Você está na página 1de 22

Copyright © 2020 Brasil Paralelo

Os direitos desta edição pertencem a Brasil Paralelo

Editor Responsável: Equipe Brasil Paralelo


Revisão ortográfica e gramatical: Equipe Brasil Paralelo
Projeto de capa: Equipe Brasil Paralelo
Produção editorial: Equipe Brasil Paralelo

Ferrugem, Lucas

Uma breve história da Rússia: Aula 2

ISBN:

1. História da Rússia

CDD 990
__________________________________________

Todos os direitos dessa obra são reservados a Brasil Paralelo.


Proibida toda e qualquer reprodução integral desta edição por qualquer meio ou
forma, seja eletrônica ou mecânica, fotocópia, gravação ou qualquer outro meio de
reprodução sem permissão expressa do editor.

Contato:
www.brasilparalelo.com.br
contato@brasilparalelo.com.br
INTRODUÇÃO

Adentraremos, neste e-book, em um período de extrema importância para toda


a humanidade. Um ciclo de dois mil anos de governo político foi rompido pelos russos
e, a partir de 1917, em nenhuma nação do planeta a política aconteceu da mesma
forma. As profundas alterações promovidas na Rússia durante o século XX
permanecem vivas e presentes na vida de todos. Em cada eleição, voltamos a debater
assuntos criados pelos russos nesse tempo. Até mesmo os nomes dos partidos
políticos de hoje têm algum respaldo nas transformações dessa época.
Conhecemos a história da Revolução Russa, mas as biografias de seus
líderes: Lênin, Trótski e Stálin, são pouquíssimos investigadas. Como alguém como
Lênin, que advém da classe média, conseguiu se tornar detentor de um poder
unificado de toda a Rússia? Como Stálin, reconhecidamente um sanguinário ditador
- que matou, em estimativas conservadoras, mais de 40 milhões de pessoas -,
conseguiu manter o poder por tanto tempo e morrer tranquilo em sua fazenda, sem
que nada lhe acontecesse?
Além disso, precisamos nos questionar: como a Rússia conseguiu disputar
poder com os Estados Unidos, principal potência do mundo, de igual para igual,
durante metade de um século, com um regime totalmente diferente? Para nós, que
refutamos a política comunista e socialista, por entendermos que ambas causam
miséria e penúria, é imprescindível compreender como a Rússia teve recursos para
financiar esse confronto constante, ao mesmo tempo em que sustentava palácios
luxuosos, o desenvolvimento das ciências e a disputa armamentista e espacial. Essas
duas potências ameaçaram algo inédito no planeta: explodir o mundo. Quais são as
diferenças no modelo, que permitiram o embate entre elas?
Que país é esse? Que indivíduos são esses? Mais importante: eles estão
errados? É isso que iremos averiguar.

O DECLÍNIO DA DINASTIA ROMANOV

As circunstâncias na Rússia estavam se modificando. As pessoas estavam


lendo e frequentando escolas e os trens propiciavam o afluxo de informações de
diferentes localidades, tanto estrangeiras quanto nacionais. Já havia uma classe
intelectualizada e sua influência provocava mutações na mentalidade dos habitantes.
O envio de soldados e generais para o exterior, a fim de combater as tropas
napoleônicas, proporcionou o contato com uma estrutura societária distinta, em que
os reis estavam limitados pelas constituições e não apresentavam total
discricionariedade para determinar o destino de seus súditos.
Tais reformas de contenção do poder real eram ignoradas pela monarquia
russa, cujo ordenamento jurídico estava resumido na seguinte lei: “Sua majestade é
o monarca absoluto, não obrigado a responder por suas ações a ninguém no mundo,
e tem o poder e a autoridade para governar seus Estados e terras como soberano
cristão, de acordo com seu desejo e boa vontade”. Em outras palavras, o imperador
era inquestionável. Esse anacronismo suscitava indagações no povo - por que eu não
tenho nada para comer enquanto esses reis vivem num Palácio de Inverno? Por que
eu estou guerreando por eles? Instaurou-se um clima de instabilidade política e
embates começaram a acontecer nas ruas.
Era este o contexto quando Alexandre II ascendeu ao trono. Ele reconheceu a
necessidade de promover uma renovação. Por isso, decidiu reduzir significativamente
a censura estatal e determinou a expansão das escolas públicas, inclusive para
pobres, adotando um governo liberal1. Para viabilizar a disseminação de escolas,
Alexandre II elegeu um secretário que, durante duas décadas e meia de serviço
público, inaugurou mais de trezentas instituições de ensino.
A população estava contente. Embora houvesse uma minoria radical, inspirada
nas ideias de Karl Marx, e o movimento comunista das internacionais socialistas já
tivesse tomado forma, a parcela moderada estava esperançosa e acreditava que os
problemas iriam se solucionar. Os claros sinais de evolução foram refreados quando
uma reviravolta abateu a Rússia: o principal movimento revolucionário, Vontade
Popular, assassinou Alexandre II.
Reunidos em uma assembleia familiar para debater o futuro da Rússia, os
Romanov concluíram que as modificações que estavam sendo implementadas
haviam surtido efeitos negativos. Essa impressão era compartilhada por Alexandre
III, um homem que debitou o assassinato do monarca à frouxidão do governo. Foi
justamente ele quem ocupou o poder. Ele principiou seu reinado expondo que: “não

1
Nessa época, a palavra liberal fazia referência a um rei que queria promover uma
constituição, regras, instituições. O liberalismo não apresentava o sentido atual, de uma ampla
redução estatal.
é fundamento incentivar as massas e os cossacos para que eles possam se
escolarizar e ter a expectativa de ser mais do que já são”. A premissa de sua
governança era retroceder as reformas liberais. Com isso, a censura foi restabelecida,
escolas foram fechadas, jornais foram encerrados (dentre os quais o principal jornal
comunista da época), atividades universitárias foram extintas. Na contramão de seu
antecessor, Alexandre III impôs uma restrição total.
A população não havia apoiado o assassinato de Alexandre II pelo movimento
Vontade Popular, pois ele era bem quisto pelo povo. Os integrantes do movimento
revolucionário, pertencentes à intelligentsia russa, compreenderam que a brusca
mudança política de Alexandre III, um membro da mesma família, ensejava uma
oportunidade para justificar sua ação. Além disso, conceberam uma estratégia para
criar, na opinião pública, a percepção de que o imperador era o culpado por todas as
mazelas e dificuldades enfrentadas pelo povo. Empenhado em gerar um ambiente
favorável à revolução, o grupo não tardou a empreender uma tentativa de assassinato
também a Alexandre III.

