Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Poesia para Crianças - Antologia Breve PDF
Poesia para Crianças - Antologia Breve PDF
www.homeoesp.org
www.josemariaalves.blogspot.com
1
INTRODUÇÃO
2
Neste cenário pouco convidativo, convenhamos que urge
despertar a imaginação e a inata tendência poética das
crianças, se ansiamos no porvir, à existência de um
mundo melhor.
Esse despertar da sensibilidade, nunca será conseguido
caso as confinemos, por comodismo, ao “escuro”
progresso da electrónica: dos ordenadores e seus
descendentes e derivados.
3
AS CRIANÇAS
GOMES LEAL
4
À Kika, Yara, Bernardo,
e ao Vasquinho – este que por “injustiça” natural nunca
conseguirá ler ou entender qualquer um destes poemas,
mas que na nossa pequena aldeia Beirã, comigo lê, sem
interpretar, comparar ou julgar, o maior de todos os
poemas: A Beleza da Natureza e da Vida.
A todas as crianças do mundo.
DEZEMBRO 2009
5
O PASTOR
Pastor, pastorinho,
onde vais sozinho?
EUGÉNIO DE ANDRADE
6
HISTÓRIA ANTIGA
Mas,
Por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenino
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.
MIGUEL TORGA
7
LEVAVA EU UM JARRINHO
Levava eu um jarrinho
P´ra ir buscar vinho
Levava um tostão
P´ra comprar pão;
E levava uma fita
Para ir bonita.
Correu atrás
De mim um rapaz:
Foi o jarro p´ra o chão,
Perdi o tostão,
Rasgou-se-me a fita...
Vejam que desdita!
FERNANDO PESSOA
8
A NAU CATRINETA
9
Meu capitão general!
Já vejo terras de Espanha,
Areias de Portugal.
Mais enxergo três meninas
Debaixo de um laranjal:
Uma sentada a coser,
Outra na roca a fiar,
A mais formosa de todas
Está no meio a chorar.»
- «Todas três são minhas filhas,
Oh! quem mas dera abraçar!
A mais formosa de todas
Contigo a hei-de casar.»
- A vossa filha não quero,
Que vos custou a criar.»
- «Dar-te-ei tanto dinheiro
Que o não possas contar.»
- «Não quero o vosso dinheiro,
Pois vos custou a ganhar.»
- «Dou-te o meu cavalo branco,
Que nunca houve outro igual.»
- «Guardai o vosso cavalo,
Que vos custou a ensinar.»
- «Dar-te-ei a nau Catrineta,
Para nela navegar.»
- «Não quero a nau Catrineta,
Que a não sei governar.»
- «Que queres tu, meu gajeiro,
Que alvíssaras te hei-de dar?»
- «Capitão, quero a tua alma
Para comigo a levar.»
- «Renego de ti, demónio.
Que me estavas a atentar!
A minha alma é só de Deus;
O corpo dou eu ao mar.»
10
Estava em terra a varar.
A ESMOLA DO POBRE
De um ligeiro sentimento
De vaidade possuída,
À criança mal vestida
Disse a do rico trajar:
11
- «O prazer de dar esmolas
A ti e aos teus não é dado;
Pobre como és, coitado,
Aos pobres o que hás-de dar?»
E a mendiga alvoroçada,
Ao colo os braços lhe lança,
E beija a pobre criança,
Chorando de comoção!
É assim que a caridade
Do pobre ao pobre consola;
Nem só da mão sai a esmola,
Sai também do coração.
JÚLIO DINIS
12
JESUS PEQUENINO
Estava Maria
À beira do rio,
Lavando os paninhos
Do seu bento filho.
Lavava a Senhora,
José estendia,
Chorava o menino
Com frio que tinha.
Em palhas deitado,
Em palha esquecido...
Filho d´uma rosa,
D´um cravo nascido!
CANÇÃO POPULAR
13
O CASAMENTO DA FRANGA
Diz o Galo
Para a Galinha:
- Quando casaremos
A nossa filhinha?
Casaremos
Ou não casaremos:
Agora o noivo
D´onde o arranjaremos?
