em particular do STF, quanto à tomada de decisões relativas a temas de
maior impacto sobre a sociedade.

Alguns falam numa “judicialização da política”, enquanto outros mencionam uma “politização
da justiça”. Ambas as expressões traduzem uma avaliação negativa acerca da atuação do
Judiciário, ao qual se imputa um extravasamento indevido de suas competências constitucionais.
Outra censura assacada contra o Judiciário diz respeito à morosidade na prestação jurisdicional,
reclamação que, de resto, aparenta ser universal, tantas são as queixas registradas em outros
países com relação à demora na solução dos processos”. (Lewandowski, 2014)

Haveria alguma relação de causa-efeito entre ativismo judicial e a morosidade da prestação


jurisdicional?

É o que pretendemos sustentar neste artigo em homenagem ao jurista Enrique Ricardo


Lewandowsky, acadêmico criativo, dedicado, dos mais brilhantes e instigantes, que ao chegar por
méritos inquestionáveis ao STF protagonizou pela lucidez, coragem, discernimento jurídico e
político, uma das páginas mais gloriosas de independência da magistratura brasileira, honradez e
compromisso com o Estado Democrático e Social de Direito.

2. Morosidade do Judiciário e ativismo judicial

Não cabe duvidar que a conflituosidade gera uma sobrecarga excessiva de processos, o que por
sua vez compromete o desempenho quantitativo e qualitativo do Poder Judiciário.

Esta intensa conflituosidade que congestiona o Poder Judiciário decorre de inúmeros fatores,
mas, inegavelmente, o principal deles é a economia de massa. Como o capitalismo necessita
constantemente de expansão, esse processo sempre provoca a massificação da produção de bens.
Com isso ocorre a massificação dos litígios e a busca pela adaptação dos instrumentos jurídicos
para solucioná-los. Ou seja, os conflitos guardam inteira relação com a dinâmica de
funcionamento do país.

É nesse contexto que são consolidados no âmbito jurídico os direitos “difusos e coletivos”, o
aprimoramento de ações judiciais de massa como a ação civil pública, ação popular, mandado de
segurança coletivo, dentre tantos exemplos. O fenômeno oposto complementar desse processo são
os incidentes processuais e a necessidade de filtros recursais como a repercussão geral, assim
como o do estabelecimento de padrões jurisprudenciais estáveis como a Súmula Vinculante para
responder aos recursos repetitivos.

Neste diapasão, temos ainda os Juizados Especiais que buscam de um lado ampliar o acesso à
justiça e, de outro, simplificar os procedimentos judiciais a fim de dar celeridade à prestação
jurisdicional.

Não obstante o direito brasileiro refletir sobre a morosidade do Poder Judiciário há mais de
duas décadas, a demora pela prestação jurisdicional somente aumenta, em que pese poucos
episódios de diminuição do tempo de espera.

Olhando para o sistema, podemos afirmar que isto decorre em muito da configuração
molecular (individualizada) do processo. A solução nasce dos conflitos e, decorre necessariamente
da sentença do juiz, formando a chamada “cultura da sentença”. Todos os problemas sociais são
atomizados e levados ao terceiro decisor (juiz) que tem a obrigação de solucionar o litígio entre as
partes.

Por mais que se busque criar novos mecanismos processuais, a estrutura judiciária continua a
mesma desde o século XVIII. O Poder Judiciário contemporâneo, na verdade é o mesmo desde a
sua estruturação. Com a manutenção revigorada do foco da solução de conflitos evidencia a falta
de uma política pública de tratamento adequado dos conflitos que ocorrem na sociedade. A
formação de políticas públicas para a questão, entretanto, depende necessariamente da
participação dos atores envolvidos na análise e solução de problemas coletivos, o que é impossível
na estrutura centrada no indivíduo.

Em que pese relevante o papel do CNJ – Conselho Nacional de Justiça – que, está a revolucionar
a administração do Poder Judiciário1 brasileiro, ainda carecemos de uma política nacional
abrangente, capaz de criar uma verdadeira Política Pública Judiciária.

