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INTRODUÇÃO
A contribuição que a Professora Doutora Ada Pellegrini Grinover tem dado ao direito
brasileiro, quer por suas participações em comissões encarregadas de elaborar
anteprojetos de lei, quer pela publicação de seus importantes escritos, contribuições
essas aliadas à sua atividade de Professora da Faculdade de Direito da Universidade
de São Paulo e de advogada na Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, são
suficientes para demonstrar os relevantes serviços prestados pela ilustre homenageada
ao direito de nosso País.
Ao longo dos anos temos convivido com Ada Grinover em muitas atividades.
Trabalhamos, sob sua coordenação, na elaboração exitosa do Anteprojeto que se
converteu na Lei nº 8078/90, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor. Sem
dúvida esse foi um dos trabalhos mais bonitos dos anos de redemocratização do Brasil,
que teve a colaboração de juristas brasileiros e estrangeiros - foram realizados dois
congressos internacionais de Direito do Consumidor: São Paulo (1989) e Rio de
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Janeiro (1990) -, bem como a participação de toda a sociedade civil brasileira, com as
audiências públicas realizadas no Congresso Nacional por ocasião do processo
legislativo do CDC. A condução firme e segura empreendida por Ada nesse processo
foi notável e determinante.
Escrevemos juntos, novamente sob sua coordenação, o Código de Defesa do
Consumidor Brasileiro comentado pelos autores do Anteprojeto, 1 livro que muito
contribui para a divulgação precisa do microssistema de defesa do consumidor.
Dotada de personalidade forte, nunca perdeu a ternura na condução dos atos de sua
vida profissional e familiar, sempre demonstrando dignidade e alto espírito acadêmico,
lutando bravamente contra pressões e preconceitos de toda ordem, tornando-se a
primeira mulher a conquistar o cargo de professor titular na mais tradicional escola de
Direito do País.
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Com base em duas ou três situações de exceção extrema - e elas existem aos
borbotões na vida cotidiana -, pretende-se construir uma perigosa tese, que na
verdade destrói a coisa julgada, pedra fundamental de existência do Estado
Democrático de Direito, no que tange ao exercício da função jurisdicional. O mais grave
de tudo isso é a falta de compromisso com o regime democrático, do conhecimento do
processo como instrumento de democracia e, ainda, do desconhecimento das
imbricações que a relativização da coisa julgada traz ao sistema. Para afirmar-se que a
coisa julgada injusta e inconstitucional é inexistente, inoponível, nula, que deve ser
destruída etc., é necessário que se examine o sistema constitucional como um todo e
não apenas que se refira, por exemplo, ao princípio da proporcionalidade, perdendo-se
de vista a base fundamental da República brasileira, que é o Estado Democrático de
Direito, do qual a coisa julgada é elemento de existência, ou seja, antecede os planos
da validade e da eficácia.
A equação tem sido vista de forma extremamente simplista: quando houver coisa
julgada inconstitucional e injusta, o princípio constitucional da proporcionalidade
autoriza o intérprete a "desconsiderá-la", o que, na prática, significa destruir,
desobedecer a auctoritas rei iudicatæ.
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recurso extraordinário é que seria possível submeter a matéria ao exame do STF (CF
102 III).
O que não parece ser admissível, data maxima venia, é cometer ao juiz comum, de
primeiro ou segundo grau, não importa, a tarefa de dizer se a sentença de seu colega
(juízo ou tribunal) fez ou não coisa julgada porque inconstitucional ou injusta. É este,
em suma, o resultado da aceitação e aplicação da tese da desconsideração da coisa
julgada: qualquer juízo singular poderia declarar que não houve coisa julgada ou
destruí-la, ignorá-la, ao argumento de que teria sido formada contra o texto da
Constituição ou com injustiça manifesta. É o nascimento do caos.
Qual o direito líquido e certo, por exemplo, que o agravante tinha de ver seu agravo
recebido do efeito suspensivo, quando a lei, taxativa e expressamente, determinava
que fosse recebido apenas no efeito devolutivo? De que ilegalidade ou abusividade
padecia o ato do juiz que recebia o agravo apenas no efeito devolutivo, conforme
expressa determinação da lei?
Ou seja, não cabia mandado de segurança, porquanto o ato judicial não era ilegal
tampouco abusivo; o impetrante não tinha direito líquido e certo. Aliás, o direito líquido
e certo pertencia ao agravado, de ver o agravo de seu ex adverso ser recebido apenas
no efeito devolutivo. O acórdão que concedesse a segurança, conferindo efeito
suspensivo ao recurso, era ofensor de direito líquido e certo do agravado.
