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INTRODUÇÃO

A partir de 1927, com a criação de condições técnicas que permitiram a perfeita


sincronização entre a trilha sonora e a imagem de um filme, o cinema ganhou um novo
leque de possibilidades narrativas. A partir do Vitaphone, não foi mais preciso restringir o
som de uma obra cinematográfica aos músicos e/ou objetos que coubessem no espaço
da sala de projeção.

A evolução técnica nos processos de gravação, edição e reprodução sonoras nas


décadas seguintes permitiu um novo processo de produção cinematográfica, onde a trilha
sonora passou a ser construída separadamente das imagens, podendo ser manipulada de
maneira independente, gerando, assim, possibilidades de criação tão grandes quanto às
existentes nos processos de captação e montagem da imagem. A realidade proposta pela
imagem pode ser enfatizada ou recriada conforme o desejo do realizador, acrescentando
informações e enriquecendo a obra.

Porém, ao contrário da grande maioria das chamadas áreas técnicas de realização de um


filme, tais como a fotografia e a montagem, a trilha sonora não tem sido objeto de estudo
constante por parte dos pesquisadores.

Os anos que antecederam e sucederam o surgimento do cinema sonoro foram ricos em


análises das nascentes possibilidades artísticas que o novo elemento poderia dar às
obras, ou mesmo, do "perigo" que a existência do cinema falado poderia causar ao único
meio de expressão cinematográfica: a imagem, como afirmavam alguns teóricos.
Realizadores, como Eisenstein, Pudovkin, Clair e Cavalcanti, além de teóricos, como
Balazs e Kracauer, propuseram possíveis relações criativas entre o som e a imagem que
poderiam ampliar as possibilidades criativas de um filme, enquanto diretores, como
Chaplin, e estudiosos, como Arnheim, apontavam a possível regressão no
desenvolvimento da linguagem do cinema com a introdução da nova tecnologia.

1
Nas décadas que se sucederam, porém, o estudo do discurso cinematográfico ficou
praticamente restrito ao estudo imagético. A maioria dos críticos e teóricos trabalhou com
o princípio do cinema ser uma arte essencialmente visual, sendo o som um mero
acompanhamento. O estudo do som cinematográfico ficou praticamente restrito ao
estudo da trilha musical.

Houve, então, uma grande defasagem entre a evolução tecnológica dos métodos de
gravação e reprodução do som cinematográfico e a evolução da sua linguagem de
análise.

Apenas nos anos 70 esse quadro se modificaria. A trilha sonora cinematográfica passou,
então, por grandes modificações, quer como objeto de estudo, quer tecnologica ou
artisticamente.

Pesquisadores vindos em sua grande parte de escolas de cinema, tais como Altman,
Bordwell, Weis, Percheron e Mancini, retomaram a discussão esquecida, propondo novas
formas de análise que integrassem os elementos visuais e sonoros na discussão da obra
cinematográfica.

Ao mesmo tempo, acontecia uma revolução na técnica sonora cinematográfica: a criação


do sistema Dolby Stereo que, através de um filtro de supressão de ruídos, ampliou a
resposta de freqüências e a dinâmica da gravação/reprodução em mídia ótica e
possibilitou, finalmente, o uso do silêncio.

É nesse contexto que surge Walter Murch. Murch faz parte da geração dos primeiros
estudantes de cinema a chegaram aos grandes estúdios. Nascido em 1943, Murch cresce
em Paris onde tem o primeiro contato com a música concreta.

2
Mas é na adolecência, quando muda-se para Nova Iorque, que começa a ouvir
intensivamente autores como Pierre Henry e Pierre Schaeffer. Murch resolve, então, unir
suas duas paixões: a música concreta e os filmes. Resolve unir sons naturais em um
contexto fora do usual e combiná-los a um estímulo visual. Para tanto, ingressa no curso
de cinema da University of Southern California onde conhece George Lucas, Francis Ford
Coppola, John Milius e Caroll Ballard. Na USC, a maioria dos seus colegas achava que o
som não era parte essencial dos filmes - “It was just sound.”1 Dessa forma, Murch acabou
sendo o estudante que era procurado cada vez que seus colegas precisavam de uma
trilha sonora diferenciada. No fim da escola, Lucas disse a ele que Coppola estava
montando um estúdio em São Francisco e não tinha ninguém para cuidar da parte de
som. Murch aceitou o convite e entrou no projeto do Zoetrope Studios onde iria
revolucionar tanto o pensamento quanto a forma de produção da trilha sonora
cinematográfica.

Os elementos formadores da trilha sonora cinematográfica (trilha de vozes, de música, de


ruídos2 ambiente e de ruídos de efeito3) tradicionalmente seguiam funções específicas4 e
obedeciam a uma ordem hierárquica. A voz tinha a função maior de informar o tema, o
desenvolvimento da história, a caracterização dos personagens e a descrição de quando
e onde os fatos ocorrem 5 . Já a música refletia situações de caráter emocional dos
personagens ou da história. Os ruídos eram responsáveis pela manutenção do caráter
naturalista da imagem e os sons ambientes serviam para indicar situações geográficas ou
topográficas. “São os segmentos de estrutura mais freqüentemente temática, pois não
pretendem articular-se com a ação nem associar-se a personagens.6”

1
LoBrutto, pág. 84.
2
Por ruídos, usarei a definição de Moraña citada por Fernando Giraldo Salinas em sua dissertação de
mestrado Da "dupla dinâmica" som-imagem: uma aproximação teórica ao som na televisão. São Paulo,
ECA/USP, 1989: “Por ruídos, entendemos todo o som que não seja claramente musical nem linguístico”.
3
Para maiores informações sobre os elementos formadores da trilha sonora veja minha dissertação de
mestrado A trilha sonora nos curta-metragens de ficção realizados em São Paulo entre 1982 e 1992. São
Paulo, ECA/USP, 1994.
4
Para informações mais detalhadas sobre as funções das falas, música e ruídos veja a dissertação de mestrado
de Fernando Giraldo-Salinas, op. cit.
5
Herbert Zettl citado por Fernando Salinas op. cit., pág. 149.
6
Tellez citado por Fernando Salinas, op. cit., pág. 178.

3
Quanto à audibilidade, havia uma hierarquia onde a trilha de vozes era a mais intensa e a
trilha de música, a segunda mais audível. Nos trechos sem falas, a trilha de música
crescia para o mesmo nível de intensidade usado na pista de vozes. Em seguida, eram
ouvidas as trilhas de ruídos onde internamente também havia uma hierarquia de
intensidade: os ruídos de efeitos, ruídos de sala e ruídos ambientais, do mais ao menos
intenso.

Walter Murch rompeu, em seus trabalhos dos anos 70, com essa tradição, fazendo com
que qualquer estímulo sonoro pudesse servir para acentuar tanto o caráter naturalista
como o caráter emocional da obra, seja ele música, ruído ou voz. Nesse período, Murch
revolucionou tanto o uso narrativo da trilha sonora quanto a forma de produção da
indústria cinematográfica.

Em 1970, em THX 11387, Murch criou a figura do montador de som, um profissional que
supervisiona todas as etapas de realização do som cinematográfico: captação, edição e
mixagem. Até esse momento, ao contrário da maioria das áreas técnicas de realização
cinematográfica, não havia um único profissional responsável pela trilha sonora. O técnico
de som direto era o responsável pela captação durante o período de filmagem; o editor de
som, pela edição da trilha de som direto e pela escolha e sincronização de ruídos, quase
sempre selecionados da coleção de ruídos pertencente ao estúdio produtor. E havia
também o criador de ruídos de sala; o técnico de gravação de ruídos de sala; o editor de
música e o mixador, o responsável pela inter-relação final dessas pistas. O montador de
som passou a ser, a partir de THX 1138, o responsável pela unidade sonora do filme.

7
THX 1138. Direção: George Lucas, 35mm, 95 min., cor, 1970.

4
No seu trabalho seguinte, em O Poderoso Chefão8, Murch rompeu definitivamente com o
padrão de construção de trilha sonora, quer em audibilidade ou na função dramática. O
som mais audível será aquele que acrescentará informações à imagem. Os ruídos
passam a ser, então, elementos complementares à imagem, e não apenas um elemento
de redundância da imagem, como na maioria das obras do cinema narrativo norte-
americano produzidas até então.

Murch chegou ao seu auge do uso narrativo do som cinematográfico em Apocalipse9.


Desta vez, a trilha de ruídos ambientais assume um caráter absolutamente não-
naturalista. Os sons ambientais passaram para a primeira pessoa da narrativa, fazendo
audíveis estados emocionais do personagem principal. Esta prática foi usada de diversas
formas, desde recriar a audição seletiva das personagens até externar em sons estados
do subconsciente dessas personagens, criando assim uma maior aproximação entre
espectador e filme. É também em Apocalipse que Murch criou a denominação de
desenhista de som (sound designer), responsável não só pela unidade de produção da
trilha sonora mas, também, por toda a sonoridade de uma obra.

Até hoje, nenhum trabalho acadêmico foi realizado para resgatar o trabalho criativo desse
que é o principal autor de trilhas sonoras cinematográficas. O estudo de revisão das obras
cinematográficas de Walter Murch na década de 70, a partir de novos parâmetros de
análise das relações entre som e imagem, faz-se, então, de grande interesse.

8
O Poderoso Chefão (The Godfather). Direção: Francis Ford Coppola, 35mm, 175 min., cor , 1972.
9
Apocalipse (Apocalypse Now). Direção: Francis Ford Coppola, 35mm,153 min., cor , 1979.

5
UM BREVE HISTÓRICO DO SOM CINEMATOGRÁFICO

Uma das maiores falácias da história do cinema é a afirmação que o cinema nasceu
mudo. Desde 1895, o Kinetophone de Thomas Edson já oferecia música de
acompanhamento nos filmes de “peep show”. Nas salas de cinema, havia sonorização ao
vivo da imagem mesmo antes de se tentar sincronia entre imagem e som, seja de forma
mecânica ou eletrônica. Essa sonorização consistia em música tocada por diferentes
formações de instrumentistas (de um piano solo a uma orquestra), muitas vezes com
partituras especialmente compostas para os filmes, até ruídos ou vozes. Nos casos dos
filmes cantados, filmes que mostravam árias de óperas, os cantores ficavam atrás da tela
enquanto a orquestra acompanhava no fosso do teatro.

O primeiro sistema de sincronia entre imagem e som a ser comercialmente distribuído foi
o Chronophone, criado por Léon Gaumond em 1902. O sistema conectava um projetor a
dois fonógrafos por uma série de cabos. Para a divulgação de seu invento, Gaumond
realizou uma série de quadros de vaudeville que tiveram sua primeira apresentação
pública em 1907, no hipódromo de Londres. O sucesso da apresentação fez com que o
Chronophone fosse instalado em muitas salas de cinema dos EUA. Porém, a falta de um
sistema de amplificação, o alto custo de instalação e a baixa capacidade de manutenção
de sincronia por longos períodos fizeram o sistema cair em desuso. Outros sistemas de
sincronia entre a câmera/projetor e fonógrafos foram criados durante os anos 10, mas
todos sofriam dos mesmos problemas técnicos do Chronophone. Em 1913, Edson
apresentou uma nova versão do Kinetophone, onde a falta de amplificação de som era
resolvida de forma mecânica pela construção de um grande fonógrafo. Mas a dificuldade
de manutenção de sincronia continuava.

6
Em 1923, Lee De Forest, o inventor do amplificador valvulado, criou o Phonofilm. Esse
sistema se diferenciava de seus antecessores por não partir de sistemas mecânicos para
realizar a sincronia e sim por um sistema ótico, ou seja, de impressão de som em película
fotográfica 10 . Três curtas metragens foram apresentados na estréia comercial do
Phonofilm: uma bailarina dançando "O Lago dos Cisnes", um quarteto de cordas e outro
número de dança. Por serem curta-metragens onde a sincronia não era explícita (como
uma sincronia labial, por exemplo), a invenção não causou grande interesse. A concepção
de De Forest de não se alinhar às produtoras cinematográficas existentes, desenvolvendo
o processo comercialização do Phonofilm sozinho, acabou por levá-lo à venda da sua
companhia.

Apenas em 1926 seria instituído o primeiro padrão comercial de gravação e reprodução


de som cinematográfico, o Vitaphone. A Vitaphone Company, uma união entre a AT&T e
a Warner Bros. Pictures, Inc., desenvolveu um sistema de sincronia eletromecânico 11
entre um projetor de imagens, com velocidade de 24 quadros por segundo, ligado por
cabos a um toca-discos, o qual reproduzia um disco de 12 ou 16 polegadas a 33+1/3
rotações por minuto com uma resposta de freqüência de 50 a 5.500 Hz. O toca-discos,
por sua vez, era conectado a um amplificador e este, a caixas acústicas.

O programa de estréia do Vitaphone começava com um curta-metragem onde o


presidente da Associação de Produtores, Will Hays, saudava, em perfeita sincronia, o
novo sistema. A primeira parte do programa era complementada por outros curtas de
espetáculos musicais. Na segunda parte, foi apresentado o longa-metragem Don Juan12,
uma aventura de capa-e-espada que havia sido filmada sem captação de som direto e foi
posteriormente sonorizada com música e efeitos sonoros.

10
O sistema ótico de gravação e reprodução de som parte do princípio de que uma forma de energia pode ser
convertida em outra. Na projeção, um raio de luz constante gerado por uma lâmpada excitadora passa através
de modulações de luz e escuridão gravadas na película e são convertidas por uma célula fotoelétrica em
impulsos elétricos.
11
Mesmo que a W.E. já houvesse desenvolvido um sistema de gravação ótica, o sistema eletromecânico foi
considerado de melhor comercialização.
12
Dom Juan. Direção: Alan Crosland, 35mm, P&B, 110 min, 1926.

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O sucesso foi estrondoso, não apenas pela sincronia perfeita entre imagem e som, mas
pela amplificação nunca antes exibida em uma sala de espetáculos. O sucesso definitivo
viria a partir da exibição de O Cantor de Jazz13, que além de música orquestrada e ruídos
também trazia seqüências cantadas. Em 1931, a Vitaphone Company havia instalado seu
sistema em 5.042 das 13.500 salas de exibição dos EUA.

É curioso observar em O Cantor de Jazz a solução híbrida adotada em relação à voz.


Mesmo com o uso da voz cantada gravada em disco e em perfeita sincronia com a
imagem, os diálogos ainda aparecem por intertítulos. Uma das possíveis razões para isso
é uma limitação inicial do sistema Vitaphone: como a base de gravação era um disco de
cerâmica, não havia a possibilidade de edição de som, pois discos só podem ser
gravados de forma direta.

Outra possível razão pela opção híbrida era evitar um estranhamento dos códigos com
que o espectador estava acostumado. Isso também é visivel na opção da distribuição
espacial das caixas acústicas utilizada pelo Vitaphone. A mesma saída de áudio, afinal
era um sistema monofônico, era distribuída por caixas acústicas colocadas em dois
diferentes lugares da sala: atrás da tela e no fosso da orquestra. O projecionista tinha
uma chave onde selecionava um dos dois pontos de reprodução. Nas seqüências apenas
orquestrais, o som era reproduzido no fosso da orquestra e, nas seqüências com
sincronismo labial, vinha por trás da tela. Dessa forma, reproduzia-se o padrão de escuta
dos filmes cantados.

A vitória comercial do uso de som pré-gravado na exibição cinematográfica trouxe outras


mudanças no uso da linguagem cinematográfica. Por causa da baixa sensibilidade dos
microfones da época, a movimentação dos atores em cena foi limitada a lugares próximos
aos microfones colocados em cena. A câmera, por sua vez, também perdeu mobilidade.
Por fazer muito barulho quando em funcionamento, ela era colocada em uma cabina a
prova de som durante a gravação de cenas com captação de som direto o que,
consequentemente, impedia qualquer movimentação durante o plano. É típico nos filmes
feitos nos primeiros anos do cinema a oposição visual entre cenas com diálogos e
aquelas acompanhadas apenas de música e ruídos.

13
O Cantor de Jazz. Direção: Alan Crosland, 35mm, P&B, 89 min, 1927.

8
Se no primeiro caso a câmera mantinha uma posição estática, nas cenas que não exigiam
captação de som, ela voltava a ganhar movimento. Em 1929, a Warner tentou minimizar
esse problema criando uma cabina sobre rodas. Isso permitia o deslocamento horizontal
da câmera, mas panorâmicas simultâneas continuavam impossíveis. Em 1931, a câmera
Mitchell NC já era usada com sistemas próprios de redutores de ruídos (blimps). Em
1936, a Mitchell colocou em produção o modelo BNC, uma câmera menor, mais leve e
que permitia o uso de lentes com angulares menores que 25mm, algo impossível nas
primeiras câmeras “blimpadas”.

Para compensar a perda dessa movimentação, o Vitaphone implantou um sistema


multicâmeras semelhante ao usado até hoje em televisão: uma câmera era responsável
pelo "master-shot" 14 , enquanto as outras faziam os planos próximos dos atores e os
planos de cobertura15. Mas isso não ampliava em muito as possibilidades de montagem
da imagem. Como o disco com o som direto da cena era usado como o guia do processo
de montagem e não era possível alterar o tempo interno entre as falas, o trabalho de
montagem da imagem limitava-se a inserir os planos de cobertura no “master-shot”,
trocando a quantidade exata de fotogramas de um plano pela do outro.

A utilização do disco como meio de gravação e reprodução de som no cinema também


limitava o tempo de duração das cenas. Cada cena durava o tempo máximo de gravação
de um lado do disco que podia ser sete ou nove minutos.

A impossibilidade de edição de som em disco foi resolvida com a criação do sistema de


“interlock”16 que permitia interligar até nove fonógrafos simultaneamente (oito reprodutores
e um gravador). Com isso, planos mais curtos também passaram a ter som direto,
possibilitando aos realizadores fugir da fórmula “master-shot”/”insert”. A criação do
“interlock” também possibilitou o surgimento da mixagem17. Pela primeira vez era possível
acrescentar à gravação do som original da cena qualquer outro som desejado.

14
Master-shot ou plano guia é "uma ação completa filmada durante um certo tempo mecânico (...) como toda a
marcação de cena". Leone, Eduardo e Maria Dora Mourão. Cinema e Montagem. São Paulo, Editora Ática,
1987, pag. 41.
15
Plano de cobertura é um detalhe de uma ação apresentada no plano-guia.
16
Nome dado a um sistema de motores sincrônicos.
17
Mixagem é o processo de união de todos os sons que compõem uma trilha sonora. É durante esse processo
que as relações internas finais entre os sons, ou efeitos especiais que se queiram nesses sons, são feitos. Por

9
Porém outros problemas do sistema Vitaphone não foram solucionados: o de exibição (os
discos necessitavam ser trocados a cada mudança de rolo) e o de custo de manutenção
(os discos, além de facilmente quebráveis, só duravam 20 audições, pois o peso da
agulha e do braço causavam a deterioração do sulco). Esses obstáculos, aliados ao
crescimento do Movietone, determinaram o fim do Vitaphone.

O Movietone foi o primeiro sistema de gravação e reprodução ótica utilizado no cinema.


Em 1926, a Fox Film Corporation (uma empresa do mesmo porte da Warner Bros.) se
interessou pelo cinema sonoro. Para tanto, adquiriu uma invenção de Theodore Case, o
AEOlight. Esse era um sistema de gravação de som em película fotográfica, como o
Phonofilm, que se utilizava de filme de densidade variável. Conseguindo o direito de uso
do amplificador criado pela Western Eletrics e utilizando um projetor criado pela Bell
Laboratories (uma subsidiária da W.E.) compatível para Vitaphone e Movietone, a Fox-
Case Corporation fez, em 21 de Maio de 1927, a primeira sessão comercial de sua
criação, com um noticiário sobre a chegada de Charles Lindberg a Paris, um dia após
ocorrido o evento.

A compatibilidade de projeção de sistemas de reprodução sonora em película e em disco


permitia aos exibidores passar os noticiários da Fox e os curtas e longa-metragens da
Warner na mesma sessão. No fim de 1927, das 157 salas já equipadas nos EUA com
reprodutores sonoros, 55 usavam projetores da Bell Laboratories. No ano seguinte, todos
os estúdios que ainda não haviam implantado equipamentos para a realização de filmes
sonoros (Paramount, First National, Leow's, Universal e Producers Distributing Corp.),
abriram uma concorrência para escolha de um sistema único. Vencedor da disputa, o
Movietone foi implantado na maioria das salas de exibição do país. Em 1930, a ERPI
(Electrical Research Products Inc.), uma subsidiária da W.E. criada para desenvolver
projetos não ligados à telefonia, desenvolveu uma válvula de luz de maior sensibilidade e
um novo sistema de gravação, fazendo com que a Fox abandonasse o AEOlight.

exemplo, tendo em três canais separados (no caso do Vitaphone, três discos) voz, música e efeitos sonoros, é
durante a mixagem que será decidido qual dos sons ficará em primeiro, segundo e terceiro plano de audição.

