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ÉRICA GOMES DANIEL MONTEIRO

A GUERRA COMO SLOGAN:


VISUALIZANDO O ADVERTISING PROJECT NA PROPAGANDA COMERCIAL DA
REVISTA SELEÇÕES DO READER´S DIGEST (1942-1945)

Dissertação de Mestrado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal do Rio de Janeiro como
parte dos requisitos necessários à obtenção do
título de Mestre em História Social.

Orientador(a): Celeste Zenha

RIO DE JANEIRO
MARÇO, 2006
Livros Grátis
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Milhares de livros grátis para download.
ÉRICA GOMES DANIEL MONTEIRO

A GUERRA COMO SLOGAN:


VISUALIZANDO O ADVERTISING PROJECT NA PROPAGANDA COMERCIAL DA
REVISTA SELEÇÕES DO READER´S DIGEST (1942-1945)

Dissertação de Mestrado submetida ao


Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal do Rio de Janeiro –
UFRJ – como parte dos requisitos necessários
à obtenção do título de Mestre em História
Social.

Aprovada em março de 2006.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________
Profª. Drª. Celeste Zenha – Orientador(a)
Universidade Federal do Rio de Janeiro

___________________________________________________
Prof.ª Drª. Maria Paula Nascimento Araújo
Universidade Federal do Rio de Janeiro

____________________________________________
Prof.ª Drª. Ana Maria Mauad
Universidade Federal Fluminense

RIO DE JANEIRO
MARÇO, 2006
Monteiro, Érica Gomes Daniel
A Guerra como Slogan: visualizando o Advertising Project
na propaganda comercial da revista Seleções do Reader’s Digest
(1942-1945). / Érica Gomes Daniel Monteiro – Rio de Janeiro:
UFRJ, PPGHIS, 2006.
xi, 134f.; il.; 31cm
Orientador(a): Celeste Zenha
Dissertação (Mestrado), UFRJ, IFCS, Programa de Pós-
Graduação em História Social, 2006.
Referências Bibliográficas: f. 125-134
1. Brasil – História – 1942-1945. 2. Estados Unidos –
História. 3. Propaganda Comercial – Brasil. I. Zenha, Celeste. II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-
Graduação em História Social. III. Título.
Para Alex e Selma.

Para Maria Moraes (minha avó), Maria das


Graças (minha tia) - in memoriam - pelo
carinho e afeto.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ___________________________________________________________ 1

CAPÍTULO 1 – DE MÃOS DADAS COM TIO SAM __________________________________ 10

1.1 A EXPANSÃO DO MERCADO EDITORIAL DAS REVISTAS ILUSTRADAS


NO BRASIL NO INÍCIO DO SÉCULO XX __________________________________ 11

Mudanças de Hábitos ______________________________________________ 11


A consolidação da propaganda no Brasil _______________________________ 15
As Publicações Especializadas em Publicidade e os Anuários ______________ 26

1.2 SELEÇÕES: A VERSÃO EM PORTUGUÊS DA READER´S DIGEST ________________ 32

CAPÍTULO 2: O OFFICE OF THE COORDINATOR OF INTER-AMERICAN AFFAIRS


E O ADVERTISING PROJECT ______________________________________ 43

2.1 NELSON ROCKEFELLER E O OCIAA ___________________________________ 44

2.2. O ADVERTISING PROJECT ____________________________________________ 52

CAPÍTULO 3: OS ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS DA REVISTA SELEÇÕES E A


POLÍTICA DE BOA VIZINHANÇA __________________________________ 78

CONSIDERAÇÕES FINAIS_________________________________________________ 122

FONTES _____________________________________________________________ 125

BIBLIOGRAFIA ________________________________________________________ 127


AGRADECIMENTOS
Ao Alex pelo amor e carinho convertidos em estímulo e apoio para a consolidação
deste trabalho.
À minha mãe e aos meus familiares pela colaboração e por compreenderem minhas
eventuais ausências no convívio diário.
Aos funcionários da Biblioteca Nacional e do Centro de Pesquisa e Documentação
da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC), sobretudo, a Margarete Rosa e Daniele Chaves por
facilitarem meu trabalho de pesquisa.
Aos meus amigos pelo carinho e companheirismo e aos colegas mestrandos,
especialmente Fernanda Rabelo, Taíse da Silva e Henrique (Recife) pelas conversas
animadas entre um curso e outro.
A minha orientadora, professora Celeste Zenha, por acreditar que eu poderia
realizar este trabalho, pelas sugestões, leituras críticas e, sobretudo, por ter sido um
exemplo de que por mais difícil que possa parecer uma situação devemos enfrentá-la com
força e dignidade.
Aos professores do Departamento de História da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, que nos cursos por eles ministrados ajudaram-me a discutiram e refletir o tema
abordado neste trabalho.
Aos funcionários da pós-graduação de História da UFRJ pela atenção prestada em
todos os momentos do transcurso destes dois anos, especialmente a Sandra e a Gleides
À D. Nancy e a Eduardo Cavalcante pelos trabalhos técnicos feitos com
profissionalismo e amizade. A Maria de Lourdes (Malú) pelo incentivo dado para trilhar a
vida acadêmica.
A professora Drª. Maria Paula Nascimento Araújo que no momento do exame de
qualificação fez observações minuciosas e indicações valiosas para o aprimoramento tanto
do texto quanto da pesquisa, além de ter dedicado seu tempo e atenção nos momentos de
conclusão deste trabalho, realizando com extremo carinho e paciência a leitura dos
capítulos finais.
A professora Drª Ana Maria Mauad que acompanha minha trajetória acadêmica
desde a graduação e que me iniciou nos estudos sobre as relações entre os Estados Unidos
e a América Latina sendo a principal incentivadora para que eu levasse esta pesquisa à pós-
graduação. Agradeço a ela pelas observações e leituras feitas durante o exame de
qualificação e ao longo de todo o desenvolvimento desta dissertação sempre de forma
paciente e afetuosa.
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pela
bolsa de pesquisa concedida , fundamental para a realização de desta dissertação.
RESUMO

O objetivo desta dissertação é estudar a formulação pelo Office of the Coordinator of Inter-
American Affairs do projeto Cooperation with U.S. Advertisers in the other American
Republic, afim de perceber como este órgão incentivou exportadores, comerciantes e
industriais privados norte-americanos, que anunciavam na América Latina, a continuarem a
anunciar, apesar das dificuldades de se atender aos pedidos no período da Segunda Guerra
Mundial, e que, em seus anúncios, publicassem mensagens que remetessem à política da
boa vizinhança. Para visualizar como este projeto foi implementado, analisaremos
anúncios publicitários veiculados na revista Seleções, versão em português da Reader´s
Digest, durante os anos de 1942 e 1945. O intuito será discutir a forma como a propaganda
comercial de produtos norte-americanos, feita durante o período da Segunda Guerra
Mundial, foi um veículo de divulgação da política de boa vizinhança, buscando perceber a
aliança entre os interesses do setor privado e do governo norte-americano, que,
respectivamente, buscavam novos mercados de consumo e construir uma posição
hegemônica sobre a América Latina.

Palavras-chave: Política de boa vizinhança, Propaganda Comercial, revista Seleções do


Reader´s Digest.
ABSTRACT

The objective of this dissertation is to study the formularization for the Office of the
Coordinator of Inter-American Affairs of the project Cooperation with U.S. Advertisers in
the to other American Republic, for to perceive as this agency stimulated exporters, traders
and North American private industrials, who announced in Latin America, will continue it
to announce, despite the difficulties of if taking care of to the order in the period of the
Second World War I, and that, in its announcements, they published messages that they
sent to the politics of the good neighborhood. To visualize as this project it was
implemented, we will analyze announcements advertising propagated in the Seleções
magazine, version in Portuguese of the Reader's Digest, during the years of 1942 and 1945.
Intention will be to argue the form as the commercial propaganda of North American
products, made during the period of the Second World War I, was a vehicle of spreading of
the politics of good neighborhood, searching to perceive the alliance enters the interests of
the private sector and the North American government, that, respectively, searched new
markets of consumption and to construct a hegemonic position on Latin America.

Word-key: Politics of good neighborhood, Commercial Advertising, Reader'


s Digest
magazine.
LISTA DE ABREVIATURAS

CDA – Coleção de Documentos Avulsos


CPDOC – Centro de Pesquisa e Documentação Contemporânea
FGV – Fundação Getúlio Vargas
IAA – Inter-American Affairs
NARA – National Archives and Administration Records
OCIAA – Office of Coordinator Inter-American Affairs
“Brincamos de vídeo-game e ouvimos rock de grupos chamados Kiss, Dire Straits
e Village People. Vamos ao McDonald’s de T-shirts e blue jeans e comemos hot-
dog, hamburger e chips, quase sempre com Coca-cola. Fomos beatniks e hippies, e
hoje somos punks ou new waves. A novidade patológica do momento é a Aids...
Tio Sam chegou ao Brasil no começo dos anos 40, com força total. Mascando
chiclete ao som do boogie-woogie, vimos a larga avenida de mão dupla conhecida
por Política de Boa Vizinhança se transformar numa rua estreita, one way...”

Gerson Moura
(Tio Sam Chega ao Brasil – A penetração cultural americana. São Paulo:
Brasiliense, 1988.)
INTRODUÇÃO

A política externa dos Estados Unidos, desde a Doutrina Monroe (1823), esteve

calcada no conceito de proteção, cabendo-lhe o papel de protetor dos interesses do

continente frente aos europeus. No início do século XX, passada a ameaça colonizadora

européia, com a ascensão de Theodore Roosevelt (1901-1909) à presidência do país, teve

início a política do Big Stick (Grande Porrete), cujo principal objetivo era defender os

interesses econômicos das empresas norte-americanas no resto do continente, adotando,

para isto, intervenções armadas, sobretudo na região do Caribe.

Os ressentimentos causados pelo Corolário Roosevelt e pelas sucessivas ocupações

militares geravam um sentimento de temor e de apreensão das nações latinas diante do

governo norte-americano. Desta forma, estas nações “começaram a pressionar [os EUA] a

renunciar a esse direito e a aceitar o princípio de não intervenção em suas relações

mútuas”1.

No entanto, somente a partir do final dos anos de 1920 ocorreram modificações nas

diretrizes da política externa norte-americana. Com a eleição de Herbert Hoover2, a política

1
MOURA,Gerson. Estados Unidos e a América Latina. São Paulo: Contexto, 1990, p. 28.
2
Um dos pais da política de Boa vizinhança, juntamente com Elihu Root, embora Hoover tivesse feito a
maior parte da sua contribuição antes de se tornar presidente. Enquanto serviu por quase oito anos como
Secretário do Comércio (1921-1928), foi responsável pelo redirecionamento da política dos EUA, afastando-
a do que ela sempre fizera de mal – ocupação militar – e aproximando-a do que ela sempre fizera
externa passou por um redirecionamento: ainda que o intervencionismo militar não tivesse

cessado, a prática de ocupações militares começou a dar sinais de enfraquecimento. Logo

após ser eleito, Hoover realizou uma viagem pela América Latina, tendo feito na cidade de

Amapala, Honduras, um discurso em que fez uso da expressão good neighbor. Pretendia

mudar alguns aspectos da sua política externa, contudo, a conjuntura interna da crise de

1929 impossibilitou um avanço nas questões relativas à melhoria das relações entre seu

governo e a América Latina.

Desta forma, apenas com a eleição de F. D. Roosevelt (1933) iniciou-se uma

mudança das relações políticas entre os Estados Unidos e a América Latina, deixando de

lado as intervenções militares e inaugurando a política de boa vizinhança, segundo a qual

(...) os Estados Unidos (...) reconheciam a igualdade jurídica entre


as nações do continente; aceitavam a necessidade de consultas periódicas
para resolver os problemas que surgissem entre as repúblicas; e concordava
em cooperar por todos os meios para o bem-estar dos povos da América3.

Assim sendo, gradativamente a postura norte-americana de ação pela força foi

então alterada por idéias de cooperação e de reciprocidade. A política de boa vizinhança

converteu-se em um mecanismo de trocas de mercadorias, valores e solidificação de apoio

político. Tal política foi estruturada ao longo dos anos de 1930. Cabe, no entanto, ressaltar

que a ascensão do Nacional-Socialismo na Alemanha, em 1933, no mesmo ano da posse de

Roosevelt, teve um grande impacto no processo de fortalecimento da política de boa

vizinhança na América Latina4. Afinal, com a consolidação do Nacional-Socialismo, um

conjunto de entidades relacionadas à preservação da germanidade no exterior ganharam

força. Um bom exemplo foi o que ocorreu nas colônias germânicas do sul do Brasil.

excepcionalmente bem – negócios. Ver: SCHOULTZ, Lars. Estados Unidos: poder e submissão – uma história
da política norte-americana em relação à América Latina. Bauru, SP: EDUSC, 2000.
3
Ver: MOURA, Gerson. Tio Sam chega ao Brasil: a penetração cultural americana. São Paulo: Brasiliense,
1988, p.17. Trata-se de livro precursor no tratamento do tema da elaboração de uma cultura política no Brasil
a partir da crescente influência cultural norte-americana.
4
Ver SCHOULTZ, L. Estados Unidos: poder e submissão..., op. cit.
A influência da ideologia nazista nas colônias de origem germânica do sul do Brasil

já se fazia presente desde o início da década de 1920, fosse devido à chegada constante de

novos imigrantes, fosse através da influência de organizações, como a Federação em

Defesa da Germanidade no Exterior. Com o fortalecimento do Nacional-Socialismo na

Alemanha, a ideologia nazista assumia maior importância, pois seus correligionários e

simpatizantes passariam a contar também com o apoio de outras organizações, como o

Instituto Alemão para o Exterior e a Organização do Partido Nacional-Socialista para o

Exterior5.

Com o objetivo de gerar simpatia e difundir os valores do Nacional-Socialismo, a

propaganda alemã mobilizou órgãos oficiais e informais, embaixadas, consulados e

agências distribuidoras de notícias. A relação comercial da Alemanha com a América

Latina cresceu, graças ao comércio de compensação, que estabelecia a troca de produtos

por produtos, sem a necessidade da intermediação de moedas6.

Diante do estreitamento das relações comerciais e da influência político-ideológica

entre os países latino-americanos (como o Brasil) e a Alemanha, o governo norte-

americano percebeu que, para estabelecer-se como centro hegemônico do continente, seria

necessário combater o crescimento da presença alemã em países da América Latina.

Afinal, após a crise de 1929, a América Latina passou a ocupar um lugar relevante na

recuperação da economia norte-americana, tanto como fornecedora de matérias-primas

quanto como mercado consumidor.

Assim sendo, a política de boa vizinhança tinha o intuito de estabelecer a

solidariedade entre as nações, sempre tomando cuidado para não parecer como um

5
MAGALHÃES, Marionilde Dias B de. “A Alemanha no Brasil durante a Segunda Guerra”, in Coggiola,
Osvaldo (org). Segunda Guerra Mundial: um balanço histórico. São Paulo: Xamã: Universidade de São
Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de História, 1995, p. 255.
6
Ver MOURA, Gerson. Autonomia na Dependência – a política externa brasileira de 1935 a 1942. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
elemento de dominação. Para obter sucesso nesta estratégia, os norte-americanos buscaram

naturalizar o máximo possível sua política de aproximação com os países da América

Latina, principalmente com o Brasil. Sua ofensiva política visava converter a hegemonia

norte-americana em solidariedade e cooperação continentais e isto permitia que a

dominação política aparecesse como respeito à soberania nacional das repúblicas latino-

americanas7.

Desta forma, a política de boa vizinhança, ao promover a difusão de padrões de

comportamentos, a exportação de artistas latino-americanos para os EUA, casos de

Carmem Miranda e Diego Rivera, e fomentando hábitos de consumo, sobretudo nos anos

que antecederam a eclosão da Segunda Guerra e durante o seu desenrolar, foi parte de um

projeto que tinha ambições mais amplas do que a promoção de um estilo de vida e de um

modelo de sociedade para a América Latina. A política externa do Estado norte-americano

buscava sobretudo consolidar o alinhamento da América Latina e afirmar-se como centro

hegemônico do continente.

Assim sendo, o governo de F. D. Roosevelt percebia que, para assegurar a

cooperação militar e política e a preservação de mercado consumidor no continente

americano, sob a liderança dos Estados Unidos, seria necessário uma ação econômica e

político-ideológica. Esta ação mais direta se deu através das Conferências Inter-

Americanas, entre o final de 1930 e início de 19408, e do fortalecimento da política de boa

vizinhança, com a criação de órgãos como o OCIAA (Office of the Coordinator of Inter-

American Affairs), comandado por Nelson Rockefeller. Este órgão, que atuou em diversas

frentes (rádio, cinema, imprensa e propaganda), tinha o objetivo de ser um veículo

7
MOURA, G. Autonomia na Dependência..., op. cit., pp. 170-171.
8
Nestas conferências, foram debatidos os princípios que norteariam a política externa entre os países
americanos. Ver RODRIGUES, José Honório & SEITENFUS, Ricardo A.S. Uma História Diplomática do Brasil.
1931-1945.Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995.
irradiador de uma contra-ofensiva propagandística diante da crescente presença de

influências nazistas na América Latina.

O objetivo desta dissertação é estudar a formulação pelo OCIAA de um projeto

intitulado: Cooperation with U.S. Advertisers in the other American Republic. Tal projeto

buscou estabelecer a cooperação entre exportadores, comerciantes e industriais privados

norte-americanos, que anunciavam na América Latina, com a divulgação da propaganda da

política de boa vizinhança fomentada por aquele governo. Seu escopo era convencer os

setores privados norte-americanos a não deixarem de anunciar, apesar das dificuldades de

se atender aos pedidos no período da guerra, e que, em seus anúncios, publicassem

mensagens que remetessem à política da boa vizinhança.

Para melhor visualizar este projeto, analisaremos anúncios publicitários veiculados

na revista Seleções, versão em português da Reader´s Digest, durante os anos de 1942 e

1945. O intuito será discutir a forma como a propaganda comercial de produtos norte-

americanos, feita durante o período da Segunda Guerra Mundial, foi um veículo de

divulgação da política de boa vizinhança, buscando perceber a aliança entre os interesses

do setor privado e do governo norte-americano, que, respectivamente, buscavam novos

mercados de consumo e construir uma posição hegemônica sobre a América Latina. Deste

modo, a propaganda comercial foi fundamental para edificar no Brasil uma imagem cordial

e amigável dos Estados Unidos, durante os anos de 1940.

Acreditamos que a análise dos anúncios publicitários veiculados na revista Seleções

do Reader´s Digest, durante os anos de 1940, são um instrumento de estudo essencial para

se conhecer as ideologias, as práticas sociais e as transformações de hábitos e de

comportamentos pela qual passava a sociedade brasileira, além de serem fontes relevantes

para revelar os novos recursos e métodos utilizados pelo governo americano para divulgar

a política de boa vizinhança na América Latina.


