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Resumo do projeto proposto
Realizações no período
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I – Metodologia
Este esquema foi, todavia, rompido pelo Golpe Civil-Militar de 1964, que, ao
instituir uma Ditadura Civil-Militar, cortou o contato dos artistas com as massas. A grande
questão passava a ser; pois: como lidar com o ente povo na produção artística? Em termos
de produção artística, o que seria possível fazer depois da derrota? Fundamental resposta
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viria com o longa-metragem “Terra em Transe” (1967), de Glauber Rocha, resposta do
cineasta à 1964. Em cena já clássica, Paulo Martins, o intelectual orgânico de Eldorado,
“país interior, atlântico” em que se passa a película, tapa a boca de Gerônimo, personagem
identificada como o “povo” em um comício político, e esbraveja: “Estão vendo o que é o
povo? Um imbecil! Um analfabeto! Um despolitizado! Já pensaram um Gerônimo no
poder?”. Esta fala seria crucial para se entender os debates daquele momento – e Caetano
Veloso enxergaria ali, conforme relatou em Verdade Tropical, “a morte do populismo”
(VELOSO, 2017, p. 128). Aquele povo sonhado pelo CPC simplesmente não existia. O
Estado varguista estaria enterrado.
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golpeada em 1964 por aquilo que se pensava superado: o arcaico. Juntando tudo numa
única forma, os Tropicalistas buscariam, numa única operação, sob forma (pós-
?)moderna denunciar o que as esquerdas se negligenciavam a ver, ou que se pensava
superado, mas que havia tomado o poder e se impunha enquanto realidade.
José Ramos Tinhorão, nascido em Santos mas logo transferido para o Rio de
Janeiro, cursou Direito e Jornalismo na então Universidade do Brasil, e desde muito cedo
começou a trabalhar nas redações de jornais da então capital federal, entre a boemia e o
engajamento. Esta informação é importante pois conecta Tinhorão ao espírito de seu
tempo: aquele pré-1964, como se tentará demonstrar adiante. Quando no Jornal do Brasil,
na virada dos anos 1950 para os 1960 (momento de profunda reforumulação neste jornal,
capitaneada pelo jornalista Janio de Freitas), Tinhorão realizou seus primeiros trabalhos
em relação à música popular, com destaque à série “Primeiras lições de samba”. Para este
trabalho, com a falta de bibliografia diversificada sobre o tema, recorreu aos compositores
ainda vivos, como Donga e Pixinguinha, para realizar uma teorização do samba.
Assim sendo, torna-se preciso deslocar Tinhorão: embora aponte que já na década
de 1930 haja uma afirmação da indústria cultural no país – que se tornaria visível com a
expansão da cadeia radiofônica no país – este processo se incrementaria com a Política
da Boa Vizinhança do Estado Novo e o advento do samba-canção (ou samba de meio de
ano) da República de 1946. Para Tinhorão, estas manifestações culturais atestariam um
elemento importante: a gradativa perda do poder de criação musical engajado (leia-se: de
resistência) por parte das classes populares. Isto poderia, em sua obra, ser bem
identificado no caso do samba moderno: fruto do encontro do maxixe com o choro, o
samba seria, gradativamente, assimilado, e perderia suas raízes, gerando uma
“expropriação” que se exemplificaria, por exemplo, em Francisco Alves gravando sambas
de Ismael Silva e tendo autoria a ele atribuída (caso de “Se você jurar”). Este processo se
escancararia com o apogeu de Noel Rosa, que traria para o samba a conciliação do pacto
nacional-desenvolvimentista – ainda que Tinhorão visse Noel Rosa ainda em chave
positiva, por tratar de motivos populares em sua obra, oposto ao caso da Bossa Nova
(especialmente Tom Jobim).
Em sua visão, a Bossa Nova representaria uma tentativa autoritária das elites
brasileiras de expropriar o samba, por meio de uma montagem brasileira do Jazz.
Colocação importante essa pois denota certa resistência de Tinhorão às produções de seu
tempo (leia-se: pacto nacional-desenvolvimentista), preferindo valorizar a resistência dos
velhos sambistas (Donga, Pixinguinha, etc) em contraposição às novas gerações,
identificadas com a Bossa Nova, a Canção de Protesto e o Tropicalismo. Feito este
panorama teórico-metodológico de Tinhorão, passemos à sua análise sobre o
Tropicalismo.
