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brasileira de 1976, Telefone sem fio, Estudamos como a liberdade dos artistas, ao explorar
temas como a escuta e a voz, se faz matéria expressiva, e se a escuta dessas sonoridades
pode nos dar a perceber o contexto social e cultural em que esse vídeo foi feito.
Abstract In this article we search the sound experiments contained in the 1976 Brazilian
video art, Telephone game. We study how artists' freedom, by exploring themes such as
listening and voice, becomes expressive matter, and if listening to these sounds can make us
realize the social and cultural context in which this video was made.
Este vídeo foi realizado no Rio de Janeiro, em 1976, por Anna Bella Geiger e seus
alunos na época, Ana Vitória Mussi, Fernando Cocchiarale, Ivens Machado, Letícia Parente,
Telefone sem fio é uma brincadeira infantil praticada em vários países do mundo, que
palavras que serão cochichadas para a seguinte, até que a última revele a palavra em voz
alta para todos. A diversão é ouvir no que estas palavras se transformarão no final. O que
chama a atenção nesse vídeo é o fato daqueles artistas se reunirem para realizar uma
performance, brincar de telefone sem fio, para que fosse registrado por uma câmera, em que
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Trabalho apresentado no XXIII Encontro SOCINE na sessão: ST Estilo e som no audiovisual.
Sessão1. 09/10/2019 às 16:30.Sala 1.
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Graduação: Cinema - ECA/USP (1984), Mestrado: ECA/USP (2008).Trabalha com captação de Som
Direto desde 1984 e como Professora da disciplinas de som no Curso de Cinema da FAAP-SP, desde
2010.
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média, são todos adultos, entre 30 e 40 anos, brancos, cinco mulheres e três homens. A
câmera, com seu microfone acoplado, está posicionada na mão do operador, que grava as
imagens e os sons do lado de fora de uma roda formada pelos artistas, numa distância não
muito próxima da ação. A câmera vai acompanhando a ação das duplas de participantes, o
que cochicha e o que ouve, num movimento circular que acompanha esta ação pela roda.
Todos se comportam como se a câmera não estivesse ali, a não ser no final da gravação,
aos 13 minutos, quando a performance acaba e surge uma pequena discussão a respeito de
continuar ou não a gravação ou assistir para avaliar o resultado. Nesse momento, a postura
uma situação, havia acabado, e o que a câmera estava registrando, naqueles últimos
minutos do vídeo, era, na verdade, o registro da atividade do grupo na sua própria época.
Chuchu beleza, vira chacha tapeça. As experimentações com o som não eram o foco das
da sonoridade nas artes e que favorecia uma abertura na qual o som era incluído nas
sem fio, performada pelo grupo de artistas, com as experiências sonoro-verbais que ela
uma das peças de Robert Wilson, nas quais, muitas vezes, é negada a função semântica das
palavras, promovida pela desintegração do discurso verbal. Em Telefone sem fio, as palavras
não são portadoras de nenhuma intencionalidade comunicativa. Cada palavra escolhida para
começar tem a ver com algum tipo de memória e escolha pessoal de cada participante que,
similar, por impulsos rápidos, que emergem dos seus inconscientes. O que nos é dado a
performance, na qual existe a crítica aos nossos hábitos, atitudes e ações, enfim, ao
comportamento humano. O performer não atua como no teatro, isto é, não representa um
texto criado por outra pessoa, não cria algo que substitui a realidade, ele trabalha com a
Para Zumthor, “a performance é jogo, (...) os participantes vêem-se agir e gozam desse
espetáculo livre de sanções naturais. Para o breve tempo do jogo, afasta-se assim a ameaça
fora do jogo, como observadora. Um jogo infantil, performado por adultos, no qual as
brincadeira para um experimento artístico, direcionando a atenção de quem assiste para sua
escuta e para a sonoridade das palavras como matéria poética, usando a indeterminação
Além de colocar em foco a escuta e a sonoridade, este vídeo possui uma estrutura
aberta (ECO, 1991), isto é, nos apresenta um processo no qual se desenham conexões, na
qual a relação entre os artistas, a obra e o espectador não é de univocidade, mas a de uma
discussão aberta acerca de uma situação, estabelecendo uma relação fruitiva ativa da obra,
Telefone sem fio pode ser encarado com uma obra que tem estas características, pois
Ainda faltavam nove anos para que chegasse ao fim a Ditadura Militar no Brasil e
fosse restabelecido o estado de direito democrático. Vivíamos sob censura dos meios de
comunicação e cultura. Neste caso, a performance registrada em vídeo em Telefone sem fio
governo, estavam num momento de criação de redes nacionais. Os grupos detentores das
concessões se aliaram às políticas implementadas pela ditadura, permitindo que esse meio
trabalhos de videoarte brasileiros daquele momento refletiam, entre outras coisas, uma
crítica à televisão. Por se tratar de um vídeo, existe uma crítica em Telefone sem fio a uma
subverte a informação.