A história recente do processo civil brasileiro mostra, com clareza meridiana, que a
exceção virou regra em face do "jeitinho brasileiro".
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2. COISA JULGADA. CONCEITO
Coisa julgada material (auctoritas rei iudicatæ) é a qualidade que torna imutável e
indiscutível o comando que emerge da parte dispositiva da sentença de mérito, 5 não
mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário (CPC 467; LICC 6º § 3º), nem à
remessa necessária do CPC 475. 6 Somente ocorre se e quando a sentença de mérito
tiver sido alcançada pela preclusão, isto é, a coisa julgada formal é pressuposto para
que ocorra a coisa julgada material, 7 mas não o contrário. A coisa julgada material é
um efeito especial da sentença transitada formalmente em julgado. 8 A segurança
jurídica, trazida pela coisa julgada material, é manifestação do estado democrático de
direito (CF 1º caput). Entre o justo absoluto, utópico, e o justo possível, realizável, o
sistema constitucional brasileiro, a exemplo do que ocorre na maioria dos sistemas
democráticos ocidentais, optou pelo segundo (justo possível), que é consubstanciado
na segurança jurídica da coisa julgada material. Descumprir-se a coisa julgada é negar
o próprio estado democrático de direito, fundamento da república brasileira.
A lei não pode modificar a coisa julgada material (CF 5.o XXXVI); a CF não pode ser
modificada para alterar-se a coisa julgada material (CF 1º caput e 60 § 4º); o juiz não
pode alterar a coisa julgada (CPC 467 e 471). Somente a lide (pretensão, pedido,
mérito) é acobertada pela coisa julgada material, que a torna imutável e indiscutível,
tanto no processo em que foi proferida a sentença, quanto em processo futuro, porque
sua resolução é parte integrante do dispositivo da sentença. Somente as sentenças de
mérito, proferidas com fundamento no CPC 269, são acobertadas pela autoridade da
coisa julgada; as de extinção do processo sem julgamento do mérito (CPC 267) são
atingidas apenas pela preclusão (coisa julgada formal). A coisa julgada material é
instrumento de pacificação social. 9
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tornar obrigatório o comando que emerge da parte dispositiva da sentença; II -
efeitos extraprocessuais: a) vincular as partes e o juízo de qualquer processo (salvo
quanto à independência das responsabilidades civil e penal, nas circunstâncias
determinadas pela lei: CC 935) que se lhe seguir como, por exemplo, para
a execução da sentença de mérito transitada em julgado 13 (v.g. CPC 610); b)
impossibilidade de a lide (mérito, pretensão), já atingida pela auctoritas rei iudicatæ, ser
rediscutida em ação judicial posterior, o que implica a proibição de a mesma ação -
com os elementos idênticos: partes, causa de pedir e pedido - ser reproposta (CPC 267
V, 301 VI e §§ 1º a 3º).
O juiz tem o dever de ofício de, a limina iudicii, indeferir a petição inicial que reproduz
ação idêntica à anterior, resolvida por sentença de mérito transitada em julgado (CPC
267 V e § 3º e 301 VI e § 4º). 17
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Para que se forme a auctoritas rei iudicatæ (coisa julgada material), são necessários os
seguintes requisitos: a) que o processo exista, isto é, que estejam presentes os
pressupostos de constituição do processo (jurisdição, petição inicial, citação - CPC 267
IV); b) que a sentença seja de mérito (CPC 269); c) que a sentença de mérito não mais
seja impugnável por recurso ordinário ou extraordinário (CPC 467; LICC 6º § 3º) ou
reexaminável pela remessa necessária (CPC 475).
Neste último caso, a sentença de mérito faz coisa julgada, mas pode ser desconstituída
por meio de ação rescisória, admissível com fundamento no CPC 485 II e V.
