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DEAD VULTURES

01. A LENDA SE INICIA

Houve uma vez esse sujeito. Ele era um Xamã. Ou seja, dominava a arte da magia para trazer
a vida criaturas fantásticas ou mesmo animais selvagens. Ele também podia transformar-se
em uma criatura ou animal, claro que não qualquer um, ele tinha que ter um incrível e vasto
conhecimento para fazer tal coisa. A questão não era essa... A questão é aquela de sempre. A
sede de poder, a ganância, sempre é maior nos corações dos homens fracos. E esse Xamã era
muito poderoso quando se tratava de mana e energia da natureza, mas era um tremendo
perdedor quando se tratava de controle mental e índole. Ele descobrira uma maneira de se
tornar o controlador do mundo todo. Ele teria todo poder, dinheiro e obediência que ele
desejaria, contanto que, ele descobrisse como (e é claro, conseguisse fazer) trazer um demônio
de volta a vida. O demônio tomaria conta do seu corpo e ele poderia controlar os poderes do
tal demônio.

E os poderes eram incríveis. Isso porque, não sei se você sabe (quem quer que você seja e onde
quer que você viva), mas demônios têm classes e hierarquia. E bom, esse é um demônio de alta
classe. Um dos maiores existentes o possível. Ele tem vários nomes em diferentes regiões,
religiões, seitas, clãs e culturas. Mas nos documentos que o tal Xamã leu, ele se chamava...

Razaranje.

O demônio da destruição. Ele poderia dar poder a qualquer mago ou xamã que o trouxesse a
vida. Ele poderia dar-lhe o poder da decisão sobre a razão e coração dos homens. Ele poderia
colocar a baixo todas as construções. Ele poderia envenenar todos os mares.

Enfim, assim que esse Xamã (e ele já estava bem próximo disso) conseguisse dominar esse
poderio, o mundo (como era chamado, Allas) nunca mais seria o mesmo.

---

Ranik estava em cima de uma grande muralha. Tinha grande capacidade de escalagem. Mais
do que se esperaria de uma guerreira de seu porte. Ela tinha paraticamente 1,80 de altura e
corpo bem definido de tanto treinar e guerrear. Haviam outras coisas sobre si que não eram
muito imagináveis pelos outros, outra delas eram seus olhos de águia amarelados, por
exemplo. E agora, ela erguia seu arco, apontando sua flecha de ferro para o inimigo lá
embaixo, saindo dos navios, enquanto mirava precisamente.

De repente, PIMBA! Acertou em cheio na cabeça de um dos corsários. Os outros ficaram


doidos de medo. Os que só tinham armas de corpo-a-corpo como alfanjes, simplesmente
correram para trás das caixas de carregamento. Enquanto outros, preparados com armas de
fogo (daquelas bem “old school”, afinal, a evolução armamentística não era nem mesmo tão
avançada assim) do tipo revólver ou escopeta, ou mesmo bestas com flechas em chamas,
ficaram prontos para detonar de onde saiu aquela flecha certeira.

Ranik passou a mão pelos cabelos avermelhados que iam até seus ombros (eles eram
levemente ondulados, com uma pequena trança na frente), e preparou-se para outra flechada.
Essa ia lhes revelar onde ela estava, então... ela precisava ser bem astuta e pensar em um jeito
de ganhar o inimigo antes que aquele chumbo grosso ou aquelas flechas inflamadas lhe
atingissem dali de cima do muro (e dali não haveria como rapidamente fugir, pois, teria que
escalar de volta pro chão do outro lado).
Foi então que viu uma reposta tão besta, mas ao mesmo tempo tão brilhante, logo acima dos
corsários. Quase todos eles (não todos), estavam à sombra de um daqueles pequenos barcos de
fuga, acoplados ao grande navio. Que estava seguro por duas correntes, uma de cada lado.

Claro que não seria nada fácil detonar correntes de ferro com simples flechadas. Aliás, seria
paraticamente impossível. Talvez se tivesse também ela uma arma de fogo, ainda que um
revólver, ainda que estas não fossem tão evoluídas e a força de seus chumbos provavelmente
não fossem o suficiente para atingir aquelas correntes lá, tão longe... Seria menos inviável.

Porém, Ranik tinha uma carta na manga, e era isso que ela ia utilizar...

Ela puxou duas flechas de sua aljave, apontou sua mão para a ponta de ferro delas, e nisso,
suas mãos foram envoltas em mana. Ranik não era uma exímia maga, na verdade, estava
longe demais disso. Ela só possuía uma habilidade mágica, mas utilizava dela quando
precisava. Como sua capacidade de mana era estupidamente pequena, não podia usar sempre,
ela tinha que se ater a usar só em momentos de extrema necessidade mesmo. E esse era um
desses...

Vamos lá, ou era esburacada (e queimada) pelos inimigos ou simplesmente teria que se jogar
muralha para trás (o que não seria nada esperto e levemente suicida).

A energia saiu de sua mão em uma cor avermelhada, envolveu as duas pontas de ferro das
flechas... Assim que a mana saiu, pôde-se observar que as pontas mudaram de cor para algo
próximo do vermelho sangue.

E então, mais uma vez, com os olhos de águia, ela puxou seu arco, apontou as duas flechas de
uma vez (sim, as duas de uma só vez), e atirou-as...

Certeiramente, atingiram cada uma seu objetivo: As correntes de cada lado que prendiam o
pequeno barco de fuga.

Pequeno, mas grande o suficiente para cair em cima de 5 corsários, esmagando-os sem dó.

O corsário sobrevivente chegou a largar a alfanje no chão, horrorizado. Ora essa, para ele,
aquilo era ou bola de fogo de algum mago (e magos eram perigosos) ou era arma de fogo (mas
uma arma de fogo estupidamente mais poderosa que a de seus amigos), por isso, ele ficou
doido e saiu correndo, desesperado, com medo.

Mas Ranik não podia deixá-lo fugir.

Por isso, preparou uma última flecha para acertá-lo, bem atrás, pela nuca.

Porém, o que aconteceria logo a seguir, a guerreira não podia prever. Uma mulher surgia das
sombras, com as roupas totalmente enegrecidas dos pés à cabeça (incluindo capuz e máscara),
e enfim, passava as duas adagas no pescoço do corsário sobrevivente. Matando-o antes de si.

Ranik recolheu o arco, chocada e incomodada. E, rapidamente, resolveu descer pela muralha
antes que a assassina das sombras sumisse (ela conhecia o tipo, era furtivo, não ficaria muito
tempo no mesmo lugar, ainda mais se cumprisse a missão que deveria cumprir – e era bem
óbvio que ela estava lá para fazer o mesmo que a guerreira).
Escalou de volta pro chão e passou pelo portal que antes não havia passado. Estava ali toda a
destruição. As caixas destruídas, os homens caídos, mercadoria e navio abandonados, e...

Nada, nada de assassina sombria. Quem era aquela!?

Ranik soltou um “tsc” incomodada. E então, correu pro navio corsário, subindo pela rampa.
Olhou para um lado e pro outro, e finalmente, achou o alçapão de onde deviam ter saído os
corsários que carregavam os caixotes. Foi correndo para lá e desceu pelas escadas, apressada.

O lugar estava escuro e com cheiro de maresia (mas era óbvio). Mas deveria estar iluminado
pelo menos pelas tochas acopladas nas paredes, mas pelo visto, estas haviam sido apagadas. E
era óbvio que não fora pelos corsários, que com certeza, precisariam enxergar as caixas que
deviam carregar para fora do navio e os degraus para poderem subir pelo alçapão para o
convés. Então só poderia ser...

De repente, a adaga afiada de algo que não era nem de longe ferro, e sim, muito mais
resistente e escuro, surgiu no pescoço de Ranik, roçando em sua pele soltando um leve filete de
sangue vermelho escuro.

- Calma... - Ela levantou suas duas mãos como quem pede clemência. Seu arco em suas costas,
seu aljave também, e na cintura, sua espada bastarda. Não dava tempo, agora, para poder
revidar. Sem contar que a inimiga era uma assassina profissional, ela seria estupidamente
mais rápida com aquela adaga já na veia certa para lhe ceder o último suspiro.

- Só vou avisar uma vez. Sei que está aqui para roubar a mercadoria ou para devolvê-la para
os feirantes. Mas eu não me interesso por isso. Só estou aqui em busca de uma única coisa.
Vou pegá-la e vou embora. - A assassina ia dizendo bem rápido. Sua voz era grave, rouca e
baixa. Um tanto quanto sensual, se não fosse pelo momento em questão, mas mesmo assim, o
pensamento correu a cabeça de Ranik rapidamente, logo depois, indo embora pelo tamanho
da bobagem. - Se você não se meter no meu caminho com relação a isso, não preciso matar
você. Gosto de fazer um serviço limpo. Você já me ajudou matando boa parte dos corsários,
me poupou trabalho e tempo, então, receba como um agradecimento.

- Erm... Ok, mas... - A assassina já ia tirar a adaga, mas então, a continuação do que Ranik ia
falar, a fez colocar a arma de novo no lugar. - Eu posso saber o que você está procurando que
é tão específico assim?

Uns segundos de silêncio e...

- Não. - Foi tudo o que a assassina disse, e logo após, recolheu-se nas sombras, provavelmente
indo para os fundos do navio para procurar o que precisava.

A guerreira respirou bem fundo e passou a mão na garganta levemente ferida. Ardia. Mas ela
já tinha sentido dor pior, então...

Agarrou sua espada bastarda, desembainhando-a, e foi adentrando para o fundo do navio
também. Usava as paredes para guiar-lhe, afinal, estava enxergando pouco. E apesar de saber
que a assassina se aproveitava das sombras para poder viajar e atacar seus inimigos na
surdina, ela também imaginava que não era nenhuma elfa ou criatura fantástica que
conseguisse enxergar 100% no escuro, portanto, era bem provável que a sala dos tesouros
estivesse iluminada. O que lhe permitiria que...
E estava mesmo. Toda a sala do tesouro, com mais caixotes, alguns baús, sacolas de pano, e
um tanto de moedas de ouro em pequenos montes desengonçados no chão, estava bem
iluminada ao seu redor, diferente do resto da área inferior do navio.

Rapidamente, dois olhos esverdeados enxergaram os amarelados logo ali com tremendo
terror. Em suas mãos de luvas negras havia um medalhão muito bonito. Sua corrente era de
ouro negro, com certeza. Sua pedra era gigantesca e arroxeada, adornada por ouro ao redor
também. Ele brilhava como... algo demoníaco!

Rapidamente, a assassina caiu no chão, de joelhos! E Ranik pôde ver a energia desumana
saindo do medalhão e tentando entrar em seus olhos! Sentia o cheiro de morte e podia
também senti-la na pele!

O medalhão estava tentando dominar a mulher das sombras!!!

02. ENTRE INIMIGOS E ALIADOS

Quando Ranik viu que as sombras tentavam consumir a assassina, ela agiu rapidamente e
sem pensar. Deu um tapa no medalhão que caiu no chão, e puxou a ladina para trás.

E assim... o ciclo de energia pôde ser cortado.

Quando a mulher voltou a si, virou-se rapidamente para Ranik, parecendo furiosa:

- Eu não disse que não queria ser atrapalhada!?

- Uou. Então, seu plano era ser sugada pelo medalhão, é? - Ranik disse, num tom sarcástico.

- Não! Eu não ia ser sugada, eu...! - A mulher disse, em desespero, mas logo ficou sem
palavras, porque sim... ela ia ser sugada.

- De nada. Agora, vê se joga essa droga em uma sacola de uma vez, antes que isso tente roubar
sua alma de novo, seja lá que merda seja isso. - Ranik disse, e então, virou-se de costas para
analisar melhor o resto dos tesouros.

Quando se virou, a mulher não estava mais lá consigo, nem o medalhão. Ela já tinha ido
embora e levado seu objetivo.

Ranik suspirou.

---

- Então, você conseguiu o dinheiro? - Perguntou a maga. Ela era uma mulher muito bonita.
Cabelos loiros lisos até metade das costas. Olhos azuis bem claros, quase brancos. Pele alva
como pêssego. Sua estatura era quase metade da de Ranik, no entanto. Usava um robe de
tecido leve azul metálico e um escarpe por cima.

- Claro. Devolvi as mercadorias. - Ranik disse, cruzando os braços atrás da cabeça, relaxando
em um banco de madeira mesmo. Estava exausta depois da aventura toda. Teve que andar um
bocado para ir para lá e mais um bocado para ir embora também, como sempre... Precisava
comparar um cavalo ou coisa assim.
Era engraçado que tudo nas duas contrastavam. O jeito rude da grandalhona. Suas roupas
estavam mais para couraça de couro dura, botas, calças de couro duras, luvas de couro... ou
seja, mais para algo de batalha do que para algo leve e bonito, como era o caso da maga.
Claro, ela era uma maga, precisava de roupas leves para poder aprimorar sua mana. Aquelas
vestes rudes só lhe atrapalhariam. Enfim... as duas conversavam.

- Então, me responda uma coisa apenas, Ranik... - A maga disse, com uma cara de sabichona.

Estavam em um lugar circular, todo feito de madeira, com algumas mobílias (também de
madeira), um monte de livros, um caldeirão e uma escada para descer. Era a casa da maga, e
ela se chamava...

- Que que foi, Iluzia? - Perguntou Ranik, já prevendo a situação complicada.

- Por que é que o dinheiro da missão está incompleto? Você gastou com alguma coisa no meio
do caminho? - Perguntou a loira, Iluzia, irritando-se levemente.

- Sim. - Disse Ranik, rapidamente, mas então...

Iluzia levantou a mão, surgiu mana na mesma, e uma esfera de mana azulada se formou na
frente da guerreira, que apenas olhava de rabo de olho, e simplesmente, a viu ficando de
coloração avermelhada.

- Está mentindo. - Disse a maga, sem sombra de dúvidas. A esfera desapareceu logo depois.

- Urgh... Você e essas porcarias.

- Pode abrindo o bico! - Disse Iluzia, parando de pé na frente de Ranik com as mãozinhas na
cintura. Só não era mais engraçado (até por conta do tamanho), porque a grandalhona estava
sentada, e também... Se Iluzia quisesse podia fazer o corpo de Ranik entrar em auto-
combustão com um estalar de dedos (ou algo do tipo).

- Ahn... Uma mulher me atrapalhou. Uma assassina profissional. Acho que foi contratada
para quase a mesma coisa, exceto que... - A voz de Ranik era meio hesitante, meio nervosa,
quando dizia essas coisas. Iluzia foi reparando tudo.

- Exceto que...?

- Ela só queria um tal de um medalhão. O medalhão não parecia coisa boa, não. Parecia
roubar a alma ou fazer alguma coisa bem... macabra. Enfim, ela levou o medalhão em troca
de não enfiar a adaga no meu pescoço, e eu levei o resto das coisas. - Ranik deu de ombros,
ficando apoiada com os cotovelos nos joelhos.

A maga deu uma grande e longa suspirada. E depois se estressou de vez (ou seja, a suspirada
não funcionou):

- Você está me dizendo que uma assassinazinha de segunda te ganhou numa luta!?

- Não foi bem uma luta. Ela sumia nas sombras e enfiava a faca no meu pescoço e só. Nem sei
porque me poupou. Disse que eu ajudei a matar os outros corsários, então... - Ranik deu de
ombros de novo, mas logo, complementou com... - A droga foi que o mercador sentiu falta do
produto, disse que era mais importante que suas cinco caixas de mercadorias juntas, e
resolveu me pagar bem menos do que o combinado. Então, só os outros quatro mercadores me
pagaram direito.

- Não, pera, repete isso aí...! - Iluzia disse, Ranik apenas apoiou-se com as mãos atrás da
cabeça de novo, recostando-se na parede da casa circular de madeira.

- O mercador resolveu que...

- Não, não... A história de sumir nas sombras e te poupar, porque você adiantou um serviço
para ela!

- É isso aí mesmo...

- URGH! - A maga explodiu de raiva. Foi andando até o caldeirão com passos pesados, pegou
algumas raízes e pós (plural de pó é esquisito mesmo), e tacou tudo dentro do recipiente
grande e escuro, com força.

Umas fumaças coloridas saíram dali juntas a um cheiro esquisito.

- Que você tá fazendo? - A guerreira perguntou, olhando pro caldeirão, curiosa.

- Não faço ideia. Acabei de estragar uma ótima poção anti-veneno de Nagaette. - Disse a loira,
suspirando de novo, de frustração.

- Só me diga uma coisa, Iluzia... Por que raios está tão preocupada com a minha recompensa,
hein? Digo, eu já disse que vou te ajudar financeiramente com o que você precisar, né? Não
vai ser umas 50 moedas de ouro a menos que vão me impedir disso, poxa... Querendo ou não,
eu ainda ganhei 450 moedas. - Disse Ranik, levantando-se finalmente e esticando-se como
quem se espreguiça largadamente.

- Eu sei... Não é isso... - A maga continuava frustrada, agora mexia o caldeirão com uma
colher gigantesca de metal escuro.

- Hmmm... Então...? - Ranik ia tecer alguma teoria, mas a loira lhe cortou com as palavras
proferidas.

- Essa tal... assassina... me incomoda.

- Ahm... Ela me incomodou também por alguns minutos. Mas ela foi embora, ok?

- Não, não é assim. - A loira ia dizendo, sacudindo a cabeça negativa e nervosamente, ao


mesmo tempo.

- Hum?

- Primeiramente, me incomoda a maneira como você disse que ela te derrotou. Ela parece
vagamente, assim, com suas palavras, mais forte que você. E se isso for verdade, já perdi boa
parte das minhas esperanças nas suas forças. - Quando ela disse isso, Ranik fez uma cara de
incômodo tremenda. - E em segundo lugar, se ela percebeu o poder que tem sobre você, ela vai
voltar, Ranik. Vai voltar e vai te atrapalhar em outras missões!
- Quê!? Que papo furado! - Agora foi a vez da grandalhona se estressar. - Ela não me
DERROTOU, Iluzia. Ela só me atacou na surdina. Em uma batalha em um lugar claro, tipo,
sei lá, uma floresta ao meio-dia... Cada uma com suas armas em punho, ela ia ser
esquartejada pela minha espada, ou esburacada pelas minhas flechas, entenda!

Iluzia não dizia nada, apenas mexia o caldeirão, insistentemente. Ranik agora amuou um
pouco:

- E de mais a mais, foi apenas uma situação... não é como se repetisse e... eu realmente não
acho que ela está interessada em missões normais para acabar com criminosos ou devolver
mercadorias. - Ranik disse arrastadamente, enquanto suspirava de frustração.

- Bom, eu não acredito em você. - Iluzia disse, apenas, direta e secamente.

Ranik soltou um grunhido de raiva.

- Ok! Eu vou para taverna da cidade! - Disse a guerreira, desistindo do papo com a maga e
indo descer as escadas.

A casa da maga ficava em cima de uma enorme árvore centenária no meio da floresta. Na
verdade, era mais correto dizer que ficava DENTRO da árvore centenária. Sim, isso
explicaria a casa ser circular. Provavelmente ela construiu aquilo por meio de magia (na
verdade, com certeza).

Ranik desceu e já estava no meio da enorme floresta. Alguns javalis selvagens tentaram lhe
atacar, mas eram fracos demais para guerreira. Ela os acertou com algumas flechadas
certeiras, e ainda aproveitou para pegar os porcos para assar suas carnes.

Ia de encontro a uma grande muralha que protegia uma grande cidade, ia beber para afogar
os problemas... como uma boa pessoa adulta faria (?).

Enquanto isso, ainda dentro da casa-árvore, Iluzia finalmente desistia de sua poção estragada.
Abria com mana um compartimento quadrado no piso, logo ao lado do caldeirão, e por fim,
virava (também por meio de magia, claro, ela era fisicamente fraca demais para isso) o
caldeirão, despejando todo o conteúdo ali naquele buraco, que caía lá embaixo, no meio do
mato da floresta.

- PFFF...! - Soltou em tom de irritação. - Ranik idiota!

Foi andando até sua estante de livros. Na frente dela, havia um móvel (esqueci o nome dessa
porra) onde um livro aberto estava apoiado sobre. Iluzia passou vagamente as páginas, sem
motivo algum, e disse, pensando em voz alta:

- Está completamente afetada em seu emocional por essa tal assassina... urgh!

03. ORIUNDA DAS SOMBRAS

Ranik, a guerreira, estava sentada em um dos bancos da taverna Sekhs, onde Sekhs também
era o nome da dona. Muito famosa na região... Seja por seu afamado estabelecimento, sua
cerveja feita lá mesmo ou, é claro, por seus... ahm... dotes físicos.

Sekhs era realmente muito bonita e bem... “estruturada”, mesmo para uma mulher de sua
idade. Sim, ela era bem mais velha. Mas não revelava a idade para ninguém, preferia revelar
os decotes de suas blusas e vestidos do que isso.

E como sempre, seus seios enormes estavam ali, semi-amostra também como sempre. Ranik
apenas tentava ignorá-los quando, do nada, eles surgiam na sua cara no balcão, e continuava
tomando a enorme caneca de cerveja.