QUEM É ULYANOV?
Enquanto todos esses acontecimentos se desdobravam, a rigidez do novo
governo ocasionava consequências para um sujeito em particular: sério e dedicado,
o secretário público, que havia sido premiado por fundar trezentas escolas, sofria um
desprestígio progressivo por ser entendido como um liberal. Esse homem era
Ulyanov. Patriótico, ele acreditava que a educação deveria avançar sem revoltas ou
rebeldias. Os transtornos causados em sua vida, talvez, tenham sido responsáveis
por gigantescas transformações no rumo da História, pois seu filho era Vladimir Ilyich
Ulyanov, que mais tarde ficaria conhecido como Lênin. Desde muito pequeno, Lênin
testemunhou o processo de declínio do pai e, consequentemente, de sua família.
Integrantes da classe média, apresentavam uma posição relevante dentro de uma
sociedade tão estratificada2 e tinham, à sua disposição, pelo menos quarenta servos.

2
A sociedade estava estratificada em camponeses, servos e classes fundamentais. A classe
média compunha esta última.
Na escola, Lênin apresentou uma inteligência extraordinária, obtendo nota
cinco, o máximo conceito possível, durante toda a sua trajetória acadêmica. Sua
capacidade diferenciada era exibida em partidas de xadrez simultâneas, nas quais
derrotava múltiplos adversários. Uma única disciplina constituía exceção ao seu
desempenho excepcional: lógica. Com um andar deformado e uma cabeça de
tamanho anormalmente grande, o jovem encontrou, em seu intelecto, a sua força.
Apesar de vivenciar de forma ainda mais acentuada a derrocada do pai, Sasha,
irmão mais velho de Lênin, também era um estudioso exemplar. Por seus méritos
estudantis, chegou a ganhar como prêmio uma medalha de ouro. Certo dia, para
surpresa de toda a família, Sasha foi preso e condenado à morte. Ele havia derretido
a medalha e entregue o ouro resultante ao movimento revolucionário, para financiar
uma tentativa de assassinato do Czar Alexandre III. Desesperada, sua mãe partiu
rumo à prisão e deixou a Lênin a missão de bater à porta de todos os conhecidos
importantes, pedindo que usassem sua influência para salvar Sasha. As tentativas de
mobilizar contatos para isentar o filho do enforcamento foram bem-sucedidas. Sasha
precisava apenas enviar uma carta ao Czar, pedindo perdão e clemência, para que o
indulto fosse concedido. Ele, no entanto, negou-se a escrever a mensagem e
justificou sua decisão confessando que acreditava na revolução e que estava disposto
a morrer se isso fosse necessário para que esta prosseguisse.
Um cadafalso com capacidade para duas pessoas foi posicionado para
estrangular os quatro amigos sentenciados. Sasha assistiu ao enforcamento de seus
companheiros de movimento, cujas últimas palavras foram o grito: “Vontade
Popular!”. Quando chegou a sua vez de morrer, Sasha preferiu ler um breve texto: “O
terror é a única forma de defesa, o único caminho que os indivíduos podem seguir
quando seus descontentamentos se tornam extremos. Nós, estudantes, somos
incentivados a desenvolver poder intelectual, mas não nos encorajam a usá-lo em
benefício do meu país. No seio do povo russo, pode ser achada uma dúzia de
homens, ou mais, que são devotados às ideias e abraçam os infortúnios de seu país
com tal paixão, que não consideram se sacrificar ou dar a vida pela causa. Não há
nada que possa intimidar pessoas assim.” Sua mãe voltou desolada para casa. Sasha
era considerado um santo e sua principal pesquisa era sobre minhocas. Por isso, seu
envolvimento político era inesperado. Com a perda do primogênito, e do marido, que
havia morrido no ano anterior, a mãe mudou sua perspectiva de vida.
Não há praticamente nenhum testemunho de qual foi a interpretação de Lênin
acerca de todos esses eventos. No entanto, é a partir desse momento que ele
apresenta um revés em sua biografia. Lênin largou a dedicação a uma notável vida
acadêmica e começou a ler os mesmos livros que o irmão, a fim de entender o que
este estava estudando. Toda a habilidade que apresentava foi usada para se politizar
do dia para a noite. O direito despertou sua atenção e ele acabou lendo “O Manifesto
Comunista” e “O Capital”. Neles, deparou-se com a interpretação de Karl Marx de que
a filosofia da modernidade é colocar a revolução em prática e não só ficar no mundo
das ideias. Esse pensamento penetrou profundamente em sua mentalidade. Agora,
ele sentia que era sua responsabilidade fazer a revolução acontecer na Rússia.