10
O novo sistema trouxe algumas vantagens em relação ao Vitaphone. A primeira foi trazer
imagem e som na mesma mídia de exibição. Problemas de sincronia comuns no
Vitaphone, como a agulha pular ou o filme arrebentar, não mais aconteceriam. Se
houvesse algum dano na película, som e imagem seriam simultaneamente compensados.
A segunda vantagem era a rapidez de processamento. O processo ótico necessita
apenas da revelação e copiagem do negativo original entrar em pós-produção ao
contrário do Vitaphone que requeria todo longo processo de produção de um disco.

Pouco depois do desenvolvimento do Movietone, a RCA (Radio Corporation of America)


ofereceu à indústria cinematográfica o Photophone, um outro sistema de gravação de
som em película, que utilizava um sistema de área variável18, criado por sua interligada, a
General Eletric. A vantagem do sistema de área variável sobre o de densidade variável
está em não ser facilmente alterado por más condições de revelação ou copiagem

Para o seu sistema ficar competitivo, a RCA comprou a companhia de vaudeville Keith-
Albee-Orpheum, proprietária de várias salas de espetáculos nos EUA, e criou a RKO
(Radio-Keith-Orpheum) Company. Além disso, mudou a largura de uma das pistas de
som, tornando-o compatível com a do Movietone. Dessa forma, todos os projetores com
sistema de leitura ótica já instalados eram capazes de exibir qualquer um dos dois
sistemas sem necessidade de adaptação.

Com a criação de limitadores 19, o Photophone resolveria o problema de saturação na


gravação de ataque forte(como consoantes plosivas. A partir de então, o sistema ótico de
área variável passou a ser utilizado como padrão e continua até os dias atuais.
Um outro problema inerente aos dois sistemas de gravação ótica - o ruído causado pela
passagem da emenda na fotocélula do projetor - também foi contornado rapidamente com
a adoção de uma tinta preta nas emendas do negativo20.

18
Um galvanômetro ativa um motor rotatório que produz uma fina linha na pista de som semelhante ao padrão
da onda sonora lida em um osciloscópio, onde a largura indica a amplitude e a proximidade das ondas, a
freqüência.
19
Aparelhos eletrônicos capazes de limitar automaticamente um sinal a um teto dinâmico desejado.
20
Quando a emenda do negativo passava pela fotocélula do projetor, ela era lida como um sinal de áudio –
afinal era uma barra preta – produzindo um baque curto e seco. Em 1926, De Forrest passou a aplicar uma
tinta muito preta nas emendas. Quando eram positivadas nas cópias, as emendas ficavam brancas, não
gerando som nenhum.

11
Já uma outra característica do sistema inicial de gravação ótica causaria uma limitação à
montagem da imagem: como a impressão de imagem requer condições diferentes no
sistema ótico21 e os dois registros eram feitos na mesma câmera, a válvula de luz foi
instalada 20 quadros abaixo da janela de impressão da imagem. Isso criou um
deslocamento físico entre o fotograma de imagem e seu respectivo som, fazendo com
que todos cortes de um filme tivessem sempre a mesma forma: os últimos 20 fotogramas
de imagem de um plano sempre continham o áudio do plano seguinte.

Essa limitação seria resolvida em 1929, com a adoção de um sistema em que som e
imagem podiam ser gravados separadamente. O sistema desenvolvido era composto de
uma câmera com carretéis de 1000 pés, que gravava apenas som, interligada à câmera
de imagem por um sistema de motores sincrônicos de corrente alternada ligados à
mesma fonte de energia.

Com as cópias de som e de imagem independentes, os montadores voltaram a ter


controle sobre os cortes de imagem e também sobre os de som. Para tal, foi desenvolvido
o sincronizador, um aparelho mecânico que permitia que dois ou mais rolos de película
fossem movidos simultaneamente, mantendo o sincronismo. Para saber o momento
correspondente da pista de imagem com a pista de som, usava-se (e ainda se usa) a
“claquete”.

A grande revolução aconteceria em 1933, quando a Moviola Company aperfeiçoou o


sincronizador, criando uma mesa de edição comandada por um motor elétrico, onde era
possível ter a projeção da imagem e a leitura auditiva do som. Com a separação da trilha
de som direto da imagem, foi natural a adoção de pistas individuais para ruídos e música.
As próprias “moviolas”, como ficaram sendo conhecidas as mesas de edição, passaram a
ser construídas com três ou quatro cabeças óticas, permitindo que vários sons fossem
ouvidos simultaneamente e mesmo “mixados”.

21
A imagem cinematográfica é, na verdade, uma série de fotografias exposta intermitentemente . Já o som
precisa de movimento contínuo para ser gravado.

12
Nesse mesmo ano, a revolução tecnológica já é sensível em musicais, como State Fair,
onde as palavras de abertura foram divididas entre quatro atores em quatro planos
diferentes (This is / the last / night of / the State Fair), ou mesmo nas grandes produções
de Busby Berkeley, que utilizava em seus números musicais planos filmados
fragmentadamente e repletos de trucagens óticas. Outro filme de 1933 que propôs uma
forma original de utilização de todos os elementos formadores da trilha sonora foi King
Kong 22 , onde a música de Max Steiner e os ruídos criados por Murray Spivack são
responsáveis por uma grande parte da tensão dramática criada no desenvolvimento da
história.

A criação independente das pistas de voz, música e ruído permitiu também a realização
de “mixagens” com “banda internacional23.

Ainda na década de 30, dois aperfeiçoamentos no desenho das caixas acústicas


melhoraram a capacidade de recepção sonora para o espectador: a criação de cornetas
multifacetadas capazes de espalhar o som igualmente pela sala e o desenvolvimento de
alto-falantes com reprodutores diferenciados para freqüências graves (“woofer”) e agudas
(“tweeter”), permitindo uma reprodução mais fiel da fonte sonora original.

Todos os sistemas de reprodução de som criados até esse momento eram monofônicos,
ou seja, reproduziam sons por uma única saída de áudio localizada atrás da tela. Em
1940, a RCA desenvolveu o Fantasound, um sistema de reprodução ótica com três canais
de áudio (direita, centro e esquerda) em um rolo de 35mm independente, cujo projetor
funcionava sincronicamente ao projetor de imagem. Durante a estréia, com o filme
Fantasia 24 , foi acrescentado um quarto canal de “surround” 25 que reproduzia o som
existente em um ou mais dos canais principais.

22
King Kong. Direção: Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack. 35mm, P&B, 100 min, 1933.
23
Banda internacional é uma pista de som que apresenta todos os sons do filme já mixado, com exceção da
pista de vozes. Com a criação da banda internacional, filmes que são dublados em diferentes países podem
manter, pelo menos, suas trilhas de música e ruídos como foram originalmente concebidas.
24
Fantasia. Direção: Walt Disney. 35mm, cor, 120 min, 1940.
25
surround é um canal de som cujas caixas acústicas se localizam nas paredes da sala de exibição envolvendo
(surrounding) o espectador.

13
Um outro sistema de reprodução de mais de um canal de som foi criado pela Warner
Bros. entre 1940 e 1941, o Vitasound. Utilizando uma única pista ótica, a música e os
ruídos eram divididos entre as caixas da direita e esquerda localizadas atrás da tela.
Ambos os sistemas foram abandonados no fim da II Guerra, pelo interesse causado pelo
surgimento da gravação magnética.

Em 1947, depois do final da 2ª Guerra Mundial, o cinema se beneficiaria de uma criação


alemã: a fita magnética. A fita magnética consiste em um suporte (inicialmente de papel
kraft, depois de origem plástica não inflamável) sobre o qual é aplicada uma emulsão
ferromagnética que será ordenada por um fluxo magnético gerado pela cabeça de
gravação. A gravação magnética leva diversas vantagens sobre o modelo ótico: maior
fidelidade, capacidade de fazer cópias com perda menor de qualidade, simplicidade de
operação, uso de equipamentos de gravação mais compactos (consequentemente mais
leves), capacidade de regravação (o que gera economia de custos), menor quantidade de
ruídos de fundo e imediata reprodução, sem necessidade de processamento posterior.

Porém, mesmo com todas as vantagens acima apresentadas, a fita magnética acabou
restrita, na maioria dos casos, à gravação e pós-produção da trilha sonora pois o custo
para reequipar as salas de exibição era economicamente inviável. Até os dias de hoje, o
sistema de reprodução analógico da maior parte das salas de cinema é em sistema ótico.

O surgimento da fita magnética desassociou, ainda mais, o trabalho de montagem sonora


do trabalho de montagem da imagem. A partir de então, tornou-se possível “mixar” e
“remixar” as mais diversas fontes de som independentemente da imagem. A criação de
gravadores “multicanais”, que utilizam uma fita magnética de maior largura e várias
cabeças de gravação simultâneas, permitiu o surgimento de um novo modelo de gravação
de som direto26, onde o ator não é limitado a existência de um único microfone.

26
Som direto é o som gravado no mesmo instante da filmagem, correspondendo, então, a imagem
apresentada.

14
Robert Altman, por exemplo, desde seu filme Nashville27 utiliza gravadores “multicanais”
e microfones de lapela sem fio, distribuídos para cada ator em cena durante a filmagem.
Apenas durante o processo de montagem, ouvindo separadamente cada uma das vozes
gravadas, ele decide quais as falas que estarão presentes na versão final do filme e em
que plano de som.

Os sistemas multi-canal com tecnologia magnética também foram desenvolvidos para as


salas de exibição. Em 1952, o Cinerama utilizava um rolo de 35mm com seis pistas
independentes - cinco atrás da tela e a sexta em "surround". No mesmo ano foi criado o
WarnerPhonic que consistia de um rolo de 35mm com três canais de áudio e uma pista
ótica para o "surround". Em 1955, o Todd-AO apresentava a mesma distribuição de
canais do Cinerama, porém com bandas magnéticas aplicadas ao rolo de imagem de
70mm.

Em 1953, Earl Sponable, um dos criadores do Movietone, desenvolveu para o


CinemaScope o sistema de aplicação de bandas óticas em ambos os lados da perfuração
do rolo de imagem de 35mm, contendo quatro canais independentes de reprodução.
Porém, todos os sistemas de reprodução magnética estereofônica custavam 70% a mais
do que o sistema ótico monofônico tradicional, sendo reservado para as grandes
produções.

Uma outra revolução no som cinematográfico aconteceria no fim da década de 50. Desta
vez, não pelo surgimento de um novo suporte para gravação sonora ou por um novo
modelo de edição de som e sim pela criação de um gravador portátil capaz de manter
sincronia com a câmera de imagem. Assim, o sistema de correias que interligavam os
motores das câmeras de imagem aos dos gravadores de som, ou a necessidade de
existência de corrente elétrica durante a filmagem (para que ambos os motores pudessem
manter a mesma velocidade) não era mais necessária. Através de um cabo, o gravador
era capaz de gravar em lugares diferentes da fita de áudio, conforme o padrão utilizado
(Ranger Tone, Perfectone ou Pilt Tone), o pulso elétrico gerado pelo motor da câmera e
depois fazer com que esse mesmo pulso dominasse sua velocidade de reprodução.

27
Nashville. Direção: Robert Altman. 35mm, cor, 159 min, 1975.

15
Em 1959, com o surgimento do Nagra (um gravador de fita de 1/4 de polegada, portátil,
capaz de funcionar com pilhas e que utiliza Pilot Tone), os cineastas passaram a ter um
equipamento leve e barato o bastante para filmagens em externas que permitia manter
sincronia com a câmera. O surgimento desse equipamento foi fundamental para o
desenvolvimento de um novo conceito de produção cinematográfica, que se afastava do
modelo hollywoodiano (como o “cinema verdade” e a “Nouvelle Vague”), e para a criação
de uma nova forma de pensamento sonoro baseada em uma reprodução naturalista do
som gravado, com a menor intervenção possível de uma futura edição. Na década
seguinte, principalmente na França, essa padrão de escuta se refletiu também na escolha
de microfones, trocando os “condensadores direcionais” (padrão norte-americano), que
exigiam uma reconstituição de ambientes na pós-produção, pelos “omni-direcionais”,
capazes de captar o espaço sonoro a sua volta de forma não-seletiva.

Essa nova maneira de pensar o som teria um outro aperfeiçoamento técnico logo em
seguida: a criação, por Stefan Kudelski (o inventor do Nagra), dos motores de sincronia
cristal, capazes de manter a velocidade da câmera estabilizada em 24 quadros por
segundo sem a necessidade de um cabo que ligasse a câmera ao gravador o que
permitia maior independência de atuação na captação da imagem e do som28.

A grande revolução seguinte aconteceria em 1975 nas salas de exibição. A Dolby


Laboratories 29 criou o processo de gravação ótica de som estereofônico para ser
impresso na própria película de imagem, causando a terceira grande revolução sonora -
depois da criação do cinema sonoro (1927-1930) e do som estéreo magnético (1952-
1955). Partindo da existência de duas pistas óticas idênticas do sistema monofônico
(utilizadas para compensar possível falta de alinhamento da projeção), a Dolby Labs.
imprimiu informações diferentes nessas pistas que lidas por um decodificador acoplado ao
projetor, enviam quatro sinais independentes de áudio. A opção de distrubuição espacial
desses canais de áudio era a mesma de Fantasia.

28
No caso do Nagra, a sincronia sem o cabo de sincro era mantida por um oscilador interno que gerava o pulso
de 60 Hz diretamente para a fita.
29
Em 1974, A Dolby Laboratories já havia inventado um filtro redutor de ruídos - Dolby A Type, que
ampliava a extensão dinâmica e consequentemente, a fidelidade de reprodução.

16
Sua compatibilidade com sistemas de projeção monofônicos e estereofônicos magnéticos,
além da redução de custos que o sistema ótico permite, fizeram que o Dolby-Stereo se
tornasse o padrão sonoro da indústria cinematográfica. Em seguida, a Dolby Labs.
desenvolveu um projeto de reprodução de seis canais, onde o "surround" passou a ter
três canais eletronicamente criados (paredes da direita, da esquerda e do fundo da sala
de projeção). Em 1987, foi criado o Dolby SR (Spectral Recording), ampliando ainda mais
o “range” dinâmico de resposta da pista ótica.

Ainda na área de exibição cinematográfica, a LucasFilm criou, em 1986, um novo sistema


de reprodução de som cinematográfico, o THX Sound System, que consiste em um novo
desenho de caixas acústicas alimentadas por amplificadores independentes para resposta
de altas e baixas freqüências, com um “delay” 30 que permite a chegada do som ao
espectador em fase. O THX também exige um desenho acústico da sala de exibição onde
o tempo de reverberação e o isolamento acústico são minuciosamente. O THX foi
concebido para atuar em conjunto com o Dolby SR. Pela primeira vez, pode-se ter na sala
de exibição uma resposta do som do filme idêntica àquela que a equipe ouvia na sala de
“mixagem”.

Em 1990, com a estréia de Dick Tracy31, a Kodak Corporation, em associação com a


Optical Radiation Corporation, lançou no mercado o primeiro sistema de reprodução
digital de som, o CDS - Cinema Digital Sound. A gravação digital começou a ser
desenvolvida no início da década de 70, com um novo método de gravação capaz de
converter um sinal analógico em pulsos codificados para serem gravados em uma fita.
Esse método ficou conhecido como gravação digital, PCM (pulse code modulation) ou
som numérico. Talvez a definição francesa (som numérico) seja a mais correta porque, na
verdade, os pulsos não se assemelham a forma de onda original. São apenas amostras
da informação original, armazenadas em forma numérica (0 e 1), que são reconvertidas
em informações analógicas durante a reprodução.

30
Delay ou retardo é um aparelho eletrônico que cria um intervalo de tempo entre um som ou um sinal e cada
uma de suas repetições.
31
Dick Tracy. Direção: Warren Beaty. 35mm, cor, 107 min, 1990.

17
A gravação digital apresenta diversas vantagens sobre a gravação analógica (quer ótica
ou magnética): inexistência de ruído de fundo presente na fita, inexistência de flutuação
de fita, maior extensão dinâmica32 e capacidade de copiagem sem perda de qualidade. O
sistema digital permite, por essas qualidades, um novo sistema de montagem de som
eletrônico (semelhante a um editor de texto), de operação simplificada e que permite
maior precisão e rapidez na pós-produção de um filme.

Atualmente, a implantação de um sistema de reprodução digital em salas de exibição se


encontra em um estágio muito semelhante ao início do cinema sonoro na década de 20.
Várias empresas tentam fazer com que seu sistema, todos eles com padrões bem
diferenciados, torne-se o padrão internacional.

Os três sistemas encontrados hoje nas salas de exibição são: Dolby SR-D, DTS e SDDS.
O Dolby SR-D, lançado em 1992 pela Dolby Laboratories, é composto por seis canais
independentes (esquerda, centro e direita atrás da tela, “surround” direito, “surround”
esquerdo e um “sub-woofer”). As informações digitais são impressas entre as perfurações
da película cinematográfica mantendo, assim, o som ótico-analógico Dolby SR em seu
espaço original. O DTS (Digital Theater System) mantém a mesma organização de canais
que o Dolby SR-D porém, o sistema de reprodução de áudio digital é externo à película.
Um CD-Rom com o áudio do filme é interligado ao projetor por um sistema de “time-code”.
Já o SDDS (Sony Dynamic Digital Sound), criado pela empresa japonesa Sony
Corporation em 1993, é um sistema de oito canais independentes (esquerda, centro-
esquerda, centro, centro-direita e direita atrás da tela e “surround” direito, “surround”
esquerdo e um “sub-woofer”), impressos oticamente na película de imagem ao lado da
versão ótica-analógica tradicional.

32
Extensão dinâmica é a diferença entre os sons mais fracos e os sons mais fortes que um sistema é capaz de
gravar ou reproduzir sem distorção.

18
ANÁLISE DOS FILMES REALIZADOS POR WALTER MURCH

Para este capítulo, escolhi dois trabalhos de Walter Murch realizados nos anos 70 para
serem analisados integralmente: O Poderoso Chefão e Apocalipse. Optei por esses
dois filmes por considerá-los paradigmas da renovação do pensamento sonoro
cinematográfico proposto por ele. Mesmo que a idéia do uso dramático da trilha de
ambientes e ruídos já apareça em seus dois primeiros filmes (Caminhos Mal Traçados e
THX 1138), é em O Poderoso Chefão que Murch cristaliza de forma organizada esse
uso. Já Apocalipse é considerado o auge dessa proposta.

Na primeira cena de Caminhos Mal Traçados, os ruídos de lixeiros trabalhando aparece


de forma naturalista para logo em seguida funcionar como elemento que espelha a tensão
de Natalie Ravenna, o personagem principal. Na cena seguinte, a forte intensidade do
som do chuveiro na trilha sonora misturado às vozes dos lixeiros já mostra a procura de
Murch por um som ambiente que não apenas redunde o espaço da imagem mas que
acrescente informações sobre o estado emocional dos personagens. Essa busca poderá
ser vista (e ouvida) ainda em outras seqüências, como nas cabines telefônicas, onde os
caminhões passando em “off” servem para intensificar o desespero da esposa fugitiva, ou
mesmo em todas as seqüências de motel onde o ruído fortíssimo das auto-estradas
manterá presente a intranqüilidade do personagem em cena.

A opção pela intensidade exagerada do som da estrada é claramente uma opção estética
e não uma conseqüência da captação de som direto já que na única seqüência em que
Natalie consegue relaxar, o ruído desaparece no meio da cena, deixando apenas as
vozes dos personagens na trilha sonora. É também nesse filme que Murch começa a
utilizar alguns sons eletrônicos “mixados” a sons naturalistas para conseguir criar novos
timbres nos ambientes sonoros.