- Oi, querida! Mal tive tempo de te cumprimentar! Como pode ver, a taverna está cheia como
sempre, graças a Stranka! - Stranka era o deus da festa e da farra, como eles chamavam na
região. Sekhs disse, muito animada, sacudindo os seios para lá e para cá, enquanto enxugava
alguns paratos. - Como está você, hein? Soube por aí que andou fazendo um trabalhinho com
corsários.

- Ah... As notícias correm rápido, né? - Ranik deu mais uma grande golada na cerveja.

- Claro, querida. Sempre. Sabe como é, sou também o centro de informações de Veligrad, não
apenas a dona mais sexy da taverna mais famosa... hehehe. - Veligrad era a cidade onde
estavam, que era uma das maiores e mais populosas cidades de Allas (mundo). - Mas enfim,
como foi o trabalho?

- Ahn... Bem. - Ranik se ateu a dizer apenas isso. Sekhs fez uma carinha curiosa, mas logo
depois, lambendo seu batom avermelhado na boca (que não saía nunca), e dando voltinhas
com seus dedos de unhas pintadas (também de vermelho, dessa vez) em seus cabelos
cacheados ruivos (presos num penteado em cima da cabeça com cachos caindo para todos os
lados, de um jeito muito sensual), continuou “perturbando” a guerreira.

- E Iluzia, como está? Vocês estão bem? - Quando ela disse isso, Ranik engasgou e quase
cuspiu a cerveja.

- COF! COF! COMO ASSIM “NÓS ESTAMOS”!? NÃO HÁ NADA ENTRE NÓS! - Disse
Ranik colocando a caneca sobre a mesa e massageando os ombros com as mãos.

- Ora essa, Ran... - Sekhs saiu de trás do balcão e foi andando até a guerreira ali.

Era visível os homens do lugar assobiando e olhando pro rebolado da dona da taverna, e
parecia que Sekhs não ligava e até curtia isso.

A MILF (precisei falar isso) foi para trás de Ranik e colocando os seios exatamente atrás de
sua cabeça (estrategicamente posicionados) começou a massagear seus ombros com as mãos
de unhas pintadas. Ranik sentiu seu corpo ficando quente e quente, enquanto a mulher ia
dizendo:

- Eu já sei perfeitamente do que vocês duas tinham... Você veio chorar as mágoas para mim
aqui na taverna há uns anos atrás, lembra? Não precisa fingir para mim que nada acontece.
Você ainda gosta daquela anãzinha loira, não gosta? - E de repente, Ranik levantou-se como
um míssil, suas bochechas rosadas, ela não sabia se pelo que Sekhs falava ou se por causa das
protuberâncias macias em sua cabeça por tanto tempo.

- Er... Não, cara! Nada a ver! Eu já superei isso! Já superamos... Iluzia está bem. E não
estamos juntas. Eu só estou... Ajudando ela, somos amigas! - Ranik disse, coçando a cabeça. E
antes que Sekhs pudesse soltar mais alguma de suas implicâncias sensuais, a guerreira
resolveu mudar de assunto. - E então, Sekhs! Você mesma disse que é a rede de informações
de Veligrad! Então, quem sabe, assim... Você não pudesse me dar uma informação, hein!?

Sekhs soltou uma risadinha sensual. Ranik já não gostou muito da resposta.

- Ran-ran, minha querida... Você sabe. Todo produto tem um preço. - A guerreira olhou para
pose sensual, depois pros seios quase de fora, e depois para face sacana de Sekhs, ficou roxa de
vergonha e já ia dizer, mas a dona da taverna lhe cortou. - Não, querida, não é isso... ainda.

- Ahnnnnn...?

- Dinheiro, minha querida. Dinheiro. E depende do que quer saber também! - A mulher foi
indo atrás do balcão, tirou um pouco de vinho de um barril e colocou em uma caneca de
madeira, lançou-a pelo balcão para um bêbado logo ali, que tinha pedido.

- Ah, sim! - Ranik sentou no banco meio sem jeito e voltou a beber sua cerveja.

- E então, querida, me diga... O que quer saber? - Perguntou a mulher, posicionando seus
cotovelos de novo sobre o balcão.

- Bem... é sobre uma... assassina. Bom, é bem provável que você não saiba dela, então... - Mas
logo foi cortada pela dona sensual da taverna.

- Hey, hey! Espere, querida! Não vá tirando conclusões precipitadas... Vamos lá, você quer
saber de qual das três? - Disse a mulher, rapidamente, corrigindo seu batom (completamente
perfeito) com o dedo mindinho (de uma forma muito sexy, claro).

- Três?

- Sim, eu tenho informação de três assassinas famosas. A primeira é uma Orc sem um dos
olhos e...

- Definitivamente não é essa. - Ranik lhe cortou com uma cara meio surpresa e meio contida,
ao mesmo tempo.

- Ok, então, pode ser sobre a assassina que usa 16 armas e mais um canhão, que...

- Também não é essa. - Ranik apoiou também os braços no balcão, depois de terminar sua
cerveja, e deu um longo e triste suspiro de derrota. - Eu falei que você provavelmente não
saberia nada sobre essa. Essas assassinas aí tão mais para matadoras psicopatas que...

- Querida, você é mesmo muito impaciente, hein!? - Sekhs foi até o fundo do balcão, pegou
algo dentro de alguma coisa (não dava para ver, apenas para ouvir o barulho em meio o
blablabla, a música e a confusão da taverna), e enfim, voltou para a mesa, onde depositou
uma adaga.

Era uma adaga de um material escuro de metal.

Sim, igualzinha a adaga da assassina nas docas.


Ranik arregalou os olhos e ia pegar a adaga, quando Sekhs puxou-a de volta e guardou entre
os seios (sério, cabia). A guerreira olhou para ela ainda surpresa, e um tanto animada demais.

- SIM, É ESSA! ESSA ADAGA É DELA! ELA É A ASSASSINA... - E de repente, o silêncio se


instalou pela taverna (sabe aqueles momentos em que você é o único a falar sozinho em meio a
um grupo que antes estava barulhento e agora não está mais...? Pois é). - Erm... É ela, acho.

- Certo, certo. Vamos para lá para trás, ok? A gente acerta a informação, e é claro, o
pagamento. - Sekhs deu aquela piscadela sensual para Ranik e ainda lambeu os lábios de
novo. A guerreira se questionou mentalmente se o pagamento não era aquele que ela falou que
cobraria só depois mesmo.

A parte de trás do bar era um tanto quanto confortável. Isso porque, era ali que Sekhs vivia.
Em uma área logo ao lado, ela guardava seu depósito, mas ali no meio, eram apenas seus
móveis confortáveis e bem polidos. Aparentemente, ela era viúva, diziam. E seu ex-marido
falecido era ricaço. Ele quem dera a ela a casa, e é claro, a taverna. Sem contar nos móveis e
tudo o mais... Ao menos, eram o que as fofocas da região diziam. E Sekhs não desmentia coisa
alguma, então...

- Sente-se aí, minha querida. Vou pegar mais uma caneca de cerveja para você se sentir mais
confortável, ok? - E ela saiu rebolativa.

“Ainda parece que vamos transar.” pensou a guerreira, ainda sem graça.

---

- Ela é uma assassina de alto nível! É contratada para poder eliminar alvos importantíssimos
da alta sociedade, tipo príncipes, reis, grandes cavaleiros, coisas assim! Também é utilizada
para pegar artefatos absurdamente importantes e perigosos! Isso explica porque ela estava
pegando aquele medalhão! Pelo que eu soube, seu nome é Noctana (ou apelido, sei lá), e ela
deve ter coisa de só uns 19 anos de idade! Sim, bem pirralhinha assim mesmo! Também falam
que ninguém sabe dizer de que material suas adagas são feitas, só sabem que são mais
resistentes que o aço! Ah, e também falaram que talvez ela tenha vindo da... - E de repente,
uma Ranik estupidamente bêbada, parada no meio da casa-árvore de Iluzia foi interrompida.

- Por que raios está me dizendo tudo isso!?

- Estou te dizendo, porque quero que saiba que eu descobri sobre a maldita assassina que
estava no meu caminho! Eu paguei caro por essa informação com a Sekhs, e se você quiser, eu
vou agora atrás dela e derroto ela para provar que não sou fraca! - Ranik ficava levemente
mais exaltada e falante quando chapada.

De repente, a loira com uma cara de emburrada, abriu a escotilha para saída de sua casa e...
jogou a guerreira de lá de cima.

Claro que ela usou magia e amaciou sua queda, ainda sim, expulsou-a de casa. Logo depois,
fechando a portinhola lá em cima.

- EI, ILUZIA! PRESTA ATENÇÃO! EU ESTOU FAZENDO ISSO POR VOCÊ! - E


novamente, a loira abriu o alçapão olhando para outra lá embaixo.
- RANIK, VOCÊ PRESTE ATENÇÃO!

- …?

- VOCÊ VAI TER QUE FAZER MAIS TRABALHOS, PORQUE GASTOU TODO SEU
DINHEIRO COM ESSAS INFORMAÇÕES IDIOTAS E COM BEBIDA, E POR ISSO ESTÁ
DURA! - E então, ela fechou a portinhola batendo-a com força.

Ranik suspirou de frustração.

Bom, era isso mesmo que ia fazer, afinal!

04. UMA SIMPLES MISSÃO

- E então, você viu o Sr. Wells?

- Sr... Wells...? Hm... Sr. Wells? Como é que ele é?

- Meio careca, barba mal feita, cara de poucos amigos...?

- Ah sim! Digo... Eu o vi vai fazer uns 3 dias, então...

- Ah, ok então, obrigada.

- Olá, você por algum acaso viu o Sr. Wells?

- O da lojinha da esquina?

- Ahm... Se for a “Armas Poderosas e Armaduras Lustrosas”, sim, é ele mesmo!

- Ah, sei... O cara que detesta quase todo mundo, né?

- Ahm... Creio que...

- Certo, certo. O vi anteontem!

- Ah, só?

- Só.

- Ok, então, obrigada.

- Hey, você! Você viu o Sr. Wells?

- Como ele é?
- Meio careca, barba mal feita, cara de poucos...

- Ah, esse cara!? Ele é um saco!

- Ah sim, já me falaram... ahn...

- Bem, o que houve?

- Ah, ele está desaparecido, então...

- Você está procurando por ele!? Esquece! Do jeito que o cara é mal amado, deve ter dezenas
de inimigos! Não acharia esquisito se estivesse morto em um valão por aí!

- Er... Ok, obrigada.

- Té mais!

Ranik deu um profundo suspiro. Logo depois, olhou ao redor, coçando a cabeça. Era esquisito
que em uma cidade pequena como Sello, ninguém conhecia o dono da loja de armas e
armaduras pelo nome. Se bem que pela fama de mal humorado do cara, fazia um certo
sentido.

Sr. Wells, o dono da loja de armas e armaduras chamada “Armas Poderosas e Armaduras
Lustrosas” da cidadela de Sello havia desaparecido há 2 dias. Sua mulher e única chegada
(pelo visto) estivera muito, muito preocupada. Wells não era um sujeito de sair. Ele nunca
deixava a cidade. para receber suas mercadorias, as comparava com um caixeiro-viajante que
ia de cidadela em cidadela, e para isso, só tinha que encontrá-lo nos portões da pequena
muralha protetora de Sello. E como já foi dito, ele não era um cara lá muito agradável ou
amigável, logo, não podia ter saído para tomar umas cervejas na taverna mais próxima ou ir
na casa de um amigo visitá-lo. Sua vida se resumia em trabalhar na loja e ir para casa dormir
com a mulher. Logo...

- Me ajude, por favor! Eu pago 150 moedas de ouro para quem encontrá-lo! - Dizia a Sra.
Wells.

Ranik, obviamente, aceitou. Era seu tipo de trabalho. Parecia fácil e pagava razoável. Que
mal teria, né?

O mal era...

Não tinha nem uma pistinha sequer.

Se tivesse uma Sekhs de Sello, perguntaria a ela. Pensando bem, até que não era má ideia...
Aproveitou que o Sol já estava se pondo e foi para pequeniníssima taverna de Sello, que nada
se assemelhava a grande Taverna Sekhs de Veligrad (mas era óbvio, esta era uma grande
cidade, Sello não era nem ¼ desta).

- Olá. - Disse Ranik, sentando-se no balcão. - Me vê uma cerveja, por favor.

Um sujeito alto, parrudo, cabeludo e barbudo, lhe atendeu. Ao seu lado, uma senhora
gordinha também, usando um vestido e um pano na cabeça. Os dois pareciam ser um casal, o
casal que cuidava da taverna.
- Erm... Então, será que também poderia me dar uma informação? - Ranik perguntou, com
um sorriso suave, para tentar, é claro, ser simpática.

O cara não sorria. Parecia que era mal daquela cidade então...

- Depende.

- Ahn, Sr. Wells, conhece ele?

- Sim. Que tem?

- Ele desapareceu há 2 dias, então...

- Não faço ideia. - Ranik suspirou, mas enfim, o dono da taverna completou para mudar a
figura. - Pergunte para barda. Ela sabe de tudo. É uma fofoqueira.

E então, ele foi encher a caneca de outras pouquíssimas pessoas que estavam no bar (só mais
duas).

E ali, no meio das mesas e cadeiras, sentadas em um banco, uma mulher muito animada,
tocando um instrumento que se parecia com um violão, mas tinha só três cordas, e ela ficava
batucando no mesmo de vez em quando, enquanto também cantava com uma voz não muito...
favorecida, coitada. Seus cabelos eram castanhos presos em tranças, seus olhos eram
esverdeados, usava óculos (ainda que bem antiquados, claro).

- Er... Olá. - Disse a guerreira para barda, já meio cansada de procurar.

- Olá! - A mulher ao menos era animada e sorridente, mas mesmo lhe respondendo, não
parava de cantar. - Eu vivo nas sombras, nas cavernas e no mar, meu nome é guerreira,
guerreira Aroá! Eu tenho espadas, espadas afiadas, seis são de aço e uma é de parata! ♫

- Erm... Enfim, você poderia, por favor, me informar se nesses últimos dias para cá você viu
um homem chamado Sr. Wells? Ele é dono da loja de armas e armaduras...

- Ah! Claro que sim! - Disse a barda, ainda cantando. Mas só essa resposta já animou Ranik e
fez ela ignorar a voz de taquara rachada da garota. - Eu sempre vou na fé, na garra e vou
lutar, meu nome é guerreira, guerreira Aroá! Eu moro em um calabouço escuro e fedido, ele
só existe bem embaixo do seu abrigo! ♫

- Cof, cof... - Ranik fez, tentando fazer ela se mancar e parar de cantar. Não adiantou.
Resolveu perguntar mesmo assim. - Enfim, pode me informar onde foi que você o viu?

- Ele estava recebendo um lote de produtos para vender, quando então foi chamado por um
amigo próximo a Mina de Lótus ao Sul da cidade. - A barda voltou a cantar sem se importar
(e nem parar de sorrir). - Termino minha missão e vou logo lá pro bar, meu nome é guerreira,
guerreira Aroá! Eu já enfrentei orcs, pesados e robustos, também enfrentei um mago,
demoníaco e obscuro! ♫

- Certo, certo, obrigada.

- Hey! - E finalmente ela pareceu parar de cantar, assim que viu a guerreira prestes a sair da
taverna para sua missão. - Não quer pedir uma canção!?

- Ahn...? Não, obrigada, eu já estou partindo e...

- Ok, então. Você quem sabe, hein! - Disse a barda, e deu uma piscadinha para guerreira, que
ficou super confusa.

---

Finalmente, na melhor das pistas que pôde obter, Ranik para de frente para a Mina de Lótus
que fica logo ao Sul de Sello. Ali costumava ser um lugar bem povoado pelos mineiradores e
tudo o mais há uns anos (ela ouviu dizer das informações que conseguiu sobre a cidade), mas
recentemente, os trabalhadores abandonaram o local, alegando que o mesmo estava cheio de
bandidos, e portanto, perigoso. Essa era outra missão, inclusive. Acabar com os bandidos da
região Sul de Sello. Mas pelo pagamento baixo em comparação apenas achar um homem
perdido, Ranik não achou que compensaria (no momento). Querendo ou não, não era tanto
uma heroína, era mais uma mercenária mesmo. No final das contas, acabaria ganhando um
bônus por também enfrentar os bandidos, pelo visto...

Agora o que eles poderiam querer com um velho vendedor de armas ranzinza? Essa era uma
boa pergunta. No mínimo o mataram e roubaram seu dinheiro. Era triste, mas era bem
possível.

Não importava, entraria agora na Mina “abandonada”.

A Mina era um bocado escura por dentro, claro. Iluminada por poucas tochas nas paredes.
Ranik já desembainhou sua espada bastarda e foi andando bem lentamente para não acabar
sendo pega de surpresa por um bandido ou coisa assim.

Mas a verdade é que o caminho estava estranhamente bem livre... E bom, isso era realmente
estranho. Cadê os bandidos da outra missão que tanto diziam que precisavam ser “limpos”?

Então, no final dos corredores de pedra da mina, a guerreira encontrou-se com uma grande
área aberta. E lá no fundo, pôde ver. Havia um mago de vestes escuras, mexendo em umas
poções e outras coisas sobre uma mesa, onde também havia livros. E logo ao lado, duas jaulas.
Uma não parecia ter nada. A outra...

Sr. Wells.

A guerreira rapidamente correu, já preparando-se em posição de ataque. O mago apenas se


virou e deu um risinho:

- Nossa... Você demorou, hein?

- Eu...? Você já me esperava!? - Perguntou a guerreira, e ouviu Wells gritar.

- ME TIRE DAQUI, PORCARIA! ME TIRE LOGO, ESTOU MANDANDO!

- Erm... - E ela voltou-se de novo pro mago com um cetro em uma de suas mãos e a outra já
recheada de mana.
- Sim, eu que pus o anúncio da missão para retirar os bandidos. - Disse o mago, com um
sorriso diabólico no rosto. - Isso porque, eu os matei antes de tomar posse dessa mina. Mas é
claro, precisava de alguém, algum mercenário ou guerreirinho qualquer, que viesse aqui, é
claro. Daí eu pus o anúncio e aguardei, aguardei, mas ninguém veio. Concluí que foi por conta
da recompensa baixa. Vocês, guerreiros, são todos iguais mesmo! Mentes diminutas e
gananciosas, enfim... Não precisei mais de você, arrumei esse idiota em seu lugar! E agora,
você chega, atrasada... Não adianta mais, meus planos já se concretizaram, então... Pode
desistir e morrer tal qual os bandidos que viviam aqui antes de mim!

- Quê!? - Ranik estava achando tudo viajado, mas...

Não tinha muita escolha agora, enfrentaria o mago maluco e libertaria o velho. Ou ao menos,
era isso que ela imaginava...

O mago levantou a mão cheia de mana verde, e então, de repente, o corpo do Sr. Wells
começou a se tremer todo, estrebuchar mesmo, saía uma espuma de sua boca e sua pele
esverdeava (enquanto ele aumentava de tamanho)...

Sr. Wells virara um goblin.

A guerreira ficou boquiaberta e de olhos arregalados. Mas que porcaria era aquela
afinal!?!?!?

05. AS FORÇAS OBSCURAS

O goblin veio correndo em sua direção, pronto para atacá-la. No início, Ranik ficou realmente
confusa se deveria bater nele ou não, afinal, era o Sr. Wells. Então, apenas defendia seus
golpes.

O problema é que, junto com o Goblin, o mago logo ali começou a soltar bolas de fogo em
cima da guerreira. Aí já era demais...

Ela tentou fugir do ser verde e correr para cima do mago, mas não deu tão certo assim. O
mago ainda tinha a vantagem por atacar de longe, logo, mandou uns raios poderosos para
cima dela, fazendo seu corpo rangir em dor.

- Desgra... çado! - Disse ela e logo se viu sendo atacada pelo goblin por trás.

“Preciso parar ele de uma maneira que não o fira tanto assim...” e por isso, ela virou-se e lhe
deu uma pregada forte com o cabo da espada em seu dorso, jogando-o para trás, caído no
chão.

- E agora vamos cuidar de você, seu mago de merda! - Ele tentou dar o choque de novo, mas
Ranik era mais ágil do que parecia ser, apesar de seu tamanho todo. Escapou e enfim, cravou
a espadona na cabeça do mago e sorriu.

Só que ele sorriu em meio ao sangue que escorria de sua testa.

- O quê!?
De repente, notara que tinha atacado o Goblin (?). O choque que o sujeito havia jogado em si,
nada mais era que uma ilusão. Fazendo-a trocar a visão do “mago” com o “goblin”, e agora, a
ilusão se dissipava, mostrando a realidade...

Tinha matado o goblin enfiando a espada em seu crânio, mas tinha deixado o mago vivo,
jogando-o longe com o cabo da espada.

- SEU FILHO DA PUTA! - Ranik gritou, e virando-se, viu a cara de felicidade do mago, que
lançava mais um raio em cima dela. - NÃO!

De repente, tudo ficou turvo e escuro. O que era aquilo?

