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"O REI DO BAIRRO"

Episódio 05/13

Autores:
ROGÉRIO AMORIM e JOSÉ CARLOS COMPLETO

Série para Televisão

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aos autores.
Registado na IGAC dvaestudio@sapo.pt
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josecarloscompleto@gmail.com
Tel: 910 300 303
STOCK SHOT: LISBOA A AMANHECER, VAI TERMINAR NO EDIFÍCIO
DA JUDICIÁRIA.

1 001 INT. PJ/PIQUETE - DIA 13 - MANHÃ


O agente de serviço, SILVEIRA (35s), está sentado à
secretária. CASTELA entra.
CASTELA
Entrou alguma queixa de burla?
SILVEIRA
Enquanto estive de turno, não.
CASTELA
Podes ver no livro?
SILVEIRA consulta o livro de registo de queixas.
SILVEIRA
Está aqui registado uma burla
referente a uns sapatos.
CASTELA
Sapatos? Tens a certeza?
SILVEIRA
Sapatos sim... mas pelo preço que
eu vejo aqui... custam quase
metade do nosso ordenado.
CASTELA
Deixa-me ver o livro.

CASTELA consulta o livro de registo de queixas e tira umas


notas para o seu bloco de apontamentos.
CASTELA
Quem ficou com o caso?
SILVEIRA
Acho que foi o Matias...

2 002 INT. PJ/MATIAS GABINETE - DIA 13 - MANHÃ


MATIAS (38s) encontra-se à secretária a escrever à
máquina. CASTELA entra.
CASTELA
És tu que tem o caso da burla da
sapataria?
MATIAS
Sou.
2.

CASTELA
Notificaste o queixoso?
MATIAS
Para as três da tarde.
CASTELA
Importas-te que eu esteja
presente?

MATIAS
Qual é o teu interesse?
CASTELA
Porque desconfio quem seja o
burlão!

3 003 INT. VASCO CASA LISBOA/COZINHA - DIA 13 - MANHÃ


CONTINUAÇÃO DA CENA 51 - 4.º EPISÓDIO

RENATO
Está a falar, de quê?
VASCO
(irado)
Cala-te! Não falei contigo!
(para Helena)
Que raio se passou aqui? Dormiste
com ele, não foi?
HELENA
Eu disse-te que namorava o
Renato...
VASCO
Namorar, é uma coisa! Meter-se na
cama com o namorado, é outra!

HELENA
Tenho dezanove anos, já não sou
uma criança!
VASCO
Mas és uma inconsciente! Não foi
essa a educação que eu e a tua
mãe te demos! Merecias uns bons
tabefes!
RENATO
À minha frente não!
VASCO
E és tu quem me vai impedir?!
3.

VASCO dirige-se para o quarto. Quando regressa trás com


ele as roupas de Renato. Depois arremessa as roupas para o
chão.

VASCO
Toma! Agora sai imediatamente
desta casa!
HELENA
Se ele sair eu também saio!

RENATO
Helena, deixa estar, eu saio.
Estou na leitaria à tua espera.
RENATO pega nas roupas e sai.

VASCO
Agora nós, minha menina! O que te
passou pela cabeça para fazer o
que fizeste?

HELENA
Estás a falar como se eu
cometesse algum crime. Dormir com
a pessoa de quem se gosta é a
coisa mais natural deste mundo!

VASCO
Será quando essas duas pessoas
são casadas! E tu quebraste todas
as regras de uma menina decente!

Alterado, VASCO senta-se na cadeira e passa a mão pela


testa.
VASCO
Como pudeste fazer uma coisa
destas?! Eu avisei-te que não
queria que tu te envolvesses com
esse rapaz.
HELENA
Não percebo essa tua obsessão...
Se dizes que a pobreza não te
incomoda, qual é o problema de eu
namorar um rapaz de condição
social inferior à nossa?
VASCO
Um dia ainda vais compreender
àquilo a que tu chamas obsessão!
A partir de agora proíbo-te de
veres esse rapaz! Acabou, Helena!
4.

HELENA
Desculpa mas não vou fazer isso!
VASCO
Ai isso é que vais! Nem que eu
tenha...
HELENA
(interrompendo)
Tenhas, o quê? Vais meter-me num
convento?

VASCO
Enquanto viveres debaixo do meu
teto tens de me obedecer!

HELENA
É a segunda vez que me dizes
isso! Agora sou eu que digo...
acabou, pai!
Irritada, HELENA sai da cozinha.

VASCO
Helena! Volta aqui! Ainda não
terminamos esta conversa!
HELENA (S.O.)
Para mim está terminada!

4 004 INT. PRATAS LEITARIA - DIA 13 - MANHÃ


PRATAS serve o pequeno almoço a um casal (55s) (60s).
CASTELA entra. PRATAS regressa ao balcão.
PRATAS
(para Castela)
Deseja alguma coisa?

CASTELA
Sabe onde está o Renato?
PRATAS
Essa pergunta deve fazê-la aos
pais dele, não a mim.

CASTELA
O senhor veja como fala! Não se
esqueça que está a falar com um
agente da autoridade!

PRATAS
E o senhor agente está a falar
com o dono desta leitaria! Tenha
um bom dia!

CASTELA deita um olhar furioso a Pratas e sai.


5.

5 005 INT. RENATO CASA - DIA 13 - MANHÃ


ERMELINDA está na máquina de costura a coser camisas.
Batem à porta. ERMELINDA levanta-se, olha pelo postigo,
depois abre a porta.

6 006 EXT. RENATO CASA/RUA - DIA 13 - MANHÃ


CASTELA está a porta da casa de RENATO.

ERMELINDA
Se vem à procura do Renato ele
não está.
CASTELA
Sabe onde o posso encontrar?
ERMELINDA
Não faço a minima ideia.
(pausa)
O que é que o meu filho fez desta
vez?
CASTELA
É suspeito de ter roubado uns
sapatos!

ERMELINDA solta uma gargalhada.


ERMELINDA
O meu rapaz a roubar sapatos?!
Onde foi buscar essa, senhor
agente?
CASTELA
A senhora pode-se rir à vontade.
Mas quando eu puser as mãos no
seu filho, vai perder a vontade
de rir!
ERMELINDA
Tenha um bom dia, senhor agente
Castela!

ERMELINDA fecha a porta. ÁLVARO vai a passar e aproxima-se


de CASTELA.
ÁLVARO
Ia a passar e não pude deixar de
ouvir a conversa com a senhora
Ermelinda.
CASTELA
Sim? E depois?
6.

ÁLVARO
O senhor agente falou nuns
sapatos, e eu sei quem tem uns
sapatos novinhos em folha!

CASTELA
E daí? Qualquer pessoa pode ter
uns sapatos novos.
ÁLVARO
A pessoa de quem estou a falar
nem dinheiro tem para mandar
cantar um cego, quanto mais para
sapatos tão caros!
CASTELA
Sabe onde posso encontrar essa
pessoa?
ÁLVARO
Claro que sei. Se quiser eu
levo-o lá.