Tal crítica se fundamenta na visão normativista do direito, em detrimento de uma visão


institucional e organizacional que entenda o Poder Judiciário como lócus da política capaz de
discutir e atuar racionalmente em políticas públicas. A visão normativa e não orgânica somada ao
individualismo exacerbado desta mesma norma leva a uma pressão permanente sobre o Poder
Judiciário que acaba extravasando sob a forma do que denominamos “ativismo judicial”, em
muitos casos, contra a proposta da norma jurídica.

Desde posturas interpretativas como o neoconstitucionalismo até os defensores do Direito


Livre, passando pelo Critical Legal Studies, observamos movimentos que buscam quebrar a
estrutura normativa do texto da lei (visão kelseniana) e aproximar o direito da realidade. Em
síntese, essas correntes permitem que o Poder Judiciário ocupe um espaço afeto originalmente à
política.
Como a norma jurídica não é mais capaz (se é que foi um dia) de responder, com a rapidez
necessária, aos problemas políticos e econômicos que afligem toda a sociedade – e não somente o
caso concreto submetido ao Juiz – o Magistrado passa a decidir visando resolver o problema social
a partir do caso concreto que lhe foi submetido, proporcionando com isso as mais diversas
distorções teóricas – como foi o caso do Direito Alternativo na década de 1990 – e práticas.

As liminares para fornecimento de medicamento são o exemplo clássico das distorções práticas.
Por meio da interpretação judicial do art. 196 da CF que afirma ser a saúde um direito universal a
ser fornecido pelo Estado, as mais diversas decisões são proferidas. Desde tratamentos alternativos
milionários fora do Brasil, até implante de próteses de silicone para efeitos estéticos. Fato concreto
é que, embora o direito de um cidadão (ou grupo) reste efetivado, tais decisões provocam um
inegável impacto na gestão pública, desequilibrando o orçamento e o planejamento anteriormente
realizado.

Considerando que o Orçamento Público também é Lei, o exemplo resulta na situação em que
aludidas decisões mandam descumprir uma lei (orçamentária) para cumprir outra (direito à
saúde). O fundamento da Decisão é uma posição político ideológica que reflete o juízo de
convencimento do Magistrado que julga o caso e não um escalonamento de valores previamente
definido por lei. Em outras palavras, há no caso específico um verdadeiro desmonte da
organização política baseada na divisão de poderes, levando à insegurança jurídica2 e à perda da
credibilidade por parte do Poder Judiciário.

Esta tensão à qual estão submetidos os Juízes na atualidade decorre da mudança paradigmática
trazida pela Constituição Federal de 1988. Como a Constituição Federal de 1988 rompeu com viés
privatista anterior, o Direito brasileiro passou a ter um novo paradigma, agora publicista,
submetido diuturnamente ao Poder Judiciário.3

Somente em 1988 o Brasil incorporou juridicamente a lógica dos direitos sociais, ampliando a
esfera pública do Direito. Na Alemanha, setenta anos antes do Brasil, com a Constituição de
Weimar, de 11.08.1919, rompeu-se com o constitucionalismo liberal, criando uma nova esfera de
direito público. Robert Alexy (2011, p. 98), destaca esse movimento afirmando que:

“(…) com isso, é abandonada a tradição liberal burguesa, segundo a qual direitos fundamentais,
só ou, pelo menos, em primeiro lugar, são direitos de defesa do cidadão contra o estado. Para o
asseguramento da liberdade individual associam-se a participação política e social e o
asseguramento social. O sistema dos direitos fundamentais é ampliado em um sistema amplo de
uma ordem social justa”.

Ocorre que o Poder Judiciário, bem como o Direito infraconstitucional, ainda possui o viés
preponderantemente privatista de séculos passados, ainda em busca de adaptações ao novo
paradigma constitucional que insere o cidadão no centro da atividade política, com repercussões
inclusive no Poder Judiciário.

O país se encontra, portanto, em um momento não de crise institucional de paradigmas, mas


em busca de definições mais precisas sobre o papel do Poder Judiciário nessa tensão permanente
expressa em complexa rede de conflitos de normas, de efetivação de direitos fundamentais,
ativismo judicial, morosidade na entrega da prestação jurisdicional e duração razoável do
processo. Estamos, na verdade, diante de uma oportunidade histórica.

