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Episódio 05/13
Autores:
ROGÉRIO AMORIM e JOSÉ CARLOS COMPLETO
CASTELA
Notificaste o queixoso?
MATIAS
Para as três da tarde.
CASTELA
Importas-te que eu esteja
presente?
MATIAS
Qual é o teu interesse?
CASTELA
Porque desconfio quem seja o
burlão!
RENATO
Está a falar, de quê?
VASCO
(irado)
Cala-te! Não falei contigo!
(para Helena)
Que raio se passou aqui? Dormiste
com ele, não foi?
HELENA
Eu disse-te que namorava o
Renato...
VASCO
Namorar, é uma coisa! Meter-se na
cama com o namorado, é outra!
HELENA
Tenho dezanove anos, já não sou
uma criança!
VASCO
Mas és uma inconsciente! Não foi
essa a educação que eu e a tua
mãe te demos! Merecias uns bons
tabefes!
RENATO
À minha frente não!
VASCO
E és tu quem me vai impedir?!
3.
VASCO
Toma! Agora sai imediatamente
desta casa!
HELENA
Se ele sair eu também saio!
RENATO
Helena, deixa estar, eu saio.
Estou na leitaria à tua espera.
RENATO pega nas roupas e sai.
VASCO
Agora nós, minha menina! O que te
passou pela cabeça para fazer o
que fizeste?
HELENA
Estás a falar como se eu
cometesse algum crime. Dormir com
a pessoa de quem se gosta é a
coisa mais natural deste mundo!
VASCO
Será quando essas duas pessoas
são casadas! E tu quebraste todas
as regras de uma menina decente!
HELENA
Desculpa mas não vou fazer isso!
VASCO
Ai isso é que vais! Nem que eu
tenha...
HELENA
(interrompendo)
Tenhas, o quê? Vais meter-me num
convento?
VASCO
Enquanto viveres debaixo do meu
teto tens de me obedecer!
HELENA
É a segunda vez que me dizes
isso! Agora sou eu que digo...
acabou, pai!
Irritada, HELENA sai da cozinha.
VASCO
Helena! Volta aqui! Ainda não
terminamos esta conversa!
HELENA (S.O.)
Para mim está terminada!
CASTELA
Sabe onde está o Renato?
PRATAS
Essa pergunta deve fazê-la aos
pais dele, não a mim.
CASTELA
O senhor veja como fala! Não se
esqueça que está a falar com um
agente da autoridade!
PRATAS
E o senhor agente está a falar
com o dono desta leitaria! Tenha
um bom dia!
ERMELINDA
Se vem à procura do Renato ele
não está.
CASTELA
Sabe onde o posso encontrar?
ERMELINDA
Não faço a minima ideia.
(pausa)
O que é que o meu filho fez desta
vez?
CASTELA
É suspeito de ter roubado uns
sapatos!
ÁLVARO
O senhor agente falou nuns
sapatos, e eu sei quem tem uns
sapatos novinhos em folha!
CASTELA
E daí? Qualquer pessoa pode ter
uns sapatos novos.
ÁLVARO
A pessoa de quem estou a falar
nem dinheiro tem para mandar
cantar um cego, quanto mais para
sapatos tão caros!
CASTELA
Sabe onde posso encontrar essa
pessoa?
ÁLVARO
Claro que sei. Se quiser eu
levo-o lá.
EZEQUIEL
O senhor acha que eu tenho
dinheiro para andar a comprar
sapatos? Ainda por cima, caros...
7.
ÁLVARO
(para Ezequiel)
Este senhor é agente da
judiciária.
EZEQUIEL
E eu ralado! Não fiz nada de mal!
CASTELA
(para Álvaro)
O senhor deve ter-se enganado.
Este pobre diabo nunca iria ter
dinheiro para comprar sapatos tão
caros...
ÁLVARO
Mas eu ontem vi ele com uns
sapatos novos.
CASTELA
(irónico)
E de ontem para hoje já os
rompeu?! Para a outra vez não me
faça perder tempo!
ÁLVARO
E se eu lhe dissesse que já fui
enganado pelo sacana que anda à
procura?!
CASTELA
Ah, sim? Não sabia... Venha de lá
essa história!
VITÓRIA
Está tudo bem contigo?
HELENA
Não, mãe! Não está!
VITÓRIA
O que é que se passou? Porque não
dormiste em casa esta noite?