Mais uma ilusão?

Maldito...

Via uma vila. Uma vila pequena. Ela pegava fogo. Pegava fogo enquanto pessoas saíam
correndo de suas casas, desesperadas, e eram transpassadas pelo fio da espada. Guerreiros de
armaduras negras por todos os lados. Alguns em cima de cavalos, outros a pé. Mas todos
armados com fortes espadas e tochas. Pessoas gritando, crianças ficando órfãs...

Dor e tristeza.

- Mas o quê...?! - Quando Ranik ia voltar a si, percebeu que tinham lágrimas escorrendo em
seus olhos.

- Não vou te perguntar o porquê, mas acho melhor você secar o rosto. - Ouviu a voz sensual
que lhe tirou do transe.

Era a tal da assassina que havia encontrado antes nas docas, Noctana. Sim, havia encontrado
ela de novo. E pelo visto, em uma boa hora. Sua adaga havia dilacerado o pescoço do mago,
que estava no chão já com o babador de sangue.

- O que houve!? - Ranik levantou-se (estava de joelhos antes), nervosa, secando o rosto com as
mãos.

- Você foi pega pela ilusão desse desgraçado e provavelmente estava lembrando-se de algo não
muito agradável do seu passado. É... Acontece quando se mete com um Mago Negro. - Ela
disse, e então, começou a revirar os bolsos do robe do mago morto no chão.

- Não, não foi isso que eu perguntei... - Ranik disse, séria. E então, Noctana virou-se para ela.
A guerreira só conseguia enxergar os olhos verdes, mas já os achava bonitos. - O que você está
fazendo aqui? Por que matou ele? Está em outra missão, é?

- Deveria ser mais agradecida com quem te salva a vida. Enquanto você chorava ajoelhada
revirando os olhos, ele ia tacar uma bola de fogo bem no meio da sua cara. - Disse a assassina,
depois de colocar algumas peças de ouro no bolso, foi andando e finalmente, chegou no goblin,
reparou que ele usava roupas humanas, ainda que estas ficassem muito apertadas nele. -
Goblins? Achei que tinham sido extintos.

- E foram. Esse Goblin era na verdade uma pessoa! Sim, o mago negro transformou uma
pessoa normal nisso... E depois jogou uma ilusão para me convencer a matá-lo. Desgraçado... -
Ranik disse, irritada, colocando a mão na face. Sentia-se mal, muito mal. Pelo Sr. Wells e pela
ilusão que lhe fez lembrar de coisas que gostaria apenas de esquecer. - Mas ainda sim, não
respondeu minha questão... Quero saber o que está fazendo aqui!

- Vim ficar quites contigo, certo? Você me salvou, eu te salvei. Fim dessa história. - E então,
ela foi até a mesa, e começou a ver os livros. Rapidamente, meteu uns dentro de uma sacola.

- Ei, você não pode levar isso! É uma prova pro que aconteceu aqui! - A guerreira correu para
cima dela, mas a assassina tentou escapar com sua enorme agilidade.

Mas a mesma estava debilitada considerando o peso dos livros grossos que tinha acabado de
enfiar em sua bolsa. Logo, Ranik a segurou pelo braço e a puxou. Rapidamente, colocou a
espada bem posicionada em seu pescoço.

- Eu disse para deixar os livros. Pelo visto, não veio para me salvar e ficar quites coisa alguma,
veio para roubá-los, né? Você sempre está metida com essas forças obscuras. Acho que no
final das contas, você é igualzinha a esses sujeitos, né? - Disse a guerreira, respirando
nervosamente. Não se sabia pela proximidade com o corpo da assassina, agarrado em frente
ao seu, ou simplesmente, a tensão do momento mesmo.

- Heh. - Disse a assassina, e então, Ranik sentiu uma pontada de adaga em sua barriga. Sim,
enquanto tinha colocado a espada no pescoço da outra, rapidamente, a outra posicionou sua
adaga em um ponto frágil seu, entre os vãos da couraça dura. Sim, as duas podiam matar
uma a outra em apenas um segundo, mas quem seria mais rápida? Ranik tinha quase certeza
que a assassina, mas não ficaria atrás dela. Sua resistência era maior ainda sim, tinha certeza.

- Me escute. Eu vim para essa missão, para salvar o sujeito que virou o Goblin. - Ia dizendo a
guerreira, e foi interrompida por Noctana.

- Eu sei.

Ranik soltou um murmuro, mas continuou falando.

- Então, eu preciso levar as provas para Sello, senão, eles vão achar que ou não cumpri meu
trabalho e não vou ganhar nada, ou que eu estou metida com isso, entende? - A guerreira
continuava tentando, a assassina nada dizia, apenas piscava os olhos de vez em quando,
lentamente. - Preciso de ajuda, Noctana.

E quando a guerreira disse seu nome, rapidamente, a assassina virou a espada (com um
movimento muito rápido e prático) e atingiu o ponto vital da guerreira com o cabo da faca. O
que fez Ranik soltá-la de dor, e logo, ela saltou para sua frente, virada cara a cara.

- Te surpreendi pela primeira vez, né? - Ranik disse, limpando um filete de sangue que
escorria pela boca, entre um sorriso sabichão.

- Que o submundo já sabia sobre mim eu imaginava, o que eu não imaginava é que você tinha
contato com o submundo. - Disse Noctana, visivelmente incomodada, como um gato arredio.
Aliás, ela se parecia toda com um gato, Ranik parou para pensar por um instante, era
engraçado... e chamativo ao mesmo tempo.

Seu corpo diminuto, ela devia ser realmente muito mais baixa que si (seu tipo, para dizer a
verdade), era esguia o suficiente para ser ágil e caber em qualquer esconderijo, sem contar
nos ataques rápidos e mortais que precisaria dar em seus inimigos. Não dava para ver seus
cabelos ou o resto de seu rosto (talvez nem fosse tão bonita quanto imaginava assim), mas seus
olhos verdes eram bonitos. E sua pele era visivelmente escura.

Por algum motivo, aquela máscara só dava mais vontade de Ranik conhecê-la melhor. O que
raios estava acontecendo afinal!?

- Eu tenho meus contatos. - Zombou Ranik, pensando em Sekhs. Será que ela era do
submundo mesmo? Sabia mesmo de muita coisa, mas só parecia ser uma sensual dona de
taverna. Muito sensual...

- Mas pelo visto, seus contatos não te contaram tudo, né? - A assassina disse, e então, mexeu
na sacola de pano que carregava.

- Ahn?

Ela lançou um dos livros no chão.

- Aqui está sua prova. Mas eu quero de volta. E eu vou buscar. - E então, ela virou-se pronta
para ir embora, mas Ranik gritou para ela.

- Por que meus contatos não me contaram tudo!? - Gritou rapidamente e achou que não seria
respondida, mas Noctana virou-se para ela, olhando-a de ombro e disse...

- Eu não estou envolvida com os casos obscuros. Eu combato eles. - E enfim, ela sumiu nas
sombras.

Ranik ficou com um friozinho na barriga.

---

De volta em Sello, a Sra. Wells chorava copiosamente ao ver o livro em suas mãos chamado
“Transmutando pessoas em monstros”. Sim, era bem óbvio com uma prova dessas. E nas
mãos da guerreira, que logo depois, passou para as mãos da senhora, mudas de roupa sujas de
sangue. Sim, as roupas do Sr. Wells.

- E-então... um mago negro o transformou em... um monstro horroroso? - A senhora dizia,


quase sem conseguir direito, aos parantos.

- Sim. - Respondeu Ranik, com um semblante triste.

- E... você teve que matá-lo...? - A senhora chorava mais e mais.

Ranik fez “sim” com a cabeça, ainda triste, e respondeu:

- Sinto muito. - Mas a senhora fez “não” com a cabeça e com um sorriso triste, buscou um
saquinho de pano com moedas de ouro e entregou a guerreira.
- Aqui está seu pagamento, minha querida, 150 peças de ouro, como o prometido... O-
obrigada por me informar... sobre... sobre o paradeiro do meu querido marido.

- Mas... S-seu marido está... Eu o... - Ranik ia dizer, mas a senhora colocou a mão em seu
ombro.

- Paguei para que o achasse e você o achou. Você fez o correto e ainda foi sincera comigo.
Estou lhe pagando pelo que você teve de enfrentar. Aposto que não foi nada fácil matar uma
pessoa inocente, mas você apenas defendeu-se e fez o que era melhor. Obrigada por tudo. -
Disse a Sra., fazendo Ranik quase chorar (seus olhos enxeram-se de lágrimas, mas ela não as
deixou escorrer).

E então, Ranik agradeceu e já ia partir, quando a senhora lhe perguntou:

- Você não pretende pegar também a recompensa pelos bandidos na Mina de Lótus? Você
pode falar com o Rei e... - Mas a guerreira lhe interrompeu com um sorriso triste.

- Não, senhora. Não fui eu quem matou os bandidos, foi aquele mago. Então, eu não tenho
direito de pegar a recompensa por uma missão que eu não cumpri. - E então, ela fez um sinal
de “tchau” para senhora e partiu, deixando-a com os olhos orgulhosos ainda que tristes.

---

- Você se acha mesmo... - Era Iluzia, novamente tentando preparar uma poção no caldeirão. -
“Não cumpri a missão, então não aceito a recompensa”, pfff... NÓS PRECISAMOS DE
DINHEIRO!

- Urgh... - Ranik colocou a mão no rosto, sentada no banco, com cara de incômodo.

- Mas então, você reencontrou a assassinazinha, é...? E ela disse que não está compactuando
com o lado negro. Que piada... Como se fosse verdade! - Iluzia disse, irritadinha. Realmente,
quando se tratava de Noctana, ficava muito revoltada. Por que seria?

- Não, eu sinceramente acho que é verdade... - Disse a guerreira com uma face perdida,
olhando pro nada.

- Tsc! - Iluzia explodiu. - OLHA AQUI, RANIK, VOCÊ ESTÁ APAIXONADA POR
ESSAZINHA!?

Foi então que a guerreira caiu em si.

- QUÊ!?

06. A GUILDA DO ESGOTO

- de onde diacho você tirou isso, Iluzia!? - Ranik disse, completamente sem jeito e sem saber o
que falar ou fazer.

- Ué, você está obcecada por ela... - A loira maga disse, ainda tentando fazer a poção, vira e
mexe, ela errava o vidrinho de ingrediente e quase tacava o que não podia na mistura, mas
quando percebia, rapidamente trocava para o vidrinho certo.
- Não é nada disso... Eu apenas fiquei obcecada em derrotá-la! Você ficou dizendo que ela era
mais forte que eu, então eu...

- Você até gastou dinheiro com a Sekhs para saber mais sobre ela! Me diga, o que em saber o
nome ou o passado dela te faria lutar contra ela melhor, hein? - E quando a maguinha
pequena porém abusada perguntou isso, a gigantona ficou sem muito ter o que responder.

- Erm... “Conheça seu inimigo como a ti mesmo”? - Ranik disse, coçando a cabeça sem jeito,
Iluzia soltou um grunhido de importunação.

- Me faça um favor, Ranik, arrume o que fazer! - E então, quando Iluzia ia terminar
finalmente sua poção sem estragá-la mais uma vez, uma bolinha de cristal que ficava ali no
canto, sobre uma das parateleiras da maga, começou a brilhar de maneira esquisita.

O brilho era escuro, não claro, mas ainda sim, iluminara toda a sala com aquela energia
azulada. As duas ficaram impressionadas. Ranik mais, porque não fazia ideia do que aquilo
significava.

Iluzia simplesmente ficara horrorizada.

- Monstros! Monstros estão invadindo a floresta em direção a Veligrad! - Disse a maga,


correndo e pegando a bola de cristal, ainda iluminada com a energia sombria, em suas mãos.

- O quê?! Como assim “monstros”!? E que droga de bola é essa?! Como você sabe disso!? -
Eram tantas questões, Ranik não conseguiu se conter em apenas uma, mas Iluzia, como
sempre, foi boa em responder todas com apenas uma fala.

- Eu sei que no nosso mundo os monstros deixaram de existir faz tempo! Foram extintos com a
maldade e as energias sombrias, e portanto agora a única maldade que podemos enfrentar é a
dos homens ou a selvageria dos animais da floresta! Mas ainda sim, eu senti estes dias uma
energia maligna... Achei que fosse só impressão, mas agora, a minha “Esfera de Pureza”, que
serve exatamente para isso, para localizar energia maligna, está me dizendo que há invasores
malignos na floresta indo em direção a cidade. Então, isso só pode significar uma coisa... - E
finalmente, a loira parou de falar.

- “Monstros invadindo a cidade”. - Ranik completou séria, e então, puxou sua espada
bastarda para já se preparar para luta.

---

Em uma cidade ferrosa chamada Velejo, as indústrias contracenavam com as casas dos
moradores. Pequenas barraquinhas de vendas de frutas versus grandes lojas de armamentos
de chumbo. O ar era puro carvão escuro, as pessoas andavam por aí com uma leve cobertura
de fuligem negra pelo corpo, mas todos já estavam acostumados. Velejo era uma das maiores
cidades junto com Veligrad. A diferença é que esta tinha um Conde, enquanto a outra tinha
um Rei. Uma era baseada em sua evolução industrial e seus metais, enquanto a outra era
baseada apenas em seu crescimento empírico de soldados (ou seja, seu poderio militar de
cavaleiros bem armados).

E nos esgotos (sim, haviam esgotos nessa realidade) junto as águas podres, enormes ratazanas
e vãos imensos de canos gigantes, havia uma área “secreta” que vivia por anos ali, sem o
conhecimento dos moradores da região que tinham medo de se aproximar...

Era uma espécie de Guilda de ladinos e assassinos de todo Allas. Áreas de treinos, quartos e
até mesmo um bar, os bandidos mais cruéis ou poderosos encontravam-se e conviviam por ali.
Pegando “missões especiais” de roubos milionários ou cabeças à prêmio por um dinheiro. E
sentada logo ali, havia uma assassina já “conhecida” por alguns, e que cada vez mais, escrevia
sua história de sombras naquelas regiões... Sim, Noctana.

Tinha acabado de chegar e estava ofegante e suada. Mas não dava para ver as gotículas
escorrerem por sua testa, pois, ainda usava sua máscara e capuz, até mesmo ali dentro, um
lugar supostamente confiável.

Tanak, o dono do bar dos ladrões (que era ele também um, obviamente), estava logo ali, atrás
do balcão, e serviu a assassina rapidamente, assim que ela sentou-se no banco logo a sua
frente. Um pouco de hidromel com um toque de vinho. Era esquisito, mas era assim que ela
curtia, ele sabia. Ele chamava de “Picada de Naja”. Dizia que ele botava alguma coisa especial
na bebida, porque também tinha um toque picante, mesmo sendo algo tão doce. Noctana logo
levou aos lábios, assim que ele iniciou uma conversa:

- Oi de volta, gracinha! Como estão as coisas? Conseguiu mais uma boa missão? - Disse o
sujeito. Era magrelo demais, pálido demais, tinha um cavanhaque preto, cabelo preto puxado
para trás e olhos acizentados. Suas vestes eram escuras, porém normais, nada próximo de um
ladrão ou assassino (apesar de ser um).

- É. - Disse Noctana, de poucas palavras, bebendo mais uma golada da Naja.

- Eu soube que tu tava envolvida com umas tretas sombrias... Algo bem do oculto mesmo, com
magos negros e tudo o mais. Poderia me dizer se... - Antes que Tanak pudesse dizer mais
alguma coisa, a adaga escura da assassina pousou em seu pescoço, num movimento tão
rápido, mas tão rápido, que ele engoliu as palavras com saliva de medo.

- Quem te deu essa informação?

- Você sabe. Uma espionada aqui. Um informante ali. Estamos na Guilda dos Ladrões, babe.
Aqui, nenhum segredo fica secreto por muito tempo. - Ele disse, meio (muito) nervoso.

A adaga ainda estava em seu pescoço. Noctana a retirou, voltou a sentar-se e a beber,
guardando a arma na cintura com uma precisão espetacular. A garota era mesmo habilidosa.

- Mas este vai ficar. - Foi o que ela disse, depois, molhando os lábios com a Picada mais uma
vez.

- Erm... Ok, ok. Não me meto nos seus assuntos então. - Disse Tanak, ficando meio
emburrado. - Ah, mas vem vindo alguém aí que se amarra em fazer isso! Hehehe!

E assim que Noctana virou a cabeça, viu alguém que já conhecia... Talvez uma das poucas
pessoas em quem confiava naquela espelunca fedorenta (claro, era um esgoto).

Tirou o capuz que utilizava, cabelos castanhos ondulados presos em um rabo de cavalo, olhos
verdes e...

Era a barda que estava na taverna de Sello.


Só que agora sem as tranças, os óculos e sem as músicas esquisitas. Seu sorriso, no entanto,
sacana, era o mesmo.

- Glaz. - Noctana disse, com a voz meio que para dentro, mas um leve sorrisinho bem suave
em seus lábios. Realmente, sentia-se mais íntima da garota “barda”.

- Oi, Ana! - Lhe chamava assim, era a única que a chamava assim. Sentou-se ao seu lado no
bar e pediu para Tanak. - Tan-tan, me vê um hidromel, faz favor!

- Tan-tan é o escambau! - Disse ele, já revoltado com a assassina, e agora, com sua amiga. Mas
já conhecia Glaz também. Era membro da Guilda assim como Noctana e ele, afinal. E mesmo
assim, pôs a caneca e encheu do líquido para ela.

A “barda” tomou umas belas goladas, antes de começar a se comunicar com sua amiga.

- E então, quer saber das novas!? - Disse Glaz animada, era diferente de todo mundo ali.
Principalmente de Noctana. Todos eram sérios e desconfiados, a garota era animada. Por isso
que era conhecida como a “rainha dos disfarces”. E portanto, era uma ótima espiã.

- Erm... Talvez seja melhor me dizer em um local mais reservado. - Disse Noctana, olhando
para Tanak de rabo-de-olho.

- Então aluguem um quarto, princesas, vocês estão no esgoto! - Disse o sujeito, implicando.

- Vamos para um lugar melhor... - Disse a assassina, ignorando-o depois de uma boa suspirada
de tédio.

As duas levantaram-se e entraram por algumas passagens de esgoto, até uma área aberta
esquisita. Onde havia até mesmo um corpo no chão.

Depois de passar a faca em uma ratazana que mais parecia um cachorro, devido o seu
tamanho, as duas voltaram-se a conversar:

- E então, me diga, o que houve? - Noctana disse com sua voz profunda.

- Ranik deverá, logo logo, estar envolvida com um caso de ataques de monstros na região da
Floresta próxima a Veligrad! - Disse Glaz, ainda tomando seu hidromel, como se nada tivesse
acontecendo. Inclusive, estava sorrindo.

- O quê? - Os olhos verdes arregalaram-se.

---

Goblins de tudo quanto é tom de verde e tamanho corriam pela floresta. Matando viajantes e
animais selvagens. Eram muitos, batiam e corriam, atacavam a tudo. E estavam
aproximando-se da muralha da grande cidade.

Tudo bem que o rei tinha vários soldados. Mas eles iam ser pegos de surpresa. E essa surpresa
poderia atingir nocivamente os moradores do local, caso os monstros verdes conseguissem
adentrar pelo portão principal de madeira.
Ranik e Iluzia olharam de longe (ainda próximas a casa-árvore da maga), preocupadas, e
conseguiam ver o “bololô” de monstros perfeitamente. Eram muitos, demais...

Precisavam de uma estratégia e precisavam rápido!

07. BOLICHE NA FLORESTA

As mãos de Iluzia envolveram-se em mana verde.

Ranik a levantou pela cintura e a colocou sentada em cima de seus ombros. E ali, ela ficou de
pé como pôde.

Levantou as mãos, na frente da muralha de Veligrad, e a energia verde se espalhou por todas
as árvores ao redor.

Era uma espécie de barreira protetora pro que vinha logo a seguir.

As duas tinham reunido uma quantidade gigantesca de galhos e folhas o mais rápido o
possível (claro que a maga utilizou magia para poder fazer isso, afinal, não daria tempo), e
fizeram uma esfera BEM grande com aqueles materiais, talvez tão grande quanto a sala
principal da casa de Iluzia.

A seguir, Ranik, com as mãos protegidas com a energia verde (tal qual as árvores), levantou
com sua força avantajada a esfera, o melhor que pôde também.

As mãos de Iluzia encheram-se agora de mana alaranjada.

- Prepare-se... - Disse a loira, e então, lançou a energia para a esfera de galhos e folhas que
Ranik segurava.

A energia foi enchendo a esfera, enchendo, enchendo... até que ela entrou em chamas!

Virou uma enorme bola de fogo, mas Ranik, ainda sim, conseguia segurá-la com suas mãos
sem queimá-las!

E mesmo assim, a esfera continuava enchendo e enchendo de mana. Iluzia bambeou um pouco
ali em cima (de pé sobre os ombros da outra), mas continuou soltando mana alaranjada até
que...

A esfera foi lançada como uma bola de canhão para frente.