O presente trabalho, no campo teórico, se baseou nos conceitos de hegemonia e

cultura desenvolvidos por Raymond Williams, que considera que

(...) uma hegemonia vivida é sempre um processo. É um complexo realizado


de experiências, relações e atividades, com pressões e limites específicos e
mutáveis (...) na prática a hegemonia não pode nunca ser singular (....) não
existe apenas passivamente como forma de dominação. Tem de ser renovada
continuamente, recriada, defendida e modificada. Também sofre uma
resistência continuada (...) desafiada por pressões que não são as suas
próprias pressões9.

Para este autor, a construção da hegemonia é um processo constitutivo e

constituidor de significados e valores, não devendo ser encarada como simples transmissão

de um domínio. Assim sendo, ao utilizar o conceito de hegemonia, deve-se levar sempre

em consideração as formas que se lhe opõem, “como características indicativas daquilo

que o processo hegemônico tentou controlar na prática”10.

O conceito de cultura será trabalhado como um conjunto de códigos, convenções

simbólicas e programações sociais de comportamento, com as quais as sociedades

humanas se comunicam, compreendendo-a não somente como a transmissão de mensagens

conscientes, mas como todo o processo de produção de sentido. O modelo construído por

Raymond Williams para pensar a dinâmica cultural busca dar conta das complexidades dos

processos culturais contemporâneos, concebendo cultura como uma categoria que se

configura numa rede vivida de práticas e relações que constituem a vida cotidiana. A

prática cultural “é sempre um todo e um processo material social correlato”11.

No que tange às relações internacionais, dialogamos com os trabalhos

desenvolvidos por Gerson Moura12. Em suas obras, o autor propõe um enfoque mais

complexo das relações entre o Brasil e os Unidos, diferenciado-se das análises

9
WILLIANS, Raymond. Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro: Zahar, 1979, p.115.
10
Ibidem, p. 116.
11
Ibidem, p. 142.
12
Ver MOURA, Gerson. Tio Sam Chega ao Brasil..., op. cit.
reducionistas – que enfatizavam o imperialismo norte-americano como um poder que

subjugava os demais países do continente – produzidas pela historiografia dos anos 1960 e

1970. Ao realizar uma interpretação mais complexa e menos determinista, Moura enfatiza

em sua análise os múltiplos aspectos da política da boa vizinhança, empregada pelos

Estados Unidos para a América Latina, ressaltado a forma como contribuiu para a

construção da hegemonia norte-americana no continente.

Para a realização dos objetivos expostos, a estrutura da dissertação segue a seguinte

divisão. No primeiro capítulo, intitulado De mãos dadas com Tio Sam, busca-se discutir a

mudança que se instalou a partir dos anos de 1930 no padrão cultural dos grandes centros

urbanos brasileiros, sobretudo na capital federal, priorizando observar a paulatina

valorização do padrão cultural norte-americano, em detrimento dos europeus, a fim de

compreender a difusão de aspectos da cultura americana pelo mercado editorial de

publicações ilustradas, pelo cinema e pela publicidade. Em um segundo momento,

analisam-se a consolidação da propaganda no Brasil e as mudanças ocorridas no mercado

publicitário, com o estabelecimento das grandes agências de propaganda norte-americanas,

e, for fim, o terceiro item versa sobre a criação da versão em português da revista Reader´s

Digest, assim como a receptividade, pelo público brasileiro, à denominada Seleções,

ressaltando a forma como seu surgimento se coadunou com a política da boa vizinhança,

ao expandir em nosso mercado os produtos das grandes empresas norte-americanas e, ao

mesmo tempo, combater o crescimento da ideologia nazista no Brasil.

Empregam-se como fontes neste capítulo as correspondências enviadas à revista

pelos seus leitores, os artigos da Revista Publicidade e uma carta de Barclay Acheson,

responsável pelas edições internacionais do periódico, dirigida aos anunciantes norte-

americanos.
No segundo capítulo, primeiramente, discorre-se sobre a criação do OCIAA (Office of

the Coordinator of Inter-Americam Affairs) e, mais especificadamente, sobre o projeto

formulado por esta agência em colaboração com os Departamentos de Comércio, de

Tesouro e de Estado, além de outras agências governamentais norte-americanas, intitulado

Cooperation with U.S. Advertisers in the other American Republic. Para tal, utilizam-se

como fontes cartas entre o coordenador e seus assistentes, além de relatórios e de

correspondências do OCIAA para os exportadores e os industriais norte-americanos, os

responsáveis pelos comitês regionais e o Secretário de Estado do governo norte-americano.

No último capítulo, Os anúncios publicitários da revista Seleções (1942-1945) e a

política de boa vizinhança, analisam-se anúncios publicitários de empresas privadas norte-

americanas veiculados no Brasil através do mencionado periódico, durante os anos de

1942-1945, que seguiam as recomendações do OCIAA contidas no Cooperation with U.S.

Advertisers in the other American Republic.

Neste capítulo, buscamos observar como as indústrias privadas norte-americanas

utilizaram técnicas de venda das agências de publicidade, com o intuito de criar demanda

para os seus produtos na América Latina e, conjuntamente, promover a política da boa

vizinhança, ao estamparem nos seus anúncios mensagens que remetiam à aliança pan-

americana, fomentando assim o combate aos partidários do Eixo, tendo como exemplo o

mercado brasileiro. Tomam-se como fontes, repetimos, os anúncios publicitários

veiculados na revista Seleções, entre 1942 e 1945, além das correspondências e dos

relatórios do OCIAA.

O trabalho, portanto, busca discutir como a publicidade comercial de empresas norte-

americanas, durante a Segunda Guerra, mediante a implantação da política de boa

vizinhança, foi um veículo utilizado pelo governo dos Estados Unidos para a construção de

sua hegemonia econômica e político-cultural na América Latina.


CAPÍTULO
1
DE MÃOS DADAS COM TIO SAM

Hollywood conseguia a sua última sedução:


o estilo em movimento. (...) Não havia
melhor suporte para a moda. Paris mandara
durante séculos, agora Hollywood estava
pronta para dominar o mundo.
Linda Watson13

13
WATSON, Linda. Siglo XX. Moda. Madri: Edilupa, 2004, p. 52.
1.1

A EXPANSÃO DO MERCADO EDITORIAL DAS REVISTAS ILUSTRADAS


NO BRASIL NO INÍCIO DO SÉCULO XX

MUDANÇAS DE HÁBITOS

Durante os anos de 1920, os Estados Unidos consolidaram-se como potência

econômica e tornaram-se um modelo de sociedade para a classe dominante dos grandes

centros urbanos brasileiros, que não possuía uma identidade cultural própria. Assim sendo,

aos poucos, ocorreu uma paulatina valorização do padrão cultural norte-americano, em

detrimento dos padrões europeus.

Acreditamos que tal transformação não se deu de forma espontânea, mas foi fruto

da formação de uma sociedade urbano-industrial no Brasil e de um investimento político-

ideológico do governo norte-americano, inserido em um quadro de mudança de orientação


de sua política externa para a América Latina no final dos anos de 192014, quando aquele

governo passou gradativamente a abandonar a política do Big Stick por uma postura de

maior aproximação com os latino-americanos, cristalizada nos anos de 1940, com a

política de boa vizinhança15.

As revistas ilustradas são fontes relevantes para acompanharmos o processo de

consolidação deste novo padrão de comportamento cultural, pois “os periódicos ilustrados

possibilitaram a divulgação e a assimilação rápida de imagens de pessoas, objetos, lugares

e eventos, contribuindo, de forma decisiva, para a criação deste novo padrão de

sociabilidade”16.

O mercado editorial de publicações ilustradas, nas primeiras décadas do século XX,

estava em franca expansão, tendo contribuído para o seu crescimento a ampliação dos

estratos médios da sociedade carioca – que se consolidaram com o desenvolvimento

industrial – a da burocracia estatal, o crescimento dos setores bancário e comercial, a

conseqüente metropolização das cidades, principalmente Rio de Janeiro e São Paulo, e a

valorização dos padrões comportamentais associados aos meios de comunicação.

Assim sendo, estas transformações sociais e urbanas colaboraram para a

consolidação de novos hábitos e costumes e para um processo de modernização que era

identificado com a sociedade norte-americana. O advento, ainda que incipiente, de

camadas médias no Brasil, cuja atividade profissional podia gerar um rendimento capaz de

manter um consumo superior ao mínimo necessário para a sobrevivência, além do anseio

de nossas elites de adotarem um estilo de vida urbano, teve como corolário a intensificação

14
PIKE, Frederick B. “FDR’s Good Neighbor Policy: Sixty Years of Generally Gentle Chãos” (Austin, U.T.
Press, 1996), apud FREIRE-MEDEIROS, Bianca. O Rio de Janeiro que Hollywood inventou. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2005, p. 8.
15
Ver MOURA, Gerson. Tio Sam Chega ao Brasil – A penetração cultural americana. 5ª edição, São Paulo:
Brasiliense, 1988.
16
MAUAD, Ana Maria. “Na Mira do olhar: um exercício de análise da fotografia nas revistas ilustradas
cariocas, na primeira metade do século XX”. Anais do Museu Paulista, São Paulo, v. 1, n. 13, p. 133-176,
2005, p. 23.
dos hábitos de consumo, que se converteram em padrão de civilidade e de modernização

da sociedade.

Estas transformações sociais correspondiam a uma nova experimentação do viver

na cidade "(...) a metrópole moderna recebe uma representação ambivalente como o local

de origem de um caos avassalador e a matriz de uma nova vitalidade emancipadora"17. Este

processo modernizador teve como conseqüência a racionalização de condutas, que buscava

instaurar uma homogeneização de costumes e de consumo da burguesia, projetada

enquanto coletividade.

Ao longo das primeiras décadas do século XX, “as funções de socialização foram

transferidas do âmbito mais íntimo e privativo para a esfera pública, seja pela ação do

Estado e das corporações empresariais, seja pela influência da imprensa, da publicidade, do

cinema e de outros meios de comunicação de massa”18. Assim sendo, as subjetividades

passam a se formar nos espaços de convivência coletivos.

A imagem que prevalece, nos primeiros vinte anos do século XX,


tanto nas fontes escritas como nas fotográficas, é a da cidade transformada
em cartão postal da modernidade carioca. O espaço dignificado atua como
signo de um estilo de vida civilizado. Uma nova geografia do ser moderno se
impôs sobre a cidade, elegendo como espaços da aparência: salões,
confeitarias, cafés, cinemas, livrarias e a própria rua. Tal como um cenário
de pura fachada, estes espaços existem para que a nova classe em ascensão
– a burguesia – se identifique, contribuindo, assim, para o vir a ser, à
medida que só existem em função de uma vivência social. São formas de um
conteúdo, sendo, portanto, impossível dissociar desses espaços os
comportamentos que lhe estão subjacentes19.

As revistas ilustradas tornaram-se “um veículo que, através de uma composição

editorial adaptada ao seu próprio tempo e às tendências internacionais, criavam modas,

impunham comportamentos, assumindo a estética burguesa como a forma fiel do mundo

17
Ver SEVCENKO, Nicolau. Orfeu Extático na metrópole. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 18.
18
FERRARESI, Carla Miucci. Cinema Hollywoodiano no Processo de Construção da “Civilidade Moderna –
São Paulo, 1920, em http://www.mnemocine.com.br
19
MAUAD, Ana Maria. “Sob o signo da imagem: a produção da fotografia e o controle dos códigos de
representação social pela classe dominante no Rio de Janeiro, na primeira metade do século XX”. Niterói,
UFF, Programa de Pós-Graduação em História Social, Tese de Doutorado, 1990.
que representavam”20. Periódicos como O Cruzeiro, que revolucionou o padrão gráfico e

editorial das revistas brasileiras, inspirado nas publicações norte-americanas, procuravam

em suas páginas divulgar os mais variados assuntos, intitulando-se como uma revista

moderna. Além de O Cruzeiro, outras publicações ilustradas, como a Revista da Semana,

Fon-Fon e Careta, buscavam modernizar-se para atender a um público leitor que crescia

rapidamente nos grandes centros urbanos e se encontrava ávido pelas novidades

internacionais.

Os padrões europeus vão ceder lugar aos valores americanos,


transmitidos pela publicidade, cinema e pelos livros em língua inglesa que
começam em superar em número as publicações de origem francesa.
Publicações como a revista da Semana, que se pautava por uma ligação
tradicional com o mundo lusíada e europeu, vão aos poucos substituir o
interesse pelos destinos da família real austríaca, a princesa Guise, o
casamento de Anne na Inglaterra pelas estrelas de Hollywood. Os padrões
de orientação vigentes são portanto, os do mundo do star system e do
american broadcasting21.

Além das revistas ilustradas, os filmes, sobretudo os norte-americanos, tornaram-se

uma referência para a população das grandes cidades, ao veicularem padrões estéticos e

valores daquela sociedade, que passou a ser identificada como simulacro da modernidade.

“Os temas comumente associados aos americanos, como o ideal democrático, o esforço e o

otimismo não apenas embasam grande parte da cinematografia holywoodiana como se

transformam em valores morais fortes, indicativos de uma sociedade desejável”22.

O crescimento das salas de cinema, por seu turno, ocasionou uma transformação do

mercado editorial brasileiro, pois surgiram muitas revistas especializadas no tema, como

Cinelândia (RJ), Scena Muda (RJ), Cine Revista (SP), Cine-Fan (SP). Tal tendência foi

seguida por outras publicações ilustradas que, ao longo dos anos, inauguraram sessões

20
Idem, “Na Mira do Olhar...”, op. cit., p. 23.
21
ORTIZ, Renato. A Moderna Tradição Brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1999, p. 71.
22
MENEGUELLO, C. Poeira de Estrelas – O Cinema Hollywooddiano na Mídia Brasileira das Décadas de 40
e 50. Campinas, S. P.: Editora da Unicamp, 1996, p. 79. Ver também AMÂNCIO, Tunico. O Brasil dos
Gringos. Niterói: Intertexto, 2000.
exclusivamente de cinema, que veiculavam as últimas notícias e os bastidores de

Hollywood como: “galeria dos artistas da tela” da revista Fon-Fon; “Novidades de

Hollywood” da Careta ; “Cine-revista” de O Cruzeiro, dentre outras.

Desta forma, estas publicações, ao serem consumidas sobretudo pelos segmentos

médios urbanos e ao veicularem modelos de comportamento, de estética e de sociabilidade,

acabaram por contribuir para o estabelecimento de padrões sociais de identificação social

do ser moderno. As revistas ilustradas, ao longo da primeira metade do século XX,

compuseram o catálogo de valores, emblemas, comportamentos e representações sociais,

através do qual a burguesia se imaginou e se fez reconhecer23. Neste sentido, acreditamos

que os valores emanados nos filmes hollywoodianos não eram temáticas exteriores à

sociedade brasileira dos grandes centros urbanos que buscava modernizar-se.

Cabe, por fim, ressaltar que o crescimento do mercado editorial foi fundamental

também para o crescimento da propaganda impressa no país que, em pouco tempo, se

converteu em mais um espaço de fomentação entre a nascente sociedade urbana industrial

brasileira de novos hábitos de consumo, como veremos a seguir.

A CONSOLIDAÇÃO DA PROPAGANDA NO BRASIL

Acompanhando o crescimento da imprensa no Brasil, surge a primeira agência de

propaganda brasileira, organizada profissionalmente em 1913 ou 1914 (a data é imprecisa),

fundada por João Castaldi e Jocelyn Bennaton, denominada Castaldi & Bennaton, que logo

23
MAUAD, A. M. “Na Mira do Olhar...”, op. cit., p. 40.
mudou de nome para Eclética. Antes de 1913, não existia no Brasil uma

empresa/organização com a função de distribuir anúncios.

A Eclética foi a primeira agência de propaganda brasileira organizada em moldes

profissionais24. Em depoimento à revista Publicidade & Negócios, o publicitário Júlio

Cosi, que fora diretor da Eclética, relata o surgimento da agência:

Em maio de 1914 um jornalista ativo e inteligente, aliando-se a um


homem de negócios, fundava uma agência de publicidade em São Paulo,
tentando desbravar uma modalidade de negócios que sempre fora ‘uma ação
entre amigos’ – a propaganda. Nascia a Eclética. (...) o sr. João Castaldi era
então proprietário do jornal A Capital (...) posteriormente retirou-se da
agência o sócio Jocelyn Bennaton, ingressando em seu lugar o sr. Eugenio
Leurenroth. Este mais experiente que Bennaton, pois havia sido gráfico e se
destacava como jornalista (...) ditou novos rumos à Eclética. Com larga
visão ampliou os serviços da agência e tornou possível a conquista de
clientes estrangeiros. Foi então que fui convidado para trabalhar na
Eclética. No período em que a Eclética começava seu grande
desenvolvimento (...) os jornais eram (...) pobres em publicidade. (...)
Naqueles idos o comerciante dava anúncios porque o corretor era um bom
sujeito ou amigo de um político influente. Não havia o propósito de ampliar
o negócio e promover vendas com propaganda. Consequentemente, os
anúncios eram improvisados, paupérrimos e quase sempre em composição25.

Corroborando o relato de Júlio Cosi, o publicitário Armando de Almeida, em

depoimento à revista Publicidade & Negócios, afirma:

Inda me lembro de quando, para se produzir um anúncio a traço (...)


colava-se a composição ao desenho para ser gravado em conjunto. Foi
quando a Eclética estabeleceu os primeiros contatos com a clientela
estrangeira26.

Este foi um período difícil, devido às intempéries da Primeira Guerra Mundial. A

propaganda no Brasil começava a se organizar, no entanto, jornais e indústrias não a

encaravam como um meio fundamental para alavancar suas vendas, havia um

desconhecimento dos ganhos que a publicidade podia oferecer, devido à própria falta de

24
REIS, Fernando. “São Paulo e Rio: a longa caminhada”, in: BRANCO, Renato C., MARTENSEN,
Rodolfo L., REIS, Fernando (coord.). História da Propaganda no Brasil. São Paulo: T.A Queiroz, 1999, p.
302.
25
Publicidade &Negócio, 05/08/1953.
26
P&N, 05/04/1953.
informação sobre os métodos modernos de venda e de um consumidor ainda em processo

de formação.

No período do fim da Primeira Guerra Mundial, já havia no Brasil cinco agências

funcionando em São Paulo: a Edanée (1908), a Eclética (1913/1914), a de Pedro Didier e

Antônio Vaudagnoti (1913), a Valentim Harris (1915) e a Pettinati (1920).

Todos recorriam às oficinas de O Estado para as suas composições e


trabalhos. Veículos: jornais em primeiro lugar; depois, painéis e cartazes,
em bondes e na rua, panos de boca de teatros e de cinemas. Na parte dos
anúncios luminosos, dominavam as caixas com vidros pintados e refletores
internos. Havia os ‘slides’ que naquela época também projetavam idênticos
aos da televisão de hoje, com a diferença de que eram confeccionados com
lâminas de vidro e podiam ser coloridos27.