HELENA não responde e sobe para o seu quarto. VITÓRIA
levanta-se e vai atrás dela.
8.
VITÓRIA
Porquê?
HELENA
Ele foi à casa de Lisboa e
apanhou-me com o Renato.
VITÓRIA
Foi por isso que não dormiste em
casa?!
HELENA
Sim.
VITÓRIA levanta-se.
VITÓRIA
Não acredito! Dormiste com o
Renato?!
HELENA
Dormimos juntos, sim...
VITÓRIA
Deus do céu! Onde é que tu tinhas
a cabeça?
HELENA
Também tu, mãe?
9.
VITÓRIA
Está bem! O que não tem remédio,
remediado está! Embora não
concorde com essas modernices de
uma rapariga dormir com um rapaz
antes do casamento... tens o meu
apoio!
HELENA levanta-se e abraça VITÓRIA.
HELENA
Eu sabia que podia contar
contigo. Obrigada, mãe!
VITÓRIA
Agora que tens o meu apoio, não
precisas sair de casa.
HELENA
Não, mãe! A minha decisão está
tomada!
VITÓRIA
E vais viver para onde?
HELENA
Eu cá me arranjo.
VITÓRIA
O melhor é eu dar-te dinheiro.
HELENA
Não, mãe! Não quero dinheiro
nenhum!
VITÓRIA
Já sei... estás a pensar em
servir-te do dinheiro que a tua
avó te deixou?!
HELENA
Se for preciso, sim. Está na
altura de começar a viver a minha
vida!
MIRITA
A menina Helena vai sair de casa!
EMANUEL
O quê? Tens a certeza?
MIRITA
Neste momento ela está a fazer a
mala para se ir embora!.
EMANUEL
Obrigado! Agora sai daqui antes
que te vejam!
EMANUEL fecha a porta. MIRITA afasta-se.
CASTELA
Sou o agente Castela, da polícia
judiciária. Queria falar com o
chefe Gomes.
POLÍCIA 1#
Um momento, vou chamar.
Chefe GOMES sai de um corredor e aproxima-se de CASTELA.
GOMES
Queria falar comigo?
CASTELA
Sim...
GOMES
Qual é o assunto?
CASTELA
O assunto chama-se Renato. O
senhor deve saber quem é...
GOMES
Claro que sei.
(pausa)
Vamos até ao meu gabinete, lá
estamos mais à vontade.
GOMES
Em que lhe posso ser útil?
CASTELA
Chegou ao meu conhecimento que há
uns dias atrás deteve um sujeito
chamado Renato por causa de uma
burla com um anel...
GOMES
Sim. Mas nada foi provado.
12.
CASTELA
Mas o queixoso identificou o
suspeito?!
GOMES
Álvaro é um velho beberrão e não
merece nenhum crédito.
CASTELA
Quer dizer que o vigarista do
Renato merece?!
CASTELA
Não disse isso! Acho estranho que
com tanta aldrabice que esse
sujeito já fez o senhor ainda não
lhe tivesse deitado a mão...
GOMES
(irónico)
Que eu saiba, o senhor também
não...
CASTELA
No meu caso é diferente. O senhor
lida com uma ínfima parte do
crime, a judiciária lida com todo
o crime de Lisboa. Faz ideia de
quantos casos tenho em mãos?
GOMES
(entediado)
Acredito que sim, mas nós aqui
somos uma esquadra de bairro e
não aparecem tantos crimes assim.
(pausa)
Afinal qual é o assunto que o
trouxe aqui?
CASTELA
Vim propor-lhe para unirmos as
nossas forças com o fim de pormos
esse Renato atrás das grades!
GOMES
E como é que pretende fazer isso?
CASTELA
Esquecendo a ética, quebrando
regras, não sei se me fiz
entender...
13.
GOMES
Ainda não percebi onde quer
chegar...
CASTELA
Muito bem! Então vou direito ao
assunto: O sujeito que foi
burlado com esse caso do anel
está disposto a arranjar duas
testemunhas de acusação. Ele
também me disse que o senhor só
não prendeu o suspeito por não
haver testemunhas.
GOMES
Se eu bem compreendo, está propor
que o velho Álvaro arranje
testemunhas falsas?!
CASTELA
Era uma forma de afastarmos esse
Renato das ruas e mete-lo na
cadeia. Acabavam-se os seus
problemas e também os meus!
