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1. Professor há quanto tempo você dá aula na Rede Pública? Que disciplina leciona?

Para que
idade?
Sou formado em Pedagogia pela Unesp de Bauru, e sou mestrando do Programa de Pós-
Graduação em Educação Escolar da Unesp de Araraquara. Leciono no Estado desde de 2006,
sou Professor de Educação Básica I (PEBI) e no momento estou com uma 3ª série, alunos em
torno de 9 e 10 anos.

2. Qual é o enfoque da sua dissertação de mestrado?


A dissertação discute a função social do conhecimento inserida na Proposta Curricular do
Estado de São Paulo de 2007. Nela eu discuto as inter-relações entre a reestruturação
produtiva do capital, iniciada na década de 1970, as formulações teóricas do pós-modernismo e
as políticas de cunho neoliberal adotadas pelos Estados capitalistas. Dentro desse contexto o
conhecimento escolar assume funções distintas que buscam essencialmente manter a
reprodução do sistema econômico capitalista. Na Proposta Curricular do Estado conseguimos
identificar alguns desses elementos que constituem a função prática do conhecimento, isto é,
conhecer o que é útil, (consiste na verdade em conhecer o que é útil para o mercado de
trabalho), a função adaptativa do conhecimento, (o conhecimento escolar deve permitir que os
indivíduos se adaptem a realidade, a chamada “flexibilidade” do trabalhador) e a função
ideológica do conhecimento, (a substituição cada vez mais acelerada dos conhecimentos
objetivos clássicos (SAVIANI) por conhecimentos de cunho ideológicos, fundamentados no
voluntarismo, no consumo responsável, no respeito às diferenças, que muitas vezes são
colocados como sinônimos de cidadania. O grande problema desse tipo de educação é que ela
procura individualizar uma responsabilidade que é social de um problema que é sistêmico.
Em nossa dissertação conseguimos demonstrar que o capitalismo desde a década de 1970 dá
sinais de uma crise permanente de acumulação. Para manter em alta suas taxas de lucro os
empresários têm investido pesado em tecnologias para aumentar a produtividade e intensificar
a extração de trabalho excedente. Esse movimento do capital criou a necessidade de realizar
uma grande reestruturação produtiva, tendo o “toyotismo” como modelo de produtividade. Por
sua vez, o toyotismo, consiste em criar uma “produção sem gorduras de pessoal”, ou seja,
produzir mais, com um número reduzido de trabalhadores, o que não eliminou o interesse das
empresas no trabalho manual, deslocando as multinacionais a produzir “fora” e a contratar
serviços de empresas terceiras a um custo de baixos salários para os empregados e alta
lucratividade para os empregadores. Outra forma de manter a grande lucratividade das
corporações foi o fechamento dos cofres públicos para investimentos sociais. Os Estados
passaram por uma grande reformulação e um rígido ajuste fiscal reduzindo gastos com as
esferas sociais e privatizando setores como saúde, educação, previdência pública, entre outros.
A educação pública passa a operar com novas diretrizes que visam a formação de uma força de
trabalho “barata e flexível”, trocando em miúdos, a educação estatal visa a formar indivíduos
que possam se adaptar às inconstâncias do mercado de trabalho, com o mínimo de gastos
públicos possível.

3. Você conclui após ter pesquisado nessa área e também pela experiência que tem como
professor que as estatísticas apresentadas pela secretaria de Educação referentes ao SARESP
são condizentes com a realidade do aluno em sala de aula?