Neste período, começaram a surgir no mercado brasileiro os anúncios da Ford, que,

em conjunto com a agência Harris, contratou meia folha na primeira página, aos

domingos, de O Estado. Júlio Cosi comenta que

Essa conta passou para a Eclética em 1925, que a manteve até 1930.
Com a transferência da conta para a Eclética, começaram a ser usados os
jornais do interior, uma vez que havia interesse em servir os agentes da Ford
espalhados pelo Brasil. Foi uma verdadeira batalha a entrada de nossa
agência de publicidade pelo interior, devido às dificuldades de contato e,
sobretudo pelo receio dos publicitários de tratar com ‘gente de publicidade’.
Para vencer essa dificuldade, a Ford, pela Eclética, instituiu a colaboração e
o pagamento aos agentes, com a ajuda da verba de divulgação, contribuindo
com 30$000 (trinta mil réis) por carro vendido. O preço de cada carro na
época oscilava entre 3.500$000 a 4.000$00028.

A própria trajetória profissional do publicitário Júlio Cosi (que entrou para a

Eclética em 1918) demonstra os desafios enfrentados pelos homens de propaganda e a

necessidade de divulgar o seu ofício no Brasil dos anos de 1920.

Assim começa a peregrinação de Júlio Cosi pelo Brasil. Vamos


encontrá-lo em 1928, estudando mercado, nomeando representantes da
agência, fazendo contato com veículos de publicidade, inspirando confiança
nos homens de propaganda, catequizando os desconfiados donos de jornais
do Amazonas ao Rio Grande do Sul29.

27
P&N, p. 19, 05/08/1953.
28
P&N, p. 20, 05/08/1953.
29
P&N, p. 20, 05/08/1953.
A Eclética foi a primeira agência brasileira a representar contas de produtos norte-

americanos no Brasil. Segundo Julio Cosi, em meados dos anos de 1920 já não havia

grande diferença entre os anúncios de lá e os produzidos aqui30. Tal proximidade deriva do

fato de que nossos profissionais de propaganda estudavam com freqüência as campanhas

norte-americanas; além disto, o fato de representar cotas estadunidenses fez com que

muitos publicitários brasileiros viajassem para lá. Júlio Cosi, por exemplo, foi um deles,

viajando em 1926, levando exemplares de jornais e revistas, com gráficos e estatísticas que

salientavam o crescimento dos meios de comunicação no Brasil31. Através de tais viagens,

estreitavam-se os laços entre o meio publicitário brasileiro e as empresas e as agências

norte-americanas.

Assim sendo, da Eclética saíram profissionais que fundaram novas agências e

ampliaram o mercado publicitário brasileiro. Quando as agências norte-americanas

iniciaram a sua instalação entre nós, ocorreu um momento de desânimo, pois a Eclética

perdeu a cota da Ford para a primeira destas agências a se instalar no Brasil, a N. W. Ayer

& Son, concessionária dos anúncios da Ford nos Estados Unidos. Ao estabelecer-se aqui,

no entanto, a Ayer contava com elementos brasileiros, entre eles vários profissionais da

Eclética. Outros anunciantes, cujas fábricas e escritórios estavam sediados nos Estados

Unidos, passaram sua cota para a Ayer32.

No entanto, a mudança fundamental para o progresso da propaganda no Brasil foi

estabelecida com a instalação do Departamento de Propaganda da General Motors. Foi este

departamento que primeiramente trouxe para o Brasil os métodos do mercado norte-

americano de propaganda.

Veio com ela uma nova escola de pensamento publicitário, usando


expressões estranhas como layout, copywriter, slogan, market research,

30
P&N, p.21, 05/08/1953.
31
P&N, p. 20, 05/08/1953.
32
P&N, p. 59, março de 1954.
headline, caption e tantas outras. A técnica da propaganda comercial já
fartamente desenvolvida por ‘Tio Sam’, atingia finalmente o Brasil. O
Departamento de propaganda da General Motors, constitui-se no cantinho
onde foram forjados (...) valores de nossa classe que mais tarde vieram a
servir de embasamento para todo o ensino publicitário (...) De lá saíram
Orígenes Lessa, Charles Dulley, Francisco Teixeira Orlandi, Aldo Xavier
(...) e muitos outros33.

Deste modo, de acordo com Sarmento, não foi difícil para as agências

internacionais, que aportaram no país em grande parte na década de 1930, trazerem

modernidade e sofisticação para a nossa propaganda, pois o Departamento de Propaganda

da General Motors já tinha aberto o caminho. Segundo Sarmento, quando ele começou a

trabalhar em propaganda, havia no país duas agências americanas: a N. W. Ayer & Son e a

J. W. Thompson, que se fundiram mais tarde.

Com a sua vinda, ela absorveu, junto com a Ayer, os antigos profissionais do

Departamento da General Motors. Abriu seu primeiro escritório no Brasil em 1929, na

Praça Ramos de Azevedo, no centro de São Paulo. Seu principal objetivo era atender à

própria General Motors. Posteriormente, abriria outro escritório no Rio de Janeiro; neles

trabalhavam, ao lado dos profissionais estrangeiros, brasileiros como Orígenes Lessa, que

foi redator-chefe da Thompson-Rio.

No entanto, a importância da J.Walter Thompson vai muito além disto, foi ela uma

das principais responsáveis pela reestruturação do mercado de propaganda no Brasil e por

sua conseqüente profissionalização. A partir de 1935, passa a ter um grande crescimento,

incorporando como seus clientes cotas relevantes, como a da Kodak, a da Sul América

Seguros e Capitalização, a da Pond´s, etc.

A Thompson era, neste período, uma das maiores agências norte-americanas e

passou a utilizar no Brasil os mesmos padrões e métodos que utilizava em sua sede

original, como, por exemplo, o uso da fotografia nos anúncios publicitários, do qual foi

33
MARTENSEN, Rodolfo Lima. “O ensino da propaganda no Brasil”, in: BRANCO, R., MARTENSEN, R.,
REIS, F. (coords.). História da Propaganda no Brasil..., op. cit., p. 32.
pioneira. Nela, anteriormente, a maioria dos anúncios era à base de desenhos: muitos

ilustradores e caricaturistas de jornais eram desenhistas de anúncios publicitários, tendo

sido fundamentais para promover um maior interesse pelos anúncios junto ao público

consumidor, como podemos perceber neste artigo de Licurgo Costa:

A publicidade, acompanhando-a, atingiu à culminância em que hoje


a vemos atraindo para o seu âmbito o escritor e o desenhista.
Mas é ao segundo, ao artista que cabe a orientação preponderante.
Ele é que dá corpo à idéia central do anúncio e que portanto lhe dá o
interesse que atrai a atenção do leitor.
Antes, é claro durante algumas dezenas de anos, já a publicidade
lograva ser as vezes ilustrada. Mas a regra geral para os anúncios era o
texto.
Hoje em dia correndo os olhos pela imprensa do mundo inteiro,
observamos que, a regra geral é a ilustração.
Verificada a necessidade absoluta da ilustração, do desenho, para
ela surgiram também as pesquisas, as observações que a dirigem.
Assim conforme o conselho de Laville no seu magnífico trabalho
L’imprimé de publicité, o desenhista deve saber compor ‘imagens que falam
e palavras que são imagens’.
Vê-se através dessas opiniões (...) como é complexa, como é
preponderante a função do desenhista na publicidade moderna de jornais e
revistas.
O ilustrador tem uma responsabilidade extraordinária porque dele
dependerá a maior e menor força de atração do anúncio sobre o público.
Essas são, meus senhores, as idéias gerais sobre a publicidade ilustrada,
idéias que ouso afirmar, são todas exatas aqui como em qualquer parte do
mundo.
Temos tudo e continuamos a ter ilustradores comerciais excelentes
que se emparelham pela técnica e pelo espírito criador aos dos centros mais
avançados (...). A nossa ilustração publicitária de característico ou de
inclinações humorísticas é rica e numerosa.
A ilustração propriamente, a cargo de muitos estudiosos e de
departamentos especializados de agências de publicidade, dá, de uns dez
anos a esta parte, um aspecto magnífico a publicidade divulgada pelas
revistas e jornais de todo o Brasil.
Então vemos espalhados pelos estúdios de publicidade, ajudando a
indústria a prosperar e ajudando o comércio a vender. Nessa nova turma
temos Álvaro Cotrim, o ‘Alvarus’, que já atuou (...) em quase todos os
jornais e revistas cariocas (...). Antônio Nassara; Martianiano; Alceu; Santa
Rosa; Paulo Werneck; Sotero Cosme; Luiz Gonzaga; Sigismundo H.
Cavalleiro; Paulo Amaral; Euclides Santos; Armando Pacheco; Moura;
Tabanova; Dalio [...]; Creusa; João Mendez; Djalma Pires Ferreira, o
‘Theo’; Augusto Rodrigues e muitos outros são eles elementos que fizeram
grandes nomes aqui.
Porque têm talento e sabem usá-lo quer na caricatura ou na
ilustração puras quer na aplicada à publicidade.
Bastará um exame dos nossos jornais e revistas ilustradas para se
fazer uma idéia da contribuição (...) de ilustradores e humoristas de desenho
na moderna publicidade brasileira34.

Apesar do pioneirismo da Thompson, no que tange à inserção de fotografias nos

anúncios, esta técnica, devido aos seus altos custos e à falta de modelos, demorou muito

para ser utilizada em grande escala pelas agências de publicidade no Brasil, como

demonstra este depoimento de Genival Rabelo, diretor da revista Publicidade.

Indiscutivelmente a fotografia tem papel de destaque na moderna


técnica de propaganda (...) entre nós, contudo não se têm dado a devida
importância a fotografia. (...) Mesmo as agências só de raro em raro saem
do desenho. Certamente, se lhes perguntássemos porque não buscam fazer
uma tentativa com a fotografia, diriam que o processo exige modelos
femininos, jovens bonitas (...) E talvez quizessem alegar que essas jovens não
se encontram facilmente, ou que a despesa seria excessiva.(...)35.

Portanto, a partir dos anos de 1930, apesar do período conturbado pelo qual passava

o país, com os sucessivos golpes e revoluções, além da instalação das agências norte-

americanas, ocorreram transformações relevantes que contribuíram para a solidificação da

propaganda entre nós, tais como o crescimento dos meios de comunicação de massa, o

rádio, que, aos poucos, começava a ganhar espaço nos lares de todo o país, e que recebe,

em 1932, a permissão para transmitir propaganda comercial. O desenvolvimento dos

recursos gráficos nos anúncios e o surgimento de movimentos coletivos, que buscavam

solucionar as questões institucionais do meio publicitário, acabaram por fundar as duas

primeiras associações de classe: a Associação Brasileira de Propaganda (ABP), no Rio, e a

Associação Paulista de Propaganda (APP), em São Paulo, ambas em 193736.

Como corolário destes acontecimentos, novas agências apareceram e as já

existentes se consolidaram no mercado, como as nacionais Standard (1933), que se tornou

34
Publicidade, Setembro de 1940, pp. 26-27.
35
Publicidade, Janeiro de 1944, p. 16.
36
Ver SARMENTO, Armando de Morais. “As agências estrangeiras trouxeram modernidade, as nacionais
aprenderam depressa”, in: BRANCO, R., MARTENSEN, R., REIS, F. (coords.). História da Propaganda no
Brasil..., op. cit., p. 26.
a maior agência de publicidade do Brasil e a Inter-Americana (1938), e as norte-

americanas McCann-Erickson (1935) e a Grant (1939).

A escolha dos nomes das agências refletia a influência norte-americana, como, por

exemplo, Standard, para uma agência de publicidade brasileira, o que remetia ao glamour

norte-americano. Mas o exemplo mais exótico talvez seja o de três profissionais que se

reuniram para formar uma agência, parceiros do Grupo Ducal.

(...) no Grupo Ducal, todos as empresas começavam com a letra ‘D’. Então
eles disseram: ‘Puxa, precisamos de um nome com inicial ‘D’ e que soe
americano’. Pesquisaram, pesquisaram e o único com ‘D’ que soava
americano era o de um diretor da agência Thompson na época. O homem ia
sair do Brasil e chamava-se Robert Dennison. O trio não hesitou: ‘Esse
nome é bom e o gringo não volta mais’. Foi assim que foi batizada a
Denison Propaganda37.

Contudo, é possível perceber a relevância que tinha para os profissionais

brasileiros a publicidade realizada nos Estados Unidos, que estava muito além da análise

da escolha dos nomes das agências nacionais. Cada vez mais, publicitários brasileiros

dirigiam-se para os Estados Unidos procurando estabelecer contatos com os homens de

propaganda norte-americanos, buscando aprender as técnicas utilizadas por eles, com o

intuito de aperfeiçoar a metodologia empregada nos seus anúncios.

A chegada da agência McCann-Erickson no Brasil, em 1935, foi outro fator

relevante para o progresso da nossa propaganda. Um de seus clientes era a Standard Oil

Company do Brasil. O primeiro gerente do escritório da McCann-Erickson do Brasil foi o

brasileiro Armando de Moraes Sarmento, que havia trabalhado na Ayer & Son e que,

tempos depois, seria presidente da McCann-Erickson Internacional. A trajetória vitória de

Sarmento ilustra a crescente profissionalização dos homens de publicidade brasileiros.

37
REIS, Fernando.“Sobre o colunismo publicitário e as publicações especializadas”, in: BRANCO, R.,
MARTENSEN, R., REIS, F. (coords.). História da Propaganda no Brasil..., op. cit., p. 63.
O depoimento de Armando de Moraes Sarmento é um bom exemplo da

contribuição das agências norte-americanas de propaganda para a formação dos

profissionais de publicidade no Brasil.

Me puseram em contato com um padrão de serviço organizado e um


sistema de planejamento que não existia no meio publicitário brasileiro. (...)
eu queria aprender mais. Estava convencido, então, de que a experiência, os
clientes, a organização, o acesso ao Know-how de um mercado como o
americano eram indispensáveis ao meu progresso e ao progresso da
publicidade no Brasil38.

Com o passar dos anos, cada vez mais se importavam profissionais norte-

americanos para o treinamento das nossas equipes, no sentido de colaborarem para a

renovação e a sofisticação dos nossos anúncios, trazendo para nós uma mentalidade nova

de mercado e consumo. Segundo Sarmento, apesar do custo alto, o investimento valia a

pena.

Lembro-me de duas ocasiões em que transferimos diretores de arte


de New York para o Rio de Janeiro. Eu era então presidente da McCann-
Erickson no Brasil e nesses dois casos importei homens que vieram
ganhando mais do que o meu salário39.

Esta importação de profissionais com experiência no mercado norte-americano foi

vital para o desenvolvimento da propaganda brasileira. Nesta época, os jornais e as revistas

– os principais veículos de venda do país – se modernizaram para atender à demanda dos

anunciantes.

Para se ter uma idéia da importância destas agências e da postura brasileira frente à

sua chegada, reproduzimos parte do depoimento do Sr. J. A de Souza Ramos, para o

Anuário Brasileiro de Publicidade:

Na história da evolução da publicidade entre nós temos duas


influências bem definidas. A primeira é a das agências norte-americanas,
que se instalaram no Brasil como a Ayer-Sons. A segunda é das agências

38
SARMENTO, A. de M. “As agências estrangeiras trouxeram modernidade, as nacionais aprenderam
depressa”, in: BRANCO, R., MARTENSEN, R., REIS, F. (coords.). História da Propaganda no Brasil...,
op. cit., p. 21.
39
Ibidem.
brasileiras que embora sem nacionalismo, reagiram à adoção estrita dos
métodos americanos40.

J. A de Souza Ramos faz, portanto, questão de salientar que as agências nacionais

se aperfeiçoaram com a presença norte-americana, sem contudo perderem sua

personalidade. Afinal, corroborando o comentário acima, o próprio crescimento da filial da

McCann-Erickson no Brasil deveu-se, e muito, ao talento de Sarmento, que obteve cotas de

produtos estrangeiros, como a Coca-Cola, a Nestlé e a Goodyear, que a própria matriz em

Nova York buscava conquistar há muito tempo.

A década de 1940 na propaganda foi marcada pelas turbulências da Segunda Guerra

Mundial, pela fundação do Ibope e pela chegada ao Brasil da revista Seleções do Reader’s

Digest41, ambos em 1942. Nesta revista passariam a circular os principais anúncios das

grandes marcas norte-americanas.

Acompanhando o crescimento do mercado de propaganda no Brasil nesta década,

sob o comando de Emil Farhat, a McCann-Erickson do Brasil, nos anos de 1940,

implantou uma revolução nos meio radiofônico brasileiro com a criação dos programas

Repórter Esso, que estreou em 1941, sendo transmitido pela Rádio Nacional do Rio de

Janeiro e pela Rádio Record de São Paulo, tendo como locutor Heron Rodrigues, e o

Correspondente Estrangeiro RCA Victor, que foi criado no período da segunda guerra

mundial. A criação de ambos os noticiários cristalizou a união publicidade e informação.

Além destes noticiários, a McCann-Erickson criou o programa radiofônico Um

milhão de melodias, um dos maiores sucessos da Rádio Nacional, patrocinado pela Coca-

Cola, que era cota desta agência42.

40
Anuário Brasileiro de Publicidade, 1951, p. 162.
41
Ver JUNQUEIRA, Mary. “A visão da América Latina na Revista Seleções do Reader’s Digest”, in
TORRES, Sônia (org). Raízes e Rumos – Perspectivas Interdisciplinares em Estudos Americanos. Ed. 7
Letras, 2001, pp. 126-135.
42
CALABRE, Lia. A Era do Rádio. Rio de Janeirio: Jorge Zahar, 2005.
A chegada da prática de pesquisa de mercado ao Brasil, no final da Segunda Guerra

Mundial, foi mais uma contribuição das agências norte-americanas; a Thompson, em 1945,

e a McCann-Erickson, em 1948, fundaram seus próprios departamentos de pesquisa. Esta

última criou um departamento especializado no ramo, denominado de Marplan, e utilizava

pesquisas de seu departamento e também do Ibope, com o intuito de traçar um perfil dos

hábitos de consumo, das potencialidades do mercado, além de realizar pesquisas de visual,

de embalagem, etc. Um de seus objetivos era dar um caráter mais técnico e profissional à

distribuição de verbas entre os veículos de publicidade.

A Thompson fazia pesquisas para a revista Seleções do Reader’s Digest, e a

McCann-Erickson, para a revista O Cruzeiro. Ambos os departamentos utilizavam o

método recall. Tratava-se das duas revistas de maior circulação neste período, e a

utilização destes instrumentos de pesquisa mostra a preocupação tanto de uma quanto da

outra revista com a opinião do consumidor em relação às mesmas e o grau de receptividade

alcançada pelos anúncios publicitários que veiculavam.

Quando as agências de publicidade norte-americanas desembarcaram no Brasil, em

1930, nosso mercado consumidor era ainda incipiente. Se levarmos em consideração que a

sociedade brasileira ainda era neste período marcada pelo localismo43, o impacto da

chegada das agências de publicidade estrangeiras foi sem dúvida um dos fatores que

contribuíram para que, nas décadas seguintes, se estruturasse uma cultura de consumo de

massa no Brasil.

Em meio a tantos progressos, findava-se a década de 1940 com a crescente

consolidação da propaganda como ramo profissional e, acima de tudo, um negócio, pois as

principais agências firmaram um convênio que estabelecia as normas de seu

funcionamento, fundando, em 1949, a Associação Brasileira de Agências de Propaganda.