Ela chegou a bater em algumas árvores, mas não as encheu de fogo, pois, elas foram
protegidas com a energia esverdeada assim como a mão da guerreira.

Sabe “boliche”? Sim, não existia naquela realidade e naqueles tempos. Exceto que, nesse exato
momento, o que se via era paraticamente isso...

Um strike.

A bola de fogo gigante quicou nas árvores certas e foi DERRUBANDO os goblins um por um,
enchendo-os de chamas e matando-os prontamente.
Os que sobrassem assim que a bola de fogo se dissipasse para não queimar as árvores
desprotegidas, seriam devidamente massacrados pela espada bastarda da grandalhona.

- YAY! CONSEGUI...! - Iluzia ia comemorar, mas de repente, apagou.

Seu corpo escorregou rapidamente dos ombros de Ranik, caindo, mas a grandalhona a pegou
nos braços como um neném.

Tinha usado mana demais. Ranik sorriu.

Iluzia era mesmo uma das magas mais poderosas de todo Allas...

Colocando-a em um lugar seguro, debaixo de uma árvore já desprotegida por sua mana
(afinal ela tinha desacordado), a guerreira puxou o arco e foi atirando flechas certeiras em
alguns inimigos ainda vivos. Outros que se aproximavam de si, correndo, putos da vida
(alguns até em chamas ainda), eram transpassados facilmente por sua lâmina bastarda.

E enfim, a matança de goblins fora contida na floresta graças as duas, principalmente a maga,
claro.

Logo em cima das muralhas de Veligrad, alguns cavaleiros reais observavam a tudo. Um
comentara com o outro vigia:

- Você viu isso?

- Além da manada de goblins vindo para cidade? Eu já estava indo correr para mandar os
outros cavaleiros armarem uma guarda defensiva no portão com urgência!

- Pois é, mas nem precisou...

- Quê!? - O homem olhou todos os goblins mortos espalhados pela floresta. - Como é que é!?

O outro apontou para duas mulheres logo ali. Uma era grande e forte e usava armadura de
couro duro, e esta carregava uma menor e magrinha, usando um robe claramente de magia,
nos braços.

- Elas duas!? C-COMO!?

- A menor matou a maioria em questão de minutos! Com uma grande magia de fogo, como
uma bola gigante que bateu nas árvores sem queimá-las e destruiu a grande e vasta
quantidade de goblins! A maior, depois, acabou com o resto, com flechadas e espadadas! -
Disse o sujeito, impressionadíssimo (mas claro!).

- Pre... precisamos avisar ao rei!!! - Gritou o outro, os dois concordaram com a cabeça e um
saiu correndo para fazê-lo o mais rápido o possível.

No momento em que a destruição dos goblins acontecia na floresta. Alguém, próximo a casa-
árvore de Iluzia, observava a tudo... e sua expressão não era das melhores.

Enfim, Ranik chegava a escada da casa-árvore com Iluzia nos braços. Olhava para pequena
com um tremendo carinho. Seus cabelos loiros tão bonitos caídos sobre a face desacordada.
Tinha dado tudo de si para salvar Veligrad. Iluzia sempre fora assim, bem aplicada, esforçada
e é claro, muito, muito poderosa. Ranik lembrava-se de que uma vez tinha sido derrotada
humilhantemente por aquela coisinha tão mais baixa que si. Mas mesmo que ela tivesse uma
resistência física muito baixa, chegar perto da maga era paraticamente impossível. Por isso,
derrotou-a com a distância e muita, muita magia. Claro que conter a guerreira não era lá
muito fácil também, mas...

- Você não mudou nada. - Disse a guerreira, ainda sorrindo docemente, encarando a pequena
em seus braços.

Agora tinha que subir a escada, e o fez, colocando-a em um dos braços fortes e com o outro,
usou para subir cuidadosamente (para não cair ou derrubar a outra).

Enfim, chegando na casa dela, colocou-a em sua cama, e recostou-se no banco onde sempre
ficava sentada ouvindo os esporros ou os assuntos de Iluzia.

E mais uma vez, a encarou... sua beleza dormindo. Suspirou. Sacudiu negativamente a cabeça.

E então, num leve momento de indecisão... Levantou-se e foi para perto dela. Sentando-se no
chão, logo ao lado da cama, ficava na altura certinha da garota. Agora, “dormindo” de boca
aberta.

Ranik fez carinho em seu rosto com seus dedos grossos e rudes... em contraste com uma pele
tão macia e sensível. Um friozinho percorreu pelo seu corpo.

Só não foi maior que o friozinho que percorreria assim que...

Viu os olhos azuis se abrirem e lhe encararem. A mão macia tocou em cima da mão rude,
antes que ela pudesse (com o susto) retirar-se do rosto onde se encontrava.

- Você tem que se decidir, ok? - Disse Iluzia, incomodada.

- Não sei do que está falando. - Ranik tirou rapidamente a mão do rosto da outra. O toque
realmente lhe causava arrepios.

- Sabe sim... Urgh. - Ela sentou-se, ainda que com dificuldade.

Rapidamente, a mão rude tocou o ombro da loira e a fez deitar, obrigatoriamente, de novo.

- Ei!

- Você precisa descansar, ok? Usou mana demais, não era para estar tentando se levantar. -
Disse a guerreira, com razão.

- Isso é para que você possa ficar me admirando ou me fazendo carinho como estava fazendo,
é? - A loira disse, implicando, com um leve sorriso.
- Sim. Heh. Não, claro que não. - Ranik disse com uma voz baixa, logo depois, um tanto
quanto sofrida. - Foi uma escolha sua...

- … - Iluzia não disse nada dessa vez.

- Eu só... Eu só sinto carinho por você agora, ok? Somos amigas. - Disse a grandalhona, e
então, ficou de pé novamente e se espreguiçou.

- Acho que está precisando beber. Vá na taverna, fale com Sekhs e encha a cara de cerveja, e
por favor, me deixe dormir. - Disse a loira, ainda com o sorriso, porém, virando-se pro lado
(deitada).

- Ok, mas... Estou sem a minha grana, você está com toda ela, e...

- Pegue na parateleira ao lado das poções contra congelamento. Está dentro de um vaso...
waaahh! - Ela bocejou. - Eu sempre coloco ali.

- Ok. - Ranik foi andando até a parateleira, pegou o vaso que estava estranhamente leve e o
abriu.

E o que tinha ali dentro não era dinheiro, e sim um bilhete dobrado...

“Peguei seu dinheiro. Sim, todo ele. Se quiser vê-lo de volta, tem que mandar Ranik encontrar-
me na Caverna de parata às oito da noite. ESSA noite. Sem falta, senão nunca mais irá vê-lo.

PS: Ela deverá ir SOZINHA.

Ass: Noctana, a assassina”

Ranik ficou sem palavras!

08. O CÍRCULO DA MORTE

Ranik adentrou a Caverna de parata. Ela não ficava tão distante assim da floresta, da casa-
árvore da maga loira e da cidade de Veligrad.

Eram oito da noite. Iluzia ainda dormia, e provavelmente, dormiria por um dia inteiro, afinal,
tinha perdido mana demais. Óbvio que a guerreira nem cogitou a possibilidade de acordá-la
para falar do dinheiro. Pretendia recuperá-lo com a assassina (se é que isso seria possível) o
quanto antes dela despertar.

O caminho tortuoso que levava até o centro do local estava já cheio de goblins mortos. Pelo
visto, eles não se ateram apenas em invadir o campo aberto, mas também foram para as áreas
subterrâneas ao redor. Por sorte, e era óbvio, Noctana já havia cuidado deles antes.

E enfim, chegou no que seria o espaço principal dentro da caverna, que era bem grande até e
haviam algumas poucas tochas iluminando (mas ainda não era aquele incrível exemplo de
iluminação, ainda mais de noite e dentro de uma caverna).

Noctana encontrava-se lá também, parada, de pé, virada para a parede, de costas para
guerreira que chegava. Em seus pés, apoiada no chão, uma grande sacola de pano parecendo
pesada.

- Noctana... - Disse Ranik, com uma voz meio temerosa. Não entendia ainda porque a
assassina fez o que fez, nem mesmo como ela conseguiu (por exemplo, descobrir a seu respeito
e a respeito de Iluzia), mas sentia-se mal com isso tudo... Não por ela ter feito o que fez, mas
por não gostar da sensação de vê-la como vilã de alguma forma.

Enfim, a assassina virou-se, sem separar seu pé da sacola, e já com as mãos nas adagas.

- Por que fez isso? O que quer comigo!? - Disse a guerreira, ficando ainda mais incomodada.

- Era a única forma de te reencontrar de novo e sozinha. - Disse a assassina, retirando as mãos
das adagas, finalmente, fazendo Ranik ficar confusa e levemente... estranhada.

- Você poderia ter me chamado para beber, sei lá. - Disse a grandalhona, coçando a cabeça.

- Não. Nada de tavernas, cidades, florestas... As paredes têm ouvido. - Disse a ladra, e então,
foi andando na direção da guerreira, finalmente deixando a sacola para trás.

Ranik notara com os olhos e a assassina percebeu isso.

- Quer pegar o dinheiro e ir embora? Vá. - Disse ela, virando-se de lado e apontando para
sacola com a mão aberta.

- Não. Quero saber porque me chamou aqui. - Disse a grandona encarando a assassina, ainda
importunada.

- Ok. - E então, Noctana continuou a se aproximar de Ranik.

A grandona ficou um tanto quanto apreensiva... Deveria pegar a espada? Sim? Não? Não
sabia.

Ela chegou bem, bem perto. Coisa de 5 cm de distância apenas. Ranik respirava
descompassadamente. Ela era tão pequena perto de si. Era esquisito. O que ela ia fazer...
Quase dando um passo para trás (não, dando mesmo), a guerreira disse:

- O que você vai...!? - Mas antes que pudesse fazer algo...

A mão de Noctana encheu-se com uma energia avermelhada (mana) e ENTRANHOU-SE no


abdome de Ranik!!!

Mas isso aconteceu, como se a mão da assassina tivesse perdido a forma física, ou seja, se
tornado totalmente intangível.

E quando isso rolou, mais uma vez... Ranik viu-se afundada em ilusões e memórias.

Porém... desta vez...

Não eram as dela.


Várias criancinhas. Todas elas com roupas rotas e sujas. Chorando. Pobres e famintas. Uma
casa enorme caindo aos pedaços. Muito velha e deteriorada. Cheiro de mofo. Cheiro de
sangue.

De repente...

Vários corpos no chão. Várias pessoas mortas. Várias crianças também... Poças e poças de
sangue.

E então, ela enxergara...

Era um mago negro. Seus cabelos longos e escuros. Seus olhos demoniacamente vermelhos.
Seu sorriso. Sua pele pálida de morte. Suas vestes negras e vermelhas esvoaçantes, com uma
marca de um crânio com patas de aranha e chifres.

O que era aquilo?

Risos...

Ele ria, enquanto todos os corpos sangravam ao seu redor. Todas aquelas crianças... Todas
elas.

E então, Ranik viu apenas uma. Uma garotinha. Sozinha. Jovem. Pele escura. Olhos verdes.
Cabelos negros. Rosto desolado. Corpo todo sujo de sangue. Mas ali no meio dos corpos, ela
era a única viva...

Exceto por... seus olhos.

Eles estavam vazios. Frios.

Mortos.

De repente, Ranik voltou a si. Estava caída num canto da caverna. Sentou-se numa rapidez e
olhou pro lado. Noctana estava ali, sentada ao seu lado, mexendo na bolsa (que fora fechada
no mesmo instante novamente).

E para sua surpresa...

A assassina não mais usava sua máscara e capuz. Sim, ela finalmente tinha retirado os
mesmos.

E era... Muito bonita. Muito, muito bonita mesmo. Seus traços leves e delicados contrastavam
com suas habilidades mortíferas (que Ranik já havia presenciado). Sua pele negra ficava
ainda mais bonita na escuridão da caverna, iluminada apenas pelas tochas ao redor, dando ao
ar um clima um tanto quanto... acolhedor!? Seus olhos eram tão verdes, tão fortes... Mas eles
Ranik já conhecia. Seus cabelos negros repicados e curtos, caíam em sua face, dando um
toque a mais para garota. Ela realmente parecia novinha... 19 anos mesmo, como haviam dito,
provavelmente.
Ranik ficou uns bons e longos minutos olhando para ela. Não só porque admirava sua beleza
(isso também, bastante até), mas porque ela lhe era... familiar.

A garotinha... a garotinha de olhos mortos no meio do sangue e dos corpos.

A guerreira começou a tossir do nada, como se tivesse engasgado com alguma coisa. A verdade
é que ficara enjoada... só de sentir de novo o cheiro de sangue, como se estivesse ali, naquele
instante.

Fora realmente traumatizante.

- O que... Cof cof! O que foi isso...!? O que você... Cof cof! O que fez comigo!? - Perguntou ela,
ainda que com dificuldade.

- Hah. - Soltou Noctana, amarrando a sacola de pano, sem parecer se importar muito com o
que havia acontecido. - Te mostrei um pouco do... do que aconteceu comigo há uns 10 anos
atrás.

- É... Realmente horrível. Foi horrível, mas... Por que fez isso? Por que eu? - A guerreira
perguntou, ficando um tanto triste por entender que a garotinha fora realmente Noctana. Mas
quem era aquele mago? Quem eram aquelas crianças? Tudo ainda estava confuso, apesar de
sentir claramente aquela sensação de... tristeza, abandono, mágoa... e ódio, vingança, enfim,
vários sentimentos ruins e pesados ao mesmo tempo.

- Porque... Não é porque você é especial ou coisa assim! Não se sinta importante! - Disse a
assassina, deixando Ranik meio triste com essa resposta, mas ela continuou. - Eu sei apenas
que você virou mais um alvo deles...

- “Deles”? - A guerreira disse, finalmente, levantando-se. A mão na barriga. Aonde a assassina


havia penetrado a magia da “regressão” estava ardendo um pouco agora.

- Os magos negros. Eles estão formando uma espécie de organização faz uns longos anos,
como eu disse, esse apareceu para mim há 10 anos atrás. Desde essa época, eles já estavam
juntos. Os planos deles... Eu não sei. Mas eu sei que um deles era aquele da caverna que
transformou o vendedor em Goblin. E eu sei que foram eles que enviaram esses monstros
para cá também. - Noctana levantou-se também, e fechou o punho, parecendo bem
determinada. - Eu vou descobrir atrás do que eles estão e eu vou pará-los, custe o que custar!

- … - Ranik ficou em choque. Não sabia se era por medo, pelas lembranças, pela causa toda
ou por pura e simples admiração.

- Como eu te disse, você está envolvida. Eles estão atrás de você também. Diferente de mim,
você não se esconde nas sombras, está exposta. Eles já sabem que frustrou os planos deles
mais de uma vez. O medalhão e depois o mago negro da Mina de Lótus. Por que acha que eles
mandaram os Goblins para cá? - Noctana continuou dizendo. Ranik nunca ouvira sua voz
tanto assim como nesse momento. Pena que o assunto não era muito bacana...

- para destruir Veligrad!?

- Dentro de uma Caverna próxima!? Eles estavam atrás de você, Ranik. - Ao ouvir seu nome
sair da boca da garota, deu um leve friozinho na espinha da guerreira.
- Mas como sabiam que eu estava aqui!? - Perguntou ela, incomodando-se um pouco com tudo
isso. Era muita informação em pouco tempo.

- Como eu sabia? - Disse Noctana com cara de “ah é mesmo?”.

- Erm... - Ranik inspirou bem fundo, e então, disse. - Ok, o que eu posso fazer para resolver
isso!?

- Me ajude a enfrentá-los! - Disse Noctana, ainda decidida. Até que ficando um pouco sem
jeito corrigiu. - Não junto comigo, claro. - E continuou ditando. - Mas do seu jeito. Você já
procura missões para ganhar dinheiro mesmo, aproveite e enfrente casos obscuros e sombrios.
E é claro, se resguarde. Eles vão continuar vindo em massa atrás de você. Podem até mandar
mais magos. Eu não vou estar sempre lá para salvar sua vida.

- Háh! E eu nem lá para salvar a sua... Não esqueça da situação do medalhão! - Disse a
guerreira, rindo-se. Noctana deu um tapinha em sua barriga onde ardia. Doeu. - Urgh!

- Precisa ficar atenta. Precisa sair do mesmo lugar. Não deve ficar tanto tempo parada...
Amigos seus também podem estar em risco. Enfim, não tenho mais o que dizer... Acho que já
sabe até demais. Sobre meu passado... - Noctana disse, abaixando a cabeça, meio
nervosamente.

- O que era aquilo? Quem eram aquelas crianças? Por que aquele mago pareceu ter feito
aquilo... mas por que só você sobreviveu? Era você naquela lembrança, não era? Por que você
também estava suja de sangue? - Perguntou Ranik, tudo de uma vez, meio desesperada.

Noctana fez uma cara infeliz e então, sem dizer mais nada, cobriu sua face com a máscara e
sua cabeça com o capuz...

E sumiu nas sombras, dizendo por fim:

- Eu já disse o que tinha que dizer. Fique atenta!

Ranik suspirou de frustração. Queria falar mais com ela afinal, tentar entender aquilo tudo.

E por algum motivo, ter sua presença perto (conversando e tudo o mais) era um tanto quanto
reconfortante. Ela segurou o braço, sem jeito. Não que Iluzia tivesse razão, mas...

- Dane-se. Vou pegar o dinheiro e voltar lá para casa-árvore. Não quero que Iluzia fique em
perigo enquanto dorme. - E então, foi pegar a sacola.

Pesado demais. Pesado demais para dinheiro que era guardado em um pote.

Abriu a sacola e encontrou uma pedra... E outro bilhete.

“Um motivo para me ver mais algumas vezes.”

- Urgh... Filha da mãe!

09. ASSUNTOS REAIS


Totalmente frustrada por não ter conseguido a grana de volta, Ranik finalmente chega na
casa-árvore de Iluzia. E bem quando ia subir as escadas, escuta passos pesados atrás de si, e já
vira com a arma na mão, preparada.

- Hahaha! Em estado de alerta, né? O que se esperar de uma guerreira como você!? Nada
diferente! - Disse o sujeito com a voz grave. Sua estatura era enorme (uns 2 metros). Ele
conseguia ser maior que Ranik e isso era uma raridade.

O cara era um monstro de tão forte. Dreads castanhos, pele parda, forte demais, olhos azuis
(sim, azuis, contrastando totalmente com o resto). Uma cicatriz atravessava seu olho
esquerdo, mas não havia conseguido cegá-lo (provavelmente não atingiu o objetivo). Ele usava
uma enorme armadura de aço com o símbolo do reino de Veligrad (o brasão) talhado em seu
peito à mostra. Um sorriso enorme ele portava.

Enquanto todos aqueles guardinhas armadurados atrás de si, seguravam suas lanças, arcos e
espadas, com medo de alguma coisa, e completamente calados.

- Quem é você? O que quer? - Ela viu o brasão, finalmente. - É do reino?

- Sim, adivinhou! Eu sou o comandante da guarda real, Sir Mysic! Ouvi dizer que seu nome é
Ranik. E que... - Ele olhou para cima, para casa na árvore (dentro da árvore). - Essa casa
pertence a uma maga chamada Iluzia! Está correto?

- Ahm... Sim. - Ranik coçou a cabeça meio incomodada. - Deixa eu ver, vocês tão aqui pelos
Goblins, né? Bom, eles não são mais uma ameaça. Podem ficar tranquilos.

- Sim, a gente reparou. Vocês duas que deram conta deles, né? - O líder do exército disse,
apontando com um dedo para Ranik como uma arma e piscando um olho. Era bem faceiro.

Se fosse em outra situação, provavelmente, a guerreira se daria bem com ele. Mas agora, era
difícil, considerando seu estado de preocupação.

- Ahmmm... Sim. Foi meio difícil, mas... - E então, fora interrompida pelo cavaleiro
empolgado.

- Goblins! Não é estranho que eles tenham aparecido de novo!? Vamos lá, eles foram extintos
desde a última guerra que aconteceu há... Sei lá, uns 10 a 20 anos atrás! - Continuou o
cavaleiro real a dizer, Ranik não entendia onde ele queria chegar.

- Pois é. A gente ainda não faz ideia do que seja. Só ajudamos Veligrad, só isso. De nada. - A
guerreira disse, bem cara-de-pau.

Mysic deu um risinho.

- Eu fui com a sua cara mesmo. Enfim... - A guerreira quase soltou um “mas eu não fui com a
sua”, só que se segurou. O cavaleirão perguntou. - Vocês duas se incomodariam de nos seguir
até o Rei? Ele quer falar diretamente com vocês.

Ranik arregalou os olhos. Como assim o rei queria falar com elas!?

As duas eram só...


Bom, ela era uma guerreira mercenária que ficava fazendo bicos por aí para ajudar a maga
com a grana (porque ela tinha esse projeto e... bem...).

Enquanto Iluzia era apenas... Iluzia. Tá certo que ela era super poderosa, mas era aquela
“bostinha” de um metro e meio que só sabia gritar e lhe dar esporro.