7 007 EXT. ALFAMA/ESCADINHAS - DIA 13 -MANHÃ


CASTELA e ÁLVARO chegam às escadinhas. ÁLVARO aponta para
EZEQUIEL.
ÁLVARO
Quem tem os sapatos novos é
aquele rapaz que está ali
sentado.

CASTELA aproxima-se de EZEQUIEL.


CASTELA
Houve um passarinho que me disse
que tens uns sapatos nossos, e
que por sinal são bastante
caros...
EZEQUIEL levanta a perna e mostra os sapatos rotos.
EZEQUIEL
Está a referir-se a estes?
CASTELA
O RENATO não te vendeu uns
sapatos?

EZEQUIEL
O senhor acha que eu tenho
dinheiro para andar a comprar
sapatos? Ainda por cima, caros...
7.

ÁLVARO
(para Ezequiel)
Este senhor é agente da
judiciária.

EZEQUIEL
E eu ralado! Não fiz nada de mal!
CASTELA
(para Álvaro)
O senhor deve ter-se enganado.
Este pobre diabo nunca iria ter
dinheiro para comprar sapatos tão
caros...
ÁLVARO
Mas eu ontem vi ele com uns
sapatos novos.
CASTELA
(irónico)
E de ontem para hoje já os
rompeu?! Para a outra vez não me
faça perder tempo!
ÁLVARO
E se eu lhe dissesse que já fui
enganado pelo sacana que anda à
procura?!
CASTELA
Ah, sim? Não sabia... Venha de lá
essa história!

CASTELA CONVERSA COM ÁLVARO EM OFF.


STOCK SHOT: IMAGENS DA LINHA DO ESTORIL, O TEJO, AS PRAIAS
ETC.

8 008 INT. VASCO CASA/SALA DE ESTAR - DIA 13 - TARDE


VITÓRIA vê televisão. HELENA entra. VITÓRIA repara que
HELENA vem com olhos de choro.

VITÓRIA
Está tudo bem contigo?
HELENA
Não, mãe! Não está!

VITÓRIA
O que é que se passou? Porque não
dormiste em casa esta noite?
HELENA não responde e sobe para o seu quarto. VITÓRIA
levanta-se e vai atrás dela.
8.

9 009 INT. VASCO CASA/HELENA QUARTO - DIA 13 - TARDE


VITÓRIA entra no quarto. HELENA tira uma mala do
guarda-fatos e começa a arrumar a roupa que vai tirando
das gavetas da comoda.
VITÓRIA
O que é que estás a fazer?
HELENA senta-se na cama e começa a chorar. VITÓRIA
senta-se ao seu lado e pega-lhe na mão.
VITÓRIA
O que se passa contigo, filha?
HELENA
Vou-me embora! Estou farta de ser
tratada como uma criança!
VITÓRIA puxa a cabeça de HELENA para o seu seio.
VITÓRIA
Conta-me o que aconteceu.
HELENA
Discuti com o pai.

VITÓRIA
Porquê?
HELENA
Ele foi à casa de Lisboa e
apanhou-me com o Renato.

VITÓRIA
Foi por isso que não dormiste em
casa?!
HELENA
Sim.
VITÓRIA levanta-se.
VITÓRIA
Não acredito! Dormiste com o
Renato?!
HELENA
Dormimos juntos, sim...
VITÓRIA
Deus do céu! Onde é que tu tinhas
a cabeça?
HELENA
Também tu, mãe?
9.

VITÓRIA
Está bem! O que não tem remédio,
remediado está! Embora não
concorde com essas modernices de
uma rapariga dormir com um rapaz
antes do casamento... tens o meu
apoio!
HELENA levanta-se e abraça VITÓRIA.

HELENA
Eu sabia que podia contar
contigo. Obrigada, mãe!
VITÓRIA
Agora que tens o meu apoio, não
precisas sair de casa.
HELENA
Não, mãe! A minha decisão está
tomada!

VITÓRIA
E vais viver para onde?
HELENA
Eu cá me arranjo.

VITÓRIA
O melhor é eu dar-te dinheiro.
HELENA
Não, mãe! Não quero dinheiro
nenhum!
VITÓRIA
Já sei... estás a pensar em
servir-te do dinheiro que a tua
avó te deixou?!

HELENA
Se for preciso, sim. Está na
altura de começar a viver a minha
vida!

HELENA desprende-se da mãe e continua a fazer a mala.


VITÓRIA
Filha, não queres pensar melhor?
HELENA
Não há nada para pensar, mãe.
10.

10 010 INT. VASCO CASA/CORREDOR - DIA 13 - TARDE


MIRITA encontra-se escondida perto da porta do quarto a
ouvir a conversa entre HELENA e VITÓRIA. Afasta-se
quando VITÓRIA se levanta e se prepara para sair.

11 011 INT. VASCO CASA/EMANUEL QUARTO/WC - DIA 13 - TARDE


EMANUEL está a tomar banho quando ouve bater à porta do
seu quarto

12 012 INT. VASCO CASA/EMANUEL QUARTO - DIA 13 - TARDE


EMANUEL entra no quarto com a toalha à cintura. Depois vai
abrir a porta.
EMANUEL
(para Mirita)
O que estás aqui a fazer?

MIRITA
A menina Helena vai sair de casa!
EMANUEL
O quê? Tens a certeza?

MIRITA
Neste momento ela está a fazer a
mala para se ir embora!.
EMANUEL
Obrigado! Agora sai daqui antes
que te vejam!
EMANUEL fecha a porta. MIRITA afasta-se.

13 013 INT. VASCO CASA/SALA ESTAR - DIA 13 - TARDE


VITÓRIA está sentada no sofá e limpa as lágrimas com um
lenço. EMANUEL entra.
EMANUEL
A Helena?
VITÓRIA
Acabou de sair.
EMANUEL sai, apressadamente.
11.

14 014 EXT. PSP ESQUADRA/RUA - DIA 13 - TARDE


CASTELA identifica-se ao polícia que está à porta da
esquadra e entra.

15 015 INT. PSP ESQUADRA/GUICHÉ - DIA 13 - TARDE


CASTELA aproxima-se do guiché de atendimento.

CASTELA
Sou o agente Castela, da polícia
judiciária. Queria falar com o
chefe Gomes.
POLÍCIA 1#
Um momento, vou chamar.
Chefe GOMES sai de um corredor e aproxima-se de CASTELA.
GOMES
Queria falar comigo?

CASTELA
Sim...
GOMES
Qual é o assunto?
CASTELA
O assunto chama-se Renato. O
senhor deve saber quem é...

GOMES
Claro que sei.
(pausa)
Vamos até ao meu gabinete, lá
estamos mais à vontade.

16 016 INT. PSP ESQUADRA/GOMES GABINETE - DIA 13 - TARDE


GOMES e CASTELA entram. GOMES vai ocupar a sua secretária.
CASTELA senta-se numa cadeira, perto da secretária.

GOMES
Em que lhe posso ser útil?
CASTELA
Chegou ao meu conhecimento que há
uns dias atrás deteve um sujeito
chamado Renato por causa de uma
burla com um anel...
GOMES
Sim. Mas nada foi provado.
12.

CASTELA
Mas o queixoso identificou o
suspeito?!
GOMES
Álvaro é um velho beberrão e não
merece nenhum crédito.
CASTELA
Quer dizer que o vigarista do
Renato merece?!