19
Mesmo que o “desenho de som” de Caminhos Mal Traçados apresente uma renovação
na maneira de pensar os ruídos, sua realização é precária. Todos os sons que compõem
as trilhas de ambiente e ruídos são “mixados” com pouquíssima diferença dinâmicas entre
eles, o que causa um embaralhamento na sua leitura. Apenas em TXH 1138, Murch
descobre que, para que todos os sons possam ser claramente ouvidos, é necessário um
trabalho de perspectiva sonora. Para criar o impacto do caos sonoro na seqüência onde
THX é envolvido por uma multidão, Murch gravou vários ruídos de grande movimento:
trânsito em túneis, uma eufórica platéia num jogo e várias cachoeiras. Porém, ao “mixar”
todos esses elementos, ele não consegue obter a intensidade desejada, mesmo que
eletronicamente Murch estivesse no limite físico da saturação. Ao acrescentar à mixagem
anterior uma voz modificada, que parece saída de um sistema de alto-falantes, ele
consegue chegar à sensação sonora desejada. “Isso tem a ver com psicoacústica. Se a
mente tem um som pontual para focar, ela nos faz ter uma relação diferente com os
outros sons. Quando você tem apenas sons fora de foco, é difícil ter uma noção deles.”33

A trilha de ambiente de THX 1138 também segue o caminho iniciado no filme anterior.
Seguindo a idéia de George Lucas de um “futuro velho”, Murch criou um universo sonoro
ambiental produzido basicamente por sons acústicos/mecânicos, evitando o uso de sons
eletrônicos, típicos de filmes de ficção científica. A dureza e repetição dos ruídos
ambientais são usados para enfatizar o caráter massificante da sociedade futurista
apresentada. E acaba por cumprir uma função normalmente reservada à música - refletir
situações de caráter emocional da narrativa. A música propriamente dita é usada apenas
em situações de romance entre o casal principal.

Mas é no seu trabalho seguinte, O Poderoso Chefão, que Murch rompe definitivamente
com o padrão de construção de trilha sonora, quer em audibilidade ou uso dramático. Não
há distinção nas funções narrativas da música, dos ruídos ou das vozes. Qualquer
estímulo sonoro pode servir para acentuar o caráter naturalista assim como o caráter
emocional. Isso também se reflete no volume de escuta dos sons: a hegemonia da trilha
de vozes e da trilha de músicas não mais existe. O som mais audível será aquele que
acrescentará informações à imagem. Os ruídos passam a ser, então, elementos
complementares à imagem, e não apenas elementos de redundância da imagem.

33
Sound on Film pág. 86

20
Em Loucuras de Verão, Murch parte para duas outras experiências. A primeira é o uso
contínuo de um programa de rádio que acompanha todo o filme em tempo real. No
processo de montagem do filme, Murch e Lucas criaram um programa completo com
locuções, músicas e comerciais e, sobre essa trilha, toda a imagem do filme foi montada.
A segunda experiência é de caráter acústico. Uma vez terminada a edição de imagem,
Murch regravou os trechos dos programas de rádio nos espaços onde se passa a ação.
Se no início do filme esse programa está sendo ouvido por um rádio de carro, o som que
está no filme foi gravado dentro de um veículo. O mesmo vale para todos os outros
espaços onde ele é ouvido, como a lanchonete, o ginásio de esportes e a estação de
rádio.

A Conversação talvez tenha a relação audiovisual mais complexa das obras realizada
por Murch. É um filme onde as diversas combinações entre trechos de imagem e som da
conversa na praça geram leituras diferentes para seus elementos formadores. E é por
essas associações que o espectador vai aprendendo junto com o detetive qual o
verdadeiro sentido daquela conversação. Mesmo pessoalmente considerando esta a
melhor obra de Murch, optei por não fazer uma análise detalhada deste filme por seu
processo de edição ser oposto aos outros filmes por ele realizados. Em A Conversação,
Murch também é responsável pela edição de imagem o que faz com que todas as
imagens e todos os sons sejam pensados de forma interdependente. Já nos outros
trabalhos, mesmo que Murch possa ter interferido na edição de imagem, ele não teve
controle absoluto sobre ela. A criação das trilhas sonoras foi feita depois da montagem de
imagem estar pronta e não concomitantemente a ela, o que exige um outro tipo de
pensar.

Seu trabalho posterior, O Poderoso Chefão II, não traz nenhuma inovação em relação ao
que já havia feito. Talvez até por ser uma edição realizada em um prazo muito curto, já
que Murch dedicou parte do tempo que seria aplicado nesse filme à finalização de A
Conversação.

21
Murch chega a seu auge do uso criativo da trilha sonora cinematográfica em Apocalipse.
Desta vez, a trilha de ruídos ambientais assume um caráter absolutamente não-
naturalista. Os sons ambientais passam para a primeira pessoa da narrativa, fazendo
audíveis os estados emocionais do personagem principal. Esta prática é usada de
diversas formas, desde a recriação da audição seletiva das personagens até externar
sons presentes no subconsciente dessas personagens, criando assim uma maior
aproximação entre espectador e filme.

Depois de Apocalipse, Murch pára de editar som e passa a se dedicar apenas a edição
de imagem e mixagem. Com exceção de O Paciente Inglês, onde ele reproduziu o
processo de trabalho de A Conversação.

22
ANÁLISE DE O PODEROSO CHEFÃO

Argumento:

O filme conta a história da família Corleone cujo pai, Vito, é um dos líderes da máfia de
Nova Iorque. Além do pai, a família é composta pela mãe (conhecida apenas como
Mama), por quatro filhos legítimos (Sonny, Fredo, Michael e Connie) e um filho adotivo
(Tom Hagen).

No início do filme, os personagens são apresentados na festa de casamento de Connie


com Carlo. Michael é o único integrante da família que não pertence à máfia. Ele
comparece à festa com sua namorada Kay. Durante a celebração, vemos três pessoas
pedirem favores ao D. Corleone: Bonasera, Nazorine e Johnny Fontane. Para atender o
pedido de Fontane, Tom Hagen vai a Hollywood e chantageia um produtor
cinematográfico, Woltz. De volta da viagem, Tom Hagen se une à família para ouvir a
proposta de outro mafioso, Sollozzo, quanto à participação dos Corleone no tráfico de
drogas.

A negativa de D. Corleone gera o início de uma guerra entre as famílias mafiosas. D.


Corleone envia um de seus assistentes, Luca Brasi, para investigar a família Tattaglia,
mas ele é morto antes de qualquer descoberta. Em seguida, Tom Hagen é seqüestrado
por Sollozzo ao mesmo tempo que D. Corleone sofre uma tentativa de assassinato.
Sollozzo quer que Tom Hagen convença Sonny, o herdeiro natural dos Corleone, a
participar do tráfico. Sonny, desconfiado de que Paulie, um dos seus assessores, teria
facilitado a tentativa de assassinato de seu pai, manda Clemenza, um outro membro de
sua gangue, matá-lo.

Enquanto isso, ao visitar seu pai no hospital, Michael é agredido por McCluskey, um
policial ligado a Sollozzo. Em meio à guerra das famílias, Sollozzo pede um encontro para
propor uma trégua. Michael vai ao encontro, mata Sollozzo e McCluskey e foge para a
Sicília. Na cidade de Corleone, Michael casa-se com Appolonia que acaba sendo morta
em um carro-bomba.

23
Paralelamente a esses eventos, D. Corleone volta para sua casa mas Sonny continua no
comando da gangue. Connie é agredida por seu marido que leva uma surra de Sonny
como vingança. Em seguida, Carlo e Connie discutem e Connie é novamente agredida.
Ao saber disso, Sonny sai sozinho de casa para se vingar de Carlo e acaba sendo morto
por uma emboscada num pedágio. Cansado da guerra, D. Corleone se reúne com as
família inimigas e consegue uma conciliação.

De volta a Nova Iorque, Michael assume o comando da organização, tendo D. Corleone


como conselheiro. Ele casa-se com Kay e resolve mudar suas operações para Las Vegas
onde entra em conflito com seu sócio local, Moe Greene.

D. Corleone morre em sua casa brincando com o neto. Durante o funeral, Michael recebe
uma proposta de um assessor seu, Tessio, para se reunir com as outras famílias. Porém,
antes de morrer, D. Corleone havia alertado Michael que um movimento como esse
representaria uma forma de tentar matá-lo. Michael, então, resolve mandar assassinar
todos os chefes das outras famílias ao mesmo tempo que batiza o filho de Connie. Logo
depois, também manda matar Carlo e Tessio acusando-os de traição.

O filme termina com Michael assumindo o título que pertenceu a seu pai.

Seqüências:

A divisão em seqüências que utilizei em O Poderoso Chefão segue um padrão sonoro e


não espacial ou visual. Essa opção faz com que duas ou mais seqüências sejam unidas
em um mesmo bloco quando não há nenhum uso diferenciado da trilha sonora que
necessite destaque.

Seqüência 01 - Diálogo de Bonasera com D. Corleone


Seqüência 02 - Início da Festa/Primeira Fotografia/ Convidados dançando
Seqüência 03 - FBI/Festa/FBI/Festa/FBI
Seqüência 04 - Entrada de D. Barzini até Luca Brasi ensaiando discurso
Seqüência 05 - FBI
Seqüência 06 - D. Corleone com Nazorine e Tom Hagen

24
Seqüência 07 - Entrada de Michael Corleone
Seqüência 08 - D. Corleone com Hagen
Seqüência 09 - Hagen encontra Michael e Kay
Seqüência 10 - D. Corleone com Luca Brasi
Seqüência 11 - Noivos dançando até Mama cantando “Luna Mezza Mare”
Seqüência 12 - Sonny sobe as escadas
Seqüência 13 - “Luna Mezza Mare”
Seqüência 14 - Lucy sobe a escada
Seqüência 15 - “Luna Mezza Mare”
Seqüência 16 - D. Corleone com Hagen
Seqüência 17 - Entrada de Johnny Fontane
Seqüência 18 - D. Corleone com Hagen
Seqüência 19 - Johnny canta
Seqüência 20 - Michael e Kay conversam sobre os Corleone
Seqüência 21 - Johnny acaba de cantar e é cumprimentado por D. Corleone
Seqüência 22 - Fredo encontra Michael e Kay
Seqüência 23 - D. Corleone com Johnny
Seqüência 24 - Hagen conversa com Sonny
Seqüência 25 - Cantora de ópera
Seqüência 26 - D. Corleone com Johnny
Seqüência 27 - Nazorine chega com o bolo
Seqüência 28 - D. Corleone com Hagen
Seqüência 29 - Segunda foto e Valsa – “Fade out”
Seqüência 30 - “Fade in” – Avião pousa até Hagen caminha pelo estúdio
Seqüência 31 - Hagen e Woltz no estúdio
Seqüência 32 - Hagen chega à casa de Woltz/Passeio pela casa
Seqüência 33 - Cocheira
Seqüência 34 - Hagen janta com Woltz
Seqüência 35 - Woltz descobre a cabeça do cavalo
Seqüência 36 - D. Corleone conversa sobre Sollozzo/Chegada de Sollozzo
Seqüência 37 - D. Corleone com Sollozzo
Seqüência 38 - D. Corleone com Luca Brasi – “Fade out”
Seqüência 39 - “Fade in” – Michael e Kay fazem compras
Seqüência 40 - Luca Brasi se arruma

25
Seqüência 41 - D. Corleone com Fredo
Seqüência 42 - Chegada de Luca Brasi/Assassinato no bar
Seqüência 43 - Sollozzo seqüestra Hagen
Seqüência 44 - Tentativa de assassinato de D. Corleone
Seqüência 45 - Michael e Kay lêem o jornal/Michael telefona para casa
Seqüência 46 - Sonny com a esposa/Entrada de Clemenza
Seqüência 47 - Sollozzo com Hagen (interna)
Seqüência 48 - Sollozzo com Hagen (externa)
Seqüência 49 - Chegada de Michael
Seqüência 50 - Michael com Clemenza – “Fade” – Família conversa
Seqüência 51 - Clemenza sai de casa
Seqüência 52 - Carro atravessa cidade/Assassinato de Paulie
Seqüência 53 - Michael no jardim/Michael no telefone/Clemenza cozinhando
Seqüência 54 - Michael no carro/Michael janta com Kay/Michael sai do hotel
Seqüência 55 - Michael chega no hospital
Seqüência 56 - Michael caminha pelo hospital/Michael com enfermeira
Seqüência 57 - Chegada de Enzo
Seqüência 58 - Michael com Enzo na frente do hospital/Chegada dos policiais
Seqüência 59 - Chegada de Michael
Seqüência 60 - Família no escritório
Seqüência 61 - Michael com Clemenza
Seqüência 62 - Família janta
Seqüência 63 - Chegada de Sollozzo/Deslocamento de carro
Seqüência 64 - Externa do restaurante
Seqüência 65 - Interna do restaurante
Seqüência 66 - Banheiro/Interna do restaurante/Banheira
Seqüência 67 - Interna do restaurante
Seqüência 68 - Jornais/Mafiosos reunidos
Seqüência 69 - Externa hospital/Externa casa Corleone/Interna casa
Seqüência 70 - D. Corleone com família/ Hagen e Sonny na escada
Seqüência 71 - Almoço em família/Fredo com D. Corleone
Seqüência 72 - Externa Sicília/Michael com D. Tommasino
Seqüência 73 - Michael em Corleone/Entrada Appolonia
Seqüência 74 - Bar

26
Seqüência 75 - Carro/Almoço Michael e Appolonia
Seqüência 76 - Externa prédio Lucy/Interna prédio Lucy
Seqüência 77 - Sonny com Connie
Seqüência 78 - Sonny bate em Carlo
Seqüência 79 - Casamento de Michael/Cortejo/Festa
Seqüência 80 - Noite de núpcias
Seqüência 81 - Hagen com Kay
Seqüência 82 - Briga de Connie com Carlo
Seqüência 83 - Mamma e Sonny ao telefone
Seqüência 84 - Sonny sai de carro
Seqüência 85 - Assassinato de Sonny
Seqüência 86 - Hagen com D. Corleone
Seqüência 87 - D. Corleone com Bonasera
Seqüência 88 - Michael com D. Tommasino
Seqüência 89 - Michael com Fabrízio/Assassinato de Appolonia – “Fade out”
Seqüência 90 - “Fade in” – Externa escritório/Reunião das cinco famílias
Seqüência 91 - D. Corleone com Hagen no carro
Seqüência 92 - Michael e Kay – “Fade out”
Seqüência 93 - “Fade in” – Michael, D. Corleone e mafiosos no escritório
Seqüência 94 - Externa Las Vegas/Chegada no hotel
Seqüência 95 - Michael com Fredo e Johnny/Michael com Greene
Seqüência 96 - Michael com Kay
Seqüência 97 - Michael com D. Corleone
Seqüência 98 - Morte de D. Corleone
Seqüência 99 - Enterro de D. Corleone/Michael com Tessio
Seqüência 100 - Batismo e assassinatos
Seqüência 101 - Externa igreja/Michael com Carlo
Seqüência 102 - Hagen com Tessio
Seqüência 103 - Michael com Carlo
Seqüência 104 - Assassinato de Carlo
Seqüência 105 - Michael com Connie/Michael com Kay/Michael com mafiosos

27
Análise:

Na primeira seqüência é apresentado o escritório de D. Vito Corleone. O som ambiente


criado para esse espaço é “completamente silencioso”. Mesmo que esteja acontecendo
uma grande festa de casamento no jardim da residência e que a janela do escritório dê
para esse jardim, nenhum som externo irá intervir nas conversas que aí acontecem
durante todo o desenrolar do filme. O escritório será, então, como um templo onde o
mundo externo não pode interferir. As duas únicas exceções acontecerão no final desta
seqüência e na seqüência 10. No primeiro caso, a abertura de porta para a saída de
Bonasera nos deixa ouvir o som de alguns instrumentos sendo afinados, o que continua
mesmo depois do fechamento da porta. Desta forma, Murch facilita a passagem para a
seqüência seguinte, evitando o estranhamento que aconteceria com o corte direto da
ausência de som do escritório para uma grande orquestra tocando na festa de
casamento. O afinar dos instrumentos também cria uma “desculpa” do porque não se
ouviria nem música nem vozerio de pessoas dentro do escritório: a festa não teria
começado pois a orquestra acabara de chegar. Com esse recurso, Murch cria uma elipse
temporal na passagem entre as duas primeiras seqüências do filme amainando ainda
mais o corte de som.

Já na seqüência 10, há a invasão dos netos de D. Corleone em seu escritório.


Acompanhando essa invasão, a festa de casamento também faz-se ouvir. Mas, assim que
os netos são retirados desse espaço, o silêncio volta a reinar na trilha de ambientes.
Durante todo o filme, esta será a última vez que D. Corleone terá seu espaço invadido por
ruídos externos.

Nas seqüências que compõem o início do filme (seq. 01 a 29/escritório-festa de


casamento), com exceção do uso do som ambiente do escritório, não há nenhuma outra
inovação na narrativa sonora cinematográfica. A trilha musical nesse trecho do filme é a
responsável pelo ritmo interno das seqüências, assim como pela articulação entre elas. É
pela informação musical que nos são apresentadas características da família Corleone: o
contraste entre o erudito e o popular e entre a cultura italiana dos imigrantes e a norte-
americana de seus descendentes.

28
A trilha de ruídos que acompanha a trilha musical tem a seguinte estrutura: em terceiro
plano de som há um vozerio indefinido, algumas vezes acompanhado de batidas de
palmas. Esse vozerio é constante dentro do jardim da casa dos Corleone. Já nas
seqüências que se passam no estacionamento da casa, há uma inversão: as palmas
passam a ser mais presentes que o vozerio. Dessa forma, Murch cria espaços sonoros
diferentes para os dois espaços fisicamente coligados.

Em segundo plano de som, vozes mais definidas (algumas vezes em italiano, outras em
inglês) alternam sua presença na trilha sonora com as músicas diegéticas 34 . Essa
alternância acontece simultaneamente à dos sons em primeiro plano. Quando a música
ocupa o espaço sonoro principal, o que existe em segundo plano são vozes. Por outro
lado, quando o primeiro plano de som é composto pelos diálogos, a música cai em
intensidade e encobre o vozerio definido. Algumas vezes, não há em primeiro plano de
som nem música nem diálogos. Murch se aproveita então da ausência desses dois
elementos para colocar frases ou palavras em italiano. Esse recurso ajuda a acentuar a
maior presença de imigrantes na festa e evita a criação de tempos mortos pela ausência
de informação.

Se esse padrão de edição nada traz de novo à construção da trilha sonora


cinematográfica, na realização das seqüências 13 e 15 (Tarantela), há uma inovação na
técnica de gravação de som direto realizada por Murch e por Chris Newman, o
responsável pela captação de som. Pela primeira vez foi usado um sistema de gravação
multicanal para som direto: como era necessário gravar as vozes e a orquestra
separadamente para poder realizar diversos planos de som durante a mixagem, foram
utilizados vários gravadores Nagra, cada um registrando diferentes objetos sonoros.

O início da seqüência 30 apresenta um novo espaço: Hollywood. Assim como na festa, a


trilha musical é usada para caracterizar esse espaço e unir os planos da ida de Hagen até
o estúdio. A seqüência 31 é curta. A conversa de Hagen com Woltz é acompanhada por
um baixo murmurinho de vozes em segundo plano.

34
Para maiores informações sobre sons diegéticos veja minha dissertação de mestrado, op. cit.

29
A mesma música da seqüência 30 volta na seqüência 32 – outra seqüência de passagem,
desta vez com Woltz apresentando sua casa à Hagen. Na cocheira, Murch reforça ruídos
e relinchares de cavalos para destacar o interesse de Woltz pelos animais. A seqüência
seguinte acontece na sala de jantar de Woltz. Murch opta, então, pelo uso do som direto
reforçando os ruídos de sala feitos pelos personagens que se servem do jantar. Desta
forma, ele cria um repouso na trilha musical e acentua o contraste entre a formalidade da
refeição e as reações extremadas de Woltz.

A seqüência 35 abre com a externa da casa de Woltz em plano geral. Na trilha sonora,
ouvem-se grilos. A medida que a câmera se aproxima da janela do quarto, inicia o tema
principal do filme tocado por um trompete, trazendo ao espectador a presença de D.
Corleone naquele espaço. No corte para dentro do quarto, a música ocupa o primeiro
plano de som e acompanha os movimentos de Woltz ao abrir o lençol. Na trilha sonora
também há os ruídos do lençol e pequenas interjeições de Woltz. Essa é uma estrutura
audiovisual convencional: a música redunda os movimentos da imagem enquanto os
ruídos de sala, assim como as reações de Woltz, dão presença ao personagem.