Por motivos que se verá adiante, todavia, a análise de Tinhorão ignora por inteiro
as contradições do Tropicalismo, colocando seus agentes como meros serviçais do
capitalismo autoritário instalado no Brasil em 1964 (com apoio norte-americano, aliás).
Este meio de análise ignora, por exemplo, o passado de Gil, Caetano e Tom Zé no CPC
da UNE em Salvador, o engajamento, certamente mais contido e irônico que o dos
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cantores de protesto (como Sérgio Ricardo e Geraldo Vandré) de canções como
“Enquanto seu lobo não vem” e “Parque Industrial” (Tom Zé). Ignora também a denúncia
da violência como entre central da formação do Brasil enquanto Estado-nação,
exemplificada nas relações interpessoais em “Panis et Circensis”. Alinhando entrevistas
dos tropicalistas, em sua maioria já da década de 1970, portanto após a dissolução do
movimento, Tinhorão não percebe, a meu ver, a denúncia escancarada daquele processo
irreversível iniciado em 1964, o que permitiria a emersão de uma fenda imensa em sua
visão sobre o Tropicalismo: a prisão de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Ora: se os
tropicalistas são a face cultural da Ditadura, por que então foram eles os presos pelos
militares logo após a edição do Ato Institucional de número 05?
A hipótese central de Schwarz que liga estes dois personagens reside no seu
controvertido ensaio “As ideias fora do lugar”. Muitas vezes interpretado na chave do
argumento da incompatibilidade do liberalismo europeu com a moderna escravidão de
negro-africanos, o ensaio é criticado por apontar que o liberalismo prescindiria da
escravidão na periferia do capitalismo. Todavia, o que Schwarz – e é preciso ter em mente
que seu objeto reside no momento de colapso da ordem escravocrata – tenta mostrar é
que este liberalismo europeu convive reciprocamente com a escravidão, o que produz
uma “comédia ideológica”, um liberalismo amorfo, que permite explicar o fato do
arcaico, muitas vezes pensado como superado, se sobressair ao moderno, que se pensava
consolidado (CEVASCO, 2014, p. 207).
Na década de 1960, pensava-se que o Brasil – nomeado por Stafan Zweig como
“país do futuro” anos antes – se tornaria uma das maiores economias industriais do
mundo, e que, inserido no concerto das nações, favorecido pelo mito da “democracia
racial” e da zona de confraternização freyreana entre as raças, se tornaria vanguarda
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mundial. Acontece que antes de qualquer grande salto histórico, a democracia foi
golpeada e iniciou-se um período de tutela militar sob a sociedade que permaneceria até
os dias de hoje. As produções culturais do pré-golpe, como visto, empenhadas na
emancipação do povo brasileiro, produziriam obras com sonoridades de profundo
refinamento (caso da Bossa Nova) e, nalguns casos, alinhadas à luta pela diluição das
desigualdades estruturantes do país (caso da Bossa Nova engajada). Este tecido
intelectual certamente seria cortado por 1964, momento em que, para Roberto Schwarz,
a província sairia provisoriamente vencedora: seria a vitória dos “ratos de missa, das
pudibundas, dos bacharéis em lei, dos grandes proprietários, etc” (SCHWARZ, 2008, p.
83).
Ali, Roberto aponta que “progresso técnico e conteúdo social reacionário podem
andar juntos” (ibidem, p. 47). Colhendo trechos da entrevista em que os compositores são
categóricos ao dizer que o que lhes importava era a ida ao mercado, a disputa por espaços
dentro de uma Indústria Cultural em consolidação, Schwarz irá, influenciado sobretudo
pelo trabalho de Theodor Adorno, questionar esta ida ao mercado como a única solução
para o dilema: como se reconectar com as massas na nova realidade brasileira gestada por
1964, que cortou de imediato o contato da intelligentsia com as classes populares?
Apontando os riscos de se aderir acriticamente ao mercado, com profunda elegância
crítica, Roberto irá encerrar o ensaio com a questão: “Vendeu-se, está criticando, ou
vendeu-se criticando?” (ibidem, p. 54). A grande questão, em síntese, parece residir na
última opção: será possível que o artista seja cooptado pelo mercado mas consiga, de
dentro dele, criticá-lo?
