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A construção do Estado norte-coreano

[Parte 1]
por Gwang-Oon Kim | The Journal of Korean Studies
Tradução de João Carvalho para a Revista Opera.

Em 23 de Janeiro de 1968, a Marinha do Exército Popular da Coreia capturou uma fragata


americana perto de Wonsan, no mar a leste da República Popular Democrática da Coreia (a partir
de agora, RPDC ou Coreia do Norte). O Pueblo, era uma nau de tecnologia de ponta, pesando 1.000
toneladas de pura tecnologia de recolhimento de informações (espionagem) e com uma tripulação
de 83 membros, a qual estava alegadamente conduzindo operações de vigilância eletrônica das
bases militares norte-coreanas. Como resposta a uma das maiores humilhações nos 176 anos de
história das forças navais estadunidenses, o Conselho de Segurança Nacional (CSN) norte-
americano decidiu, na reunião conduzida em 24 e 25 de janeiro, tomar medidas retaliatórias e
despachou forças militares para cercar a Coreia do Norte. Mais tarde, o CSN assinou um documento
se desculpando por suas ações hostis e prometendo não mais repeti-las.
O Choson (O Pictorial Coreano), um livro ilustrado mensal publicado em Pyongyang, publicou
uma história sobre o incidente do Pueblo em seu número de janeiro de 2004 e enfatizou que “o
Império Americano não deveria se esquecer da lição de 35 anos atrás e deveria conhecer a
vontade resoluta do Choson de hoje”. A Difusora Central Coreana também se referiu ao acidente de
maneira desafiadora, declarando que “a pior tragédia da América é que ela não conhece a Coreia
do Norte” e que “em um confronto contra a Coreia do Norte, a América só conseguirá desgraça e
morte”. Durante os exercícios militares conjuntos de 1999 entre os Estados Unidos e a Coreia do
Sul, Pyongyang moveu o Pueblo de Wonsan pela costa leste, através do estreito coreano no Sul e
subindo o rio Taedong a oeste para o colocar em exposição pública. O navio agora serve como
encarnação da “história viva”, lembrando os norte-coreanos da ameaça americana e do imperativo
de defender seu país. O Pueblo também serve como um útil aviso para todos os adversários da
RPDC, contra os quais a ideologia nortista da Juche (chuch’e) de autoconfiança é constituída.
A Coreia do Sul e os Estados Unidos, entretanto, ainda não absorveram totalmente o “pesadelo
Pueblo”. À época do incidente, os Estados Unidos requisitaram à União Soviética que usasse sua
influência sobre seu antigo “Estado satélite” para o convencer a entregar a tripulação capturada e o
navio. Porém, a influência soviética se provou uma miragem, visto que Pyongyang se manteve
firme face à pressão soviética e às demonstrações de força americanas. Lentamente, os americanos
perceberam que a Coreia do Norte talvez não fosse o regime títere que eles imaginavam. Esse
despertar brutal foi seguido, alguns anos depois, pela publicação de Comunismo na Coreia. Os
autores, Robert A. Scalapino e Chong-sik Lee, proveram um ponto de vista alternativo à percepção
americana prevalecente sobre a Coreia do Norte. Kim Il-Sung não era simplesmente um fantoche
entronado pelos soviéticos, mas um líder comparável a vários outros comunistas que haviam lutado
ativamente pela liberação do jugo do imperialismo japonês. Não obstante, o livro só foi longe o
bastante para fornecer um estudo “relativístico” da RPDC e parou antes de traçar as raízes históricas
e experiências pós-guerra da Coreia do Norte que pudessem dar conta do enfrentamento de
Pyongyang quando do incidente do Pueblo e dos eventos subsequentes. Ao fim e ao cabo, tanto
Comunismo na Coreia quanto os trabalhos subsequentes sobre o Norte falharam em ajustar as
contas com o Juche, o princípio guia que define a RPDC como independente de pressões exteriores,
insistente em seus próprios modos e mestra de seu próprio destino.
Este artigo busca traçar as origens históricas passadas das instituições políticas norte-coreanas
centradas no Juche. Na atual atmosfera polarizada, a qual permite apenas narrativas pró ou anti-
Norte, não é fácil fazer avançar uma compreensão alternativa da divisão da Península Coreana e do
estabelecimento da RPDC.[1] Felizmente, dois desenvolvimentos recentes facilitaram esta tarefa.