O grande achado de Murch nesta seqüência está no deslocamento do ápice da cena. Ao


invés de fazer com que a música chegue ao clímax na revelação da cabeça do cavalo,
Murch opta pelo silêncio para, em seguida, fazer com que Woltz grite. Os gritos,
introduzidos depois da respiração na música, são o único elemento presente na trilha
sonora. A falta de som ambiente assim como a opção de captação da voz – com o
microfone bem afastado da fonte, gerando muito ar em volta – faz com que o grito de
Woltz fique mais desesperado. É um grito solitário, perdido no espaço onde ninguém pode
ouvir. No fim da seqüência, a câmera descreve um movimento contrário ao inicial – sai
pela janela do quarto até chegar no plano geral da casa. Na trilha sonora, o ambiente de
grilos é retomado na externa. A intensidade do som ambiente faz o movimento contrário à
imagem: a medida que os planos ficam mais abertos os grilos ficam mais fortes até
encobrirem completamente os gritos de Woltz.

30
Na seqüência seguinte, 36, há uma montagem paralela entre a conversa de D. Corleone
com os filhos e a chegada de Sollozzo no segundo escritório dos Corleone. A conversa
segue em “voz over” nos planos de Sollozzo. Murch opta, então, por uma estrutura que irá
repetir em outros trabalhos que também apresentam “voz over”: a sonorização da imagem
que está sendo vista. Dessa forma, ele mantém a ligação entre espectador e imagem –
basicamente por ruídos de sala – evitando um afastamento que imagens e sons
diferentes poderiam causar. Assim, ele reforça a apresentação do personagem Sollozzo,
não apenas pela fala de Hagen mas, também, pelo reforço sonoro das imagens.

Na seqüência 37, durante a conversa entre Sollozzo e os Corleone, pode-se ouvir ruídos
ambiente, tanto externos (carros, vozes) quanto internos (máquinas de escrever, portas,
etc.) que acentuam a diferença entre os dois escritórios de D. Corleone. Este segundo
escritório, que fica na cidade, não possui o mesmo caráter daquele que fica em sua casa.
Este local pertence a um tempo e um espaço definidos. A próxima seqüência (Corleone
pede a Luca Brasi que se infiltre na família Tattaglia) mantém continuidade espacial e
temporal mas traz novas informações. Murch, então, mantém os mesmos sons ambientais
e acrescenta uma música que acompanha a intenção de suspense da cena.

A seqüência 39 abre com um “fade” a partir do preto. Desde a ponta preta já se ouve a
canção "Have Yourself A Merry Little Christmas". Mais uma vez, a trilha musical introduz
rapidamente o tempo da ação, desta vez, o Natal. Michael e Kay andam pela rua
conversando sobre presentes. O diálogo é leve, assim como a canção. No corte para a
seqüência seguinte, a canção passa a ser diegética, vinda de um rádio de cena. É
interessante observar como Murch usa a música para dar continuidade temporal entre as
duas seqüências e, ao mesmo tempo, transforma o caráter da trilha musical. Se antes ela
ajudava na criação de uma cena suave e delicada, agora ela traz “aspereza”. Se antes a
voz do cantor era macia, agora ela é deformada pela transmissão do rádio. Esse
contraste gerado pela trilha musical aumenta o contraste criado pela imagem, que troca
um alegre casal fazendo compras natalinas por um mafioso se armando antes de sair de
casa.

31
Na seqüência 41 volta-se ao segundo escritório de D. Corleone. Os ruídos ambiente que
compunham o espaço na seqüência 37 desaparecem, reforçando o fim de expediente de
trabalho. Pela ausência de ruídos ambiente, todos os sons se tornam mais reverberados,
mesmo o folhear de jornal em segundo plano da imagem. Essa reverberação
complementa a sensação de esvaziamento do escritório.

O próximo uso diferenciado da trilha sonora que Murch irá fazer está na seqüência 42
(Morte de Luca Brasi). Assim como na seqüência 44 (tentativa de assassinato de D.
Corleone) e na maior parte das seqüências de assassinato de O Poderoso Chefão, não
há acompanhamento musical, ao contrário do padrão norte-americano onde esse tipo de
cena é normalmente associado a ação, correrias, rapidez e sempre acompanhado de
músicas que acelerem esse conceito. Em ambas as cenas, tudo que ouvimos são os
gemidos das vítimas e os ruídos de sala das cenas. Desta forma, as cenas perdem o
caráter de ação normalmente a elas vinculado e passam a fazer parte do cotidiano das
pessoas envolvidas no filme.

A opção de Murch pelo uso apenas de ruídos e vozes nas seqüências de assassinato vai
de encontro à opção de Coppola por não contar uma história de gangsters e sim a história
de uma família de imigrantes italianos que tem a Máfia como profissão. Afinal, o uso de
trilha musical não diegética sempre carrega consigo um caráter de interferência e
manipulação da informação. É só lembrarmos de uma das regras clássicas do uso da
trilha sonora em filmes documentais – a proibição do uso de músicas sob entrevistas.

A seqüência 42 começa com Luca Brasi andando por um corredor indo ao encontro de
Sollozzo. A grande reverberação nos passos de Brasi e um assobio distante e solitário
reforçam a criação do espaço solitário. Com a entrada de Brasi no bar, o som ambiente
silencia-se por completo. A partir desse momento, o ritmo das vozes, o intervalo entre
elas e sua integração com os ruídos são responsáveis por gerar o tempo interno da cena.
Não há nenhuma música que introduza a morte por acontecer. O assassinato é rápido:
Sollozzo prende a mão de Brasi no balcão com uma faca enquanto outro mafioso o asfixia
com uma corda. Enquanto isso, ouvimos apenas o que resta de ar em Brasi sair pela sua
garganta e seu corpo batendo no balcão do bar.

32
A seqüência encerra com a câmera observando Brasi caindo no chão através do vidro
externo do bar. Murch então abre uma concessão na opção naturalista e faz com que
Brasi seja ouvido à distância com a mesma intensidade que era ouvido dentro do bar.
Dessa forma, ele mantém a ligação emotiva do espectador com a personagem até o fim
da seqüência.

Na seqüência 43, há uma repetição do espaço da seqüência 39 e Murch a constrói da


mesma forma: com música natalina, desta vez diegética, vinda da vitrine da loja. Essa
cena é resolvida em um “plano-seqüência”, com um enquadramento fechado nos três
personagens em cena. Murch compensa o espaço externo pouco acentuado pela imagem
com uma intensidade de ruídos urbanos maior que nas externas anteriores (motores de
carros, buzinas).

O som ambiente do início da seqüência 44 é rico em informações. Há carros ao longe,


indicando a proximidade de uma grande avenida, muitas vozes, passos e um trompetista
ensaiando ao longe, sons que nos levam a crer que esse lugar é densamente habitado.
Todos esses sons diminuem em intensidade quando começamos a ouvir os passos dos
assassinos de D. Corleone e, principalmente, os tiros. Agora, Murch constrói o espaço de
uma outra forma: usando uma leve reverberação no som dos tiros. Na fuga dos
assassinos, o som ambiente é retomado por um cachorro que late e um bebê que chora,
acentuando a confusão gerada. Quando D. Corleone cai, inicia o tema principal do filme
de forma suave contrastando com o desespero de Fredo. O choro do filho, a trilha musical
e som de buzinas de carros ao longe, que substituem o cachorro e o bebê no som
ambiente, encerram a seqüência.

33
Na seqüência 45, Michael e Kay saem de um espetáculo no Radio City Music Hall. Mais
uma vez, a música é responsável pela criação do ambiente. Há, também, leves passos
em “off” e algumas buzinas. Quando Michael observa a manchete do jornal sobre a
tentativa de morte de D. Corleone, a música se cala, como a respiração suspensa de
Michael. Sua incerteza pela morte do pai é acentuada em seguida com a volta dos dois
elementos principais do som ambiente (música e buzinas) “mixados” no mesmo nível,
gerando uma confusão auditiva onde não se consegue ter a leitura precisa de nenhum
desses elementos. A buzina de um carro passando com efeito “Doppler” serve de
passagem para a saída do som ambiente e para a entrada de uma trilha musical tensa
(não diegética) que acompanha Michael até a cabine telefônica. No início da conversa
entre Michael e Sonny, há o encerramento da trilha musical. Algumas buzinas são
ouvidas nos intervalos das vozes para manter o espaço externo e não interferir na
compreensão do diálogo.

A seqüência 46 começa apenas com os ruídos de sala até baterem à porta. A quietude do
som ambiente até esse momento faz com que o ruído das batidas ganhe muita
intensidade. Murch acentua a tensão criada com um choro de bebê vindo de um outro
quarto, recurso freqüentemente utilizado por ele para este fim. Ele já havia utilizado choro
de bebê na seqüência 44 e ainda o utilizará nas seqüências 83 e 100.

O espaço da seqüência 47 é indefinido tanto na imagem quanto no som. Só sabemos que


está localizado próximo a uma rua movimentada por causa dos sons de motores e
buzinas de carros. No som ambiente há também um constante som de vento. Todo o foco
de atenção está no diálogo entre Sollozzo e Hagen, ambos filmados em planos próximos.
Na seqüência seguinte é apresentado o espaço externo onde os dois personagens se
encontravam. Não há nenhuma modificação na estrutura sonora além de um leve
aumento na intensidade dos ruídos. O tema musical de suspense entra no fim da
seqüência e se mantém durante toda a externa da seqüência seguinte – a chegada de
Michael em casa. No corte para o interior da casa, a trilha musical retoma o segundo tema
do filme para nos lembrar rapidamente da situação de D. Corleone.

34
A seqüência 50 apresenta toda a família reunida para decisões. O espaço é o escritório
na casa de D. Corleone. Não há interferência externa, como é padrão desse espaço mas,
há um grande burburinho de vozes criando o ambiente e ressaltando a confusão gerada
pela ausência do líder da Família. A trilha musical ressalta o fim da seqüência onde a
morte de Brasi é anunciada.

Na seqüência 51, o cotidiano é ressaltado pela sonorização das crianças brincando e pelo
uso de voz em “off” da esposa de Clemenza pedindo que ele compre o almoço, desviando
a atenção do espectador da morte por vir. Há, em seguida, uma cena de passagem feita
com filmes de época com a “voz over” dos personagens conversando no carro. Na
seqüência seguinte, Paulie é assassinado. Mais uma vez, a opção é pelo não uso de
música de tensão. Murch cria para a seqüência um ambiente até bucólico, composto por
gaivotas e apitos de navio distantes que contrastam com a dureza dos tiros. Após a
morte, a retomada do tema principal nos remete aos Corleone e serve de ponte sonora
para a seqüência seguinte.

A música continua em primeiro plano de som na seqüência 53 até Michael começar a


conversar com Kay ao telefone, gerando informação na ausência de diálogos. No restante
da seqüência, ouvimos apenas as vozes das pessoas nas salas e os ruídos das ações
que elas fazem.

A seqüência 54 inicia com Michael sendo levado de carro ao apartamento de Kay. Como
na maioria dos planos de translado ouvimos apenas os sons do carro em movimento. Já
dentro do apartamento de Kay, Murch cria tensão pela oposição entre a dificuldade dos
dois namorados em conversar e uma música romântica vinda de forma diegética. O plano
que encerra a seqüência – Michael saindo do lobby do hotel – é vazio de informações
sonoras como o fim de sua conversa com Kay.

O plano seguinte, início da seqüência 55, começa com o tema de suspense


acompanhado pelo ruído da chegada do taxi. Esse tema segue até o fim da seqüência
seguinte onde Michael muda D. Corleone de quarto. É interessante notar a opção sonora
que Murch usa para reforçar a idéia do hospital vazio: um disco arranhado, repetindo
infinitamente o mesmo trecho de música sem que ninguém mude a agulha de lugar.

35
Em contraste às duas seqüências anteriores, a seqüência 57 é construída apenas por
ruídos. No início, há um reforço dos sons da cama de D. Corleone sendo arrastada pelos
corredores do hospital. Com o som de uma porta que é aberta, os sons da cama ficam
menos intensos e toda a tensão da cena é construída pelos passos que reverberam pelo
espaço vazio do hospital e se aproximam cada vez mais do local onde estão Michael e a
enfermeira. Uma vez terminado o suspense pela revelação de Enzo, o ruído dos passos
perde sua importância dramática e deixam o primeiro plano de som. No fim da seqüência,
a relação emocional entre Michael e Vito Corleone é intensificada com a volta do tema
principal. No plano seguinte – Michael andando pelo corredor do hospital – esse tema é
esvaziado para dar lugar ao tema de suspense no início da seqüência 58.

A música continua como condutor principal da trilha sonora até a saída do carro dos
possíveis assassinos de D. Corleone. Com a saída do carro, é substituída pelo tema
principal do filme que sai em “cross fade” com o som da aproximação das sirenes dos
carros de polícia. Na chegada da polícia, trovões passam a fazer parte da trilha de
ambiente justificando os vidros molhados dos carros e gerando tensão para a cena. A
presença policial também é reforçada pelo som constante de um rádio de polícia
transmitindo informações da central. No final da seqüência, o tema principal do filme é
retomado e utilizado como ponte sonora para a seqüência 59.

Com o início do diálogo entre Clemenza e Tessio há o fim da música. O ambiente, então,
passa a segundo plano de som sendo composto de pássaros indefinidos e corvos
sugerindo mau agouro. A seqüência 60 abre com os principais integrantes da família
discutindo, no escritório de Corleone, qual será a ação que tomarão. Um grande
burburinho ajuda a construir a confusão. Esse burburinho acaba na discussão de Sonny
com Hagen, abrindo espaço na trilha sonora para que a decisão de Michael de matar
Sollozzo e McCluskey seja revelada em absoluto e respeitoso silêncio.

36
A seqüência 61 se passa em um espaço pouco definido – uma garagem, um porão. Seu
ambiente sonoro é igualmente indefinido: água pingando e um som como uma caldeira,
que criam um espaço com presença mas com baixo volume. Na seqüência, Clemenza
ensina Michael a matar. É criada uma grande tensão para o disparo do revólver. Esse
disparo é grandioso. Não é igual aos outros tiros que já aconteceram no filme. Este tiro
não é naturalista, há um componente eletrônico na sua criação que acentua a intensidade
do som gerando impacto no espectador. Esse impacto é tão forte que a possibilidade de
um segundo tiro na cena cria grande expectativa, frustrada no final da seqüência quando
descobrimos que a arma está descarregada.

A seqüência seguinte é de espera, marcada pelo silêncio. Os ruídos de sala dos talheres
apenas aumentam o tamanho desse silêncio. Mesmo o esperado telefonema é inaudível.
Quando Sonny traz a notícia para Michael, começa um diálogo emotivo entre os dois
irmãos que culmina com um abraço acompanhado pelo segundo tema musical.

No corte para a seqüência 63, a trilha musical é ocupada pelo tema de suspense que
segue até a interna do carro. Durante os planos internos, Murch além de colocar o ruído
do motor, cria o espaço de fora do carro com buzinas de outros possíveis automóveis que
passam. No fim do diálogo há uma rápida cena de perseguição que, no seu final,
reintroduz o tema de suspense.

A seqüência 64 apresenta o espaço externo do restaurante. Nela podemos ouvir a


existência de uma linha de trem bastante próxima. Mesmo que não exista nenhuma
referência na imagem dessa linha, o som do trem é bastante intenso. Tão intenso que
prossegue na cena seguinte, dentro do restaurante, mesmo com uma clara elipse
temporal na imagem. Esse é um som bastante importante para Murch pois será utilizado
no decorrer da seqüência para expressar o sentimento de Michael. E, como é típico de
seu trabalho, primeiro o som é utilizado de forma naturalista para depois ganhar uma
caráter expressionista.

37
A segunda cena começa com pouca presença de ruídos na trilha de ambientes – apenas
um leve burburinho de vozes. Os ruídos de sala (abertura da garrafa de vinho, passos do
garçom) ganham destaque. Sollozzo e Michael começam, então, um diálogo em italiano.
O que é dito nessa conversa não é de fundamental importância ao filme tanto que não há
legendas traduzindo o que é dito. Outra confirmação da falta de importância da conversa
está no plano que apresenta, em câmera alta, um funcionário do restaurante caminhando
em direção ao caixa em primeiro plano e a mesa com Sollozzo e Michael em segundo
plano. Nesse momento, a trilha sonora obedece rigorosamente à imagem e faz com que o
ruído de manipulação da caixa registradora fique mais forte que o próprio diálogo. Essa
opção, por mais coerente que seja em relação à imagem, não é usual.

O padrão de construção de trilha sonora não segue exatamente a relação espacial dada
pela imagem e sim a importância narrativa. Dois exemplos claros podem ser observados
nas seqüências 85 e 102. No primeiro caso, a voz de Appolonia não se modifica em
intensidade quer em planos próximos ou em planos mais afastados. Já na última
seqüência, mesmo que Kay esteja em primeiro plano, ouvimos muito claramente a ação
de Michael em segundo plano. Em ambos os casos, é mais importante para o
desenvolvimento da trama ou para a caracterização dos personagens que se ouça o que
está sendo dito do que fazer com que o som siga a mesma perspectiva da informação
visual.

Durante o diálogo, um trem passa em terceiro plano de som. Quando Michael se levanta
para ir ao banheiro, outro trem volta a passar também com pouco intensidade. O
ambiente dentro do banheiro é composto pelo som de água enchendo a caixa d’água da
descarga. Após Michael puxar a descarga, ouvimos o início do som dentro do banheiro e
seu final dentro do restaurante, como se Sollozzo e McCluskey também o ouvissem.
Antes de voltar para a área de refeição, Michael indica nervosismo passando as mãos na
cabeça. Nessa mesma hora, passa um trem com a mesma intensidade da cena externa
inicial que reforça seu estado de espírito. O final desse som faz a ligação entre a cena
interior no banheiro e a volta de Michael à mesa de jantar e só termina quando Sollozzo
voltar a falar. Michael está absorto em seus pensamentos e não mais ouve Sollozzo.

38
A tensão interna por que passa começa a ser externada por um trem que se aproxima.
Esse trem traz um novo componente em sua construção sonora: guinchos do atrito do
metal das rodas contra os trilhos, um ruído bastante enervante para nossa audição.
Quando esse ruído atinge seu ápice, Michael levanta da cadeira e atira contra os dois
inimigos. O som do trem é interrompido secamente pelos tiros, afirmando seu caráter não
naturalista. No fim dos tiros, há um última respiração do trem, agora sem o componente
metálico e bastante distante. A queda dos corpos de Sollozzo e McCluskey é reforçada
por pesados ruídos para deixá-la mais intensa. Na caminhada de Michael para fora do
restaurante, o segundo tema do filme entra fortemente e passa a ser o primeiro plano da
trilha sonora. Essa música irá seguir Michael andando pela rua externa ao restaurante e o
“tableau” dos corpos caídos no chão que encerra a seqüência.

A seqüência 65 inicia com um piano sobre imagens de rotativas de jornal. Esse piano é
levemente desafinado, o que não é uma característica de músicas não diegéticas. No
meio da seqüência, entenderemos essa sonoridade ao vermos um dos integrantes da
gangue dos Corleone tocando o instrumento enquanto espera a decisão do próximo
passo junto a seus companheiros. Durante toda a seqüência, há ruídos de sala para as
imagens com atores. No final, uma sirene reforça a manchete que anuncia que a guerra
de quadrilhas já dura três meses.

O ambiente da seqüência 66 cria, através de um grande vozerio e muitos passos, o


estado de agitação que as pessoas se encontram pela saída de D. Corleone do hospital.
O vozerio é também o som principal no plano seguinte, a frente da residência Corleone.
No plano da ambulância pela estrada há apenas uma sirene. O vozerio é retomado no
plano seguinte, outra vez em frente à residência Corleone mas, desta vez, com maior
presença de vozes femininas. Esse som segue pela interna da casa com o reforço de um
bebê chorando. O bebê continua no plano que a família cumprimenta D. Corleone em seu
quarto. Os planos seguintes têm seu espaço sonoro construído pelo estímulo da imagem:
vozerio feminino na cozinha e crianças brincando na externa da casa.

39
Na seqüência 67, as mesmas crianças criam o espaço interno do quarto de Corleone
enquanto ele conversa com os filhos. Já no diálogo na escada, não há um ambiente
definido. Durante o jantar, na seqüência seguinte, vozerio e ruídos de sala de talheres e
pratos criam a trilha sonora que se modifica em um respeitoso silêncio quando Fredo vela
o pai no plano seguinte. A seqüência acaba com a introdução do tema de amor, fazendo a
ponte sonora para a seqüência 68.

O tema de amor de O Poderoso Chefão é a música presente nas seqüências de Michael


na Sicília. No início da seqüência 68, ele é “mixado” com cigarras, alguns pássaros e
sinos das ovelhas quando vistas em cena. A música segue até pouco depois do início do
diálogo entre Michael e D. Tommasino, especificamente quando Michael pronuncia a
palavra “Corleone”. A música é retomada no fim do diálogo e segue por toda a próxima
seqüência.

