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A rosa do povo
3. O AUTOR.................................................................................................. 12
4. A OBRA..................................................................................................... 15
5. Exercícios............................................................................................ 43
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Carlos Drummond de Andrade
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O Modernismo Brasileiro
O Modernismo brasileiro começou pelas artes plásticas. Em janeiro de 1917,
a pintora paulista Anita Malfatti realizou, em São Paulo, uma exposição de pintu-
ra, na qual, além dos seus quadros, marcados por influências do expressionismo
alemão, apresentou também alguns quadros cubistas de pintores estrangeiros. A
exposição criou polêmica, ganhando a simpatia de uns e a antipatia de outros.
Monteiro Lobato escreveu um artigo cujo título era Paranoia ou Mistificação?,
negando valor artístico aos quadros. A exposição agradou, entretanto, a Mário
de Andrade e a Oswald de Andrade.
Mas, oficialmente, o movimento modernista brasileiro teve como marco
inicial a Semana de Arte Moderna de 1922. Em fevereiro desse ano, por sugestão
do pintor Di Cavalcanti, um grupo paulista, formado por Mário de Andrade,
Oswald de Andrade, Paulo Prado, Guilherme de Almeida, Menotti del Picchia
e outros, juntamente com escritores mais jovens do Rio de Janeiro, como Ronald
de Carvalho, Renato de Almeida e alguns mais, promoveu, no Teatro Municipal
de São Paulo, a chamada Semana de Arte Moderna, com exposição de pintura e
escultura, concertos, conferências e declamações.
De modo geral, a literatura dos modernistas, na chamada fase heroica do
movimento ou primeira fase modernista, entre 1922 e 1930, provocou a subversão
dos gêneros literários. A poesia aproximou-se da prosa e esta adotou processos
de elaboração da linguagem poética. Houve uma aproximação dos diversos ismos
europeus, os movimentos de vanguarda que procuravam romper com as normas
acadêmicas, como o Expressionismo, o Cubismo, o Dadaísmo, o Futurismo e o
Surrealismo, já citados anteriormente.
A poesia abandonou as formas poéticas consagradas, como o verso me-
trificado e rimado, presença exageradamente constante na poesia parnasiana.
Aderiu à linguagem coloquial, ao verso livre, aos temas do cotidiano, ao humor
e à ironia. Os modernistas desejavam provar que a poesia estava na essência do
que é dito e na sugestão ou no choque das palavras escolhidas, não nos recursos
formais.
Na fase mais combativa do Modernismo brasileiro, de 1922 a 1930, a prosa
sofreu transformações significativas. Os períodos tornaram-se curtos, fragmen-
tados, com espaços brancos na composição tipográfica e na própria sequência
do discurso, apresentando a realidade dividida em blocos sugestivos, cuja uni-
ficação exigiu do leitor uma adequação aos novos processos construtivos, uma
vez que dispensava a concatenação lógica. A aliteração (repetição dos sons das
consoantes) e a criação de neologismos passaram a integrar a linguagem da
prosa. O melhor exemplo dessa técnica encontra-se em Memórias sentimentais de
João Miramar, de Oswald de Andrade.
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3. O AUTOR
mais conservadores.
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Carlos Drummond de Andrade
Em 1934, deixou Belo Horizonte e foi para o Rio de Janeiro (onde viveu até
o fim da vida, em 1987) como chefe de gabinete do ministro Gustavo Capanema,
ministro da Educação e da Saúde Pública.
Poeta, contista, cronista e ensaísta, Carlos Drummond soube usar com pre-
cisão a linguagem, sempre de forma elegante e correta, com riqueza vocabular.
Os temas e os motivos de sua obra são sempre cotidianos, observando de perto
os homens e as sutilezas e brutalidades da vida.
Em 1962, em sua Antologia poética, o poeta dividiu sua poesia em nove
áreas temáticas:
1) o indivíduo: “um eu todo retorcido”;
2) a terra natal: “uma província: esta”;
3) a família: “a família que me dei”;
4) amigos: “cantar de amigos”;
5) choque social: “na praça de convites”;
6) o conhecimento amoroso: “amar-amaro”;
7) a própria poesia: “poesia contemplada”;
8) exercícios lúdicos: “uma, duas argolinhas”;
9) uma visão, ou tentativa de, da existência: “tentativa de exploração e de inter-
pretação do estar-no-mundo”.