Salta o Gato
Do seu modo mural:
«Eu estou pronto
Para me ir casar.»
- Agora o noivo
Já nós cá temos;
Agora a madrinha
D´onde a arranjaremos?
Salta a Cabra
Da sua casinha:
«Eu estou pronta
P´ra ser madrinha.»
- Agora a madrinha
Já nós cá temos;
Agora o padrinho
D´onde o arranjaremos?
Salta o Rato
Do seu buraquinho:
«Eu estou pronto
P´ra ser padrinho.»
14
- Agora padrinho
Já nós cá temos;
Agora o padre
D´onde o arranjaremos?
Salta o Escaravelho
Do seu escaravelhar:
«Eu estou pronto
Para os ir casar.»
- Agora o padre
Já nós cá temos:
Agora o chibo
D´onde o arranjaremos?
Salta o Lobo
Do seu lobal:
«Eu estou pronto
P´rò chibo dar.»
Chibo já nós cá temos;
Agora o vinho
D´onde o arranjaremos?
Salta o Mosquito
Do seu mosquital:
«Eu estou pronto
P´rò vinho dar.»
- Agora o vinho
Já nós cá temos;
Agora o trigo
D´onde o arranjaremos?
Salta o Pardal,
Do seu ninho estar:
«Eu estou pronto
P´ra o trigo dar.»
Acabou-se a boda
Com tal desatino;
Veio o noivo
Engoliu o padrinho.
15
JAIME CORTESÃO
BARCA BELA
ALMEIDA GARRETT
16
AVE-MARIA
À minha mãe
17
“Rogai por nós pecadores”,
Ao vosso filho, Jesus,
Que por nós morreu na cruz
E que sofreu tantas dores!
------
FERNANDO PESSOA
18
EPIGRAMA
BOCAGE
19
PIA, PIA, PIA
Zangou-se o coxo
Um dia,
E meteu o mocho
Na pia, pia, pia.
FERNANDO PESSOA
20
LÍNGUA DE NHEM
e todos aprenderam
a falar noite e dia
naquela melodia
nhem – nhem – nhem – nhem – nhem – nhem
21
que muito padecia
por não ter companhia
nem falar com ninguém
CECÍLIA MEIRELES
22
O FILHO MORTO
Tarda-me já um sorriso
Nos teus lábios de rubim;
Acorda, meu filho, acorda,
Sorri-te ledo p´ra mim.»
E à noite, no cemitério,
Outro jazigo se via:
Era a mãe, que ao pé do filho
Na sepultura dormia.
SOARES DE PASSOS
23
A RAPOSA E A CEGONHA
24
achava o caso bicudo,
a Raposa, sem vergonha,
tratava de comer tudo!
De manhãzinha, a Raposa,
sempre cheia de apetite,
não quis saber doutra coisa
senão daquele convite.
Já a Cegonha servia,
prazenteira, o seu almoço,
numa bilha muito esguia
e funda que nem um poço.
25
teve de voltar a casa,
fazendo cruzes na boca.
26
POEMA PIAL
27
E, como as mãos já não estão frias,
Tampa nas pias!
FERNANDO PESSOA
28
TREM DE FERRO
Agora sim
Café com pão
Agora sim
Voa, fumaça
Corre, cerca
Ai seu foguista
Bota fogo
Na fornalha
Que eu preciso
Muita força
Muita força
Muita força
Oô...
Foge, bicho
Foge, povo
Passa ponte
Passa poste
Passa pasto
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
De ingazeira
Debruçada
No riacho
29
Que vontade
De cantar!
Oô...
Quando me prendero
No canaviá
Cada pé de cana
Era um oficiá
Oô
Menina bonita
De vestido verde
Me dá tua boca
Pra matá minha sede
Oô...
Vou m´imbora vou m´imbora
Não gosto daqui
Nasci no sertão
Sou de Ouricuri
Oô...
Vou depressa
Vou correndo
Vou na toda
Que só levo
Pouca gente
Pouca gente
Pouca gente.
MANUEL BANDEIRA
30
MINHA MÃE
31
Sentado sozinho com a face na mão,
Suspiro e soluço por quem me chamava:
«Oh filho querido do meu coração!»