UM NOVO MONARCA
Em meio a esse crescente tumulto, Alexandre III morreu e transmitiu o poder
para seu filho, Nicolau II. Devido à rapidez com que os monarcas se alteraram no
governo, Nicolau II ascendeu ao cargo despreparado. Ultra Reacionário, ele estava
apavorado com a situação e, preocupado, se questionava qual era o melhor jeito de
agir: retomar as políticas liberais promovidas por seu avô ou dar continuidade à rigidez
adotada por seu pai. Sua mulher, Alexandra Feodorovna, também era reacionária e
o influenciava constantemente, dizendo que ele era o poder na Rússia e que a
unidade do monarca era o que, de fato, importava. A cúpula de seu governo
igualmente o incentivava a fazer o que fosse preciso para cercear e prender os
revolucionários. A estratégia repressiva foi a escolha de Nicolau II. Houve a
implementação de um Estado Policial, que se tornou a semente da futura KGB, e
departamentos estatais foram criados somente para violar continuamente as
correspondências. Ao mesmo tempo, as escolas foram militarizadas.
Além dos desafios políticos que enfrentava, a frágil condição de Nicolau II foi
acentuada quando seu filho, Alexei Nikolaevich, manifestou uma doença de sangue
gravíssima, de difícil diagnóstico e tratamento à época: hemofilia. Na tentativa de
remediar o quadro de Alexei, a rainha Alexandra recorreu a uma série de recursos
médicos. Nenhum deles, no entanto, foi capaz de promover uma melhora no quadro
de seu filho. Aflita, ela procurou magos, mas estes também não puderam restabelecer
a saúde do menino. Desesperada em face da debilidade em que este se encontrava,
Alexandra resignou-se para encarar sua última alternativa: dirigir-se ao mago mais
polêmico da Rússia: Grigori Rasputin.
Há diferentes versões que buscam explicar como isso aconteceu, mas o fato é
que Rasputin conseguiu curar Alexei. Isso lhe garantiu um acesso sem precedentes
ao monarca. Ele passou a morar no Palácio real e fazer as refeições junto à família.
Aproveitando-se de tamanha proximidade, começou a influenciar as decisões
políticas de Nicolau II. A alta cúpula do governo se revoltou com essa interferência.
Eles se sentiram ofendidos pelo fato de o país estar sendo governado com base nas
opiniões de um mago e questionaram, inclusive, a possibilidade de Rasputin ser um
espião que estava ferindo a soberania russa. A insatisfação os levou a proclamar: “Se
Rasputin continuar ordenando suas ideias no ouvido do rei, nós teremos que sacrificá-
lo”. A permanência de Rasputin no núcleo familiar fez com que Nicolau II perdesse o
apoio político do alto comissariado, agravando ainda mais o já delicado cenário
político em que se encontrava.
Afeito a viagens de iate e a festas na corte, seus principais hábitos, era muito
difícil para o imperador compreender o que estava acontecendo. Devido à sua
paranóia e ao seu medo de ser morto, raramente aparecia em público. Quando o
fazia, era sempre em cerimônias totalmente forjadas. Concomitantemente, suas
fontes primordiais de orientação eram sua mulher, um mago e uma alta cúpula que
não o queria como governante. Todas essas circunstâncias contribuíram para ampliar
intensamente o seu distanciamento da opinião pública. Diante desse panorama,
iniciaram-se as discussões para determinar quem daria continuidade ao seu reinado.
Nessa mesma época, Lênin era extremamente ativo politicamente. Ele
discursava nas fábricas, estimulando a união dos operários, o que, posteriormente,
deu origem aos sindicatos. Além disso, também promovia agitações significativas.
Temeroso, Nicolau II aconselhou-se com um de seus generais, que o instruiu a não
se preocupar com isso, porque Lênin não era um homem importante e estava apenas
impulsionando uma revolução nas ideias.
A instauração de um Estado Policial exigiu que os revolucionários se
organizassem, para continuar atuando. Isso lhes conferiu força e propiciou o
surgimento da principal artilharia da revolução: a cooptação de artistas e intelectuais,
que escreviam textos habilidosos para desviar da censura. A classe artística permitiu
a atração da população de forma mais ampla. Nicolau II perdia, mais uma vez, uma
importante base de sustentação governamental.
As ações revolucionárias não estavam restritas ao âmbito cultural. De 1905 a
1917, os revolucionários mataram 25 mil pessoas relacionadas ao governo. O
aliciamento das massas e o uso da cultura provocaram, com o tempo, uma mudança
na percepção pública acerca desses assassinatos, que deixaram de ser vistos como
uma barbárie e passaram a fomentar o questionamento: “quando o governo irá
ceder?”. Na prática, era uma demonstração de que a revolução já gozava de
viabilidade política. Seu advento demandava apenas organização.

A ESTRATÉGIA DAS TESOURAS


Um dos primeiros passos para estabelecer essa ordem necessária foi dado
com a criação dos partidos menchevique e bolchevique. Em russo, bolchevique quer
dizer maioria e menchevique, minoria. Os mencheviques eram adeptos do socialismo
por etapas, exatamente como pregava Karl Marx. Eles acreditavam que a Rússia, por
ser um país camponês e feudal, ainda precisava se industrializar antes de se tornar
socialista e que, portanto, outras nações a precederiam nessa jornada. Os
bolcheviques, por sua vez, defendiam o leninismo: uma revolução armada que
deveria ser feita a todo custo, sem esperar qualquer amadurecimento. Eles entendiam
que o caminho menchevique era um dogmatismo teórico burro, que nada tinha a ver
com abrir mão do poder.
Lênin resolveu tirar proveito dessa discordância e criou a famosa estratégia
das tesouras. Ele sugeriu que fossem constituídos dois partidos. A divisão serviria
para produzir uma ideia de oposição quando, na verdade, ambos trabalhariam juntos.
Inicialmente, houve certa resistência a esse projeto, mas Lênin conseguiu uma vitória
por maioria, o que concedeu ao seu partido o nome bolchevique. Embora estivessem
fragmentados, havia um plano central: tornar a Rússia um país comunista.
A proposta política dos mencheviques de que, antes de estabelecer o
socialismo na Rússia, era preciso uma constituição, a redistribuição de renda e a
igualdade de classe, tornou-se a concepção majoritária entre a população. Uma ideia
que não havia sido amplamente discutida, uma sociedade socialista, em extremo
contraste com a Revolução Industrial que ocorria na Inglaterra, foi tomada como o
único caminho possível.
Neste período, os bolcheviques eram vistos como revolucionários radicais e
não gozavam de boa reputação junto ao povo. Com a fundação dos dois partidos,
houve uma intensificação dos atentados, perpetrados principalmente pelos
bolcheviques, que estavam responsáveis por fazer a frente de guerra. A separação
funcionou e o governo entendeu que os mencheviques eram uma ameaça menor,
enquanto os bolcheviques eram percebidos como os extremistas.
Essa atmosfera de indignação vai se acentuando até estourar a chamada
“Revolta de 1905”. Nicolau II vive momentos de tensão. Toda a intelligentsia da Rússia
- escritores, intelectuais, classe média, burgueses - estava contra ele. O núcleo do
poder ao seu lado estava contaminado. Não havia tecnologias de comunicação
disponíveis, para que houvesse um contato direto com a população. Por não
compreender o contexto em que estava inserido, Nicolau II tomou uma decisão
estúpida: abrir guerra no extremo oriente, para não perder os territórios da Manchúria
e da China. Ele convocou para lutar aqueles mesmos generais e soldados que haviam
sido expostos aos países constitucionalistas, durante as batalhas napoleônicas.
Esses militares não acreditavam no monarca e começaram a indagar por que
estavam lutando para manter uma área tão distante, enquanto os russos estavam
passando fome. Membros do exército começaram a desertar e integrar o partido
bolchevique, por estímulo de Lênin, que percorria as fábricas e os quartéis
propagando que o rei usava as pessoas e convidando-as a se unirem aos
bolcheviques.
A revolta de 1905 principia quando os mencheviques formam um movimento
de mil pessoas, coordenado por um padre, que vai ao Palácio de Inverno a pé
entregar uma petição ao governo, com exigências essenciais para que este consiga
se sustentar no poder. A petição apresentava um tom conciliatório e não desfazia do
rei. No entanto, Nicolau II não estava no Palácio, mas sim viajando. E o homem que
estava em seu lugar decidiu ordenar a execução de todos os manifestantes.
O líder era um padre. E os guardas atiraram em todo mundo. Relatos da época
nos dizem que a neve ficou vermelha. As pessoas, desarmadas, caíram sangrando
na frente do Palácio de Inverno. Esse episódio, que ficou conhecido como Domingo
Sangrento, deixou claro, para a opinião pública, que o meio termo não era uma
solução viável na Rússia. No dia seguinte, Trótski aparece em cena.

