Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ST.JOHN
Sob a névoa da morte
1
Morte no Farol
“Misterioso caso assusta moradores da região do farol Soethe, há poucos
kilômetros a oeste da pequena cidade de Loupe. Segundo os locais, por volta das 11
horas da noite, gritos vindos do antigo farol Soethe(agora desativado) despertaram
algumas famílias, que contataram as autoridades.
A jovem, sem nenhum parente vivo, vivia em uma casa de abrigo onde recebia todos
cuidados e moradia. Seu desaparecimento não foi notado, levadas em consideração as
diversas vezes que já havia escapado do lugar para se encontrar com amigos, tarde da
noite.
Saindo de sua posição inerte, o sonolente rapaz pegou a tira das mãos do amigo
e passou a vista sob a notícia – falando sobre o mesmo caso – bem mais curta, desta
vez.
“Eram gritos diabólicos, não eram deste mundo, mesmo com os ouvidos tapados eu
conseguia ouvir eles!”
2
“A garota morreu e eles dizem que não há nada lá dentro. Onde está o assassino, então?
Estou com medo de dormir perto deste lugar assombrado...””
Duas horas depois, o cartão, que havia permanecido intocável, passou pelas
mãos e pelos olhos castanhos do escritor.
3
- ...não interessa, não vamos pagar mais do que combinamos. – o fim de uma
conversa não muito amigável podia ser ouvido antes que o editor atendesse
efetivamente a ligação.
- Editor chefe Brêmem, quem quer falar? – uma voz firme desafiou.
- Ahn.. Victor Varell me deu este número. Disse que tem uma vaga pra quem
souber escrever.
- Varell, é? Tudo bem. Tenho uma folga daqui meia hora, me encontre na
Cafeteria Lafaiete. A propósito, qual seu nome? – indagou antes de encerrar a chamada.
- Gabriel. Gabriel Saint John.
4
Encontros
- Você veio, obviamente. Desculpe tirá-lo de seus afazeres, Pedro, julgava não
ter de chamá-lo tão cedo.
- Não se sinta culpado, Paulo. Não é como se você tivesse me obrigado a vir. Eu
sei tão bem quanto você a urgência da situação. Ozaias já me contou que que está perto.
Pedro e Paulo eram duas figuras bem peculiares, ainda mais levando em
consideração onde se encontravam.
Sobrevoando a região montanhosa de Folsom, passando pelo relevo acidentado
que precedia a chegada às rodovias principais, se erguia uma cordilheira monumental,
apelidada pelos nativos de Grande Escudo, provavelmente graças a seu formato, e assim
ela era chamada até hoje. Passando pelo Grande Escudo, indo rumo à Loupe, se erguia
um conjunto de montanhas menores, com poucos metros de altitude, mas que ainda
assim, incomumente recebiam a visita de pessoas. Quanto mais dois senhores de meia-
idade trajados rigorosamente com seus ternos alinhados, numa reluzente cor branca.
Pois lá estavam Pedro e Paulo.
A conversa desenrolava-se na mais hamoniosa velocidade, evidenciando o
companheirismo ali existente. Os olhares, afiados como de águias, dificilmente perdiam
seu foco: ou seu interlocutor, ou a distante região de Loupe e Hudson, onde também se
localizava o fatídico Farol Soethe.
- Paulo... – iniciou, desta vez em um tom mais sombrio, Pedro. – você sabe que
isto está além de nossos esforços. Devemos apenas observar.
- Não se preocupe, meu velho amigo, não se preocupe... – pela primeira vez o
olhar desviara de seu alvo e perdera-se em memórias de um passado distante, reavivadas
pelas palavras proferidas.
O silêncio inundou as já silenciosas por natureza montanhas, e se não fosse o
barulho causado pelo atrito dos finos sapatos de Pedro, que agora andava até o amigo,
qualquer um juraria que ali não havia ninguém.
Chegando próximo a beira do precipício adiante, Pedro chegou a companhia do
amigo, tocou-lhe o ombro em sinal de algo que talvez somente ambos poderiam saber, e
lançou um olhar certeiro sobre o “Oásis civilizado”.
- É muito especial, não é mesmo? Sem dúvida um achado e tanto.
- De fato, Pedro. Infelizmente, como você mesmo lembrou, o que podemos fazer
é observar. E rezar, com certeza, para que nos lembremos positivamente destas datas.
E então, como se a instabilidade e receios em suas palavras emanescem de suas
cordas vocais direto para a atmosfera, e com isso causasse o pranto celeste, as nuvens
incomuns àquela época eclodiram em uma chuva repentina. A água escorria por entre as
fendas do colossal Grande Escudo, assim como percorria o árido e montanhoso solo das
montanhas e montes adjacentes, incluindo àquela onde há poucos instantes se
encontravam os visitantes ilustres que por hora já haviam se retirado.
Em instantes, o mesmo estrondo pôde ser ouvido e a chuva notada graças aos
primeiros pingos e a queda de temperatura, ali na levemente movimentada Rua Lafaiete,
para onde os olhos fixos de Gabriel St. John apontavam.