- Minha mãe! -
CASIMIRO DE ABREU
32
EPIGRAMA
Ao penetrar na mansarda
Grita-lhe o padre Zé Freitas:
«Você traz hoje espingarda?
Já não tem fé nas receitas?»
FERNANDO PESSOA
33
BOA NOITE
A zebra quis
ir passear
mas a infeliz
foi para a cama
- teve de se deitar
porque estava de pijama.
SIDÓNIO MURALHA
34
ARRE, BURRO
35
ANTIGAZETILHA
No comboio descendente
Vinha tudo à gargalhada,
Uns por verem rir os outros
E os outros sem ser por nada –
No comboio descendente
De Queluz à Cruz Quebrada...
No comboio descendente
Vinham todos à janela,
Uns calados para os outros
E os outros a dar-lhes trela –
No comboio descendente
Da Cruz Quebrada a Palmela...
No comboio descendente
Mas que grande reinação!
Uns dormindo, outros com sono,
E os outros nem sim nem não –
No comboio descendente
De Palmela a Portimão...
FERNANDO PESSOA
36
PROCISSÃO - FESTA NA ALDEIA
37
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passar a procissão.
38
CANTIGA DOS REIS
Canção Popular
39
O PATO
Lá vai o Pato
Pata aqui, pata acolá
Lá vem o Pato
Para ver o que é que há
O Pato pateta
Pintou o caneco
Surrou as galinhas
Bateu no marreco
Pulou do poleiro
No pé do cavalo
levou um coice
Criou um galo
Comeu um pedaço
De jenipapo
Ficou engasgado
Com dor no papo
Quebrou a tigela
Tantas fez o moço
Que foi prà panela.
VINICIUS DE MORAIS
40
ONOMATOPEIA
Menino franzino,
quase pequenino,
pequenino, triste,
neste mundo só...
Menino, desiste
de que tenham dó!
Desiste, menino,
que o mundo é cretino...
Deixa o teu violino,
toca o sol-e-dó.
Menino franzino,
triste e pequenino,
pequenino, triste,
neste mundo só...
Menino desiste!
Toca o sol-e-dó.
Canta o tiro-liro, repipiro-piro,
canta o repipiro, tiro-liro-ló.
JOSÉ RÉGIO
41
O GALO E A PÉROLA
JOÃO DE DEUS
42
CINCO RÉIS DE GENTE
ANTÓNIO BOTTO
43
À MORTE NINGUÉM ESCAPA
CANÇÃO POPULAR
44
OS TREZE ANOS
(CANTILENA)
Já sou mulherzinha;
já trago sombreiro;
já bailo ao domingo,
com as mais no terreiro.
E só se não vejo
ninguém pelo arneiro,
me banho com as patas
ao pé do salgueiro.
45
Miro-me, olhos pretos
e um riso fagueiro,
que diz a cantiga
que são cativeiro.
Em tudo, madrinha,
já por derradeiro,
me vejo mui outra
da que era primeiro.
Dizendo-lhe: “Toma
gibão domingueiro,
de ilhoses de prata,
de arminho e cordeiro.
A mim já me aperta,
e a ti te é laceiro;
tu brincas com as outras
e eu danço em terreiro.”
Já sou mulherzinha;
já trago sombreiro;
já tenho treze anos,
que os fiz por Janeiro.
46
O mineiro é velho;
não quero o mineiro;
mais valem treze anos
que todo o dinheiro.
Tão-pouco me agrado
do pobre moleiro,
que vive na azenha
como um prisioneiro.
Marido pretendo
de humor galhofeiro,
que viva por festas,
que brilhe em terreiro;
Da parte, madrinha,
de Deus vos requeiro:
casai-me hoje mesmo
com Pedro Gaiteiro.
47
O SONO DO JOÃO
...........................................
Depois, um dia virá
que (dormindo) passará
do berço, onde agora dorme,
para outro, grande, enorme:
e as pombas que eram maiores
que o João, ficarão menores!
48
Mas para isso, ó Maria!
Diz àquela cotovia
que fale mais devagar:
não vá o João, acordar...