Pode ver-se que GOMES começa a ficar irritado.


GOMES
Está a insinuar que eu não sei
fazer o meu trabalho?

CASTELA
Não disse isso! Acho estranho que
com tanta aldrabice que esse
sujeito já fez o senhor ainda não
lhe tivesse deitado a mão...

GOMES
(irónico)
Que eu saiba, o senhor também
não...

CASTELA
No meu caso é diferente. O senhor
lida com uma ínfima parte do
crime, a judiciária lida com todo
o crime de Lisboa. Faz ideia de
quantos casos tenho em mãos?

GOMES
(entediado)
Acredito que sim, mas nós aqui
somos uma esquadra de bairro e
não aparecem tantos crimes assim.
(pausa)
Afinal qual é o assunto que o
trouxe aqui?
CASTELA
Vim propor-lhe para unirmos as
nossas forças com o fim de pormos
esse Renato atrás das grades!
GOMES
E como é que pretende fazer isso?

CASTELA
Esquecendo a ética, quebrando
regras, não sei se me fiz
entender...
13.

GOMES
Ainda não percebi onde quer
chegar...
CASTELA
Muito bem! Então vou direito ao
assunto: O sujeito que foi
burlado com esse caso do anel
está disposto a arranjar duas
testemunhas de acusação. Ele
também me disse que o senhor só
não prendeu o suspeito por não
haver testemunhas.
GOMES
Se eu bem compreendo, está propor
que o velho Álvaro arranje
testemunhas falsas?!
CASTELA
Era uma forma de afastarmos esse
Renato das ruas e mete-lo na
cadeia. Acabavam-se os seus
problemas e também os meus!
GOMES
Desculpe mas eu não alinho nesse
tipos de coisas. Agora, se não
tem mais nenhum assunto...
CASTELA levanta-se.
CASTELA
Espero que um dia ainda não se
venha a arrepender...
CASTELA sai sem se despedir. GOMES segue-o com o olhar,
com ar pensativo.

17 017 INT. PRATAS LEITARIA - DIA 13 - TARDE


PRATAS fala com o técnico que está a montar a antena para
a televisão. RENATO e VÍTOR estão sentados à mesa.

VÍTOR
(para Pratas)
Esta será a primeira leitaria com
televisão em Alfama.
PRATAS
Leitaria, não! Café/Pastelaria!
RENATO
Não lhe faz confusão ao fim de
tantos anos esta leitaria virar
café/pastelaria?
14.

PRATAS
O progresso é a alma do negócio.
VÍTOR
Porque não uma casa de chá, para
as senhoras bacanas?
RENATO
(irónico)
Seria uma boa ideia, porque não?

PRATAS
(irritado)
Estou-me borrifando para aquilo
que vocês pensam ou dizem!

HELENA entra e senta-se na mesa de RENATO.


RENATO
(para Helena)
Estive toda a manhã à tua espera.

HELENA
Eu sei... desculpa!
RENATO
Pela tua cara as coisas com o teu
pai não devem ter corrido lá
muito bem...
HELENA
Saí de casa!

RENATO
Estás doida? E agora, pra onde
vais?
HELENA
Não sei, talvez para um hotel...

RENATO
Não vais para hotel nenhum! O
culpado de saires de casa fui eu.
Terei de ser eu a resolver o
problema!

HELENA
Não tens de te sentir culpado!
Fui eu que te convidei a ires lá
a casa.

RENATO
Isso não interessa! Eu é que vou
resolver este assunto. Está dito!
15.

VÍTOR
O Renato tem razão!
RENATO levanta-se.

RENATO
(para Helena)
Vem... vamos falar com a minha
mãe.

18 018 EXT. PRATAS LEITARIA/RUA - DIA 13 - TARDE


CIPRIANO está escondido numa esquina, perto da leitaria.
Quando HELENA e RENATO saem da leitaria, CIPRIANO segue-os
com a máxima cautela.

19 019 INT. RENATO CASA/SALA - DIA 13 - TARDE


ERMELINDA encontra-se na máquina de costura. RENATO e
HELENA entram.

RENATO
Mãe! Preciso falar consigo!
ERMELINDA
O que é que aconteceu?

RENATO
A Helena saiu de casa!
ERMELINDA
(para Helena)
Saíste de casa, porquê?
HELENA
Porque discuti com o meu pai!

ERMELINDA
Uma discussão com o teu pai é
motivo para saíres de casa?
RENATO
Mãe! O pai da Helena apanhou-nos
aos dois na sua casa em Lisboa.
ERMELINDA
Hum... estou a perceber... Quer
dizer que dormiram juntos?!

RENATO
Sim, mãe!
ERMELINDA
E o pai de Helena
apanhou-vos aos dois?!
16.

HELENA e RENATO não respondem. ERMELINDA maneia a cabeça.


ERMELINDA
(para Helena)
Eu faço uma pequena ideia de como
o pobre do teu pai ficou. Apanhar
os dois a dormir juntos sem serem
casados!?
HELENA
Dona Ermelinda, é normal uma
rapariga dormir com a pessoa que
ama!
ERMELINDA
Essa regra talvez se aplique aos
ricos, porque aos pobres...
Primeiro casamento, depois
divertimento! Não sei se me faço
entender...

RENATO
Mãe! Deixa de moralismos. O que
importa agora é resolvermos onde
a Helena vai ficar...
ERMELINDA
Se houvesse espaço cá em casa,
ela podia ficar... Mas tu já
dormes na sala, a tua irmã, no
meu quarto...
HELENA
Já disse ao seu filho que vou
para um hotel. E se for preciso,
tenho dinheiro que chegue para
comprar uma casa.
RENATO
Não me digas que vais pedir
dinheiro à tua mãe?!
HELENA
Claro que não! Eu tenho o
dinheiro que a minha avó me
deixou.
ERMELINDA
Sendo assim... assunto resolvido!
Se a tua namorada pode comprar
uma casa...
HELENA
(para Renato)
Se eu comprasse a casa, vinhas
viver comigo?
17.

RENATO
Se a casa for em Alfama...
ERMELINDA
E ficavam os dois a viver em
pecado?! Não acho boa ideia!
HELENA
Era só até nos casarmos.

RENATO
Espera aí! Estás a pedir-me em
casamento?
HELENA
Não queres casar comigo?

RENATO
Quer dizer... Sim, quero... mas
não pra já!
ERMELINDA
Vá lá... não se zanguem.
(para Renato)
Trata mas é de arranjar um lugar
onde a pequena posso passar a
noite.

RENATO
A mãe tem alguma ideia?
ERMELINDA
Talvez se falares com o Pratas...
Ele conhece muita gente.

20 020 INT. VASCO CASA/SALA JANTAR - DIA 13 - NOITE


VASCO e VITÓRIA encontram-se na sala a jantar. ESMERALDA
entra e põe o bolo em cima da mesa.
VITÓRIA
(para Esmeralda)
Estou farta de dizer à Amélia que
não faça bolos com cremes! Essa
mulher nunca ouve o que eu lhe
digo!
(pausa)
Vá... leva o bolo daqui.
Esmeralda pega no bolo e sai.
18.