QUEM É LIEV?
Liev Davidovich Bronstein era filho de agricultores que usufruíam de uma
saudável condição financeira em Odesa, na Ucrânia. Estudante de uma boa
faculdade, ele era um homem ambicioso, cujo foco estava centrado no acúmulo de
riqueza. Seu imenso desprezo pela aristocracia estendia-se para a fama advinda de
sobrenomes importantes.
Portador de um comportamento problemático desde tenra idade, muito
inteligente e articulado, Liev politizou-se ainda na escola. Poeta na métrica e com um
discurso persuasivo, utilizava essas competências para escrever para o jornal,
conclamando todos a se unirem pelo socialismo. Aos 18 anos, tal ativismo lhe fez ser
preso e torturado. Nesta ocasião, apropriou-se do nome de seu carrasco: Trótski. Em
suas memórias, que são uma propaganda de si mesmo, declarou ser a liderança
política sua vocação. Ele estava determinado a ser o homem da revolução.
Trótski tinha considerado o Domingo Sangrento uma oportunidade para tomar
o poder. Por isso, quando saiu da cadeia, foi para São Petersburgo, a fim de participar
da coordenação do movimento revolucionário. Ele conseguiu mobilizar o povo para
marchar nas ruas, mas a investida fracassou. O grande exército, apesar de todos os
problemas, permanecia organizado e realizou uma fortíssima repressão. Lênin havia
previsto o insucesso do empreendimento, mas se manteve calado porque disputava
poder com Trótski. Posteriormente, ao buscarem identificar as prováveis causas da
derrota, compreenderam que a falta de armamento e de técnicas de luta os havia
comprometido. Essas falhas precisavam ser corrigidas - e seriam.
A revolta de 1905, vencida por Nicolau II, estimulou-o a adotar novas medidas
que ampliassem sua popularidade, ainda que ele não tivesse entendido plenamente
a gravidade da situação. Foi para apaziguar o clima de amotinamento que, finalmente,
decidiu aceitar a instituição da Duma, um parlamento representativo. Apesar de
parecer significativa, a Duma exercia um papel mais simbólico, uma vez que seus
integrantes eram escolhidos pelo próprio monarca, suas decisões não tinham caráter
de obrigatoriedade e o rei podia dissolvê-la à sua revelia.
O estopim estava aceso. A monarquia não tinha sequer 2% da população
apoiando-a, a voz dos revolucionários ressoava na mentalidade do povo e Lênin e
Trótski estavam em São Petersburgo, articulando e insuflando o movimento.

QUEM É OSEB?
Em meio a essa conjuntura, surge a figura de Oseb Besarionis dze Jughashvili.
Advindo de uma família humilde da Geórgia, onde cresceu, Oseb vivera uma infância
extremamente traumática. Um problema de má formação de nascença nos pés e em
um dos braços lhe conferiu um aspecto desagradável. Para piorar, ainda criança,
contraiu uma doença que lhe deixou marcas por todo o corpo.
Conquanto ele fosse chato e tivesse um discurso péssimo, era inteligente e em
sua pré-adolescência já escrevia poemas atípicos para a idade, em que demonstrava
preocupação com a grandeza de seu país, como: “O rouxinol está no céu e cantou,
floresça grande nação. Geórgia, faça de seus homens os maiores, os mais
inteligentes”. Devido à sua capacidade intelectual e ao empenho de sua mãe,
conquistou uma vaga para estudar no principal mosteiro da região em que morava.
Oseb tirava notas excelentes e, inclusive, auxiliava seus amigos. Estudioso,
não entendia por que obras como “Os miseráveis” de Victor Hugo eram proibidas e
ficava irritado porque tais livros eram confiscados. Certo dia, amigos mais velhos do
mosteiro, que estavam em contato com o pensamento revolucionário, explicaram o
contexto político em que estavam inseridos e de quem era a responsabilidade por
determinadas literaturas serem consideradas ilegais. Comovido com a descoberta do
partido comunista, Oseb transcendeu seus amigos e fugiu do mosteiro para se juntar
aos revoltosos. Mais tarde, justamente para omitir sua origem georgiana e ser
percebido como um legítimo patriota russo, adotou o nome de Stálin.
Stálin não viveu um processo de radicalização. Seu primeiro ato para ajudar o
partido foi assaltar um trem. Grande estrategista pessoal, ele logo entendeu que essa
tática lhe permitia ascender rapidamente na hierarquia partidária e passou a executar
esse crime frequentemente, sempre entregando o dinheiro arrecadado com a ação
para o movimento. Passado um tempo, Stálin também foi para São Petersburgo. Com
isso, o trio responsável por confeccionar os problemas estava montado.