Primeiro, um pode se guiar pela emergente literatura sobre os primeiros períodos da RPDC – ainda
que muitos estudos se mantenham superficiais e parciais – produzidos particularmente por uma
nova geração de acadêmicos nos Estados Unidos e na Coreia do Sul. Em segundo lugar, a abertura
de fontes previamente não disponíveis, como os arquivos da Política Imperial Japonesa e os
arquivos tomados pelo Exército Norte-Americano na Coreia durante Guerra da Coreia, ambos
revelando profusamente sobre as origens e o caráter da formação do governo norte-coreano. Muitos
relatos tradicionais ignoraram esses documentos.[2]
Este artigo rejeita tanto os argumentos da “sovietização”, populares nos Estados Unidos e na Coreia
do Sul, como da “revolução autopropelida”, tese defendida por acadêmicos norte-coreanos e
narrativas oficiais do Norte. Em vez disso, ele articula uma perspectiva sintética de que a formação
estatal do Norte é melhor compreendida como o resultado de interações recursivas entre
estrangeiros – que buscavam exercer influência para configurar o Norte – e coreanos,
particularmente o grupo de guerrilha antinipônico comandado por Kim Il-Sung, que lutou para
manter sua autonomia. O Estado Juche do Norte emergiu desse cabo de guerra. Após tratar sobre o
período desde a gênesis do movimento comunista coreano até os conflitos armados antinipônicos da
década de 1930, este artigo apresenta as circunstâncias sobre as quais a Guerrilha Antinipônica
emergiu como o centro da política norte-coreana e estabeleceu uma nação em meio às políticas de
cooperação e conflito entre os Estados Unidos e a União Soviética. Para condensar a discussão dos
problemas do período de libertação esse artigo se limita à Conferência de Ministros Estrangeiros
de Moscou e ao minjukijiron (argumento da base democrática). Ao remate, o artigo situa a
emergência das instituições políticas do Norte no ainda inexplorado contexto histórico das
contendas entre norte-coreanos e soviéticos sobre “unidade” e “subordinação”, “autonomia” e
“criação”.

“Sovietização” ou “Revolução Autopropelida”?


O Governo Militar dos Estados Unidos na Coreia primeiro introduziu a perspectiva do governo
norte-coreano pós-libertação como um “Estado satélite” ou “títere” da União Soviética. Já em 29 de
setembro de 1945, um oficial norte-americano descrevia a situação no Norte como “sovietização”:
“Nesse meio tempo, existe pouco conhecimento das ações políticas ou das políticas de ocupação
das forças russas ao Norte. Eles retiraram os japoneses e criaram governos locais, os quais
funcionam estritamente sobre a base de um partido único. Existe mais que uma probabilidade de
que eles venham a sovietizar a Coreia do Norte assim como sovietizaram o Leste Europeu.”[3]
Essa visão foi fortalecida por estudos produzidos por agências governamentais norte-americanas,
bem como por acadêmicos sul-coreanos. O Departamento de Estado, por exemplo, em um
estudo produzido com base em materiais e testemunhos coletados na Coreia do Norte no final
da década de 1950, caracterizou o regime do Norte como um “satélite soviético”.[4] A teoria da
sovietização, que a academia americana havia originalmente desenvolvido sobre o contexto do
Leste Europeu, foi sistematicamente aplicada à Coreia do Norte por acadêmicos como Yang
Homin, Dae-sook Suh, Robert Scalapino, Chong-sik Lee e Erik van Ree. Ela proporcionava um
enquadramento conceitual dentro do qual esses acadêmicos conferiam um sentido às suas
respectivas observações sobre a RPDC.[5] Para os americanos que travavam da Guerra Fria, a
teoria da sovietização fazia parecer óbvio que o governo da Coreia do Norte não era um ator
autônomo e que a União Soviética era a responsável por dirigir a divisão da Península
Coreana.