Sinos de igreja anunciam a chegada a Corleone na seqüência 70. A existência, ou não,


de cigarras marcam o espaço rural ou urbano da cidade. Na volta ao campo, vozes
femininas cantando em “off” introduzem a presença de Appolonia. Com seu surgimento, o
tema de amor se encerra, deixando apenas as vozes femininas e as cigarras em segundo
plano de som.

No início da seqüência 71, o tema de amor é retomado, desta vez por um bandolim e um
acordeão, e segue em primeiro plano de som, saindo em “fade” no início do diálogo no
bar e dando espaço a uma forte presença de cigarras na trilha de ambiente. A construção
de uma discussão em “off” entre pai e filha no meio da seqüência cria um interessante
efeito entre tensão (pela discussão) e calma (pela imagem), quando o pai de Appolonia
descobre o interesse de Michael por sua filha.

A seqüência 72 é construída por diferentes cenas de Michael se preparando para


encontrar Appolonia e seus encontros. Mais uma vez, o tema de amor serve como o
elemento de continuidade de espaço e tempo, fragmentados na imagem. Como de
costume, Murch usa ruídos e vozes sincrônicas em segundo plano de som para que não
aconteça uma desassociação entre a trilha sonora e o que está sendo visto pelo
espectador.

40
Na seqüência 73 há a volta para Nova Iorque. A trilha sonora reforça a ruptura de espaço
com várias buzinas e trânsito no plano externo do apartamento de Lucy Mancini. Nos
planos internos, não há um ambiente definido. Quem acaba cumprindo a função de criar o
espaço sonoro é o próprio som direto pelo uso da reverberação natural do corredor. Na
abertura da porta, o espaço externo volta a invadir a trilha de ambiente. A seqüência 74,
assim como as cenas internas anteriores, é criada apenas pelo som direto.

A seqüência 75 é toda realizada na rua e tem uma construção de ruídos e ambientes bem
mais complexa. Inicia com Carlo falando com outras pessoas. O ambiente é construído
pelo som vindo de um rádio, crianças brincando e água sendo esguichada de um hidrante
arrebentado. Com a chegada de Sonny e o início da briga, o rádio desaparece para dar
lugar a ruídos da briga (socos, latas), todos eles “mixados” fortemente para, junto com os
gritos de Sonny e Carlo, intensificarem a luta. As crianças que estavam brincando passam
a reagir à toda aquela ação, junto com vozes adultas, enquanto a água permanece
marcando todo o tempo da ação.

No início da seqüência 76, sinos anunciam o fim da cerimônia de casamento de Michael e


Appolonia. Assim como na seqüência inicial do filme, música diegética marca toda a festa
do matrimônio. Só que, desta vez, não é uma grande orquestra e vários cantores que
fazem a trilha musical e sim uma pequena banda local. A seqüência encerra com a banda
tocando uma valsa enquanto os recém-casados dançam.

Grilos e sapos marcam o início da seqüência 77. Pouco depois desse repouso da trilha
musical, o tema de amor é retomado enquanto Appolonia se despe para Michael. No final
da seqüência há, também, o fim da música.

A seqüência 78 é construída pelo diálogo. Pássaros completam a trilha sonora. Os passos


de Kay e Hagen cobrem o espaço sonoro do “fade out” visual.

41
O som de telefone puxa o “fade in” da imagem. Não há nenhum som construindo o
ambiente da seqüência 79 mas, o uso da espacialidade do som direto cria uma riquíssima
seqüência sonora. Logo após o toque do telefone, a voz de Connie está bastante
presente em cena, assim como sua imagem. Após desligar a ligação, Connie vai falar
com Carlo, que é enquadrado em primeiro plano, enquanto Sonny ocupa a parte de trás
do quadro. A trilha sonora acompanha, deixando a voz de Carlo presente e a de Connie
quase perdida no espaço. Connie, então, sai pelo fundo do quadro e começamos a ouvir
o som de pratos sendo quebrados ao longe. No plano seguinte, Carlo volta a ocupar o
primeiro plano de imagem enquanto Connie continua quebrando pratos ao fundo. A voz
de Carlo é claramente dublada no início desse plano, respeitando a relação espacial da
imagem mas mudando completamente seu timbre. Por ser muito curta, essa fala não
chega a comprometer a cena, até mesmo porque a intensidade dramática está sendo
dada pela ação de Connie. Connie passa a quebrar objetos da sala de jantar enquanto
Carlo continua falando – desta vez em som direto. Os dois personagens continuam
discutindo enquanto andam pelo resto da casa. É impossível saber, neste caso, se há ou
não dublagem mas, o que se ouve são vozes reverberadas pelo espaço que acentuam a
dramaticidade da briga. Connie então se refugia no banheiro e Carlo a segue com o cinto
na mão. O resto da briga é todo “off-screen” e o som que nos chega é a reflexão das
vozes em um espaço pequeno e coberto de azulejos. Um grito forte de Connie faz o corte
para a seqüência seguinte.

O grito de Connie é imediatamente seguido pelo grito do bebê que está no colo de Mama
Corleone. Os gritos que fazem a ligação entre as seqüências fazem com que a histeria e
a agressividade da briga entre Connie e Carlo não seja rompida pela mudança de espaço.
Não é dado ao espectador um intervalo de descanso, o que acentua ainda mais a reação
colérica de Sonny. O bebê continua chorando até o fim da seqüência, preservando tensão
todo o tempo.

Na seqüência 81, a violência de Sonny é expressada pelos ruídos de manobra de saída


de seu carro. Até mesmo a voz de Hagen é encoberta por esses sons.

42
O repouso vem, finalmente, na seqüência 82. Gaivotas e o som vindo de um rádio com
pouca intensidade criam o ambiente do pedágio. A entrada do carro de Sonny em cena é
acentuada por toques rápidos de buzina. Sonny se aproxima da guarita do cobrador e fica
preso pelo carro da frente. A aceleração constante desse outro carro, assim como a
buzina do carro de Sonny, ajudam na construção da ansiedade do mais velho dos
Corleone. O tilintar de uma moeda em primeiro plano faz com que o cobrador se abaixe,
fechando a janela da guarita simultaneamente. O rádio então se cala e o carro da frente
pára de acelerar. Todo o ambiente se torna silencioso e abre espaço na trilha sonora para
a saraivada de tiros de metralhadora que ocupam o primeiro plano da trilha sonora. Com
a saída de Sonny do carro, seus gritos também são ouvidos. No fim do tiroteio, ouvimos
carros partirem em “off”. O som de gaivotas volta a fazer parte do ambiente gerando uma
falsa calmaria no fim da seqüência. Uma versão melancólica da música tema acompanha
a fusão da imagem para a seqüência seguinte.

A música segue por todo o início da seqüência 83 até D. Corleone e Hagen começarem a
falar. A partir daí, apenas o silêncio acompanha as vozes. No fim da seqüência, a voz de
Hagen ao telefone, que começa como “off-screen” enquanto D. Corleone sobe as
escadas, passa a “over-screen” sobre a subjetiva que inicia a seqüência 84.

Água pingando e um grande circulador de ar constróem o espaço frio do necrotério da


seqüência 84. As vozes e os ruídos de sala ganham grande reverberação,
acompanhando o espaço da cena.

Murch corta então da dureza do necrotério para as risadas de Appolonia dirigindo. É muito
importante o envolvimento do espectador com esse personagem alegre – assim,
sentiremos mais a sua morte. Essa risada é tão importante que mesmo no plano geral,
com a câmera alta, a voz de Appolonia mantém a mesma intensidade dos planos mais
fechados. O ambiente externo é bucólico: pássaros e alguns pequenos animais.

Na seqüência 86, a trilha de ambiente é composta por forte som de cigarras, aumentando
a tensão da seqüência que se encerra com a explosão do carro onde está Appolonia.
Mesmo que na imagem só exista uma única explosão, no som ela acontece três vezes
seguidas, renovando-a e fortalecendo-a.

43
Mais uma vez, Murch usa o recurso de muitas buzinas para indicar a volta da ação a
Nova Iorque. Desta vez, elas são ouvidas no primeiro plano da seqüência 87, durante a
panorâmica vertical do prédio de escritórios de Corleone. Nos planos internos, algumas
leves buzinas marcam o espaço urbano.

Na seqüência 88, Murch repete a opção de criar um ambiente sonoro interno com o motor
do carro em movimento e um outro externo com carros passando, gravados com efeito
“Doppler”. No final da seqüência, o tema de suspense faz a ponte para a próxima
seqüência.

A seqüência 89 começa com Kay andando com algumas crianças. A trilha musical passa,
neste momento, a tocar o segundo tema do filme, que segue até o início da conversa
entre Kay e Michael. Vozes de crianças e pássaros completam o ambiente sonoro. Na
cena seguinte, o tema principal acompanha a caminhada dos dois personagem. Os
pássaros continuam a criar a trilha de ambientes, sendo complementados por cachorros e
o ruído de motor do carro que os segue. O tema principal permanece em segundo plano
de som até Michael comentar sobre a ingenuidade de Kay. Um pouco antes do fim da
conversa entre os dois, o segundo tema volta e segue até o fim do “fade” de imagem que
encerra a seqüência.

A seqüência 90 mostra o antigo escritório na casa de D. Corleone. Agora, Michael


assumiu a liderança da família e este é o seu escritório. O espaço sacro não mais existe.
Nesse novo espaço, existe até um aquário cuja bomba de ar gera ruído dentro do
escritório. O ruído externo de crianças brincando também invade o espaço renovado. No
fim da seqüência, uma canção faz a ponte sonora para a seqüência seguinte.

Assim como na apresentação de Hollywood, Los Angeles é apresentada através da


música que sai em “fade” quando Michael e Fredo andam pelo corredor do hotel, abrindo
espaço da trilha musical para a banda que toca quando Michael chega em seu quarto. Até
a expulsão dos convidados do quarto, a banda continua tocando em segundo plano de
som, sendo acompanhada de um leve vozerio feminino.

44
As seqüências 93 e 94 têm o mesmo ambiente de pássaros. No intervalo do diálogo de
Michael com seu pai (“I’ll handle it”) o tema principal do filme é retomado e continua até a
fusão para a seqüência seguinte.

A seqüência 95 é outra onde a trilha sonora é construída pelo som direto. Sua imagem
apresenta um caráter quase documental: todo o início é construído por dois planos onde a
câmera permanece afastada. O uso apenas do som direto reforça essa idéia. Já na queda
de D. Corleone, há um reforço no som da quebra do caramanchão e, logo após sua
morte, uma corvo canta isoladamente. Sinos fazem a ponte sonora para a próxima
seqüência.

A seqüência 96 inicia quase em silêncio. Os carros que são vistos na imagem são ouvidos
com intensidade muito reduzida. As falas das personagens são poucas. Um forte vento e
poucos grilos compõem o desolamento no espaço sonoro.

A seqüência 97 trabalha com o paralelismo de cenas do batizado do filho de Connie e dos


assassinatos dos chefes das outras famílias. Para manter a continuidade da seqüência
tão fragmentada na imagem e, ao mesmo tempo, reforçar a diversidade das cenas, Murch
usa um recurso muito inteligente: a voz do padre prossegue por todo decorrer da
seqüência, criando o primeiro traço de união. A música de órgão, apresentada como
diegética na igreja, também é ouvida todo o tempo. Mas, sua função não é apenas de
continuidade. Ela também funciona como trilha musical que comenta a ação dos
comandados de Michael. Dentro da igreja, a música ouvida é composta por notas agudas,
brilhantes, enquanto nas cenas de preparação das mortes e dos assassinatos é usada a
parte da melodia composta de notas graves, escuras. Assim, Murch consegue manter a
continuidade da trilha musical por toda a seqüência, criando diferentes espaços sonoros
que comentam a ação específica de cada cena. Mais uma vez, os ruídos de sala também
são usados para gerar uma maior integração entre imagem e som.

45
No iníco da seqüência, ouvimos o órgão e um bebê chorando. O padre começa o rito do
batismo em latim. Sua voz segue em continuidade para o plano seguinte onde Neri
prepara sua arma. A música se torna grave, modificando seu caráter de sacro para
misterioso. Os ruídos de sala também ficam mais presentes na trilha sonora. Na volta ao
espaço da igreja, a música retoma seu brilho. No corte para a barbearia, Murch se
aproveita do desenho da espuma de barba saindo do frasco para a mudança de tom da
trilha musical, sincronizando-o com um acorde de mesma duração e espessura. Desta
vez, o órgão grave chega a soar no interior da igreja, mas por pouco tempo. Logo, a
leveza é retomada na trilha musical. O padre então começa a fazer as perguntas sobre a
crença católica de Michael. Após a primeira pergunta (“Do you believe in Jesus Christ, His
only Son our Lord?”), a música pára, como se esperasse por uma resposta de Michael
para voltar a agir. A resposta de Michael (“I do.”) é a deixa para o começo da ação. A
música faz uma série de notas ascendentes como que iniciando uma nova fase da
seqüência e retoma o timbre fechado. Agora, além da voz do padre, as respostas de
Michael também são ouvidas nos planos fora da igreja, marcando mais ainda sua
presença nos eventos que acontecem.

Na volta à igreja, não há uma interrupção da trilha musical. Ela continua sendo construída
por notas ascendentes que intensificam cada vez mais a seqüência. O bebê de Connie
volta a chorar. Esse choro acompanha o padre e a música nos planos dos empregados de
Michael se aproximando de suas vítimas, aumentando a tensão das cenas. Na retomada
da câmera no interior da igreja, a música se cala para deixar ouvir a pergunta do padre
(“Michael Francis Ricci, do you renounce Satan?”). Essa fala serve de anacruse para a
entrada da música no plano seguinte, um acorde ascendente que acompanha a abertura
da porta do elevador. Os tiros de Clemanza encobrem a saída da música. O silêncio
acompanha a resposta “on-screen” de Michael (“I do.”) Outra vez, a voz é o anacruse para
a volta da música, desta vez sobre as imagens do assassinato de Moe. A estrutura de
silêncio sobre Michael e música sobre as mortes é repedita mais uma vez. Porém, a partir
da sua entrada no assassinato de D. Cuneo na porta giratória, não ouve-se mais
respirações na trilha sonora. Ruídos de sala e tiros acompanham a música em todas as
mortes. No fim da seqüência 97 também há o fim da trilha musical.

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Sinos badalando, pássaros e choro de bebê fazem o ambiente da seqüência 98. O choro
também é usado para encobrir as falas de um dos assistentes de Michael enquanto
conversa com seu chefe na escadaria.

A seqüência 99 é constituída de duas cenas. Na primeira, interna, só ouvimos o diálogo


entre Hagen e Tessio e os ruídos do telefone. Já na externa, pássaros e um bafo de
trânsito acompanham o anúncio da morte de Tessio. No fim do diálogo, o segundo tema
de O Poderoso Chefão marca a presença de Michael enquanto Hagen observa o ex-
colega sendo levado.

A próxima seqüência, 100, tem na sua trilha sonora apenas as vozes e os ruídos de sala
dos personagens em cena. Já a seqüência 101 mantém a estrutura naturalista da maioria
dos assassinatos do filme. Pásaros fazem o ambiente externo enquanto o motor do carro
reforça o movimento do automóvel. Durante o enforcamento de Carlo, a tensão é criada
pelo vidro do quadro sendo quebrado junto com os gritos de Carlo. No fim da seqüência, a
volta do tema principal marca, outra vez, a presença dos Corleone e funciona como ponte
sonora para a seqüência final.

O tema principal continua até Connie sair do carro gritando. Pássaros criam o ambiente
externo. Já dentro do escritório, o silêncio é o fundo dos diálogos entre Connie e Michael
e Kay e Michael. No intervalo entre os diálogos, Murch ocupa o espaço sonoro com gritos
“off-screen” de Connie sendo levada para o quarto – uma forma de evitar repouso na
seqüência e construir maior tensão para a conversa de Michael e Kay. O relaxamento só
acontece quando Michael nega sua participação no assassinato de Carlo. Se, por um
lado, a entrada do tema principal neste momento completa a sensação de alívio de Kay,
por outro, nos traz a memória das mortes cometidas pelos Corleone. A seqüência acaba
com Kay se servindo de bebida em primeiro plano enquanto Michael é cumprimentado
como o novo chefão da família. Uma porta que se fecha sobre o rosto de Kay, a última
imagem do filme, é acompanhada pelo término da trilha musical. Não exatamente um
término, pois a melodia não se completa. Acaba suspensa, sem voltar à fundamental,
deixando claro para nós que o que vemos como última imagem não é um fim, apenas um
encerramento daquele pedaço da história.

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Segue pelos créditos finais um poupourri dos principais temas musicais do filme.

Walter Murch em O Poderoso Chefão propõe uma nova forma de pensar o uso da trilha
de ruídos e da trilha de ambientes, a qual será posteriormente desenvolvida por ele em
Apocalipse. Essas trilhas não são apenas elementos ilustrativos do que já é apresentado
pela imagem. Pela trilha de ambientes, aprendemos mais sobre a trama que está sendo
desenvolvida ou sobre os personagens que fazem parte dessa trama. Os sons ambientais
envolvem o espectador em espaços sonoros que indicam tensão, paixão, poder, conflito.
O “controladamente silencioso” escritório de D. Corleone, por exemplo, é invadido por
sons externos quando ele perde seu cargo de liderança. Podemos ouvir ainda corvos que
anunciam desgraças e um disco arranhado que sublinha o hospital abandonado. A trilha
de ruídos não é usada aqui apenas como uma redundância do que já vemos. Eles
externam os sentimentos dos personagens, aumentam o impacto ou a expectativa,
conduzem a narrativa e funcionam, muitas vezes, como trilha musical.

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ANALISE DE APOCALIPSE

Argumento:

O filme é uma adaptação do livro “Coração das Trevas”, de Joseph Conrad. Ele começa
com o Capitão Willard em um quarto de hotel em Saigon pensando na sua dificuldade de
viver outra vida que não a da guerra. Em seguida, é convocado a uma reunião onde
recebe a missão de matar o Coronel Kurtz, um desertor do exército norte-americano que
se refugiou no Camboja.

Para tanto, Willard desce o rio Nung em um barco com outros soldados: Chief, Chef, Mr.
Clean e Lance. No caminho, tem o apoio do Tenente Coronel Kilgore, líder de uma tropa
de ataque aéreo e apaixonado por surfe. Durante sua estada com Kilgore, Willard
acompanha o ataque a uma aldeia vietnamita ao som da “Cavalgada das Valquírias”.

Voltando a sua viagem de barco, Willard pára em um posto do exército para abastecer e
presencia um espetáculo com as coelhinhas da Playboy. Durante todo o percurso que
Willard faz pelo rio, ele vai lendo dossiês sobre Kurtz. Depois da parada no posto, Chief
decide fazer uma vistoria em um barco vietnamita que navegava pelo rio Nung e acaba,
numa confusão, matando todos os seus tripulantes.

A próxima parada do barco é na ponte de Do Lung onde Willard recebe mais dossiês
sobre Kurtz e fica sabendo da existência de um outro soldado que saiu na mesma missão,
o Capitão Colby.

Na continuação de seu caminho pelo rio, Willard sofre duas emboscadas. Na primeira, Mr.
Clean é morto e, na segunda, Chief sofre o mesmo destino. Willard consegue chegar na
base de Kurtz, onde é recebido pelo Fotógrafo. Lá ele é preso por Kurtz. Chef é
assassinado e tem sua cabeça decapitada. Willard é solto e mata Kurtz. Em seguida,
volta para o barco com Lance e se retira do local enquanto manda uma tropa aérea
bombardear o lugar.

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Seqüências:

A divisão em seqüências que fiz em Apocalipse também segue um padrão sonoro e não
espacial ou visual. Essa opção faz com que duas ou mais seqüências sejam unidas em
um mesmo bloco quando não há nenhum uso diferenciado da trilha sonora que necessite
destaque.