O SARESP ocupa um espaço especial na pesquisa. Ele foi um desdobramento do sistema de


avaliação das experiências da escola-padrão. Surge em 1996 como um tipo de avaliação
externa, com o objetivo de avaliar o rendimento dos alunos do Estado. Na verdade, ele faz
parte de um conjunto de medidas de controle que como a Progressão Continuada tinham a
finalidade de regular o fluxo do sistema escolar paulista. A Progressão Continuada começou em
1995 e estancou as reprovações por série, já que o único critério de reprovação passou a ser o
número de faltas e as reprovações passaram a acontecer aos finais de ciclo, 4ª série do EF, 8ª
série do EF e 3ª série do Ensino Médio. Isso gerou uma defasagem muito grande no sistema e
um nível muito alto de descontentamento dos docentes. O SARESP veio então para consolidar a
Progressão Continuada, classificando as escolas e punindo aquelas que obtiveram resultados
abaixo do esperado. Este se destacou por avaliar as medidas de correção de fluxo e firmar as
tendências pedagógicas adotadas pela Secretaria de Educação. O que deveria ser uma
avaliação do rendimento dos estudantes passou a ser um rígido controle do trabalho docente,
que se viu obrigado a seguir as concepções de ensino empregadas no SARESP. Em 2007 o
SARESP se tornou base para os cálculos do Indicador de Desempenho Escolar do Estado de São
Paulo (IDESP) que conjugou os resultados do SARESP ao Fluxo Escolar. Cada escola passou a
ter o seu IDESP calculado e uma meta a ser atingida. A meta é estabelecida pela Secretaria de
Educação para cada unidade escolar, a escola que conseguir atingir a meta recebe bônus e a
escola que não atinge a meta não recebe. Mas para conseguir tal meta não bastam somente
bons resultados no SARESP, é preciso também que as escolas tenham bons indicadores de
fluxo, isto é, reduzam suas taxas de reprovação à zero. Os “gargalos” de reprovação aos finais
de ciclo (a reprovação ao final de ciclo chega a ser 4 vezes maior do que as séries em meio de
ciclo) passaram a ter os seus dias contados. Com medo de ficarem sem bônus, ou com bônus
reduzidos, diretores, coordenadores e até mesmo professores de outras séries passaram a
pressionar os docentes que lecionam para séries que aplicam o SARESP e servirão de base para
o IDESP da unidade escolar, a fim de que haja menos reprovações e maior rendimento do
SARESP. Até mesmo alunos com problemas de freqüência, que pela Progressão Continuada
deveriam ser reprovados, recebem, muitas vezes por ordem das direções, trabalhos de
compensação de ausência, escapando da reprovação e compondo as estatísticas do Estado. O
SARESP e o IDESP não condizem com a realidade do aluno, ou a realidade da educação
brasileira, porque na verdade são instrumentos de controle administrativo e pedagógico.

4. Em sua opinião quais são as maiores deficiências dos alunos nessa etapa do aprendizado?
Os alunos de 3ª série na sua grande maioria já sabem ler e escrever e dominam alguns
pseudo-conceitos, a maior dificuldade neste período está em fazer relações e generalizações
que compreendam verdadeiros conceitos científicos, o que é sadio nesta idade. No entanto,
temos nos deparado com alunos que possuem muita defasagem e chegam na 3ª e 4ª série sem
ter dominado a leitura e a escrita, muitos chegam até a 8ª série, semi-analfabetos! Esses
alunos dificilmente acompanharão o restante da classe, então estamos trabalhando na
realidade com classes multisseriadas. É possível trabalhar com classes assim, mas a realidade
das salas de aula no Estado, que são muitas vezes superlotadas, não permite a realização de
um bom trabalho nestas condições, o que é pior para o aluno com defasagem, que precisa de
uma maior proximidade com o professor e muitas vezes fica esquecido na sala de aula.