OBRAS
Poesia
1930 – Alguma poesia
1934 – Brejo das almas
1940 – Sentimento do mundo
1942 – Poesias
1945 – A rosa do povo
1948 – Poesia até agora
1951 – Claro enigma
1952 – Viola de bolso
1954 – Fazendeiro do ar & Poesia até agora
1955 – Viola de bolso novamente encordoada
1959 – Poemas
1959 – A vida passada a limpo
1962 – Lição das coisas
1967 – Versiprosa
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4. A OBRA
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A rosa do povo
Consideração do poema
Não rimarei a palavra sono
com a incorrespondente palavra outono.
Rimarei com a palavra carne
ou qualquer outra, que todas me convêm.
As palavras não nascem amarradas,
elas saltam, se beijam, se dissolvem,
no céu livre por vezes um desenho,
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Procura da poesia
Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.
Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.
Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.
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Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.
A flor e a náusea
Preso à minha classe e a algumas roupas
vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjoo?
Posso, sem armas, revoltar-me?
Na sua jornada pela cidade adentro, o poeta percebe que os homens cami-
nham mecanicamente e que eles conhecem apenas a realidade dos jornais. O poeta
sente vontade de vomitar toda a sua náusea, sua liberdade, sua incapacidade de
estender a mão ao seu semelhante.
O medo
A Antonio Candido
Porque há para todos nós um problema sério...
Este problema é o medo.
Antonio Candido. Plataforma de uma geração
Em verdade temos medo.
Nascemos escuro.
As existências são poucas:
Carteiro, ditador, soldado.
Nosso destino, incompleto.
Refugiamo-nos no amor,
este célebre sentimento,
e o amor faltou: chovia,
ventava, fazia frio em São Paulo.
Fazia frio em São Paulo...
Nevava.
O medo, com sua capa,
Nos dissimula e nos berça.
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Passagem da noite
É noite. Sinto que é noite
não porque a sombra descesse
(bem me importa a face negra)
mas porque dentro de mim,
no fundo de mim, o grito
se calou, fez-se desânimo.
Sinto que nós somos noite,
que palpitamos no escuro
e em noite nos dissolvemos.
Sinto que é noite no vento,
noite nas águas, na pedra.
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Áporo
Um inseto cava
cava sem alarme
perfurando a terra
sem achar escape.
Um inseto cava a terra, nos primeiros oito versos, sem encontrar saída.
Nos seis últimos versos, o labirinto em que o inseto se encontra é desfeito pelo
nascimento de uma orquídea. O poema pode ser todo uma metáfora da situação
do país na década de 1940, época do chamado Estado Novo; o nascimento da
orquídea seria a imagem da esperança, de transformações sociais.
É lícito associar o esforço do inseto ao esforço do poeta, que, tolhido pelo
sentimento de culpa e pela sensação de náusea, percebe na imagem da orquídea
a presença de elemento novo capaz de suscitar esperança e crença no surgimento
de um mundo melhor.
Para alguns estudiosos da obra drummondiana, “Áporo” é uma metáfora
da criação poética. A palavra poética, presa nos subterrâneos da subjetividade,
acaba por fim se libertando e se realizando no ato da escrita. (* Sobre os aspectos
“subterrâneos” da escrita, Machado de Assis escreveu um curioso conto, que está
em Várias histórias, intitulado “O Cônego, ou a metafísica do estilo”).
As experiências se multiplicaram:
viagens, furtos, altas solidões,
o desespero, agora cristal frio,
a melancolia, amada e repelida,
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Passagem do ano
O último dia do ano
não é o último dia do tempo.
Outros dias virão
e novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.
O recurso de se embriagar.
O recurso da dança e do grito,
o recurso da bola colorida,
o recurso de Kant e da poesia,
todos eles... e nenhum resolve.
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Carlos Drummond de Andrade
Consolo na Praia
Vamos, não chores...
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.
Caso do vestido
Nossa mãe, o que é aquele
vestido, naquele prego?
O marido se apaixonou por uma “dona de longe”, mas ela não lhe dava
atenção.
Mas a dona nem ligou.
Então vosso pai, irado,
O marido pediu para a esposa que pedisse a essa “dona” que fosse dormir
com ele. Ao recordar-se desse fato, a mãe chora.
me cortei de canivete,
me atirei no sumidouro,
O barulho da comida
na boca, me acalentava,
Morte do leiteiro
A Cyro Novaes
Há pouco leite no país,
é preciso entregá-lo cedo.
Há muita sede no país,
é preciso entregá-lo cedo.
Há no país uma legenda,
que ladrão se mata com tiro.
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A rosa do povo
Os tiros na madrugada
liquidaram meu leiteiro.