Seqüência 01 – Floresta em chamas/Quarto de hotel


Seqüência 02 - Chegada dos soldados
Seqüência 03 - Externa acampamento/Almoço
Seqüência 04 - Aérea Vietnã
Seqüência 05 - Barco no rio/Apresentação da tripulação/”Satisfaction”
Seqüência 06 - Leitura dossiê Kurtz
Seqüência 07 - Encontro com Cavalaria Aérea/Encontro com Kilgore
Seqüência 08 - Churrasco
Seqüência 09 - Saída dos helicópteros
Seqüência 10 - Vôo dos helicópteros
Seqüência 11 - Ataque à aldeia
Seqüência 12 - Monólogo Kilgore
Seqüência 13 - Saída do barco/Anoitecer
Seqüência 14 - Chef e Willard colhem mangas
Seqüência 15 - Leitura dossiê Kurtz
Seqüência 16 - Chegada à base
Seqüência 17 - Show da Playboy
Seqüência 18 - Barco no rio/Briga com outro barco
Seqüência 19 - Leitura dossiê Kurtz/Willard com Chief/Leitura dossiê Kurtz
Seqüência 20 - Vistoria no barco vietnamita – “Fade out”
Seqüência 21 - “Fade in” – Barco no rio/Ponte Do Lung
Seqüência 22 - Barco no rio/Distribuição de cartas/Assassinato Mr. Clean
Seqüência 23 - Brumas/Assassinato Chief
Seqüência 24 - Enterro Chief
Seqüência 25 - Barco no rio/Willard rasga dossiês
Seqüência 26 - Chegada à cidade/Encontro com Fotógrafo

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Seqüência 27 - Willard e Chef no barco
Seqüência 28 - Captura de Willard
Seqüência 29 - Willard com Kurtz
Seqüência 30 - Prisão de Willard
Seqüência 31 - Chef no barco/Cabeça de Chef sobre Willard
Seqüência 32 - Willard com Kurtz/Willard com Fotógrafo – Fade
Seqüência 33 - Willard com Kurtz
Seqüência 34 - Ritual nativo
Seqüência 35 - Willard no barco/Ritual/Morte Kurtz
Seqüência 36 - Willard e Lance deixam a cidade Análise:

O primeiro som de Apocalipse começa sobre uma ponta preta. É o som de pás da hélice
de um helicóptero modificado eletronicamente. Seu timbre é mais agudo e a velocidade
de rotação muito menor do que um helicóptero verdadeiro. Há um efeito “Doppler” que dá
a sensação de deslocamento dessas pás. Em seguida, há um “fade” na imagem que
revela uma selva. Um helicóptero cruza o quadro da esquerda para a direita. O mesmo
som de pás acompanha o movimento do helicóptero. Começa então o som instrumental
de abertura da canção “The End” pelo grupo The Doors. A poeira que levanta do chão é a
deixa para mais duas entradas do som das pás, desta vez mais longas. Com a explosão
de uma bomba de Nepalm na floresta, ouve-se o começo do vocal da canção. Nenhum
outro som além da canção será ouvido na trilha sonora enquanto Jim Morisson continuar
cantando. Por mais estímulos visuais que a imagem traga (helicópteros, planos próximos
das árvores em chamas, rosto de Willard), “The End” é suficiente para a criação de um
estado letárgico no espectador (iniciado pelas lentas pás girando). Murch, desta forma,
concretiza a intenção de Coppola em Apocalipse: um filme psicodélico que tem a guerra
do Vietnã como pano de fundo.

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No fim da primeira parte do vocal, há uma passagem de bateria que serve como
introdução de uma sessão instrumental. Murch aproveita essa entrada para criar mais
tensão à música trazendo o som das pás, desta vez mais rápidas. Nesse trecho, ele
também cria a primeira associação entre esse novo som de pás e a imagem das pás de
um ventilador de teto. Na volta do canto de Morrison, o som das pás permanece e é
sincronizado com os helicópteros na imagem. A medida que os planos da selva
desaparecem das fusões, permanecendo apenas os planos do quarto de hotel de Willard,
“The End” vai desaparecendo da trilha sonora em ‘fade out” com reverberação, restando
apenas o ruído mais rápido das pás em movimento, agora diretamente associado ao
ventilador de teto do quarto. Com o fim da canção, inicia um terceiro ruído de helicóptero.
Este ruído se difere dos anteriores por ser composto de som de jatos e de ter as pás das
hélices mais graves. O plano subjetivo de Willard se aproximando da janela tem seu
movimento reforçado (e estimulado) por esse terceiro som de helicóptero que se afasta.
No final da subjetiva o som desaparece dando lugar ao ruído da cidade que pode ser vista
pela janela, a cidade de Saigon. Ouve-se um apito de policial, carros, buzinas,
motocicletas, um leve vozerio e uma banda tocando. Em “voz over”, Willard começa a
refletir sobre como não consegue mais se relacionar com as pessoas, como a luta na
selva é a única forma de vida que consegue ter e o cansaço da espera em Saigon. A
medida que a “voz over” desenvolve o monólogo, a trilha de ambientes deixa de
apresentar sons urbanos de Saigon e se transforma nos sons de uma selva. Os intervalos
do apito do guarda diminuem e o som se transforma em cigarras. Em seguida, ouve-se
macacos e pássaros. Uma buzina de carro toca em meio a todos esses sons. Na imagem,
Willard tenta pegar uma mosca em seu travesseiro mas o som ouvido é de um inseto da
selva. Depois disso, a trilha de ambientes será apenas composta de sons da selva. No fim
do monólogo de Willard, um som eletrônico semelhante a uma mosca é introduzido em
meio aos pássaros e animais selvagens. Ele funciona como ponte sonora para a saída da
trilha de ambientes e volta da canção “The End”. A canção segue até o fim da seqüência,
acabando em “fade” junto com o “fade out” da imagem e encerrando o prólogo do filme.

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Nesse prólogo de Apocalipse, Murch propõe uma nova forma de uso da trilha de ruídos e
de ambientes, mudando o conceito da trilha sonora cinematográfica. O primeiro ruído que
cria para as hélices permite leituras diferenciadas. Uma naturalista, ao fazer uma
sincronia perfeita entre esse som e os veículos que atravessam a tela e outra que vai
além da simples representação sonora. O som das pás tem o tempo, o ritmo e a cor da
viagem lisérgica proposta pela imagem. Seu movimento é lento, seu timbre agudo e
reverberado como se ecoasse dentro da cabeça de alguém que esteja com sua
percepção alterada por psicotrópicos. A escolha de “The Doors” para a trilha musical
reforça o psicodelismo. Essa escolha é tão precisa que Murch opta em toda a primeira
estrofe da canção pelo seu uso apenas para compor a trilha sonora. Nem mesmo a
grande explosão de napalm é sonorizada por ruídos de bombas ou fogo. A entrada da voz
de Morrison nesse momento completa o impacto das chamas que queimam a floresta
enquanto alargam o tempo da imagem.

Quando Murch retoma o ruído das pás, seu ritmo e timbre são diferentes. A velocidade de
rotação é maior e o tom mais grave, aproximando-se do som de hélices reais. E é essa a
leitura que nos é indicada por Murch, ao sincronizar o novo ruído com os helicópteros
presentes na imagem. A manutenção desse ruído na segunda estrofe cantada de “The
End” cria uma confusão sonora que reflete o estado de Willard naquele momento. Murch,
em seguida, passa a sincronizar o segundo ruído de pás às imagens do ventilador de teto
existente no quarto e faz com que nossa leitura desse som mude. A partir desse
momento, passamos a entender que o som das pás sempre pertenceu ao ventilador e
tudo que vimos e ouvimos até então era uma exteriorização da associação de
pensamentos que Willard está tendo enquanto observa e escuta o ventilador. Um terceiro
som de helicóptero, este sim naturalista, acorda Willard de seu devaneio e o leva até a
janela.

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É importante notar na câmera subjetiva que descreve a aproximação do personagem à
janela, uma característica do pensamento audiovisual de Murch. O ideal é instigar o
espectador não só visualmente ou auditivamente. Se existe a possibilidade de fazer com
que som e imagem possam se complementar para aumentar o estímulo sensorial, esse
será o caminho a seguir. O movimento descrito pela câmera subjetiva tem o mesmo
percurso descrito pela saída do helicóptero que sobrevoa o hotel onde está Willard,
levando ao espectador a sensação do deslocamento do personagem.

Na cena seguinte, Murch transforma ainda mais o uso da trilha de ambientes do que já
havia feito em “O Poderoso Chefão”. Pela primeira vez na história do cinema, a trilha de
ambientes passa a externar a mente do personagem. O que ouvimos durante o monólogo
de Willard não é a cidade que cerca seu apartamento e sim o que se passa em sua
mente, sua emoções. A medida que aprendemos o horror pelo qual ele passa por estar
em Saigon e sua vontade de retornar à batalha, os sons urbanos se mesclam com o
ambiente da selva até que esses últimos passam a ser os únicos sons na trilha de
ambientes. Dessa forma, Murch nos faz passar pelos mesmos sentimentos que Willard.
Porém, há um perigo muito grande nessa forma de utilizar a trilha de ambientes: como
não há nenhuma referência visual ao que está sendo ouvido, pode acontecer um
descolamento entre imagem e som causando um afastamento do espectador do filme. A
solução que Murch dá a isso é um grande reforço aos ruídos de sala. Cada movimento de
Willard, ao tentar capturar a mosca, ao pegar a foto da esposa, ao queimar a foto, é
fortemente reforçado. Assim, ao mesmo tempo que somos lançados na cabeça de
Willard, os ruídos nos mantém ligados à imagem.

O som de uma mosca que depois se mostra um ruído eletrônico que depois se mostra um
instrumento da trilha musical também cumpre várias funções. Primeiro, ele é integrado à
selva da trilha de ambientes como mais um animal. Em seguida, reforça a sensação que
Willard apresenta no texto como “paredes o espremerem pouco a pouco” (“each time I
look around the walls move in a little tighter”).

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Depois, ao revelar seu caráter musical, serve como ponte sonora para a volta de “The
End”. Nessa retomada da música, Murch cria pequenas sincronias entre o que é visto e o
que é ouvido, criando outra vez estímulos audiovisuais integrados. Um gonzo
sincronizado ao movimento rotatório do braço, a voz de Morrison que chama a atenção de
Willard e faz com que ele abra os olhos, o movimento ascendente da guitarra reforçado
pelo movimento do braço que se afasta da câmera, o grito de Willard sincronizado à voz
de Morrison, a aleatoriedade dos cortes entre os planos em que ele se embebeda são
semelhantes à aleatoriedade da música até o final, onde Willard cai no chão no mesmo
momento em que a canção tem a batida de seu último tempo forte. A diluição da música
acompanha a diluição da imagem de Willard em um “fade out” para preto.

Ainda merece ser observado nessa seqüência o timbre da “voz over” de Willard. Ela não
segue o padrão de gravação normalmente associado à esse tipo de locução, onde as
freqüências médias da voz são valorizadas, criando uma sensação de maior presença do
personagem. A opção de Murch foi posicionar Martin Sheen bem próximo ao microfone e
fazer com que ele falasse quase sussurrado. O resultado desse tipo de gravação foi um
timbre mais grave que resulta em uma voz mais etérea, menos pertencente ao espaço
físico. É esse padrão de voz que será usado em todas as entradas da “voz over” de
Willard.

A seqüência 02 é construída de forma oposta à seqüência anterior. Se a extrema


manipulação das trilhas de ruídos, ambiente e música caracteriza o prólogo do filme, esta
seqüência é baseada nos ruídos e vozes captados pelo som direto. O ambiente, “mixado”
com pouca intensidade, é urbano. A reverberação das vozes e ruídos no corredor, dentro
do quarto e do banheiro cria a sensação espacial. Nesta seqüência, uma outra
característica de Murch é exposta: o uso do som em “off” para acrescentar mais
informações sobre os personagens. Neste caso, Murch se utiliza da espera dos militares
enquanto Willard abre a porta para acentuar a prisão que ele transformou seu próprio
quarto. Mesmo que não vejamos nenhuma fechadura em quadro, ouvimos muitas trancas
sendo abertas em “off”, indicando a cela em que Willard se isolou durante sua estada em
Saigon.

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O corte para a seqüência 03 é bastante semelhante ao corte usado em “O Poderoso
Chefão” entre as seqüências 79 e 80 (grito de Connie para choro de bebê). O grito de
Willard ao ser colocado debaixo do banho frio é emendado por corte seco ao ruído do
helicóptero que chega na base militar.

O ruído deste helicóptero se difere dos até então apresentados no filme por ter o som dos
jatos e do motor mais intensos do que o som das hélices. Logo após o corte esse som é
jogado para segundo plano, dando espaço a “voz over” de Willard. Durante a cena
externa da base militar, Murch cria o ambiente com as vozes e os ruídos de soldados se
exercitando. No corte para a interna do bangalô de Corman, esse ambiente é substituído
por uma leve música erudita, criando conflito com o espaço da ação. Alguns helicópteros
passam em terceiro plano de som, mantendo a continuidade externa/interna. No começo
do almoço, a música erudita é substituída pelos ruídos de sala dos personagens comendo
à mesa. Esses ruídos são “mixados” em primeiro plano de som, acompanhando os
primeiros planos de imagem e enfatizando o absurdo da suntuosa refeição em meio à
guerra que os cerca. Esse conflito é ainda mais acentuado pela manutenção dos
brilhantes ruídos de sala sobre a voz pré-gravada de Kurtz, descrevendo os horrores do
campo de batalha. A passagem de um helicóptero no fundo do monólogo de Corman
sobre o lado negro das pessoas gera a tensão no ambiente, assim como o trem em “O
Poderoso Chefão”. Na saída do helicóptero, o silêncio gera um falso relaxamento na
conversa. O efeito de tensão dado por helicóptero é repetido quando Willard descobre a
sua missão: matar Kurtz. Esse helicóptero tem um som ainda mais agudo do que os
outros já apresentados, acentuando ainda mais a sensação nervosa da cena. A entrada
da trilha musical fará a ponte sonora para a seqüência seguinte.

A seqüência 04 inicia com um plano aéreo de campos do Vietnã. O som do helicóptero


usado na cena anterior é sincronizado com o helicóptero da imagem, mudando sua
função para um elemento diegético. No fim da “voz over” de Willard, a música passa a ser
o único elemento da trilha sonora.

56
Na seqüência 05 é feita a apresentação dos companheiros de viagem de Willard. No
primeiro plano do interior do barco, Murch traz os ruídos de sala dos personagens
andando e um leve vozerio de fundo. Com o fim da “voz over”, são introduzidos o motor
do barco que timbra com as notas finais da música, a água sendo deslocada pelo
movimento do barco e o rádio em “off” tocando “Good Morning Vietnan”. Murch utiliza o
corte para o plano externo do barco descendo pelo rio para aumentar o volume do
programa de rádio. Após um breve comentário do locutor, começamos a ouvir
“Satisfaction”, dos Rolling Stones. Essa canção começa como som diegético, vindo do
rádio de Mr. Clean, e aos poucos aumenta em intensidade e em timbre, ganhando mais
freqüências graves e agudas e passando a ocupar o primeiro plano de som. Desta forma,
a música deixa de ser diegética e ocupa o espaço de som normalmente destinado à trilha
musical não diegética. Mais uma vez, para evitar um estranhamento no espectador pelo
uso não naturalista da trilha sonora, Murch mantém o vínculo com a imagem pela
sonorização dos ruídos provocados pelos personagens e das suas vozes. Um “cross
fade” entre “Satisfaction” e a trilha musical original do filme faz a passagem para a
próxima seqüência.

O padrão sonoro criado para a seqüência 06, será o mesmo de todas as seqüências em
que Willard estuda os documentos sobre Kurtz. A “voz over” de Willard ocupa o primeiro
plano de som, a trilha musical original indica seus sentimentos num segundo plano,
enquanto os ruídos de sala da manipulação dos papéis e das fotos, no terceiro plano da
trilha sonora, fazem a ligação com a imagem.

A seqüência 07 inicia com uma explosão que tira Willard de seus pensamentos, trazendo-
o de volta à realidade da viagem. A saída da música reforça esta idéia. No fim da “voz
over” de Willard apresentando a divisão de cavalaria aérea, Murch acrescenta ruídos de
helicópteros, vozes, tiros, bombas e ruídos de sala para criar o ambiente de confusão que
a presença da divisão causou em seu ataque não programado. Assim como no prólogo,
vários movimentos apresentados na imagem são reforçados pelo som de deslocamento
de helicópteros.

57
A concepção de mixagem que Murch utiliza nessa seqüência é a mesma que usará em
todas as seqüências de batalha em “Apocalipse”. Apenas três grupos temáticos de
elementos sonoros (tais como helicópteros, tiros, explosões, vozes, passos) são ouvidos
simultaneamente. Enquanto um dos grupos ocupa o primeiro plano da trilha sonora
(normalmente um detalhe do plano de imagem), o segundo grupo é mixado com menos
intensidade para dar a continuidade sonora e o terceiro grupo, com volume menos intenso
ainda, entra ou sai em “fade”. Esta é a forma que Murch encontrou para que todos esses
sons possam ser ouvidos claramente. É a velocidade que os grupos temáticos são
trocados na trilha sonora que gera o ritmo interno da mesma. Quanto maior a mudança
desses grupos dentro da trilha sonora, através dos diferentes níveis de intensidade da
trilha e dos próprios grupos formadores dessa trilha, maior será o ritmo criado na
seqüência.

Durante a chegada do navio, um bebê chorando e ruídos de armas sendo carregadas


tomam o primeiro plano de som enquanto helicópteros e vozerio ficam em segundo e
terceiro plano respectivamente. Quando Willard desembarca, os sons do segundo e
terceiro plano dão um passo a frente enquanto um tiroteio ocupa o terceiro plano. Com o
fim da passagem de um helicóptero, Murch faz a entrada da “voz over” ao mesmo tempo
que mantém os ruídos de sala dos personagens e o som do carro anfíbio em terceiro
plano. Com o fim da “voz over”, uma explosão em primeiro plano recupera o ambiente do
local. A voz de um diretor de cinema (o próprio Coppola) entra em segundo plano de som
e passa para primeiro quando a equipe de filmagem aparece em quadro. Os ruídos de
sala voltam para o segundo plano de som, enquanto helicópteros e o som de fogo sendo
lançado por um tanque entram em terceiro plano de som, substituindo a voz do diretor
quando são vistos em cena. A saída “em off” de um helicóptero permite que as vozes dos
personagens fiquem em primeiro plano.

58
Durante a conversa de Willard com Kilgore, helicópteros, tiros, um padre rezando, choro
de bebês, bomba, vozerios indefinidos e ruídos de sala ficam trocando de posição na
trilha sonora. O ruído de uma bomba estourando é usado para reforçar Kilgore abrindo o
baralho. Há uma pausa dos ruídos ambientes quando Kilgore dá água a um vietnamita
ferido. Na conversa de Kilgore com Lance, a troca incessante dos sons que compõem a
trilha de ambiente volta a acontecer. A seqüência termina com a imagem de um
helicóptero carregando uma vaca. Na trilha sonora, Murch encerra a seqüência com os
berros do animal em primeiro plano de som, o helicóptero (levemente eletrônico
compondo com o inusitado da cena) e os soldados rezando fazem os segundo e terceiro
planos. Um acorde musical faz a ponte sonora para a seqüência seguinte.

A seqüência 08 começa com um “travelling” mostrando os soldados da Cavalaria do Ar


fazendo um churrasco à noite. A “voz over” de Willard toma o primeiro plano de som
enquanto fogueiras, vozerio e explosões de baixa freqüência completam a trilha sonora.
Quando a câmera termina o “travelling” mostrando Willard e Kilgore, há uma respiração
no uso da “voz over”, trazendo as vozes das pessoas em quadro falando e cantando e os
ruídos de sala do cozinheiro do churrasco. A “voz over” volta à trilha sonora ainda no
mesmo plano e só acaba quando Kilgore começa a falar em primeiro plano de imagem e
som. Não há mudanças nos outros componentes da trilha sonora. No meio do monólogo
final de Kilgore, ouve-se alguém “em off” cantarolando o “To-Yo-Ho” e anunciando a
seqüência por vir. Pouco antes do final do monólogo, hélices de helicópteros começam a
ser ligadas. No corte para a seqüência seguinte, as hélices em pleno funcionamento
ocupam o primeiro plano de som.

As seqüências 09 e 10 são seqüências de passagem para o ataque à aldeia da seqüência


11. Na primeira delas, os helicópteros em primeiro plano são completados na trilha sonora
pelos ruídos de sala dos soldados que atravessam o quadro. A conversa de Chef dentro
do helicóptero leva o som das hélices a segundo plano de som. Um corneteiro entra em
primeiro plano de som anunciando a partida. Isso dá a deixa para a entrada da trilha
musical que toma toda a trilha sonora no início da seqüência 10.

