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A Lição de Lynch

O mago dos investimentos conta como ganhar nas bolsas depois de Buffet e
Soros

Por Laura Somoggi, de Marblehead (EUA)

É muito provável que o nome Peter Lynch não lhe seja familiar. Ele não
costuma freqüentar as páginas de revistas e jornais brasileiros como
acontece com os investidores George Soros ou Warren Buffet. Mas saiba que
esse americano também está na lista dos magos dos investimentos nos
Estados Unidos e, como tal, tem muito a ensinar sobre o assunto.

Durante 13 anos, ele foi o responsável pela administração do fundo de ações


mais rentável do mundo no período, o Fidelity Magellan Fund. Entre maio de
1977 e maio de 1990, o Magellan valorizou 2.900%. Quando começou a
administrá-lo, o patrimônio do fundo era de US$ 20 milhões. No final, já
eram US$ 14 bilhões e mais de um milhão de cotistas. Depois, tendo o
próprio Lynch como o principal garoto-propaganda, a Fidelity tornou-se a
maior empresa de administração de fundos dos Estados Unidos. Em abril
último, seus 292 fundos somavam um patrimônio de US$ 952,5 bilhões. A
empresa presta serviços financeiros a mais de 15 milhões de pessoas e
emprega mais de 30 mil funcionários.

Apesar de nunca ter atuado no mercado brasileiro, a experiência de Lynch


deve ser ouvida. Foi isso o que a DINHEIRO fez ao entrevistá-lo na sua casa
em Marblehead, uma cidade litorânea a 25 quilômetros de Boston, sede da
Fidelity.

DINHEIRO – Qual é o segredo para escolher boas ações?

PETER LYNCH – Você deve, antes de tudo, entender o que a empresa faz,
qual é a sua natureza. A maioria das pessoas vê o investimento em ações
como um jogo. O que é preciso ter em mente é que se a empresa vai bem,
suas ações irão bem. Não é cassino. Não é para pensar nos próximos dias ou
nas próximas semanas. Pergunte-se: por que essa empresa vai estar melhor
daqui a cinco anos? Se ela vai bem, veja se ela tem condições de continuar
bem.

DINHEIRO – O que os investidores devem analisar numa empresa


antes de investir nela?

LYNCH – As pessoas devem se especializar, tentar descobrir que tipo de


mercado entendem mais. Você pode, por exemplo, observar 20 empresas
que estejam perdendo dinheiro. Veja qual delas pode reverter a situação. E
aí você compra as suas ações. Ou então escolha as áreas que você entende
melhor.

DINHEIRO – No Brasil, ainda não temos a cultura de investir no


mercado acionário; qual a melhor forma de começar?

LYNCH – O que vai fazer com que o mercado acionário brasileiro tenha um
bom desempenho nos próximos 10, 20 ou 30 anos é o bom desempenho das
empresas brasileiras. Então, antes de qualquer coisa é preciso ver se você
acredita no País. Nos Estados Unidos, por exemplo, nós passamos por nove
recessões desde a Segunda Guerra. O Brasil está crescendo rápido. Há um
grande potencial de valorização. Mas é preciso separar uma parte do
dinheiro que você não vai precisar em, no mínimo, um ano. Se você precisar
do dinheiro nesse período, nem pense em entrar no mercado acionário.
Pense em daqui a 5, 10, 15 anos. Lembre-se de que o tempo trabalha a seu
favor quando você investe em ações. Quem poderia imaginar os problemas
com a Rússia, com a Ásia, ou mesmo a desvalorização no Brasil? Todos
afetaram muito o Brasil. Por isso, pensar em investir por menos de um ano é
um grande erro.

DINHEIRO – O problema é que no Brasil, as taxas de juro ainda


estão muito altas. Assim as pessoas não se sentem motivadas a
investir e correr riscos.

LYNCH – Nos EUA, em 1982, as taxas de juro eram de 20% ao ano. E aquele
era o momento exato de comprar ações. Porque todos esperavam uma
reviravolta na economia. Quem aplicou na época, viu seu dinheiro crescer
10, 15 vezes. Se você tem aversão ao risco, uma inflação de 5% ou 6% e
juros de 18% vão lhe desanimar. Em geral, no longo prazo, é melhor
investir em ações do que em renda fixa. Se você pensar em grandes
períodos, não há problema em comprar papéis mesmo com altas taxas de
inflação e de juros.

DINHEIRO – Outro aspecto importante sobre a bolsa brasileira é que


ela é muito concentrada em poucos papéis...

LYNCH – Mas acredito que no futuro mais empresas brasileiras terão seus
papéis negociados em bolsa. Nos próximos 10, 20 anos, surgirão boas
oportunidades para quem quiser investir diretamente em companhias ou por
meio de fundos de investimento.