Se era noivo, se era virgem,
se era alegre, se era bom,
não sei,
é tarde para saber.
Da garrafa estilhaçada,
no ladrilho já sereno
escorre uma coisa espessa
que é leite, sangue... não sei.
Por entre objetos confusos,
mal redimidos da noite,
duas cores se procuram,
suavemente se tocam,
amorosamente se enlaçam,
formando um terceiro tom
a que chamamos aurora.
A última estrofe do poema contém uma das mais belas imagens da literatura
brasileira. O branco do leite encontrando-se com o sangue do leiteiro unem-se e
formam um tom rosado que é identificado com a aurora, com o dia que nasce.
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A rosa do povo
CarTa a Stalingrado
Stalingrado...
Depois de Madri e de Londres, ainda há grandes cidades!
O mundo não acabou, pois que entre as ruínas
outros homens surgem, a face negra de pó e de pólvora,
e o hálito selvagem da liberdade
dilata os seus peitos, Stalingrado,
seus peitos que estalam e caem
enquanto outros, vingadores, se elevam.
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Comentário da crítica
Há livros que agradam, há livros que desagradam e há livros necessários. A rosa
do povo é um livro necessário. Mas necessário para quê? Ele é necessário para que todos
possam entender que aquilo a que chamamos de eu vive em permanente conflito com o
que chamamos mundo. O desejo de transformar o mundo é também uma esperança de
promover a modificação do próprio ser.
Numa época de apego tão forte ao consumo, quando pensamos que viver e consumir
são sinônimos, uma reflexão sobre o sentido da vida é necessária. Na época em que escreveu
A rosa do povo, Carlos Drummond de Andrade não ficou omisso em relação aos problemas
que assolavam o homem: em seu ofício de poeta, ele conferiu às suas palavras o calor neces-
sário para que elas traduzissem a sua indignação ante a guerra e as políticas opressoras.
Num país como o Brasil, onde a distância entre os mais ricos e os mais pobres
aumenta em qualquer governo, seja ele de esquerda ou de direita, aqueles que usufruem
do privilégio de estudar têm a missão de sair dos limites do próprio ego, de refletir e de
participar da transformação de uma sociedade que prima pelas injustiças que destituem
o ser humano da sua humanidade.
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5. Exercícios
1.
Leia com atenção os dois fragmentos a seguir,
extraídos do poema de Carlos Drummond de
Andrade cujo título, “Procura da poesia”, tam-
bém indica o tema. Compare-os e explique como
o tema é desenvolvido em cada um deles.
Fragmento 1
Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.
Fragmento 2
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
2.
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Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
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a) O poema anterior pode ser dividido em duas partes. Quais são elas e qual
palavra as caracteriza?
b) O que expressa o poeta em cada uma delas?
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I
Este é tempo de partido,
tempo de homens partidos.
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GABARITO
1. O tema do poema é o fazer poético. No b) Na primeira parte, a palavra “noite” é em-
fragmento 1, por meio de negativas, o poeta pregada como símbolo das forças opressoras
expõe o que não é matéria de poesia; no que forçam o sujeito a acreditar-se incapaz
fragmento 2, por meio de afirmativas, o poeta de modificar a realidade exterior; na segun-
define o fazer poético como sendo a explo- da parte, a palavra “dia” surge como metá-
ração dos sons e dos sentidos da palavra, ou fora da esperança, da sucessão das trevas
seja, fazer poesia é essencialmente lidar com que aprisionam e pela luz que liberta.
palavras. 5. D
2. 6. A palavra “partido” pode se referir a partido
a) O nascimento da flor representa a esperança político, ou melhor, a um certo compro-
de regeneração de um mundo marcado pelo misso ideológico, já que os versos foram
asco e pelo ódio. escritos durante os tempos da Segunda
b) Publicado em 1945, no fim da Segunda Guerra Mundial, o que obrigava as pessoas
Guerra Mundial, a imagem da flor no poema a assumirem uma posição diante da guerra.
(assim como a imagem da rosa que dá título A palavra “partido”, no segundo verso do
ao livro) representa a esperança contra os dístico (“tempo de homens partidos”), pode
horrores da guerra e a crença no surgimento significar que os homens estão partidos, isto
de um mundo melhor. é, mutilados pela guerra e pela cidade opres-
3. B sora, que mutila corpos e consciências.
7. A
4.
a) A primeira parte é formada pelas duas pri-
meiras estrofes e apresenta a palavra “noite”
como núcleo da ideia central; a segunda
parte tem início com a terceira estrofe e
apresenta o “dia” como núcleo.
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