A rua era larga, não muito diferente do resto da cidade, e em sua extensão era
possível admirar construções modernas, com estabelecimentos coroados com letreiros
luminosos, vitrines por onde se podiam observar roupas e outros produtos. As calçadas
abrigavam os trabalhadores que iam e voltavam de seus trabalhos, e os consumidores
que passavam pela avenida comercial. Agora, poderia ser comparada a uma pista de
corrida onde o prêmio era tomar menos chuva possível.
5
Para chegar até ali, Saint John percorrera uma dúzia de quarteirões, passando por
um dos bairros residenciais de Loupe, para em seguida chegar as grandes avenidas e
prosseguir para o centro comercial, onde se concentrava aquele movimento.
A visão foi atrapalhada por uma dor aguda que atrevessou a cabeça de Gabriel,
que levou instintivamente as mãos à cabeça, e massageou logo acima do nariz, entre os
olhos.
De novo, essa maldita dor de cabeça...
Diagnosticadas na infância como algo crônico, aquelas dores de cabeça nunca
abandonaram a vida de St.John, embora nunca tivessem sido tão freqüentes como
estavam se tornando ultimamente. Provavelmente resultado da alimentação porca e de
noites mal dormidas.
Quando a começou a desaparecer, o escritor abriu os olhos, voltando a encarar a
claridade.
Observara o pomposo carro modelo Azera estacionar do outro lado da rua, e
esperou até que seu dono – aquele com quem marcara o encontro – atravesse correndo,
escapando do aguaceiro, a rua.
Finalmente chegou.
O tilintar do acessório esotérico da entrada da cafeteria denunciou sua entrada.
Não que fosse necessário, o homem já fazia saberem de sua presença sem a necessidade
de qualquer som. Cerca de um metro e oitenta, e com certeza acima do peso, o editor
vestia um casaco preto sobre uma camisa pólo amarela. Os cabelos ralos convergiam
para sua testa, acompanhando o movimento da chuva que acabara de tomar.
- Droga de chuva! Só cai quando você está na rua. – resmungou, num tom
familiar aquele empregado no telefone.
Olhou ao redor, buscando o jovem escritor que para ele havia ligado, e
encontrou-o a alguns metros de distância, sentado, esperando o encontro.
- Saint John? É esse o nome, certo? – aproximou-se e antes de qualquer
comprimento foi-se sentando, ficando cara-a-cara com o jovem.
- Sr.Brêmem, obrigado pelo encontro tão imediato. Victor me avisou sobre a
vaga. – disse, tentando parecer educado.
- Não pense que me deve muito, jovem, eu apenas não tinha nenhum
compromisso mais importante. – falou, com humor, deixando escapar um sorriso
irônico.
Gabriel apenas concordou com a afirmação, aceitando a brincadeira e
continuando o assunto:
- Bom, eu não tenho problemas quanto a horários ou locais, então acho que
cumpro todos requisitos da vaga. Só preciso saber se a vaga ainda está, realmente, de
pé. – falava seguro de si.
- Claro, rapaz, claro! – exclamou o editor, ainda incomodado com as roupas
molhadas, que agora retirara o casaco e o deixara secando ao lado. – Quanto ao
pagamento, bem...esta é uma seção secundário do jornal, então não espere ganhar muito.
Gabriel, na verdade, já esperava por isso. Era óbvio que, mesmo em um jornal
de fama sensacionalista, uma seção no mínimo paranóica como aquela deveria ser
deixada em segundo plano. Questionou o valor certo, e recebeu a resposta sem rodeios.
É o bastante para eu me sustentar.
Era mesmo o bastante, embora não fosse muito.
- Olá, vão querer algo? – era a garçonete, oferecendo seus serviços,
educadamente.
- Dois cafés, por favor. – o editor chefe pediu pelos dois, e iniciou um discurso
rápido e direto, sobre o novo caso em que colocaria St.John.
6
O discurso que discorreu, no entanto, era praticamente de total conhecimento do
agora jornalista. Tratava-se do caso do farol Soethe. O mesmo caso que levou a
demissão do antigo funcionário. Mais tarde, no meio da conversa, Brêmem revelou que
a demissão ocorreu porque o rapaz exigia um aumento devido aos possíveis riscos
daquele tipo de investigação. Absurdo para o editor, logicamente.
Após alguns minutos de conversa, o editor havia recapitulado tudo que tinha
adquirido dos fatos com as reportagens lidas: A jovem, Olivia, fugiu da casa de abrigo
onde residia sem ninguém dar-se conta, rumou para o farol abandonado, provável local
de encontro dos jovens fujões, e ali encontrou seu triste destino. Sem testemunhas, sem
pistas efetivas. Assim como havia lido anteriormente.
-Certo, então continuarei de onde o antigo jornalista parou? – meio que afirmou
St.John, mas esperou uma confirmação.
- Exato. Antes de tudo pegue isto. É um cartão de identificação do jornal. Não
tem sua foto ainda, mas é provisório.
E aí está minha coleira.
Gabriel recebeu o cartão, e fazendo uso do cordão ao qual estava afixado, o
colocou em seu pescoço, escondendo-o sobre a camiseta, onde agora dividiria espaço
com os três pingentes que o jovem sempre usara desde que os recebera: um em formato
de triângulo, outro em um formato que ligeiramente lembrava uma corrente de
formações militares, e por último, uma cruz cristã com uma oração delicadamente
inscrita em auto-relevo. Todos parte de sua herança.