3. Racionalidade, Poder Judiciário e participação

A modernização tardia de alguns países da América Latina, incluindo o Brasil, ocorrida na


primeira metade do século passado, tem como característica a formação de estado burocráticos
complexos. Segundo o pensamento de Max Weber (1974), nada é mais eficiente que o controle
burocrático da sociedade. Nesse sentido, no Estado moderno a burocracia realmente governa
porque o poder é exercido através da rotina da administração e tem capacidade de regular e
controlar toda a vida social.
Para Weber (1974, p. 22), o progresso da economia capitalista depende necessariamente do
progresso da burocracia (intervenção do Estado4) que, ao se aprimorar, amplia os mecanismos e
espaços de controle social e permite a expansão do capitalismo. Esta modernização da burocracia
ocorre de várias formas como são exemplos a regulação do emprego e do salário, a previdência
social, a formação de mão de obra especializada, a divisão funcional do trabalho, a jurisdição, a
documentação e a ordenação hierárquica das atividades.

Esta racionalização da vida também é copiada pelo setor produtivo, isto é, as empresas. A
grande empresa expressa um tipo de burocracia semelhante à burocracia estatal, buscando a
máxima eficiência racional, continuidade de suas operações, precisão e cálculo prévio de
resultados.

A racionalidade do setor produtivo é garantida pela burocracia estatal que se manifesta pelo
direito, que por sua vez deve ser igualmente racional e calculável. Para que o sistema capitalista
opere normalmente é necessário a confiança que o Poder Judiciário e o Poder Executivo
cumprirão regras predeterminadas (leis5). O funcionamento e a expansão do sistema econômico
dependem da burocracia estatal que garante o funcionamento das relações econômicas.

Para Assis; Kumpel; Assis (2010) a burocracia weberiana possui os seguintes princípios:

A. Princípio da Jurisdição: Esse princípio estabelece áreas de jurisdição fixas e oficiais,


ordenadas por leis ou normas administrativas. Nesse sentido: a) as atividades regulares
necessárias aos objetivos da estrutura governada burocraticamente são distribuídas de forma fixa
como deveres oficiais; b) o poder de dar as ordens necessárias à execução desses deveres oficiais
se distribui de forma estável e rigorosamente delimitada pelas normas relacionadas com os meios
de coerção, que possam ser colocados à disposição das autoridades burocráticas (funcionários
especializados); c) são estabelecidas medidas metódicas que possibilitam a realização, regular e
contínua, desses deveres oficiais e para a execução dos direitos correspondentes; d) somente as
pessoas que têm qualificações previstas por um regulamento geral são empregadas.

B. Princípio da Hierarquia: A hierarquia dos postos e dos níveis de autoridades significa um


sistema firmemente ordenado de mando e subordinação, no qual há uma supervisão dos postos
inferiores pelos superiores. Esse sistema oferece aos governados a possibilidade de recorrer de
uma decisão de uma autoridade inferior para a autoridade superior, de uma forma regulada com
precisão. Com o pleno desenvolvimento do tipo burocrático, a hierarquia dos cargos é organizada
de forma monocrática. Uma vez criado, o cargo tende a continuar existindo.

C. Princípio da Capacitação: A administração burocrática moderna pressupõe um treinamento


especializado e completo. O desempenho do cargo segue regras gerais mais ou menos estáveis,
mais ou menos exaustivas, e que podem ser aprendidas. O conhecimento dessas regras representa
um aprendizado técnico especial ao qual os funcionários devem se submeter. Quando o cargo está
plenamente desenvolvido, a atividade oficial exige a plena capacidade de trabalho do funcionário.

Esses princípios são plenamente aplicáveis ao Poder Judiciário, o qual se estrutura e comporta
racional e previsivelmente. Somando-se à posição de Max Weber adotada fidedignamente pelo
Poder Judiciário, temos a teoria de Hans Kelsen que afasta – ou ao menos tenta – os juízos
valorativos da norma jurídica formando com isso um pensamento jurídico-formal que tenta
organizar toda a sociedade com intuito de garantir o funcionamento do sistema econômico.

