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Viagem em Direção ao Cume


Retiro Online com São João da Cruz

1. A vida de São e se desencadeia contra a Madre Teresa e a


João da Cruz (1542-1591) sua obra. Neste contexto difícil João é rap-
tado, e sequestrado durante nove meses no
convento do Carmo de Toledo, em condi-
João de Yepes nasceu em 1542 em ções terríveis. No entanto, este momento de
Castela numa família de tecelões pobres. abandono é para ele o crisol de uma expe-
Depois da morte do pai de João a família riência mística que se torna numa fonte:
instalou-se em Medina del Campo para fugir estando então despojado de tudo, João ex-
à miséria. Aí João entra para o Carmo com perimenta Cristo crucificado e ressuscitado
a idade de 21 anos tomando o nome de que se torna o seu Tudo. Em Agosto de 1578,
Frei João de São Matias. Seguidamente faz consegue evadir-se da prisão. Rapidamente
os seus estudos de teologia em Salamanca chega a Andaluzia onde viverá dez fecundos
onde é ordenado sacerdote, em 1567. De anos de missão, apostolado e redação de
regresso a Medina del Campo, encontra escritos espirituais.
Teresa de Jesus que acaba de aí fundar um Aos 46 anos João é enviado a Segóvia in-
segundo mosteiro de Carmelitas Descalças, vestido de altas responsabilidades. Mas riva-
depois do de Ávila. Neste jovem religioso, lidades emergem no Carmelo Descalço e ele
habitado por um grande desejo de perfei- é destituído de todos os cargos. Pede então
ção espiritual, reconhece Teresa o homem para se retirar para a solidão. Uma infeção
providencial a quem o Senhor a associa a fim grave leva-o em poucos meses. Em Úbeda,
de suscitar, no ramo masculino do Carmelo, a 14 de dezembro de 1591, parte deste mun-
uma renovação análoga àquela que ela ini- do. Canonizado em 1726, foi declarado Dou-
ciava entre as Carmelitas. Foi assim que, a tor da Igreja em 1926. Este grande poeta es-
28 de novembro de 1568, em Duruelo, João creveu quatro tratados: o Cântico Espiritual,
e alguns companheiros fundam o primeiro a Subida do Monte Carmelo, a Noite Escura
convento de Carmelitas Descalços. A par- e Chama Viva de Amor. O «Doutor místico»
tir de então passa a chamar-se Frei João da indica-nos como nos deixarmos abrasar
Cruz. pelo fogo do Espírito Santo para partici-
Em 1572, Teresa chama João a Ávila como par da vida divina; guia-nos através das nos-
confessor das Carmelitas da Encarnação. In- sas noites até à união de amor da Trindade.
felizmente, uma violenta oposição se levanta
1 Retiro Online «Quaresma 2020 com São João da Cruz» (1542-1591)
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2. A dinâmica do retiro: em direção à união com Deus