21 021 INT. VASCO CASA/COZINHA - DIA 13 - NOITE

AMÉLIA tira o avental para se ir embora. ESMERALDA entra


com o bolo.
AMÉLIA
Não quiseram bolo?
ESMERALDA
A senhora disse que não quer
bolos com creme.

AMÉLIA
Mas ela sabe que a menina Helena
adora bolo de nozes com chantili!
ESMERALDA
Pois... mas acontece que a menina
Helena já não mora nesta casa.
AMÉLIA
(surpreendida)
A menina Helena saiu de casa?
Porquê?

ESMERALDA
Os motivos, não sei. Sei é que se
zangou com o pai. Foi o que a
Mirita me disse.

AMÉLIA
Meu Deus do céu! O que vai ser
agora dessa pobre menina?

22 022 INT. VASCO CASA/SALA JANTAR - DIA 13 - NOITE


VASCO põe o guardanapo em cima da mesa e bebe o último
gole de vinho.
VITÓRIA
Estiveste todo o jantar sem dizer
uma palavra. Será que os remorsos
começam a fazer efeito?
VASCO
Que eu saiba, não fiz nada para
ter remorsos.
VITÓRIA
Ai não? A tua filha anda, sabe-se
lá por onde, isso não é nada?

VASCO
Não fui eu que a pus fora de
casa. A decisão de sair foi da
tua filha!
19.

VITÓRIA
Mas foste tu a forçaste a isso!
(pausa)
Nem parece teu, Vasco! De há uns
tempos para cá nem te conheço!
VASCO
Continuo a ser a mesma pessoa.
VITÓRIA
Não, não és! Se a memória não me
falha, na noite em que foste à
esquadra por causa do carro,
vinhas diferente. E a partir daí
só pioras-te!

A campainha da porta da rua toca. MIRITA passa pela sala e


vai abrir. O padre DAMAS entra.
VITÓRIA
Que agradável surpresa,
padre! Por favor sente-se. Vou
mandar fazer aquele chá que tanto
gosta!
(para Mirita)
Diz à Amélia que faça um chá de
ervas aromáticas.

MIRITA
A Amélia já se foi embora, minha
senhora!
ESMERALDA
Eu posso fazer o chá.
VITÓRIA
Faz isso, Esmeralda. Já agora
trás também aqueles biscoitos de
laranja.
(Para Damas)
Estou surpreendida, o padre nunca
nos costuma visitar à noite...
PADRE DAMAS
Fui dar uma extrema unção aqui
perto, assim resolvi vir saber
como estavam as coisas por
aqui...
VITÓRIA
As coisas por aqui não andam nada
bem, padre!
PADRE DAMAS
Não andam nada bem? Não estou a
entender.
20.

VASCO
Deixe-a falar, padre.
PADRE DAMAS
Passa-se alguma coisa que eu não
saiba?
VITÓRIA
Passa-se sim, padre! Graças ao
meu marido a minha filha saiu de
casa!
PADRE DAMAS
A Helena saiu de casa? Porquê?
VITÓRIA aponta para VASCO.

VITÓRIA
Pergunte-lhe a ele.
(pausa)
Será que esse chá nunca mais
chega?

VITÓRIA levanta-se da mesa e sai. VASCO e DAMAS ficam


sozinhos.
VASCO
Padre, preciso de falar consigo
com urgência. Mas não pode ser
aqui.
PADRE DAMAS
Vai ter comigo amanhã à igreja.
(pausa)
Pelo que eu me apercebi, o
assunto deve ser sério?!
VASCO
Mesmo muito sério, padre!

23 023 INT. PRATAS LEITARIA - DIA 13 - NOITE


RENATO e HELENA entram. Duas mesas estão ocupadas com
clientes. PRATAS acaba de servir os clientes e regressa ao
balcão.
PRATAS
(Para Renato e Helena)
Não se sentam?

RENATO
Precisava de falar consigo.
PRATAS
Diz lá então.
21.

RENATO
Conhece alguém que alugue casas?
PRATAS
Estás a pensar em sair da casa
dos teus pais?
HELENA
Não é para ele, é para mim.
PRATAS
(espantado)
Para a menina?
RENATO
Depois eu explico! Agora diga-me
se conhece alguém que alugue
casas!?
PRATAS
Tenta o Melancia. Ele é dono de
algumas casas aqui em Alfama,
talvez vos arranje alguma para
alugar...
HELENA
Muito obrigada, senhor Pratas!

RENATO e HELENA saem.

24 024 INT. COLETIVIDADE/BUFETE - DIA 13 - NOITE


MELANCIA encontra-se atrás do balcão e serve cerveja a
dois sócios. Dois jovens jogam bilhar. Pode-se ver também
outros sócios a jogar cartas ou dominó. RENATO e HELENA
entram e aproximam-se do balcão.
RENATO
(para Melancia)
Senhor Melancia, posso lhe dar
uma palavrinha?
MELANCIA sai detrás do balcão.

MELANCIA
Passa-se alguma coisa?
RENATO
Para já quero apresentar-lhe a
minha namorada!

MELANCIA
(para Helena)
Muito prazer, menina!
HELENA beija MELANCIA no rosto.
22.

HELENA
O prazer é todo meu!
MELANCIA
Vamos a ver se é desta vez que
Renato assenta!
HELENA
Espero bem que sim...
RENATO
Podem parar com isso, por favor?
MELANCIA
(para Renato)
Estava a brincar! Diz lá então o
que queres.
RENATO
A minha namorada precisa de
alugar uma casa. O senhor Pratas
disse que talvez o senhor tivesse
alguma pra alugar...
MELANCIA
Aqui está muito barulho, vamos
para o gabinete da direção.

25 025 INT. COLETIVIDADE/GABINETE DIREÇÃO - DIA 13 - NOITE


RENATO, HELENA e MELANCIA entram. MELANCIA senta-se à
secretária e convida RENATO e HELENA a sentarem-se.

RENATO
Sempre nos arranja a casa?
MELANCIA
Desculpem de estar a meter-me nas
vossas vidas, mas a casa é para
viverem juntos?
RENATO e HELENA entreolham-se.
MELANCIA
Desculpem mais uma vez! Isso é um
assunto que não me diz respeito!
(pausa)
Neste momento tenho uma casa mas
não é nada barata!

RENATO
Nada barata, como?
MELANCIA
Está acima da média das rendas
normais que se praticam em
Alfama.
23.

HELENA
Diga o preço, senhor Melancia.
MELANCIA
A casa foi toda remodelada, está
mobilada...
RENATO
(impaciente)
Senhor Melancia... diga lá quanto
é a renda.
MELANCIA
Não posso fazer menos de
quinhentos escudos ao mês. Mas a
água e a luz está incluído na
renda. Claro que terão de dar uma
caução referente a um mês
adiantado...
HELENA passa um cheque. Depois entrega-o a MELANCIA.

HELENA
Estão aí seis meses de renda
adiantada.
MELANCIA
Não era preciso tanto!
HELENA
Assim evita ter-lhe de lhe pagar
a renda todos os meses.