Isto cria uma metodologia de trabalho (escola analítica), limitando o estudo do direito ao
sistema de regras jurídicas vigente, sem preocupações com o impacto social das decisões judiciais.
Basta subsumir6 o fato à norma que a Justiça será feita!

Ocorre que, o Direito nasce das relações sociais, possui natureza política cujo uso também é
político e ideológico. Aqui se configura o cerne do suscitado neste texto: De um lado temos a figura
do Juiz, que não sendo alienado da realidade, percebe que a norma jurídica não é capaz de
solucionar os problemas reais a partir do repertório legal que possui e busca alterar esta
realidade. Contudo, este mesmo Juiz que continua ligado à matriz metodológica analítica, no mais
das vezes despreza as consequências de sua decisão, sob o argumento que esta consequência não
cabe ao Poder Judiciário discutir.

Surge então o dilema: ou o Poder Judiciário volta à sua matriz analítica ou se reconhece como
um local de formação de decisões políticas.

Dentre tantas manifestações nesse sentido, prefiro destacar uma defendida antes mesmo da
chamada Reforma do Judiciário, via EC 45/2004, pelo Ministro aqui homenageado. Em 1999, em
artigo publicado na Revista da Associação dos Advogados de São Paulo, o Min. Enrique Ricardo
Lewandowski (1999, p. 42) defendera a criação de um Conselho Nacional de Justiça (CNJ) capaz de
organizar o Poder Judiciário de forma global, evitando o esfacelamento das Justiças Estaduais. Este
Conselho, composto não só por membros da Magistratura, teria a função também de racionalizar o
Poder Judiciário, mas de forma institucional.

Esta proposta – que se tornou realidade – é digna de nota pois manteve o Pacto Federativo
brasileiro na esfera do Poder Judiciário vez que permite autonomia administrativa nos Tribunais
locais, mantendo sua integração e planejamento das ações, especialmente por meio da
implantação de metas, que nada mais são do que uma racionalidade weberiana na administração
do Judiciário. Trata-se, pois, de uma modernização da estrutura judiciária a fim de mantê-la
íntegra.

O que assegura tal integração é a figura imprescindível do Juiz Constitucional. A Constituição


Federal é a norma jurídica que garante a existência de espaços democráticos em todo o poder
público – inclusive o Poder Judiciário – e, delimita os limites e impõe os objetivos do país. Cabe ao
magistrado, segundo os princípios e regras constitucionais, conduzir o processo de construção
coletiva e democráticas das decisões.

Cabe à figura do juiz, a condução dos processos decisórios que envolvem a sociedade, segundo
as máximas constitucionais. Há aqui uma ampliação da função do denominado Juiz Constitucional
que passa de aplicador do direto constitucional a verdadeiros construtor da cidadania
constitucional. Tudo, repita-se, sem desrespeitar a divisão de poderes, vez que, sua atuação é nos
limites da Constituição e do Ordenamento Jurídico.

Há uma quebra de paradigma aqui, passando-se de decisão constitucional para construção


constitucional, processo no qual, o juiz constitucional se torna um agente que promove a criação
do direito constitucional.7

No mesmo sentido, encontramos a preocupação do Magistrado e Professor Min. Enrique Ricardo


Lewandowski:

“Nesse contexto, o Judiciário confinado, desde o século XVIII, à função de simples bouche de a
loi, ou seja, ao papel de mero intérprete mecânico das leis, foi pouco a pouco compelido a
potencializar ao máximo sua atividade hermenêutica de maneira a dar concreção aos direitos
fundamentais, compreendidos em suas várias gerações. Ocorre que, assegurar a fruição desses
direitos, hoje, de forma eficaz, significa oferecer uma prestação jurisdicional célere, pois, como de
há muito se sabe, justiça que tarda é justiça que falha. Entre nós, inclusive, incluiu-se,
recentemente, na atual Constituição um novo direito do cidadão: o direito à “razoável duração do
processo” (Lewandowski, 2014).

Aludida posição reforça a missão do Juiz Constitucional integrada à valorização dos Direitos
Humanos em uma perspectiva de realização e harmonização concomitante.