O que o Rei queria com elas? Será que eles achavam que elas tinham algo a ver com o
aparecimento dos Goblins?

Urgh... Não teria para quê, afinal, elas os mataram, né? Ranik suspirou profundamente.

- Olha, eu até posso ir com vocês, mas a Iluzia está muito exausta, e por isso, está dormindo.
Ela gastou muita ma... - Mas antes que pudesse terminar de dizer, rapidamente, uma
cabecinha loira surgiu na portinhola lá em cima, olhando lá para baixo.

- QUE CONFUSÃO É ESSA AÍ!? - A vozinha gritou de lá. Até que ela notara os cavaleiros
com brasões do rei. - Quê!?

E desceu num vôo rasante, quase dando uma cambalhota escada abaixo. Ranik lhe segurou e
a pôs no chão, com ela meio corada, claro. Não foi a melhor apresentação, no entanto...

Sir Mysic começou a rir e bater palma. Os outros guardas encolheram-se, frangotes.

- Hahahah! Vocês duas trabalham muito bem juntas, sabia!? É visível! - Disse o homenzarrão.
Ranik suspirou de novo, ela não gostava da atitude presunçosa dele. Soava... falsa. Ele era
muito feliz para ser verdade.

E ela tinha um pouco de preconceito de guardas reais também.

- Erm... Posso perguntar o que está acontecendo aqui!? - Perguntou a maguinha, que apesar
dos pesares, não se intimidava de todo mundo ao seu redor ser maior que ela de todas as
formas possíveis.

- Ah, estou só falando a sua amiga que o Rei quer ver vocês. É uma intimação oficial para
comparecer no castelo dele, por isso, viemos buscar vocês. - E quando o cavaleiro disse isso,
Iluzia ficou boquiaberta.

- O... O REI!? - Disse ela, um tanto quanto animada demais (Ranik percebeu isso).

- Só me explica uma coisa... Por que mandar tantos guardas só para nos levar ao Rei? Somos
só duas garotas. - Disse a guerreirona, e então, o cavaleirão deu uma gargalhada e um tapão
em suas costas “amigável” (mas os dois eram mamutes, logo...). - Urgh.

- HAHAHAHA! Filha, com o que vocês fizeram com os Goblins, não se é de admirar que as
medidas de segurança necessárias fossem ser tão exageradas, né!? Por favor... - E então, ele
pareceu ter ficado sério de novo, do nada. - Nos sigam, por favor.

- Ahm... - Ranik olhou para Iluzia, ainda meio estranhada. Mas os olhos azuis-claros da
garota brilhavam de emoção por estar indo conhecer o Rei de Veligrad (ou seja, o rei de todo
um enorme império), ao vivo, pela primeira vez.

---
Finalmente chegaram a sala real. E como esperar de uma sala real, era enorme, bem decorada
(quadros, tapeçaria, cortinas, estátuas...), bem iluminada, bem “nobre”, e enfim, tinha o
grande trono cravado de brilhantes do Rei. E lá ele já estava, sentado.

Era um sujeito de idade já com uma coroa em sua cabeça, barba e cabelos grandes e
brancos(não muito, nenhum dos dois). Ranik teve uma impressão engraçada, pois, antes de
ser Rei, ouviu dizer, ele era um guerreiro. A primeira vez que o vira em um comício, quando
pequena, ele era enorme e parrudo. Ou ao menos, é o que tinha parecido. Agora, sentado ali,
ela percebia o quanto enorme e parruda era ela e o Sir Mysic.

- Bem-vindas, guerreira Ranik e maga Iluzia, ao meu castelo real. - Disse o Rei de Veligrad.

- Ahm... Obrigada. - Disse a guerreira sem saber muito o que fazer ou dizer, sem jeito.

- OBRIGADA! OBRIGADA! - Disse uma maguinha de meio metro super animada.

- Vocês sabem porque estão aqui? - Questionou o rei, e então, Ranik deu uma grande
inspirada antes de tentar dizer...

Tentar, porque, não conseguira com Iluzia agitada lhe interrompendo:

- PORQUE MATAMOS GOBLINS E VAMOS SER PARABENIZADAS!? - Disse a loira,


ouviu-se no fundo a risadinha do Sir Mysic, achando tudo muito engraçado.

Ranik passou a mão na face, de vergonha.

- Bom, também. Parabéns por sua ajuda pela segurança e estabilidade social da nossa amada
cidade. - Disse o Rei, Iluzia quase deu gritinhos de contentamento. Ranik gostaria, por um
instante, que ela lhe tratasse dessa forma também.

- Também? - Ranik perguntou, achando tudo muito esquisito.

- Precisamos conhecer melhor contra que inimigo estamos lutando... Afinal, os Goblins
haviam sido extintos, não era para essas criaturas terem surgido de novo e se tornado, mais
uma vez, uma ameaça para os seres humanos. - Disse o Rei, finalmente.

Ranik soltou uma risadinha sarcástica:

- Você... - Os cavaleiros lá atrás pigarrearam. Ranik corrigiu-se. - Vossa Excelência não acha
que nós duas estamos envolvidas com o retorno desses seres, não, né? Porque se fosse, a gente
mal teria matado eles!

- Ah, não, de forma alguma. - O Rei disse, com um sorriso mais agradável. - Não estamos
acusando vocês duas de nada, mas... Pelo poderio que vimos vocês demonstrarem na luta
contra esses seres. Acreditamos que vocês possam se tornar... a melhor arma no combate a
essas criaturas, caso este horror esteja se repetindo de novo, como há 15 anos atrás.

Ranik fez uma cara de surpresa.

O que isso queria dizer!?


---

Enquanto isso, bem longe dali, em uma cidade chamada Divjina, que mais era um deserto
morto e sem fim. Onde a areia era escurecida e nada com vida sobrevivia por muito tempo...
ao menos, aparentemente. Um portal vermelho surgia e de dentro dele, uma pessoa saía.

Era a assassina das sombras, Noctana, ela mesma (Noctana Mello... zoa).

E em sua frente, apesar de quilômetros e quilômetros de grande nada e vazio, jazia algo
incrível para aquela paisagem...

Uma enorme torre de metal negro. E era para ali que a assassina iria, mas é claro.
Rapidamente, com as adagas já em punho, olhando para um lado e para outro, ela adentrou
na enorme construção macabra.

10. NA TORRE DE METAL

O lugar era escuro por si só. Que bom que ainda tinha um pouco de mana para poder usar... e
ela o fez. Seus olhos foram cobertos com aquela mana vermelha, permitindo que pudesse
enxergar um bocado melhor no escuro. Não 100% como um elfo ou um cachorro, mas ainda
sim, ajudava demais.

Atravessou compridos corredores cheios de ferragens e lixo. Será que haveria algo ali que
procurasse? Era sua única escolha, um tiro no escuro.

Subiu o primeiro par de escadas pro próximo nível. Ali estava um pouco mais arrumado,
ainda muito escuro, ainda tinha ferragens, mas muito menos. Encontrou alguns objetos de
parata, guardou-os na sacola de pano. Precisava tirar algo de bom daquilo caso a missão fosse
um completo fracasso. Subiu o próximo par de escadas indo pro terceiro piso.

E estranhamente, esse estava totalmente arrumado, diferente dos outros. E havia essa porta
completamente cheia de trancas e madeiras trancando-a e impedindo a passagem.

Se havia algo que aprendera em seus anos de ladina (pelo menos 10), onde havia muita
proteção, era porque era valioso. Informações importantes ou mesmo pertences
insubstituíveis (ou simplesmente muito caros). Alguma coisa devia ter naquela sala...

Mas achou melhor, primeiro, conferir os outros dois andares. Portanto, subiu, deixando
aquele para depois.

Na sala seguinte, a baderna voltara. Mais ferragens quebradas... que estranho, um andar
apenas vazio. Provavelmente toda a segurança ficou concentrada ali. E isso só aumentava o
valor do lugar.

Finalmente, último andar. O único que estava um pouco mais iluminado, mas como
imaginara, nenhuma alma viva ao redor. Deu uma andada por ali, percebeu que havia alguns
binóculos acoplados às janelas, deu uma olhada, dava para ter uma visão geral lá debaixo, o
suficiente para acertar flechas ou talvez armas de chumbo. Suspirou.

E de repente, tomou um susto, porque ouviu um som atrás de si. Rapidamente, como um gato
arredio, puxou as duas adagas e apontou-as para a direção do barulho, em meio ao breu.
Pressentiu algo, e então, um trombo. Correu na direção e...

Era Tanak. Estava usando sobretudo e capuz com máscara, assim como ela. Ela suspirou de
novo, dessa vez frustrada, com raiva.

- O que diacho está fazendo aqui!? - Perguntou, irritando-se com o dono da taverna da guilda
dos ladrões.

- Erm... Vocês e essa nova “tecnologia”, né? Fui tentar usar o maldito portal e acabei caindo
em um monte de tralha velha. Não sabia como controlar onde essa merda tinha que aparecer...
Droga! Estou perdendo o estilo! - Disse ele, limpando suas roupas sujas de poeira.

- Não foi isso que perguntei! - Ela correu e rapidamente, colocou a adaga no pescoço do
homem, que segurou-a na lâmina, desesperando-se.

- Hey! Tem que parar com isso! - Disse ele, assustado de perder a cabeça.

- Perguntei o que faz aqui, responda rápido antes que eu suje minha adaga com seu sangue
imundo! - Ela continuava, furiosa. O que menos queria era chamar a atenção.

Diziam... Se os Goblins chegaram ao ponto de aparecer paras terras de Veligrad, imagina


naquele lugar amaldiçoado, Divjina. Mas por sorte, ainda não tinha chamado a atenção de
nada... por enquanto. E pretendia continuar assim.

Mas não com aquele idiota por perto, provavelmente!

- Certo, certo! Eu vi que estava vindo para cá e percebi que, provavelmente, isso teria algo a
ver com suas novas missões sobre... como é? Coisas ocultas! E eu achei que pudesse ajudar, sei
lá... Deve ser algo emocionante e talvez... muito valioso!? - Disse ele, fazendo “tanto faz” com
as mãos.

Ela tirou a adaga de seu pescoço, mas disse, ainda com ódio:

- Não compro o que disse. - Disse ela, irritada. - Faça outro portal e vá embora, senão eu te
mato aqui mesmo.

- Ahnnn... Erm...

- O que está esperando?

- Estou... sem... mana? - Disse ele, ainda fazendo a expressão de “sei lá” com as mãos.

- Urgh... - Grunhiu Noctana com raiva. E então, virou-se para fazer um outro portal, só que...

Ele começou a correr em direção das escadas. Ela ficou furiosa e foi atrás dele.

Correr fazia barulho e chamava a atenção...

A assassina o perseguiu até o piso abaixo e o viu fugir pro outro, o piso importante. Pensou
com fúria de si mesma:
“Se eu tivesse o matado assim que o vi, evitaria isso! Por que amoleci?” e então, do nada,
surgiu a imagem da guerreira enorme na sua cabeça, Ranik. De repente, sacudiu-a tentando
não pensar bobagens inúteis no momento.

E então, quando desceu a escada pro andar importante...

Ouviu um estrondo, seguido por um barulho bizarro. Quando finalmente pôde olhar, os olhos
verdes arregalaram-se de horror.

Um monstro enorme, mais parecido com um troll que com um Goblin. Ele era de um
amarronzado quase preto, com caroços no corpo todo, uma cara horrorosa de olhos
amarelados e dentes pontiagudos que saltavam para fora da boca, assim como aquela baba
que agora caramelizava-se com sangue.

O monstrão tinha pego o corpo de Tanak pelo dorso e... Mordeu sua cabeça fora, mastigando-
a, com gosto.

Noctana continuava com os olhos arregalados, escondida atrás da sacada de escadas,


encarando a figura.

Pelo visto, era isso que estava dentro da sala, que fora arrombada (a porta) com trancas,
madeiras e tudo junto. E no lugar, restara apenas um enorme rombo gigantesco, por onde a
criatura passara.

Sua cabeça arrastava-se no teto enquanto ela andava, ela era lenta e meio burra, mas pelo
visto, se fosse pega, já era.

“Será que era só esse bicho que havia ali dentro ou... ele também faz parte da segurança?”
pensou ela, analisando melhor o território por dentro do rombo, também bem iluminado.

Parecia um escritório. Isso mesmo, um escritório. Alguns poucos móveis de arquivos. Estante
com parateleiras recheadas de livro. Uma mesa tipo escrivaninha com alguns papéis em cima,
pelo visto. Cadeira. Leve iluminação...

Noctana continuava vendo o Troll, que tinha largado o corpo sem vida de Tanak no chão
(depois tendo pisado em cima dele, esmagando-o), andando para um lado e pro outro,
cheirando e cheirando. Sim, era como se ele estivesse tentando farejá-la. Talvez o cheiro do
sangue do outro impedisse, sem contar o fato dela ter já andado pelas ferragens, fazendo seu
cheiro confundir-se com a poeira natural do lugar.

Mas a tensão cortava o ar!

A assassina puxou uma de suas pequenas adagas para lançar (não as que usava para lutar
normalmente), mirou do melhor jeito que pôde e... acertou a iluminação apagando-a.

O Troll ficou apreensivo com o barulho do vidro quebrando-se, e começou a procurar com
mais afinco a situação.

Com uma agilidade sobrehumana, Noctana deslizou por trás dele (e algumas pilastras) e
finalmente alcançou o buracão. Adentrou o mais rápido o possível, escondendo-se atrás da
parede mais uma vez.
Pôde finalmente respirar normalmente...

Foi andando agachada e vagarosamente até os arquivos. Tinham trancas. Começou a


arrombar um, quando abriu a gaveta viu... Não havia nada ali. Parecia que já tinha tudo sido
limpo. Sacudiu a cabeça furiosa.

E então, dirigiu-se até a parateleira de livros... Nenhum deles parecia tão interessante assim. E
o único cujo título lhe chamou a atenção: “As hordas negras”, pelo visto, estava escrito em
umas runas bizarras. Resolveu roubá-lo mesmo assim, colocou dentro da sacola.

E por fim, foi dar uma olhada nos papéis que notou espalhados pela escrivaninha.

Um monte de coisas escritas sobre algum tipo de projeto com seres humanos... Talvez tivesse a
ver com o mago negro que conseguira transformar o camponês num goblin. Provavelmente.

Viu algo sobre pequenos buracos negros abrindo-se no Allas todo... Bom, isso explicaria um
método mais rápido e fácil de se conseguir monstros que simplesmente transformar as pessoas
neles. Talvez esse plano já tenha sido concretizado também. Afinal, muitos Goblins na floresta.

Resolveu que não daria muito tempo de ver tudo. Pegou a papelada e enfiou na sacola. Porém,
em meio a ela... uma foto caiu no chão.

Sim, uma fotografia.

Algo que não havia exatamente naquele tempo (pois é...). Noctana não fazia ideia do que era
aquilo, mas parecia magia. Uma imagem de pessoas talhada tão perfeitamente em um pedaço
de papel velho e amarelada. Era como se fosse uma pintura, só que tão verossímil que não
fazia sentido ter sido pintada apenas.

Ela pegou a imagem e encarou-a analisando...

Então, seus olhos arregalaram-se.

Eram pelo menos 5 guerreiros de armaduras negras. 3 homens e 2 mulheres. Havia algo...
esquisito neles. E logo ao seu lado, pelo menos uns 4 magos negros.

Um dos magos era...

Sim, o mago de cabelos longos e negros.

Noctana sentiu o cheiro de sangue mais uma vez. Sua cabeça girou do nada. Ouviu o choro
das crianças mortas. Colocou a mão na cabeça. A risada do infeliz. Cheiro de morte...

De repente, ouviu um barulhão atrás de si...

- GROAAAAARRRR! - O rugido da criatura.

O Troll havia lhe encontrado dentro da sala. Olhou pros dentes arreganhados e a cara de ódio
do ser que lhe olhava também, horrorizada.

11. EMBATE DE TITÃS


Finalmente, fora do castelo do Rei de Veligrad, Ranik e Iluzia estavam sendo guiadas por Sir
Mysic através do que chamavam de Acampamento da Guarda Real. Sim, eram onde os
cavaleiros do rei dormiam, comiam, treinavam e enfim, moravam.

Iluzia ainda parecia animada, ainda que estivesse menos, é claro, não estava mais falando com
o Imperador de quase Allas toda. Ainda sim, estava nas áreas fechadas para nobres e
cavaleiros reais de Veligrad, então ainda era interessante para si.

Ranik quase bocejava de tédio. A verdade é que, como já fora dito antes, não era apegada a
nada real, principalmente guardas. Não que fosse uma fora da lei, não era, era uma pessoa
bastante ética na verdade. A questão é que... tinha más lembranças sobre isso.

- E por fim, é aqui que treinamos! - Disse o Sir, como se aquilo fosse realmente importante.
Mas a guerreira percebera que não era.

- Ok, pare de encher linguiça! - Disse, chamando a atenção do grandalhão. - para que
precisam de nós contra os Magos negros e seus Goblins de estimação!?

- Bom, foi o que o Rei disse. Vocês serão uma peça importante no nosso quebra-cabeças. São
muito poderosas, podem ajudar na luta, a defender a cidade, investigar o caso e tudo o mais.
Só que é claro... Precisam estar melhor preparadas para isso! - Disse o Cavaleiro com o dedo
em riste, como se explicasse algo para leigos.

Ranik com cara de nada:

- Melhor preparadas? Por isso que trouxe a gente aqui pro seu cafofinho? Olha, vou te dizer
uma coisa, ainda que vocês tenham reconhecido nossa força, legal, bacana, você está nos
subestimando achando que precisamos ser treinados por vocês ou coisa assim. Ainda somos
guerreiras mais fortes que todos seus guardinhas juntos! - Sim, a grandalhona disse isso. A
maga fez uma cara de “Que porra que pensa que está fazendo, Ranik!?”, mas a outra a
ignorou veemente.

Mysic levantou a sobrancelha puto. Sim, putíssimo, pela primeira vez, e demonstrando. Ranik
quase pôde soltar um sorriso sarcástico de vê-lo finalmente não tão bonzinho assim.

- Se é tão forte assim, então... - Mysic retirou uma espada de suas costas, sacudindo-a e
entrando em pose de luta. Mas não era uma espada qualquer, era uma greatsword (espada
gigante de duas mãos) com um dragão flamejante desenhado na lâmina. - Pode me derrotar
numa luta, né!? Se puder, não vai precisar treinar com a gente e nem nada do tipo! Já vai ser
liberada para enfrentar a primeira missão real de vocês!

- Missão real!? Pffff... Nós nem ao menos aceitamos alguma coisa! - Disse Ranik, e então,
desembainhou sua bastardinha também. - Bem, eu aceito te enfrentar, se é isso que você quer!
Mas não se arrependa caso sofra humilhação na frente dos seus subordinadinhos da guarda
real!

- Gente, gente! Não! - Era Iluzia, no meio dos dois, com os braços abertos num sinal de pare. -
Nós aceitamos, sim... Se acham que precisamos de treino, então nós vamos trei...

- Não vamos, não! - Disse Ranik, e então, deu meia volta na sua “amiga” correndo, e
preparou-se para atacar Mysic.
A espada bastarda bateu na lâmina da outra, que defendera tranquilamente. Nem um
arranhão.

Enquanto a espada de Ranik, bem posicionada podia perfurar um pulmão do sujeito, a dele
era muito mais severa. Girando daquele jeito, como um bumerangue, ou qualquer merda do
tipo, ele podia cortá-la no meio como um grande pedaço de carne.

Ela saltou, pulando a lâmina que quase tocou em seu corpo. Iluzia só arregalou os olhos
horrorizadas.

- Vocês dois... P-parem! - Dizia a loira, em desespero.

Mas eles continuavam lutando. E logo, um círculo de guardas, alguns armadurados, outros
com roupas largadas de descanso, rodearam os dois lutando, para assistir. Eles torciam, a
grande maioria, é claro, para Sir Mysic. Iluzia era a única que não estava curtindo o momento
ali.

De repente, Ranik retirou seu arco e numa distância média, começou a atirar flechas seguidas
no homem. Ele defendeu umas 3, mas uma acertou seu braço. Ele gemeu de dor, assim que um
filetezinho de sangue escorreu. Era interessante, a guerreira acertara bem no espaço entre sua
armadura metálica.

- Hehehe... - Riu a guerreira, mas o sujeito ficara ainda mais puto.

Girando e girando com a espada gigante. Até alguns cavaleiros precisaram se afastar um
pouco mais para não serem atingidos também. A espada veio em cheio na perna de Ranik,
que defendeu com a sua espada. Mas o corte chegou a acontecer.

- Urgh...

- Eu disse para pararem!!! - Iluzia continuava insistindo.

A mão de Ranik encheu-se em mana e então, passou por sobre a perna, curando-a em um
nível baixo (cura fraca), e depois passando pela lâmina da espada bastarda, que então, ficava
daquela coloração vermelho-sangue (como ela fez com as flechas lá no começo hehehe).

E enfim, foi correndo de encontro a Mysic para atacá-lo mais uma vez. Em sua face, um
sorriso diabólico com sede de sangue.