MELANCIA
Mas... não quer ver a casa
primeiro?
HELENA
Não é preciso. Renato já me tinha
dito que o senhor é uma pessoa de
bem!
MELANCIA escreve num papel. Depois entrega-o junto com as
chaves da casa a HELENA.

MELANCIA
Aqui tem as chaves e a morada!
Renato sabe onde é.
HELENA entrega o papel a RENATO. Este lê a morada.

RENATO
Sim... sei onde é!
MELANCIA
O prédio só tem dois inquilinos:
Os que moram por cima, nem vão
24.

MELANCIA
dar por eles. É um casal jovem de
professores que raramente estão
em casa.
HELENA
Muito obrigado, senhor Melancia!

MELANCIA
De nada! Gozem a vida enquanto
são jovens!
RENATO e HELENA saem.

26 026 INT. HELENA CASA/SALA/QUARTO/WC - DIA 13 - NOITE


RENATO e HELENA entram na casa e irão fazer uma visita
pelas divisões.

27 027 INT. HELENA CASA/SALA - DIA 13 - NOITE


RENATO e HELENA entram. RENATO deixa-se cair no sofá.
HELENA senta-se ao lado dele.

HELENA
Gostaste da casa?
RENATO
Sim. Parece-me boa!

HELENA
Eu também acho! É pequena mas
acolhedora.
RENATO
Em comparação ao palacete onde
vivias, é bem pequena!
(pausa)
De certeza que não vais
estranhar?

HELENA
Vou estranhar, o quê?
RENATO
Por não teres quem te faça a
cama, lave a loiça, cozinhar...

HELENA
Estás a pensar que eu sou aquele
tipo de menina rica que não sabe
fazer nada?!
25.

RENATO
Não disse isso. Só que tu em tua
casa não fazias tarefas
domésticas!

HELENA
Não fazia, mas sei como se fazem!
RENATO
Fico contente por saber isso!

HELENA senta-se no colo de RENATO.


HELENA
Ficas comigo esta noite?

RENATO
Hoje não! A minha mãe iria ficar
preocupada. E além disso tenho de
te arranjar mantas e lençóis.
HELENA
Onde vais arranjar essas coisas?
RENATO
A minha mãe empresta.
RENATO e HELENA beijam-se.

HELENA
Não te esqueças que tu disseste
que se eu arranjasse uma casa em
Alfama virias viver comigo...

RENATO
Dá tempo ao tempo. Aqui no
bairro, embora as pessoas sejam
muito bacanas, gostam de se meter
na vida dos outros! E tu tens uma
reputação a defender.

HELENA
O que menos me preocupa é a minha
reputação. Se vieres viver comigo
seremos mais um casal, entre
tantos.
RENATO
Esses "entre tantos" são casados!
Aqui ainda se pratica o culto do
vestido branco, Igreja, grinalda
e meninas virgens!
HELENA
(surpreendida)
Quando queres falas bem. Tens só
a quarta classe?
26.

RENATO
Não. Ainda frequentemente o
terceiro ano da escola comercial,
na Veiga Beirão. Depois desisti.

HELENA
Foi pena! Terias ido longe.
RENATO
Talvez...
(pausa)
Bom, está na altura de te ir
buscar as mantas e os lençóis!
RENATO beija HELENA e sai.

STOCK SHOT: IMAGENS DE LISBOA A AMANHECER. CONJUNTAMENTE


COM A MUSICA DE FUNDO OUVE-SE O PREGÃO DOS VENDEDORES
AMBULANTES: VENDEDORA DA FAVA RICA: "OLHA A FAVA RICA!"
VARINA: "OLHA O CARAPAU E A SARDINHA LINDA!" A IMAGEM
FINAL É O EDIFÍCIO DA POLÍCIA JUDICIÁRIA.

28 028 INT. PJ/PORTARIA - DIA 14 - MANHÃ


CIPRIANO entra e dirige-se ao AGENTE 1# (35s).

CIPRIANO
(para o agente 1#)
Queria falar com o agente
Castela.
AGENTE 1#
Qual é o assunto?
CIPRIANO
Diga só que o Cipriano quer falar
com ele.

O AGENTE 1# pega no telefone e marca um número.


AGENTE 1#
Castela? Está aqui um individuo
para falar contigo. O nome dele é
Cipriano...
(pausa)
Sim? Posso mandar subir?
(pausa)
Está bem!

O AGENTE 1# desliga o telefone.


AGENTE 1#
(para Cipriano)
Tem consigo o seu bilhete de
identidade?
27.

29 029 INT. PJ/ CASTELA GABINETE - DIA 14 - MANHÃ


CASTELA e JÚLIO estão a trabalhar nas suas secretárias.
Batem à porta.

CASTELA
Pode entrar!
CIPRIANO entra e senta-se na cadeira em frente à
secretária de CASTELA

CASTELA
Trazes novidades?
CIPRIANO
Tenho andado a seguir o Renato,
como o senhor pediu.
CASTELA
Sim? E então?
CIPRIANO
Esteve na leitaria, depois
apareceu uma miúda...
CASTELA
(interrompendo)
Que miúda?
CIPRIANO
Uma ricaça.
CASTELA
Ricaça...? Continua...
CIPRIANO
Depois saiu da leitaria com essa
ricaça, foi a casa, saiu, e
entrou novamente na leitaria...

CASTELA
Pára! Pára! Pára! Não estou
interessado em saber quantas
vezes ele entrou em casa ou na
leitaria! Quero é que me informes
de coisas importantes! Fiz-me
entender?
CIPRIANO
Verá que é importante se eu lhe
disser quem é a ricaça.

CASTELA
Diz lá então quem é a ricaça.
28.

CIPRIANO
É a filha de Vasco Borges.
CASTELA
Vasco Borges... O magnata da
indústria automóvel!?
(pausa)
Como é que soubeste?
CIPRIANO
Porque não era só eu quem andava
a seguir o Renato.
CASTELA
Não?

CIPRIANO
Não. Havia um ricaço que também o
andava a seguir.
CASTELA
Calculo quem seja... Continua...
CIPRIANO
Achei estranho e fui ter com ele
para lhe perguntar porque andava
a seguir o Renato. Afinal não
andava a seguir o Renato, mas a
tal ricaça. Palavra puxa palavra
e acabou por me dizer tudo aquilo
que eu queria saber.
CASTELA
(para si)
Então quer dizer que esse pulha
do Renato anda metido com a filha
do Vasco Borges?!
JÚLIO
(para Castela)
Conheces o tipo?
CASTELA
Não pessoalmente. Mas sei que é
amigo de alguns ministros do
nosso governo... Para além de ser
um homem riquíssimo!
JÚLIO
Nesse caso, um tipo poderoso?!

CASTELA
Podes dizê-lo.
(pausa)
Aposto que foi ele quem falou com
o nosso sub-diretor...
29.

JÚLIO
Naquele dia em que te viste
forçado a libertar o Renato?!

CASTELA
Exatamente!
(pausa)
Só há uma coisa que não entendo:
Como pode um pobretanas andar com
a filha de um magnata?

