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Após demonstrar que todos são filósofos, ainda que a seu modo, inconscientemente — já que,

até mesmo na mais simples manifestação de uma atividade intelectual qualquer, na


“linguagem”, está contida uma determinada concepção do mundo

é preferível elaborar a própria concepção do mundo de uma maneira consciente e crítica e,


portanto, em ligação com este trabalho do próprio cérebro, escolher a própria esfera de
atividade, participar ativamente na produção da história do mundo, ser o guia de si mesmo e
não mais aceitar do exterior, passiva e servilmente, a marca da própria personalidade?

Pela própria concepção do mundo, pertencemos sempre a um determinado grupo,


precisamente o de todos os elementos sociais que compartilham um mesmo modo de pensar
e de agir. Somos conformistas de algum conformismo, somos sempre homens-massa ou
homens-coletivos.

Intelectual orgânico

De resto, a organicidade de pensamento e a solidez cultural só poderiam ocorrer se entre os


intelectuais e os simples se verificasse a mesma unidade que deve existir entre teoria e prática,
isto é, se os intelectuais tivessem sido organicamente os intelectuais daquelas massas, ou seja,
se tivessem elaborado e tornado coerentes os princípios e os problemas que aquelas massas
colocavam com a sua atividade prática, constituindo assim um bloco cultural e social. T

, melhor dizendo, encontra neste contato a fonte dos problemas que devem ser estudados e
resolvidos? Só através deste contato é que uma filosofia se torna “histórica”, depura-se dos
elementos intelectualistas de natureza individual e se transforma em “vida

Trata-se, portanto, de elaborar uma filosofía que — tendo já uma difusão ou possibilidade de
difusão, pois ligada à vida prática e implícita nela — se torne um senso comum renovado com
a coerência e o vigor das filosofías individuais. E isto não pode ocorrer se não se sente,
permanentemente, a exigência do contato cultural com os “simples”.)

Uma filosofía da práxis só pode apresentar-se, inicialmente, em atitude polêmica e crítica,


como superação da maneira de pensar precedente e do pensamento concreto existente (ou
mundo cultural existente).

Uma filosofía da práxis só pode apresentar-se, inicialmente, em atitude polêmica e crítica,


como superação da maneira de pensar precedente e do pensamento concreto existente (ou
mundo cultural existente). E portanto, antes de tudo, como crítica do “senso comum” (e isto
após basear-se sobre o senso comum para demonstrar que “todos” são filósofos e que não se
trata de introduzir ex novo uma ciência na vida individual de “todos”, mas de inovar e tornar
“crítica” uma atividade já existente); e, posteriormente, como crítica da filosofía dos
intelectuais, que deu origem à historia da filosofía e que, enquanto individual (e, de fato, ela se
desenvolve essencialmente na atividade de indivíduos singulares particularmente dotados),
pode ser considerada como “culminâncias” de progresso do senso comum, pelo menos do
senso comum dos estratos mais cultos da sociedade e, através desses, também do senso
comum popular

O fato de que a Igreja deva enfrentar um problema dos “simples” significa, justamente, que
existiu uma ruptura na comunidade dos “fiéis”, ruptura que não pode ser eliminada pela
elevação dos “simples” ao nível dos intelectuais (a Igreja nem sequer se propõe esta tarefa
ideal e economicamente desproporcional em relação às suas forças atuais), mas mediante uma
disciplina de ferro sobre os intelectuais para que eles não ultrapassem certos limites nesta
separação, tornando-a catastrófica e irreparável

No passado, essas “rupturas” na comunidade dos fiéis eram remediadas por fortes
movimentos de massa, que determinavam ou eram absorvidos na formação de novas ordens
religiosas em torno a fortes personalidades (Domingos, Francisco)

Se ela afirma a exigência do contato entre os intelectuais e os simples não é para limitar a
atividade científica e para manter uma unidade no nível inferior das massas, mas justamente
para forjar um bloco intelectual-moral que torne politicamente possível um progresso
intelectual de massa e não apenas de pequenos grupos intelectuais

Pode ocorrer, aliás, que sua consciência teórica esteja historicamente em contradição com o
seu agir. É quase possível dizer que ele tem duas consciências teóricas (ou uma consciência
contraditória): uma, implícita na sua ação, e que realmente o une a todos os seus
colaboradores na transformação prática da realidade; e outra, superficialmente explícita ou
verbal, que ele herdou do passado e acolheu sem crítica.