E então, as espadas se digladiaram. Os dois fazendo uma força monstruosa. para Mysic era
incrível que aquela espadinha bastarda frágil estivesse aguentando sua lâmina real cara a
cara, considerando que devia já tê-la quebrado faz tempo. para Ranik era incrível que a
lâmina real ainda não tivera se desgastado e quebrado com a presença de sua magia de
poderio e endurecimento sobre a lâmina da bastardinha. Mas os dois estavam sedentos por
uma vitória, só que...

- EU DISSE para PARAREM!!! - E então, uma explosão fortíssima, que jogou todos para
trás, inclusive Ranik, Mysic e é claro, todos os cavaleiros ao redor que assistiam.

Quando eles foram olhar, levantando-se do chão, em meio ao mar de poeira finalmente se
dissipando, e tossindo, eles viram que...
A explosão tinha obviamente sido causada pela maga num acesso de raiva.

- Des... desculpem. Mas eu... Eu queria que parassem. - Disse ela, sem jeito. Ranik deu umas
risadas, enquanto levantava-se. Mysic não estava nada feliz.

...

- Existe uma torre de metal negra no meio da cidade de Divjina. Pelos cálculos do mago real,
uma das fontes fortíssimas de energia negra de todo Allas vem de lá. Então, acho que é um
lugar bom para começarem. - Disse o Sir, com um mapa na mão, apontando-o para as duas.

- Hehehe. Teve que desistir do treino real... hahaha! - Ranik continuava zombando, Mysic deu
um grunhido.

- Erm... Então, o que temos que fazer na tal torre? - Iluzia perguntou, interrompendo a
possível discussão dos dois. E sim, os cavaleiros desistiram de treiná-las depois da amostra de
energia absurda da maguinha.

- Encontrar quaisquer documentos importantes que ainda possam estar lá e é claro, lutar com
quaisquer monstros bizarros que possam estar naquele território. - Disse o Sir, já com sua
espadona guardada nas costas fazia alguns minutos.

- E você, vai ficar fazendo o que enquanto isso!? - Perguntou a guerreira, incomodando-se.

- Tenho que ficar e proteger Veligrad com a minha vida, ou você acha que vamos permitir
outra horda de Goblins aproximando-se da cidade assim numa boa!? - O cavaleiro disse,
Iluzia suspirou.

A loirinha agarrou o mapa e então, disse, pro cavaleirão e para sua dupla complicada:

- Estamos indo então. Quanto antes melhor, né!? Té mais, Mysic. - Disse ela, como se ele não
fosse ninguém demais (e nem era mesmo, apesar de ser o líder da guarda real de Veligrad).

E por fim, abriu um portal azulado com apenas um movimento de suas mãos.

- Isso vai levar-nos para Divjina, é? - A guerreirona perguntou, curiosa.

- Aham.

- Poxa, tão prático... Por que você não fez isso quando eu fui paras docas? - Perguntou Ranik,
cruzando os braços.

- Porque eu não quero que fique abusada. - E então, as duas partiram.

Mysic ficou encarando o portal desaparecer, enquanto virava-se para os outros guardas que se
comunicavam consigo:

- Acha que elas vão conseguir, Sir?!

- Bem, enquanto a loirinha tiver com a grandona, acho que elas vão ficar bem... Só espero que
não seja tarde demais para conseguir algo sobre isso. - Disse ele, bem mais sério. E logo
depois, sussurrou sozinho para si mesmo. - Ou... cedo demais.
---

Noctana saiu correndo e escorregou por entre as pernas do Trollzão. O monstro virou-se com
uma certa dificuldade e veio correndo em sua direção. Ela deu um chute e jogou um entulho
para cima dele, mas ele apenas segurou-o e destruiu-o com suas mãozarronas fortíssimas.

Os sapatos negros pisaram sobre o sangue molhado de Tanak e ela seguiu para baixo nas
escadas.

“Preciso sair! Preciso ir embora daqui!” pensou a assassina, no desespero.

O bichão vinha atrás, fazendo tremer o chão e o teto, destruindo degraus com sua descida
brusca. Aquela porcaria de torre enferrujada não ia aguentar tanto tempo...

No segundo piso, viu a situação ruir. Uma quantidade muito grande de metal retorcido caíra
no caminho paras escadas que iam pro primeiro andar. O que ela faria agora?!

Numa situação de desespero, porque o bicho logo ali vinha, se escondeu atrás de alguns lixos
de metal. E ficou ali, segurando a respiração como podia. Pegou um pouco das serragens no
chão e passou nos braços, no rosto. Tinha que disfarçar seu cheiro.

O bicho estava ali parado, grunhindo e roncando, enquanto tentava farejar sua inimiga
minúscula.

De repente, um barulhão e todo o entulho de frente da escada era retirado dali num empurrão
rude. O monstro ouviu o barulho, Noctana também, os dois olharam para escada e ali estava...

A guerreira Ranik e a tal da maga loira amiga dela, Iluzia.

12. TRIÂNGULO DE PODER

- Cuidado! - Noctana gritou, parecendo realmente preocupada. Talvez apenas com Ranik,
mas...

O trollzão deu um rugido monstruoso e foi “correndo” para cima das duas (ele não era lá
muito rápido).

A loira levantou a mão criando uma enorme rajada de mana explosiva (como fez lá no lar da
guarda real de Veligrad) que lançou o bichão para trás quase que na direção da assassina,
mas como ela era muito ágil, conseguiu escapulir do golpe.

- Ei! - Disse a assassina, revoltada com o dane-se da maga.

O santo das duas obviamente não bateu. E olha que Iluzia nunca havia a visto antes, mas
percebeu de cara que era a ladina por quem a guerreira encontrava-se obcecada nesses dias.

O troll, obviamente, ainda não tinha sido derrotado. Era forte demais para isso. Logo, ele
levantou-se mais uma vez, e já olhou para... Noctana, revoltado. Era ela quem mais estava
próxima.

Ele tentou lhe atacar com a mãozona, mas ela deu uma rolada para longe escapando, e puxou
as adagas de novo, fazendo pose de luta.

- Deixa eu tentar algo... - Ranik disse, tirando a espada.

- Essa espadinha não vai ser forte o suficiente. - Disse Noctana, quase como se implicasse com
a grandalhona.

Até que Iluzia queria rir, mas como se tratava da assassina, ela...

- Está subestimando demais Ranik. - Disse a maga, com uma expressão irritada, enquanto
energizava de mana suas mãos.

O Troll soltou outro rugidão e foi correndo para cima da guerreira dessa vez. Ranik fez “sim”
com a cabeça e um sorrisão confiante e partiu para cima dele. Primeiro tentou acertá-lo um
corte lateral, depois outro, depois ou...

Sua lâmina ficou presa na carne do grandão.

- Desgra...çado! - Ele soltava sangue, urros, mas ao mesmo tempo, aproveitou-se da situação
para agarrar a guerreirona pelo pescoço...

Ele LEVANTOU-A com uma mão!

Dava para ver o desespero nos olhos de Ranik.

- LARGA ELA!!! - para surpresa das duas, Iluzia e Noctana disseram isso ao mesmo tempo,
se entreolharam por milésimos de segundo (mas não tinham tempo para isso agora) e foram
agir.

Uma acertou o braço do bichão com uma energia de mana ácida, dissolvendo-o e fazendo-o
largar a grandalhona antes do pior, enquanto a outra implantou o que parecia ser uma
bombinha (uma armadilha), que logo explodiu na barriga do bicho, levando-o para trás com
um rombaço (além dos cortes que a guerreirona já havia feito, sem contar na espada ainda
presa na carne do dorso dele).

Enquanto Ranik tentava duramente retirar aqueles dedos nojentos e enormes de seu pescoço
(afinal, o braço ficou ali pendurado e arrancado, ainda lhe “enforcando”), as duas (a maga e a
assassina) pareciam estar tendo um leve desentendimento...

- Por que não usou essa bombinha antes!? - A loira disse, invocando-se... talvez um pouco mais
do que devia.

- Porque eu só tinha uma e eu precisava dele distraído, senão ele me arrancaria a cabeça fora!
E você com esse ácido!? Não derrotaria ele mais fácil se usasse desde o começo ao invés
daquela explosão que só serviu para irritá-lo mais!? - Respondeu a assassina, falando mais
que de costume. Talvez o desespero da situação.

Ranik finalmente parecia ter conseguido tirar a mão de seu pescoço, e então, reparava em
duas coisas: Nas duas ainda discutindo e é claro... No Troll que se levantara de novo e vinha
na direção das três.

- Não é como se eu pudesse sair usando uma quantidade indefinida de mana de qualquer jeito,
sem contar que eu conheço mais de 100 tipos de magia, preciso pensar bem e analisar qual a
magia correta pro momento certo! Você que infelizmente não entende nada de energia mágica
mesmo! - Disse a loira, quase indo para cima da outra... digo, aproximou-se realmente dela,
encarando-a com ódio nos olhos azuis claríssimos.

- “Eu conheço mais de 100 tipos de magia”, não adianta ter várias armas se não sabe usar bem
nenhuma! Se tivesse só uma magia, mas ela fosse potente, não seria necessário saber tantas
assim! E eu entendo disso sem precisar ser uma maga! - Respondeu Noctana com sua voz
sombria e sexy (erm), também indo para cima da outra devagar, encarando-a com os olhos
verdes cheios de raiva.

Ranik podia até achar engraçado... As duas eram tão baixinhas, provavelmente do mesmo
tamanho... 1,60 ou 1,58, a diferença era pequena. Mas o que era interessante era que...

Não tinha, infelizmente, tempo para admirar isso.

- Ei, vocês duas... - Ranik encarou o bichão vindo mais uma vez para outro round.

- HÁH! - Soltou Iluzia, quase soltando uma magia na cara da assassina, já enchendo seu
punho de mana azulada com raiozinhos. - Todas as minhas mais de 100 magias são potentes!
Você não sabe do que está falando! Eu provavelmente sou a maga mais forte de todo Allas!

Noctana abaixou a cabeça, e então, deu um risinho desdenhoso.

- Eu já conheci mais magos negros do que você poderia imaginar na vida, e todos eles, cada
um deles... era mais forte que você. - E quando a assassina disse isso, Ranik só viu a mão de
Iluzia voando para cima da ladina, mas então, ela parou-a a tempo, segurando-a com sua
própria mão...

E tomando choques em seu lugar.

- OUCH! - Disse a guerreirona, a loira encarou ela furiosa.

- VOCÊ TÁ DOIDA!? NÃO SAI COLOCANDO A MÃO ASSIM NA MAGIA, MALUCA!


PODIA PERDER UM DEDO! - Disse a maga, tilintando de raiva.

- Eu que tou maluca!? Você tá atacando uma aliada! Aliás, parem vocês duas, nós vamos...

E então, o monstrengo chegou enfim onde elas estavam (ele estava ainda mais lento do que já
era normalmente, considerando seus ferimentos, finalmente fazendo efeito), deu um
porradão, mas por sorte, pegou apenas no chão. A guerreira saiu da frente, a maga e a
assassina foram para trás ao mesmo tempo, todas escaparam.

- NÓS PRECISAMOS NOS UNIR para PODERMOS DERROTAR ESSE MONSTRO! - A


guerreira disse, já puxando sua única arma disponível (considerando que a bastardinha fora
engolida pela barriga do monstrão), seu arco, e já lançando umas flechas no bichão.

Mas as flechas não faziam dano o suficiente. A guerreira sentia-se meio mal... meio inútil nessa
luta.

Noctana deu uma de louca kamikase e lançou-se nas costas do Troll, prendendo suas adagas
em seu pescoço, uma de cada lado. Ele começou a sacudi-la como um touro mecânico...
E ela fora mandada para longe, perdendo as adagas em seu corpo também.

Sua expressão parecia bem infeliz por trás da máscara.

Só sobrou para a maguinha... Ela virou-se para parede da torre e lançou uma imensa bola
destruidora de mana. Causou uma enorme cratera logo ali que dava para sentir o vento lá de
fora e ver, é claro, a altura de onde estavam (não era tanta, mas já era algo).

- Viu? Sou apenas lógica, diferente de você. - Iluzia zombou das duas adagas presas no
monstro, e então, disse. - Agora só vamos jogar ele para fora daqui e...

Mas quando ela tentou soltar a energia...

Sua mana tinha acabado. Ela arregalou os olhos. Nada saía de sua mão.

- Oh, merda... - Disse, nervosa.

- O que houve? Sua lógica deu errado? - Noctana zombou dela, achando graça.

- AFFFF! - Disse Ranik, revoltosa, e então, saiu correndo como uma louca e...

Chutou o corpo do bicho com as duas pernonas.

Funcionou, ele caiu lá embaixo e espatifou-se de vez. No entanto, essa atitude suicida, fez com
que Ranik ficasse pendurada também.

As duas, a maga e a ladina, sem nem pensar duas vezes, foram correndo como loucas para
ajudar a guerreira dependurada na cratera da torre. Cada uma pegou-a por um braço. As
duas se encararam nada agradáveis, mas... não tinha jeito, precisavam salvá-la.

Puxaram o mais forte que seus diminutos tamanhos conseguiam e enfim, Ranik voltou para o
piso firme, assoparando de alívio.

- Wow... Essa foi por pouco. - Disse a guerreirona, sentada no chão. - Bem, viu o que acontece
quando vocês duas trabalham juntas!?

Iluzia e Noctana se encararam de novo. Uma virou a cara, a outra cruzou os braços e deu de
ombros. Ranik grunhiu... tanta teimosia.

- Vocês são complicadas! Mas agora, vamos ao que interessa... - Finalmente, levantou-se e
espreguiçou-se. - Será que tem algum documento nesse lugar que prove alguma coisa sobre os
Magos negros!?

Nesse instante, a assassina encarou as duas e sua expressão foi bastante reveladora. Ao menos,
os olhos arregalados. Ranik e Iluzia sentiram, juntas, que ela devia estar escondendo algo.

Noctana virou-se de costas e saiu correndo escada abaixo!!!

Ranik e Iluzia foram correndo atrás dela, enquanto a maga aproveitava para dar esporros na
guerreirona:
- “Viu o que acontece quando vocês duas trabalham juntas”! - Remedou-a com implicância. -
SIM, EU VI! ELA ROUBA NOSSAS PISTAS!!!

- Argh... - Ranik sentiu-se meio mal até porque lembrou-se que não foi só isso que ela roubou
(sim, Iluzia ainda não sabia da grana, pelo visto – e provavelmente, não saberia tão cedo,
senão teria mais motivos para reclamar no seu ouvido).

Enfim, as três agora corriam, duas atrás de uma, pelas areias do deserto. E então, Noctana
criou rapidamente um portal vermelho e entrou nele...

Ledo erro.

As outras duas entraram atrás dela também!

13. A CIDADE DOS RATOS

Quando Ranik, a guerreira, e Iluzia, a maga, deram por si, estavam em um esgoto úmido e
escuro.

E a ladra também já havia sumido. Provavelmente aproveitando as sombras que se


espalhavam pelo fétido lugar.

- Urgh! Estamos na porcaria dum esgoto de alguma cidade! - Disse a loira, irritadíssima.

- Tem cara de ser Velejo. Ela que é avançada a ponto de ter portões de ferro desse nível... -
Disse a guerreirona, apontando para um portão logo na frente das duas.

- Ótimo! Estamos trancadas nessa bosta, ela fugiu da gente, eu estou sem mana e você sem
espada... Tudo está indo mais do que bem! E ela ainda conseguiu levar nossas pistas... O que
mais falta acontecer? - Disse a maga, chutando uma pedrinha para dentro da água suja. -
Brrrr...

- Bom, vou aproveitar a situação para lhe contar de uma vez... - Disse Ranik, colocando as
mãos nos bolsos e dando de ombros.

- Cale a boca antes que eu te jogue dentro dessa água suja... - Iluzia estava com uma cara
homicida.

- Erm... Ela também... Ahn... Roubou... Todo... Seu... Dinheiro? - E assim que terminou de
dizer isso, os olhos da maga se arregalaram e com um empurrão, Ranik caiu na água suja do
esgoto.

...

- Muito obrigada... Eu devo ter pegado umas 20 doenças diferentes agora. - Disse o vozeirão
vindo do banheiro da Pensão.

- Eu devia ter jogado uma bola de fogo em você... Eu ainda fui boazinha. - Iluzia, furiosa,
sentada na cama, dizia, sacudindo negativamente a cabeça. - Veja só, toda a porcaria do
dinheiro que juntamos para conseguirmos completar o...
- Nós vamos recuperar! De mais a mais, já sabemos onde ela está! Você só precisa recuperar
sua mana para que a gente possa abrir aquele portão no esgoto e... - Ranik saiu do banheiro
secando os cabelos molhados, usando apenas sua roupa de baixo... Que só cobria realmente a
parte “de baixo”, ou seja, a inferior de seu corpo.

Iluzia parou, bestificada, e totalmente rubra, encarando o corpo da outra.

- Erm... - Ranik voltou correndo pro banheiro sentindo-se levemente sem jeito (ela também
notara a expressão da maguinha).

- Porcaria! Que tal se cobrir antes de sair do banho, hein?! - Disse uma loira, super sem graça,
olhando pro chão. Sua pele era tão clara que dava para ver que estava corada até as orelhas.

- D-desculpe... Foi meio que... Força do hábito.

- A GENTE NÃO SE VÊ ASSIM FAZ ANOS! - Iluzia gritou, e então, disse baixinho consigo
mesma. - Seu corpo está ainda mais malhado que da última vez... uhn...

- Quê?

- NADA, DROGA! NADA! - Gritou a maga, super sem jeito, levantando-se e indo até a porta.
- Eu vou sair para comparar alguma roupa para você, e por enquanto, mantenha-se coberta
com a toalha! Pervertida!

E ela saiu, batendo a porta. Ranik inspirou fundo, também estava um tanto quanto vermelha.

- Erm... O que eu estava pensando, hein?

---

- Wow, wow! Isso é realmente interessante, hein!? Quem diria que os Cavaleiros do Dragão
Negro estariam envolvidos nessa... - Disse Glaz, encarando a fotografia na mesa de madeira
da taverna do falecido Tanak.

- Quem diria que não estariam? Não acho que isso me surpreenda. Mas tem alguma coisa
nessa foto um tanto quanto familiar... - Disse Noctana, bebendo sua bebida favorita,
preparada por ela mesma dessa vez.

- As pessoas tão curtindo as novidades, apesar de tudo! - Glaz riu, olhando ao redor, onde um
monte de outros bandidos e matadores bebiam de graça. - Em algum momento outro sugador
de dinheiro rouba a taverna e isso volta a funcionar normalmente... Mas acho que vão esperar
todo vinho e cerveja acabar primeiro! Hahaha!

- Por que não assume você? - Noctana perguntou, bebericando mais um pouco.

- Erm... Talvez. Me vê um pouco? - E então, a assassina passou o copo para amiga, que tomou
em seus lábios também. - Urgh... Isso é... Estranho. Mas... Eu acho que combina com você. É
doce e apimentado ao mesmo tempo.

- Doce e apimentada, é? - Noctana sorriu, um dos raros momentos.

- Mas diga, e a situação com a maguinha e a guerreirona que você “stalkeia”!? - Glaz
levantou-se para pegar um pouco de hidromel para si.

- Stal... - Noctana suspirou de frustração. - Elas me seguiram. Provavelmente entraram no


portal. Devem estar em algum lugar da cidade agora.

- Alguma chance delas virem para cá? - Glaz arregalou os olhos, surpresa.

- Mas é claro que sim.

- Wow, então não é bacana que estejamos aqui quando elas vierem, né? - A garota bebericou
sua bebida também e então, cobriu sua cabeça com seu capuz.

- Eu já vou estar bem, bem longe. - Disse Noctana, terminando de beber sua picada de naja.

---

- Ótimo! Acho que vai servir! E aí, como fiquei!? - Ranik fez pose de “forte” mostrando os
músculos, agora usando uma armadura de ferro mais resistente (porém a deixava um pouco
mais lenta, claro).

- Uma droga. Agora escute... - Iluzia disse, implicante como sempre. - Ouvi dizer que no
esgoto há o que eles chamam de Guilda dos Ladrões. Quem diria! Ladrões que se reúnem
para fazer porcarias... Aquela maldita não podia vir de um lugarzinho pior, né!? Enfim...

- Opa! Significa que mataremos dois coelhos com uma cajadada só? - Ranik disse, com um
sorrisão confiante.

- Mas é claro que sim, minha cara... Claro que sim.

Já de noite...

Ranik respirava ofegantemente. Sua armadura já cheia de sangue. Sua aljave já quase vazia.
Sua mão liberou finalmente a espada enferrujada e também molhada de vermelho, caída no
chão.

- Queria que... Queria que eles tivessem se rendido. Achei que preferiam estar na prisão do
que morrerem pro fio da espada. - Ela não parecia nada feliz.

Um bocado de bandidos e assassinos cruéis mortos, jogados para todo lado, naquela taverna
cujo último gole de bebida já parecia ter secado. O lugar agora ficara semi-abandonado,
enfim.