palavra do início à do fim da brincadeira, o grupo de artistas se diverte com os resultados por
causa da troca de forma e sentido que as palavras vão ganhando, expressando a alegria de
negar o poder da língua e, por consequência, todas as formas de poder e autoridade. Não
importava o sentido semântico das palavras, mas sim brincar com suas sonoridades para
declara: “Mas a língua, como desempenho de toda a linguagem, não é nem reacionária, nem
progressista; ela é simplesmente: fascista; pois o fascismo não é impedir de dizer, é obrigar a
transmissão, uma mensagem pode sofrer modificações. No jogo performado e registrado por
demonstração de rebeldia contra uma ordem estabelecida. Por isso, a satisfação, o riso, a
A escuta
comunica em segredo num lugar afastado de todos, o alto de um edifício. O ponto de vista de
quem assiste o vídeo é de quem presencia a transmissão de um segredo ao qual não tem
acesso. Essas impressões têm clara relação com o momento político em que o vídeo foi
feito, e isso é colocado de maneira deslocada no vídeo, em vez da dimensão política, temos
o jogo.
Em Telefone sem fio a imagem do ato de cochichar no ouvido de uma pessoa, remete à
etimologia da palavra escutar, do latim auscultare: ouvir com atenção. O que nos leva a
pensar em tipos de escuta: escuta privada e escuta pública, em como a voz e a escuta
implicam numa relação e o que de cada um se transfere neste ato comunicacional (NANCY,
2014). O que pode ser dito em público e o que não pode? Pode falar “palavrão” ? O que tem
que ser dito em segredo numa sociedade vigiada? Quais as tensões entre uma escuta
pública e uma privada? No vídeo, a atenção se dirige à pessoa que escuta e às suas reações
faciais ao que ela está escutando. O contato sensual da boca que roça o ouvido do outro
Parece que em algum momento o anonimato faz emergir uma certa licenciosidade
dentro do grupo e palavras mais vulgares, com alusões sexuais, começam a surgir. Entre
palavras mais inocentes como Marrakesh, que vira antuérpio, surgem "plantinha silvestre"
que vira "punzinho que fizeste"; "gato persa" que vira "cu e merda"; "poxa" - "cu e coxa";
"barreira" - 'quente e gostoso"; "a Pituca gosta da perna do Fernando" - "a Pituca adora a
piroca do Fernando"; "eu adoro beber" - "gozo interminável". "Duchamp" - "feito na coxa". Um
dos sons transmitidos não é uma palavra, se trata de um ruidismo bucal feito com a língua,
com conotações sexuais, uma língua que toca o ouvido. A possibilidade de interferir
anonimamente expõe brincadeiras machistas e sexistas e uma das artistas mulheres, Anna
Bella Geiger, se incomoda. Estas atitudes são reveladoras da maneira como nossa
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Imagem sonora
Uma imagem pode sugerir um som? O som pode ser imagem? Em seu artigo, A
imagem que se ouve, Fernando Iazzetta discorre sobre o fato do som poder gerar imagens
sonoras ou mentais, já que “os sons são representações acústicas de algo”, são signos que
remetem a uma fonte sonora, a um evento e também a “contextos e situações que podem
estar associadas a esses sons” (IAZZETTA, 2016, p. 8). Quando um cachorro late ou uma
criança grita, o que chega até nós, através do som, é a imagem mental que estes sons
produzem. A partir do momento em que o som pode, tecnicamente, ser registrado, gravado,
isto evidenciou o caráter do som como imagem, pois um som gravado é um índice (signo)
gravado. Rodolfo Caesar, pesquisador e compositor brasileiro, vai mais longe e afirma que
não é necessário o registro sonoro para que seja criada uma imagem sonora, segundo
Caesar, “o som é imagem mesmo quando o único suporte disponível é o cérebro (CAESAR,
2012, p. 260)”.