Muitos fatos, todavia, se uniram para dar crédito à teoria da sovietização. Ao final da Segunda
Guerra Mundial, os militares soviéticos avançaram rumo à Coreia do Norte e permaneceram como
força de ocupação lá por alguns anos, guiando o regime recém-estabelecido rumo a um modelo de
desenvolvimento stalinista. Começando pelo período de luta armada antinipônica, os comunistas
norte-coreanos, liderados por Kim Il-Sung, tinham um histórico de apoio à União Soviética sob
slogans como “Protegeremos a União Soviética com armas!” Ademais, os norte-coreanos
desejavam um novo sistema político – um que diferisse da democracia burguesa – e um sistema
econômico que fosse guiado não pelo mercado, mas por planejamento central, e não pelo lucro
capitalista, mas por aspirações de elevar os meios de vida. Como um resultado, a teoria da
sovietização acabou sendo o único e mais convincente roteiro conceitual para se entender a Coreia
do Norte.
A teoria da sovietização, entretanto, tinha um número de falhas severas. Para começar, o governo da
Coreia do Norte não era um “governo vagão”[6] como muitos dos governos do Leste Europeu. Os
comunistas coreanos não só tinham apoio popular no Norte, mas eles também mantiveram
cuidadosamente uma distância da força de ocupação soviética desde seu início. Mesmo na
devastação do período pós-Guerra das Coreias, Pyongyang manteve sua atitude desafiante perante
tanto seu inimigo de guerra, Washington, como seu aliado, Moscou. Pyongyang era combativa o
bastante, já então, para ganhar a rara distinção de ser rotulada por Moscou (muito antes de George
W. Bush usar o mesmo rótulo meio século depois) como um “Estado pária – o último país com um
sistema stalinista e certamente o país mais isolado do mundo”. A Coreia do Norte pode ser muitas
coisas, mas um satélite soviético não é uma delas.
Se os Estados Unidos e a Coreia do Sul estão dominados pela teoria da sovietização, o Norte
oferece uma visão oposta. Bem cedo, acadêmicos no Norte desenvolveram a teoria Juche, que
explica a formação do regime do Norte em termos de uma revolução democrática popular
autóctone.[7] O Norte a oferece enquanto narrativa oficial, traçando as raízes históricas do regime
até a luta armada antinipônica que Kim Il-Sung organizou e liderou.[8] De acordo com a versão
oficial, a RPDC resultou da “Árdua Marcha” executada pelas guerrilhas antinipônicas que travou
uma luta armada de liberação, independente dos comunistas chineses e soviéticos. A ajuda externa
raramente é reconhecida como se qualquer admissão de ajuda fosse comprometer a pureza da luta
autóctone e autocentrada que fundou e sustenta o país.
As narrativas oficiais do Norte, entretanto, incorrem em dificuldades, assim como a teoria
americana da sovietização. Os acadêmicos norte-coreanos não providenciam os detalhes das ações
tomadas pela guerrilha de Kim Il-Sung imediatamente antes e depois da mesma se deslocar para a
Coreia do Norte com medo que tais detalhes pudessem expor os limites da teoria da “revolução
autopropelida”. Tampouco eles discutem, pelas mesmas razões, as influências exercidas e as
mudanças forçadas pela União Soviética. A história oficial do Norte revela um viés de seleção bem
orquestrado sobre fatos desconfortáveis – por exemplo, sobre as eleições separadas realizadas em
1948, para que Pyongyang não fosse acusada de ter pressionado pelo estabelecimento de um
governo separado, consolidando, portanto, a divisão entre as Coreias. Ademais, normalmente se
encontra o refrão de que a lacuna entre os objetivos políticos declarados de Pyongyang e os
resultados factuais fora preenchida pelo gênio individual de Kim Il-Sung.
Este artigo busca não explicar o caráter único de um indivíduo, mas analisar a estrutura
social e o curso da história que propiciou a formação da estrutura de autoridade norte-
coreana. Ao analisar o estabelecimento do sistema norte-coreano, deve-se evitar por um lado a
perspectiva da sovietização e, por outro, a perspectiva da revolução autopropelida, ambas as
quais colocam uma ênfase unilateral em um aspecto particular daquilo que é inerentemente
uma complexa interação entre atores divergentes. A atual crise econômica do Norte[9] provê
um caso em exame de ambas essas perspectivas, nenhuma das quais explica o problema que se
tem à mão. Por exemplo, acadêmicos da Coreia do Sul e Estados Unidos, que enfatizam a
dependência do Norte de forasteiros, explicam a crise econômica em termos de problemas
internos com a perspectiva de revolução autopropelida do Norte. Acadêmicos da Coreia do
Norte, por contraste, que salientam a autossuficiência de seu sistema, localizam as causas de
suas dificuldades econômicas em fatores externos. Para se desenvolver um argumento coeso e
coerente, este artigo busca ir além desses enquadramentos unilaterais.