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Em “Cultura e política, 1964 – 1969”, esta parece ser uma das questões centrais.
O ensaio, verdadeiro inventário da derrota às esquerdas representada por 1964, busca
compreender dois pontos: onde erramos e o que fazer daqui adiante? A primeira pergunta
é respondida pela frágil aliança entre o Partidão e a intelectualidade com a burguesia
industrial nacionalista, o que produziria uma esquerda fortemente anti-imperialista mas
parca em anticapitalismo. A segunda questão residiria no dilema mercado: aceitar ou não
aceitar? Encerrando o ensaio em uma sinalização explícita à luta armada revolucionária,
Roberto parece ficar com a segunda opção, isto é, a recusa ao mercado. Todavia, ele
reconhece que a operação tropicalista, ainda que o aceite frivolamente, é quem aponta a
prevalência do arcaico sob o moderno e a irreversibilidade de 1964. A partir de então,
Schwarz aponta, ao menos neste ensaio escrito logo após o desmantelamento do
movimento, que esta operação dos tropicalistas de colocar arcaico e moderno numa
mesma forma, empilhando as “relíquias” do país (NAPOLITANO/VILLAÇA, 1998, s/p),
produziria uma dialética ainda sem síntese: o que sobressai?
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A conclusão de Schwarz seria, em linhas gerais, a seguinte: ao interpretar a
clássica cena de “Terra em Transe” já comentada em que o poeta Paulo Martins anuncia
a falência do ente povo como a morte do populismo, e enxergar ali o chamado para novas
tarefas, Caetano torna-se o nome oficial de uma cultura política porvir, que se encontraria
identificada no neoliberalismo de Fernando Henrique Cardoso, nos anos 1990, de modo
que este passava, em termos benjaminianos, de vencido a vencedor. Roberto não perdoará
este fato e buscará encontrar no movimento tropicalista motivos que expliquem esta
aceitação cínica de um novo momento, autoritário e conservador, da modernização
capitalista. Quanto à detenção de Caetano e Gil, uma fenda nestas interpretações que
buscam ligar o Tropicalismo à Ditadura, Schwarz aponta que tanta gozação com tudo e
todos, tamanha anarquia, não poderia levar para outro caminho: provocar o arcaico não
sairia barato nem para aqueles que poderiam ser simpáticos a ele.
Cortado em pleno voo, contudo, os tropicalistas não encerraram suas carreiras ali,
e, especialmente nos casos de Caetano Veloso e Gilberto Gil, instalou-se uma “razão
tropicalista” (ALAMBERT, 2020) que se tornou cultura política oficial à luz de um novo
momento de inserção do Brasil na cena internacional (correspondentes aos anos de FHC,
Lula e Dilma). Esta “razão”, apontada por Nuno Ramos como iniciada a partir dos anos
1970, com “Qualquer coisa” (1975) após uma longa “pedagogia do trauma” representado
pelo fim abrupto e violento do movimento (RAMOS, 2019, p. 104), não estaria, segundo
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este autor, presente no Tropicalismo (1967 – 1968), de modo que a proposição dos
tropicalistas viria só depois de seu fim. Em outros termos, o Tropicalismo não teria
respondido à pergunta – “o que é possível fazer em matéria de arte após 1964?” –, mas o
ímpeto da prisão, bem como a demonstração de violência e poderio dos militares que essa
representou, teria diminuído mais ainda o horizonte de expectativas já rebaixado dos
tropicalistas. Em síntese: de fato, o que dá para fazer depois de 1964 é aceitar o mercado
e construir uma cultura cínica e acrítica, posto que integrada.
No período que segue, pretendo lapidar melhor a parte que diz respeito à descrição
e análise do movimento tropicalista, relendo a bibliografia sobre o tema. Quanto à
Tinhorão, pretendo debruçar-me melhor sobre a bibliografia que versa sobre sua
metodologia, com destaque para a releitura da dissertação de Luísa Lamarão sobre o tema.