explorava o caráter imagético do som com as partituras verbais, nas quais não ouvimos
nenhum som, mas instruções que nos remetem a imagens mentais destes sons, como a
Cough Piece (1961), de Yoko Ono: “Keep coughing a year” (tussa durante um ano, tradução
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nossa), Podemos mencionar o caso brasileiro das instruções verbais criadas em 1970 por
Guilherme Vaz, como Abrir: “the following minutes are reserved for you to open your front
door as slow as you can” (os minutos seguintes estão reservados para você abrir a porta da
frente da sua casa o mais lento que você puder, tradução nossa).
Um dos exemplos que Iazzetta utiliza no seu artigo é sobre uma obra de Christian
que nos fazem “escutar” suas vozes, embora essas fotografias não emitam som algum. A
mistura entre a música experimental e as artes visuais privilegia uma forma de arte que Seth
numa referência à arte não-retiniana proposta por Marcel Duchamp, na qual é mais
importante o pensamento que a obra pode gerar do que a existência de um objeto artístico
manufaturado pelo artista, e o que se quer ressaltar não é o som em si mesmo, mas modos
de uma escuta. Apesar da imagem registrada no vídeo não produzir som algum.
com clareza”, mas também para quem está fora desta relação, a de quem vê – “procurar
ouvir de maneira clandestina, espionar”, isto é, deixar-se ver contando um segredo denota
que a quem olha está vedado saber o que está sendo comunicado. Ao ser vetada a escuta
das palavras que estão sendo transmitidas, o vídeo nos chama a atenção para o ato de
(1933-2003), nos quais ele não via necessidade de acompanhamento sonoro, por achar que
as imagens sugeriam uma espécie de música visual, aqui também a impossibilidade de ouvir
as vozes cochichadas nos proporciona praticar uma escuta interna de possíveis sons.
Outro aspecto a ser destacado a respeito das imagens das quais não escutamos os
sons neste vídeo é quanto aos índices não orais, intersubjetivos, de uma performance oral,
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como constatou Zumthor: “A oralidade não se reduz à ação da voz. Expansão do corpo,
embora não o esgote. A oralidade implica em tudo o que, em nós, se endereça ao outro: seja
Pudemos observar que o jogo com a sonoridade das palavras, mostrado no vídeo, faz
com que os sentidos sejam trocados, revelando, ao fim, indícios de uma sociedade machista.
desses conteúdos. Por fim, a brincadeira com a sonoridade das palavras dá relevância a
O termo “pioneiros”, dado por Arlindo Machado (2007) a essa primeira geração de
eletrônicos, esses artistas são também pioneiros por explorar conceitos de escuta e
Referências bibliográficas
ECO, U. Obra aberta: forma e indeterminação nas poéticas contemporâneas. São Paulo: Ed.
Pespectiva, 1991.
IAZZETTA, F. A imagem que se ouve. In: Prado, G.; Tavares, M.; Arantes, P. (org). Diálogos
MACHADO, A. (Org.). Made in Brasil: três décadas de vídeo brasileiro. São Paulo:
ZUMTHOR, Paul. Introdução à poesia oral. Editora Hucitec, São Paulo, 1997.