ANTÓNIO NOBRE
49
HAVIA UM MENINO
Havia um menino
que tinha um chapéu
para pôr na cabeça
por causa do sol.
Em vez de um gatinho
tinha um caracol.
Tinha o caracol
dentro de um chapéu;
fazia-lhe cócegas
no alto da cabeça.
FERNANDO PESSOA
50
HINO DE AMOR
Andava um dia
Em pequenino
Nos arredores
De Nazaré,
Em companhia
De São José,
O bom Jesus,
O Deus Menino.
Jesus, doído
Do desgraçado
Do passarinho,
Sai do caminho,
Corre apressado,
Quebra o encanto,
Foge a serpente,
E de repente
51
O pobrezinho,
Salvo e contente,
Rompe num canto
Tão requebrado,
Ou antes pranto
Tão soluçado,
Tão repassado
De gratidão,
De uma alegria,
Uma expansão,
Uma veemência,
Uma expressão,
Uma cadência,
Que comovia
O coração!
Jesus caminha
No seu passeio,
E a avezinha
Continuando
No seu gorjeio
Enquanto o via:
De vez em quando
Lá lhe passava
À dianteira,
E mal poisava,
Não afroixava
Nem repetia,
Que redobrava
De melodia!
52
Ela lá estava
A pobre ave
Cantando o hino
Terno e suave
Do seu amor
Ao Salvador!
JOÃO DE DEUS
53
ROMANCE DE D. JOÃO
Foi-se D. João,
foi à sua vida,
sem dificuldade
saltou pelo muro,
não voltou senão
quando ao outro dia
já fazia escuro.
Vinha enfarruscado,
partida a viola,
o boné ao lado,
rasgado o calção
e a camisola.
Fiz-lhe uma carícia,
não me respondeu,
foi-se encafuar
perto do borralho
arrastando o pé.
Percebi então
que não vinha bem.
54
para a vida toda,
isso bem se via.
Queria ajudá-lo,
não só por carinho:
custa tanto vê-lo
metido na fossa
da melancolia!
E para acabar
quase me atrevia
a pedir que guardem
muito bem guardado
tudo isto em segredo.
E muito obrigado.
EUGÉNIO DE ANDRADE
55
A MANHÃ DE S. JOÃO
Manhãzinha de S. João
Pela manhã de alvorada
Jesus Cristo se passeia
Ao redor da fonte clara.
Por sua boca dizia,
Por sua boca falava:
Esta água fica benta
E a fonte fica sagrada.
Ouviu a filha d´el-rei
D´altas torres donde estava.
Vestiu suas meias de seda,
Calçou sapatos de prata,
Pegou em cântaro d´ouro,
À fonte foi buscar água.
Lá no meio do caminho
Com a virgem se encontrava.
Atreveu-se e perguntou-lhe
Se havia de ser casada.
Casadinha haveis de ser,
Muito bem afortunada,
Três filhos haveis de ter
Todos de capa e espada.
Um será bispo em Roma,
E outro cardeal em Braga,
O mais novo deles todos,
Servo da Virgem sagrada.
Ditosa da donzelinha
Que à fonte foi buscar água!
ROMANCE POPULAR
56
EPIGRAMA
FERNANDO PESSOA
57
A SANT´ANA
Senhora Sant´Ana
Subiu ao monte;
Onde se sentou
Nasceu uma fonte.
Vieram os anjos
Beberam dela,
Que água tão boa!
Que senhora tão bela!
POEMA POPULAR
58
A BORBOLETA
Um anjo a levou,
Deus ralhou com ela,
mas deu roupa nova
azul e amarela.
59
UMA CANÇÃO INÉDITA DE SÃO FRANCISCO DE
ASSIS
60
Com a alma em Jesus Cristo,
Vi uma coisa a meus pés
Como ´inda não tinha visto.
«Agonizava o infeliz
Em tremuras dolorosas!
Beijei-o e picou-me, enchendo
a minha boca de rosas!
EUGÉNIO DE CASTRO
61
O INVERNO
Vem de sobretudo,
vem de cachecol,
o chão onde passa
parece um lençol.
Esqueceu as luvas
perto do fogão:
quando as procurou,
roubara-as um cão.