VAMOS À REVOLUÇÃO
A situação estava ainda mais sobrecarregada. O surgimento de sindicatos nas
fábricas, chamados sovietes, permitiu que a massa operária utilizasse o contraturno
desses locais para produzir armas, para realizar a revolução. Uma das causas para o
fracasso da Revolta de 1905 estava resolvida.
Em 1914, irrompeu a Primeira Guerra Mundial. O Império Austro-Húngaro
ameaçou a Sérvia, cuja família monárquica era uma antiga aliada dos Romanov. Em
apoio à Sérvia, o rei Nicolau II declarou guerra ao Império Austro-Húngaro. O exército
russo foi convocado; no entanto, ele já era uma mentira, pois seus integrantes
estavam fabricando armas para matar o imperador.
A guerra permitiu o fortalecimento da revolução, pois os comandantes
solicitavam dinheiro para os confrontos e o roubavam para financiar o movimento
revolucionário. Lênin percebeu neste o momento ideal para instaurar a revolução
comunista. Como cada soviete era eleito por cerca de dois a vinte mil trabalhadores,
ele já sabia que possuía o apoio da população.
No período entre 1905 e 1917, quando estoura a revolução, Trótski e Lênin
não ficaram em São Petersburgo. Como estavam na ilegalidade e grandes somam de
dinheiro afluíam para o partido, ambos encontraram um meio e uma justificativa para
financiar suas idas para a Europa. Foi em Londres que eles se conheceram. À época,
Trótski era aluno de Lênin e sob ordens deste realizou viagens para cooptar novos
patrocinadores para a revolução.
Trótski já era casado quando chegou a Paris. Entretanto, foi nesta cidade que
conheceu, em uma escola de artes, o principal amor de sua vida, Natasha Sedova, o
que o fez abandonar a primeira esposa. De Paris, o casal foi para Viena, a fim de
encontrar a intelectualidade que lá estava reunida, discutindo a revolução. Nessa
oportunidade, é a vez de Trótski e Stálin se conhecerem. Desde o início, uma rixa se
estabelece entre eles, capaz de explicar os acontecimentos que se sucederão. Os
dois anotaram em seus diários as percepções que tiveram um do outro. Stálin
enxergou Trótski como um sujeito soberbo, arrogante, que estava em Viena querendo
fazer a revolução enquanto ele assaltava trens junto da massa operária. Trótski, por
sua vez, identificou em Stálin um homem de pensamento mesquinho, tacanho,
provinciano e sem repertório, por querer fazer a revolução somente na Rússia.
Cada um estava isolado no seu canto, viajando para diferentes países, fazendo
mil planos e teses quando uma carta os informou que o povo, de forma
desorganizada, havia tomado as ruas, querendo depor o rei. Os três ficam
desesperados para chegar o mais rápido possível em São Petersburgo, pois queriam
liderar a revolução. Partiram de imediato de onde estavam.
Lênin tinha um empecilho para voltar à sua pátria: considerado um inimigo, era
um exilado tanto do seu país quanto da Alemanha. Ele precisou viajar saltando de
trem em trem, com um passaporte falso, para chegar à Rússia. Quando conseguiu
chegar a São Petersburgo, foi para um apartamento, onde ficou andando de um lado
para outro. Apesar do medo de ser morto pelo exército, Lênin não resistiu, colocou
um capuz e saiu rumo ao Smolny, tradicional colégio para meninas, no qual os
revolucionários estavam concentrados. Foram quilômetros de caminhada. No edifício,
encontrou Trótski. Este conta, em suas memórias, que na primeira noite em que eles
dormiram no Smolny, na qual foi decidido que o Palácio de Inverno seria invadido no
dia seguinte, Lênin, um ateu convicto, fez o sinal da cruz antes de dormir. Talvez esse
registro tenha sido feito apenas para desmoralizar Lênin perante a opinião pública
comunista. Não há como saber.
No primeiro momento, o povo havia invadido a Duma e deposto os
representantes. Essa vitória inicial instaurou um clima de disputa entre Lênin, Trótski
e Stálin, uma vez que tinham ideias diferentes de como a revolução deveria se
desenvolver. Stálin, mais uma vez, mostrou-se um excelente estrategista. Ele
compreendeu que o povo russo, marcado por uma cultura antissemita, jamais iria
aceitar a origem judaica de Trótski. Ao mesmo tempo, tinha consciência de que ele
também nunca seria aprovado, devido à sua origem georgiana. Essa análise o fez
concluir que havia um líder evidente: Lênin. Por isso, tornou-se leal a ele.
Repentinamente, passou a concordar com todas as suas opiniões e a acatar todas as
suas decisões.
No dia seguinte, eles invadiram o Palácio de Inverno. Tal qual o caso de
Rasputin, essa história também apresenta diferentes versões. De acordo com Lênin,
a invasão foi a coisa mais fácil que fez em sua vida. Stálin, enquanto esteve no poder
da União Soviética, declarava que o evento fora resultado de um plano magnífico. Os
documentos informam que, quando os revolucionários tomaram o Palácio de Inverno,
não havia mais exército e as pessoas, simplesmente, se renderam.
Lênin, Trótski e Stálin se tornaram lideranças da revolução, por serem os
responsáveis por estruturar os sovietes nas fábricas e nas cidades. Stálin não era
amplamente conhecido pelo povo, mas era reconhecido pelo partido por suas ações
terroristas e por cuidar do Pravda, principal jornal revolucionário. Lênin, por sua vez,
no período em que esteve no exterior, escrevia constantemente cartas em que dava
diretrizes ao partido. Trótski se destacou por ser um orador de grande competência e
portador de um discurso muito inflamado.