GOMES
Desculpe mas eu não alinho nesse
tipos de coisas. Agora, se não
tem mais nenhum assunto...
CASTELA levanta-se.
CASTELA
Espero que um dia ainda não se
venha a arrepender...
CASTELA sai sem se despedir. GOMES segue-o com o olhar,
com ar pensativo.
VÍTOR
(para Pratas)
Esta será a primeira leitaria com
televisão em Alfama.
PRATAS
Leitaria, não! Café/Pastelaria!
RENATO
Não lhe faz confusão ao fim de
tantos anos esta leitaria virar
café/pastelaria?
14.
PRATAS
O progresso é a alma do negócio.
VÍTOR
Porque não uma casa de chá, para
as senhoras bacanas?
RENATO
(irónico)
Seria uma boa ideia, porque não?
PRATAS
(irritado)
Estou-me borrifando para aquilo
que vocês pensam ou dizem!
HELENA
Eu sei... desculpa!
RENATO
Pela tua cara as coisas com o teu
pai não devem ter corrido lá
muito bem...
HELENA
Saí de casa!
RENATO
Estás doida? E agora, pra onde
vais?
HELENA
Não sei, talvez para um hotel...
RENATO
Não vais para hotel nenhum! O
culpado de saires de casa fui eu.
Terei de ser eu a resolver o
problema!
HELENA
Não tens de te sentir culpado!
Fui eu que te convidei a ires lá
a casa.
RENATO
Isso não interessa! Eu é que vou
resolver este assunto. Está dito!
15.
VÍTOR
O Renato tem razão!
RENATO levanta-se.
RENATO
(para Helena)
Vem... vamos falar com a minha
mãe.
RENATO
Mãe! Preciso falar consigo!
ERMELINDA
O que é que aconteceu?
RENATO
A Helena saiu de casa!
ERMELINDA
(para Helena)
Saíste de casa, porquê?
HELENA
Porque discuti com o meu pai!
ERMELINDA
Uma discussão com o teu pai é
motivo para saíres de casa?
RENATO
Mãe! O pai da Helena apanhou-nos
aos dois na sua casa em Lisboa.
ERMELINDA
Hum... estou a perceber... Quer
dizer que dormiram juntos?!
RENATO
Sim, mãe!
ERMELINDA
E o pai de Helena
apanhou-vos aos dois?!
16.
RENATO
Mãe! Deixa de moralismos. O que
importa agora é resolvermos onde
a Helena vai ficar...
ERMELINDA
Se houvesse espaço cá em casa,
ela podia ficar... Mas tu já
dormes na sala, a tua irmã, no
meu quarto...
HELENA
Já disse ao seu filho que vou
para um hotel. E se for preciso,
tenho dinheiro que chegue para
comprar uma casa.
RENATO
Não me digas que vais pedir
dinheiro à tua mãe?!
HELENA
Claro que não! Eu tenho o
dinheiro que a minha avó me
deixou.
ERMELINDA
Sendo assim... assunto resolvido!
Se a tua namorada pode comprar
uma casa...
HELENA
(para Renato)
Se eu comprasse a casa, vinhas
viver comigo?
17.
RENATO
Se a casa for em Alfama...
ERMELINDA
E ficavam os dois a viver em
pecado?! Não acho boa ideia!
HELENA
Era só até nos casarmos.
RENATO
Espera aí! Estás a pedir-me em
casamento?
HELENA
Não queres casar comigo?
RENATO
Quer dizer... Sim, quero... mas
não pra já!
ERMELINDA
Vá lá... não se zanguem.
(para Renato)
Trata mas é de arranjar um lugar
onde a pequena posso passar a
noite.
RENATO
A mãe tem alguma ideia?
ERMELINDA
Talvez se falares com o Pratas...
Ele conhece muita gente.
AMÉLIA
Mas ela sabe que a menina Helena
adora bolo de nozes com chantili!
ESMERALDA
Pois... mas acontece que a menina
Helena já não mora nesta casa.
AMÉLIA
(surpreendida)
A menina Helena saiu de casa?
Porquê?
ESMERALDA
Os motivos, não sei. Sei é que se
zangou com o pai. Foi o que a
Mirita me disse.
AMÉLIA
Meu Deus do céu! O que vai ser
agora dessa pobre menina?