59
A fusão para primeiro plano do rosto de Willard faz a mudança de cena para dentro do
helicóptero. A música sai em “fade” enquanto os diálogos ocupam o primeiro plano de
som e as hélices dos helicópteros, ouvidas de dentro da cabine, completam a trilha
sonora. A mudança do timbre das hélices marca a mudança espacial para o diálogo de
Chef com outro soldado. Na volta para Kilgore, as hélices estão menos intensas abrindo
espaço sonoro para a entrada da ária “To-Yo-Ho” da “Cavalgada das Valquírias”.

O corte para a externa do helicóptero inicia a seqüência 11. “To-Yo-Ho” tem uma
intensidade constante durante a seqüência, dando continuidade à trilha sonora, enquanto
ruídos diferentes a cada plano, tais como soldados batendo em bombas ou em seus
capacetes, engatilhando armas, além de diferentes timbres de hélices e motores, criam
destaques de leitura da imagem. O corte para a cena seguinte interrompe a área sem que
se complete o tema principal.

A primeira cena da aldeia vietnamita é apresentada por leves pássaros e um cachorro


latindo que criam um ambiente leve. As vozes das crianças que saem da sala de aula
cantando completam a inocência do espaço. As vozes se dispersam e são substituídas
pelas da professora e da soldado com seus respectivos ruídos de sala. Um sino entra em
primeiro plano anunciando o futuro ataque. Enquanto as crianças saem de quadro, ouve-
se em terceiro plano de som o “To-Yo-Ho”.

A mesma intensidade de música é mantida no corte para os helicópteros se aproximando


da praia. No plano seguinte, a câmera ocupa um lugar entre os helicópteros. A ária passa,
então, para primeiro plano de som e hélices agudas de helicópteros são ouvidas em
segundo plano. O fim de uma frase musical leva ao plano dos vietnamitas correndo pela
ponte. A ária cai em intensidade e ganha reverberação. As hélices passam a ser ouvidas
com um timbre grave. A característica sonora da música não é modificada por um longo
tempo, dando continuidade à cena. Apenas a mudança do timbre das hélices indica a
proximidade dos atacantes. Para alterar a sonoridade da música, Murch se aproveita da
linha melódica do “To-Yo-Ho” e cria um ruído de hélices que tem o mesmo desenho da
melodia. Assim, a ária não é escondida pelo ruído sem perder continuidade. No plano
seguinte, a aldeia sendo vista pelo piloto de helicóptero, fica quase imperceptível que a
música não sofreu transformação.

60
O fim do canto do soprano traz a volta do tema da “Cavalgada” com uma entrada
grandiosa da orquestra. O tempo forte dessa entrada é também o tempo forte para o
começo do ataque. (Fica clara a intenção de criar toda essa parte da seqüência pela
música, pelo canto do soprano, pelo não uso da voz de Kilgore falando no headset em
primeiro plano) A primeira forma que a trilha sonora tem durante o ataque é a trilha
musical sendo mantida em primeiro plano, tiros e vozes dos pilotos variando em segundo
plano conforme a imagem mostra a aldeia ou o interior do helicópteros e, em terceiro
plano, o som das hélices. Na explosão da casa simultânea à chegada dos helicópteros
sobre a aldeia, Murch faz um respiro na música, colocando-a em segundo plano e traz
para a frente o som de explosões e tiros. As vozes dos soldados ficam variando entre
segundo e terceiro planos de som.

O fim da primeira entrada do soprano (uma nota longa) é associado a um longo plano
rasante sobre as copas das árvores encerrando a primeira parte da seqüência – marcada
pela grandiosidade e por planos onde os helicópteros e as armas e explosões são os
elementos principais. A segunda etapa é intermediária na troca do personagem principal:
se na primeira etapa são as máquinas, na terceira, são os soldados norte-americanos.
Nesse fragmento intermediário, planos de batalha são montados com planos de falas dos
soldados. A trilha sonora segue uma constância com a música, ocupando o segundo
plano com dois desenhos diferentes: orquestra sem soprano e soprano sem orquestra,
ambas com reverberação para diminuir sua presença. O primeiro plano de som é ocupado
por vozes ou tiros seguindo a imagem. Já no terceiro plano, continuam as hélices que se
alternam entre as de timbres agudos e de timbres graves para os planos mais próximos e
mais afastados dos helicópteros. Outro plano rasante, desta vez sobre uma nuvem de
fumaça, faz uma cortina para o início da terceira parte da seqüência. A trilha sonora
aproveita a mesma cortina para encerrar “To-Yo-Ho” em “fade out”.

61
O terceiro bloco é composto por duas cenas: a perseguição e destruição do carro sobre a
ponte e o helicóptero de Kilgore sendo atingido. Vozes humanas estão sempre em
primeiro plano de som, sejam elas ouvidas ou não pelos fones de ouvido. Em segundo
plano, entram bombas e tiros, enquanto o terceiro plano se mantém constante. A volta da
“Cavalgada das Valquírias” marca o início da quarta parte da seqüência: o desembarcar
da companhia e ataque à aldeia pelo solo. Tanto a imagem como o som retomam a
estrutura da primeira parte. A exceção se dá em uma curta cena onde um soldado se
recusa a descer do helicóptero. Nesse momento, há uma interrupção da música para que
a voz do soldado seja ouvida em primeiro plano. No fim da cena, “To-Yo-Ho” volta a
dominar a trilha sonora até desaparecer três planos depois por baixo do som de vasos
explodindo. A partir daí, o filme retoma seu foco principal nos soldados até o fim da
seqüência. Na trilha sonora, as vozes sincrônicas com a imagem ocupam o primeiro plano
de som. No terceiro plano de som, alternam-se explosões, tiros e helicópteros, enquanto o
segundo plano de som apresenta um vozerio dos soldados americanos, reforçando ainda
mais a opção pelo humano a partir desse ponto.

A seqüência 12 tem em Kilgore seu elemento principal. Mesmo sendo em continuidade


imediata de tempo e espaço, ou seja, durante o ataque, Murch esvazia o sons da batalha
para centralizar a atenção em Kilgore. O primeiro som retirado da trilha sonora é dos
helicópteros. Murch se aproveita do primeiro plano de mar logo após o desembarque de
Kilgore para trazer o som das ondas e, por baixo dele, esconder a saída do ruído das
hélices. Esse ruído permaneceu contínuo desde o início da seqüência anterior, servindo
como elemento de constante tensão. Sua retirada cria um novo espaço sonoro sem a
presença ostensiva da batalha. Os helicópteros ouvidos a partir daí cruzam a tela e
passam a ser elementos pontuais, assim como os ruídos de tiros de metralhadoras e
bombas que ocupam o terceiro plano de som. Logo após o barco ser jogado no rio, os
tiros e as explosões diminuem em ritmo até sumirem completamente no monólogo final de
Kilgore.

62
A entrada da trilha musical sobre o plano de Willard traz o início e segue por toda
seqüência 13. Na parte externa do barco, também as vozes dos soldados e os ruídos de
sala são audíveis. Quando Willard se fecha na cabine, apenas sua voz em “over”
acompanha a música que sai durante o plano do barco andando pelo rio e encerrando a
seqüência.

A seqüência 14 apresenta outra inovação de Murch na criação da trilha sonora


cinematográfica. Conservando a idéia de usar a trilha de ambientes para expressar as
emoções dos personagens, Murch faz uso de uma característica da audição humana: a
audição seletiva. A audição seletiva permite que selecionemos um som entre vários
outros para ser ouvido. Ela é o mecanismo utilizado cada vez que procuramos alguma
informação sonora. Nessa seqüência, Chef decide catar mangas para preparar um
chutney. Ela se inicia com as vozes no barco subindo em “fade” até alcançar o primeiro
plano e muitos pássaros ocupando o resto da trilha sonora. Esses sons se misturam a
outros animais da floresta quando Willard e Chef se embrenham no mato. Quando Chef
pára para urinar, Willard ouve um ruído semelhante a alguém pisando em folhas secas.
Diante do perigo da existência de vietnamitas no lugar, Willard se concentra para tentar
achar a origem do som. A floresta se cala e a trilha sonora passa a acompanhar as
escolhas sonoras de Willard. Na revelação que o ruído havia sido feito por um tigre, a
floresta volta à intensidade original. A sobreposição de vozes gritadas, os sons de tiros e
do motor do barco reforçam a confusão do fim da seqüência.

Sob o primeiro plano do rosto de Willard, os gritos do Chef começam a sair em “fade” e
são substituídos pela trilha musical, marcando o início da seqüência 15. Esta seqüência é
composta de duas cenas onde Willard lê mais sobre Kurtz. A estrutura sonora é idêntica à
da seqüência 06 – “voz over”, musica e ruídos de sala. Entre essas duas, há uma
pequena outra cena que apresenta os soldados no barco, construída apenas com as
vozes desses personagens.

63
O som de bateria muito ao longe junto com um feixe de luz sobre o rosto de Willard dão
início à seqüência 16. A medida que o barco se aproxima do palco armado sobre as
águas, o som da bateria cresce em intensidade e presença e é somado ao ruído de grilos.
Dentro da base militar, vozes gritando em segundo plano e ruídos de caixas sendo
movidas compõem a trilha sonora. O som e a imagem da aproximação de um helicóptero
iniciam a seqüência 17. Com a aparição dos soldados na platéia, gritos se somam ao
helicóptero. A seqüência segue com a trilha musical vinda dos alto-falantes se alternando
com os gritos e as palmas dos soldados como elemento principal da trilha sonora. No
meio da seqüência, a música se torna instrumental para abrir espaço para pequenas falas
dos soldados e das coelhinhas da Playboy e cai para terceiro plano de som durante a
invasão do palco pelos soldados – onde os ruídos de sala e as vozes sobem para
primeiro plano e o som do helicóptero partindo entra em segundo plano. A entrada da
trilha musical extra-diegética substitui o vozerio e cria a possibilidade da saída da canção
diegética em um lento “fade”. Durante a “voz over” de Willard que encerra a seqüência,
apenas o ruído do helicóptero partindo é ouvido.

A ponte sonora para a seqüência 18 é feita pela entrada das vozes de Chef e Mr. Clean
conversando. Inicialmente, essa conversa é apresentada como se estivesse acontecendo
na base militar pois Willard reage com a cabeça à primeira fala. Porém, com o corte para
o plano do barco andando pelo rio, vemos os personagens conversando em sincronia
com a imagem, revelando que as primeiras falas eram, na verdade, um “overlap” de áudio
entre as duas seqüências. Apenas os ruídos sincrônicos à imagem (água sendo
esparramada, extintor de incêndio), o motor do barco e as vozes dos soldados são
ouvidas nesse trecho do filme. O som diegético de Mr. Clean tocando baquetas no casco
do navio é usado para trazer a trilha musical composta para o filme, que inicia mais uma
seqüência de Willard estudando sobre Kurtz. Assim como nos casos anteriores, a
estrutura sonora da seqüência 06 é repetida.

A seqüência 19 é composta por quatro cenas. A primeira e a última seguem a estrutura da


seqüência 06, enquanto a segunda cena continua a opção sonora da seqüência 18. Na
última cena, onde Chief dá ordens aos seus comandados, a música segue contínua sob
os diálogos para tencionar a cena.

64
A seqüência 20 inicia com alguns juncos navegando pelo rio. A trilha musical cai para
terceiro plano de som até desaparecer no momento que Chief resolve investigar um dos
juncos. A partir desse ponto, não há qualquer outro som na trilha que não seja vindo de
um dos dois barcos. Dessa forma, toda a nossa atenção é concentrada nesses
personagens. O quantidade e densidade dos ruídos refletem os três diferentes momentos
da seqüência. No início, sons esparsos de animais criam um ambiente de tranqüilidade. A
medida que as vozes dos soldados começam a se sobrepor, quando Chef vai investigar
dento do barco, os ruídos também são sobrepostos para aumentar o ritmo interno da
seqüência. Os tiros de metralhadora encobrem todos os outros ruídos, causando impacto
durante seu uso. A revelação da vietnamita estar viva é feita sob tensão marcada na trilha
sonora pelo uso contínuo de estridentes cacarejos. Depois da morte da camponesa,
Murch opta por esvaziar a sonoridade da seqüência encerrando o som das galinha e
substituindo por sons pontuais de um pássaro em vôo. O “fade” para preto da imagem é
acompanhado por um “fade out” no som.

A trilha musical inicia uma nota grave ainda na ponta preta. Na abertura da imagem,
vemos o barco se movendo pelo rio enquanto ouvimos Willard “em over” – seguindo o
padrão da seqüência 06. Sons de explosões, junto com o aparecimento da imagem da
ponte, fazem a passagem para a seqüência seguinte.

Ao contrário da maioria das seqüências de Apocalipse, onde a música composta é


associada a seqüências de passagem ou às leituras de Willard sobre Kurtz, ela
acompanha grande parte da seqüência 21, possivelmente a seqüência mais alegórica do
filme. Esta seqüência é isolada do resto de Apocalipse por duas pontas pretas. Sua
estrutura sonora é apoiada na música extra-diegética, com exceção da cena da trincheira
onde também há música mas, desta vez, diegética. Os demais elementos sonoros –
morteiros, explosões, tiros de metralhadoras – também são utilizados para a formação de
um clima onírico, assim como os gritos em “off” dos vietnamitas.

65
A música da seqüência anterior atravessa a ponta preta e termina na primeira imagem da
seqüência 22 – um plano traseiro do barco pelo rio. Uma nova composição original para o
filme inicia logo em seguida, criando um clima de tensão sob as imagens dos soldados
recebendo cartas. Uma segunda cena acontece quando Willard recebe suas novas
ordens. A estrutura “voz over”-música é repetida. No fim da leitura da carta, a trilha
musical retoma o tema inicial da seqüência. Em seguida, Lance começa a soltar fumaça,
gerando confusão no barco. A trilha sonora acentu a confusão, alterando constantemente
a intensidade entre os elementos formadores da trilha sonora: o ruído do spray de
fumaça, os comentários de Chef, a voz da mãe de Mr. Clean no gravador e os gritos de
Lance. Apenas a música permanece constante em segundo plano de som.

Ao primeiro disparo de morteiro na imagem, a trilha sonora é bruscamente substituída


pelos sons de batalha (morteiros e tiros) em primeiro plano de som e reações dos
ocupantes do barco em segundo plano. Por esse corte de som, Murch repete no
espectador a surpresa dos soldados. No fim do ataque, resta na trilha sonora apenas o
motor do barco. A trilha sonora original é retomada na descoberta da morte de Mr. Clean.
Somam-se a ela na trilha sonora as reações dos companheiros e a voz da mãe vinda do
gravador, que comenta a festa que está sendo preparada para a volta de Mr. Clean. Essa
voz constante em segundo plano de som aumenta a tragédia da morte. Pouco depois do
fim da gravação, a trilha musical passa a ser o único elemento formador da trilha sonora.

A música continua como elemento único durante todo início da seqüência 23, enquanto o
barco atravessa o rio em meio a brumas. Quando a câmera volta a se deter nos
personagens, gritos vindos da margem do rio entram em segundo plano de som, criando
um ambiente fantasmagórico que é reforçado pelos gritos de Lance dentro do barco. A
medida que o barco avança, músicas e apitos se misturam às vozes, criando uma
sonoridade ainda mais ameaçadora. Com a entrada da voz de Willard, há a saída da
música original. Durante a fala “over”, os gritos e a música diegética vão sendo reduzidos
até sobrar apenas o som de grilos no final da “voz over”. Esse recurso cria um ambiente
quase silencioso que abre espaço para o som de lanças se deslocando no ar,
acompanhando o novo ataque na imagem.

66
Mais uma vez, Murch cria um susto no espectador. Se em poucas cenas atrás, o recurso
usado foi o corte bruto, desta vez há uma nova opção: o esvaziamento da trilha sonora
sob a voz de Willard, um breve momento de descanso da audição e o impacto da entrada
do novo som. Com a saída brusca do barco, o som do seu motor toma o primeiro plano,
deixando o som das lanças em segundo plano junto com os tiros e as reações dos
personagens no último plano de som. Durante a conversa de Chef com Willard, as lanças
são reduzidas em intensidade. Por baixo delas, voltam os gritos das pessoas na beira do
rio enquanto os tiros são ouvidos apenas nos intervalos do diálogo. No fim da conversa,
os tiros voltam a ser constantes no primeiro plano de som, o motor do barco volta ser
ouvido fortemente e pássaros emitindo sons agudos são somados à trilha. Esse caos
sonoro segue até que o deslocamento de uma lança entra em primeiro plano de som e a
imagem revela Chief sendo alvejado. Nesse momento, o som do motor do barco é
drasticamente reduzido e todos os tiros e lanças se calam. Durante a queda de Chief, os
pássaros também são retirados em “fade”, restando na trilha sonora apenas o som grave
do motor do barco sendo usado como um elemento de tensão. Quando Chief e Willard
tentam matar um ao outro, esse ruído sobe lentamente em intensidade e desaparece
completamente com a morte de Chief. Murch faz um uso quase musical do ruído, fazendo
com que as alterações de intensidade reflitam a raiva e a morte do personagem.

A trilha musical é retomada no início da seqüência 24, onde o corpo de Chief é lançado ao
rio e Chef resolve acompanhar Willard no barco. Na trilha sonora, a conversa entre Chef e
Willard se mantém todo o tempo em primeiro plano junto com os ruídos de sala enquanto
a música sublinha o enterro em segundo plano. Grilos e leves pássaros seguem em
terceiro plano de som.

Na seqüência 25, Willard rasga todos os documentos sobre Kurtz e joga-os no rio. Pela
primeira vez, há uma mudança na estrutura usual das seqüências de voz “over”. O som
dos animais da floresta continuam presentes na trilha sonora e só são reduzidos em
intensidade junto com a música quando Willard encontra os seguidores de Kurtz no rio,
dando início à seqüência 26.

67
Junto à música e aos animais, os ruídos dos remos na água são acrescentados à trilha
sonora. Ao se aproximarem da escadaria que leva à cidade de Kurtz, a voz “off” do
Fotógrafo começa a conversar com Chef à distância. Um som forte de sirene encobre
todos os sons anteriores e permite a criação de um novo espaço sonoro sob a conversa
de Willard com o Fotógrafo. Esse espaço é composto de som de cigarras e eventuais
pássaros nos intervalos de fala. Quando os personagens entram na cidade, vozes e sons
musicais são acrescentados à trilha sonora ressaltando a presença de muitas pessoas
naquele lugar. A trilha musical é somada aos outros sons quando Willard se aproxima de
Colby e permanece até o fim da seqüência em terceiro plano de som. O som de uma
corda sendo cortada faz a ponte sonora para a seqüência seguinte.

Durante a seqüência 27, a conversa de Willard com Chef dentro do barco é sempre
ouvida em primeiro plano de som. Animais e música diegética continuam em segundo
plano. Quando Willard ordena a destruição da aldeia caso ele não volte, a trilha musical é
retomada – inicialmente em terceiro plano de som e, depois do fim do diálogo, ocupa o
primeiro plano de som e faz a ponte sonora para a seqüência 28.

Essa seqüência começa com Willard andando na chuva cujo ruído é acrescentado na
trilha sonora. Música e chuva continuam presentes durante o “voz over” de Willard,
comentando a loucura de Kurtz. No intervalo do monólogo de Willard, um canto ritual
começa a subir em “fade” e chega a primeiro plano de som quando Willard é agarrado.
Junto com os planos da câmera girando enquanto Willard é virado de cabeça para baixo,
som muito agudo de grilos intensificam a cena. Esses grilos são usados como ponte
sonora para a próxima seqüência.

A seqüência 29 apresenta o primeiro encontro de Willard com Kurtz. O ambiente da casa


de Kurtz permanece o mesmo durante toda a seqüência: os grilos que iniciaram na
seqüência anterior e sons de água corrente ou pingando. É através dos sons de água que
Murch cria profundidade no espaço interno da casa. A reverberação nas vozes de Willard
e Kurtz completam a sensação de um lugar grande e fechado. Quando Kurtz conta a
Willard que sabe qual a sua missão, a trilha musical volta ao segundo plano de som e
continua até o fim da seqüência, reforçando o diálogo sobre a morte de Kurtz.

68
O silêncio do ambiente de Kurtz é quebrado no início da seqüência 30. Enquanto o
Fotógrafo caminha em direção à cela de Willard, podemos ouvir moscas rondando os
cadáveres pendurados, cigarras, pássaros e outros animais da selva, porcos, voz de
criança falando, vozes de homens cantando, eventuais gritos masculinos e ruídos de
folhas balançando ao vento. Esta trilha de ambiente cria o movimentado espaço da cidade
comandada por Kurtz. O diálogo entre Willard e o Fotógrafo permanece sempre em
primeiro plano de som. Murch, mais uma vez, faz uso dos sons ambiente de forma não-
naturalista para intensificar o discurso do Fotógrafo em defesa de Kurtz. A medida que o
Fotógrafo se exalta, os animais que compõem a trilha de ambiente vão ficando mais
intensos até que, no ápice da fala do Fotógrafo, todos os animais que compõem o
ambiente estão gritando. Para intensificar ainda mais o final da cena, Murch soma aos
gritos o som em “off” de batidas ritmadas às vozes cantando. No fim da seqüência, o
Fotógrafo se acalma assim como os sons ambientes.