Iluzia também estava ofegante, e agora, quase sem mana. Seu rosto e suas vestes também
sujos de sangue inimigo. De repente, ela coloca a mão em um dos braços... estava ferida por
algum que lhe pegara de surpresa.

- Urgh... Pelo que andei ouvindo por aí, Velejo tem uma das piores prisões de todo Allas, não
me admira que eles prefiram ir pro inferno. - Respondeu a loirinha, e então, caiu de joelhos.
Seu braço estava doendo muito.
- Você está bem!? - Ranik correu até ela e se abaixou.

- Não seja idiota... Eu vou ficar. - E então, ela olhou ao redor. - O que a gente precisa agora é
encontrar aquela maldita assassina para pegar as pistas e o nosso dinheiro de volta.

- Acho que vamos conseguir uma boa quantia de ouro com essas cabeças que arrancamos por
aqui. - Disse a guerreirona, ajudando a loira a levantar-se. - Mas honestamente, não sei onde
Noctana pode estar...

Iluzia abaixou a cabeça, irritada.

- Você ouviu falar tanta coisa por aí, fofoqueira. Não teve nenhuma notícia dela? - Ranik disse
“brincando”. Mas a loira não estava para brincadeira.

- Eu só ouvi que... - E então, ela desmaiou. Revelando finalmente o porquê de estar tão séria.

A guerreira fez uma cara de enorme preocupação, então pegou a maga nos braços e carregou-
a para fora do esgoto.

Não tinha jeito, a ladina não estava mais lá...

Era óbvio que previra a invasão das duas. E fora bem cruel em não ter avisado seus amigos
ratos.

- E então, como ela está!? - Ranik correu até a curandeira da região. Velejo, como era muito
avançada, tinha uma médica oficial que cuidava da maior parte dos nobres da cidade.

Com a grana que ganharam dos bandidos e assassinos que mataram, que não foi pouca,
Ranik pôde levar a loirinha para ser atendida. Ela estava mesmo muito mal.

E estranhamente... fora apenas uma ferida.

- Mal. Muito mal. E eu não sei como... Como poderia curá-la. - Disse a médica muito
preocupada.

Ranik arregalou os olhos.

- P-por quê!? - Perguntou, a guerreira, desesperada.

- Porque sua amiga fora envenenada.

14. ILUSÕES EM PEDAÇOS

Ranik estava absurdamente preocupada com Iluzia que continuava internada no centro
médico de Velejo. Quando as duas atacaram a Guilda dos Ladinos nos esgotos da cidade e
mataram vários ladrões e assassinos perigosos, em meio a batalha, a maguinha
desconcentrou-se com os ataques furtivos dos seres das sombras, e acabou por levar uma leve
facada em seu braço. A ferida não seria absurdamente nada demais, se não fosse por um
fato...
A arma devia estar embainhada em veneno. Malditos ladrões!

E agora, a loirinha estava desacordada em uma cama de curandeiro, morrendo de febre. E a


guerreirona não sabia o que raios fazer para contornar essa situação (pois, pelo visto, o
veneno não era lá muito comum)...

Mas ela já tinha uma vaga ideia do que poderia fazer. Não desistiria sem lutar! Nunca o fazia!
Muito menos por uma pessoa especial para si como Iluzia era...

Alguém a quem ela conhecia há anos e que muito significava para ela (ainda que as duas não
fossem mais namoradas).

Precisava encontrar Noctana, ela deveria SIM conhecer aquele maldito veneno e ajudá-la a
salvar Iluzia! Senão, nunca a perdoaria... Nunca!

- Precisamos terminar. - Lembrou-se das palavras tão tristes que percorreram pela linha do
tempo como se fossem grãos de areias levados pelo vento.

- Mas... P-por quê!? - Lágrimas escorriam no seu rosto. Não conseguiu se segurar.

- Porque....................

---

Ranik estava andando pela guilda dos ladinos novamente. Recolhendo qualquer pista no chão
sobre para onde Noctana pudesse ter fugido. Até então só tinha encontrado algumas joias
roubadas, algumas adagas (mas nenhuma com a lâmina como a sua... ela ainda não conseguia
imaginar onde Noctana havia tirado tal metal para as suas, inclusive), um ou outro pedido de
roubo importante escrito em pergaminhos, um bocado de dinheiro roubado e...

Mais nada. A guerreira suspirou fundo, sentando-se no balcão da taverna do lugar.

Foi então que ouviu um barulho. Parecia que alguém estava para chegar ali. Por algum
motivo, achou que seria mais inteligente de sua parte se se escondesse em algum lugar e
observasse, apenas... Apesar de sua furtividade não se comparar nem 1/3 da dos ladrões que
ali habitavam.

Escondeu-se atrás do balcão onde antes estava sentada...

Quando observou melhor, era um sujeito. Ele usava uma capa, capuz e máscara... claro, era
um ladino. Será que ele tinha ideia do que tivera acontecido na guilda ou será que foi ver isso
agora mesmo? Ranik aguardou para poder descobrir.

Ele não parecia MESMO surpreso com o que havia acontecido ali por algum motivo. Andou e
acabou encontrando as “pistas” que a guerreira havia juntado e posto em cima do balcão. Ela
devia ter escondido isso...!?

Ele passou a mão e colocou tudo em uma pequena sacolinha de pano que carregava em seu
cinto. Soltou um “tsc”. E então, virou-se para um canto onde havia uma estante cheia de
garrafas vazias de vinho. Olhou para um lado, pro outro, e tirou uma pequena garrafinha
verde de vidro de um canto...

A estante foi “arrastando-se” sozinha pro lado, liberando: UMA PASSAGEM SECRETA!

Ranik arregalou os olhos... Bom, aquilo poderia explicar por onde Noctana fugira antes delas
atacarem aquele lugar, provavelmente! para onde será que aquele caminho daria?

Assim que o sujeito virou-se, a luz bateu em sua capa, na parte de trás, e revelou algo
terrível...

Um símbolo que já lhe deu arrepios na espinha. Sim, ela conhecia aquilo... Era um crânio com
patas de aranha e chifres.

Mas o quê!?

de onde conhecia aquilo!?

Vertigem, tonteira, dor de cabeça... Ranik agarrou a própria, porque ela sacudia. Lembrou-se
do fogo, das pessoas mortas, dos gritos, dos cavaleiros negros... e logo depois associou-os aos
choros de crianças, a risada do mago negro, o cheiro de sangue, uma pequena Noctana
olhando desolada com o corpo cheio de sangue...

Mas tinha que agir rápido! A estante fechava-se sozinha de novo, depois do sujeito
encapuzado entrar no recinto, então, ela saltava correndo o balcão e ia em direção ao buraco
que abrira!

Tinha que continuar “sendo furtiva” (não que realmente estivesse conseguido... bom, até
agora ele não parecia tê-la visto mesmo).

Viu que o caminho seguia por degraus que desciam indefinidamente. E estava escuro demais.
E era previsível, agora, lugares em escuridão lembravam-lhe a assassina das sombras, tanto
que fora assim desde que a conheceu. Era sempre em lugares escuros demais, sujos demais,
perigosos...

Aquilo ia para onde!? Pro centro da terra!? Ranik suspirou.

O sujeito estava bem mais embaixo que si...

E então, de repente, ele sumiu nas sombras. A guerreirona arregalou os olhos. para onde ele
poderia ter ido!?

Corredores entrecortavam a escadaria. Será que ele entrara por algum deles e ela não tinha
visto!? Já ia soltar um grunhido de descontentamento, quando, de repente...

O sujeito surgiu nas sombras pulando em cima de si, e Ranik fora jogada para dentro de um
dos outros corredores...!

A batalha começara! Ele tentava enfiar uma adaga... negra... como as adagas de Noctana em
seu pescoço, mas a guerreirona segurava com força a sua mão.

Não devia ter ido lá semi-desarmada. Ou ao menos, deveria ter guardado uma das adagas dos
ladrões mortos para si. Agora estava apenas com seu arco, e ele não podia lhe ajudar nada
nesse momento...

Por sua sorte, sua roupa era mais do que resistente. E sua força era mais do que
comprovadamente maior que o sujeito.

Conseguiu empurrar-lhe para parede e levantar-se rapidamente.

Foi então, que sentiu a mão do mesmo passando por suas costas... Tinha algo ali, ela podia
sentir. Tocou nas costas onde sentiu o toque e pegou alguma coisa que ele “grudara” ali.

Quando viu a coisa... já entendeu. Era a bombinha, igual a que Noctana havia usado no Troll
em Divijna. Rapidamente, ela tacou-a sem pensar duas vezes na escadaria...

A bombinha explodiu, destruindo boa parte das escadas por onde poderia voltar. Ranik
grunhiu de irritação. Nem sabia para onde aquela merda de caminho subterrâneo ia dar, e
agora, estava ilhada do lado de lá!

Encarou o corredor vazio e o sujeito sombrio correndo lá na frente, fugindo... Ela pôs-se a
correr atrás dele.

Claro que ela não era mais rápida que ele (ainda que fosse mais forte), então, infelizmente...
Mais uma vez ele sumiu nas sombras.

Por horas andando naqueles túneis subterrâneos tendo uma plena certeza de que estava
perdida. Ranik, finalmente, encontrou escadas de pedra subindo para algum lugar. Subiu-as,
subiu-as e viu o cenário ao redor mudar de esgoto, para túneis subterrâneos, para...

Uma caverna. Sim, do nada, ela saíra em uma caverna no meio de uma floresta, que parecia
ser... A Floresta Azul, que era uma ex-mata que rodeava Velejo. Boa parte dela já tinha sido
desmatada... explicava a evolução industrial deles, para terreno e exploração de matéria-
prima. Era triste ver aquele monte de campo aberto, a grande maioria, infrutífero.
Totalmente diferente da Florestona (que nem tinha nome) onde Iluzia morava.

Iluzia... Ranik apertou os punhos, incomodada.

Foi então que virando no mesmo lugar onde estava, avistou o que parecia ser um minúsculo
(bem pequeno mesmo) vilarejo no meio do nada. Sim, no meio do campo aberto da ex-
Floresta Azul. A cerca pequena de madeira. Os casebres que mais pareciam barracos. A
fogueira grande que aquecia e iluminava o lugar.

Mas que vila era aquela!? Nunca tinha ouvido falar. Provavelmente, era nova... Coçou a
cabeça confusa.

Será quê...?

Começou a andar na direção dali. Sentiu mais algumas vertigens e pontadas na cabeça...
Aquela pequena vila lembrava-lhe de... Sim, sua história passada fatídica. Sacudiu a cabeça.
Tinha que seguir em frente. Era sua única pista de onde Noctana talvez pudesse estar...
Ficava cada vez mais zonza. O que seria? Será que estava envenenada também de alguma
forma? Sua cabeça não estava fazendo mais sentido... O assassino das sombras, com o símbolo
dos Cavaleiros do Dragão Negro... Ele não tinha conseguido lhe acertar com a adaga... A
adaga preta igual a da Noctana... E nem com a bombinha... A fumaça subiu. A poeira. Sua
cabeça rodava. O campo aberto enorme em sua frente... O gramado era amarelado e
infrutífero. Ela via... A fumaça da fogueira do vilarejo subir. Ela via...

Um grande portal dourado se abrindo em sua frente!

E então, bambeava, caindo no chão...

---

Iluzia sentava-se na cama da médica com uma rapidez inesperada de alguém envenenada.
Seus olhos azuis arregalados, seu rosto escorrendo suor, seus cabelos molhados...

- Ranik! Cadê Ranik!? - Disse a loira, preocupadíssima, ainda que fosse ela quem estivesse
“doente”.

- Se está perguntando sobre sua amiga... Ela disse que iria descobrir um antídoto para seu
veneno. - Respondeu a voz da médica, logo ao seu lado.

- Ah sim... - Iluzia disse, mas ainda parecia preocupada. - Eu... Espero que... Ela esteja bem.

- Vai estar sim. - Disse a médica, sorrindo.

Mas o que Iluzia não sabia era que... A médica não era a mesma que havia atendido a
guerreira mais cedo. Essa tinha... cabelos castanhos e olhos verdes, e um sorriso um tanto
quanto, familiar.

15. A CASA DO ALVO

- Eu descobri onde está a maguinha amiga da Ranik. - Disse Glaz, sorrindo, para uma
Noctana deitada em uma colcha de retalhos no chão de terra batido.

Elas estavam sob uma espécie de barraca de tecido com pequenas toras de madeira, algo bem
pequeno e ultrapassado, nada resistente.

- Uhn? Na... taverna? - Noctana disse, com uma voz de sono. Dormia mesmo com seu capuz,
só que sem a máscara. Talvez para evitar invasores violentos que reconhecessem seu rosto
dormindo.

Glaz estava sentada em um banquinho improvisado com uma árvore cortada e lixada,
bebendo num cantil de água.

- Ela tá no centro médico-curandeiro de Velejo. - Continuava dizendo a garota, sempre


parecia bem de humor.

- Ahn!? - Noctana sentou-se rapidamente na “cama” improvisada.

- Provavelmente na limpeza da Guilda, ela fora atingida por alguma coisa não agradável...
Chuto que seja um daqueles venenos brabos que Udarac arrumou para galera.

- …! - A assassina parecia realmente surpresa. - E Ranik...?

- Pelo visto não tá lá. Chuto também que ela foi arrumar um antídoto... - Glaz disse,
colocando o cantil preso no cinto de utilidades para um bom ladino.

- ...Procurando na guilda de novo. - Completou a ladina, já sacando tudo. - Acha que há


alguma chance dela chegar aqui?

Glaz deu de ombros.

- Você bem que queria, né?! - Riu a garota da cara da ladina que lhe censurou com os olhos. -
Eu acho que não. Mas eu, sinceramente, não duvido de nada. Do jeito que as coisas tão loucas
em Allas...

- Acha que... Acha que eu devo ir embora daqui? - Noctana parecia mais insegura que de
costume. Talvez, por algum motivo, tivesse sentindo-se culpada por Iluzia. Não que realmente
fosse, mas...

Foi por causa dela que elas acabaram saindo ali na Guilda dos Ladinos, em Velejo.

- Ranik vai vir sozinha. Talvez você não precise, ok? - Glaz disse, piscando para amiga. Pelo
visto, lhe prezava demais mesmo. - Eu posso lhe fazer um favorzinho.

- O que...? - E então, viu Glaz mexendo em uma bolsa grande de pano, logo ao lado da cama
improvisada onde ela estava sentada.

Ela retirou dali roupas brancas...

Típicas de médico.

- Erm... Acha que isso será necessário? - Noctana perguntou, levemente incomodada.

- Relaxa e goza, querida! - E Glaz saiu da barraca, provavelmente, para se vestir em outra.

Noctana suspirou profundamente, parecendo mesmo preocupada. Não exatamente com Iluzia,
e sim... Com o fato de ter que reencontrar, talvez, quem sabe, a guerreira.

Ela provavelmente estaria furiosa consigo.

Pegou a adaga de ferro negro e encarou-a...

As sombras sempre estavam a lhe rodear.

---

Ranik abriu os olhos vagamente... Sua cabeça ainda doía. Sentou-se bambamente. Estava em
uma...

Cama?
Levantou-se, ficando de pé, como uma flecha. Isso é, como se pudesse. Bambeou mais uma vez
e caiu sentada na cama de novo.

- Hey, não devia se mexer tanto assim! - Disse a voz masculina.

Quem diachos...!?

Um cara de cabelos quase esbranquiçados, compridos e lisos, presos num rabo de cavalo, com
uma mecha solta caída na cara. Seus olhos eram lilás. Ele claramente tinha traços élficos, as
orelhas pontudas, devia ser meio-humano apenas. E uma pintura de guerra avermelhada
manchava seu rosto. Suas vestes, no entanto, eram simples. Camisa de mangas rasgadas,
calças de couro, botas, colete, usava claramente uma aljave amarrada as suas costas. E em
cima da mesa, logo a sua frente, duas bestas bem equipadas.

- Quem é você!? - Ranik perguntou, um tanto quanto desesperada.

Pois é, ela não lembrava-se de absolutamente nada. Só que fora de novo naquela Guilda dos
ratos, depois entrara na passagem secreta, seguindo o assassino misterioso, para logo depois,
sair na Floresta azul. Ao ver aquela...

Vila.

Sua cabeça doeu de novo.

- Udarak. - Disse ele, apenas. Parecia um cara sério, centrado. Bem diferente dos sujeitos que
havia conhecido até então... Como o babacão do Sir Mysic, por exemplo.

- E quem é você!? E por que estou aqui?! - A guerreirona olhou ao redor e localizou o que
seria uma casa de madeira, bem normal.

Provavelmente a casa do arqueiro.

- Eu estava me teletransportando para o Vilarejo Jasmin, só que de repente, te vi caída no


meio do gramado batido. - Disse o homem, e então, aproximou-se de si com um cantil de água
e um parato de comida. Tinha pão e carne com batatas. - Te trouxe para minha casa. Não é
muito longe de onde estávamos, mas claro que vim de portal... Você é grande.

- Erm... Não, obrigada.

- Você precisa comer. Pelo visto, não deve fazê-lo há um tempo. Por isso teve vertigens e
desmaiou. Explica a tua pele pálida também. Você não parece do tipo “branquela”... - Disse
ele, e então, empurrou o parato e o cantil para ela, que acabou aceitando, ainda que
emburrada.

- Eu estou aqui comendo e bebendo, enquanto Iluzia está lá, quase morrendo, precisando de
mim. - Disse ela, ainda emputecida. Bebia da água e comia da comida, no entanto. Realmente,
estava faminta. Não comera direito desde que soubera do envenenamento da maga, de tanta
preocupação.

Mas será que foi mesmo só por isso que desmaiou naquele momento...?

- Iluzia? - O sujeito perguntou, claramente não reconhecendo o nome, óbvio.


Sentou-se na frente da mesa, e enquanto comia um sanduíche de carne, ele preparava as
bestas.

- Onde está o meu arco!? - Perguntou Ranik, ainda exaltando-se.

O sujeito deu uma suspirada profunda, como se estivesse cansado das reações “violentas” da
visitante que mal lhe agradeceu por salvar sua vida.

- Está no armário. Ainda sim, eu o acho ultrapassado e bastante vulnerável. - Disse o meio-
elfo, Udarac, julgando sua arma.

Ranik soltou um “tsc!”.

- Se essa tal de Iluzia é uma pessoa importante para você, e que está precisando de sua ajuda
nesse momento, você devia primeiro preocupar-se com sua saúde, alimentação, sono e
armamento, antes de protegê-la. Senão, no final, você vai falhar em seu objetivo. - Ele foi bem
simplório, enquanto levantava-se, testando a mira da besta, apontando-a para a janela da
casa.

- Urgh... Você é um saco. - Ranik disse, sendo direta como era.

Udarac olhou para ela meio incomodado primeiro, e então, riu um pouco.

- Você me lembra Noctana... - A guerreira disse baixinho, e então, o rapaz arregalou os olhos.

- Que você disse!? - Perguntou ele, surpreso demais.

- Ah, nada... - A guerreira mentiu. E então, colocou o parato sobre a mesa. - Bem, eu tenho que
ir agora. Pode me devolver meu arco?

Udarac colocou sua besta de volta em cima da mesa, e então, abriu o armário onde Ranik
enxergara várias outras bestas e arcos presos como se fosse um mostruário. A sua estava
encostada ali no canto, como uma peça velha...

E realmente era, ainda mais perto das outras.

Ele pegara outro arco, não o seu. Um arco composto incrível de madeira escura. Parecia
talhado a mão, muito bonito, grande e forte. E então, esticou-o para a guerreirona que fez
cara de confusa.

- Por que... Por que está me dando isso!?

- Não te conheço e não sei seus objetivos. Mas respeito uma arqueira quando vejo uma. E
como eu disse... Sua amiga Iluzia, seja lá o que estiver acontecendo com ela, vai precisar que
você esteja melhor preparada para defendê-la. Então... pode levar.

- Urgh... - Ranik queria dizer que não, mas...

O arco parecia realmente mais útil que o seu (e tinha perdido a bastardinha também, então...).
Ela estendeu a mão e pegou-o.
- Olha, Uda...

- Udarac.

- Eu não sei quem você é. Agradeço por ter me tirado do chão da Floresta azul. Agradeço
também pela água e comida. E principalmente, é claro, por essa arma. Eu... Não vou esquecer
do seu nome e nem da sua cara, e um dia, eu vou te pagar de volta, ok? - Disse Ranik, com
uma cara séria e firme.

Udarac abriu um sorriso amigável.

- Então, parazer em conhecê-la...

- Ranik. - Disse a guerreirona. Os olhos lilás se surpreenderam um pouco, mas logo depois,
voltaram ao normal.

- Ranik. E boa viagem e boa sorte em seus objetivos! - Disse ele, abrindo a porta para
guerreira, que fez “sim” com a cabeça e saiu correndo.

Udarac, finalmente sozinho, pensou em voz alta:

- Então... essa que é a Ranik, é?