VASCO
Não fui eu que a pus fora de
casa. A decisão de sair foi da
tua filha!
19.
VITÓRIA
Mas foste tu a forçaste a isso!
(pausa)
Nem parece teu, Vasco! De há uns
tempos para cá nem te conheço!
VASCO
Continuo a ser a mesma pessoa.
VITÓRIA
Não, não és! Se a memória não me
falha, na noite em que foste à
esquadra por causa do carro,
vinhas diferente. E a partir daí
só pioras-te!
MIRITA
A Amélia já se foi embora, minha
senhora!
ESMERALDA
Eu posso fazer o chá.
VITÓRIA
Faz isso, Esmeralda. Já agora
trás também aqueles biscoitos de
laranja.
(Para Damas)
Estou surpreendida, o padre nunca
nos costuma visitar à noite...
PADRE DAMAS
Fui dar uma extrema unção aqui
perto, assim resolvi vir saber
como estavam as coisas por
aqui...
VITÓRIA
As coisas por aqui não andam nada
bem, padre!
PADRE DAMAS
Não andam nada bem? Não estou a
entender.
20.
VASCO
Deixe-a falar, padre.
PADRE DAMAS
Passa-se alguma coisa que eu não
saiba?
VITÓRIA
Passa-se sim, padre! Graças ao
meu marido a minha filha saiu de
casa!
PADRE DAMAS
A Helena saiu de casa? Porquê?
VITÓRIA aponta para VASCO.
VITÓRIA
Pergunte-lhe a ele.
(pausa)
Será que esse chá nunca mais
chega?
RENATO
Precisava de falar consigo.
PRATAS
Diz lá então.
21.
RENATO
Conhece alguém que alugue casas?
PRATAS
Estás a pensar em sair da casa
dos teus pais?
HELENA
Não é para ele, é para mim.
PRATAS
(espantado)
Para a menina?
RENATO
Depois eu explico! Agora diga-me
se conhece alguém que alugue
casas!?
PRATAS
Tenta o Melancia. Ele é dono de
algumas casas aqui em Alfama,
talvez vos arranje alguma para
alugar...
HELENA
Muito obrigada, senhor Pratas!
MELANCIA
Passa-se alguma coisa?
RENATO
Para já quero apresentar-lhe a
minha namorada!
MELANCIA
(para Helena)
Muito prazer, menina!
HELENA beija MELANCIA no rosto.
22.
HELENA
O prazer é todo meu!
MELANCIA
Vamos a ver se é desta vez que
Renato assenta!
HELENA
Espero bem que sim...
RENATO
Podem parar com isso, por favor?
MELANCIA
(para Renato)
Estava a brincar! Diz lá então o
que queres.
RENATO
A minha namorada precisa de
alugar uma casa. O senhor Pratas
disse que talvez o senhor tivesse
alguma pra alugar...
MELANCIA
Aqui está muito barulho, vamos
para o gabinete da direção.
RENATO
Sempre nos arranja a casa?
MELANCIA
Desculpem de estar a meter-me nas
vossas vidas, mas a casa é para
viverem juntos?
RENATO e HELENA entreolham-se.
MELANCIA
Desculpem mais uma vez! Isso é um
assunto que não me diz respeito!
(pausa)
Neste momento tenho uma casa mas
não é nada barata!
RENATO
Nada barata, como?
MELANCIA
Está acima da média das rendas
normais que se praticam em
Alfama.
23.
HELENA
Diga o preço, senhor Melancia.
MELANCIA
A casa foi toda remodelada, está
mobilada...
RENATO
(impaciente)
Senhor Melancia... diga lá quanto
é a renda.
MELANCIA
Não posso fazer menos de
quinhentos escudos ao mês. Mas a
água e a luz está incluído na
renda. Claro que terão de dar uma
caução referente a um mês
adiantado...
HELENA passa um cheque. Depois entrega-o a MELANCIA.
HELENA
Estão aí seis meses de renda
adiantada.
MELANCIA
Não era preciso tanto!
HELENA
Assim evita ter-lhe de lhe pagar
a renda todos os meses.
MELANCIA
Mas... não quer ver a casa
primeiro?
HELENA
Não é preciso. Renato já me tinha
dito que o senhor é uma pessoa de
bem!
MELANCIA escreve num papel. Depois entrega-o junto com as
chaves da casa a HELENA.