No começo dos anos 1990, um novo tipo de literatura que reconhecia tanto a influência forçada dos
soviéticos como as dinâmicas internas da sociedade norte-coreana, surgiu, sintetizando ambas para
explicar a trajetória do desenvolvimento do Norte.[10] Esse grupo de acadêmicos explicam a
emergência do sistema norte-coreano em termos de fatores externos, como as origens da divisão da
Coreia na Guerra Fria, bem como de fatores internos, como a tradição confucionista, o controle
colonial japonês, o atraso da estrutura socioeconômica coreana e o sin kukka kõnsõl undong
(Movimento de construção da nova nação). Graças aos seus esforços, o processo de formação
estatal entre 17 de dezembro de 1945 e 9 de setembro de 1948 é agora melhor compreendido.[11]
Para avançar ainda mais nossa compreensão, é importante traçar historicamente quais condições
sociais herdou o exército de guerrilha antinipônico – o principal ator envolvido na formação do
Estado. De igual maneira, uma perspectiva sintética ainda é necessária, uma que explique a
formação estatal do Norte enquanto um processo dinâmico de fatores internos e externos enredados
em uma relação causal recorrente. A falha dos trabalhos existentes em explicar a resiliência do
Norte joga luz sobre essa necessidade. Se o Norte é, como argumentam alguns acadêmicos
atuais, um governo estabelecido e sustentado pela União Soviética, por que ele não colapsou
com a União Soviética como tantos outros “satélites” no Leste Europeu? Como é que o Norte,
supostamente enquanto um regime títere da União Soviética, agora acusa Moscou de revisionismo e
chama por uma “luta contra o revisionismo”? Ao mesmo tempo, como é que o Norte,
supostamente um Estado autossuficiente, depende tão profusamente de fatores externos que,
na sua ausência, levam a um colapso de sua agricultura? Qualquer explicação da formação do
Estado do Norte deve confrontar esses problemas.
A população norte-coreana temia o Exército soviético desde o primeiro dia de sua chegada e mesmo
os comunistas coreanos mantiveram uma relação tênue com ele. O Exército soviético chegou como
uma força de ocupação e fez esse fato ser conhecido pelos coreanos ao dar ordens e estabelecer
diretivas. O Exército soviético depredou a economia do Norte ameaçando a subsistência de
cidadãos comuns e exerceu livremente seu poderio militar, pondo em perigo suas vidas.[12]
Enquanto atos criminosos cometidos por soldados soviéticos individuais não duraram, a
União Soviética continuou a, por exemplo, expropriar plantas industriais, desmontando e
enviando para a União Soviética os geradores elétricos da maior subestação de geração de
energia, Sup’ung, no que era, à época, a Coreia. Tal atividade foi conduzida, supostamente,
para coletar indenizações de guerra contra o Japão. O tamanho da expropriação soviética pode
ser inferido de um relatório que reconhece que o comando de ocupação diretamente controlava a
produção em 38 fábricas de indústria pesada e – pelos cinco meses cobertos no relatório – enviou
8.535 toneladas de bens dessas fábricas para a União Soviética sem nenhum tipo de compensação.