EUGÉNIO DE ANDRADE
62
GREVE NO CIRCO
SIDÓNIO MURALHA
63
CANTARES DOS BÚZIOS
64
A RAPOSA E AS UVAS
BOCAGE
65
NA IDADE DOS PORQUÊS
66
fazes-me decorar.
É a luta professor
a luta em vez de amor.
Mas
enquanto a tua voz zangada ralha
tu sabes professor
eu fecho-me por dentro
faço uma cara resignada
e finjo
finjo que não penso em nada.
Mas penso.
Penso em como era engraçada
aquela rã
que esta manhã ouvi coaxar.
Que graça que tinha
aquela andorinha
que ontem à tarde vi passar!...
67
a querer saltar cá para fora
professor
a ver se tu assim compreenderias
e me farias
mais belos os dias.
ALICE GOMES
68
ACALANTO DE JOHN TALBOT
MANUEL BANDEIRA
69
GATOS
EUGÉNIO DE ANDRADE
70
GATO DA VELHA
CARLOS PINHÃO
71
BALADA DA NEVE
É talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho...
72
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança...
E descalcinhos, doridos...
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!...
AUGUSTO GIL
73
O AVÔ E O NETO
FERNANDO PESSOA
74
AS FADAS
75
Eu sei os nomes de algumas.
Viviana ama as espumas
Das ondas nos areais,
Vive junto ao mar, sozinha,
Mas costuma ser madrinha
Nos baptizados reais.
76
Riqueza, que nem se diz...
77
Ser muito cortês e tirar-lhes
Até ao chão o chapéu.
Ou podia, se eu quisesse,
Pedir também que me desse
Um condão, para falar
A língua dos passarinhos,
Que conversam nos seus ninhos...
Ou então, saber voar!
78
Até já, imaginando,
Se estão meus olhos fechando...
Deixa-me já já dormir!
ANTERO DE QUENTAL
79
RONDEL DO ALENTEJO
Em minarete
mate
bate
leve
verde neve
minuete de luar.
Meia-noite
de Segredo
no penedo
duma noite
de luar.
Olhos caros
de Morgada
enfeitada
com preparos
de luar.
Rompem fogo
pandeiretas
morenitas,
bailam tetas e bonitas,
bailam chitas
e jaquetas,
são as fitas
desafogo de luar.
Voa o xaile
andorinha
pelo baile,
e a vida
doentinha
e a ermida
80
ao luar.
Laçarote
escarlate
de cocote
alegria
de Maria
la-ri-rate
em folia
de luar.
Giram pés
giram passos
girassóis
e os bonés,
e os braços
destes dois
giram laços
ao luar.
O colete
desta virgem
endoidece
como o S
do foguete
em vertigem
de luar.
Em minarete
mate
bate
leve
verde neve
minuete
de luar.
ALMADA NEGREIROS
81
O ÍBIS
FERNANDO PESSOA
82
CAVALEIRO DO CAVALO DE PAU
83
NÃO QUERO, NÃO
EUGÉNIO DE ANDRADE
84
PONTO NEVRÁLGICO
MENDES DE CARVALHO
85
BELA INFANTA
86
- De três moinhos que tenho,
todos três tos dera a ti;
um mói o cravo e a canela,
outro mói do gerzeli:
rica farinha que fazem!
Tomara-os el-rei pra si.
- Os teus moinhos não quero,
não nos quero para mim:
Que daria mais, senhora,
a quem to trouxera aqui?
- As telhas do meu telhado
que são de oiro e marfim.
- As telhas do teu telhado
não nas quero para mim:
.............................................
Dá-me outra coisa, senhora,
se queres que o traga aqui.
- Não tenho mais que te dar,
nem tu mais que me pedir.
..............................................
- Este anel de sete pedras
que eu contigo reparti...
Que é dela a outra metade?
Pois a minha, vê-la aí!
- Tantos anos que chorei,
tantos sustos que tremi!...
Deus te perdoe, marido,
que me ias matando aqui.
ALMEIDA GARRETT
87
MÃE NEGRA
No céu
Tão estrelado e festivo
Não há branco, não há preto,
Não há vermelho e amarelo.