MELANCIA
Aqui tem as chaves e a morada!
Renato sabe onde é.
HELENA entrega o papel a RENATO. Este lê a morada.
RENATO
Sim... sei onde é!
MELANCIA
O prédio só tem dois inquilinos:
Os que moram por cima, nem vão
24.
MELANCIA
dar por eles. É um casal jovem de
professores que raramente estão
em casa.
HELENA
Muito obrigado, senhor Melancia!
MELANCIA
De nada! Gozem a vida enquanto
são jovens!
RENATO e HELENA saem.
HELENA
Gostaste da casa?
RENATO
Sim. Parece-me boa!
HELENA
Eu também acho! É pequena mas
acolhedora.
RENATO
Em comparação ao palacete onde
vivias, é bem pequena!
(pausa)
De certeza que não vais
estranhar?
HELENA
Vou estranhar, o quê?
RENATO
Por não teres quem te faça a
cama, lave a loiça, cozinhar...
HELENA
Estás a pensar que eu sou aquele
tipo de menina rica que não sabe
fazer nada?!
25.
RENATO
Não disse isso. Só que tu em tua
casa não fazias tarefas
domésticas!
HELENA
Não fazia, mas sei como se fazem!
RENATO
Fico contente por saber isso!
RENATO
Hoje não! A minha mãe iria ficar
preocupada. E além disso tenho de
te arranjar mantas e lençóis.
HELENA
Onde vais arranjar essas coisas?
RENATO
A minha mãe empresta.
RENATO e HELENA beijam-se.
HELENA
Não te esqueças que tu disseste
que se eu arranjasse uma casa em
Alfama virias viver comigo...
RENATO
Dá tempo ao tempo. Aqui no
bairro, embora as pessoas sejam
muito bacanas, gostam de se meter
na vida dos outros! E tu tens uma
reputação a defender.
HELENA
O que menos me preocupa é a minha
reputação. Se vieres viver comigo
seremos mais um casal, entre
tantos.
RENATO
Esses "entre tantos" são casados!
Aqui ainda se pratica o culto do
vestido branco, Igreja, grinalda
e meninas virgens!
HELENA
(surpreendida)
Quando queres falas bem. Tens só
a quarta classe?
26.
RENATO
Não. Ainda frequentemente o
terceiro ano da escola comercial,
na Veiga Beirão. Depois desisti.
HELENA
Foi pena! Terias ido longe.
RENATO
Talvez...
(pausa)
Bom, está na altura de te ir
buscar as mantas e os lençóis!
RENATO beija HELENA e sai.
CIPRIANO
(para o agente 1#)
Queria falar com o agente
Castela.
AGENTE 1#
Qual é o assunto?
CIPRIANO
Diga só que o Cipriano quer falar
com ele.
CASTELA
Pode entrar!
CIPRIANO entra e senta-se na cadeira em frente à
secretária de CASTELA
CASTELA
Trazes novidades?
CIPRIANO
Tenho andado a seguir o Renato,
como o senhor pediu.
CASTELA
Sim? E então?
CIPRIANO
Esteve na leitaria, depois
apareceu uma miúda...
CASTELA
(interrompendo)
Que miúda?
CIPRIANO
Uma ricaça.
CASTELA
Ricaça...? Continua...
CIPRIANO
Depois saiu da leitaria com essa
ricaça, foi a casa, saiu, e
entrou novamente na leitaria...
CASTELA
Pára! Pára! Pára! Não estou
interessado em saber quantas
vezes ele entrou em casa ou na
leitaria! Quero é que me informes
de coisas importantes! Fiz-me
entender?
CIPRIANO
Verá que é importante se eu lhe
disser quem é a ricaça.
CASTELA
Diz lá então quem é a ricaça.
28.
CIPRIANO
É a filha de Vasco Borges.
CASTELA
Vasco Borges... O magnata da
indústria automóvel!?
(pausa)
Como é que soubeste?
CIPRIANO
Porque não era só eu quem andava
a seguir o Renato.
CASTELA
Não?
CIPRIANO
Não. Havia um ricaço que também o
andava a seguir.
CASTELA
Calculo quem seja... Continua...
CIPRIANO
Achei estranho e fui ter com ele
para lhe perguntar porque andava
a seguir o Renato. Afinal não
andava a seguir o Renato, mas a
tal ricaça. Palavra puxa palavra
e acabou por me dizer tudo aquilo
que eu queria saber.
