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Resumo: Cultura Como Objeto de Política Pública. DURAND, José Carlos.

SÃO
PAULO EM PERSPECTIVA, 15(2), 2001. P. 66-72

O autor faz uma série de críticas à forma como são pensadas as políticas públicas para a
cultura no Brasil. Primeiramente situa a pluralidade de atores envolvidos na esfera da
produção cultural e artística e as dificuldades encontradas em conciliar essa produção
com a esfera econômica. Há um embate entre a necessidade de apoio financeiro para
sua sustentação e os efeitos nefastos da burocracia e do dinheiro na esfera cultural. A
partir deste diagnóstico busca traçar prioridades de política e gestão cultural para o
Brasil.

Parte do diagnóstico foi compreender que falta uma visão sistêmica da gestão cultural.
Os mecanismos de gestão cultural do próprio Estado não dialogam entre si, pouco
investimento é feito para que existam órgãos municipais para gerir a cultura e a
concentração nas esferas estaduais e federal dessas iniciativas acaba por privilegiar os
grandes centros urbanos. É necessário uma visão mais orgânica e estudos sobres as
experiências em políticas públicas para a cultura para compreender melhor as
necessidades. Isso não será possível enquanto as secretárias de culturas forem entregues
a artistas e intelectuais sem experiências administrativas que acabam por pautar as ações
do governo a partir de suas preferencias pessoais, ou os secretários escolhidos a força
durante as divisões de cargos políticos onde esta pasta é pouco valorizada. É preciso
ainda “conhecer a divisão do trabalho que a lei e os costumes estabelecem entre governo
e iniciativa privada em matéria de políticas sociais.” (DURAND, 2001, p. 67)

É preciso conseguir distinguir em cada região as manifestações culturais que estão


conseguindo sobreviver com certa sustentabilidade e as que necessitam de
encorajamento governamental, em especial observando as interdependências que levam
ao sucesso ou ao enfraquecimento de determinada atividade cultural.

É preciso de visão a longo prazo para uma gestão cultural eficiente. Facilmente pode-se
formar públicos usando intensivamente dos meios de comunicação de massa, através de
um grande investimento em marketing cultural. A espetacularização que tal forma de
encarar a cultura dá a ilusão de produzir efeitos imediatos, mas só faz com que para o
sucesso seja necessário desprender cada vez mais dinheiro para atrair o público. De
maneira que, mais eficiente seria, pensando a longo prazo, dar educação artística a fim
de converter um frequentador ocasional em um apreciador da cultura.
A paisagem cultural só se enriquece e se diversifica consistentemente
no longo prazo, fruto de processos de aprendizado e transmissão que alargam o
repertório de gosto, a sensibilidade ao fazer artístico e o bolsão de amadorismo
em que navega a maioria das pessoas que se sentem participantes desse
pequeno universo. (DURAND, 2001, p. 68)

É preciso então articular as políticas de ampliação de público para a cultura com outras
esferas políticas: “política de educação, de cooperação internacional, de lazer e turismo,
de fomento ao artesanato, de desenvolvimento regional, etc.” (DURAN, 2001, 68) É
necessário também promover estudos consistentes para compreender os traços de
comportamento cultural dos diversos grupos de indivíduos situados no território.

Quanto aos modos de financiamento ao autor coloca que a principal forma é o


financiamento misto, composto por recursos públicos e receitas geradas in loco.
Contudo, os ganhos significativos são os recursos de origem empresarial a partir do
patrocínio corporativo, onde as empresas lucram ao associar sua imagem a um evento
de prestígio. Como principal efeito temos a crescente “função de legitimação cultural
que a mídia de massa vem assumindo.” (DURAN, 2001, 68), além da necessidade de
avaliar se os esforços dos atores culturais para se beneficiarem dos recursos
corporativos estão de fato sendo recompensados.

Por fim, coloca que boa parte do dinheiro que circula na esfera cultural advêm dos
consumidores que pagam para usufrui-los, de maneira que, ao se pensar em gestão
cultural em uma visão sistêmica, como propõe o autor, é necessário levar em
consideração os orçamentos familiares e sua rubrica para lazer e cultura, bem como as
transformações sociais à que estão contextualizados.