João da Cruz vai ajudar-nos durante esta lizador e comporta um aspeto obscuro.
quaresma a recentrarmo-nos no essencial. A vida espiritual passa por momentos nos
Porque, no fundo, só há uma coisa essen- quais já não sabemos bem em que ponto
cial: compreender o objetivo da nossa estamos. João exprime isto através dum
vida e como alcançá-lo. Para um cristão símbolo muito rico: a noite. De noite per-
este objetivo devia ser claro: unirmo-nos demos todas as referências habituais da
a Deus, de onde vimos e para Quem nos visão e podemos questionar-nos onde nos
dirigimos. Somos criados por Deus e des- situamos e para onde foi Deus. Se alguém
tinados a partilhar a vida de amor que cir- nos estende a mão para nos guiar na es-
cula entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. curidão teremos confiança nessa pessoa?
Mas este objetivo não deve situar-se para É Deus que nos estende a mão; mais, Ele
lá da morte, como se a nossa vida presente está disposto a levar-nos, diz João, para
tivesse pouco a ver com a vida eterna. João nos conduzir para a luz. Mas muitos «não se
da Cruz diz-nos que a união com Deus é deixam levar (…) São como as crianças que,
para agora. Chega a descrever o que pode querendo as suas mães levá-las ao colo,
ser esta experiência: a alma «é Deus por começam a patear e a chorar, teimando em
participação de Deus.» (Chama Viva de ir pelo seu pé. Deste modo não se pode
Amor B 2,34) A felicidade desta intimidade andar nada; e, se se anda, será ao passo de
divina é um dom já oferecido. Porque razão criança.»
então privarmo-nos dele? Mas como pro- (S Prol. 3)
ceder para chegar a este «matrimónio espi- Avançamos pouco no nosso caminho de
ritual», a esta união da nossa vontade com santidade porque não deixamos verda-
a do Senhor, à santidade? Como é que nos deiramente o Senhor agir na nossa vida.
tornamos santos? Além disso, faltam-nos esses «diretores
É aí que João da Cruz faz uma constata- idóneos e preparados que [nos] guiem até
ção dolorosa: preocupa-se porque «muitas ao cimo.» Eis porque João da Cruz escreve
almas estão a precisar . Começando elas o a Subida do Monte Carmelo (S) que será
caminho da virtude, Nosso Senhor quer fa- a nossa principal obra para a Quaresma.
zê-las passar por esta noite escura a fim de Ajudar-nos-á a compreender melhor como
chegarem à divina união. Elas, porém, não permitir que Deus aja nas nossas vidas. Nós,
avançam: umas vezes porque não querem que vivemos tanto no exterior de nós mes-
entrar ou não se deixam meter nela; outras mos, temos necessidade de fechar os olhos
porque não se entendem muito bem a si para ver o nosso «Pai que vê no segredo» e
mesmas e não encontram diretores idóneos que opera secretamente no fundo do nosso
e preparados que as guiem até ao cimo. » coração: só a fé discerne esta secreta pre-
(Subida do Monte Carmelo, Prólogo 3) sença interior. Nesta Quaresma, prestemos
João sabe por experiência que o caminho então atenção em primeiro lugar à nossa
para Deus é necessariamente desestabi- vida interior pela oração, o jejum e o ser-
viço. Que tudo seja novamente centrado a
1. Quando João da Cruz fala de alma, como aqui, não é para partir do nosso coração, das nossas inten-
a distinguir do corpo mas para considerar a pessoa na sua ções profundas.
dimensão espiritual. A alma é o crente na sua relação com
Deus.
Só a partir daí poderemos viver uma ver-
dadeira reconciliação com Deus e connosco
2. Para as traduções das obras de São João da Cruz utilizare-
mos a 6ª edição de Obras Completas de São João da Cruz, mesmos. Estejamos atentos às brilhantes
Doutor da Igreja, Edições Carmelo (tradução portuguesa: ‘renúncias quaresmais` por vezes mais cen-
Edições Carmelo, 2005).
tradas na nossa própria imagem (provar a

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mim próprio que consigo fazê-las) do que Senhor. Só nesse amor forte encontrare-
na procura de Deus. Talvez optemos por mos «valentia e constância para negar facil-
fazer menos coisas mas fazê-las com um mente todos os outros gostos» (I S 14, 2) e
empenhamento profundo e determinado. não nos perdermos no caminho. Todo desa-
João da Cruz convida-nos a uma «ditosa fio está, portanto, neste movimento, nesta
ventura». Partimos para uma caminhada dinâmica amorosa que nos faz sair de nós
na montanha. É tempo de descalçarmos mesmos, em plena noite, para uma fabulo-
as nossas espiritualidades de sofá e de sa aventura com Cristo. Peçamos, pois, que
calçarmos as das botas de pitons (cf. Papa a graça do Espírito Santo venha renovar os
Francisco, Homilia final das JMJ 2016 em nossos corações e despertar em nós o amor
Cracóvia)! Que devemos meter na mochila de Deus. Só esse poderoso amor nos pode
para partir nesta viagem para o desconhe- dar o impulso de partida para nos lançar-
cido? O importante, diz-nos João, é estar- mos para a frente.
mos «com ânsias, em amores inflamados» é
estarmos abrasados e feridos de amor pelo

Para nos ajudar a despertar o amor, João da Cruz coloca, ao princípio da


Subida do Monte Carmelo o poema Em uma noite escura do qual este livro
é um ensaio e comentário:
Em que alma canta a ditosa sorte e ventura que teve passar pela noite
escura da fé, na sua desnudez e purgação, até à união com o Amado.
1. Em uma noite escura, 5. Ó noite que me guiaste!
Com ânsias, em amores inflamada, Ó noite amável mais do que a alvorada!
Ó ditosa ventura! Ó noite que juntaste
Saí sem ser notada, Amado com amada,
Estando a minha casa sossegada. Amada no Amado transformada!