- Todos são anjos e santos
Guardados por mãos divinas.
AGUINALDO FONSECA
88
FALLAR E ESCREVER
Ao Caturra Junior
Fallar é com um só L
(Agora não foge a burra).
Ora é isto que m´impelle
A beber o amargo fel
Das tolices do Caturra.
Cedilha-se agora o C
Antes de i (!), e (!) (e mais nada).
Ando triste como Vê
Caturra! O que fez você!
Alma do diabo-damnada!
----------
89
Escreve lá à tua moda,
Na minha eu hei de ficar;
Não m´importo com a roda
Quem está bem deixa-se estar!
FERNANDO PESSOA
90
BARTOLOMEU MARINHEIRO
e ficava a olhar
o mar...
E Bartolomeu cismava...
Ó que lindo, ó que lindo,
o mar, e a sua voz profunda e bela!
Uma nuvem no céu, era uma caravela
que novos céus andava descobrindo...
91
AQUELA VELHA
92
JÚLIO DINIS
93
O ARQUIPÉLAGO DAS SEREIAS
Ó nau Catarineta,
em que andei no mar
por caminhos de ir,
nunca de voltar!
Veio a tempestade
perder-se do mundo,
fez-se o céu infindo,
fez-se o mar sem fundo!
E o cavalo branco
também lá o via
que tão belo e alado
nenhum outro havia!
Ó nau Catarineta
perdida no mar,
não te percas ainda,
vem-me cá buscar!
94
BRANQUINHO DA FONSECA
95
OS COELHINHOS
96
O MEDO DAS SOMBRAS
e de interiores deserta
é toda uma casa aberta
à chuva e sol da manhã.
O pucarinho de folha
97
lá está no mesmo pé.
AFONSO DUARTE
98
CHEGOU O OUTONO
Chega o outono!
As andorinhas
despedem-se das outras avesinhas
e vão pelos ares fora
vão-se embora
embora?
Não!
Que voltam, voltarão...
Quando a bela estação
da Primavera
que antecede ao Verão
oferecer melhor vida.
Não têm agasalhos nem comida,
vão para terras quentes
à procura do sol que as consola
Mas nós, crianças,
nós,
todos contentes
partimos para a escola.
ALICE GOMES
99
OS REIS MAGOS
100
Passam rios e cidades
cheias de estátuas guerreiras,
palácios, campos, herdades,
cisternas sob as palmeiras.
101
Passam o quente areal
que a palmeira não conforta.
Eis que a estrela pára à porta
de um decrépito curral.
GOMES LEAL
102
INVOCAÇÃO A DEUS
ANTES DE COMEÇAR O ESTUDO
103
CANÇÃO DE LEONORETA
Borboleta, borboleta,
flor do ar,
onde vais, que me não levas?
Onde vais tu, Leonoreta?
Leonoreta, Leonoreta,
que me não levas contigo.
EUGÉNIO DE ANDRADE
104
BALADA DAS VINTE MENINAS FRIORENTAS
.......................................
.........................................
Já passou a Primavera
suas horas pequeninas:
e houve um milagre nos ninhos.
Pois foram mães, as meninas!
105
Eram ovos redondinhos
que apetecia beijar:
ovos que continham vidas
e asinhas para voar.
..............................................
106
BENÇÃOS
107
TOMÁS RIBEIRO
108
A CIGARRA E A FORMIGA
109
MADRIGAL A UMA ESTRELA
De histórias de estrelas
ninguém quer saber.
Não conto, não conto...
Quem é que te quer,
história da estrela
que fica por cima
da minha janela?
Tão bela! Tão bela!
Comigo te guardo
na vida e na morte.
Serás um segredo...
Será uma estrela
SEBASTIÃO DA GAMA
110
AS PEDRAS
111
VIAJAR! PERDER PAÍSES!
FERNANDO PESSOA
112
INSTANTE
Embevecida,
A mãe ovelha deixa de remoer
E a vida
Pára também, a ver.
MIGUEL TORGA
113
LENDA DE SANTA IRIA
ROMANCE POPULAR
114
IRENE NO CÉU
Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor.