5. Você acha que modelos de exames como o SARESP e o ENEM são eficazes na avaliação dos
alunos? Por quê? O que deveria ser mudado nesses modelos?
Esses modelos chamados de avaliações externas fazem parte dos “technopools” do
neoliberalismo, ou como Pablo Gentile escreve, são ferramentas que têm como finalidade a
construção de um “senso comum tecnocrático”, gerando a ilusão de que a partir de
determinadas técnicas de gestão e no caso da educação, o instrumentalismo pedagógico, é
possível melhorar os indicadores sociais. No entanto, os critérios dessas avaliações são
“maleáveis” e podem gerar distorções, conforme o enfoque desejado. O caso de São Paulo é
um bom exemplo. Em ano de eleição ficaria ruim para o pré-candidato à presidência admitir
que no Estado em que governa não houve melhoras na educação. Dessa maneira, os critérios
de classificação do SARESP foram alterados sem maiores justificativas, o SARESP que tinha até
2008 por base quatro níveis de classificação: Abaixo do Básico, Básico, Adequado e
Avançado, considerando aceitável que os alunos estivessem nos níveis “adequado” e
“avançado”, tem 2009 , os antigos níveis “básico” e “adequado” agrupados no nível
“Suficiente”. A mudança inflacionou os índices de desempenho a proporção de alunos da 4ª.
série em nível satisfatório de Língua Portuguesa, subiu de 32% em 2008, para 79% 2009. O
aumento ocorreu em todas as classes avaliadas, segundo a Folha de S.Paulo. O Secretário
Paulo Renato saiu em disparada nos jornais para noticiar o incrível aumento de 9,4% da
educação. Mas, estudos como do prof. Alavarse da USP mostraram que se não tivesse ocorrido
a alteração nos critérios, nenhuma “melhoria” teria sido registrada. Em resumo, esse tipo de
avaliação é na realidade um engodo. As avaliações deveriam ser diagnósticas, para conhecer e
sanar as necessidades materiais e intelectuais das escolas, e não um sistema para vigiar e
punir, com rankings para enaltecer os “melhores” e envergonhar os “piores”.
6. Qual é o principal equívoco do modelo educacional hoje? Você acha que tem se
focado/investido nos pontos certos? O que mais está deficiente na Educação Brasileira?

Fala-se muito em melhorar a educação no Brasil, utilizando-se inclusive de um discurso


“salvacionista” da escola, como se a educação fosse sanar todos os males do país. Contudo, a
prática é diferente do discurso, o Brasil destina apenas 4% do seu Produto Interno Bruto (PIB)
para a educação, sendo que o necessário, para fazer mudanças significativas nesse setor, seria
em torno de 10% do PIB. A profissão docente hoje no Brasil tem sido muito desvalorizada, não
só em relação aos baixos salários, mas também em relação à falta de autonomia do professor.
No Estado de São Paulo, por exemplo, os professores são obrigados a seguirem as apostilas
feitas pela Secretaria de Educação, o que deveria ser uma Proposta Curricular, acabou virando
uma imposição. O docente para exercer um bom trabalho tem que no mínimo receber um
salário compatível com seu grau de instrução e ter liberdade de escolha dentro dos princípios
pedagógicos. A formação de professores hoje é muito deficiente, a maioria dos professores da
rede é formada por universidades privadas de tipo “fast food” onde o mais importante é você
pegar o diploma num menor tempo e com menos esforço. Não têm a mesma preocupação em
aprofundar a formação docente como nas Universidades públicas que apesar de todas as
dificuldades, demonstram uma preocupação com a formação prática e a formação acadêmica
dos professores. Conheço ótimos professores que dominam a prática pedagógica, mas possuem
pouquíssimos conhecimentos acadêmicos, tornando-se alvos fáceis do “modismo” pedagógico.
Seria necessário que o Brasil ampliasse o número de Universidades Públicas com cursos
voltados para a licenciatura propiciando uma formação mais sólida para os professores.
Evidente que os interesses hoje são outros, a educação se transformou em uma mercadoria
vendável, vide o crescimento das escolas privadas em todo o país, para se ter uma idéia uma
das grandes formuladoras da Proposta Curricular do Estado de São Paulo, a Profa. Guiomar
Namo de Mello é diretora de uma empresa de consultoria para projetos de formação inicial de
professores da educação básica em nível superior, presenciais e a distância. Será mesmo que
ela quer uma educação pública de qualidade para todos? Enquanto isso, temos assistido o
empobrecimento da escola pública estatal e o aumento por parte do governo pela adoção de
educação à distancia.

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