2. Às escuras, segura, 6. Em meu peito florido


Pela secreta escada, disfarçada, Que todo só p’ra Ele se guardava
Ó ditosa ventura! Quedou-se adormecido
No escuro e ocultada, E eu o acariciava
Estando a minha casa sossegada. E dos cedros o leque o refrescava.

3. Nessa noite ditosa, 7. Da ameia a brisa amena,


Em segredo, pois que ninguém me via, Quando eu os seus cabelos espargia,
Nem via eu mais cousa Com sua mão serena
Sem outra luz nem guia O colo me feria;
Senão a que no coração ardia. E os meus sentidos todos suspendia.

4. Só esta me guiava, 8. Quedei-me e olvidei-me,


Mais certa do que a luz do meio-dia, O rosto reclinei sobre o Amado,
Aonde me esperava Cessou tudo e deixei-me
Quem eu bem sabia, Deixando o meu cuidado
Em parte onde ninguém aparecia. Por entre as açucenas olvidado.

No decorrer da Quaresma será bom voltar regularmente a este poema que é


uma pequena obra-prima literária e mística.

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3. O programa do retiro

Ao longo das semanas da Quaresma João da Cruz conduzir-nos-á por caminhos admiráveis
a fim de nos preparar para viver a grande vigília da Páscoa, em que a escuridão dá lugar à
luz divina:
• 1ª semana: O obstáculo em nós
• 2ª semana: Só Jesus
• 3ª semana: Até ao coração
• 4ª semana: Uma caminhada noturna
• 5ª semana: Reviver
• Semana Santa: «O verdadeiro espiritual»
• Páscoa: «Nesta ditosa noite»

4. Indicações práticas

Receberá a cada sexta-feira da Quaresma uma mensagem com um resumo áudio e um


documento de 4-5 páginas para descarregar:

• Uma meditação a partir do Evangelho de domingo e de textos de João da Cruz.


• 3 pistas para pôr em prática.
• Citações curtas e ilustradas para viver cada dia com os escritos de João da Cruz.

Que o Espírito Santo o conduza ao longo desta Quaresma; que Ele o leve no seguimento de
Jesus em direção ao cume do Carmelo! Boa Quaresma em Igreja!

Fr. Jean-Alexandre de l’Agneau, OCD (Convento de Avon)

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5. Rezar cada dia da semana - Semana de Introdução

Quinta-feira depois das Cinzas, 27 de fevereiro: apegar-me


ao Senhor
«Escolhe a vida para viveres, tu e a tua descendência, amando o SENHOR, teu Deus,
escutando a sua voz e apegando-te a Ele.» (Dt 30, 19-20)

«Ó Senhor, meu Deus, quem Vos procurará com amor puro e singelo sem que Vos encontre
ao seu gosto e agrado, sabendo que Vós sois o primeiro a mostrar-Vos e a vir ao encontro
daqueles que Vos desejam?» (Ditos de Luz e de Amor 2)

Que esforço concreto, mesmo que seja muito pequenino, decido fazer para me
voltar para Deus no segredo do meu coração?

Sexta-feira depois das Cinzas,


28 de fevereiro: jejuar, sim; mas de quê?
«Hão de vir dias em que lhes será tirado o esposo, e então hão de jejuar.» (Mt 9, 15)

«Feliz daquele que, tendo posto de lado o seu gosto e afeição, vê as coisas na razão
e na justiça para as fazer.» (Ditos de Luz e de Amor 44)

Opto por oferecer ao Senhor tal coisa ou tal atividade que toma demasiada impor-
tância na minha vida. Como é que posso fazer um jejum neste aspeto, durante a
Quaresma?

Sábado depois das Cinzas, 29 de fevereiro:


Segui-Lo onde quer que Ele vá
«E ele, deixando tudo, levantou-se e seguiu-O.» (Lc 5, 28)
«Meu Deus, indo convosco, seja para onde for, em toda a parte me há de acontecer
aquilo que para Vós desejo.» (DLA 52)
Estarei verdadeiramente preparado para seguir Jesus durante esta Quaresma?
Até que ponto?

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