[13]
Apesar da União Soviética tentar estabelecer empreendimentos conjuntos, a Companhia Marítima
Choson-Soviética e a Companhia de Petróleo Choson-Soviética são representantes do que
ocorreu entre ambos os países. Essas companhias foram uma ferramenta para que os soviéticos
assumissem o controle, sem investimentos extensivos, das principais industrias do Norte e
abastecessem a União Soviética com recursos e produtos norte-coreanos. Os soviéticos tentaram até
mesmo arrendar os três portos de Chongjin, Najin e Unggi da mesma forma que os britânicos
haviam arrendado Hong Kong. A maior parte dos empréstimos fornecidos pela União Soviética
eram esboçados para “fortalecer as posições econômicas soviéticas na Coreia do Norte”. Por fim,
os empréstimos foram usados para pagar pelos gastos que os soviéticos incorreram ao produzir bens
nas fábricas que seu Exército havia confiscado e para enviar tais produtos de volta à União
Soviética. Os soviéticos não pagaram compensação pelos bens norte-coreanos que levaram.[14]
Os norte-coreanos reagiram de uma forma previsível.[15] Eles viam os soviéticos com desprezo,
tanto que a palavra rosûkke (russos) se tornou um termo depreciativo. Esses sentimentos de traição
e ressentimento serviram como as sementes das quais slogans patrióticos cresceriam e se
espalhariam. Um dos slogans popularizados chamava os norte-coreanos a defender sua identidade
nacional: “mesmo que leiamos escritas estrangeiras, nossa mente deve ser enraizada em nosso
próprio país”. Foi a partir desse ressentimento e desdém que o ethos do Juche se desenvolveu. Em
oposição ao outro soviético, a nação norte-coreana nasceu. Em 3 de novembro de 1946, pela
primeira vez, na Península Coreana o povo norte-coreano participou em eleições para os comitês
provinciais, citadinos e de condados. Depois que o Comitê do Povo da Coreia do Norte foi
estabelecido em 22 de fevereiro de 1947, os coreanos cada vez mais exerceram seu poder de tomar
decisões e expressaram suas identidades de forma mais assertiva, com pouca consideração pela
influência soviética. Essa mudança na balança de poder nas relações Coreia do Norte-soviéticos
pode ser vista pelas lentes da mudança na quantidade de literatura soviética que foi traduzida e
publicada na Coreia do Norte durante esse período.
Como a tabela 1 mostra, o número de publicações traduzidas, produzidas pelo Departamento de
Propaganda do Comitê Central do Partido dos Trabalhadores e pela Choso Munhwa
Hyophoe (Associação Cultural Coreano-Soviética), aumentou dramaticamente entre 1946 a 1947,
[16] mas diminuiu consideravelmente em 1948. Ao mesmo tempo, a União Soviética promovia ao
mundo a superioridade de seu sistema socialista energicamente, e a Coreia do Norte estava em uma
posição apta a receber a “cultura avançada” soviética. A diminuição na tradução e publicação de
literatura soviética, portanto, reflete uma diminuição da influência soviética sobre a Coreia do
Norte. Ademais, o declínio nas publicações marxistas-leninistas, combinado com o fato que o
Partido dos Trabalhadores da Coreia tinha um “número muito diminuto de ideólogos
marxistas”[17] providenciou um chão fértil para o pensamento “no estilo coreano” e para a
ideologia nacional estabelecerem suas raízes.
Os anos 1950 foram uma época de provação para o povo norte-coreano. Tendo sofrido um grau de
devastação sem paralelos durante a Guerra da Coreia, eles foram deixados com desafios inevitáveis
da reconstrução a partir das cinzas. Seus desafios se tornariam ainda mais complexos pela recusa
soviética de providenciar toda a assistência necessária.[18] Os coreanos se tornariam ainda mais
ressentidos vez que consideravam o comportamento soviético com uma traição do combativo povo
norte-coreano.[19] Com a subida de Kruschev ao poder, as relações norte-coreano-soviéticas
azedariam ainda mais. A União Soviética utilizava seu status de grande potência e exercia pressão
para interferir nos negócios internos norte-coreanos. À medida que Pyongyang resistia, Moscou
acusava o regime desafiador de ser uma “sociedade fechada” e “isolacionista”, usando os mesmos
termos que o Ocidente invocaria décadas depois para criticar o Norte.[20]
Em resposta, desde a metade até o final da década de 1950, o governo norte-coreano caracterizou a
interferência soviética em seus negócios como “revisionismo moderno”. Sua oposição a esse
revisionismo criou o momentum necessário para estabelecer o princípio Juche de “fazer as coisas do
nosso jeito”. Como resultado, a Coreia do Norte desenvolveu um sistema único, diferente daquele
dos Estados socialistas do Leste Europeu. Ainda que a Coreia do Norte possa dividir algumas das
características básicas do Estado moderno e algumas das características comuns aos Estados
socialistas, suas características peculiares resultam de suas primeiras interações com a União
Soviética. Apenas no contexto histórico da luta do Norte contra ambos os “seus principais
inimigos”, os Estados Unidos e seu suposto patrono, a União Soviética, é que se pode começar
a entender a ênfase da RPDC na centralização ao redor de seu líder, “tradições e realizações
revolucionárias”,  a estratégia de sucessão e a “arte da liderança”.[21] Em resumo, o Juche,
como instituição central norte-coreana, emergiu a um só tempo da oposição e da concordância
com a União Soviética.