Essa vertente aparece em seu voto pela constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa no qual
expressa nos fundamentos do voto que a Lei fortalece o exercício da cidadania, criando a
expressão filtro da política, utilizada até hoje nas lides eleitorais do Brasil (ADIn 4.578/DF).

Devemos registrar, ainda, que esse novo perfil do Juiz Constitucional também é perceptível nas
questões administrativas dos Tribunais, como podemos observar na decisão do Min. Enrique
Ricardo Lewandowski em digitalizar os autos do processo da Apn 470 (mensalão) para que ficasse
disponível simultaneamente a todos os réus do processo.

Outro exemplo é publicação automática do voto proferido em plenário caso o Ministro não
entregue o voto revisado no prazo de 60 dias.

Várias são as decisões do Min. Enrique Ricardo Lewandowski que podemos mencionar como
paradigmáticas desse novo Juiz Constitucional, como, por exemplo, a aplicação do princípio da
irredutibilidade do salário para garantir a manutenção da vantagem pessoal já concedida.

O mesmo processo observamos no julgamento do RE 579.951 – 4 do Rio Grande do Norte, em


cujo voto o Min. Enrique Ricardo Lewandowski reconheceu que a prática do nepotismo, isto é, a
contratação de parentes para ocupar cargos públicos de confiança é inconstitucional tanto para o
Judiciário quando para o Executivo e o Legislativo. Posteriormente, este entendimento restou
sedimentado na Súmula 13.

Na qualidade de presidente do CNJ – Conselho Nacional de Justiça –, o Min. Enrique Ricardo


Lewandowski também demonstrou abertura à sociedade, especialmente ao reconhecer o papel da
Conciliação nos processos judiciais. O programa que incentiva a conciliação (tanto pré como
processual), capitaneado pelo CNJ, tem como ator principal não mais o Juiz, mas sim o conciliador,
que advém da sociedade, e nem sequer necessita de formação jurídica para que passe a colaborar
com o Poder Judiciário.

O intercâmbio entre as duas soluções apontadas acima certamente terá resultados positivos
para a sociedade brasileira. O fortalecimento de meio negociais é democrático, pois leva a
organização e a participação dos agentes envolvidos, superando o velho normativismo
individualista que transfere ao Estado, a decisão de seus interesses.

A participação direta do interessado na construção da decisão além de aumentar a


credibilidade no Poder Judiciário, possibilita de certo modo a construção coletiva da decisão e
impacta no intrincado problema da morosidade da prestação jurisdicional. Isso, para não falar
que essas decisões – ao envolverem agentes coletivos – passam a ser massificadas, evitando o
individualismo exacerbado que aflige o Poder Judiciário.

4. Considerações finais

A existência de problemas estruturais não justifica nem a retração dos juízes a meros
cumpridores da lei (bouche de a loi) – que nada podem fazer diante deste problema – e tampouco o
fortalecimento de “juízes ativistas”.

Um Juiz aberto ao diálogo com a sociedade, mas que não se exima de resolver os inúmeros
problemas ligados à complexidade da entrega dos direitos fundamentais com respeito aos
certames da política e do legislativo, segundo as leis e a Constituição. Esse é o perfil do Juiz
Constitucional contemporâneo. Esse é o perfil do Min. Enrique Ricardo Lewandowski.

5. Referências

ALEXY, Robert. Constitucionalismo discursivo. 3. ed. Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2011.

ASCENÇÃO, José de Oliveira. O direito – Introdução e teoria geral. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

ASSIS, Olney Queiroz; KUMPEL, Vitor Frederico; ASSIS, Ana Elisa Spaolonzi Queiroz. Sociologia
da administração judiciária. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 75, abr 2010. Disponível em:
[www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/Ricardo%20Antonio?
n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7587&revista_caderno=24]. Acesso em: 02.2015.

BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Revista


Eletrônica do Conselho Federal da OAB. Brasília: n. 4. p 1-29. jan.-fev., 2009.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF 186/DF.

CAGGIANO, Monica Herman Salem. Democracia x Constitucionalismo – Um navio à deriva?