O GOVERNO PROVISÓRIO
As pessoas queriam raiva, queriam manifestação. Agora, o governo era dos
revolucionários e uma dúvida surgia: o que fazer? Os slogans principais dos panfletos
bolcheviques eram lutar pelo amanhã. Não havia uma preocupação em forjar um
plano que seria usado para conduzir o país depois da conquista do poder. Como o
partido menchevique era o principal perante a opinião pública, seus integrantes
assumiram o comando da Rússia em fevereiro de 1917. Eles estabelecem o governo
provisório com Alexander Kerensky como líder. Este prometeu para os russos o
caminho normal dos outros Estados: a elaboração de uma constituição e a fundação
de instituições. Stálin estava de acordo com esse projeto. Trótski, embora discordasse
em alguns pontos, aceitou-o. Lênin discordou veementemente dessa decisão. Para
ele, isso era o mesmo que desperdiçar o poder que haviam lutado tanto para
conquistar.
Apesar de compreender a falta de legitimidade e a consequente fragilidade do
Governo Provisório, Lênin apostou que o melhor artifício para tomar o poder era
esperar, pois tinha certeza que os mencheviques, com seu jeito limpinho, liberal
burguês, como ele chamava, iriam demorar muito para viabilizar todas as promessas.
O sentimento do povo não iria aguentar essa lentidão e, com o tempo, as próprias
massas expressariam um desejo pelo caminho radical. O aumento do extremismo,
presente em seu plano, não foi deixado à própria sorte. Se publicamente Lênin fingia
apoiar o governo dos mencheviques, pelas costas, incitava o radicalismo pretendido
com discursos inflamados do pior tipo, como “eles prometeram uma constituição e
não entregaram nada”. Além de minar o governo provisório dos mencheviques, esse
recurso possibilitava que todas as medidas extremadas, intensamente contestáveis,
que iria colocar em prática ao assumir o poder, estivessem justificadas perante a
opinião pública.
Tais ações foram bem-sucedidas. Em outubro de 1917, os mencheviques
estavam destruídos e a população clamava por medidas mais drásticas.

OS BOLCHEVIQUES NO PODER
Os bolcheviques destituíram o governo provisório e desfizeram a assembleia
que havia sido formada para preparar uma constituição e criar as instituições. As
promessas dos bolcheviques eram: extinção do governo, igualdade, paz e comida
para todos. Em outras palavras, significava fornecer tudo isso para um sexto do
território do planeta.
Como primeiro passo, eles aboliram as nomenclaturas aristocráticas de Czar,
Lorde etc. e todos passaram a ser chamados de camarada. O poder executivo foi
dissipado e substituído pelos Comissários do Povo, que eram eleitos pelo Congresso
de Sovietes3. Havia uma hierarquia semelhante a um Estado: os sovietes das fábricas
elegiam os sovietes das cidades. Os sovietes das cidades elegiam os sovietes
regionais. A congregação de todos os sovietes regionais formava o Congresso de
Sovietes. Por ter construído e subordinado toda essa estrutura, o partido bolchevique
conseguiu manter em suas mãos o poder.
Para a Presidência dos Comissários do Povo, esse comitê executivo, foi eleito
Vladimir Lênin. Liev Trótski ocupou o cargo de relações exteriores e Joseph Stálin
ficou responsável por gerir as nacionalidades. Os três começaram a disputar
intensamente o comando, pois partilhavam a sensação de que a revolução não havia
saído como o esperado. Além de nacionalidades, relações exteriores e presidência,
os Comissários do Povo também apresentavam outros cargos, como: Secretário-
Geral; Agricultura; Guerra e Assuntos Navais; Comércio e Indústria; Educação;
Abastecimento; Assuntos Internos; Justiça; Trabalho; Correios e Telégrafos;
Ferrovias; Finanças; Bem-Estar Social. Ao todo, eram 19 pastas. Por serem
ocupações de natureza técnica, eram os comissários que escolhiam os
representantes. Esses Comissários do Povo são aquele CCP nas estrelas
comunistas, no broche que eles utilizavam, sendo um logo bem famoso do
comunismo.
Havia ainda outros problemas a serem encaminhados. Os habitantes de São
Petersburgo haviam entendido a revolução. No entanto, no restante da Rússia,
povoado principalmente por camponeses, as pessoas não faziam ideia do que havia
acontecido. Como ter noção se os Comissários estavam sendo respeitados em terras
tão longínquas? Além disso, a Primeira Guerra estava em curso. O que fazer?
Os Comissários decidiram retirar o país da guerra. Para oficializar isso, Trótski,
responsável por conduzir os assuntos externos, viajou até a Alemanha, a fim de
informar que a Rússia estava se retirando do conflito, devido à implementação do
socialismo. Uma monarquia nessa época, a transformação da Rússia em um país
socialista apenas ampliou as justificativas da Alemanha para a manutenção do
combate. Decepcionado com o fracasso das tratativas que promoveu, Trótski se
demitiu. Lênin tentou realocá-lo no cargo de assuntos internos, mas ele se recusou,

3
Soviete, em russo, significa assembleia. Os sovietes eram os sindicatos existentes dentro
das fábricas, cujos representantes eram eleitos pelos trabalhadores.
sob a justificativa de que, por ser judeu, faria com que o governo fosse mal visto, com
sua presença.
A solução encontrada para a Primeira Guerra foi enviar um grupo de
bolcheviques para a Alemanha, encarregados de negociar a rendição. Os alemães
perceberam que era possível tirar imenso proveito dessa situação. Como a Rússia
não possuía exército e eles não apresentavam interesse por seu território, os alemães
exigiram tudo quanto era possível. O tratado de paz assinado, Brest-Litovski, foi
pesado e aviltante: a Rússia cedeu territórios, dentre os quais a Polônia, Hungria,
Lituânia, Letônia, Estônia. Além disso, foi obrigada a arcar com as dívidas alemãs e
entregar 20% da riqueza do tesouro nacional. Posteriormente, Lênin afirmou ser este
o momento mais humilhante de sua vida.