Caso seja proposta ação idêntica, deduzindo-se pretensão que já tenha sido
acobertada pela coisa julgada material, o destino desta segunda ação é a extinção do
processo sem julgamento do mérito (art. 267 V, CPC), pois a lide já foi julgada, nada
mais havendo para as partes discutirem em juízo. Ao réu cabe alegar a existência de
coisa julgada, como matéria preliminar de contestação (art. 301 VI, CPC). Mas o juiz
deve pronunciá-la de ofício, por ser matéria de ordem pública (CPC 267 V e § 3.o e 301
VI e § 4.o). Uma ação é idêntica a outra quando ambas têm os mesmos elementos:
partes, causa de pedir (próxima e remota) e pedido (mediato e imediato) (CPC 301 §
2.o). 20
Alegando que a coisa julgada tem regulamento em lei ordinária e que a sentença não
pode ser inconstitucional deve ser justa, verifica-se certa tendência de setores da
doutrina e da jurisprudência de desconsiderar essa mesma coisa julgada, sob dois
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argumentos básicos: a) coisa julgada injusta: se a sentença tiver sido justa, faria coisa
julgada; se tiver sido injusta, não terá feito coisa julgada; b) coisa julgada
inconstitucional: se a coisa julgada for inconstitucional, não poderá prevalecer. 21
Essa tendência se verifica por conta de, principalmente, dois exemplos: investigação de
paternidade julgada improcedente quando ainda não havia DNA e desapropriação de
imóvel com avaliação supervalorizada.
Com a devida venia, tratam-se de teses velhas que não contêm nenhuma novidade.
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relativização (rectius: desconsideração) da coisa julgada: "No entanto, parece pouco
provável que as vantagens da justiça do caso concreto se sobreponham às
desvantagens da insegurança geral". 25
Na primeira hipótese, havendo sido proferida decisão contra a CF, pode ser impugnada
por recurso ordinário (agravo, apelação, recurso ordinário constitucional etc.) no qual
se pedirá a anulação ou a reforma da decisão inconstitucional.
O segundo caso é de decisão de única ou última instância que ofenda a CF, que
poderá ser impugnada por RE para o STF (CF 102 III).
Passado o prazo de dois anos que a lei estipula (CPC 495) para exercer-se o direito de
rescisão de decisão de mérito transitada em julgado (CPC 485), não é mais possível
fazer-se o controle judicial da constitucionalidade de sentença transitada em julgado.
No século XXI não mais se justifica prestigiar e dar-se aplicação a institutos como os
da querela nullitatis insanabilis e da præscriptio immemorialis. Não se permite a
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reabertura, a qualquer tempo, da discussão de lide acobertada por sentença transitada
em julgado, ainda que sob pretexto de que a sentença seria inconstitucional.
A falta de fundamentação da decisão judicial acarreta sua nulidade (CF 93 IX). Como a
motivação das decisões judiciais é corolário do estado democrático de direito, 28 ainda
que não houvesse previsão expressa de nulidade da sentença não fundamentada,
essa nulidade existiria e deveria ser proclamada quando suscitada.
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Interpretar a coisa julgada, se justa ou injusta, se ocorreu ou não, é instrumento do
totalitarismo, de esquerda ou de direita, nada tendo a ver com democracia, com o
estado democrático de direito. Desconsiderar-se a coisa julgada é ofender-se a Carta
Magna, deixando de dar-se aplicação ao princípio fundamental do estado democrático
de direito (CF 1º caput).
De nada adianta a doutrina que defende essa tese pregar que seria de aplicação
excepcional, pois, uma vez aceita, a cultura jurídica brasileira vai, seguramente, alargar
os seus espectros - vide mandado de segurança para dar efeito suspensivo a recurso
que legalmente não o tinha, que, de medida excepcional, se tornou regra, como
demonstra o passado recente da história do processo civil brasileiro -, de sorte que
amanhã poderemos ter como regra a não existência da coisa julgada e como exceção,
para pobres e não poderosos, a intangibilidade da coisa julgada. A inversão dos
valores, em detrimento do estado democrático de direito, não é providência que se
deva prestigiar.
Por conseqüência e com muito maior razão, não podem ser modificadas ou abolidas
por lei ordinária ou por decisão judicial posterior.
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Outro valor não menos importante para essa busca é a segurança das relações sociais
e jurídicas. Havendo choque entre esses dois valores (justiça da sentença e segurança
das relações sociais e jurídicas), o sistema constitucional brasileiro resolve o choque,
optando pelo valor segurança (coisa julgada), que deve prevalecer em relação à
justiça, que será sacrificada (Veropferungstheorie).
Essa é a razão pela qual, por exemplo, não se admite ação rescisória para corrigir
injustiça da sentença. A opção é política: o Estado brasileiro é democrático de direito,
fundado no respeito à segurança jurídica pela observância da coisa julgada.
Poderíamos ter optado politicamente por outro sistema, como, por exemplo, o regime
nazista, no qual prevalecia a sentença justa (sob o ponto de vista do Führer e
do Reich alemão) em detrimento da segurança jurídica.
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clausus pelo CPC 485. O sistema abre para o interessado mais dois anos (CPC 495),
para que possa pedir ao Poder Judiciário a modificação da coisa julgada que se
formara anteriormente.