MANUEL BANDEIRA
115
AS ALDEIAS
GOMES LEAL
116
VINDE, Ó POBRES
JORGE DE LIMA
117
O BAILADOR DE FANDANGO
118
Para com ele bailar...
E vinham moças de Afife
Para com ele bailar.
Então as sombras dos corpos,
Como chamas traiçoeiras,
Entrelaçavam-se e a dança
Cobria o chão de fogueiras...
119
O MOSTRENGO
FERNANDO PESSOA
120
SANTOS
RIBEIRO COUTO
121
VARINA
Ó varina, passa,
Passa tu primeiro!
Que és a flor da raça,
A mais séria graça
Do país inteiro.
Lisboa, esquecida
Que é porto-de-mar,
Sente a sua vida
Reconstituída
Pelo teu andar.
122
Presença do mar.
CARLOS QUEIROZ
123
SERENATA DA RAINHA DE KACHMIR
O vestido de noivado
da rainha de Kachmir
era a diamantes bordado,
como luar num terrado!...
Parecia o Céu estrelado,
ou a visão de um faquir,
o vestido de noivado
da rainha de Kachmir.
124
eram mais subtis que o leque!
125
ficou de pranto alagado
o vestido de noivado
da rainha de Kachmir.
Saudades de amor quebrado
fazem lágrimas cair!...
GOMES LEAL
126
AMIGO
«Amigo» é um sorriso
de boca em boca,
um olhar bem limpo,
uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
na nossa mão!
..........................................
ALEXANDRE O´NEILL
127
PALAVRAS DUM AVESTRUZ TODO GRIS
Arrancam-me as penas
e eu sofro sem dizer nada:
- Sou ave
bem educada.
E, se quisesse,
podia
morder-lhes as mãos morenas,
a esses
que sem piedade
me roubam estas penas que me cobrem;
e, no entanto,
sem o mais breve gemido,
o meu corpo
vai ficando...
Desguarnecido...
E elas,
aquelas
que se enfeitam, doidamente,
com estas penas formosas
- que são minhas!
passam por mim, desdenhosas
em gargalhadas mesquinhas.
ANTÓNIO BOTTO
128
ROSA E LÍRIO
A rosa
é formosa:
bem sei.
Porque lhe chamam – flor
d´amor,
não sei.
A flor,
bem de amor
é o lírio;
tem mel no aroma – dor
na cor
o lírio.
Se o cheiro
é fagueiro
na rosa,
se é de beleza – mor
primor
a rosa.
No lírio
o martírio
que é meu
pintado vejo: - cor
e ardor
é o meu.
A rosa
é formosa,
bem sei...
E será de outros flor
d´amor...
não sei...
129
ALMEIDA GARRETT
130
LUSITÂNIA NO BAIRRO LATINO
Snra. Nagonia!
Olha, acolá!
Que linda vai com seu erro de ortografia...
Quem me dera ir lá!
Senhora da Guarda!
Senhora d´ajuda!
131
Ora pro nobis!
Caluda!
Sêmos probes!
S.hr dos ramos!
Istrella do mar!
Cá bamos!
Snra. da Luz!
Parece o farol...
Maim de Jesus!
132
O Jeques, o Pardal, na Nam te perdes,
E das vagas, aos ritmos cadenciados,
As lanchas vão traçando, à flor das águas verdes
«As armas e os barões assinalados...»
Lá sai a derradeira!
Ainda agarra as que vão na dianteira...
Como ela corre! com que força o Vento a impele:
ANTÓNIO NOBRE
133
TRANSFIGURAÇÃO
GONÇALVES CRESPO
134
UM POEMA DE NATAL
FERNANDO PESSOA
135
O PASSARINHO PRESO
Na gaiola empoleirado,
um mimoso passarinho
trinava brandos queixumes
com saudades do seu ninho.
.........................................
...........................................
136
Mas ah triste! Ah malfadado!
Para que me queixo em vão?
Que espero, se contra a força
de nada serve a razão?
..............................................
BOCAGE
137
AQUELA NUVEM
Aquela nuvem
parece um cavalo...
Aquela?
Mas já não é um cavalo,
é uma barca à vela.