O FIM DOS ROMANOV


A Rússia nunca havia sido um país de condições excelentes. Sempre havia
faltado muito a muitos. Mas, contrastando com a promessa dos bolcheviques de
fornecer paz, comida, igualdade e fim dos poderes, a situação de fome, miséria e
desordem estava se agravando cada vez mais. Em meio a esse cenário, uma guerra
civil estourou na Rússia.
Um exército, chamado de branco, resolveu lutar contra o exército vermelho
revolucionário para defender a volta da monarquia. Esses combatentes estavam
sendo financiados pelas nações europeias ao redor, que há pouquíssimo tempo
haviam realizado o Congresso de Viena, para corrigir a destruição e a desordem
causadas por Napoleão. Os mencheviques não queriam apelar para uma revolução
direta justamente para evitar esse confronto interno. Para Lênin, que também já o
havia previsto, isso era um mero fetiche burguês injustificável.
O partido bolchevique não tinha um exército ordenado. Por isso, Trótski
recebeu uma nova missão: constituí-lo e organizá-lo, para que pudesse enfrentar o
exército branco. A estrela vermelha foi escolhida como seu símbolo. No entanto,
formar um exército era desafiador, sem utilizar as práticas antigas. Por isso, Trótski
intimou os antigos integrantes da armada imperial.
Stálin se opôs fervorosamente a essa medida. Patriótico, advindo de classes
subalternas, entendia de povo e sabia que ele a veria com maus olhos. A liderança
de Trótski era oriunda do conhaque mais caro do café de Viena. Um intelectual versus
o líder do sindicato. Historicamente, sabemos quem ganha. Embora a ideia de Trótski
tenha sido aceita pelos demais integrantes dos Comissários do Povo, sua aplicação
intensificou sua desavença com Stálin.
O exército vermelho foi massacrado no primeiro confronto com o exército
branco. Vendo que sua estratégia não havia surtido o efeito desejado, Trótski impôs
uma nova regra: a desistência ou a deserção seriam punidas com fuzilamento. Apesar
de drástica, essa determinação não impediu que o exército vermelho fosse derrotado
novamente. Trótski avançou em suas táticas para vencer e criou a militarização
compulsória. Com isso, os operários requisitados eram obrigados a se apresentarem;
caso não comparecessem, eram fuzilados. A revolução começava a mudar de cara.
Em seu famoso trem, Trótski e seu exército viajavam pela Rússia. Formado
por dezenas de vagões, o único blindado era o dele, o líder. Nove milhões de pessoas
foram mortas no paredão feito pelo exército, sob suas ordens. Essas ações renderam
a ele a alcunha de “o carniceiro”.
Nessa época, surgiu uma indagação: o que fazer com a família Romanov, que
estava presa, sendo transferida de um lugar para outro, desde o início da Revolução?
Lênin sugeriu que todos fossem assassinados, para queimar definitivamente as
pontes para o passado e ter certeza de que não haveria nada a ser resgatado. Embora
sua sugestão não tenha conquistado unanimidade, por muitos temerem que isso
desse início a uma nova e descontrolada “revolução francesa”, Lênin assinou uma
carta e determinou o fuzilamento. A família, os servos, até mesmo o cachorro,
morreram fuzilados em um porão. O exército branco foi comunicado de que não havia
mais monarquia pela qual duelar. Não havia mais rei. Não havia mais herdeiros. Com
a morte dos Romanov, as potências estrangeiras pararam de financiar o exército
branco. O governo comunista da Rússia não tinha mais volta.