A compreensão crítica de si mesmo é obtida, portanto, através de uma luta de “hegemonias”


políticas, de direções contrastantes, primeiro no campo da ética, depois no da política,
atingindo, finalmente, uma elaboração superior da própria concepção do real.

A consciência de fazer parte de uma determinada força hegemônica (isto é, a consciência


política) é a primeira fase de uma ulterior e progressiva autoconsciência, na qual teoria e
prática finalmente se unificam

para o fato de que o desenvolvimento político do conceito de hegemonia representa, para


além do progresso político-prático, um grande progresso filosófico, já que implica e supõe
necessariamente uma unidade intelectual e uma ética adequada a uma concepção do real que
superou o senso comum e tornou-se crítica, mesmo que dentro de limites ainda restritos

Autoconsciência crítica significa, histórica e politicamente, criação de uma elite de intelectuais:


uma massa humana não se “distingue” e não se torna independente “para si” sem organizar-se
(em sentido lato); e não existe organização sem intelectuais, isto é, sem organizadores e
dirigentes, ou seja, sem que o aspecto teórico da ligação teoria-prática se distinga
concretamente em um estrato de pessoas “especializadas” na elaboração conceituai e
filosófica.

A insistência sobre o elemento “prático” da ligação teoriaprática — após se ter cindido,


separado e não apenas distinguido os dois elementos (o que é uma operação meramente
mecânica e convencional) — significa que se está atravessando uma fase histórica
relativamente primitiva, uma fase ainda económico-corporativa, na qual se transforma
quantitativamente o quadro geral da “estrutura” e a qualidade-superestrutura adequada está
em vias de surgir, mas não está ainda organicamente formada.

— se se trata de dirigir organicamente “toda a massa economicamente ativa” — deve-se dirigi-


la não segundo velhos esquemas, mas inovando; e esta inovação só pode tornar-se de massa,
em seus primeiros estágios, por intermédio de uma elite na qual a concepção implícita na
atividade humana já se tenha tornado, em certa medida, consciência atual coerente e
sistemática e vontade precisa e decidida. U

o “subalterno” se torna dirigente e responsável pela atividade econômica de massa, o


mecanicismo revela-se num certo ponto como um perigo iminente; opera-se, então, uma
revisão de todo o modo de pensar, já que ocorreu uma modificação no modo social de ser. Os
limites e o domínio da “força das coisas” se restringiram. Por quê? Porque, no fundo, se o
subalterno era ontem uma coisa, hoje não o é mais: tornou-se uma pessoa histórica, um
protagonista;

E, especialmente, a sua filosofia na forma que tem para ele maior importância, isto é, como
norma de conduta? O elemento mais importante, indubitavelmente, é de caráter não racional:
é um elemento de fé.

Mas de fé em quem e em quê? Sobretudo no grupo social ao qual pertence, na medida em que
este pensa as coisas também difusamente, como ele: o homem do povo pensa que tantos não
podem se equivocar tão radicalmente, como o adversário argumentador queria fazer crer; que
ele próprio, é verdade, não é capaz de sustentar e desenvolver as suas razões como o
adversário faz com as dele, mas que, em seu grupo, existe quem poderia fazer isto, certamente
ainda melhor do que o referido adversário; e, de fato, ele se recorda de ter ouvido alguém
expor, longa e coerentemente, de maneira a convencêlo, as razões da sua fé.

movimento cultural que pretenda substituir o senso comum e as velhas concepções do mundo
em geral, a saber: 1) não se cansar jamais de repetir os próprios argumentos (variando
literariamente a sua forma): a repetição é o meio didático mais eficaz para agir sobre a
mentalidade popular; 2) trabalhar de modo incessante para elevar intelectualmente camadas
populares cada vez mais vastas, isto é, para dar personalidade ao amorfo elemento de massa,
o que significa trabalhar na criação de elites de intelectuais de novo tipo, que surjam
diretamente da massa e que permaneçam em contato com ela para se tornarem seus
“espartilhos”

Esta segunda necessidade, quando satisfeita, é a que realmente modifica o “panorama


ideológico” de uma época.

Entretanto, deve-se notar que em todos os países, ainda que em graus diversos, existe uma
grande cisão entre as massas populares e os grupos intelectuais, inclusive os mais numerosos e
mais próximos à periferia nacional, como os professores e os padres.

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