CASTELA
(para si)
Então quer dizer que esse pulha
do Renato anda metido com a filha
do Vasco Borges?!
JÚLIO
(para Castela)
Conheces o tipo?
CASTELA
Não pessoalmente. Mas sei que é
amigo de alguns ministros do
nosso governo... Para além de ser
um homem riquíssimo!
JÚLIO
Nesse caso, um tipo poderoso?!
CASTELA
Podes dizê-lo.
(pausa)
Aposto que foi ele quem falou com
o nosso sub-diretor...
29.
JÚLIO
Naquele dia em que te viste
forçado a libertar o Renato?!
CASTELA
Exatamente!
(pausa)
Só há uma coisa que não entendo:
Como pode um pobretanas andar com
a filha de um magnata?
JÚLIO
(rindo)
Para o amor não há barreiras!
CASTELA
Mas há grades! Ou eu não me chame
Castela Barreto!
(para Cipriano)
Continua a seguir o gajo. Mais
tarde ou mais cedo ele há-de
cometer um erro!
CIPRIANO levanta-se e sai.
JÚLIO
Sempre falaste com o queixoso em
relação aquela burla dos sapatos?
CASTELA
Não apareceu. Ao que parece, foi
o empregado quem fez a queixa sem
a autorização do proprietário.
JÚLIO
Estou a entender. Uma sapataria
daquelas a última coisa que
quer são escândalos!
CASTELA
Deve ter sido isso. Mais uma vez
o malandro teve sorte!
RENATO
Vamos a acordar, dorminhoca!
HELENA espreguiça-se, fazendo realçar o seu bonito peito
através do lençol.
30.
HELENA
Ainda não me deste o meu beijo
dos bons-dias.
RENATO curva-se para a beijar. HELENA beija-o com paixão.
Ele corresponde. Os dois acabam por fazer amor.
CORTA PARA:
RENATO e HELENA estão deitados de costas. Ambos têm os
olhos fixos no teto.
HELENA
Já decidiste?
RENATO
Decidir, o quê?
HELENA
Se vens viver comigo.
RENATO e HELENA viram-se, ficando com os rostos quase
colados.
RENATO
Tens mesmo a certeza que queres
que eu venha viver contigo?
HELENA
Claro que sim... pateta!
RENATO
E se de repente resolves voltar
pra casa do teu pai?
HELENA
Isso nunca irá acontecer.
RENATO
E se a tua mãe insistir pra que
voltes?
HELENA
Nem o meu pai nem a minha mãe me
fazem desistir de ti!
HELENA
Lembraste quando nos encontramos
pela primeira vez na empresa do
meu pai?.
RENATO
Claro que me lembro. Deixaste
cair os livros e eu ajudei-te a
apanhá-los
HELENA
(rindo)
E aproveitaste logo para olhar
para a minhas pernas.
RENATO
Eram amarelas com flores...
HELENA
O quê? As minhas pernas?
RENATO
Não. As tuas cuequinhas!
HELENA belisca-o no peito.
HELENA
Parvo!
(pausa)
Estou cheia de fome!
RENATO
Também eu!
(pausa)
Vamos levantar porque já sei onde
vamos comer.
HELENA
(rindo)
Não estás a pensar em irmos tomar
o pequeno almoço à leitaria do
Pratas?!
RENATO
Não. Vamos a um sítio muito
bacano.
VASCO
Tive uns assuntos para tratar.
PADRE DAMAS
Vamos para a Sacristia.
VASCO
Tivemos uma discussão feia.
PADRE DAMAS
Isso já eu sei.
PADRE DAMAS
Recebeste uma chamada anónima?!
VASCO
Sim. E fiquei preocupado, como
deve imaginar...
PADRE DAMAS
E depois?
VASCO
Resolvi ir lá e... as minhas
suspeitas confirmaram-se: Estavam
os dois em trajes menores!
PADRE DAMAS
Achas que passaram a noite
juntos?!
VASCO
Pelo menos a minha filha admitiu
que sim...
33.
PADRE DAMAS
Isso não podia ter acontecido!
Padre DAMAS levanta-se, tira a garrafa, onde tem o vinho
para a missa, enche um cálice e emborca o vinho de um só
trago. Depois olha para cima.