43
ORTIZ, R. A Moderna Tradição Brasileira..., op. cit., p. 49.
AS PUBLICAÇÕES ESPECIALIZADAS EM PUBLICIDADE E OS ANUÁRIOS

Segundo o publicitário Fernando Reis, o Anuário da Imprensa, de 1915, relatava o

lançamento de A Publicidade, em 1892, sendo este o primeiro caderno especializado em

divulgar as vantagens da publicidade comercial; tinha um formato parecido com as

publicações do mesmo tipo que circulavam nos Estados Unidos. Entretanto, Fernando Reis

salienta que não é possível precisar quantos exemplares saíram, e nem quando o caderno

deixou de circular44.

No entanto, foi também a partir dos anos de 1930, com a vinda das primeiras

agências internacionais, que o mercado das publicações especializadas em propaganda

ganhou novo fôlego e passou a inspirar-se no estilo americano.

Em 1932, por exemplo, temos no Rio de Janeiro a publicação do primeiro jornal

específico, cujo nome era Propaganda, que mais tarde se transformou numa revista de vida

efêmera, de propriedade de Ivo Arruda, que utilizava o pseudônimo de Peter Nelson. A

inspiração norte-americana é facilmente percebida, na escolha do pseudônimo.

Arruda assim justificou a escolha do pseudônimo como diretor da


publicação: ‘Naquele tempo, ainda não havia ‘experts’ brasileiros e pensei
que ninguém acreditaria na pregação feita por um jornal qualquer, desde
que esse jornal não tivesse à sua frente um estrangeiro. Daí o nascimento
desse Peter Nelson, que assumia ares de americano da América do Norte
(...)’45.

Em 1937, surgiu a revista Propaganda, lançada em São Paulo, que teve a duração

de dois anos. Para substituí-la, surgiu no Rio de Janeiro, em 1940, a Publicidade, do

jornalista Lycurco Costa. Foi dirigida por Genival Rabelo, Manoel de Vasconcellos e

Walter Poyares, este último trabalhou como homem de criação nas principais agências

nacionais e estrangeiras existentes no Brasil, como a McCann-Erickson, a Standard

44
REIS, Fernando. “Sobre o colunismo publicitário e as publicações especializadas”, in: BRANCO, R.,
MARTENSEN, R., REIS, F. (coords.). História da Propaganda no Brasil..., op. cit., p.55.
45
Ibidem, p. 63.
Propaganda, a Interamericana e a J. Walter Thompson, além de ter fundado sua própria

agência, a Poyares Publicidade.

A revista Publicidade buscava ser um veículo de promoção da publicidade

moderna, tendo sido posta em circulação com muitos sacrifícios e recursos financeiros do

próprio W. Poyares46.

Tinha por proposta ser um espaço de divulgação do que ocorria no meio

publicitário brasileiro e mundial, de esclarecimento para os homens de negócios das

potencialidades da propaganda, de difusão de estatísticas referentes à publicidade e de

publicação de artigos de figuras representativas da propaganda.

O objetivo de Publicidade.
Publicidade aqui está. Uma revista técnica de propaganda. Surgiu
para realizar um objetivo. Mas quis começar como todas coisas da natureza
modestamente. Não apareceu de repente pronta. Queremos ser sinceros. Os
primeiros números lançados ainda este ano representam um ‘test’.
Queríamos sentir como seria recebido nosso esforço. Já apreciamos as
primeiras reações. E elas incentivaram-nos a ir para a frente.
Publicidade tem sua vida equilibrada em 1941, a começar de
Janeiro. Tem feição definitiva e apresentação adequada. Sua capa em
policromia, obedece a um estilo moderno, digno e brasileiro. E Publicidade
tem o seu programa. Publicidade pretende ter sua expressão definida como
veículo de propaganda. Cabe-lhe a propaganda da propaganda. E nessa
função há muito há realizar.
Basta pensar no desconhecimento que ainda há em grandes setores
do nosso país e por parte de muitos homens de negócios, de princípios
elementares de nossa poderosa arma de ação psicológica. E a pouca
propaganda faz então, por critério empírico, cujos resultados muitas vezes se
refletem maleficamente sobre o próprio conceito de propaganda.
Mas é forçoso reconhecer a dificuldade de se estudar propaganda
entre nós. O que há em língua portuguesa foi pouco difundido. Aí, pois se
abre o enorme campo para a Publicidade.
E neste ponto apelamos a todos os técnicos de propaganda. Que
pródigos em repartir os seus conhecimentos. As páginas desta revista
acolherão estudos, os resultados de experiências, as informações estatísticas,
as notícias. Pois Publicidade será também um meio de intercâmbio entre os
homens de propaganda.
Publicidade conta com colaboração total. É preciso que as agências,
os jornais, as revistas, as estações de rádio, os estabelecimentos gráficos
todos se movimentem. A campanha será nossa. O objetivo é levantar o nível
da propaganda. Nenhum momento seria mais indicado para isso do que o
atual, quando o Brasil está vivendo uma fase [de] energizamento. É a hora

46
As informações sobre a criação da revista Publicidade foram dadas pelo publicitário Walter Poyares, em
entrevista no Rio de Janeiro em 25/11/2004 e através de artigos publicados nesta revista.
da propaganda no Brasil. Depende dos atuais homens a orientação que a
mesma terá no futuro.
O espírito de Publicidade é construtivo. Criticará quando julgar
eficiente, mas sempre de forma objetiva, sincera.
Revelará tudo quanto encontrar de bom. Revelará, para incentivar.
Por isso esta revista espera colaboração, muita colaboração47 [grifo no
original].

A necessidade de uma publicação como Publicidade pode ser medida por um artigo

da Associação Brasileira de Propaganda, que deixava claro que era preciso fazer uma

campanha para promover a propaganda nos meios comerciais e industriais no Brasil no

início dos anos de 1940, como um meio fundamental para o crescimento das vendas e para

a consolidação das marcas.

A produção industrial em massa, e a necessidade conseqüente de


mercados de consumo, criaram uma profissão nova no cenário do mundo: a
propaganda.
Em todos os países civilizados, os profissionais desta nova arte
trabalham, estudam e aperfeiçoam os seus conhecimentos, procurando servir
as exigências sempre crescentes da indústria e do comércio racionalizando
métodos, recorrendo à ciência da Psicologia, compulsando estatísticas,
impondo a melhoria das artes gráficas utilizando o talento de desenhistas de
valor – os profissionais da propaganda elevaram a sua arte à dignidade de
uma profissão respeitável, pela atividade que demanda e pelos resultados
que proporciona.
Propaganda moderna não é gíria de ‘camelot’, não é escândalo, não
é mentira dourada. Propaganda e a coordenação das atitudes públicas de
uma indústria e a divulgação dos serviços que presta, baseada em fatos e
dados positivos, visando determinada reação de parte da opinião pública.
Propaganda não é, pois uma despesa mas uma inversão de capital
que dá resultados ao anunciante e o público, fomentando o progresso e a
riqueza do país48.

Portando, era necessário salientar que a propaganda moderna se baseava em dados

técnicos e contava com profissionais qualificados. O desenvolvimento interno alcançado

pelas agências de publicidade estrangeiras e nacionais precisava ser divulgado para a

sociedade e sobretudo para os homens de negócios, que ainda viam com algumas ressalvas

os ganhos que poderiam obter com a publicidade de seus produtos. Coube, portando, aos

47
Publicidade, janeiro de 1941, p. 4.
48
Publicidade, setembro de 1940, p. 32.
periódicos especializados, como Publicidade, e aos órgãos de propaganda levar os homens

de negócios do Brasil a compreenderem as potencialidades da propaganda.

A própria necessidade de demonstrá-la como um negócio levou à mudança do

nome da revista, em 1947, para Publicidade e Negócios, que circulou até 1961, quando

mudou novamente de nome, passando a chamar-se Política & Negócios. Muitas outras

revistas publicitárias surgiram neste período, mas pela limitação deste trabalho, não nos

deteremos nelas.

Além das revistas, três anuários foram publicados regularmente, por vários anos: o

Anuário de Publicidade, o Anuário Brasileiro de Imprensa e o Anuário de Rádio, sendo a

revista Publicidade a responsável pelo surgimento dos anuários no Brasil. O de

Publicidade, publicado pela revista de mesmo nome, veiculava o faturamento dos

principais veículos de publicidade, o valor da publicidade no país, incluindo as principais

campanhas de cada ano e as premiações do setor, além, é claro, de artigos de nomes

relevantes da publicidade nacional e internacional, sobretudo norte-americanos.

Os anos de 1940 marcaram uma transformação no que tange às publicações

periódicas, que passaram a se especializar e se voltar para um público específico,

contribuindo para uma dinamização do mercado de consumo. As publicações na área da

propaganda acompanharam este crescimento. “Anuários de publicidade, de imprensa, e

revistas como Publicidade e Propaganda passam a ser editados com a missão de fazer com

que a ‘mídia’ se tornasse o veículo propagador de novos hábitos de consumo”49.

Esta explosão de publicações sobre imprensa e propaganda, juntamente com a

vinda das agências de publicidade norte-americanas, foi, sem dúvida, fundamental para a

consolidação da propaganda comercial e do mercado de consumo de massa no Brasil, pois

49
MAUAD, Ana Maria. “A América é aqui: um Estudo sobre a influência cultural norte-americana no
cotidiano brasileiro”, in TORRES, Sônia (org). Raízes e Rumos – Perspectivas Interdisciplinares em Estudos
Americanos. Ed. 7 Letras, 2001, p. 139.
muito contribuiu, através de suas técnicas de venda, para fomentar a necessidade de

consumo na sociedade brasileira e a preparou para receber a avalanche crescente de

anunciantes estrangeiros, majoritariamente norte-americanas, que penetravam a cada ano

com mais freqüência no país.

Quando as agências de publicidade norte-americanas se estabeleceram no Brasil,

em 1930, se os meios de comunicação de massa, como o rádio, ainda estavam em processo

de estruturação, bem como a própria existência de um mercado consumidor, passada uma

década, já era possível notar as transformações na sociedade brasileira, que facilitariam a

divulgação dos produtos pelas agências de publicidades. A propaganda comercial a partir

dos anos de 1940 passou a ter melhores condições para se desenvolver com o crescimento

da classe média urbana, a industrialização, a urbanização e o aumento populacional das

grandes cidades. Sem dúvida, a presença das agências de propaganda norte-americana

muito contribuiu para estas transformações, fomentando entre a nascente sociedade urbana

industrial brasileira hábitos de consumo e financiando, através de anúncios publicitários, os

veículos de comunicação, como o rádio, o cinema e a imprensa, que, com o passar dos

anos, dependiam cada vez mais deste apoio financeiro.

Assim sendo, acreditamos que a análise do mercado editorial das revistas ilustradas

e da publicidade ao longo da primeira metade do século XX no Brasil, nos permite levantar

novas questões no que tange a compreender a identificação da classe dominante dos

centros urbanos brasileiros como o modelo civilizatório, pautado na sociedade liberal

burguesa norte-americana. Esta aproximação gerou um ambiente favorável que facilitou a

receptividade dos produtos norte-americanos, como a versão em português da revista

Reader´s Digest, que analisaremos a seguir.


1.2

SELEÇÕES: A VERSÃO EM PORTUGUÊS DA READER´S DIGEST

A edição portuguesa de “Reader’s Digest”


vem efetivamente abrir um caminho novo nas
relações tão necessárias entre a cultura
americana e a cultura brasileira. Com ela,
com certeza, o sentido da união americana
se fortificará ainda mais porque é pela
comunhão espiritual que se definem os
interesses primordiais das nações cultas.
Cândido Motta Filho
(Diretor Geral do Departamento de Imprensa e
Propaganda de São Paulo)

A Revista Reader´s Digest foi criada nos Estados Unidos em 1922, pelo casal Roy

Willian De Witt Wallace e Lila Acheson Wallace. Seu lançamento causou impacto, pelas

novidades no que tange ao seu formato de revista de bolso com uma capa que continha um

índice de 31 artigos das mais renomadas revistas e jornais e de publicações especializadas.

O objetivo da Reader´s Digest era ser, como sugere o seu próprio nome, uma revista que

digere/seleciona artigos de assuntos variados, publicados na grande impressa e em obras

científicas que nem sempre são de acesso do grande público. Reader´s Digest buscava
levar ao seu público um texto condensado, onde o leitor de classe média, ao qual era

destinada a revista, não tivesse dificuldades para compreendê-lo e assimilá-lo.

O primeiro exemplar da Reader´s Digest teve uma tiragem de 5 mil exemplares,

chegando à casa de um milhão dez anos após o seu lançamento50. A origem presbiteriana

do casal Wallace marcou em muito a concepção editorial da revista.

O Digest tornou-se um sucesso absoluto nos Estados Unidos, ao


tratar temas profundamente enraizados no imaginário social norte-
americano: veicularam inúmeros artigos tratando do Oeste e de seus
personagens lendários e também temas informados pelas idéias puritanas de
temos a Deus e assistência missionária, baseados em valores morais que
eles consideravam universais51 (grifo no original).

Ainda que fosse marcada por tais concepções, a Reader´s Digest procurava oferecer

aos seus leitores uma grande diversidade de assuntos; com o seu crescimento, passou a

convidar renomadas personalidades da literatura para escreverem na revista, com escopo

de alcançar um número crescente de público.

Um dos fatores que também contribuíram para o êxito da Reader´s Digest, foi o

fato de ter sido publicada, durante os anos de 1922-1956, sem a presença de anúncios

publicitários, o que permitiu que sofresse menos os efeitos da crise de 1929 do que os

outros periódicos norte-americanos, que dependiam das cotas publicitárias para baratear o

custo da publicação. A Reader´s Digest nos Estados Unidos viveu durante aqueles anos

apenas das assinaturas52.

No âmbito político, a revista procurava abordar temas relacionados à política

interna e externa norte-americana, onde buscava deixar claro para os seus leitores uma

50
JUNQUEIRA, Mary. Ao Sul do Rio Grande - imaginando a América Latina em Seleções: oeste, wilderness
e fronteira (1942-1970). Bragança Paulista: Edusf, 2000, p. 22.
51
Ibidem, p. 23.
52
CANNING, Peter. American Dreamers. The Wallace and Reader´s Digest: An Insider´s Story. New York:
Simon & Schuster, 1996, parte 3.
propensa imparcialidade que, no entanto, para Heidenry53, era questionável, pois, em

termos estatísticos, ocorria uma proporção maior de artigos que refletiam a postura

conservadora e protestante do casal Wallace.

Aproveitando-se do sucesso ocorrido nos Estados Unidos, a revista Reader´s Digest

começou a expandir-se, investindo em versões internacionais, a começar pelo lançamento,

em 1938, de uma edição destinada à Inglaterra.

O Departamento de Estado dos Estados Unidos, acreditando que a revista poderia

ser de grande auxílio na divulgação do estilo de vida norte-americano e que poderia ajudar

o governo a captar a colaboração dos países latino-americanos no combate ao crescimento

de grupos nazista na América Latina, sugeriu a Willian De Witt Wallace que promovesse

uma versão da revista para povos de língua hispânica do continente americano54. Este

contato entre Wallace e membros do governo norte-americano demonstra que a entrada da

Reader´s Digest no mercado latino-americano fez parte da estratégia da política de boa

vizinhança implantada pelos EUA, sobretudo nos anos que antecederam a Segunda Guerra

Mundial.

Desta forma, buscando analisar a viabilidade do lançamento de uma edição

destinada ao público latino americano, Wallace enviou dois especialistas em mercado da

revista para a América Latina, a fim de diagnosticar o perfil do público bem como o seu

poder aquisitivo.

Segundo o levantamento feito, o público latino-americano não possuía grande

poder de compra, sendo a classe média ainda incipiente na região. Levando em

consideração tais dados, Al Cole, um dos especialistas, propôs que o público norte-

americano arcasse com os custos das primeiras assinaturas da revista em língua hispânica

53
HEIDENRY, John. Theirs Was The Kingdom. Lila and DeWitt Wallace and the Story of The Reader’s
Digest. New York/London: W.W. Norton & Company, 1993.
54
CANNING, P. American Dreamers… op. cit., p. 91.
como parte do esforço de guerra e em nome do intercâmbio entre as repúblicas do

hemisfério55.

Segundo Mary Junqueira, os exemplares de agosto, setembro e outubro da Reader´s

Digest norte-americana de 1940, traziam chamadas na capa e na contracapa: mensagens,

conclamando os leitores norte-americanos a colaborarem com a distribuição da Reader´s

Digest na América Latina.

Prezo em saber que The Reader´s Digest está planejando uma


edição em língua espanhola e que está convidando muitos leitores nos
Estados Unidos a cooperar, proporcionando a mais ampla distribuição
possível. O livre intercâmbio de idéias maneira mais amigável para
estabelecer e manter o entendimento, Cidadãos dos Estados Unidos que
avaliarem esta oportunidade encontrarão uma forma prática de fazer a sua
parte individual na, agora, vital causa da unidade Pan-Americana56.

A campanha nos Estados Unidos foi um sucesso, permitindo que, em dezembro de

1940, fosse lançada a versão em espanhol da Reader´s Digest, intitulada Selecciones del

Reader´s Digest, inicialmente no México, chegando pouco tempo depois aos outros países

de língua espanhola.

Para garantir a viabilidade da nova versão da revista, foram estabelecidos

provavelmente contatos com membros da imprensa local latino-americana para viabilizar a

distribuição da revista. O sucesso de Selecciones Del Reader´s Digest, no entanto,

dependeu muito das cotas de anúncios, pois, como o seu preço era baixo, diferentemente

da revista norte-americana, a edição espanhola teve anunciantes, que foram fundamentais

para a o seu sustento, como demonstra uma carta de Berclay Acheson, responsável pelas

edições internacionais da Reader´s Digest.

A carta de Acheson, enviada a possíveis anunciantes norte-americanos, expunha

quais eram os objetivos a serem alcançados com o lançamento da versão hispânica da

55
HEIDENRY, J. Theirs Was The Kingdom … op. cit., p. 154.
56
Digest – 4º capa, set/1940, apud JUNQUEIRA, Mary, op. cit., p. 36.
Reader´s Digest. Buscava convencer as grandes empresas norte-americanas a anunciarem

na nova versão da revista Selecciones del Reader´s Digest .

Some eighteen months ago, because we sensed the danger which is


now apparent, we decided to publish, on a non-profit basis, a Spanish edition
of The Reader’s Digest. Here, we believed, was a way to present directly to
the people of Latin America the finest of American hopes and ideals and the
best of American business practice, as reflected in the pages of this magazine
which so many million North Americans were already reading. Here was a
straightforward, American way to dispel from the minds of Latin Americans
the old idea of the “Colossus of the North” which Axis agents were
everywhere busily fostering.
The experiment was successful beyond our fondest hopes. With the
blessing of every interested public authority in the United States and the
enthusiastic support of American businessmen, the first issue of the Spanish
Edition – called SELECCIONES del Reader’s Digest – was published in
December, 1940. Today, only a year later, SELECCIONES is bought by
nearly twice as many Latin Americans as have ever read any Spanish-
language magazine before. Nearly 400,000 purchasers in every Latin-
American country look forward to each issue with impatience. Each month it
brings to Latin-American readers a fresh and stimulating picture of
American ideals, American ways of living, and the American products that
are making that way of living an attainable thing57 [grifos no original].