Cadernos da Pós Graduação em Direito da Universidade de São Paulo. n. 1. p. 19-20. São Paulo: 2011.

FONSECA, Pedro Cezar Dutra. Vargas: O capitalismo em construção 1906-1954. São Paulo:
Brasiliense, 1989.

HORN, Carlos Henrique; COTANDA, Fernando Coutinho; PICHLER, Walter Arno. John T. Dunlop
e os 50 anos do industrial relations systems. Dados – Revista de Ciências Sociais. vol. 52. n. 4. p.
1047 a 1070. Rio de Janeiro, 2009.

LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Discurso de Posse no STF. In


[www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/discursoMinistroRL.pdf]. Acesso em:
22.02.2015.

______. A reforma do judiciário e o federalismo brasileiro. Revista do Advogado. vol. 56. p. 39-
43.São Paulo: set., 1999.

SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo – Para uma nova cultura política. São
Paulo: Cortez. 2006.

WEBER, Max. Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1974.

FOOTNOTES
1.

Destaca-se aqui as atividades normativas do CNJ que buscam padronizar condutas administrativas nos
diversos Tribunais que compõem o Poder Judiciário, com especial ênfase à Res. 70, de 18.03.2009, dispôs
sobre o Planejamento e a Gestão Estratégica no âmbito do Poder Judiciário.

2.

“O que se depreende é que o constitucionalismo que pretende ser contemporâneo – ou a teoria do


neoconstitucionalismo – assume uma postura descompromissada com o princípio da segurança jurídica,
que exsurge na trajetória evolutiva da ideia de Estado de Direito, buscando exatamente lhe assegurar
reforço, robustecendo a missão maior de uma Constituição, qual seja estabelecer limites e engradar o
Poder. (…) Extraído, pois do direito comunitário europeu, o princípio da segurança jurídica repousa sobre
a ideia do prévio conhecimento da lei e do tratamento ao qual essa será submetida na sua aplicação.
Apresenta-se como macroprincípio alojando no seu bojo outros princípios a exemplo (a) da confiança
legítima, (b) da legalidade (c) da qualidade da lei.” (CAGGIANO, 2011, p. 19)

3.

O Min. Luís Roberto Barroso toca com profundidade nesta questão: “Judicialização significa que algumas
questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e
não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo – em cujo âmbito se
encontram o Presidente da República, seus ministérios e a administração pública em geral. Como
intuitivo, a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações
significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade. O fenômeno tem
causas múltiplas. Algumas delas expressam uma tendência mundial; outras estão diretamente
relacionadas ao modelo institucional brasileiro. A seguir, uma tentativa de sistematização da matéria. A
primeira grande causa da judicialização foi a redemocratização do país, que teve como ponto culminante
a promulgação da Constituição de 1988. Nas últimas décadas, com a recuperação das garantias da
magistratura, o Judiciário deixou de ser um departamento técnico-especializado e se transformou em um
verdadeiro poder político, capaz de fazer valer a Constituição e as leis, inclusive em confronto com os
outros Poderes. No STF, uma geração de novos ministros já não deve seu título de investidura ao regime
militar. Por outro lado, o ambiente democrático reavivou a cidadania, dando maior nível de informação e
de consciência de direitos a amplos segmentos da população, que passaram a buscar a proteção de seus
interesses perante juízes e tribunais. Nesse mesmo contexto, deu-se a expansão institucional do Ministério
Público, com aumento da relevância de sua atuação fora da área estritamente penal, bem como a presença
crescente da Defensoria Pública em diferentes partes do Brasil. Em suma: a redemocratização fortaleceu e
expandiu o Poder Judiciário, bem como aumentou a demanda por justiça na sociedade brasileira. A
segunda causa foi a constitucionalização abrangente, que trouxe para a Constituição inúmeras matérias
que antes eram deixadas para o processo político majoritário e para a legislação ordinária. Essa foi,
igualmente, uma tendência mundial, iniciada com as Constituições de Portugal (1976) e Espanha (1978),
que foi potencializada entre nós com a Constituição de 1988. A Carta brasileira é analítica, ambiciosa,
desconfiada do legislador. Como intuitivo, constitucionalizar uma matéria significa transformar Política
em Direito. Na medida em que uma questão – seja um direito individual, uma prestação estatal ou um fim
público – é disciplinada em uma norma constitucional, ela se transforma, potencialmente, em uma
pretensão jurídica, que pode ser formulada sob a forma de ação judicial. Por exemplo: se a Constituição
assegura o direito de acesso ao ensino fundamental ou ao meio ambiente equilibrado, é possível
judicializar a exigência desses dois direitos, levando ao Judiciário o debate sobre ações concretas ou
políticas públicas praticadas nessas duas áreas. A terceira e última causa da judicialização, a ser
examinada aqui, é o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, um dos mais abrangentes do
mundo. Referido como híbrido ou eclético, ele combina aspectos de dois sistemas diversos: o americano e
o europeu. Assim, desde o início da República, adota-se entre nós a fórmula americana de controle
incidental e difuso, pelo qual qualquer juiz ou tribunal pode deixar de aplicar uma lei, em um caso
concreto que lhe tenha sido submetido, caso a considere inconstitucional. Por outro lado, trouxemos do
modelo europeu o controle por ação direta, que permite que determinadas matérias sejam levadas em
tese e imediatamente ao STF. A tudo isso se soma o direito de propositura amplo, previsto no art. 103, pelo
qual inúmeros órgãos, bem como entidades públicas e privadas – as sociedades de classe de âmbito
nacional e as confederações sindicais – podem ajuizar ações diretas. Nesse cenário, quase qualquer
questão política ou moralmente relevante pode ser alçada ao STF” (BARROSO, 2009, p. 3).