PADRE DAMAS
Desculpa, senhor! Estava mesmo a
precisar!
PADRE DAMAS
Porque não contas a verdade ao
rapaz?
VASCO
Não posso, padre! A Vitória não
ia aguentar uma coisa dessas.
PADRE DAMAS
Tens razão. Não ia mesmo.
(pausa)
Mas alguma coisa tem de ser
feita...
VASCO
O quê, padre?
(pausa)
Tem alguma ideia?
PADRE DAMAS
Eu? Não, não tenho.
O padre DAMAS aponta para a cruz de Cristo.
PADRE DAMAS
Mas talvez Ele tenha!
RENATO
Que se passa, pá?
EZEQUIEL
A ambulância veio buscar o meu
pai.
RENATO
Porquê? Piorou?
EZEQUIEL
Sentiu-se mal e a minha mãe teve
de chamar a ambulância.
Os três dirigem-se para a casa de EZEQUIEL. RENATO bate à
porta. CATARINA abre a porta.
RENATO
(para Catarina)
O que é que aconteceu ao seu
marido?
CATARINA
Foi um princípio de um enfarte.
(pausa)
Tenho a vida virada do avesso!
Ezequiel não consegue arranjar
trabalho, o meu marido neste
estado, sem poder trabalhar, o
que é que eu vou fazer à minha
vida?
HELENA
É preciso ter calma, tudo se vai
compôr.
CATARINA
Está-se é a descompor! Duas
rendas de casa já estão em
atraso.
RENATO
Porque é que o senhorio não lhe
manda arranjar a porta?
CATARINA
Esse forreta?
(pausa)
A porta ainda é o menos. Devias
era ver a minha casa por dentro.
Há sitos que chove como na rua.
HELENA tira da mala cem escudos e estende-os a CATARINA.
HELENA
Tome. Amanhã prometo que vou
arranjar mais.
35.
CATARINA
Não, filha, eu apanho o
eléctrico.
HELENA dá um beijo na face de CATARINA. Esta e EZEQUIEL
entram em casa. RENATO e HELENA seguem caminho.
PRATAS
(para Helena)
Já sei que o Melancia lhe alugou
uma casa.
VÍTOR
(para Helena)
Alugas-te uma casa em Alfama?
RENATO
Qual é o espanto?
VÍTOR
Só fiquei admirado, só isso!
36.
RENATO
Agora a Helena é como se fosse
deste bairro.
VÍTOR
Já vi que sim...
(pausa)
Irmão, estou teso que nem um
carapau seco! Quando é que
voltamos ao trabalho?
HELENA
Que trabalho?
RENATO
Ele está-se a referir aos
biscates.
(pausa)
Já espatifaste o dinheiro todo?
VÍTOR
É pá! Um gajo tem que viver, não?
HELENA
(para Vítor)
Se quiseres posso emprestar-te
algum dinheiro...
VÍTOR
Se não te importares...
HELENA tira da mala cinquenta escudos dá-os a VÍTOR. Pelo
olhar de RENATO, vê-se que este não aprova.
HELENA
(para Renato)
Preciso falar contigo, em
particular!
HELENA e RENATO saem. VÍTOR segue-os com o olhar.
RENATO
Não tinhas nada que emprestar
dinheiro ao Vítor!
37.
HELENA
Emprestei porque ele é teu
amigo...
RENATO volta-se para ela.
RENATO
As coisas não funcionam assim.
HELENA
Assim, como?
RENATO
Mais tarde falamos sobre isso.
(pausa)
Disseste que querias falar
comigo, passa-se alguma coisa?
HELENA
O que estás a pensar fazer para
ajudares a mãe do Ezequiel?
RENATO
Hei-de arranjar uma maneira...
PAUSA
HELENA
Não queres ouvir a minha ideia?
RENATO
Se estás a pensar em usar o teu
dinheiro...
HELENA
Não é com o meu dinheiro! É com
dinheiro arranjado à tua maneira!
RENATO vira-se para HELENA.
RENATO
Qual é a minha maneira?
HELENA
Não te faças de anjinho!
CIPRIANO
Sim, vamos.
O taxi arranca.
HELENA
Gostaste da minha ideia?
RENATO
Não é má. Mas tens mesmo a
certeza que queres fazer isso?
HELENA
(rindo)
Claro que sim!