Ao analisarmos carta de Berclay Acheson, percebemos que a entrada da Reader´s

Digest na América Latina teve um escopo político-ideológico. Ao tentar convencer os

anunciantes norte-americanos da relevância do mercado latino americano, Acheson

utilizou um discurso que enfatizava o crescimento dos movimentos nazistas, procurando

demonstrar que os anunciantes, assim como a Reader´s Digest, deveriam aliar-se para

57
Uns dezoito meses atrás, porque nós sentimos o perigo que é agora aparente, nós decidimo publicar, sem
fins lucrativos, uma edição espanhola The Reader’s Digest. Nós acreditamos que era a melhor maneira de
apresentar diretamente aos povos da América latina o mais fino das esperanças e dos ideais americanos e do
melhor da prática de negócio deste povo, como refletido nas páginas desta revista que milhões de norte-
americanos já liam. Esta era uma maneira direta dos norte-americanos dissipar nas mentes dos latino-
americanos a velha idéia do "Colosso do norte" que os agentes do Eixo estavam em toda parte promovendo.
A experiência foi bem sucedida indo além de nossas espectativas. Com o apoio das autoridades
publicas dos Estados Unidos e com o entusiástico suporte dos homens de negócios americanos, a primeira
edição em espanhol – intitulada SELECCIONES del Reader’s Digest – foi publicada em dezembro de 1940.
Hoje, apenas um ano depois, SELECCIONES é comprada por aproximadamente duas vezes mais latino-
americanos do que qualquer outra revista em espanhol. Quase 400.000 compradores em todos os países
latino-americanos esperam com ansiedades as novas edições. Cada mês a revista traz para os leitores latino-
americanos um retrato atualizado e estimulante dos ideais americanos, da sua maneira de viver, e dos seus
produtos que estão fazendo com que essa maneira de viver seja alcansavel. Carta assinada por Barclay
Acherson no início de 1942. A cópia deste documento encontra-se arquivada no Centro de Documentação e
Pesquisa em História Contemporânea (CPDOC), Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, estando seu
original arquivado no The National Archives of Washington (NARA).
promover, com o apoio do governo dos Estados Unidos, o combate às ideologias que não

fossem partidárias dos interesses da sua geopolítica para a América Latina.

O gerente da Reader´s Digest apregoava o êxito inicial da edição em espanhol com

o intuito de promover entre os anunciantes a idéia de que a versão hispânica da Reader´s

Digest seria um excelente espaço para a divulgação de seus produtos na América Latina e

para explicar possíveis dificuldades de atender às demandas devido às intempéries do

período de guerra. Barclay Acheson procura deixar claro que a veiculação de Selecciones

del Reader´s Digest não visava lucros para os seus editores norte-americanos, estando

mais comprometida com a divulgação dos ideais daquela sociedade e com os avanços de

suas indústrias do que com interesses financeiros. Devido a tal postura dos editores,

Acheson ressalta em sua carta que a participação dos anunciantes neste projeto seria

fundamental, pois a verba dos anúncios cobriria grande parte dos gastos com a edição e a

distribuição da versão em espanhol da revista para a América Latina.

Without the cooperation of a list of advertisers that reads like a


roll-call of the best in American business, the extraordinary success of
SELECCIONES would not have been possible. (We seek no profit from
SELECCIONES. But its relatively low price in Latin America – 10 cents
– requires advertising revenue if we are to avoid an insupportable loss.)
For this cooperation we are grateful. But now there are even stronger
reasons for regarding SELECCIONES as a unique means of forwarding
the interests both of your business and of the nation58 [grifo no original].

Com o êxito alcançado pela versão em espanhol, que gradativamente conquistou

um grande número de anunciantes, cada vez mais se especulava sobre a necessidade de se

lançar uma versão em português para ser distribuída no Brasil e em Portugal.

O crescimento das tensões na Europa e a entrada dos Estados Unidos na segunda

guerra em 1942, ao lado dos aliados, fizeram com que a política de boa vizinhança fosse
58
Sem a cooperação de uma lista de anunciantes tidos como os melhores negóciantes americanos, o sucesso
extraordinário de SELECCIONES não seria possível. (Nós não buscamos lucro com SELECCIONES. Mas
seu preço relativamente baixo na América latina - 10 centavos – exige rentimentos com os anúncios para
evitar um prejuízo insuportável.) Por esta cooperação nós somos gratos. Mas agora há razões mais fortes
para considerar SELECCIONES como um meio sem igual para remeter os interesses de ambos: de seus
negócios e da nação. Ibidem.
enfatizada. Dentro deste contexto, Nelson Rockefeller, que era coordenador do Office of

the Coordinator of Inter-American Affairs (OCIAA)59, solicitou a criação de uma versão

em português, acreditando que esta seria de grande ajuda no esforço de divulgação da

política de boa vizinhança, na medida em que o OCIAA e outros órgãos do governo norte-

americano utilizaram os veículos de comunicação, como o cinema, o rádio e a impressa

periódica, para veicularem propaganda norte-americana. Tal postura de Rockefeller pode

ser claramente justifica pelo fato de o OCIAA procurar diferentes veículos para a

propagação da política de boa vizinhança norte-americana. Como a Reader´s Digest era

uma revista que ressaltava em suas páginas o American way of life, Nelson provavelmente

acreditava que sua veiculação em todos os países da América Latina seria um espaço

privilegiado para se conquistar a simpatia e a colaboração da população perante o governo

norte-americano.

Desta forma, veremos, nos capítulos subseqüentes, como as versões latinas da

Reader´s Digest se converteram em um espaço de propagação, nos seus textos e anúncios

publicitários, da política de boa vizinhança.

Como vimos no primeiro item deste capítulo, a sociedade brasileira dos grandes

centros urbanos nas primeiras décadas do século XX passou a se familiarizar com o

American way of life, veiculado nos filmes e nas propagandas de produtos norte-

americanos60. A proximidade com esta cultura, construída com grande participação dos

meios de comunicação, foi, sem dúvida, fundamental para a boa receptividade entre os

brasileiros da versão em português da Reader´s Digest, intitulada no Brasil Seleções do

Reader´s Digest.

A primeira edição foi lançada em fevereiro de 1942, com uma tiragem de 100 mil

exemplares e sua receptividade foi muito grande entre os leitores brasileiros. Na


59
O OCIAA será mais bem analisado no segundo capítulo deste trabalho.
60
Ver MOURA, Gerson. Tio Sam Chega ao Brasil, op. cit.
contracapa da primeira edição, figuras renomadas da grande imprensa deram depoimentos

que ilustravam a importância de se ter em português uma publicação da relevância da

Reader´s Digest.

É com a mais viva satisfação que escrevo estas palavras destinadas


ao primeiro número da nova edição de Reader´s Digest. Ninguém pode
deixar de reconhecer que esse empreendimento representa, antes de mais
nada, uma prova do prestígio do nosso idioma (...) os brasileiros recebem
com o mais intenso regozijo está nova edição de Reader´s Digest que muito
poderá contribuir para desenvolver as boas relações entre Brasil e Estados
Unidos, cuja amizade e tão antiga quanto a independência de ambas as
nações e tem sido reforçada no curso da história por iniludíveis
demonstrações de solidariedade e afeto. Que esta edição de Reader´s Digest
possa ser mais um elemento de aproximação, pela cultura e pelo espírito do
povo das duas nações – a de Washington e a de José Bonifácio61.

Neste depoimento, Lourival Fontes, diretor do Departamento de Imprensa e

Propaganda (DIP), ressalta a boa receptividade que teve o lançamento da revista no Brasil

e sobretudo salienta que ela seria um espaço de interligação entre o Brasil e os Estados

Unidos.

A aceitação relatada por Lourival Fontes foi ratificada num texto publicado pelos

editores da revista:

Os leitores de Seleções do Reader´s Digest terão de certo prazer em


saber que, ao atingir o seu terceiro número, esta nova revista é já um dos
periódicos de mais larga difusão no Brasil. Os brasileiros compraram, só
por si, mais exemplares do primeiro número de Seleções, do que toda a
América Espanhola do primeiro número de Selecciones (...).
Por todo o país encontrou Seleções o mais lisonjeiro acolhimento,
desde o Pará a Baía e ao Rio Grande do Sul. Todos os exemplares do
primeiro número estavam vendidas, em muitas cidades ao cabo de uma
semana (...) os 100.000 exemplares da primeira edição esgotaram
rapidamente e os agentes telegrafaram a pedir com urgência novas
remessas. Com o resultado de tal cordial recepção, que excedeu todas as
expectativas à distribuição de Seleções no Brasil foi agora aumentada para
150.000 exemplares62.

As inovações gráficas da revista, como o seu formato de bolso, que condensava, em

cada edição mensal, artigos das renomadas publicações e de livros, oferecendo ao leitor em

61
Depoimento de Lourival Fontes, Diretor Geral do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP),
publicado na revista Seleções do Reader´s Digest em fevereiro de 1942, contracapa.
62
Seleções do Reader´s Digest, maio/1942, contracapa.
forma resumida artigos variados, que podiam ser encadernados, agradou ao público

brasileiro da mesma forma que já acontecia em outros países, onde a revista era distribuída.

A revista Seleções do Reader´s Digest é uma publicação moldada no


espírito dinâmico do século. As suas qualidades de órgão informador dos
que não dispõem de muito tempo, alia o seu porte cômodo, que permite a
sua condução no bolso, para que seja lida no trem, no cinema enquanto se
espera a sessão, ou em qualquer parte quando se ofereça um momento
disponível63.

A chegada da revista ao Brasil teve grande impacto no mercado das publicações

periódicas. Afinal, a revista servia como uma fonte de informação sobre o que acontecia no

mundo. Como demonstra o depoimento de Sylvia de Bettencourt, colaboradora do Correio

da Manhã, do Rio de Janeiro:

Há anos que o Reader´s Digest tem sido uma de minhas principais


fontes de informações e que de suas páginas tenha recebido a inspiração
para muitos de meus tópicos. (...) O Reader´s Digest tem sido durante anos
não só um manual mas também uma fonte de infinito prazer intelectual para
todos nós na esfera jornalística brasileira que lemos em inglês e mais
recentemente para os que sabem espanhol. Mas hoje com a facilidade
trazida por esta nova edição em português, todos os brasileiros em todas as
esferas poderão ter as vantagens deste serviço editorial tão completo e
criterioso64.

A revista utilizou-se de várias estratégias para aumentar o número de leitores no

Brasil: na sua contracapa, em quase todos os exemplares do seu primeiro ano de

publicação, os editores buscaram divulgar depoimentos de leitores e de figuras

representativas da sociedade brasileira e internacional, como uma forma de demonstrar que

a revista era capaz de agradar a leitores variados, como políticos, intelectuais e o público

em geral, de várias regiões do Brasil e de outras partes do mundo.

Além desta estratégia, os editores promoveram uma campanha entre os assinantes

da revista, com o intuito de que estes indicassem pessoas para receberem exemplares

gratuitamente.

63
Ibidem, outubro/1942, Contracapa. Depoimento do Dr. Thomaz Bernardino.
64
Ibidem, junho/ 1942, contracapa.
Divulgue a sua descoberta! Se você acha que a descoberta de
Reader´s Digest lhe foi tão grata quanto proveitosa, não lhe parece que
alguns de seus amigos estimariam participar dela recebendo um exemplar
espécime da revista? Para auxilia-los a partilhar a sua descoberta com
outras pessoas teremos o maior prazer em remeter exemplares grátis de
Seleções a uns cinco de seus amigos (...) Bastará escrever e remeter (...) uma
carta ou bilhete postal com os nomes e endereços desses amigos65.

Tal rede de contatos, montada a partir da distribuição gratuita de exemplares, foi

fundamental para o crescimento da sua circulação no mercado brasileiro. Além disto, para

conquistar os leitores, os textos publicados buscavam abarcar uma variedade de temas,

pondo seus leitores em contato com os assuntos mais relevantes de uma forma resumida,

para lhes poupar tempo e esforço.

Desta forma, podemos perceber que esta norma em muito contribuiu para o seu

êxito, era uma forma de direcionar a sua leitura, ainda que não possamos cair nas

armadilhas de olhar o leitor como um ser passivo66; sem dúvida, este formato de

condensação de textos facilitava a divulgação de conteúdos ideológicos, que estavam

representados tanto nos artigos como nos anúncios publicitários, encartados no final da

revista.

A chegada de Seleções foi um marco na imprensa brasileira. A versão em português

era produzida nos Estados Unidos, sendo Otávio Mangabeira o responsável pela tradução

para a língua portuguesa e Afrânio Coutinho, gerente e secretário da versão em português.

Portanto, ainda que elaborada nos Estados Unidos, Seleções possuía colaboradores

brasileiros, o que, sem dúvida, facilitou uma melhor formatação dos textos ao gosto do

público brasileiro.

65
Ibidem, junho/1942, contracapa.
66
Ver GINZBURG, Carlo, O Queijo e os Vermes – O cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela
Inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, e CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano,
Petrópolis: Vozes, 1996.
Com o sucesso alcançado pela versão em português, ela passa, em 1950, a ser

produzida no Brasil, em escritórios no Rio de Janeiro. Afinal, na década de 1950, Seleções

já se havia tornado a segunda revista mais lida no Brasil, ficando atrás apenas de O

Cruzeiro.

Sem dúvida, o sucesso de Seleções só foi possível devido à consolidação da

imprensa e da propaganda comercial no Brasil a partir dos anos 1930; como vimos, o apoio

financeiro das empresas norte-americanas que pagavam pelos anúncios nela publicados foi

fator relevante para a sustentabilidade das edições internacionais da Reader´s Digest.

O crescimento da imprensa no Brasil possibilitou a divulgação da revista nas mais

diversas regiões brasileiras. Os editores da Reader´s Digest estabeleceram contatos com os

editores de periódicos locais tanto para promoverem a distribuição da versão em português

quanto para solicitarem o envio de artigos de escritores brasileiros para serem publicados.

Desta forma, acreditamos que o sucesso da revista no Brasil só foi possível devido

a uma receptividade dos valores da cultura norte-americana, que, como vimos no primeiro

item, já se construíra desde os anos 1930, pelo crescimento gradativo dos meios de

comunicação e das camadas médias nos grandes centros urbanos, além do surgimento de

uma sociedade de consumo no Brasil; este último fator teve, sem dúvida, como principal

agente estruturador o mercado publicitário, que também se consolidava e divulgava nos

meios de comunicação anúncios que veiculavam toda uma gama de novidades industriais.

No próximo capítulo, analisaremos a criação – pelo governo dos Estados Unidos,

em conjunto com as agências de propaganda daquele país e seus clientes – de um projeto

de anúncios publicitários para a América Latina que buscava criar demanda para seus

produtos entre nós, conjuntamente com a divulgação da política de boa vizinhança.


CAPÍTULO

O OFFICE OF THE COORDINATOR OF INTER-AMERICAN AFFAIRS


EO

ADVERTISING PROJECT

Caro Wayne,
De fato, os resultados que foram alcançados
estão além de nossas expectativas originais.
(...) o lançamento de anúncios tem sido uma
contribuição poderosa no nosso esforço de
guerra nas outras Américas.
Sinceramente,
N.R Coordenador.
(Carta de Nelson Rockefeller ao Senhor Wayne C.
Taylor, subsecretário de comércio dos Estados
Unidos.)
2.1
NELSON ROCKEFELLER E O OCIAA

“Casa Branca, Washington, 03 de julho de 1941.

Meu Caro Sr. Rockefeller: Eu aponto-o por este


documento como o Coordenador de casos Inter-
Americanos de acordo com as provisões da ordem
executiva que estabelece este escritório e que define
seus funções e deveres. Nesta atividade você não
receberá compensação alguma, mas lhe será
fornecido o real e necessário ao transporte,
subsistência, e outras despesas inerentes ao
desempenho de seus deveres”.
Sinceramente seu,
Franklin D. Roosevelt.67

Nelson Rockefeller era membro de uma importante família norte-americana,

vinculada ao Partido Republicano e proprietária de empresas, como a Standard Oil

Company e o Chase National Bank. Inicialmente, por conta de suas atividades como

presidente do Museu de Arte Moderna (MOMA) e como conselheiro do Metropolitan

67
ROWLAND, Donald, W. (dir.). History of the Office of the Coordinator of Inter-American Affairs –
Historical Reports on War Administration, Washington: Government Printing Office, 1947, p. 282.
[Tradução Livre]
Museum, ambos sediados em New York, onde estabeleceu seus primeiros contatos com as

manifestações artísticas da América Latina. Tendo trabalhado também no Departamento de

Negócios Estrangeiros do Chase National Bank, iniciou sua amizade com Joseph

Rovensky, que era vice-presidente deste banco e que se tornou anos depois seu auxiliar no

OCIAA68.

Devido aos negócios de sua família, fez viagens a diversos países latino-

americanos, como Venezuela, Brasil e Argentina. Durante estas visitas, teve contato com

os trabalhos desenvolvidos pela Fundação Rockefeller69. Ao retornar para os Estados

Unidos, teve em mente que a América Latina era uma área vital para os Estados Unidos.

Mostrando-se preocupado com a possibilidade do crescimento do nazismo em alguns

países latino-americanos, passou a reunir-se, a partir de 1938, com um grupo de amigos,

com o intuito de estabelecer propostas para a política externa norte-americana para a

região. No entanto, muitas vezes suas propostas iam de encontro às idéias defendidas pelo

grupo liderado por Sumner Welles, sub-secretário de Estado no governo de F. D.

Roosevelt.

No grupo liderado por Nelson Rockefeller, encontravam-se homens como

Beardesley Ruml, tesoureiro da R. H. Macy`s – grande loja de departamento de Nova

Yorque – Jay Crane, tesoureiro da Standart Oil de Nova Jersey, Wally Harrison, Hugh

Robertson, gerente do Rockefeller Center, Robert Hutchins, da Universidade de Chicago, o

68
Sobre as informações a respeito de Nelson Rockefeller e seu envolvimento com a América Latina, ver:
REICH, Cary. The Life of Nelson A. Rochefeller. Worlds to Conquer. 1908-1958. New York: Doubleday,
1996 e COLBY, Gerard & Dennett, Charlotte. Seja feita a Vossa Vontade. A conquista da Amazônia: Nelson
Rockefeller e o Evangelismo na Idade do Petróleo. Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Record, 1998.
69
A Fundação Rockefeller foi criada em 1913, por iniciativa do milionário John D. Rockefeller, com o
objetivo de implantar em vários países medidas sanitárias baseadas no modelo americano, com a prioridade
de empreender o controle internacional da febre amarela e da malária. Ver MARINHO, Maria Gabriela
S.M.C. Norte-americanos no Brasil: uma história da Fundação Rockefeller na Universidade de São Paulo
(1934-1952), São Paulo: Editora Autores Associados; Universidade São Francisco; 2001.
publicitário William Benton e Joseph Rovensky, do Chase Bank. Em suas reuniões foi

formulado um plano de medidas para a América Latina70.