A OPOSIÇÃO E A RADICALIZAÇÃO
O governo comunista não estava sendo como a população esperava. Os
bolcheviques haviam prometido paz, liberdade, comida e igualdade para todos. Na
prática, quem se negava a integrar o exército vermelho, era fuzilado. Na realidade,
enquanto Trótski ocupava um vagão blindado, seus subordinados corriam risco de
morte. Criou-se uma opinião pública de oposição e os marinheiros, principal fonte de
apoio de Trótski e também de Stálin, força operária dentro do exército que tinham
feito a revolução, iniciaram uma insurreição, propagando que os Comissários do Povo
não estavam cumprindo com sua palavra.
Trótski enviou uma carta para Lênin, contando da insurreição, e Lênin
perguntou-lhe qual era seu parecer. Trótski declarou: se pararmos no meio do
caminho, não é uma revolução; são apenas assassinatos. Essa frase dá o tom do que
estava acontecendo. Um tribunal foi montado para o primeiro julgamento da
revolução. Para efeitos públicos, Trótski assassinou parte dos integrantes da
revolução e prendeu outros.
Já falamos como eles resolveram o problema do exército, dos cargos, das
guerras. Havia, ainda, o problema da fome. No início, foram feitas decisões abruptas.
A primeira medida foi a autogestão das empresas com mais de cinco funcionários.
Isso queria dizer que os próprios operários, a partir daquele momento, começaram a
mandar na produção das empresas. Todos os empresários deixaram a Rússia, nesse
momento. Quem tinha dinheiro, diante da notícia que o governo decidiu pela
autogestão das empresas, diante das chacinas no fronte de batalha e do assassinato
da monarquia, foi embora. A classe empresarial fugiu do país e a fome se agravou,
pois os operários sabiam produzir, mas não coordenar as fábricas. Lênin também
ordenou o confisco de toda propriedade privada. Tudo agora pertencia aos sovietes.
No entanto, era Lênin quem indicava quem ocuparia as propriedades apreendidas.
Ao perceber que as providências anteriores não estavam funcionando, Lênin
estabeleceu uma nova política econômica, o NPE. Em vez de as fábricas se auto
gerirem, o governo passaria a geri-las. Em vez de os sovietes se auto-organizarem,
o governo os organizaria, nesse momento de transição. Em vez de elaborar regras
gerais, não haveria qualquer limitação, para ganhar mais agilidade na revolução. Eles
começaram a centralizar o poder cada vez mais e pegaram um empréstimo com a
Alemanha, para financiar os gastos.
Em 1922, acontece algo decisivo. Cinco anos depois da revolução, eles
fizeram um congresso dos grandes sovietes e decidiram a fundação de todos os
povos em um único povo, a fim de dar fim aos problemas de origem patriótica. Nasce
a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Isso é anunciado como uma forma de
solucionar as mazelas sociais, como se as disputas entre os povos fossem o
problema. Agora, supostamente, todos estariam unidos pelo socialismo.
Concomitantemente a esses acontecimentos, Trótski e Stálin estavam o
tempo inteiro afrontando-se mutuamente. Stálin começou a minar a liderança de
Trótski no exército, difamando-o. Ele direcionava a Trótski toda a culpa pelos
bolcheviques terem perdido a opinião pública. Sua forte influência no editorial do
jornal facilitava a canalização de todas as críticas a Trótski. Como se não fosse
suficiente, ele conquistou o cargo de Secretário-Geral. Tornou-se sua função decidir
quem entrava e quem saía do partido. Stálin usou o poder advindo desse posto para
alavancar sobremaneira sua carreira. Havia apenas um critério para julgar quem
estava dentro ou fora: a utilidade que a pessoa teria para seus planos. Stálin lidava
como se fosse um jogo de favor gigantesco e os depoimentos indicam que todo
mundo, no partido, tinha uma sensação de dívida em relação a ele. Ao mesmo tempo,
ele conseguia inspirar medo nas pessoas, por ser uma figura sombria.
Lênin adoeceu. Até hoje a causa de sua morte é discutida. Há três anos, um
congresso inteiro foi dedicado a esse tema. Diferentes narrativas foram utilizadas. A
historiografia tradicional tratou o caso como Sífilis. A historiografia de propaganda da
URSS anunciou que era chegado o descanso do guerreiro, após a grande luta
soviética. Para nós, importa saber que o adoecimento do Lênin suscitou a pergunta:
quem vai sucedê-lo? O principal suplente era Trótski, tanto por ser braço direito de
Lênin quanto por ser um ótimo orador. Por ver o enorme potencial de Trótski e ter
medo que ele tomasse seu poder, Lênin o minava, dando força para Stalin e para
alguns outros nomes dentro do partido.
Quando adoeceu, Lênin perdeu força e influência. Como Secretário-Geral,
Stálin ocupou esse vácuo de poder. Lênin ficou preocupado, pois não queria que
Stálin assumisse a presidência dos Comissários do Povo.
Nessa época, Stálin criou uma estratégia que colaborou para seu
fortalecimento e que usaria pelo resto de sua vida. Quando perdia uma guerra, ele
inventava um movimento de insurreição dentro de suas tropas, inclusive com
evidências, para dizer que seu fracasso se devia a um processo de sabotagem. Ele
montava um julgamento falso, no qual condenava os supostos insurretos e aniquilava
todos, com a desculpa de que houvera uma revolução interna e de que ele havia
disciplinado a todos. Era tudo mentira, mas essa estratégia funcionou para explicar
perdas e derrotas. Stálin percebeu que a resposta de seus superiores, no meio da
instabilidade, era reforçar o seu poder, enviar-lhe mais recursos - mais dinheiro, mais
exército, mais poder. E conforme ele alimentava a ideia de amotinação, mais poder
ele angariava. Articulado, ele criou falsos grupos, que estariam coordenados contra
Lênin e todos do partido bolchevique. Como controlava os novos integrantes do
partido, todos os novos membros estavam ao seu lado e acreditavam no seu discurso.
Na prática, Stálin criou um inimigo, com o qual conseguiu arrecadar uma enorme
força. Trótski estava perdendo poder e Stálin estava pronto para destruí-lo.
Preocupadíssimo, Lênin, em 1924, antes de morrer, escreveu um testamento,
avisando aos membros do partido: cuidado com a autoconfiança de Trótski, mas ele
é o meu sucessor. Stálin é um psicopata e sua sede de poder é imparável.
Stálin fez um teatro na frente dos camaradas do partido. Ele fingiu mágoa. Ao
mesmo tempo, disse que era preciso ler o testamento na íntegra para a população,
afirmando não poder minar o seu grande líder, por ser o Secretário-Geral. Um homem
ergueu a mão e sugeriu que a mensagem escrita por Lênin fosse atenuada. Stálin,
mais uma vez, fingiu que não se sentiria bem com essa decisão. No final, quando o
testamento é lido nos sovietes, toda a referência a Stálin é suprimida, e apenas o
conselho em relação a Trótski é apresentado.
Esse era o nível de articulação de Stálin, que conseguiu que as pessoas
decidissem por ele não ler toda a carta, pois isso geraria instabilidade. Esse é o grau
de dominação psicológico e por presença que ele exercia.
Lênin morreu e Stálin aproveitou essa oportunidade para declarar que alguns
erros amadores não podiam mais ser cometidos. Ele sugeriu a realização de uma
assembleia de decisões, em que afirmou não querer poder, mas somente determinar
algumas diretrizes que acreditava serem importantes. Ele propôs que todos os
pertencentes à conspiração fossem exilados. Só que não havia conspiração. O nome
dos falsos integrantes, fornecido em uma lista pelo próprio Stálin, eram seus
opositores.
Trótski se pronunciou,objetando essas medidas. Stálin utilizou sua capacidade
retórica para implicá-lo, questionando a quem interessaria ser contra o exílio dos
inimigos da revolução. Como consequência, Trótski e os demais adversários de Stálin
foram degredados. Restavam, na estrutura do partido, apenas apoiadores de Stálin.
No exterior, em uma de suas últimas cartas, Trótski acusou Stálin de ter matado Lênin.

O INÍCIO DA ERA STALINISTA


Stálin conseguiu tomar o poder. Um sujeito que se orgulhava da simplificação
política para governar. Sempre que começavam a contar uma história longa para ele,
interrompia e perguntava: o que estão falando por aí? O interlocutor por vezes
respondia que a opinião da população não correspondia à realidade. Para Stálin, isso
não interessava. O que diziam era o que era. Ele odiava narrativas e conjunturas.
Defendia que a maior arma de controle político era a falsificação do passado. Ele
contratou Sergei Eisenstein, famoso diretor de cinema, para fazer filmes. Dentre eles,
uma produção cinematográfica sobre a revolução, em que promoveu uma limpeza da
história. Trótski foi excluído de todas as narrativas, das fotografias, das estátuas, dos
filmes.
Stálin, Trótski e Lênin tinham plena consciência de que não estavam mais
disputando o poder, pois já o tinham, mas sim de quem eles eram para o mundo, sua
presença histórica.
No próximo e-book, mergulharemos na era stalinista, que perdurou na União
Soviética de 1927 a 1953.

INDICAÇÕES DE LEITURA

APPLEBAUM, Anne. Gulag: Uma História dos campos de prisioneiros soviéticos.


CHAMBERLAIN, Lesley. A Guerra Particular de Lênin.
COURTOIS, Stéphane. O Livro Negro do Comunismo.
FERRO, Marc. A Revolução Russa de 1917.
FITZPATRICK, Sheila. A Revolução Russa.
FREEZE, Gregory. História da Rússia.
GROSSMAN, Vassili. Vida e Destino.
KHLEVNIUK, Oleg. Stálin. Nova Biografia de um Ditador.
KOTKIN, Stephen. Stálin - Volume 1: Paradoxos do Poder, 1878-1928.
MONTEFIORE, Simon. Os Romanov.
SEBESTYEN, Victor. Lênin - Um retrato íntimo.
SERVICE, Robert. O Último Tsar.
SERVICE, Robert. Trotsky: uma biografia.
SOLJENÍTSIN, Alexander. Arquipélago Gulag.
TROTSKY, Liev. A História da Revolução Russa (3 volumes).

Você também pode gostar