A percepção de uma demanda muito maior de apelo a valorização da cultura parte quase
que exclusivamente dos produtores culturais, enquanto do público se obtem o silencio
torna-se um indicador da necessidade de conhecer melhor o público beneficiário com os
investimentos governamentais, considerando investimentos para melhoria no acesso,
mudança de público ou de repertórios afim de obter resultados mais efetivos.

Quanto à qualidade da cultura oferecida, o impasse se inicia com a impossibilidade do


governo em produzir, interferir ou valorar os produtos culturais em questão. Com isso,
tornou-se necessário ““externalizar” as instâncias de julgamento, limitando-se o
governo a financiar os projetos que comitês autônomos, escolhidos pela comunidade de
pares e outros grupos, assim indicarem.” (DURAN, 2001, p.69) No entanto, os críticos e
especialistas encontram-se de mão atadas frente a as ideologias estéticas que tornam a
arte quase que inclassificável e dá ao artista autonomia de utilização das esferas
conceituais, de maneira que a tais críticos e avaliadores só resta “apreciar a
compatibilidade entre o que o projeto propunha e a quantidade de tempo e dinheiro que
seu autor solicitava para realizá-lo.” (DURAN, 2001, p.69) Isso está associado com o
enfraquecimento das instancias de consagração, que envolve “a luta pelo
reconhecimento de autoridade e pelo acesso às posições de avaliação e classificação
(Bourdieu, 1974). (DURAN, 2001, p 70)

Destaca a necessidade de monitorar o avanço da indústria cultural, em especial


estrangeira, a fim de conhecer os efeitos positivos e negativos para que se possa traças
políticas publicas a fim de reforçar os acertos e refrear os pontos negativos. Isso envolve
a valorização do trabalho do crítico e das instancias de consagração, tanto no que
concerne às condições institucionais de trabalho, quanto canais para tornar público o seu
trabalho. O conhecimento produzido pode ter como um dos benefícios a diplomacia
cultural. O pouco interesse em relação à cultura de outros países latino-americanos tem
como efeito nocivo a dependência cultural a outros países .

Diz-se que se desconhecem mutuamente e que essa ignorância ajuda a


alimentar uma perspectiva de admiração submissa que contribui para perpetuar
a dependência cultural deste subcontinente em relação ao que se pensa e se cria
nos pólos dominantes da Europa Ocidental e da América do Norte. (DURAN,
2001, p.70)

Uma forma de melhorar é estreitar os laços com outros países, em especial através do
intercambio cultural e artístico entre países latino-amerianos, que no entanto, não se
constitui prioridade governamental. Enquanto isso cresce a mercantilização de
amadorismo artístico nos grandes centros urbanos favorecendo às competições e
premiações que mais uma vez enfraquecem os mecanismos institucionais de
consagração. A forma encontrada pelo autor de combater tal efeito, por ele considerado
negativo, seria adotar a mesma estratégia, de maneira a criar festivais e premiações
produzidos pela gestão pública e, assim, legitimados pelo Estado. Tais espaços teriam
um potencial ainda inexplorado de:

contribuir para uma explicitação minimamente consistente da idéia de


qualidade no universo da estética, criando situações que forcem a crítica de arte
a uma atuação menos enrustida e irresponsável, além de ajudar a traçar nexos
de dependência simbólica entre países e regiões, pois as premiações constituem
um momento por excelência para “fazer o balanço” do intercâmbio de
influências culturais entre seus artistas. (DURAN, 2001, p. 71)

Concluiu-se então a necessidade da gestão pública atuar de maneira diferenciada nos


setores da cultura erudita, da indústria cultural e das culturas populares, sempre
procurando criar mecanismos de diagnósticos a fim de traçar claras linhas de ação em
cada uma dessas áreas. É necessário ainda uma visão mais orgânica da cultura,
relacionada a outras esferas sociais como a economia e a educação. E antes de qualquer
tentativa de pensar a cultura como a solução para outros problemas enfrentados no país
é necessário primeiramente compreender a área cultural “em suas dinâmicas internas
(no plural) e em suas interdependências” (DURAN, 2001, p. 72)

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