O plano foi apresentado a Harry Hopkins, Secretário de Comércio do governo dos

Estados Unidos, que sugeriu que fosse encaminhado ao presidente F. D. Roosevelt, que,

após tomar conhecimento das propostas do grupo, enviou um memorando intitulado

Hemisfery Economic Politic71, um resumo do documento entregue por Nelson Rockefeller

e seus pares, para ser analisado pela Comissão de Assuntos Interamericanos72.

Neste plano havia sugestões para que o governo norte-americano reduzisse as taxas

de produtos importados de países latino-americanos; falava sobre a cooperação que deveria

haver entre as empresas e o governo para aumentar o investimento no hemisfério; da

necessidade de se fortificar a ação diplomática dos Estados Unidos na América Latina e,

acima de tudo, fomentava que fosse iniciado um programa de trocas culturais, educacionais

e científicas. Assim sendo, a proposta de Nelson Rockefeller e de seus companheiros

buscava promover uma integração entre as ações do governo dos Estados Unidos com o

setor privado norte-americano.

Portanto, depois da análise do documento de Nelson Rockefeller, F. D. Roosevelt

decidiu criar, em 16 de agosto de 1940, uma agência estatal subordinada ao Conselho de

Segurança Nacional, com as funções de coordenar os projetos dos Estados Unidos no

âmbito das relações econômicas e culturais com a América Latina, fomentar a colaboração

hemisférica com os países latino-americanos, combater a presença nazi-facista e resguardar

mercado para as indústrias norte-americanas.

70
SOUSA, Marquilandes Borges. “Semear aos Quatro Ventos – O uso do rádio pela propaganda política dos
Estados Unidos durante a Segunda Guerra: os casos do Brasil e do México”. São Paulo: Universidade de São
Paulo, 2002, Dissertação de Mestrado, pp. 24-25
71
ROWLAND, D. W. (dir.). History of the Office of the Coordinator of Inter-American Affairs... op. cit., pp.
279-280.
72
TOTA, Antônio Pedro. O Imperialismo Sedutor: a americanização do Brasil na época da Segunda
Guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 48.
Esta agência chamou-se primeiramente Office for Coordination of Commercial and

Cultural Relations between the American Republics, um ano depois passou a se chamar

Office of the Coordinator of Inter-American Affairs73, ficando conhecida no Brasil como

Birô Interamericano. O nome para comandar a agência foi alvo de intensas disputas, sendo,

no entanto, sua coordenação entregue a Nelson Rockefeller, homem de negócios que tinha

contatos com os principais representantes das grandes firmas norte-americanas. Sua

escolha pelo governo americano provavelmente levou em consideração o papel de

mediador que ele poderia desempenhar. Tal constatação ficou evidente na montagem do

grupo que iria gerenciar o Office; Rockefeller escolheu como seus auxiliares homens de

sua confiança, pertencentes aos grandes grupos econômicos norte-americanos.

Não faltaram recursos para a montagem, desse imenso laboratório político:


o Birô gastou cerca de 140 milhões de dólares em 6 anos de atividades. Nos
tempos de maior ação, empregava 1100 pessoas nos Estados Unidos e 200
no estrangeiro, além dos comitês voluntários de cidadãos norte-americanos
(geralmente empresários) que apoiavam as atividades do Birô em 20 países
americanos74.

O Office of the Coordinator of Inter-American Affairs (OCIAA)75 era formado por

quatro divisões: a de comunicações, que envolvia as seções de rádio, cinema, imprensa,

viagens e esportes; a de comércio e finanças, que incluía transportes, exportações; a de

saúde, que tinha como foco programas sanitários e a divisão de relações culturais, que

lidava com arte, música, literatura, publicações, intercâmbios e educação.

No Brasil, o Office tinha como representante Berent Friele, que contava com a

colaboração da Embaixada norte-americana e tinha o apoio de um comitê de coordenação

formado por executivos representantes de empresas, tais como General Electric, Standart

Oil, Metro Goldwin Mayer, Light and Power, The National City Bank of New York.

73
Exceto como especificado, esta é a fonte das informações sobre o OCIAA. ROWLAND, Donald, W. (dir.).
History of the Office of the Coordinator of Inter-American Affair…, op. cit.
74
MOURA, G. Tio Sam chega ao Brasil.., .op. cit., p. 22.
75
A partir deste ponto, esta agência será denominada como OCIAA ou Office.
Sediado na cidade do Rio de Janeiro, tinha uma agência em São Paulo e subcomitês de

apoio em Belém, Fortaleza, Natal, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Curitiba,

Florianópolis e Porto Alegre.

Neste trabalho, não irei discorrer sobre todas as divisões que compunham o

OCIAA; analisarei mais detalhadamente apenas a Divisão de Comunicação e Informação,

por ela estar mais relacionada às hipóteses que serão levantadas.

A Divisão de Comunicação e Informação foi o principal veículo para a divulgação

de informações positivas sobre os Estados Unidos nos países latino-americanos, na medida

em que buscou contra-atacar a propaganda do Eixo e difundir notícias favoráveis aos

norte-americanos nos diversos meio de comunicação da América Latina. Com sedes em

New York e Washington, esta divisão foi primeiramente chefiada por John M. Clark,

editor do Jornal Washington Post, e depois por Francis A. Jamieson, da Associated Press, o

que demonstra o contato do OCIAA com as grandes agências de notícias norte-americanas.

Nesta divisão, trabalharam também alguns brasileiros, como Origines Lessa e Raimundo

Magalhães. Dentre as várias funções que exerciam, enviavam radiofotos com informações,

notícias e artigos sobre as relações interamericanas para as principais publicações

brasileiras.

A tática de propaganda do Office também abrangia a publicação de folhetos,

pôsteres, panfletos e revistas, dentre as quais ficou famosa a Em Guarda. Como afirma

Gerson Moura,

A operação de ‘divulgação de notícias’ se fazia em duas direções:


havia notícias dos EUA no Brasil e notícias do Brasil nos EUA (estas em
menor escala reproduzidas depois nos jornais brasileiros). Em duas
direções também se faziam as visitas de editores e jornalistas dos dois
países: os americanos vinham conhecer o Brasil, enquanto os brasileiros
iam aprender as técnicas e os progressos do jornalismo e da atividade
editorial americana.
(...) além das tradicionais formas de subsídios aos jornais e revistas
brasileiros, o Birô dispunha de uma arma poderosa para assegurar a sua
vontade. Devido a escassez de papel de imprensa, as licenças de exportação
de papel dos EUA eram facilitadas aos jornais favoráveis a causa
americana76.

Outra parte que compunha a Divisão de Comunicação e Informação era a seção de

cinema, uma das mais importantes, tendo produzido filmes de ficção e, sobretudo,

documentários e cinejornais, em conjunto com os estúdios de Hollywood, além de ter

fomentado a vinda de artistas norte-americanos para países latino-americanos, bem como a

de latino-americanos para os Estados Unidos, a exemplo de Ari Barroso e Carmem

Miranda77, que se tornou a embaixatriz da política da boa vizinhança, tendo edificado com

seus trejeitos e balangandãs a imagem que o Brasil viria a ter neste período no exterior78.

Esta seção ficou sob o comando de John Hay Whitney, grande amigo de Nelson

Rockefeller e homem influente na indústria cinematográfica de Hollywood. A seção de

cinema tinha escritórios espalhados em New York, Washington e na Califórnia, mas, se

comparada a outras seções, dispunha de um pequeno número de funcionários, pois grande

parte do material utilizado já vinha pronto dos estúdios de Hollywood. Esta divisão

produziu filmes comerciais e não comerciais. Muitas das produções comerciais tiveram o

Brasil como cenário, como, por exemplo, Brazil Gets News, Brazil´s fishing shool79 e

Voando para o Rio (Flying down to Rio), de 1933, que foi sucesso de público nos EUA e

no Brasil, tornando-se um dos filmes mais lucrativos do estúdio da RKO. O público norte-

americano mostrou-se satisfeito com a oportunidade de viajar para o Brasil em um pacote

turístico que incluía romance, escapismo, efeitos especiais e números musicais

extravagantes. Os brasileiros, por sua vez, agradaram-se dos ares cosmopolitas que sua

76
MOURA, G. Tio Sam chega ao Brasil..., op. cit., pp. 34-35.
77
Ver MENDONÇA, Ana Rita. Carmem Miranda Foi a Washington. Rio de Janeiro: Record, 1999.
78
MAUAD, Ana Maria. “As três Américas de Carmem Miranda: Cultura política e cinema no contexto da
política de boa-vizinhança”, in Revista de Estudos Americanos, Rio de Janeiro, vol. 1, no 1, 2002.
79
Ver TOTA, A. P. O Imperialismo Sedutor... op. cit., p. 63.
capital assumia pela primeira vez em tela estrangeira80.

“Além da produção de filmes sua distribuição e exibição integravam as

preocupações do Birô, somente no ano de 1943 ele patrocinou 8698 seções no Brasil que

alcançaram 5 milhões de pessoas”81.

Os filmes produzidos tinham como assuntos principais as belezas naturais dos

países latino-americanos, sua música e seu folclore, afinal, eles deveriam ser um meio para

se fomentarem as relações culturais entre os norte-americanos e os latino-americanos82.

A divisão de rádio situada em Washington era dirigida por Don Francisco, famoso

homem de propaganda; esta seção encomendava programas aos diversos estúdios, sendo

um de seus objetivos conter o crescimento das emissoras alemãs e italianas na América

Latina.

Anteriormente à deflagração da Segunda Guerra Mundial, as grandes emissoras de

rádio norte-americanas tinham atividades reduzidas na América Latina, se comparadas com

as estações européias, sobretudo as alemãs e as italianas.

Com um objetivo mais ideológico (não visavam a resultados


materiais imediatos como as rádios americanas) as emissoras alemãs e
italianas tinham programação específica para o Brasil. Os sinais emitidos
em Berlim e Roma eram muito mais potentes que os emitidos nos Estados
Unidos83.

Já em 1939, por exemplo, a rádio Berlim de ondas curtas disponibilizava para o

Brasil uma programação diversificada, composta de musicais e noticiários, que eram

veiculados tanto em português quanto em língua alemã. Programas como estes eram, sem

80
MEDEIROS, Bianca Freire. “Quando o filme é um cartão-postal: assistindo e voando para o Rio 70 anos
depois”. Anais da XIII Jornada de Estudos Americanos: Sentidos da Americanidade, 2004, pp. 111-118.
81
MOURA, G. Tio Sam chega ao Brasil..., op. cit., pp. 41-42.
82
Ver MAUAD, Ana Maria. “A América é aqui: um Estudo sobre a influência cultural norte-americana no
cotidiano brasileiro”, in TORRES, Sônia (org.). Raízes e Rumos – Perspectivas Interdisciplinares em Estudos
Americanos. Ed. 7 Letras, 2001. Ver também MENEGUELLO, Cristina. Poeira de Estrelas – O Cinema
Hollywooddiano na Mídia Brasileira das Décadas de 40 e 50. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1996.
83
TOTA, A. P. O Imperialismo Sedutor... op. cit., p. 74.
dúvida, um meio de propaganda dos regimes nazi-fascistas. Foi devido a esta presença,

sobretudo alemã, nos meios radiofônicos latino-americanos que a Divisão de Rádio do

Office se tornou uma das mais bem cuidadas por Nelson Rockefeller. Seu escopo era

aumentar o número de emissoras radiofônicas norte-americanas na América Latina,

porque, como o próprio chefe da Divisão de Rádio afirmava,

O rádio ajuda a criar uma opinião pública dinâmica no Hemisfério


Ocidental, apoiando de forma contínua o esforço de guerra das Repúblicas
americanas. A opinião pública, uma vez informada, não aceitará nem
tolerará a propaganda do eixo que atinge o continente84.

O intuito era que o rádio pudesse alcançar um público maior, abarcando diversos

segmentos sociais e, na tentativa de implantação deste objetivo, o próprio D. Francisco

viajou pela América Latina. A Divisão produziu diversos programas que ficaram famosos

no Brasil, como “A Marcha do Tempo”, “Canções da América”, “A Marcha da Guerra”,

este último intercalava comentários informais de entrevistas com autoridades.

Nos grandes jornais e revistas da época, como em Seleções85 e Em Guarda, eram

publicados os horários de veiculação dos programas; as rádios, como a Tupi, a Mayrink

Veiga e a Record, dentre outras, transmitiam a programação que era enviada dos Estados

Unidos. Empresas patrocinadoras de programas de radiodifusão, como a Westinghouse e a

Standard Oil divulgavam também em seus anúncios publicitários os horários dos

programas patrocinados. A Divisão de Comunicação e Informação produziu também

diversos radiojornais e programas de variedades que, antes de serem veiculados, eram

autorizados pelo OCIAA.

84
RAC, Record Group 4, series 4, box 9, folder 73, apud, TOTA, A. P. O Imperialismo Sedutor..., op. cit., p.
73.
85
O primeiro exemplar da versão brasileira saiu em fevereiro de 1942, sendo um sucesso de público. Ver:
JUNQUEIRA, Mary. Ao Sul do Rio Grande – imaginando a América Latina em Seleções: oeste, wilderness e
fronteira (1942-1970). Bragança Paulista: Edusf, 2000.
2.2
O ADVERTISING PROJECT

“This project is part of the broad


good neighbor effort for mutual aid among
the Americas”…
Mr. Nelson Rockefeller86

Em 1942, o OCIAA formulou um projeto, intitulado Cooperation with U.S.

Advertisers in the other American Republics, em conjunto com o Departamento de

Comércio, de Tesouro e de Estado, além de agências governamentais, sugerindo que os

industriais, os comerciantes e os exportadores norte-americanos não deixassem de

anunciar, apesar das dificuldades de se atender aos pedidos no período da guerra e que, em

seus anúncios, publicassem mensagens que remetessem à política da boa vizinhança.

O objetivo do Office era convencer as grandes empresas norte-americanas a

anunciarem, mesmo que não pudessem ter um retorno imediato. Neste período de

intempéries, o OCIAA salientava que era necessário fazer com que os seus nomes não

fossem esquecidos, garantindo assim reserva de mercado para o pós-guerra.


86
“Este projeto é parte do grande esforço do bom vizinho para ajuda mútua entre as Américas. Sr. Nelson
Rockefeller”. FGV, CPDOC, IAA 390715.
Para compreender os objetivos e o funcionamento deste projeto, trabalharemos com

a análise de algumas correspondências mantidas pelo Office com os anunciantes e as juntas

de comércio norte-americanos que tinham negócios na América Latina, com os

empresários latino-americanos ligados à área de comunicação, com as agências de

publicidades norte-americanas e com seus escritórios regionais, situados na América

Latina. Esta documentação encontra-se no National Archives and Administration Records

(NARA – Maryland-EUA), contudo, parte dela foi copiada e trazida para o Brasil por

Gerson Moura87, estando arquivada no Centro de Pesquisa e Documentação

Contemporânea (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Apesar desta

documentação estar no Brasil há décadas, não temos conhecimento de trabalhos que a

tenham utilizado.

Através da sua análise, podemos perceber que, a partir de 1942, os anúncios de

empresas norte-americanas na América Latina nos diversos meios de comunicação, como

jornais e rádios, começam a ter uma queda acentuada. A entrada dos Estados Unidos no

conflito mundial, em 1941, fez com que muitas empresas convertessem suas produções

para o esforço de guerra. Grande parte dos produtos que eram anunciados, como

geladeiras, lava-roupas e produtos industrializados em geral, estavam cada vez mais

difíceis de se obter.

No intuito de viabilizar o projeto, o coordenador Nelson Rockefeller enviou

correspondência, em junho de 194288, ao Departamento do Tesouro, pedindo que os gastos

de anunciantes norte-americanos com propaganda realizados em jornais e estações de rádio

latino-americanos fossem considerados como uma despesa dedutível na declaração de

87
Pesquisador já falecido da Fundação Getúlio Vargas (FGV), dedicado ao estudo das relações
internacionais.
88
FGV, CPDOC. Inter-American Affairs (IAA) 390715. Coleção de documentos avulsos (CDA), que reúne
os selecionados por pesquisadores do Centro de Pesquisa e Documentação Contemporânea (CPDOC) da
Fundação Getúlio Vargas (FGV) no National Archives and Administration Records (NARA).
imposto de renda das companhias dos Estados Unidos. O coordenador pediu que, se

possível, o Departamento de Tesouro lhe enviasse uma carta, que serviria para ele

comprovar às companhias norte-americanas que tais despesas seriam consideradas

dedutíveis pelo Departamento do Tesouro norte-americano.

Segundo esta mesma carta, o Office estava ansioso para que a propaganda das

companhias dos Estados Unidos continuasse a ser feita durante a guerra, por dois motivos:

primeiramente, porque pensavam que era necessário solidificar as marcas de produtos dos

Estados Unidos nas outras repúblicas americanas, levando em consideração que a disputa

por estes mercados tenderia a aumentar no pós-guerra. Além disto, o Office acreditava que

a propaganda feita por exportadores norte-americanos durante a guerra poderia contribuir

para explicar as razões da escassez de determinados produtos norte-americanos, fazendo

com que a população pudesse solidarizar-se com o esforço de guerra e aprender a

conservar os produtos mais escassos. Para o OCIAA, as críticas da população das outras

repúblicas americanas seriam inevitáveis, se tais providências não fossem tomadas.

Como um subproduto importante deste esforço, ainda nesta correspondência o

Office salientava ao Departamento do Tesouro que esperava que os jornais e as estações de

rádio dos países da América do Sul e Central, que atuavam ativamente na promoção da

amizade inter-americana e na disseminação de informações providas pelo Office,

continuassem recebendo renda de propaganda suficiente para manter esta operação.

Desta maneira, podemos perceber que a formulação do projeto Cooperation with

U.S. Advertisers in the other American Republics – que, a partir deste momento, será

denominado apenas de Advertising Project – tinha como escopo alcançar objetivos amplos

que abarcavam múltiplos interesses, na medida em que a consolidação das empresas norte-

americanas e dos seus produtos no mercado latino-americano se faria conjuntamente com a

divulgação dos ideais de colaboração hemisférica, cabendo à propaganda comercial um


papel didático de ensinar a conservar produtos e, sobretudo, de solidificar ideologias de

reciprocidade entre os Estados Unidos e a América Latina e de contribuir para a

sustentação da empresa latino-americana, que dependia da publicidade comercial para a

sua sobrevivência. O custo para se manter uma estação de rádio e um jornal era muito alto

neste período e, sem dúvida, o apoio do capital das empresas norte-americanas, que eram

as que mais anunciavam na América Latina, foi fundamental para a sobrevivência da

grande maioria destes meios de comunicação. No entanto, como podemos perceber na

documentação analisada, relativa ao Office, as estações de rádio e os jornais que recebiam

mais cotas de anúncios de firmas norte-americanas eram os que faziam direta ou

indiretamente divulgação política e ideológica daquele governo.

Para a elaboração do Advertising Project, foram realizados estudos que envolveram

praticamente todos os departamentos da Divisão de Comunicação. Em um memorando de

1941, encaminhado por Edward H. Robbins, é possível perceber que as resoluções sobre o

Projeto, tomadas em Washington, deveriam ser avaliadas pelos comitês locais do OCIAA,

não sendo, portando, uma proposta acabada, idealizada pelo Comitê de Política, mas, pelo

contrário, deveria esta, para ter eficácia, levar em consideração as possíveis modificações

implementadas pelos comitês locais. No mesmo memorando, o assistente do OCIAA,

Edward H. Robbins, ressalta que as informações contidas no memorando deveriam ser

repassadas para os comitês locais, pois eram uma interessante exposição da atividade

nazista e que não havia razão para apreensão da ação deste plano localmente89.