JÚLIO
(rindo)
Para o amor não há barreiras!
CASTELA
Mas há grades! Ou eu não me chame
Castela Barreto!
(para Cipriano)
Continua a seguir o gajo. Mais
tarde ou mais cedo ele há-de
cometer um erro!
CIPRIANO levanta-se e sai.
JÚLIO
Sempre falaste com o queixoso em
relação aquela burla dos sapatos?
CASTELA
Não apareceu. Ao que parece, foi
o empregado quem fez a queixa sem
a autorização do proprietário.

JÚLIO
Estou a entender. Uma sapataria
daquelas a última coisa que
quer são escândalos!

CASTELA
Deve ter sido isso. Mais uma vez
o malandro teve sorte!

30 030 INT. HELENA CASA/QUARTO - DIA 14 - MANHÃ

RENATO entra no quarto. HELENA ainda dorme. RENATO beija-a


ao de leve nos lábios, depois senta-se na borda da cama.
HELENA acorda e sorri.

RENATO
Vamos a acordar, dorminhoca!
HELENA espreguiça-se, fazendo realçar o seu bonito peito
através do lençol.
30.

HELENA
Ainda não me deste o meu beijo
dos bons-dias.
RENATO curva-se para a beijar. HELENA beija-o com paixão.
Ele corresponde. Os dois acabam por fazer amor.
CORTA PARA:
RENATO e HELENA estão deitados de costas. Ambos têm os
olhos fixos no teto.

HELENA
Já decidiste?
RENATO
Decidir, o quê?
HELENA
Se vens viver comigo.
RENATO e HELENA viram-se, ficando com os rostos quase
colados.
RENATO
Tens mesmo a certeza que queres
que eu venha viver contigo?

HELENA
Claro que sim... pateta!
RENATO
E se de repente resolves voltar
pra casa do teu pai?

HELENA
Isso nunca irá acontecer.
RENATO
E se a tua mãe insistir pra que
voltes?
HELENA
Nem o meu pai nem a minha mãe me
fazem desistir de ti!

RENATO suspira e volta-se de barriga para cima. HELENA


faz-lhe festas no peito.
RENATO
Se há coisas que aprendi com o
meu pai é que a vida está sempre
a mudar. Ele diz que cada dia é
uma surpresa que a vida nos
reserva.
HELENA deita-se sobre o peito de RENATO e beija-o nos
lábios.
31.

HELENA
Lembraste quando nos encontramos
pela primeira vez na empresa do
meu pai?.

RENATO
Claro que me lembro. Deixaste
cair os livros e eu ajudei-te a
apanhá-los

HELENA
(rindo)
E aproveitaste logo para olhar
para a minhas pernas.
RENATO
Eram amarelas com flores...
HELENA
O quê? As minhas pernas?
RENATO
Não. As tuas cuequinhas!
HELENA belisca-o no peito.
HELENA
Parvo!
(pausa)
Estou cheia de fome!
RENATO
Também eu!
(pausa)
Vamos levantar porque já sei onde
vamos comer.
HELENA
(rindo)
Não estás a pensar em irmos tomar
o pequeno almoço à leitaria do
Pratas?!
RENATO
Não. Vamos a um sítio muito
bacano.

31 031 INT. IGREJA - DIA 14 - MANHÃ


VASCO entra na igreja e benze-se. O padre DAMAS está no
Altar-Mor a acender velas. VASCO aproxima-se dele.
PADRE DAMAS
Julgava que já não vinhas.
32.

VASCO
Tive uns assuntos para tratar.
PADRE DAMAS
Vamos para a Sacristia.

32 032 INT IGREJA/SACRISTIA - DIA 14 - MANHÃ


Padre DAMAS e VASCO entram. VASCO senta-se. O Padre DAMAS
senta-se a seu lado.
PADRE DAMAS
Vais começar por me dizer qual
foi a razão da tua filha ter
saído de casa...

VASCO
Tivemos uma discussão feia.
PADRE DAMAS
Isso já eu sei.

VASCO suspira fundo.


VASCO
Será melhor contar-lhe tudo do
princípio.
(pausa)
Alguém me telefonou a dizer que
Helena estava com o Renato na
minha casa em Lisboa.

PADRE DAMAS
Recebeste uma chamada anónima?!
VASCO
Sim. E fiquei preocupado, como
deve imaginar...

PADRE DAMAS
E depois?
VASCO
Resolvi ir lá e... as minhas
suspeitas confirmaram-se: Estavam
os dois em trajes menores!
PADRE DAMAS
Achas que passaram a noite
juntos?!

VASCO
Pelo menos a minha filha admitiu
que sim...
33.

PADRE DAMAS
Isso não podia ter acontecido!
Padre DAMAS levanta-se, tira a garrafa, onde tem o vinho
para a missa, enche um cálice e emborca o vinho de um só
trago. Depois olha para cima.
PADRE DAMAS
Desculpa, senhor! Estava mesmo a
precisar!

Padre DAMAS volta a sentar-se.


PADRE DAMAS
E agora que o mal está feito, o
que pretendes fazer?

VASCO mostra-se profundamente abatido.


VASCO
Não sei, padre... confesso que
não sei...

PADRE DAMAS
Porque não contas a verdade ao
rapaz?
VASCO
Não posso, padre! A Vitória não
ia aguentar uma coisa dessas.
PADRE DAMAS
Tens razão. Não ia mesmo.
(pausa)
Mas alguma coisa tem de ser
feita...
VASCO
O quê, padre?
(pausa)
Tem alguma ideia?
PADRE DAMAS
Eu? Não, não tenho.
O padre DAMAS aponta para a cruz de Cristo.

PADRE DAMAS
Mas talvez Ele tenha!

33 033 EXT. ALFAMA/ESCADINHAS - DIA 14 - MANHÃ

RENATO e HELENA descem as escadinhas. Mais abaixo


encontram EZEQUIEL a chorar.
34.

RENATO
Que se passa, pá?
EZEQUIEL
A ambulância veio buscar o meu
pai.
RENATO
Porquê? Piorou?

EZEQUIEL
Sentiu-se mal e a minha mãe teve
de chamar a ambulância.
Os três dirigem-se para a casa de EZEQUIEL. RENATO bate à
porta. CATARINA abre a porta.

RENATO
(para Catarina)
O que é que aconteceu ao seu
marido?

CATARINA
Foi um princípio de um enfarte.
(pausa)
Tenho a vida virada do avesso!
Ezequiel não consegue arranjar
trabalho, o meu marido neste
estado, sem poder trabalhar, o
que é que eu vou fazer à minha
vida?
HELENA
É preciso ter calma, tudo se vai
compôr.
CATARINA
Está-se é a descompor! Duas
rendas de casa já estão em
atraso.
RENATO
Porque é que o senhorio não lhe
manda arranjar a porta?

CATARINA
Esse forreta?
(pausa)
A porta ainda é o menos. Devias
era ver a minha casa por dentro.
Há sitos que chove como na rua.
HELENA tira da mala cem escudos e estende-os a CATARINA.
HELENA
Tome. Amanhã prometo que vou
arranjar mais.
35.

CATARINA afasta a mão de HELENA.