Notas de rodapé:
[1] – A República Popular Democrática da Coreia é o nome formal do estado estabelecido em 9 de
setembro de 1948, o qual essa localizado na região norte da Península Coreana sobre o paralelo 38
(a linha de demarcação militar estabelecida em 1953). Dos 221,336 km² que perfazem a área
terrestre total da Coreia a RPDC ocupa cerca de 55% ou 122,762 km². Em 2000, sua população era
de 22.963.000. Suas áreas administrativas se constituem de duas cidades controladas pelo governo,
nove províncias, um cidade especial, 25 cidades e 148 condados. Desde junho de 2004, a RPDC
mantém relações diplomáticas com 155 países.
[2] – Ver CUMMINGS, Bruce, “Bringing Korea Back In: Structured Absence, Glaring Present,
and Invisibility” in Pacific Passage: The Study of American-East Asian Relations on the Eve of the
Twenty-first Century, Nova York: Columbia University Press, 1996, pgs. 335-74
[3] – “O Conselheiro político na Coreia (Benninghoff) para o Secretário de Estado apud Foreign
Relations of the United States (FRUS) 1945, vol. VI, 1065
[4] – DEPARTAMENTO DE ESTADO NORTE AMERICANO, North Korea: A Case Study in the
Technique of Take- over. Washington: Government Printing Office, 1961 , pg. 2.
[5] – Ver, YONGJIN, O. Sogun chõngha iti Pukhan – Hana ui chungón (A Coreia do Norte sobre o
Governo Militar Soviético – Um testemunho). Seul: Chungang Munhwasa, 1952;SETOR
ESPECIAL DE INTELIGÊNCIA, BUREAU DE SEGURANÇA PÚBLICA, MINISTÉRIO DO
INTERIOR. Pukhan kongsan koeroe chõngkwõn e taehan kochal (Um estudo do regime títere
comunista Norte-coreano) Seul: Minjung Sõgwan, 1958;HORNIN, Yang Pukhan iti ideollogi wa
chöngch’i (A Ideologia e a Política da Coreia do Norte). Seul: Koryõdae Asea Munje Yön’guso,
1967; SCALAPINO, Robert A. e LEE, Chong-sik. Communism in Korea. Berkeley: University of
California Press, 1972; VAN REE, Erik, Socialism in One Zone: Stalin’s Policy in Korea, 1945-
1947. Oxford: Berg, 1989.
[6] – O termo em inglês “freight car government” se refere ao fato dos governos do Leste Europeus
serem “puxados” pela “locomotiva” que seria a União Soviética. (N.T)
[7] – Depois do “Fórum Nacional de Ciências sobre a Emergência e Desenvolvimento da
Democracia Popular em nosso país”, patrocinado pelo Kwahagwõn Ryõksa Yön’guso em
Setembro de 1958, acadêmicos norte-coreanos claramente mudaram sua postura em direção ao
charyõk hyõngmyõng (revolução autopropelida). Um fato interessante é que por volta desta época
a Academia norte-coreana negou a teria de “difusão cultural” e endossou a ascendência da cultura
nacional ou dos “estudos populares históricos”.
[8] – HANG-IL, Kim .Hyöndae Chosõn ryõksa (História Coreana Moderna).Pyongyang: Sahoe
Kwahak Ch’ulp’ansa, 1983, pgs. 196-97.
[9] – O artigo fora escrito em 2007 durante um período de vultosos gastos militares para se
completar o ciclo nuclear de proteção vis a vis a política songun, a atual situação econômica do
Norte é muito mais favorável que à época do escrito (N.T)
[10] – Ver CUMMINGS, Bruce. The Origins of the Korean War; vol. 2 Princeton: Princeton
University Press, 1990; MASAYUKI, Suzuki; CHOSEN, Kita. Shakaishugi to dento no kyõmei
(Coreia do Norte: Socialismo e uma ressonância com a Tradição) Tóquio: Tokyo Daigaku
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1995; SONGBO, Kim. Pukhan üi ťoji kaehyõk kwa nongõp hyõptonghwa (Reforma Agrária e
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sahoejuui eh ‘eje sõngnipsa (Um estudo do Sistema Político Norte-coreano. Seul: Sõnin, 2005).