Assim sendo, no Advertising Project, fica evidente que os comitês locais do Office,

espalhados por diversas cidades da América Latina, tinham uma atuação relevante no

desenvolvimento local do projeto, pois eram fontes de informações dos órgãos centrais do

89
Memorando enviado por Richard I. Phillips para Edward H. Robbins, Ibidem.
OCIAA, localizados nos Estados Unidos, propagadoras regionais das medidas elaboradas

por este.

O documento formulado pelo OCIAA, sobre o Advertising Project, foi apresentado

em agosto de 1942; nele, o Office ressaltou que aproximadamente 500 fabricantes dos

Estados Unidos e empresas de negócio interessadas no comércio exterior já haviam sido

contatados pelo escritório do OCIAA90.

O Office acreditava que, como muitas indústrias norte-americanas se converteram

ao esforço de guerra e tiveram dificuldades para manter a exportação para as outras

repúblicas americanas, a idealização do Advertising Project vinha ao encontro da

necessidade destas fábricas de manterem os mercados que haviam conquistado graças a um

maciço investimento em propaganda, e que, por outro lado, tal projeto seria uma forma de

o governo norte-americano divulgar a política de boa vizinhança, utilizando a publicidade

comercial.

Assim sendo, tal Projeto foi gestado, em cooperação com o Departamento de

Comércio, o do Tesouro, o de Estado e outras agências governamentais, tendo sido

realizadas reuniões entre os representantes do Departamento de Comércio e fabricantes

para explicar os detalhes do programa, informando-os, por exemplo, como os gastos com

anúncios que estivessem de acordo com os propósitos estabelecidos pelo Advertising

Project poderiam ser dedutíveis do impostos de renda das empresas. Tal informe sobre esta

dedução, ratificado na documentação analisada, demonstra que a solicitação, feita por

Nelson Rockefeller ao Departamento do Tesouro, da possibilidade de tal dedução das

despesas dos anunciantes que se comprometessem com o Projeto, foi atendida, o que

demonstra que o governo norte-americano não mediu esforço para a implementação do

Advertising Project e que reconhecia sua importância no contexto da Segunda Guerra.

90
Ibidem.
Nelson Rockefeller salientou aos exportadores norte-americanos que o Advertising

Project fazia parte do esforço de boa vizinhança e afirmou que as outras repúblicas

americanas estavam ajudando os Estados Unidos de diversas formas na batalha contra os

agressores do Eixo.

Os países latino-americanos estavam enviando matérias-primas para a indústria de

guerra norte-americana, combatendo as sabotagens e a espionagem do Eixo, fortalecendo

as defesas militares do hemisfério, conservando matérias e bens essenciais e convertendo

suas indústrias para a produção de materiais estratégicos. Além disto, Rockefeller ressaltou

aos exportadores norte-americanos que muitos veículos de mídia nas outras repúblicas

americanas divulgavam notícias favoráveis à causa democrática e que, desta forma, em

resposta a tais iniciativas de cooperação e com o intuito de garantir o mercado consumidor

no pós-guerra, os exportadores norte-americanos deveriam manter suas despesas de

propaganda e coaduná-las com a divulgação da política de boa vizinhança91.

Percebemos, portanto, que o OCIAA teve que empreender uma divulgação do

Advertising Project entre as empresas norte-americanas, a fim de colocá-las a par dos

meandros do Projeto e de convencê-las de sua viabilidade econômica e da sua relevância

político-ideológica para o governo norte-americano, demonstrando que o apoio ao Projeto

era um dever patriótico dos exportadores norte-americanos e uma solução para assegurar

seus gastos com a propaganda comercial e para afiançar o mercado latino-americano

naquele momento e, sobretudo, quando a guerra findasse.

Ao estabelecer as bases para o funcionamento do Projeto, o OCIAA enviou aos

seus comitês, espalhados pelas outras repúblicas americanas, informações de como ele

deveria ser posto em prática. Os comitês regionais deveriam divulgar o Advertising Project

91
Ibidem.
para as filiais locais de indústrias norte-americanas e também para as casas empresariais

dos países em que eles se encontrassem.

No entanto, o documento enviado pelo OCIAA ressaltava que este trabalho de

contato deveria ser feito com precaução e inteligência com empresários de confiança do

comitê regional, que estivessem em comum acordo com a política de boa vizinhança.

Como podemos perceber neste trecho de uma correspondência enviada pelo Office aos

comitês de coordenação:

The question arises as to just how we should proceed in acquainting


the native businessmen with these objectives and secure their sympathetic
support. The situation is delicate and must be handled with the greatest care
and intelligence. It is my feeling that the members of your Coordination
Committee are in the best position to work out the method of approach in
each particular case. You may wish to reach as many of the advertisers as
possible or you may find it advisable to restrict this to a few of the more
important advertisers whom you might know personally and can reach
individually on this matter in as informal way, and their cooperation
obtained92.

É necessário destacar que os funcionários do Office não utilizavam em seus

documentos de divulgação a palavra propaganda, buscando, desta forma, minimizar sua

ação neste setor e contrapor-se à ofensiva propagandista declarada, praticada pelos

alemães.

Nesta mesma correspondência, ressaltou-se que os resultados obtidos quanto ao

apoio dos fabricantes norte-americanos superaram as expectativas e que os gastos em

anúncios na maioria das empresas de 1942 para 1943 deveriam crescer.

92
A questão é como nós devemos proseguir familiarizando os homens de negócios nativos com estes
objetivos e assegurar sua simpatia para dar sustentação. A situação é delicada e deve ser controlada com
cuidado e muita inteligência. É meu sentimento que os membros de seu Comitê de Coordenação estão em
melhor posição para desenvolver o método de aproximação em cada caso particular. Você pode desejar
alcançar o quanto de anunciantes que for possível ou você pode se for aconselhável restringir isto a algum
dos anunciantes mais importantes que você pode conhecer pessoalmente e atingir individualmente de
maneira informal e obter a sua cooperação.Ibidem.
A análise da documentação do Office que foi pesquisada deixou claro que o

Advertising Project foi estratégico e deveria ser posto em ação com cautela. Sua execução

e principalmente a propagação deste plano entre as agências de publicidade e os

exportadores norte-americanos tinha que ser feita de forma cuidadosa; ao entrarem em

contato com firmas e agências de confiança, os representantes do OCIAA buscavam evitar

que as informações do projeto fossem descobertas pelos seus inimigos.

Num período onde a espionagem se realizava constantemente, o Office sem dúvida

temia que a descoberta dos planos do governo norte-americano pudessem, sobretudo,

manchar a imagem cordial que vinha sendo construída dos Estados Unidos através da

política de boa vizinhança na América Latina.

O anúncio do projeto mobilizou diversos setores, a firma Lang Company93 da

Filadéfia, especializada em fotografia e gravuras, divulgou notícia sobre uma placa que

tinham criado para ser usada pelos anunciantes que aderissem ao Advertising Project.

93
FGV, CPDOC, IAA, 420602.
Como poderemos perceber nos anúncios publicitários das firmas norte-americanas,

que serão mais bem trabalhados no próximo capítulo, as agências abusavam da criatividade

na implementação do Advertising Project, destacando os slogans que remetiam à união das

Américas e aos ideais democráticos, tentando sempre expor um conteúdo que sublimava os

reais objetivos ideológicos da propaganda comercial e que enfatizava as novidades da


indústria norte-americana que transformariam o cotidiano das sociedades juntamente com

uma divulgação do estilo de vida norte-americano.

Através da análise de um memorando enviado à Secretaria de Estado, foi possível

perceber que a carta dirigida pelo Coordenador do OCIAA, Nelson Rockefeller, obteve a

resposta de 242 industriais, dos quais a grande maioria se mostrou

disposta a implementar em seus anúncios as mensagens que remetiam à política de boa

vizinhança sugerida pelo Office e a aumentar o número de seus anúncios na América

Latina94.

O documento relata ainda que, junto à carta do Coordenador, foi anexada outra, do

Departamento do Tesouro, informando sobre as possibilidades de deduções do dinheiro

gasto em anúncios desta natureza. E ainda informa que 83 cartas foram enviadas para

bancos dos Estados Unidos, pedindo sua cooperação para o Projeto.

Das empresas que deram uma resposta favorável ao Projeto, 56 indicaram estar

propensas a gastar juntas, em 1942, um montante de $5,459,420, sendo as principais

investidoras a Sterling Products, a Standard Oil, a Coca-Cola Corporation e a RCA Victor.

De acordo com o documento, a maior percentagem, cerca de 60% dos valores, ficaria

destinada às publicidades em jornais e no rádio.

Sem dúvida, os documentos oficiais do Office nos permitem ter uma percepção das

várias parcerias estabelecidas para a consolidação do Advertising Project; o apoio

financeiro de instituições bancárias e de empresas de grande capital, como a RCA Victor e

a Stardard Oil, de propriedade da família Rockefeller, davam sustentação e credibilidade

ao projeto.

Nos anúncios publicados na revista Seleções, entre os anos de 1942 e 1945, que

foram por mim pesquisados e que serão mais bem analisados no próximo capítulo, fica

94
FGV, CPDOC, IAA, 390715.
patente a supremacia do número de anúncios das firmas acima elencadas pelo memorando

e a divulgação em seus anúncios das premissas políticas de boa vizinhança, propagada pelo

OCIAA.

Entretanto, os contatos estabelecidos pelo Office se estendiam também, como está

documentado, a representantes dos meios de comunicação latino-americanos. Como, por

exemplo, comprova uma carta95, encontrada em nossa pesquisa, enviada a Mr. Joseph C.

Rovensky, assistente do coordenador, por Joel A. Bliss, representante do Jornal do

Commercio, do Brasil, em 02 de junho de 1942. Esta carta nos leva a supor que o

Advertising Project já era do conhecimento dos membros da grande imprensa da América

Latina, como era o caso do referido Jornal do Commercio, uma instituição de grande

prestígio, antes mesmo de seu anúncio oficial, e também a perceber que a imprensa latino-

americana tinha contatos com altos membros do OCIAA, como Rovensky.

A necessidade de anunciantes para a edificação dos meios de comunicação na

América Latina foi sem dúvida fundamental para o estreitamento de laços entre os homens

da empresa, que necessitavam de receita para seus empreendimentos, e os exportadores

norte-americanos.

Na carta, Joel A. Bliss salientava que estava de comum acordo como o projeto

formulado pelo Office, pois acreditava que este era fundamental para unificar os laços

comerciais entre os Estados Unidos e a América Latina naquele período e principalmente

no pós-guerra. O representante do Jornal do Commercio colocou-se à disposição do

OCIAA e ratificou que, como era destinado a grandes negociantes e industriais, acreditava

poder ser de grande cooperação para o sucesso do Advertising Project.

Joel afirmou ainda em sua carta que já havia pensando em um plano como este e

que visitou, meses atrás, associações comerciais que se mostraram favoráveis a colaborar.

95
FGV, CPDOC, IAA, 420602.
Assim como o representante do Jornal do Commercio, em pouco tempo outros

membros da imprensa brasileira e do meio publicitário tiveram conhecimento da criação do

Advertising Project pelo OCIAA. O advento deste plano de cooperação do Office com os

anunciantes na América Latina foi visto por alguns membros da imprensa brasileira como

um meio de o governo norte-americano colaborar com a latino-americana, pois esta

dependia das verbas dos anúncios – que, em muitos casos, eram de empresas norte-

americanas – para a sua sobrevivência. Como podemos perceber em nota publicada na

revista Publicidade, em 1942:

Cooperação Publicitária.
O senhor Nelson Rockfeller, coordenador de assuntos Inter-
Americanos dirigiu-se a quinhentas firmas anunciadoras norte-
americanas que têm seus ramos na América Latina pedindo as
mesmas para que cooperem por meio de anúncios com a imprensa de
todas as Américas, dando assim, uma prova de solidariedade com a
imprensa cuja principal fonte de renda reside, justamente na
propaganda comercial96.

A análise dos documentos do Office ressalta que os comitês regionais buscavam

estabelecer contatos com membros da imprensa da América Latina para terem uma

percepção de quais periódicos e estações de rádio eram favoráveis ao governo norte-

americano e, conseqüentemente, para incentivar as empresas daquele país a lhes darem a

preferência de suas cotas de anúncios.

Um memorando de agosto de 1943, enviado ao Sr. J. Stanton Robbins por W. A.

Anderson, ressaltava a necessidade de apoiar os jornais latino-americanos favoráveis aos

Estados Unidos, de forma que pudessem sobreviver a eventuais crises e continuassem

solidamente a contribuir com o esforço de guerra.

Tal estratégia do Office acabava por enfraquecer financeiramente os meios de

comunicação da América Latina que não se colocavam a favor do governo norte-

96
Publicidade, outubro de 1942, p. 15.
americano, fossem eles simpatizantes do Eixo ou não. Sem a parceria da propaganda

comercial, como bem salientou a nota da revista Publicidade, uma das mais respeitadas do

ramo nos anos 1940, a solidificação da imprensa no Brasil assim com nos outros países

latinos americanos estaria seriamente comprometida.

Pela análise da documentação, podemos perceber que o OCIAA procurava induzir

os anunciantes norte-americanos a relatarem, nos anúncios publicitários, o empenho do

governo dos Estados Unidos na guerra e sua condição econômica, e a ressaltarem a

confiança dos negócios norte-americanos, afiançando a convicção entre as pessoas dos

países latino-americanos das relações comerciais entre seus países e os Estados Unidos no

pós-guerra.

Em carta enviada a Summer Welles, Secretário de Estado do governo norte-

americano, o coordenador Nelson Rockefeller salientava a importância de que ele

acompanhasse os progressos obtidos pelo Advertising Project na imprensa sul-americana97.

Summer Welles, ciente da carta endereçada às empresas norte-americanas,

anunciantes na América Latina, e da cooperação destas com o plano formulado pelo

OCIAA, recomendou que os anúncios publicitários destas empresas não fossem creditados

a qualquer fonte governamental ou mesmo ao Comitê do Office.

Em uma circular enviada aos diplomatas norte-americanos em missões nas

repúblicas americanas, foi solicitado que se fizesse uma cópia para os principais diretores

de divisões e seções do Office. Summer Welles salientou que era necessário remover

rótulos oficiais ou linhas de crédito de qualquer material dado a anunciantes e dar outros

passos apropriados para evitar implicação do Governo dos Estados Unidos em qualquer

propaganda comercial envolvida neste programa, além da necessidade de colocar um

97
FGV, CPDOC, IAA, 370715.
suplemento à carta que foi enviada por Sr. H. Walter Blumenthal, do Escritório do

Coordenador, aos anunciantes americanos, explicando tal recomendação98.

Os documentos analisados do Office, portanto, comprovam que não era apropriado

para o governo dos Estados Unidos terem material oficial utilizado para propósitos

comerciais.

Desta forma, podemos perceber que aquele governo não queria que fosse

abertamente divulgada sua vinculação ao projeto organizado pelo Office e tudo leva a crer

que o objetivo era demonstrar que o Advertising Project era uma iniciativa própria dos

exportadores e industriais norte-americanos que tinham negócios na América Latina e que,

por isto, necessitavam anunciar seus produtos e fomentar o demanda por consumo, apesar

dos transtornos gerados pela Segunda Guerra Mundial.

Assim, a propagação da política de boa vizinhança nos anúncios publicitários,

através de slogans ou textos que exaltavam o esforço de guerra dos Estados Unidos, a

consolidação da liberdade e da democracia na América Latina e a união das repúblicas

americanas se deviam apenas ao patriotismo dos exportadores norte-americanos que

atuavam na América Latina e que estavam dando apenas sua parcela de colaboração para o

combate aos inimigos do governo norte-americano.

Os documentos que remetiam aos contatos estabelecidos entre o Coordenador do

OCIAA, ou seus representantes, com o Secretário de Estado norte-americano demonstram

que o desenvolvimento do Advertising Project foi acompanhado de perto por aquele

governo, o que comprova que a forma como eram feitos os anúncios publicitários e,

sobretudo, o conteúdo que eles divulgavam nesse período eram de suma importância para a

estruturação das idéias propagados pela política externa norte-americana, ainda que o

governo buscasse manter este contato sob sigilo.

98
FGV, CPDOC, IAA, 390715.
Para viabilizar seus objetivos, o OCIAA buscou estabelecer contatos com agências

de propaganda possuidoras de cotas de empresas norte-americanas que anunciavam na

América Latina, com o intuito de que as agências pudessem ser um elo de ligação entre os

objetivos traçados pelo Office no Advertising Project e os anunciantes norte-americanos.

O Office sugeria aos anunciantes exemplos de slogans e jingles que poderiam ser

desenvolvidos pelas agências para serem veiculados nos anúncios de seus clientes,

acreditando que estes eram um meio eficaz para divulgar a política de boa vizinhança.

Além disto, o OCIAA pedia às agências de publicidade que fossem enviados dados sobre o

volume e cópias do tipo de anúncios utilizados pelos seus clientes na América Latina,

indicando também em que meios eram veiculados, ou seja, informações gerais sobre como

era feita a propaganda destes anunciantes. Solicitava que as agências também informassem

a localização dos escritórios mantidos pelos seus clientes nas Américas e nome dos seus

diretores, além de desejar saber se estavam trabalhando com o apoio da embaixada norte-

americana local.

Em uma carta de agosto de 1942, de Harold N. Elterich ao Sr. William Hopkinson,

dono de uma agência de propaganda norte-americana, o representante do OCIAA esboça o

interesse deste em tê-la como cooperadora do departamento de exportação norte-

americano, salientando que desejava solicitar o apoio de seus clientes de exportação,

promovendo a política de boa vizinhança nas Américas por intermédio da sua propaganda.

Elterich afirma que o OCIAA estava entusiasmado por poder aproximar-se dos clientes da

agência e familiarizá-los com os objetivos do Office99.

Elterich afirmava que era desejo do Office ter todos os fabricantes norte-americanos

que anunciam na América Latina cooperando ao máximo, utilizando seus jornais, suas

rádios e outras formas de anunciar para espalhar o que ele chamou de evangelho da política

99
FGV, CPDOC, IAA, 420602.
de boa vizinhança, para que as outras repúblicas das Américas pudessem unir-se nesta

causa comum. Elterich acreditava que estas milhares de mensagens, levadas diariamente ao

povo das Américas, poderiam contribuir muito para estabelecer a confiança da população

da América Latina na política de boa vizinhança. Para Elterich, todo exportador americano

deveria contribuir para esta batalha de natureza psicológica, pois assim estaria cumprindo a

sua parte no esforço de guerra.

Como exemplos de slogans a serem adotados pelos anunciantes, Elterich cita para o

dono da agência: “As Américas Unidas Vencerão”100, que estava sendo utilizado por

muitos exportadores norte-americanos nos seus anúncios. Neste documento, o

representante do OCIAA ainda ressaltou que já estava comprovado para o Office que estes

slogans estavam fazendo um trabalho notável na América Latina, sendo bem recebidos

pela população.