19. AÇÃO RESCISÓRIA. OFENSA A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI (CPC 485 V).
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critérios, de sorte que a qualquer momento se poderia deixar de aplicar decisão de
mérito transitada em julgado que fosse apontada de inconstitucional. 33 Fala-se,
também, em controle da constitucionalidade das decisões judiciais, porque ninguém,
nem o Poder Judiciário, é imune ao referido controle.
São três os momentos em que se podem impugnar atos jurisdicionais proferidos contra
a CF: a) a sentença pode ser impugnada por apelação (CPC 513); b) o acórdão pode
ser impugnado por recurso extraordinário (CF 102 III a); c) a sentença ou acórdão de
mérito, transitados em julgado, que tiverem sido proferidos contra a CF, são
impugnáveis por ação rescisória, com fundamento no CPC 485 V. Essas são as três
formas de controle jurisdicional da constitucionalidade dos pronunciamentos judiciais,
pelo próprio Poder Judiciário.
A ação rescisória pode ser ajuizada com fundamento em violação a literal disposição
de lei quando a decisão rescindenda houver ofendido a CF. 35 É a forma mais grave
de violação da lei federal, razão por que não pode ser oposta nenhuma outra
resistência ao exercício da pretensão rescisória com fundamento na ofensa à CF, que
não sejam os requisitos expressamente previstos em lei para ajuizar-se validamente a
pretensão rescisória (v.g. CPC 488, 495 etc.).
Entretanto, passado o prazo legal de dois anos para o exercício da pretensão rescisória
(CPC 495), não poderá mais ser questionada a decisão transitada em julgado, ainda
que proferida ao arrepio da CF ou da lei federal, porque incide o princípio do estado
democrático de direito (CF 1º caput), sendo a coisa julgada um de seus elementos
formadores.
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Algumas das hipóteses descritas no CPC 741, como matérias que podem ser alegadas
nos embargos do devedor quando a execução é fundada em título judicial, envolvem
a validade ou a eficácia da sentença de mérito transitada em julgado. Nesse caso os
embargos têm verdadeira função rescisória, funcionando, portanto, como se fossem
uma ação rescisória ajuizada no curso do processo de execução.
Ao revés, se a coisa julgada penal tiver sido produzida em favor da liberdade do réu,
deve prevalecer, ainda que a sentença tenha sido proferida inconstitucional ou
ilegalmente.
Assim como ocorre no caso de ação rescisória e no dos embargos do devedor do CPC
741, a possibilidade de aplicação do princípio da proporcionalidade contra a coisa
julgada só existe se prevista expressa e previamente na lei.
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anterior, a negatória de paternidade por aquele que fora declarado pai sem exame
genético cabal da paternidade. A dignidade da pessoa humana não é só do filho, mas
do pai também.
Não é raro o fato de, na ação de investigação de paternidade, a parte não querer
submeter-se à perícia, invocando a garantia constitucional do direito à intimidade.
Nesse caso a ação é julgada levando-se em conta outros meios de prova, inclusive o
da presunção que milita em desfavor daquele que se negou a submeter-se à perícia.
Haja vista as regras constantes do CPC 339 e CC 232. Quando o juiz julgar a
investigação de paternidade nessas circunstâncias, poderá acolher ou rejeitar o pedido,
conforme indicar o conjunto probatório. Assim, todas as alegações deduzidas pelas
partes, e também aquelas que poderiam ter sido deduzidas, mas não foram, serão
acobertadas pelo manto da coisa julgada material, não podendo mais ser invocadas
neste ou em processo futuro, circunstância denominada eficácia preclusiva da coisa
julgada, cujo regramento se encontra no CPC 474.
Isto se constitui em outra dificuldade para que se possa dar guarida à tese da
relativização da coisa julgada quanto à sentença que julgou a ação de investigação de
paternidade.
Isso quer significar que ao juiz poderá ser dado examinar se alguma defesa, além
daquela que tiver sido expressamente examinada na sentença de mérito anterior,
transitada em julgado, foi ou não alcançada pela eficácia preclusiva da coisa julgada.
A tese que afirma haver ou não coisa julgada material sobre determinada sentença,
conforme o resultado da prova (secundum eventum probationis), sem que haja
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previsão legal expressa para tanto, além de fragilizar o instituto constitucional da coisa
julgada, coloca em risco o fundamento do estado democrático de direito.