Aquela?
Mas já não é um navio,
é uma torre amarela
a vogar no frio
onde encerraram uma donzela.
138
SAUDADES
E, se o quebra e despedaça
com as raízes mofinas,
mais ela tem brilho e graça,
é como a flor das ruínas.
139
Não, Pepita, não ta dou...
Fiz mal em dar-te essa flor,
que eu sei o que me custou
tratá-la com tanto amor.
ALMEIDA GARRETT
140
SÚPLICA
TOMÁS RIBEIRO
141
MAR PORTUGUÊS
FERNANDO PESSOA
142
URGENTEMENTE
É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.
EUGÉNIO DE ANDRADE
143
AMOR FILIAL
BULHÃO PATO
144
A FONTE
145
DESCALÇA VAI PARA A FONTE
LUÍS DE CAMÕES
146
CANTIGA PARTINDO-SE
147
IMPRESSÃO DIGITAL
ANTÓNIO GEDEÃO
148
Ó SINO DA MINHA ALDEIA
FERNANDO PESSOA
149
A UMA GATINHA
JOÃO DE DEUS
150
S. ROMÃO
..........................................................
MENDES DE CARVALHO
151
NATAL CHIQUE
VITORINO NEMÉSIO
152
A VOLTA DA PRIMAVERA
O olival rebenta,
Pompa verde e prata!
Pâmpanos desata
Báquico vinhal!
153
CÃO
ALEXANDRE O´NEILL
154
SETE ANOS DE PASTOR JACOB SERVIA
LUÍS DE CAMÕES
155
FÉ
A melhor segurança
Da nossa íntima paz, Senhor, é esta;
Esta luz, que há-de abrir à estância eterna
O fúlgido caminho.
MACHADO DE ASSIS
156
AS CASAS VIERAM DE NOITE
Fecham os olhos
percorrem grandes distâncias
como nuvens ou navios
157
CARTA DA INFÂNCIA
Amigo Luar:
CARLOS DE OLIVEIRA
158
O LUAR QUANDO BATE NA RELVA
ALBERTO CAEIRO
159
VOU SOBRE O OCEANO
ANTÓNIO NOBRE
160
AO DESCONCERTO DO MUNDO
LUÍS DE CAMÕES
161
VOZ QUE SE CALA
FLORBELA ESPANCA
162
O VELHO PALÁCIO
GOMES LEAL
163
DO SEU LONGÍNQUO REINO COR-DE-ROSA
FERNANDO PESSOA
164
LIBERA ME
Livrai-me, Senhor,
de tudo o que for
vazio de amor.
Livrai-me também
de quem me detém
e graça não tem.
CARLOS QUEIROZ
165
O MENINO DA SUA MÃE
No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas trespassado
- Duas, de lado a lado –,
Jaz morto, e arrefece.
Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lhe a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.
166
FERNANDO PESSOA
167
ARIANE
Ariane é um navio.
Tem mastros, velas e bandeira à proa,
e chegou num dia branco, frio,
a este rio Tejo de Lisboa.
MIGUEL TORGA
168
POEMA DA AUTO-ESTRADA
169
o céu, as nuvens, as casas,
e com os bramidos que solta
lembra um demónio com asas.
ANTÓNIO GEDEÃO
170
O SILVA
FERNANDO PESSOA
171
QUEM FEZ AO SAPO O LEITO CARMESIM
FLORBELA ESPANCA
172
VIVAM, APENAS
Vivam, apenas
sejam bons com o sol.
Livres como o vento.
Naturais como as fontes.
Vivam, apenas.
A Morte é para os mortos!
173
SANTO E SENHA
MIGUEL TORGA
174
SER POETA
FLORBELA ESPANCA
175
FIM
MÁRIO SÁ-CARNEIRO
176
CANÇÃO DE UMA SOMBRA
TEIXEIRA DE PASCOAIS
177
VEM, VENTO, VARRE
Leva a doçura,
se for preciso:
ao canto fundo
basta o que basta.
178
A PAZ SEM VENCEDOR E SEM VENCIDOS
179
QUANDO AS CRIANÇAS BRINCAM
FERNANDO PESSOA
180