A análise desta carta de Elterich nos permite ter uma noção de como se dava a

relação entre o Office e as agências de publicidade e de como tal contato lhe permitiu ter

acesso a um panorama dos meios de comunicação da América Latina, dos principais

clientes das agências de publicidade norte-americana que anunciavam nela e dos recursos

materiais e artísticos utilizados na propaganda comercial.

Afinal, Elterich pede neste documento que lhe sejam enviadas informações sobre o

desenvolvimento dos tipos de promoção usados pelos clientes da agência nas Américas e o

volume por país. Além disto, pede também que indique o veículo utilizado: jornal, rádio,

panfletos, carros de som, bem como amostras do material de promoção utilizados pela

agência, o número aproximado de jornais por localidades, o tipo de programa que estava

sendo irradiado e o tempo de duração por dia.

100
Encontramos este slogan em muitos anúncios publicados em Seleções entre 1942-1945 por diversas
firmas norte-americanas.
O Office solicitou ainda que a agência divulgasse o local de qualquer escritório

mantido nas Américas por seus clientes, especificando se eles eram dirigidos por cidadãos

americanos ou não. Igualmente, foi requerido o envio de uma lista dos distribuidores de

cada um de seus clientes. O representante do OCIAA relatou que este órgão gostaria de

fazer contato com os clientes da agência que estavam fazendo viagens para a América

Latina, para estabelecer um contato prévio, antes de eles partirem e para obter destes

homens de negócios notícias de suas recentes visitas.

Desta forma, percebemos que os membros do OCIAA buscaram rastrear o maior

número de informações sobre os meios de comunicação latino-americano e sobre as

empresas norte–americanas que atuavam na América Latina, vendo nestes últimos

potenciais parceiros do governo americano na divulgação da política de boa vizinhança.

O contato prévio com os clientes das agências de publicidade possivelmente

permitiria ao Office conhecer o perfil dos exportadores norte-americanos, além da

oportunidade de explicar os detalhes do funcionamento do projeto, dando assim um

respaldo oficial ao Advertising Project.

No entanto, a análise da documentação do Office demonstra que não parece ter sido

fácil a compreensão das premissas do Advertising Project por parte pelo menos de algumas

agências de publicidade e de seus clientes.

Em uma correspondência de Paul H. Hedrick, funcionário do OCIAA, a Mr. John P.

Kane, representante de uma agência de publicidade que tinha como cliente uma firma de

aviação que anunciava na América Latina, o funcionário do Office ressalta que os

empresários dos Estados Unidos e os anunciantes tinham que superar a idéia de que as

relações latino-americanas eram de importância secundária, e sugeria que a agência

prestasse uma melhor atenção à recomendação do Sr. Rockefeller sobre os anúncios

destinados à América Latina, de forma que seu cliente, que nela estava anunciando,
pudesse obter ganhos para a sua empresa e também para o governo dos Estados Unidos.

Salientava ainda que era preciso que os anunciantes percebessem que o projeto formulado

pelo Office tratava de uma questão de idéias e não apenas de mídia/propaganda e que ele

próprio, como funcionário do OCIAA, estava à disposição para esclarecer eventuais

questões101.

Portanto, o Office, em alguns casos, teve que fomentar entre os anunciantes norte-

americanos a necessidade de operarem na América Latina, convencendo-os a encará-la

como um mercado vital para o governo norte-americano no período de guerra e, sobretudo,

quando esta findasse, salientando a importância ideológica do projeto que estava sendo

posto em voga.

Desta forma, acreditamos que o Advertising Project se converteu em um

empreendimento que aliou, através da ação do governo dos Estados Unidos, os interesses

da sua política externa aos objetivos econômicos das grandes empresas norte-americanas.

A relação estreita entre política e economia revela uma preocupação em manter uma linha

de coerência ideológica, que contribuiria para solidificar uma imagem favorável dos

Estados Unidos, visto como um país amigo e um exemplo de democracia e modernidade a

ser seguido pelos países latino-americanos.

Cabe ressaltar que a dinâmica ideológica do projeto revela contradições no âmbito

do próprio sistema político norte-americano, que, ainda que se pautasse na livre iniciativa,

se via melindrado pela ação governamental direta, pois a estruturação do Advertising

Project demonstra uma ingerência do poder do governo nas empresas norte-americanas.

Ao que tudo indica, durante um período de extrema disputa econômica por mercados

comerciais e alianças políticas, os conflitos entre os setores privado e governamental foram

101
FGV, CPDOC, IAA, 420602.
postos em segundo plano, pois, acima das disputas internas, estava a necessidade de

consolidar espaços estratégicos para os Estados Unidos.

Em uma carta enviada por E. A. Robbins ao diretor da Divisão de Relações

Culturais, em abril de 1942, Sr. Wallace K. Harrison, o Office tinha traçado algumas metas

que deveriam ser contempladas no esforço de propaganda, tais como o desenvolvimento de

respeito profundo dos latino-americanos pelos Estados Unidos, a crença em que a vitória

dos Aliados na presente guerra era inevitável, a convicção por parte da América Latina de

que a cooperação com os Estados Unidos era essencialmente necessária agora e no futuro

e, sobretudo, de que a propaganda deveria fomentar um real medo do Eixo, ratificando-o

como uma ameaça para todo o continente americano102.

Neste mesmo documento, E. A. Robbins detalha as formas de como o respeito para

com os Estados Unidos seria promovido e estampado nos anúncios publicitários, sendo

extremante didático em sua exposição, estabelece a seguinte ordem de precedência para os

conteúdos que deveriam ser contemplados pela propaganda destinada à América Latina: o

poder da Marinha e do Exército norte-americanos e a sua habilidade para lutar; o potencial

humano, a riqueza dos recursos naturais e a sua capacidade produtiva.

Desta forma, deveria também ser ressaltada a tradição de defesa, por parte do

governo norte-americanos, da liberdade, da tolerância, assim como a falta de interesses

imperialistas na sua postura, em seus esforços sinceros para o estabelecimento de um

estado social melhor para todos e a existência, nos Estados Unidos, de uma cultura extensa.

Robbins afirmava ainda que, para se viabilizar o Advertising Project, este poderia ser

dividido em conceitos abrangentes a serem abordados no conteúdo da propaganda norte-

americana, tais como: comercializar com os Estados Unidos era lucrativo e não

competitivo, a cooperação com os Estados Unidos significaria um nível de vida mais alto

102
FGV, CPDOC, IAA, 420415.
no hemisfério. Já a fomentação do medo do Eixo nos latino-americanos poderia, segundo

Robbins, ser salientada, destacando-se a agressão militar e a intolerância radical e religiosa

do Eixo.

Para o representante do Office, se fossem implementados estes temas na

propaganda norte-americana destinada à América Latina e se estes fossem reiteradamente

repetidos, o governo norte-americano alcançaria sucesso na divulgação da Política de boa

vizinhança e, conseqüentemente, no combate aos partidários do Eixo.

Neste sentido, percebemos que a escolha dos temas a serem abordados nos

anúncios publicitários de empresas norte-americanas comprometidas como o Advertising

Project era feita de forma cuidadosa, pois tinha como escopo criar representações

depreciativas dos aliados do Eixo e positivas dos nortes-americanos. Fica evidente que os

objetivos político-ideológicos traçados pelo Advertising Project deveriam ser sublimados

nos textos, nos jingles e nas imagens da propaganda destinadas à América Latina, e que os

recursos publicitários teriam que ser capazes de exaltar a solidariedade entre os povos

americanos, as qualidades do povo norte-americano, monstrando-os como amigos dos

latino-americanos, defensores da liberdade e da democracia e, concomitantemente,

combater os partidários do Eixo, através de representações que ressaltassem a falta de

democracia nos países sob sua influência e sua extrema militarização, dentre outros

aspectos negativos.

A propaganda, demonstrando as diferenças entre os Estados Unidos e o Eixo, criava

representações binárias e opostas, onde os norte-americanos eram os representantes do

“bem”, os defensores da liberdade e da democracia. Os anúncios ressaltavam a missão de

resguardar a cultura ocidental e de salvar o mundo, que cabia aos Estados Unidos. Já os

nazistas eram descritos como representantes do “mal”, partidários do militarismo, da

intolerância, que buscavam “escravizar” o mundo.


Para acompanhar o desenvolvimento do Advertising Project, o Office realizava

periodicamente relatórios em que é possível perceber os progressos e os diversos pontos

levados em consideração para a efetivação das metas estabelecidas. Em nossa pesquisa,

encontramos oito relatórios quinzenais, entre os meses de outubro de 1942 e janeiro de

1943, que serviram de instrumento de acompanhamento das metas, dos progressos e dos

insucessos dos planos traçados pelo Office para o Advertising Project.

Os relatórios dividiam-se em três itens norteadores: o primeiro item denominava-se

Advertising Project e trazia informações sobre os orçamentos publicitários das empresas

norte-americanas na América Latina e dava informações de como estava sendo recebida a

proposta do plano formulado pelo OCIAA entre as empresas norte-americanas.

No segundo item, intitulado Industrial Group Advertising, relatava-se a necessidade

de ser fomentada uma propaganda de forma unificada entre os grandes anunciantes norte-

americanos na América Latina. Além disto, informava como este projeto estava sendo

propagado entre os industriais norte-americanos, divulgando informações das reuniões

realizadas entre o Office e grandes executivos de Câmaras e Associações Comerciais dos

Estados Unidos.

Por fim, no terceiro item, denominado Psychological Warfare, relatava-se como a

política de boa vizinhança estava sendo inserida nos textos e nos slogans dos anúncios

impressos e radiofônicos de firmas norte-americanas para a América Latina, sob a

fiscalização prévia realizada pelo OCIAA.

Os relatórios se converteram em fontes esclarecedoras da dinâmica de trabalho dos

escritórios do Office nos Estados Unidos e dos seus contatos com os escritórios regionais

espalhados na América Latina.

Em relatório de outubro de 1942, encontramos relatos dos questionamentos feitos

por anunciantes norte-americanos em relação ao Advertising Project. Tais questionamentos


fizeram com que o Office enviasse uma carta, assinada pelo Sr. Rovensky, para estas

empresas, explicando o propósito e o objetivo deste programa. A análise deste relatório

comprova o recebimento, pelo Office, de várias correspondências de empresas que

relataram seus planos para campanhas novas, fazendo perguntas como resposta à carta que

lhes fora enviada pelo Sr. Rockefeller103.

Sobre os primeiros resultados da implementação do projeto, pelo relatório

percebemos que estão longe de ser suficientes, mas que eram vistos pelo Office, sem

dúvida, como relevantes.

O relatório ratifica a aprovação que o Office estava obtendo perante os anunciantes

norte-americanos frente ao Advertising Project e que estes se comprometiam, através dos

slogans dos seus produtos, distribuídos nos mercados da América Latina, a divulgar a

política de boa vizinhança e que muitas companhias submetiam as cópias destes slogans

para a inspeção do OCIAA incluir frases favoráveis, etc.

Portanto, o Office não só aconselhava aos anunciantes que atuavam na América

Latina e às agências de publicidades, mas também, em alguns casos, interferia diretamente

na confecção dos anúncios publicitários ou jingles, inserindo textos e mensagens

relacionados à política de boa vizinhança. Desta forma, podemos perceber que o

desenvolvimento da propaganda comercial na América Latina se fez estreitamente

vinculado às necessidades políticas dos Estados Unidos e econômicas das grandes agências

de publicidade norte-americanas e dos seus clientes.

Neste mesmo relatório, temos informação de que o OCIAA estava estabelecendo

contatos com várias empresas norte-americanas, buscando obter informações que

possibilitassem fazer um relatório orçamentário dos gastos destas empresas com

publicidade na América Latina, entre os anos de 1941 e 1942, e dos prováveis gastos para

103
Relatório de 15 de outubro de 1942 de H. Walter Blumenthal, FGV, CPDOC, IAA, 411219.
1943. Outro ponto de destaque é o relato da preparação, pelo Office, de listas de

comerciantes, industriais e associações profissionais, com o escopo de ter um mapeamento

das empresas que poderiam ser induzidas a anunciar como um grupo na América Latina.

Tal ação, segundo o relatório, teria que ser posta em prática rapidamente, levando-se em

consideração os resultados bons alcançados no campo dos anunciantes individuais.

O interesse do Office pelas receitas de gastos das empresas norte-americanas, que

atuavam na América Latina, antes e depois da implantação do Advertising Project, reflete a

intenção de saber se os incentivos dados por ele estavam sendo suficientes para aumentar o

número de anúncios publicitários norte-americanos no período da guerra e o que mais

deveria ser feito para a consolidação do Projeto.

Como podemos perceber em relatório de 31 de outubro de 1942, o Office, buscando

viabilizar seu projeto, não mediu esforços, desenvolvendo até mesmo um plano para ajudar

financeiramente os anunciantes que estivessem cooperando no programa do OCIAA, que

receberiam passagens de avião para locais onde pudessem estabelecer acordos com

anunciantes locais latino-americanos e divulgassem para estes o programa de “guerra

psicológica”, fomentado pelo Office.

Pela análise da documentação, fica evidente que o contato como os anunciantes

locais era um dos pontos a serem mais bem trabalhados, pois os Comitês de Coordenação

regionais do OCIAA relatavam o andamento dos seus projetos, com exceção apenas da sua

relação com os anunciantes locais. No final deste relatório, no entanto, se salientava que

este contato já começava a ser feito104. Tal preocupação com formação de parcerias dos

anunciantes locais latino-americanos com o projeto de “guerra psicológica” daquele

governo evidencia a amplitude da rede de contatos montada pelo OCIAA e o

funcionamento do Advertising Project.

104
Relatório de 31 de outubro de 1942 de H. Walter Blumenthal, Ibidem.
O relatório de 16 de novembro de 1942 destacava que, logo após o início das

atividades das tropas norte-americanas no norte da África, foram encaminhadas novas

diretrizes a serem seguidas pelos anunciantes norte-americanos com atividade na América

Latina, entregues às agências de publicidade e a departamentos de grandes empresas.

Destaca-se no relatório que em todos os casos a cooperação foi assegurada imediatamente,

que o programa de propaganda de grupos industriais tinha sido aprovado por Nelson

Rockefeller e que contatos foram estabelecidos com o Sr. P. de V. Ahearn, da Associação

de Comércio Americana de Executivos e com o Sr. Henry Fowler, da Seção de Associação

da Câmara de Comércio norte-americana, estando ambos dispostos a cooperar com o plano

traçado pelo OCIAA e ansiosos, segundo está escrito, para desenvolvê-lo105.

Assim sendo, o avanço do Advertising Project acompanhava os processos obtidos

pelas tropas americanas no front, os documentos oficiais do Office ao qual tivemos acesso

não trazem muitos detalhes sobre qual teria sido a ação das Câmaras e das Associações de

Comércio norte-americanas no Advertising Project, mas tudo leva a crer foram

fundamentais pelos contatos que afirmavam ter ocorrido entre estas e os representantes do

Office.

No relatório de 30 de novembro de 1942, há informações de que o Office tinha

recebido, da parte de fabricantes que anunciavam na América Latina, séries de anúncios

que se coadunam com os objetivos do Advertising Project e que, a partir de janeiro de

1943, já seria possível notar um aumento do número de anúncios que promovessem

mensagens da política de boa vizinhança juntamente com o nome das grandes empresas

norte-americanas que anunciavam nas publicações latino-americanas106. Provavelmente,

este fenômeno também se estenderia às publicações norte-americanas destinadas ao

público latino-americano, como é o caso da revista Seleções. Como analisaremos no


105
Relatório de 16 de novembro de 1942 de H. Walter Blumenthal, Ibidem.
106
Relatório de 30 de novembro de 1942 de H. Walter Blumenthal, Ibidem.
próximo capítulo, o volume de anúncios publicitários que faziam referência à política de

boa vizinhança teve um gradativo crescimento a partir do final de 1942 e o início de 1943.

No último relatório do ano de 1942, datado de 31 de dezembro, há um balanço

orçamentário do ano que estava findando e um prognóstico de investimentos para 1943.

Das empresas contatadas pelo Office para participarem do Advertising Project, 367 lhe

deram respostas. Destas, 40% declararam manter os mesmo investimentos publicitários de

1942 para 1943, 25% viriam a aumentar seus orçamentos para 1943, já 12% diminuiriam

seus investimentos e 23% ainda não tinham definido seus balancetes orçamentários para

1943. Das 210 empresas que haviam fechado seus gastos em 1942 e orçado os

investimentos para 1943 o quantitativo apresentado era de

US$11,407,378 em 1942 e US$ 11,798,395 para 1943, um aumento de US$391,017. A

expectativa do OCIAA era de que ainda houvesse aumento dos orçamentos para 1943,

devido à resposta positiva de muitas empresas que ainda não tinham fechado seus

orçamentos, mas indicaram aumento de investimento.

Em relação à distribuição destes valores nos meios publicitários, o Office tinha a

previsão de que 36% iriam para publicações locais, 29% para rádios locais, 8% para

publicações em língua espanhola nos Estados Unidos e 27% seriam destinados às outras

formas de anúncios, como cartazes e folhetos107.

A análise do relatório nos permite afirmar que os dados apresentados excederam as

expectativas do Office quanto ao engajamento das empresas norte-americanas no Projeto.

Como naquele momento ainda era imprevisível o resultado da guerra, o OCIAA, enquanto

órgão oficial do governo norte-americano, mostrava-se confiante no fato de o Advertising

Project ser um instrumento que contribuiria para enfraquecimento ideológico dos inimigos

dos norte-americanos e uma forma de engajamento dos industriais e dos exportadores

107
Relatório de 31 de dezembro de 1942 de H. Walter Blumenthal, Ibidem.
daquele país. Afinal, a conquista de mercados e de aliados na América Latina, fundamental

para a política externa norte-americana, vinha sendo feita de forma interligada por diversos

setores contatados pelo OCIAA, num projeto que era elaborado pelo governo norte-

americano, tendo encontrado respaldo nos exportadores norte-americanos atuantes na

América Latina, que, nos seus anúncios, vendiam produtos e fomentavam ideologias.

Assim sendo, acreditamos que, analisando os documentos oficiais e as cartas

produzidas pelo OCIAA sobre o projeto Cooperation with U.S. Advertisers in the other

American Republics, seja possível levantar questões que nos levem a uma melhor

compreensão de como se estruturou e atuou a aliança entre os interesses dos setores

privados e do governo norte-americano, que buscavam, respectivamente, mercados de

consumo para seus produtos e consolidar-se como centro hegemônico na América Latina,

além de elucidar novos métodos e meios utilizados pelo governo norte-americano para a

divulgação da política de boa vizinhança.

No capítulo que se segue, analisaremos, através dos anúncios publicitários

publicados na revista Seleções do Reader´s Digest, entre os anos de 1942 a 1945, como os

publicitários utilizaram os temas sugeridos pelo Office no projeto Cooperation with U.S.

Advertisers in the other American Republics, para ressaltar a política de boa vizinhança

entre os EUA e os países latino-americanos, como é o caso do Brasil.


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