No que diz respeito a Roberto Schwarz, pretendo sistematizar a discussão criada entre o
autor e Caetano Veloso, analisada pelo próprio Caetano em “Carmem Miranda não sabia
sambar”, ensaio que abre a nova edição de seu livro “Verdade Tropical”; por Nuno
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Ramos, em parte do ensaio “Trança (Moebius ainda)”, parte do livro “Verifique se o
mesmo”; e por Guilherme Wisnik no recém editado “Lançar mundos no mundo: Caetano
Veloso e o Brasil”.
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b) Do XII Seminário Nacional Sociologia & Política, realizado virtualmente, sob
organização da Universidade Federal do Paraná, em junho de 2022. No dia
21.06.2022 apresentei o Pôster “Notas sobre a metodologia crítica de José Ramos
Tinhorão”. Não foram utilizados recursos da Reserva Técnica da bolsa de
Iniciação Científica;
c) Do XXVI Encontro Estadual de História da Associação Nacional de História,
seção São Paulo (ANPUH – SP), realizado virtualmente em setembro de 2022.
Apresentei o pôster, na modalidade assíncrona, “Roberto Schwarz, intérprete do
Tropicalismo”. Não foram utilizados recursos da Reserva Técnica da bolsa de
Iniciação Científica;
d) Do VIII Encontro de Pesquisa na Graduação em História, organizado pelo
Programa de Educação Tutorial da História/USP, realizado presencialmente na
Universidade de São Paulo em setembro. Apresentei a comunicação “José Ramos
Tinhorão, intérprete do Tropicalismo”. Não foram utilizados recursos da Reserva
Técnica da bolsa de Iniciação Científica;
e) Do V Seminário de Estética e Crítica de Arte, organizado pelo Grupo de Estudos
em Estética Contemporânea da USP, realizado virtualmente em setembro.
Apresentei a comunicação “A Ditadura Civil-Militar e o Tropicalismo: crítica e
integração”. Não foram utilizados recursos da Reserva Técnica da bolsa de
Iniciação Científica;
No período vigente neste Relatório, foi realizada a inscrição no:
a) 30º Simpósio Internacional de Iniciação Científica e Tecnológica da USP, a ser
realizado em outubro em modalidade presencial. Inscrevi-me – no momento com
a inscrição já validada – com a comunicação “Sentidos do Tropicalismo: as
leituras de José Ramos Tinhorão e Roberto Schwarz”. Não foram utilizados
recursos da Reserva Técnica da bolsa de Iniciação Científica.
Lista de publicações
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c) O artigo “O colapso da modernização nas obras de Caetano Veloso e Chico
Buarque: uma experiência na virada dos anos 1980 para os anos 1990”, pela
Revista Temporalidades (DOI não disponibilizado);
d) O ensaio “A última sessão de música”, no portal “A terra é redonda”, em
10.09.2022.
Foi realizada também uma entrevista com o filósofo Paulo Eduardo Arantes, em
parceria com Julio Tude d’Ávila e Sofia Azevedo de Carvalho. A entrevista,
intitulada “Paulo Arantes comenta Rainha Lira, Ruy Fausto e Jornadas de Junho”,
foi realizada em 07.07.2022, e se encontra publicada virtualmente em:
https://www.youtube.com/watch?v=NioF39YbVGQ&t=275s.
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c) “O colapso da modernização nas obras de Caetano Veloso e Chico Buarque: uma
experiência na virada dos anos 1980 para os 1990”
18
d) “A última sessão de música”
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Lista dos trabalhos preparados e submetidos
Referências
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I – Fontes primárias
II – Bibliografia de apoio
GARCIA, Walter. Notas sobre “Cálice” (2010, 1973, 1978, 2011). Música Popular em
Revista. Campinas, ano 2, vol. 2, jan.-jun. 2014, pp. 110 – 150.
NOBRE, Marcos/José Roberto ZAN. A vida após a morte da canção. serrote, v.6,
nov./2010.
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NOVAIS, Fernando Antonio/MELLO, João Manuel Cardoso de. Capitalismo tardio e
sociabilidade moderna. In: SCHWARCZ, Lilia Katri Moritz. História da vida privada
no Brasil, vol. 4. Companhia das Letras, 1998.
VELOSO, Caetano. Verdade tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.
WISNIK, Guilherme. Caetano Veloso (Coleção Folha Explica). São Paulo: Publifolha,
2005.
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