A seqüência 31 começa por corte seco de som e imagem. O monólogo de Chef é ouvido
em primeiro plano, enquanto uma música original marca o tempo em segundo plano. Uma
chuva pesada e grave completa a trilha sonora em terceiro plano. No fim da cena,
ouvimos Chef fazer contato pelo rádio com o ataque aéreo. Em seguida, há um corte seco
para os pés de Kurtz andando. A presença da chuva é intensificada pelo acréscimo de um
ruído mais agudo de água caindo. Trovões também são acrescentados à trilha sonora. A
música que começara na cena anterior cresce em intensidade até a revelação do rosto de
Kurtz, quando atinge seu auge, para desaparecer em seguida. A partir desse momento,
os trovões fazem a marcação de tempo antes realizada pela música.

A trilha musical volta no início da seqüência 32 com uma panorâmica descendente sobre
a floresta, que desaparece em fusão sob a imagem de Willard sendo levado à casa de
Kurtz. A música permanece em primeiro plano até Kurtz começar a ler seus textos. Nesta
primeira parte, apenas os ruídos de sala acompanham a música. No fim do diálogo entre
Willard e o Fotógrafo, a trilha musical volta ao segundo plano de som deixando espaço no
primeiro plano para a “voz over” de Willard.

69
O início do monólogo de Kurtz é também o início da seqüência 33. A trilha sonora não
sofre alteração durante toda a seqüência: a voz de Kurtz em primeiro plano e a
continuação da musica original, numa intensidade menor ainda que na seqüência anterior.
Quando Kurtz pede para Willard contar a verdade para seu filho, a música volta a crescer
em intensidade. Em um suave “fade”, entra a música e o ambiente de vozes que
compõem a sonoridade básica da seqüência 34.

No início da seqüência 34, vemos Kurtz parado na frente da sua casa e, em seguida, seus
seguidores participando de um ritual. No fim da “voz over” de Willard, a música e o vozerio
da cerimônia passam a ser os elementos principais da trilha sonora. Além deles, ouve-se
ainda os ruídos de sala e trovões, estes últimos em primeiríssimo plano de som.

O corte para Willard no barco marca o início da seqüência 35. Também por corte os sons
do ritual são substituídos por uma voz vinda do rádio pedindo confirmação de recepção da
transmissão. Com o início da “voz over” de Willard, o rádio desaparece. Durante todo o
texto, a canção “The End” é retomada por um lentíssimo “fade” de entrada que no fim do
monólogo assume o primeiro plano de som. No corte de imagem para a cerimônia, “The
End” não sofre alteração de intensidade. Os sons do ritual são retomados em terceiro
plano de som. Apenas eventuais trovões completam a trilha sonora durante a
aproximação de Willard da casa de Kurtz. Ao descobrir Kurtz lendo, “The End” cai para
segundo plano de som, enquanto a voz de Kurtz ocupa o espaço sonoro principal. No fim
do texto, “The End” passa a ser o único elemento da trilha sonora. Os ataques fortes da
canção servem para acentuar as facadas de Willard em Kurtz e dos seus servidores no
boi. O fim da canção é marcado por um trovão que anuncia as últimas palavras de Kurtz:
”the horror”. Com sua morte, há uma respiração de silêncio na trilha sonora. Em seguida,
a música original passa a ser o único elemento da trilha sonora. A medida que Willard
caminha entre habitantes da cidade, os ruídos de sala são retomados em segundo plano
de som, recriando o vínculo naturalista com a imagem. O fim da música acontece com o
plano do barco partindo.

70
O silêncio inicia a última seqüência do filme. Logo depois, uma voz vinda do rádio traz a
volta da música e do ruído de chuva. Durante a fusão de imagens que mostra
helicópteros, voltamos a ouvir as últimas palavras de Kurtz. A imagem acaba em um
“fade” para preto enquanto a chuva prossegue um pouco mais pela ponta preta. Os
créditos do filme são acompanhados por música original.

71
A INFLUÊNCIA DO PESAMENTO SONORO DE MURCH NO MEU TRABALHO

Além do trabalho que desenvolvo no Departamento de Cinema, Rádio e Televisão da


ECA/USP, como docente e como pesquisador da trilha sonora cinematográfica, tenho
aplicado o conhecimento adquirido nessas funções como criador de trilhas sonoras para
filmes de curta e longa-metragens nos últimos dezesseis anos. E é nessa área de atuação
que a influência de Murch mais se faz sentir. Se em meus primeiros trabalhos essa
influência não havia ainda sido racionalizada, a partir dos estudos realizados para esta
tese ela se torna clara e, em alguns filmes, tentei expandir a forma que Murch pensa a
relação audiovisual.

Em 1989, dois curta-metragens nos quais fui responsável pelo som já apresentam uma
procura de dar a todos os elementos formadores da trilha sonora a mesma importância
quer sejam vozes, músicas ou ruídos. Em História Familiar35, de Tata Amaral, um casal
tenta namorar enquanto assistem televisão e comem pizza. O som do filme que passa na
TV (A Força de um Amor, de Jim McBride) é “mixado” com a mesma intensidade que as
vozes das personagens principais, transformando-o no terceiro personagem do filme a
ponto de participar dos diálogos do casal. Os ruídos do marido na cozinha da casa,
preparando a pizza para ser servida na sala, também seguem o mesmo princípio de
mixagem e se tornam elementos tão informativos quanto o texto dos diálogos entre os
atores. É igualmente em História Familiar que começo a desenvolver o uso dos sons em
“off” para criar paralelismo de ação e camadas sonoras de diferentes intensidades que
permitem ao espectador criar um foco sonoro.

O outro filme desse ano que segue os caminhos traçados por Murch é Amargo Prazer36,
de Roberto Moreira, um filme sobre a destruição de um relacionamento amoroso. Se no
meu trabalho anterior a procura da unidade sonora era dada por uma valorização igual de
todos os elementos presentes na trilha, desta vez o elemento unificador é o silêncio. A
ausência de som tem a mesma carga de informação que as palavras, as músicas e os
ruídos. É o silêncio que reflete a desassociação do casal e que faz com que cada som
audível seja lido com destaque pelo espectador.

35
História Familiar. Direção: Tata Amaral, 35mm, 13 min., cor, 1989
36
Amargo Prazer. Direção: Roberto Moreira, 35mm., 9 min., cor, 1990

72
Em 1991, meu trabalho em Moleque de Rua: O Nobre Pacto 37 , de Márcio Ferrari,
continua a mesma linha de pesquisa. Este curta-metragem apresenta um grupo de
música da periferia de São Paulo que faz seus instrumentos a partir de materiais
reciclados como tubos de PVC e latas de óleo. O conceito de Murch de pensar os
elementos da trilha sonora como instrumentos musicais volta a ser adotado. Em Moleque
de Rua, o trem, os carrinhos de rolemã e os ruídos urbanos da Vila Santa Catarina têm a
mesma importância que as canções do grupo. A ausência de som também é trabalhada
no filme como informação sonora tão importante quanto as anteriores.

O uso não-naturalista da trilha de ruídos começa a ser experimentado em A Princesa


Radar 38 , de Roberto Moreira, em 1992. O paraíso em que os indígenas viviam é
construído por sons que não respeitam o objeto visual e sim sua significação na história.
No ano seguinte, outro curta-metragem é influenciado por Murch. Noite Final Menos
Cinco Minutos39, de Débora Waldman, segue a linha não-naturalista. Ao acompanhar a
história de uma mulher viajando em seu carro, faço uso de gritos de animais selvagens
para enfatizar os assassinatos que ocorrem ao mesmo que tempo que mantenho os
ruídos de sala em primeiro plano de som, vinculando o espectador à imagem.

Já em 1994, em Expresso40, de Michael Ruman, um “road movie” com perseguições de


carros e helicópteros, é aplicada a regra de Murch para o ataque à aldeia em Apocalipse:
mixar simultaneamente apenas três grupos de elementos sonoros e renovar sempre a
audição do espectador pela alteração de intensidade entre esses grupos em intensidade
ou pela substituição de um deles por outro grupo de sons.

37
Moleque de Rua: O Nobre Pacto. Direção: Márcio Ferrari, 35mm, 15 min., cor, 1991
38
A Princesa Radar. Direção: Roberto Moreira, 35mm., 15 min., cor, 1992
39
Noite Final Menos Cinco Minutos. Direção: Débora Waldman, 35mm., 10 min., cor, 1993.
40
Expresso. Direção: Michael Ruman, 35mm, 11 min., cor, 1994

73
Mas é apenas a partir de 1996 que passo a executar a criação de trilhas sonoras tendo
consciência do pensamento sonoro de Walter Murch. No longa-metragem Um Céu de
Estrelas41, de Tata Amaral, utilizo várias idéias de Murch para contar a história de uma
cabeleireira (Dalva) que é confinada em casa pelo ex-namorado (Vítor) e passa a viver
situações limite enquanto sua casa é cercada pela polícia e pela imprensa. A trilha de
ambientes do filme acompanha os diferentes estados emocionais de Dalva. Se no início
da história Dalva se encontra feliz pela possibilidade de mudar de vida, os ruídos que
cercam a casa refletem essa alegria: pássaros e meninos brincando.

A medida que a situação do casal vai se tornando mais pesada, sons graves, violentos e
cortantes vão sendo acrescentados à trilha. Sirenes de polícia, deslocamento de
motocicletas, camburões e helicópteros em alta velocidade se somam a latidos
constantes de cachorros e à criação do caos. Sob os diálogos, nos momentos de tensão,
dois sons graves mantêm o nervosismo das cenas. No corredor e na sala, um motor de
camburão acelerando constantemente e, na cozinha, uma geladeira são responsáveis por
essa sustentação. Já os momentos de respiração do filme são acompanhados na trilha de
ambientes pelo silêncio.

Alguns ruídos pontuais expressam o estado emocional dos personagens. Na


apresentação de Vítor, há um trem passando perto da casa. Esse trem será retomado
algumas seqüências depois, não mais com uma função naturalista e sim para manifestar
a angústia de Dalva, representada na imagem em um plano subjetivo de seu olhar pela
janela da casa. A passagem de um estrondoso avião sublinha um dos momentos que
Dalva se isola em seu interior. Uma sirene de polícia também é utilizada durante a
seqüência de felação para criar o pulso interno da cena.

Outro recurso criado por Murch que utilizo em Um Céu de Estrelas é acompanhamento
do estímulo visual por um estímulo sonoro que tenha o mesmo movimento e o mesmo
tom da imagem. Todos os deslocamentos de Dalva e Vítor pelo corredor da casa são

41
Um Céu de Estrelas. Direção: Tata Amaral, 35mm., 75 min., cor, 1996.

74
acompanhados pelos ruídos de deslocamento de carros ou motos de polícia, ampliando a
sensação de movimento.

Em 1998, outros dois curta-metragens me permitiram continuar a pesquisa do uso de


ruídos de forma musical. Em Kyrie ou o Início do Caos, de Débora Waldman, a
representação do pesadelo do personagem principal é externada de diferentes formas e
intensidades sonoras. Sons pertencentes ao dia-a-dia do mundo urbano são usados
sobrepostos a eles mesmos com um leve atraso entre seus momentos de entrada. O
simples ruído de um despertador ganha uma função musical ao ser superposto ao mesmo
som, gerando um efeito de caos sonoro. Em outra seqüência, ruídos diversos de grandes
máquinas industriais são usados como instrumentos de uma orquestra para a criação da
trilha sonora de uma fuga desesperada.

Já em A Voz e o Vazio – A Vez de Vassourinha42, de Carlos Adriano, ruídos típicos dos


discos de vinil (como agulha caindo sobre disco ou escorregando por ele, chiado e o
movimento cíclico da agulha no fim do disco) são montados com e entre as canções de
Vassourinha e mixados com a mesma intensidade delas. Neste filme, os ruídos da
manipulação do vinil têm a mesma importância das canções.

42
A Voz e o Vazio – A Vez de Vassourinha. Direção: Carlos Adriano, 35mm., 15 min., P& e cor, 1998.

75
Se até este momento, o pensamento sonoro de Murch serviu como inspiração para que
eu criasse seqüências ou cenas, em Através da Janela43, de Tata Amaral, uma das suas
idéias estruturou toda a trilha sonora da obra. A idéia do ambiente silencioso do escritório
de D. Corleone como um espaço sob seu controle é a fonte do uso da trilha de ambiente
neste filme. O domínio de Selma sobre seu lar é representado pelo mesmo silêncio
utilizado por Murch em O Poderoso Chefão. A medida que Selma vai perdendo esse
controle, sua casa começa a ser invadida por ruídos externos até que, no final do filme, a
porta que separa o mundo da sua casa do mundo exterior não é mais capaz de barrar o
universo que a cerca. A diferença essencial entre a realização dessas duas trilhas
sonoras é que não vi necessidade de fazer qualquer tipo de concessão naturalística como
Murch realiza, por exemplo, no fim da primeira seqüência de O Poderoso Chefão ao
colocar a orquestra afinando. Afinal, 28 anos separam um filme do outro. Hoje, depois do
trabalho de Murch, os espectadores assimilam com maior facilidade o uso não-naturalista
das trilhas de ruídos e ambientes. Então, a opção de Através da Janela foi trabalhar o
choque sonoro entre as internas e as externas da casa e não suavizar essa passagem.
Se, na primeira seqüência do filme, o interior da casa é absolutamente silencioso a ponto
dos carros que são vistos passando através da janela aberta não fazerem nenhum ruído,
na entrada da segunda seqüência, quando Selma sai para a rua, pássaros, vozes, carros
e aviões são mixados na maior intensidade possível.

No meu trabalho como docente do CTR/ECA/USP, também utilizo constantemente os


filmes de Murch. É através da clareza de suas intenções que os alunos são colocados em
contato com a função expressiva da trilha sonora. A partir daí, eles podem desenvolver
seus futuros trabalhos com a opção do uso de relações audiovisuais mais complexas.

43
Através da Janela. Direção: Tata Amaral. 35mm., 85 min., cor, 2000.

76
CONCLUSÃO

A forma de Walter Murch pensar a trilha cinematográfica influenciou e ainda influencia o

trabalho dos criadores de trilhas sonoras cinematográficas. Ela pode ser notada na

interação entre músicas e ruídos criada por Richard Beggs em O Selvagem da

Motocicleta44 ou no uso expressivo dos sons ambientes que Alan Splet faz em Veludo

Azul45 e Randy Thon, em Coração Selvagem46 ou mesmo na trilha de ruídos realizada

por Ben Burtt em Guerra nas Estrelas47. Todos eles desenhistas de som.

Até hoje, Walter Murch continua pensando a trilha sonora, abrindo novas discussões que

expandam ainda mais os limites criativos das obras audiovisuais, como nesta reflexão

sobre o som e o futuro do cinema:

“A película vai acabar desaparecendo e você irá ao cinema e vai ficar olhando pra algum

tipo de tela de cristal líquido sem linhas. Será que existe alguma diferença entre isso e a

película? O que é estranho na película é que quando você vai ao cinema e sai duas horas

depois, você ficou uma dessas horas em total escuridão. Metade do tempo você passou

olhando para uma tela preta, que é resultado do mecanismo do obturador do projetor.

Será que essa tela preta faz com que o som funcione de maneira diferente? Eu diria que

ele libera alguma parte do seu cérebro para perceber de forma diferente do que quando

você está olhando para uma emanação constante de luz, que é a televisão. Se existir a

tela de cristal líquido, ela piscaria de forma artificialmente induzida ou teria sempre luz?

44
O Selvagem da Motocicleta (Rumble Fish). Direção: Francis Ford Coppola. 35 mm., 94 min., P&B e cor,
1983.
45
Veludo Azul (Blue Velvet). Direção: David Lynch. 35 mm., 120 min., cor, 1986.
46
Coração Selvagem (Wild at Heart). Direção: David Lynch. 35mm., 125 min., cor, 1990.
47
Guerra nas Estrelas (Star Wars). Direção: George Lucas, 35mm., 121 min., cor, 1977.

77
As pessoas vão continuar indo ao cinema? Se não forem, como será sua casa? Teriam

uma televisão de cristal líquido de três por quatro metros que fique pregada na parede

fazendo um dos cantos da sala ter somente essa tela? Você aperta o canal 432, um dos

muros da sua sala desaparece e o que você vê é uma transmissão ao vivo de um vulcão

na América do Sul ou a Terra vista da Lua. Qual é o som pra isso? Se você puder

realmente sintonizar a Terra vista da Lua, ao vivo, toda nossa relação com a Terra

mudaria. Quando existir esse canal lunar 432 e você vir a Terra bem na sua frente, ao

invés de uma quarta parede, qual é o som pra isso?”48

A mais importante obra de Murch está em reacender a discussão do uso da trilha sonora

em um meio audiovisual. Uma discussão que continua até hoje. Cada vez mais, a trilha

sonora e todos os seus elementos formadores são fundamentais no processo de criação

e realização de um filme. Obras como Matrix49, Um Domingo Qualquer50 ou Um Céu de

Estrelas são estruturadas tanto na imagem e na voz, quanto na música e nos ruídos.

Qualquer tipo de hierarquização entre esses elementos desfiguraria tanto os filmes que

seria praticamente impossível sua compreensão.

48
LoBrutto, pág. 99.
49
Matrix. Direção Andy e Larry Wachowski. 35mm., 136 min., cor 1999
50
Num Domingo Qualquer. Direção: Oliver Stone. 35mm., 162 min., cor, 1999.

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Apocalipse (Apocalypse Now). Direção: Francis Ford Coppola, 35mm., 153 min., cor,
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Através da Janela. Direção: Tata Amaral. 35mm., 85 min., cor, 2000.

Caminhos Mal Traçados (The Rain People). Direção: Francis Ford Coppola, 35mm., 102
min., cor, 1969.

Um Céu de Estrelas. Direção: Tata Amaral, 35mm., 75 min., cor, 1996.

A Conversação (The Conversation). Direção: Francis Ford Coppola, 35mm., 113 min.,
cor, 1974.

Expresso. Direção: Michael Ruman, 35mm, 11 min., cor, 1994.

Ghost, do outro lado da vida (Ghost). Direção: Jerry Zucker, 35mm, 128 min., cor, 1990.

História Familiar. Direção: Tata Amaral, 35mm, 13 min., cor, 1989.

A Insustentável leveza do ser (The Unbearable Lightness of Being). Direção: Philip


Kaufman, 35mm., cor, 1988.

Julia. Direção: Fred Zinnemann, 35mm., 116 min., cor, 1977.

Kyrie ou o Início do Caos. Direção: Débora Waldman. 35mm., 14 min., cor, 1998.

Lancelot, o primeiro cavaleiro (First Knight). Direção: Jerry Zucker, 35 mm, 139 min.,
cor, 1995.

Loucuras de verão (American Graffiti). Direção: George Lucas, 35mm, 112 min., cor,
1973.

Moleque de Rua: O Nobre Pacto. Direção: Márcio Ferrari, 35mm, 15 min., cor, 1991.

O Mundo Fantástico de Oz (Return to Oz). Direção: Walter Murch, 35mm., 109 min, cor,
1985.

Noite Final Menos Cinco Minutos. Direção: Débora Waldman, 35mm., 10 min., cor,
1993.

84
O Paciente Inglês (The English Patient). Direção: Anthony Minghella, 35 mm., 160 min.,
cor, 1996.

O Poderoso Chefão (The Godfather). Direção: Francis Ford Coppola, 35mm., 175 min.,
cor, 1971.

O Poderoso Chefão II (The Godfather - Part II). Direção: Francis Ford Coppola, 35mm.,
200 min., cor, 1974.

O Poderoso Chefão III (The Godfather- Part III). Direção: Francis Ford Coppola, 35mm.,
161 min., cor, 1990.

A Princesa Radar. Direção: Roberto Moreira, 35mm., 15 min., cor, 1992.

THX 1138. Direção: George Lucas, 35mm, 88 min., cor, 1970.

A Voz e o Vazio – A Vez de Vassourinha. Direção: Carlos Adriano, 35mm., 15 min., P&B

,cor, 1998.

85

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