DINHEIRO – Como saber qual é a hora certa de comprar ou vender


ações?
LYNCH – Isso depende do tipo de empresa na qual você está investindo. Se
você acredita que a empresa tem potencial de crescimento. Verifique qual a
sua fatia do mercado e quais são as perspectivas para o futuro. É melhor
comprar ações de uma empresa com 100 lojas e não uma com 650 lojas, se
o mercado só comporta 700. Invista numa companhia real e que tenha
possibilidades de crescer. Olhe o balanço, analise sua consistência
financeira.

DINHEIRO – E como usar esses fundamentos na empresas de


Internet?

LYNCH – No final de cada dia, mesmo as empresas de Internet devem ter


vendido alguma coisa e devem ter tido algum lucro. Ou então analise qual é
o seu potencial para os próximos dez anos. É difícil ver os custos agora, pois
elas estão gastando todo o seu dinheiro em publicidade, em pessoal, em
marketing, para desenvolver negócios, parcerias etc. Mas e daqui a 5 anos?
E daqui a 10? Como estarão as vendas? Se você não tiver como projetar
receitas e lucros, é melhor apostar no número 23 ou no número 28 num
cassino.

DINHEIRO – O mercado de papéis de Internet está sobrevalorizado?

LYNCH – Nunca faço esse tipo de análise. Não fico tentando adivinhar
quando o mercado vai cair. Eu adoraria saber. As pessoas diziam que o Dow
Jones estava sobrevalorizado quando bateu os 2.000 pontos, os 4.000, os
6.000, os 8.000, os 10.000. E quando o mercado cai, todas dizem que
estavam certas.

DINHEIRO – Se o sr. ainda administrasse fundos de investimento,


compraria ações de empresas de Internet?

LYNCH – Eu faria muita pesquisa. Talvez haja áreas ainda melhores do que a
Internet. Veja o exemplo das empresas que produzem aqueles leitores de
códigos de barra usados nos supermercados. Elas foram criadas há 25 anos.
Quem mais se beneficiou dessa tecnologia não foram as empresas que
produziam os leitores, e sim os supermercados que os utilizavam. As
pessoas começaram a passar mais rápido pelos caixas, o índice de erros
diminuiu, o controle dos estoques melhorou. Assim, pode ser que muitas
empresas ou alguma indústria vão se beneficiar com a Internet. E não serão
necessariamente as empresas pontocom. Eu acho que a Internet está sendo
sobrevalorizada. Os aviões mudaram o mundo. Muita gente ganhou muito
dinheiro. Mas muitas empresas aéreas perderam muito dinheiro, faliram. A
Internet vai ser maior do que a indústria de empresas aéreas?

DINHEIRO – Por que o sr. costuma dizer que investir está mais
relacionado ao estômago do que ao cérebro?
LYNCH – Quando as pessoas vão comprar uma geladeira elas são muito
racionais. Elas passam horas procurando, comparam preços, e fazem de
tudo para economizar 12 dólares. Quando vão comprar uma ação, não
fazem nenhuma pesquisa. Depois, ouvem que haverá recessão na Ásia e
ficam nervosos. É preciso ter um estômago forte para isso.

DINHEIRO – É preciso tomar mais cuidado quando fazemos


investimentos pela Internet, nas corretoras virtuais?

LYNCH – Em primeiro lugar, se você está lidando com dinheiro, precisa saber
para onde está mandando. O ponto é: você está realmente investindo ou
está jogando? Não é para chegar às quatro da tarde e dizer: “São quatro da
tarde e eu ainda não comprei nenhuma ação”. Não há dúvida de que a
Internet é rápida para comprar e vender ações. Mas quem se importa se ela
é doze minutos mais rápida?

DINHEIRO – O sr. acha que o investidor médio tem condições de


acompanhar tão de perto o desempenho das empresas?

LYNCH – Não é preciso mais do que algumas horas por mês. Antes de
investir, faça um teste: explique para a sua esposa, para os seus filhos ou
para o seu vizinho por que comprou aqueles papéis. Você deve conseguir
fazer isso em dois minutos. A justificativa não pode ser a alta da bolsa no
último mês. Deve haver uma razão para você ter comprado as ações de
determinada empresa. E preste atenção no que vê a sua volta. O que o
supermercado está vendendo bem? Que empresa fabrica? É uma boa opção
de investimento?

DINHEIRO – No mercado acionário, os pequenos investidores não


estão em desvantagem em relação aos grandes?

LYNCH – Não, se o pequeno fizer a lição de casa, se atuar como um


profissional. Agir da forma que agiria se fosse comprar uma geladeira. Os
pequenos podem ganhar dinheiro. Desde que façam as coisas certas.

DINHEIRO – Algum comentário especial para os investidores


brasileiros?

LYNCH – O fato de o mercado não ser maduro não é nem bom, nem ruim.
Isso significa que se tudo correr bem com o País, será possível ganhar muito
dinheiro no mercado acionário brasileiro. É nisso que os investidores devem
pensar. Com os juros altos, você pode ganhar 18%, 19%. Mas eu prefiro
fazer meu dinheiro se multiplicar por 10, por 20. E as taxas de juro tendem
a cair.

Fonte: Dinheiro na Web

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