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delas.

O trabalho isolado desses grupos separados surge então diante de nossa consciência
obscurecido de associação. Por esse motivo, as imagens produzidas, que correspondem, em sua
maior parte, a impressões materiais do passado mais recente, são concatenadas de maneira
tumultuada e irregular. O número das células cerebrais liberadas cresce continuamente, enquanto
a insensatez dos sonhos vai tendo uma redução proporcional.”
Essa visão do sonhar como um estado de vigília incompleto e parcial se encontra, sem
dúvida, nos textos de todos os fisiologistas e filósofos modernos. Sua exposição mais elaborada é
dada por Maury (1878, 6 e seg.). Muitas vezes, é como se esse autor imaginasse que o estado de
vigília ou de sono poderia mudar-se de uma região anatômica para outra, estando cada região
anatômica específica ligada a uma função psíquica particular. Neste ponto, teço apenas o
comentário de que, mesmo que se confirmasse a teoria da vigília parcial, seus detalhes ainda
permaneceriam extremamente discutíveis.
Essa visão, naturalmente, não deixa margem para se atribuir qualquer função ao sonhar.
A conclusão lógica que dela se infere quanto à posição e ao significado dos sonhos é corretamente
enunciada por Binz (1878, 35): “Todos os fatos observados forçam-nos a concluir que os sonhos
devem ser caracterizados como processos somáticos que, na totalidade dos casos, são inúteis, e
em muitos deles decididamente patológicos. (…)”
A aplicação do termo “somático” aos sonhos, grifado pelo próprio Binz, tem mais de um
sentido. Alude, em primeiro lugar, à etiologia dos sonhos que pareceu particularmente plausível a
Binz quando ele estudou a produção experimental de sonhos mediante o emprego de substâncias
tóxicas. Isso porque as teorias dessa natureza envolvem uma tendência a limitar a instigação dos
sonhos, tanto quanto possível, às causas somáticas. Colocada em sua forma mais extrema, a
visão é a seguinte: Uma vez que adormecemos pela exclusão de todos os estímulos, não há
necessidade nem ocasião para sonhar senão com a chegada da manhã, quando o processo de ser
gradualmente acordado pelo impacto dos novos estímulos poderia refletir-se no fenômeno do
sonhar. É impraticável, contudo, manter nosso sono livre dos estímulos; eles incidem na pessoa
adormecida vindos de todos os lados - como os germes de vida de que se queixava Mefistófeles -,
vindo de fora e de dentro,e até de partes do corpo que passam inteiramente despercebidas na vida
de vigília. Assim, o sono é perturbado; primeiro uma parte da mente é abalada e despertada, e
depois, outra; a mente funciona por um breve momento com sua parte desperta e, então, alegra-se
em adormecer de novo. Os sonhos são uma reação à perturbação do sono provocada por estímulo
- uma reação, aliás, bastante supérflua.
Mas a descrição do sonhar - que, afinal de contas, continua a ser uma função da mente -
como um processo somático implica também outro sentido. Destina-se a demonstrar que os
sonhos não merecem ser classificados como processos psíquicos. O sonhar tem sido muitas vezes
comparado com “os dez dedos de um homem que nada sabe de música, deslocando-se ao acaso
sobre as teclas de um piano” [Strümpell, 1877, 84; ver em [1], adiante]; e esse símile mostra,
melhor do que qualquer outra coisa, o tipo de opinião que geralmente fazem do sonhar os

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