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Purkinje (1846, 456): “Essas funções são executadas especialmente pelos sonhos produtivos.

Eles
são o livre curso da imaginação e não têm ligação alguma com os assuntos do dia. A mente não
tem nenhum desejo de prolongar as tensões da vida de vigília; procura relaxá-las e recuperar-se
delas. Produz, acima de tudo, condições contrárias às da vigília. Cura o pesar com a alegria, as
preocupações com esperanças e imagens de amena descontração, o ódio com o amor e a
amizade, o medo com a coragem e a previdência; mitiga a dúvida com a convicção e confiança
sólida, e a vãesperança com a realização. Muitas das feridas do espírito, que são constantemente
reabertas durante o dia, são curadas pelo sono, que as cobre e resguarda de novos danos. A ação
curativa do tempo baseia-se parcialmente nisso.” Todos temos a sensação de que o sono exerce
um efeito benéfico sobre as atividades mentais, e o obscuro funcionamento da mentalidade
popular se recusa a abrir mão de sua crença de que sonhar é uma das maneiras pelas quais o
sono proporciona seus benefícios.
A tentativa mais original e ampla de explicar os sonhos como uma atividade especial da
mente, capaz de livre expansão apenas durante o estado de sono, foi a que empreendeu Scherner
em 1861. Seu livro é escrito num estilo bombástico e extravagante e se inspira num entusiasmo
quase extasiado por seu assunto, fadado a repelir quem quer que não consiga partilhar de seu
fervor. Cria tantas dificuldades à análise de seu conteúdo que passamos com alívio à exposição
mais clara e mais sucinta das doutrinas de Scherner fornecida pelo filósofo Volkelt. “Lampejos
sugestivos de sentido emanam como relâmpagos dessas aglomerações místicas, dessas nuvens
de glória e de esplendor - mas não iluminam a trilha de um filósofo.” É nesses termos que os
escritos de Scherner são julgados até mesmo por seu discípulo. [Volkelt, 1875, 29.]
Scherner não é dos que acreditam que as capacidades da mente continuem irreduzidas
na vida onírica. Ele próprio [nas palavras de Volkelt (ibid., 30)] mostra como o núcleo central do
ego - sua energia espontânea - fica privado de sua força nervosa nos sonhos; como, em
decorrência dessa descentralização, os processos de cognição, sensação, vontade e
representação se vêem modificados e, como os remanescentes dessas funções psíquicas deixam
de possuir um caráter verdadeiramente mental, tornando-se nada além de mecanismos. Contudo,
à guisa de contraste, a atividade mental que se pode descrever como “imaginação”, liberta do
domínio da razão e de qualquer controle moderador, salta para uma posição de soberania
ilimitada. Embora a imaginação onírica lance mão das lembranças recentes da vigília como o
material de que é construída, ela as erige como estruturas que não guardam a mais remota
semelhança com as da vida de vigília; revela-se nos sonhos como possuindo não só poderes
reprodutivos, mas também poderes produtivos. [Ibid., 31.] Suas características são o que empresta
aos sonhos seus traços peculiares. Ela mostra preferência pelo que é imoderado, exagerado e
monstruoso. Mas, ao mesmo tempo, liberta dos entraves das categorias de pensamento, ela
adquire maleabilidade, agilidade e versatilidade. É suscetível, da maneira mais sutil, às nuanças
dos sentimentos de ternura e às emoções apaixonadas, e logo incorpora nossa vida interior em
imagensplásticas externas. Nos sonhos, a imaginação se vê destituída do poder da linguagem

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