[11] – Em 17 de dezembro de 1945, Kim II Sung convocou a Terceira Reunião Ampliada do
Comitê Executivo do Comitê Central de Organização do Braço Norte-coreano do Partido
Comunista Coreano, onde foi tomada a crucial decisão de fortalecer o órgão de liderança central do
partido instalando-se Kim Jong Il enquanto seu representante.
[12] – Ver Krasnaja Zvejda (Estrela Vermelha) 12 Setembro, 1945; “Shtikov memorandum” 6 de
Dezembro de 1946; Coleção de Manuscritos Russos Kuksa P’yonch’an Wiwõnhoe, Seul, Dezembro
de 1946.
[13] – Relatório de Pesquisa das Condições de Produção nas Operações e Empreendimentos
Fabris Nortecoreanos de 15 de novembro de 1945 a primeiro de maio de 1946 enviado por Shtikov
a Molotov.” Em HYONSU, Chõn. Haebang chikhu Pukhansa yön’gu üi myöt kaji munje e taehayõ
(Várias questões concernentes à Pesquisa da Coreia do Norte pós-liberação) Seul: Han’guk Yöksa
Yön’guhoe, 1993, vol. 10, pg. 309
[14] – HYONSU,Chõn. Haebang chikhu Pukhansa yön’gu üi myõt kaji munje e taehayõ, pgs. 308-
9.
[15] – Após a criação da República na Coreia do Norte figuras soviéticas responsáveis pela
exploração econômica foram removidas de seus cargos. Um caso emblemático foi a remoção de
Pomenko como presidente da Companhia Marítima Choson-Soviética. Ver Seoul Sinmun, March
27, 1995
[16] – Em janeiro de 1947, o Partido dos Trabalhadores da Coreia do Norte proibiu às organizações
partidárias locais a publicação dos escritos de Marx, Lênin e Stalin. Ver Kyolchongjip (Arquivo
Secreto de Documentos do Partido dos Trabalhadores da Coreia: 1946.9-1951.11), Regarding the
Publication of Marxist-Leninist Writings and Bolshevik Communist History: The Decision Papers
of the Twenty-first Meeting of the Central Executive Committee of the North Korean Workers’
Party, 28 de janeiro, 1947.
[17] – Ver “For Raising the Level of Ideological Theory in Party Members and Qualitatively
Improving Party Propaganda Activity: The Decision Papers of the Forty-eighth Meeting of the
Central Executive Committee of the North Korean Workers’ Party, November 10, 1947,”
Kyõlchõngjip (Arquivo Secreto de Documentos do Partido dos Trabalhadores da Coreia: 1946.9-
1948.3).
[18] – Puzanof, “An Ambassador to DPRK, Puzanof Memorandum,” Abril, 11, 1957, Coleção de
Manuscritos Russos, Kuksa Pyonchan Wiwõnhoe, Seul
[19] – “An Ambassador to DPRK, Puzanof Memorandum,” Maio, 12, 1957.
[20] – “An Ambassador to DPRK, Puzanof Memorandum,” Abril, 27, 1957.
[21] – A respeito da estrutura de poder norte-coreana Bruce Cummings alega em The Origins of the
Korean War que o Sistema político peculiar que se desenvolveu no final da década de 40, sobre a
influência da União Soviética e da China, não mudou substancialmente na segunda metade do
século. Cumings vê a estrutura de poder da Coreia do Norte – a qual chama de “corporativismo
revolucionário nacionalista” – como a mais diferente dos sistemas Marxistas-Leninistas pretéritos
(pgs. 293-94). Para além de reconhecer o “reino heremita” da dinastia Chosõn e a influência do
Confucionismo tradicional em sua relação com a “peculiar formação norte-coreana”, Cummings
não se aprofundou em análises mais profundas em sua obra. Ver também CUMMINGS, Bruce.
Corporatism in North Korea, Journal of Korean Studies 4, no. 1 (1982), trans. Kim Tongch’un,
“Pukhan üi chohapchuüi” Han’guk hyõndaesa yôn’gu (Um Estudo de História Contemporânea
Coreana), pgs. 341-43.

Gwang-Oon Kim, “The Making of the North Korean State”, no Journal of Korean Studies, Volume 12, no. 1, pp. 15-42.
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* Gwang-Oon Kim é um pesquisador sênior no Instituto Nacional de História Coreana.

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