CATARINA
Filha, não posso aceitar esse
dinheiro. Renato já me tinha dado
quinhentos escudos.
EZEQUIEL
A minha mãe esqueceu-se de dizer
que a maior parte desse dinheiro
foi para pagar as rendas em
atraso.
RENATO
Aceite o dinheiro, dona Catarina!

CATARINA chora. HELENA abraça-a.


HELENA
Vá lá, não é preciso estar a
chorar! Agora tem é de ir ao
hospital para saber como está o
seu marido.
(pausa)
Eu tenho carro. Quer que a leve
lá?

CATARINA
Não, filha, eu apanho o
eléctrico.
HELENA dá um beijo na face de CATARINA. Esta e EZEQUIEL
entram em casa. RENATO e HELENA seguem caminho.

34 034 INT. PRATAS LEITARIA - DIA 14 - MANHÃ


VÍTOR está sentado à mesa. HELENA e RENATO entram e vão
sentar-se ao pé dele. PRATAS aproxima-se.

PRATAS
(para Helena)
Já sei que o Melancia lhe alugou
uma casa.

VÍTOR
(para Helena)
Alugas-te uma casa em Alfama?
RENATO
Qual é o espanto?

VÍTOR
Só fiquei admirado, só isso!
36.

RENATO
Agora a Helena é como se fosse
deste bairro.
VÍTOR
Já vi que sim...
(pausa)
Irmão, estou teso que nem um
carapau seco! Quando é que
voltamos ao trabalho?
HELENA
Que trabalho?
RENATO
Ele está-se a referir aos
biscates.
(pausa)
Já espatifaste o dinheiro todo?
VÍTOR
É pá! Um gajo tem que viver, não?
HELENA
(para Vítor)
Se quiseres posso emprestar-te
algum dinheiro...
VÍTOR
Se não te importares...
HELENA tira da mala cinquenta escudos dá-os a VÍTOR. Pelo
olhar de RENATO, vê-se que este não aprova.
HELENA
(para Renato)
Preciso falar contigo, em
particular!
HELENA e RENATO saem. VÍTOR segue-os com o olhar.

35 035 EXT. BELÉM/RUA - DIA 14 - MANHÃ


O carro de HELENA pára ao pé da Torre de Belém. O taxi
onde está CIPRIANO, pára a uns metros do carro de HELENA.

36 036 INT. HELENA CARRO - DIA 14 - MANHÃ


HELENA
Vieste tão calado... Estás
zangado comigo?

RENATO
Não tinhas nada que emprestar
dinheiro ao Vítor!
37.

HELENA
Emprestei porque ele é teu
amigo...
RENATO volta-se para ela.

RENATO
As coisas não funcionam assim.
HELENA
Assim, como?

RENATO
Mais tarde falamos sobre isso.
(pausa)
Disseste que querias falar
comigo, passa-se alguma coisa?
HELENA
O que estás a pensar fazer para
ajudares a mãe do Ezequiel?

RENATO
Hei-de arranjar uma maneira...
PAUSA
HELENA
Não queres ouvir a minha ideia?
RENATO
Se estás a pensar em usar o teu
dinheiro...

HELENA
Não é com o meu dinheiro! É com
dinheiro arranjado à tua maneira!
RENATO vira-se para HELENA.

RENATO
Qual é a minha maneira?
HELENA
Não te faças de anjinho!

O carro de HELENA arranca.

37 037 INT. TAXI - DIA 14 - MANHÃ

CIPRIANO segue o carro de HELENA com o olhar. O TAXISTA


(50s) volta-se para trás.
TAXISTA 1#
Como é? Vamos continuar a
segui-los?
38.

CIPRIANO
Sim, vamos.
O taxi arranca.

38 038 INT. HELENA CASA/SALA - DIA 14 - MANHÃ


HELENA e RENATO entram. HELENA põe as chaves em cima de
uma mesa pequena e pendura-se no pescoço de RENATO.

HELENA
Gostaste da minha ideia?
RENATO
Não é má. Mas tens mesmo a
certeza que queres fazer isso?
HELENA
(rindo)
Claro que sim!

RENATO
Já pensaste que as coisas podem
correr mal?
HELENA
Se fizermos tudo como eu disse,
nada vai correr mal!

39 039 INT. HELENA CASA/QUARTO - DIA 14 - MANHÃ

HELENA e RENATO entram. RENATO senta-se na beira da cama.


HELENA dirige-se ao guarda-fato, tira o fato que tinham
comprado antes para RENATO e coloca-o em cima da cama.

40 040 INT. HELENA CASA/WC - DIA 14 - MANHÃ

HELENA lava a cabeça a RENATO na bacia de lavar as mãos. A


seguir corta-lhe o cabelo.

41 041 INT. HELENA CASA/QUARTO - DIA 14 - MANHÃ

RENATO está sentado na beira da cama. HELENA está sentada


ao lado dele e arranja-lhe as unhas. Depois, penteia-lhe o
cabelo para trás. Já de fato vestido, RENATO, de costas,
dirige-se ao guarda-fato e vê-se ao espelho. Este
devolve-lhe a imagem.

HELENA
Então? Gostas?
39.

RENATO
Pareço um tótó com este fato e
este cabelo.

HELENA
(rindo)
Vê isso como uma ferramenta de
trabalho!
RENATO
Eu tenho um bigode postiço, não
seria melhor usá-lo?
HELENA
Não. A partir de agora, nada de
disfarces!

RENATO volta-se para HELENA.


RENATO
Estás doida? Assim sabem quem eu
sou.

HELENA
Claro que vão saber. Mas nada
poderão provar!

RENATO
(inseguro)
Tens a certeza?
HELENA beija-o na face.

HELENA
Certezinha absoluta!
(pausa)
Agora vamos almoçar.

42 042 EXT. HELENA CASA/RUA - DIA 14 - MANHÃ


CIPRIANO vigia a porta da casa de HELENA. RENATO e HELENA
saem do prédio. CIPRIANO segue-os pelas ruas de Alfama. O
carro de HELENA está parado num largo. Eles entram no
carro, que arranca de seguida. CIPRIANO assobia a um taxi,
que na altura vem a passar. Depois, manda seguir o carro
de HELENA.

43 043 EXT. ALGÉS/RESTAURANTE - DIA 14 - MANHÃ

CIPRIANO está a vigiar a porta do restaurante. Esconde-se


quando RENATO e HELENA saem do restaurante. CIPRIANO
segue-os até ao carro, que arranca de seguida. CIPRIANO
apanha um novo táxi e manda seguir o carro de HELENA.
40.

44 044 INT. HELENA CARRO - DIA 14 - TARDE

HELENA olha pelo espelho retrovisor.


HELENA
Vem alguém a seguir-nos...

RENATO vai olhar para trás. HELENA impede-o.


HELENA
Não te voltes!

RENATO
Já viste quem nos vem a seguir?
HELENA
Quem é, não sei. Apenas sei que é
um táxi.

RENATO
Um táxi?
HELENA
Sim. Já vem a seguir-nos desde
Algés.
RENATO
Como é que sabes?
HELENA
Porque já abrandei para ele
passar, e o tipo não ultrapassou,
abrandou também.
RENATO
Será o Castela?