4.

“Evidentemente a defesa do intervencionismo dava-se em contexto ideológico que de forma alguma o


opunha à iniciativa privada: ao contrário, dizia-se, com sua atuação o Estado deveria ajudá-la e promovê-
la; ambos uniam-se para enfrentar as barreiras que se antepunham ao progresso. Na retórica governista,
isso equivalia a dizer que o Estado só deveria atuar na economia quando houvesse “necessidade social”,
esta entendida quando não fosse para beneficiar particularmente alguma classe ou grupo de pessoas,
regiões ou atividades econômicas, mas para sanar problemas que afligiam a toda sociedade” (FONSECA,
1989, p. 59).
5.

Considerando que as leis são feitas pelo Poder Legislativo demonstra-se aqui o interesse que o Poder
Econômico possui no financiamento de campanhas eleitorais, a formação – não oficial no Brasil – dos
lobbies de interesse.

6.

“A posição típica desta corrente exprime-se através do chamado silogismo judiciário. Tem-se em vista as
formas judiciais de aplicação da lei e raciocina-se como se a lei representasse a premissa maior dum
silogismo. O juiz conheceria a lei, as partes dão os fatos, o juiz subsume os fatos à lei e tira a conclusão. Em
certas épocas, e nomeadamente em consequência de uma concepção mecânica da atividade judiciária,
chegou-se a uma visão particularmente rígida deste processo. Para empregar uma comparação moderna e
que é adequada apesar de risível, pode dizer-se que se pensou que a atuação do juiz seria análoga à das
máquinas automáticas. Nestas, metendo-se a moeda, sai mecanicamente o produto desejado; ali, provados
os fatos, produz-se inelutavelmente certa decisão” (ASCENÇÃO, 2001, p. 644).

7.

Encontramos esta posição no voto do Min. Enrique Ricardo Lewandowski na ADPF 186/DF que trata das
Cotas na Universidade de Brasília: “À toda evidência, não se ateve ele, simplesmente, a proclamar o
princípio da isonomia no plano formal, mas buscou emprestar a máxima concreção a esse importante
postulado, de maneira a assegurar a igualdade material ou substancial a todos os brasileiros e
estrangeiros que vivem no País, levando em consideração – é claro – a diferença que os distingue por
razões naturais, culturais, sociais, econômicas ou até mesmo acidentais, além de atentar, de modo
especial, para a desequiparação ocorrente no mundo dos fatos entre os distintos grupos sociais”.

© desta edição [2015]

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