Para modificar-se essa situação, somente com a edição de lei autorizando que a coisa
julgada, em ação de investigação de paternidade, ocorresse secundum eventum
probationis, para ambos os litigantes (investigante e investigado - pai e filho). Essa
sugestão, como é curial, é de lege ferenda.
Nessa segunda hipótese, poderia até ter havido conluio entre sujeitos do processo e
intervenientes e/ou auxiliares da justiça, caso em que haveria caracterização, em tese,
de crime.
A sentença ou acórdão proferido sob uma dessas circunstâncias pode ser rescindido,
desde que o pedido se funde numa das causas do CPC 485. Fora dessas hipóteses,
prevalece a intangibilidade da coisa julgada (valor e índices de atualização fixados na
parte dispositiva da sentença, acobertada pela autoridade da coisa julgada, isto é,
limites objetivos da coisa julgada - CPC 468).
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Caso o expropriante, sem ter o intento de subtrair-se ao comando emergente da coisa
julgada, queira discutir os motivos que ensejaram a sentença transitada em julgado
(conluio, prova pericial acolhida na sentença, supervalorização do imóvel etc.), que não
estão acobertados pela coisa julgada (CPC 469), poderá fazê-lo em ação própria,
autônoma, mas não na ação de execução da sentença transitada em julgado.
Ainda assim, para essa última providência deve primeiro pagar e depois discutir em
ação futura. Incide aqui a cláusula solve et repete.
Os procedimentos que têm sido empreendidos por alguns órgãos do Poder Judiciário,
secundados por opiniões de parte da doutrina, de mandar atualizar o valor do imóvel,
ofendem de maneira cabal e irremediável a garantia constitucional da coisa julgada (CF
1º caput e 5º XXXVI), merecendo reprovação.
O magistrado da segunda ação, posterior (que pode até ser um juiz substituto, recém-
ingressado na carreira), seria o juiz da justiça ou da injustiça da sentença anterior, que
pode até ter sido prolatada pelo STF! Maior arbítrio do que esse? Impossível.
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imóvel que, com a sentença, deixou de ser parâmetro para o cálculo do valor do efetivo
pagamento da indenização.
Continuando, Couture afirma que o sistema da lei pode prever e determinar soluções
de combate à fraude processual com a tierce opposition ou opposizione di terzo, dos
direitos francês e italiano, ou com as ações gerais autônomas de impugnação, como é
o caso de nossa ação rescisória (CPC 485).
O que não se pode permitir é aniquilar-se o sistema como um todo, porque houve caso
localizado de corrupção aqui ou alhures. Punam-se os culpados, mas mantenha-se
hígido o estado democrático de direito, com a intangibilidade da coisa julgada. Esse é o
sistema, data maxima venia.
Não se pode reajuizar ação anteriormente julgada por sentença de mérito (CPC 269)
transitada em julgado (CPC 467). A coisa julgada, aqui, é pressuposto processual
negativo (CPC 267 V), porquanto a parte deve submeter-se à autoridade da coisa
julgada exteriorizada em processo do qual foi parte, vedada a repropositura da ação ou
rediscussão da matéria alcançada pela coisa julgada material (CPC 468) e pela eficácia
preclusiva da coisa julgada (CPC 474). Como os pressupostos processuais são
questões de ordem pública, o juiz tem o dever de examiná-los ex officio e a qualquer
tempo e grau de jurisdição (CPC 267 § 3º).
Assim, diante da repropositura de ação sobre lide já decidida e acobertada pela coisa
julgada material, a regra geral ordinária sobre o assunto é o dever de ofício do juiz de
indeferir liminarmente a petição inicial, com base no CPC 267 V, porque, na verdade, o
autor não teria interesse processual (CPC 267 VI) em ver reapreciada lide já
acobertada pela coisa julgada.
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33. RESPONSABILIDADE DA DOUTRINA
O juiz não tem essa obrigação, pois a ele compete resolver o caso concreto, de acordo
com o seu livre convencimento motivado (CPC 131).
CONCLUSÃO
Tendo havido prolação de sentença de mérito da qual não caiba mais recurso, forma-
se inexoravelmente a coisa julgada material (auctoritas rei iudicatæ), tornando-se
imutável e indiscutível o comando emergente da parte dispositiva da sentença e
repelidas todas as alegações deduzidas pelas partes e as que poderiam ter sido
deduzidas, mas não o foram (CPC 474).
BIBLIOGRAFIA
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coisa julgada: hipóteses de relativização, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2003.
20
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-. Eficácia e autoridade da sentença penal, Ed. Revista dos Tribunais, São Paul, 1978.
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