HELENA
A Judiciária não usa táxis para
seguir os suspeitos.
(pausa)
Mas sei uma forma de nos livramos
dele.
HELENA carrega no acelerador. O carro dá um salto e ganha
velocidade. RENATO agarra-se aonde pode. O táxi fica para
trás.

45 045 INT. TAXI - DIA 14 - TARDE


CIPRIANO perde de vista o carro de HELENA.

TAXISTA 2#
Foi impossível acompanhar a
velocidade daquele carro. O meu
táxi não é um carro de corridas!
41.

CIPRIANO
(desalentado)
Eu sei que não é.

TAXISTA 2#
E agora?
CIPRIANO
Vamos dar umas voltas por aí a
ver se os encontramos.

STOCK SHOT: IMAGENS DE LISBOA, ZONA DA BAIXA.

46 046 INT. JOALHARIA - DIA 14 - TARDE

RENATO entra. ADRIANO (55s), o empregado, vem atendê-lo.


ADRIANO
Em que posso servir vossa
excelência?

RENATO
Desejo comprar um anel de
noivado.
ADRIANO
Já tem alguma ideia do anel que
quer comprar?
RENATO
Ainda não. Gostaria de ver
alguns...

ADRIANO
Muito bem. Por aqui, por favor!
RENATO senta-se numa mesa destinada a clientes.

ADRIANO
Já lhe trago os anéis para que
posa escolher.
ADRIANO afasta-se, para de seguida aparecer com alguns
estojos que contêm diversos anéis de noivado.

ADRIANO
Ora aqui estão eles.
ADRIANO coloca os estojos em cima da mesa. RENATO começa a
analisar os anéis. Depois tira um do estojo.

RENATO
(para Adriano)
Quanto custa este?
42.

ADRIANO
Esse anda à volta de seiscentos
contos.
RENATO
Não acha que tem pouco ouro para
ter este preço?
ADRIANO
O valor não está no ouro mas sim
no diamante. Para além disso, já
não se usa anéis muito grossos.
RENATO
Gostava de ver mais anéis.

ADRIANO
Com certeza... eu vou buscar.
RENATO põe o anel no estojo e retira outro. Depois cola-o
por debaixo da mesa, preso por uma pastilha elástica.
Entretanto ADRIANO chega com mais dois estojos. ADRIANO dá
por falta do anel.
ADRIANO
Falta aqui um anel!

47 047 INT. HELENA CARRO - DIA 14 - TARDE


O carro de HELENA encontra-se estacionado no meio de
outros carros. O taxi de CIPRIANO passa em marcha lenta e
não dá pelo carro de HELENA. Esta apercebe-se e encolhe-se
no assento.

48 048 INT. JOALHARIA - DIA 14 - TARDE


RENATO olha para o chão.

RENATO
Não terá caído?
ADRIANO
Caiu, como? Os anéis não costumam
cair assim sem mais nem menos!

RENATO
Então, não sei...
ADRIANO
Será que não sabe?
RENATO
Está insinuar que fui eu quem
roubou o anel?

RENATO levanta-se e mostra-se irritado.


43.

RENATO
Se é assim que tratam os
clientes, vou-me já embora!

ADRIANO pega no braço de RENATO.


ADRIANO
O senhor não sai daqui enquanto o
anel não aparecer!

O SEGURANÇA (40s) da joalharia, aproxima-se.


SEGURANÇA
Precisa de ajuda, senhor Adriano?
ADRIANO
Sim. Não deixes sair este senhor
daqui enquanto não chegar a
polícia.
ADRIANO afasta-se. O SEGURANÇA, com cara de poucos amigos,
vigia RENATO.

49 049 INT. TÁXI - DIA 14 - TARDE


CIPRIANO continua à procura do carro de HELENA. Um carro
da polícia, com as sirenes a tocar, passa por ele.
CIPRIANO
(para o taxista)
Siga o carro da polícia!

O táxi segue o carro da polícia até à joalharia.

50 050 EXT. JOALHARIA/RUA - DIA 14 - TARDE


O carro da polícia está parado em frente à porta da
joalharia, com as luzes a piscar. CIPRIANO aproxima-se da
porta, olha para dentro e vê RENATO rodeado por dois
polícias. Depois afasta-se em direção à cabine telefónica
e entra.

51 051 INT. PJ/CASTELA GABINETE - DIA 14 - TARDE


CASTELA E JÚLIO estão sentados à secretária escrevendo à
máquina. O telefone de CASTELA toca.
CASTELA
Agente Castela!
(pausa)
Onde é que estás?
(pausa)
Fala mais devagar para eu
perceber...
44.

(pausa)
Tens a certeza que é ele?
(pausa)
Sim, sei onde fica. Eu vou já
para aí!

CASTELA desliga e veste o casaco.


CASTELA
(para Júlio)
Vamos embora. Desta vez o tipo
não tem escapatória!

52 052 INT. JOALHARIA/GABINETE - DIA 14 - TARDE


RENATO encontra-se em trajes menores. Dois agentes da PSP,
POLICIA 4# (45s), POLICIA 5# (38s) e o segurança,
vigiam-no. POLICIA 4# sai.

53 053 INT. JOALHARIA - DIA 14 - TARDE

ADRIANO aproxima-se do agente do POLÍCIA 4#, que acabou de


sair do gabinete.
ADRIANO
(para o polícia)
Então? Já encontraram o anel?
POLÍCIA 4#
Já revistamos a roupa e todos os
orifícios que um ser humano possa
ter.

ADRIANO
E...?
POLÍCIA 4#
O rapaz não tem o anel!

ADRIANO
(exaltado)
Isso é impossível! O anel não
tinha asas!

POLÍCIA 4#
De certeza que tinha o anel no
estojo?
ADRIANO
(ofendido)
Com franqueza, senhor agente!
Isto não é uma ourivesaria de
quinta categoria. Mateus & Lima é
uma das mais importantes
joalharias do país.
45.

POLÍCIA 4#
Pois... mas o rapaz não tem o
anel.

ADRIANO
Tem de o revistar novamente! De
certeza que ele tem o anel!

54 054 INT. HELENA CARRO - DIA 14 - TARDE

HELENA continua dentro do carro. O carro da PJ passa a


toda a velocidade e pára em frente da porta da joalharia.
HELENA olha pelo retrovisor e vê-se CASTELA e JÚLIO a
saírem do carro. HELENA mostra-se apreensiva.

55 055 INT. JOALHARIA - DIA 14 - TARDE


CASTELA e JÚLIO entram e mostram o crachá a ADRIANO.
CASTELA
(para Adriano)
Polícia Judiciária! Onde
está ele?
ADRIANO
No gabinete. Acompanhem-me, por
favor.

56 056 INT. JOALHARIA/GABINETE - DIA 14 - TARDE

CASTELA, JÚLIO e ADRIANO entram. RENATO já está a


vestir-se. CASTELA mostra o crachá ao polícia que vigia
RENATO.
CASTELA
Agente Castela, da PJ!

POLÍCIA 5#
Já o revistamos, ele não tem o
anel!
CASTELA
Não se preocupe, eu sei onde se
encontra o anel!
FIM DO QUINTO EPISÓDIO

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