RENATO
Já pensaste que as coisas podem
correr mal?
HELENA
Se fizermos tudo como eu disse,
nada vai correr mal!
HELENA
Então? Gostas?
39.
RENATO
Pareço um tótó com este fato e
este cabelo.
HELENA
(rindo)
Vê isso como uma ferramenta de
trabalho!
RENATO
Eu tenho um bigode postiço, não
seria melhor usá-lo?
HELENA
Não. A partir de agora, nada de
disfarces!
HELENA
Claro que vão saber. Mas nada
poderão provar!
RENATO
(inseguro)
Tens a certeza?
HELENA beija-o na face.
HELENA
Certezinha absoluta!
(pausa)
Agora vamos almoçar.
RENATO
Já viste quem nos vem a seguir?
HELENA
Quem é, não sei. Apenas sei que é
um táxi.
RENATO
Um táxi?
HELENA
Sim. Já vem a seguir-nos desde
Algés.
RENATO
Como é que sabes?
HELENA
Porque já abrandei para ele
passar, e o tipo não ultrapassou,
abrandou também.
RENATO
Será o Castela?
HELENA
A Judiciária não usa táxis para
seguir os suspeitos.
(pausa)
Mas sei uma forma de nos livramos
dele.
HELENA carrega no acelerador. O carro dá um salto e ganha
velocidade. RENATO agarra-se aonde pode. O táxi fica para
trás.
TAXISTA 2#
Foi impossível acompanhar a
velocidade daquele carro. O meu
táxi não é um carro de corridas!
41.
CIPRIANO
(desalentado)
Eu sei que não é.
TAXISTA 2#
E agora?
CIPRIANO
Vamos dar umas voltas por aí a
ver se os encontramos.
RENATO
Desejo comprar um anel de
noivado.
ADRIANO
Já tem alguma ideia do anel que
quer comprar?
RENATO
Ainda não. Gostaria de ver
alguns...
ADRIANO
Muito bem. Por aqui, por favor!
RENATO senta-se numa mesa destinada a clientes.
ADRIANO
Já lhe trago os anéis para que
posa escolher.
ADRIANO afasta-se, para de seguida aparecer com alguns
estojos que contêm diversos anéis de noivado.
ADRIANO
Ora aqui estão eles.
ADRIANO coloca os estojos em cima da mesa. RENATO começa a
analisar os anéis. Depois tira um do estojo.
RENATO
(para Adriano)
Quanto custa este?
42.
ADRIANO
Esse anda à volta de seiscentos
contos.
RENATO
Não acha que tem pouco ouro para
ter este preço?
ADRIANO
O valor não está no ouro mas sim
no diamante. Para além disso, já
não se usa anéis muito grossos.
RENATO
Gostava de ver mais anéis.
ADRIANO
Com certeza... eu vou buscar.
RENATO põe o anel no estojo e retira outro. Depois cola-o
por debaixo da mesa, preso por uma pastilha elástica.
Entretanto ADRIANO chega com mais dois estojos. ADRIANO dá
por falta do anel.
ADRIANO
Falta aqui um anel!
RENATO
Não terá caído?
ADRIANO
Caiu, como? Os anéis não costumam
cair assim sem mais nem menos!
RENATO
Então, não sei...
ADRIANO
Será que não sabe?
RENATO
Está insinuar que fui eu quem
roubou o anel?
RENATO
Se é assim que tratam os
clientes, vou-me já embora!
(pausa)
Tens a certeza que é ele?
(pausa)
Sim, sei onde fica. Eu vou já
para aí!
ADRIANO
E...?
POLÍCIA 4#
O rapaz não tem o anel!
ADRIANO
(exaltado)
Isso é impossível! O anel não
tinha asas!
POLÍCIA 4#
De certeza que tinha o anel no
estojo?
ADRIANO
(ofendido)
Com franqueza, senhor agente!
Isto não é uma ourivesaria de
quinta categoria. Mateus & Lima é
uma das mais importantes
joalharias do país.
45.
POLÍCIA 4#
Pois... mas o rapaz não tem o
anel.
ADRIANO
Tem de o revistar novamente! De
certeza que ele tem o anel!
POLÍCIA 5#
Já o revistamos, ele não tem o
anel!
CASTELA
Não se preocupe, eu sei onde se
encontra o anel!
FIM DO QUINTO EPISÓDIO