16. A VILA NO MEIO DO NADA

Ranik finalmente chegara naquela vilazinha no meio do nada (O nada, no caso, é a floresta
azul que fora desmatada). Haviam poucas pessoas lá, a maioria delas com roupas de trapos,
então, assim que a guerreirona (que já tinha o porte diferente e as roupas mais ainda) entrou
lá, todos lhe encararam. Ela ficou meio sem graça.

- Er... Oi? - Perguntou, e de repente, viu uma das pessoas correndo em sua direção.

Percebeu uma adaga em sua mão. A pessoa tentou acertá-la, mas ela escapou rapidamente
(realmente foi bom ter comido e repousado, o tal elfinho tinha razão).

- Por que!? - Tentaram acertá-la de novo e ela escapou de novo. Uma hora a lâmina bateu em
sua armadura e fez “tlim”, mas não conseguiu atingi-la.

Tentando evitar o pior, ela agarrou os pulsos do seu agressor e segurou-o firme, enquanto ele
fazia força tentando se soltar. Mas era inútil... Ela tinha o dobro do tamanho e até o dobro da
largura (ele era muito, muito, muito magro) dele.

- Dá para você parar!? - Ela disse, e então, ouviu sons repetidos em uníssono.

Quando foi ver, mais uns 5 estavam apontando arcos (de qualidade duvidosa, igual seu
anterior) para ela. Enquanto ela continuava segurando o mirrado pelos punhos.

- POR QUE ESTÃO ME ATACANDO!? - E nenhum deles respondia. - Olha, vou dizer uma
coisa... Não vou soltar seu amiguinho até vocês abaixarem essas merdas!

E então, sem muita escolha, eles abaixaram. E finalmente, ela soltou o outro. O outro veio com
firmeza para tentar lhe atacar com a adaga mais uma vez, sem paciência, Ranik deu um soco
em sua cara que o fez desmaiar de primeira.

Os arcos se levantaram mais uma vez.

- Caguei para vocês. - Disse ela, dando um dedo para eles.

E então, um deles abaixou por livre e espontânea vontade, os outros ficaram surpresos. O
sujeito, outro mirrado de pele bronzeada de muito Sol, falou finalmente com ela:

- Estamos te atacando, porque você é estranha.

- Porra, assim tu me ofende! - Disse Ranik, cruzando os braços.

- Não estranha de esquisita, estranha de “a gente não te conhece”! - Corrigiu o sujeito. Ranik
deu um risinho irônico.

- Mas isso eu já sabia... - Ela foi andando devagar pelas barracas, olhando tudo.

Eles realmente pareciam muito pobres. Por que não se mudavam para Velejo? Lá eles podiam
tentar uma vida melhor...

- Não podem sair atacando qualquer um que vocês não conheçam só porque vocês não o
conhecem. - Ranik disse, ainda incomodada. Ela pegava em um pedaço de feno, usado como
teto para uma barraca e encarava melhor em seus dedos, analisando-o.

- Podemos sim! Porque precisamos nos defender dos guardas ou de quem quer que o Conde
possa ter contratado para nos matar!

Ranik então arregalou os olhos.

- O que quer dizer com isso? E por que vocês parecem tão pobres? - Disse a guerreirona, um
tanto quanto, preocupada.

Havia por um segundo até se distraído do seu objetivo ali que era...

- Porque eles são. - Disse a voz já conhecida, e muito sexy como sempre.

Sim, era Noctana. Ela finalmente saía da barraca. Pelo visto, era ali mesmo que ela estava
escondida. Glaz já havia partido faz tempo, mas ela resolvera ficar... Pelo visto, deu-se a si
uma chance de falar com a grandalhona.

- Nossa, nossa! Olha quem está aqui... - Ranik, por algum motivo, saiu correndo para já
atacar a outra com um soco ou chute, mas o homem que tinha desistido de lhe atacá-la
apontou o arco para ela de novo, e ela parou.

5 arcos apontados para si. E agora, o olhar deles mudou. Antes era um olhar de receio, de
dúvida, de medo. E agora, era um olhar de raiva pura. Eles iam atirar dessa vez, ela sentiu.

Mas por quê?

- Hey, esperem... O que está havendo aqui?


- Se me atacar, eles matam você. - Disse Noctana, pura e simplesmente, e foi aproximando-se
da guerreira parada com as mãos para cima.

- Ah, então, eles são teus amiguinhos, né? - Perguntou a guerreirona.

- Você não faz mesmo IDEIA do que acontece aqui, né? - A assassina disse e Ranik levantou a
sobrancelha confusa.

Finalmente sem estar em pé de guerra. Ranik estava dentro da barraca com Noctana, sentada
no mesmo toco de árvore que antes Glaz sentara. Noctana sentara em seus farrapos de
dormir.

Era engraçado, a cabeça de Ranik batia no teto da barraca. Ela sentia-se desconfortável de
ficar curvada.

- Talvez devesse sentar no chão.

- Não, obrigado. Está sujo e minha armadura é nova. Foi um presente, sabe... - Disse a
guerreira, pensando em Iluzia.

Noctana olhou pro lado, meio infeliz.

- Então, vai contar logo o que houve aqui? - Disse Ranik, curiosa.

- Está mesmo interessada em saber ou é apenas para entender porque eles quiseram matar
você?

- Os dois? - Disse a guerreira teimosa, cruzando os braços.

Noctana suspirou.

- Essas pessoas eram moradoras de Velejo. - Ranik arregalou os olhos só de ouvir a assassina
falar.

- M-mas... e-então...!?

- Me deixe terminar. - Disse a ladina, parecendo fula. Ranik achou melhor calar a boca e ouvir
apenas. - Elas moravam em Velejo e tinham família, comércio, moradia e tudo o mais lá...
Porém...

-…

- Com o advindo desse novo Conde comandando Velejo. A evolução industrial iniciou-se.
Velejo foi a primeira cidade a construir ferrovias. Foi a primeira cidade a criar as armas de
chumbo. Foi a primeira a cidade em quase tudo, e por isso, foi elevada ao poderio de Veligrad,
que antes era considerada a maior e melhor cidade de todo Allas.

- Hmmm... Mas isso não devia ter feito eles se darem bem? - Perguntou Ranik, não, ela não
conseguia simplesmente se calar. Noctana continuou falando, no entanto.
- Pois é. Devia. Mas não fez. - Noctana levantou-se, andando pela barraca (não era como se
desse para andar muito, ela dava uns dois passos para lá, uns dois passos para cá). - A verdade
é que essa evolução aumentou tudo, inclusive a diferença social entre os moradores de Velejo.

- Diferença social...?

- Sim. Os mais humildes acabaram falindo e não conseguindo competir com os maiores que se
tornaram mais ricos e poderosos. Ou seja, os que antes tinham tudo, família, casa e emprego,
simplesmente perderam isso tudo, tornando-se miseráveis... mendigos. - E quando Nocta disse
isso, Ranik fez uma cara infeliz. Não era lá uma heroína, mas não era de coração frio de achar
graça no sofrimento alheio.

- Então, essas pessoas são...

- Elas são fugidas de Velejo. Elas tentam viver aqui nesse pobre vilarejo, que antes,
obviamente, não existia, porque não precisava. Elas caçam e comem para sobreviver, mas... O
Conde de Velejo as viu como ameaça. “Um monte de mendigos morando ao lado da nossa
cidade vai atrapalhar os negócios”.

- Mas que filho da puta! - Ranik disse, com raiva. E podia ver o ódio nos olhos da assassina
também.

- Vira e mexe eles tentam mandar guardas, até mesmo disfarçados, para poderem atacar a
vila. Por isso que eles reagiram mal quando você entrou aqui com sua armadura reluzente e
seu porte enorme... - Por algum motivo, quando Noctana disse isso, Ranik sentiu um friozinho
na barriga e corou.

- E por que eles quiseram me matar quando eu tentei atacar você?

- Acredite se quiser ou não, mas os bandidos que você e sua amiga maga mataram não eram
100% ruins assim... - Ranik soltou um “tsc”.

- Que papo é esse? Tá tentando me fazer sentir mal porque matei meia dúzia de assassinos e
ladrões!? Aposto que eles fizeram um tremendo mal para muita gente.

- Sim, provavelmente, mas... Nós, da guilda dos ladrões, éramos responsáveis não só por
defender essa vila, mas também, por trazer suprimentos e água para eles. - E quando ela disse
isso, oh... Aí sim, Ranik sentiu-se hiper culpada.

- Obrigada. Agora estou me sentindo um monstro. - E então, pensou em um argumento. - Mas


pera! Você sabia que eu e Iluzia estávamos indo até lá, e mesmo assim, fugiu sem avisar seus
amigos! Largou-os para morrer, se for assim, você também é uma filha da puta, não acha!?

Sim, ela queria tirar a responsabilidade de cima dos ombros e compartilhá-la com alguém.
Noctana simplesmente respondeu:

- Não éramos amigos. A verdade é que ninguém da guilda se conhecia direito. E ajudando essa
vila ou não, eram todos assassinos e ladrões mesmo, como você disse. Ninguém confiava em
ninguém lá dentro, não era como uma guildazinha de magos ou guerreiros. Se eu soltasse algo
como “uma guerreira de 2 metros de altura e uma maga tampinha que tem um poder de jogar
uma bola de fogo gigante em vocês está vindo, fujam”, eles no mínimo iam me ignorar...
Então, não havia nada a ser feito. - Noctana suspirou. - De mais a mais, eu acho que a grande
maioria só ajudava essa vila por pura consciência pesada ou porque saiu de uma infância
pobre e sentiu-se identificado por eles, enfim... Nada que fosse realmente altruísta.

- Esperar altruísmo de ladrões é demais... - Ranik arqueou-se para trás e pôs as mãos na
cabeça, sem graça. - Aliás, é 1,80, não 2 metros.

Noctana fez uma cara engraçada de “é?” para guerreira que riu. Mas então, ela finalmente
deu por si que devia estar cumprindo suas missões:

- Hey, você sabe porque eu ataquei você, né?

- Porque eu roubei seu dinheiro, porque eu roubei suas pistas ou por causa do veneno na sua
amiga...? - Noctana disse, com uma expressão meio triste, mas tentando, obviamente não
demonstrar.

Ranik cerrou os punhos, furiosa.

17. LEMBRANÇAS DE SOFRIMENTO

- Dra., eu acho que a minha febre está... aumen... tando? - Iluzia olhou para porta branca do
quarto.

Tudo girava. Ela provavelmente teria alucinações devido ao alto grau de febre. Olhou então
para mesinha de cabeceira logo ao lado da cama do centro curandeiro da cidade e reparou...
Era um pote de barro com algum líquido estranho dentro. Tinha um bilhete dizendo:

“Beba isso, Iluzia.


Ass: Médica”

Ela bebeu e começou a realmente viajar... Viajar em outro tempo. Outro espaço.

Estava de pé e em sua frente, haviam pessoas. Pelo menos umas 5 pessoas. Todas mais altas
que si. Todas com vestes de magos, robes brancos, azuis e cinzas. Eles a encaravam. Não dava
para ver seus rostos, mas ela podia senti-los, nada felizes.

- Iluzia... Como pôde?

- O que querem dizer...? - Ela amuou, olhando para baixo. Parecia péssima de humor
também. Mas era porque sentia-se julgada.

- Você... Não honrou seus compromissos. Sabe o que isso significa?

- N-não... Não, vocês não precisam! - Ela gritou, agora parecia assustada.

- Está expulsa...

Expulsa. Expulsa. Expulsa de sua cidade. Expulsa de sua casa. Expulsa de sua família.
Expulsa de sua guilda de magos.

De repente, outro lapso. Outra imagem. Outra memória dissolvida pelo tempo e espaço.

Ela estava em um vilarejo. De repente, vinha vindo em sua direção um deles. Um dos
cavaleiros de armadura negra. Ele estava sobre um cavalo e com uma espada enorme na sua
mão. A lâmina da espada era negra.

Ela sabia... a maldição.

E então, ela respirou fundo e esperou-o vir. Ele já devia ser muito mais alto que aquela
coisinha mágica em pé, imagina em cima de um cavalo. Pois é... Mas ela apenas aguardava ali,
parada.

E pelo visto, ela era bem, bem nova.

E quando ele finalmente ia cortá-la ao meio com a espadona e passar com o cavalo por cima
de seu corpo dividido em dois e banhado em seu sangue vermelho, ela...

Ficou com os olhos brancos.

E a figura negra a sua frente dissolveu-se como se fosse papel molhado...

De repente, passos armadurados. Alguém parou logo ali atrás, outro cavaleiro. E a encarou
horrorizado.

Iluzia encarou-o com uma cara imutável de nada e frieza. Em seu rosto, apenas uma gotícula
do sangue do guerreiro E do cavalo sobrara, como se fosse agora, apenas história.

A pessoa que viu, largou uma espada no chão, e tremendo de medo, virou-se e saiu correndo
do monstro.

O vilarejo ao seu redor pegava fogo...

E por fim, mais uma lembrança... Uma tão linda, tão linda, mas que agora era tão triste, tão
triste por ter partido, mas que ela não queria mais esquecer-se.

Ranik com muito menos idade, mas já aquilo tudo de aptidão física e altura, corria. Suas
roupas eram farrapos em frangalhos. Não tinha nenhuma arma, nenhuma armadura e
nenhum alimento. Estava suja, suada, faminta e morrendo, morrendo de medo.

Corria e fugia, corria e fugia. E então, em uma cidade destruída, caída aos pedaços, ela se
escondia.

E pro seu desparazer, viu adentrar naquele beco escuro, úmido e fétido uma pessoa.

Cabelos loiros voando ao vento. Roupas azuladas-claras tão novas e brilhantes. E a face
completamente sem sentimentos. Vinha em sua direção com a mana acesa na mão...
Mas Ranik encarou-a com um olhar tão amedrontado.

Tão sem esperanças.

Que Iluzia teve que parar a energia em seu punho. Encarou-a confusa.

- Quem... é você? - Perguntou a maga, sem entender. Ela era menor, mas era mais velha. E
também mais forte, aparentemente.

Se bem que qualquer um seria mais forte que uma pessoa acuada, faminta e desarmada...

- E-eu... Eu... - Ranik abaixou-se e agarrou os próprios joelhos. Começou a chorar ali, largada
e penosamente, sem se segurar.

Iluzia nunca tinha visto isso antes... Alguém se estilhaçar assim em tantos pedaços, sem mais
uma gota de orgulho ou coragem.

Naquele momento, ela sentiu seu coração enchendo-se com algo quente. E então, seu corpo foi
tomando a atitude automática.

Chegou próxima a garota e a abraçou. Seu corpo tão menor, mas agora tão quentinho. Ranik
arregalou os olhos incrédula.

- Por que...? Por que está fazendo isso?

- Eles estão atrás de você, não é? - E Ranik fez “sim” com a cabeça. Iluzia continuou falando,
séria e firme. - Você quer ir embora daqui?

Ranik encarou a loira que não conhecia – e que não a conhecia de volta.

- Quer sumir desse lugar, dessas pessoas e dessa vida para sempre?

Ranik fez “sim” com a cabeça, em desespero.

Iluzia abriu um sorriso doce, e separando seus corpos, estendeu a mão para ela num ato de
esperança.

- Então, venha comigo...

Ranik em meio a lágrimas, abriu um sorriso.

---

- O que sua amiga está fazendo lá!? - Ranik perguntou, seus olhos frios, sua cara de raiva.

Tudo seria ainda mais assustador, se ela não tivesse derrubado a barraca com uma cabeçada,
quando levantou-se com fúria ao ouvir de Noctana que Glaz, amiga ladina sua, estava com
Iluzia no centro médico de Velejo.

- Você acabou de derrubar minha barraca. Obrigada.


- Dane-se! - E então, Ranik foi andando até a assassina e agarrou-a pelos ombros, apertando-
os com uma certa força.

A expressão da assassina não modificou-se, apesar de com certeza, não estar sendo muito
agradável.

- Se esse é o seu agradecimento por salvarmos a vida da sua amiga, então eu...

- SALVAR!? para começo de conversa, se você não tivesse nos levado paraquele esgoto...
RAIOS, se você não tivesse roubado as pistas...!

“Ela realmente me culpa” pensou Noctana, fazendo uma cara meio infeliz. Mas então,
retornou a sua face fria de sempre.

- ATÉ QUANDO VAI JOGAR TODA A CULPA EM CIMA DE MIM!? - Disse a ladina, pela
primeira vez, levantando a voz.

Ela sempre tinha aquela voz arrastada e baixa, levemente sexy. Mas agora, pela primeira vez,
sua voz fora claramente ouvida, não só por Ranik, mas por todos ao redor (mesmo que eles
não pudessem ver nada, considerando que elas ainda estavam nos escombros de pano e feno).

Ranik fez uma cara um tanto quanto perturbada.

Ela tinha razão...?

Mas ela não tinha...?

Ranik colocou as mãos na cabeça e sacudiu-a. Noctana ficou com uma expressão
completamente perdida só de vê-la assim. Não entendia o que estava acontecendo...

E então, lembrou-se de uma coisa que ocorrera lá no início do encontro das duas. A luta na
Mina de Lótus, o ataque que o mago negro dera na guerreira, a ilusão do passado sombrio...

Onde de joelhos, a guerreirona chorava sem parar, como se estivesse realmente sofrendo a
ponto de, fisicamente, sentir dor.

O passado de Ranik era marcado por algum trauma, algum arrependimento tão grande,
assim como o seu. Por isso que... Por isso que essa acusação a pegou-a desprevenida. E agora...
Ela estava transtornada.

- Urgh... Arh... - Ela continuava sacudindo a cabeça, sentindo-se mal. Muito mal.

“Iluzia está mal... Iluzia agora está com uma inimiga... Noctana roubou tudo... Roubou o
dinheiro, mas a culpa foi minha... Roubou as pistas, mas foi minha culpa também... Iluzia foi
envenenada por minha culpa, porque eu fui fraca... Se eu não tivesse... Se eu não tivesse me
tornado...” e então, ela parou de pensar aquilo tudo e de sacudir a cabeça, quando sentiu a
mão da menor tocar sua mão com... carinho...?

Ranik abriu os olhos lacrimejados e encarou Noctana, olhando para si com uma expressão
que ela só havia visto uma vez na vida...

Esperança.
18. AMIGOS E INIMIGOS

Iluzia acordou num baque. E de repente, sentiu a quantidade enorme de suor que molhava
suas roupas e a cama. Quando olhou pro lado, viu a outra doutora, aquela que a atendeu
quando chegou lá com Ranik. Ela tinha a visto algumas vezes, em meio a alucinações e tudo o
mais. E agora a via claramente, sem mais visão turva ou mente embrulhada.

- Dra...? - A maga disse, e então, a médica veio correndo até si. Reparou na cama e nas roupas
molhadas, e por conta disso, colocou a mão na testa da loira.

Arregalou os olhos logo depois.

- V-você... você parece melhor! Sua febre passou! - Disse a mulher de branco, incrédula. Iluzia
também estava.

- C-como? Mas eu não estava com um veneno impossível de ser curado sem o antídoto? - Ela
perguntou, olhando paras próprias mãos também ensopadas.

- Sim... Que estranho... - Foi então que a Dra. viu o pote de barro logo ao lado da cama, já
vazio, mas com resíduo de um líquido roxo. Pegou-o e encarou melhor. Cheirou-o logo depois.
- Que isso?

- Ah, foi o remédio que a outra Dra. passou para mim. Ao menos, eu acho que foi um remédio,
sei lá. Ela só me deixou o bilhete para eu tomar, eu tomei, dormi e então...

- Outra Dra.!? Que outra Dra.!? - A médica arregalou os olhos, chocada.

- Ahn... A que fica aqui a noite?

- Ninguém fica aqui a noite, querida. Só tem eu de Dra. na cidade toda, e minhas enfermeiras,
é claro. Mas todo mundo se retira para dormir em casa e volta no dia seguinte. - Disse ela,
completamente em choque.

- E quem toma conta de quem fica aqui sozinho a noite?

- Colocamos uma magia de alerta, onde quando um paciente sente-se pior, com dor ou
qualquer coisa do tipo, nós recebemos o aviso e chegamos aqui o mais rápido o possível para
socorrê-lo. Mas isso não aconteceu com você... - A questão continuava sendo incrível.

Iluzia passou a mão na cabeça.

- Será que foi uma alucinação da febre, então?

- Se fosse, como teria esse remédio que você tomou aqui? - Ela mostrou o pote de barro, ainda
incomodada. - Será que... isso é o antídoto?

Iluzia continuava completamente bestificada, assim como a médica de Velejo.

“Será que Ranik tem algo a ver com isso?” pensou a maguinha, já levantando-se para poder
tomar um banho e trocar de roupa. “Onde será que ela está agora...?”
---

- Não é sua culpa. - Noctana disse. As duas, ela e Ranik, arrumavam a barraca da assassina
que havia sido derrubada pela cabeça da guerreira em um momento de tensão.

- Uhhhh... Ainda que você diga isso, eu não consigo me convencer. - A guerreirona disse,
sacudindo negativamente a cabeça.

- Achei que estava segura de que a culpa era minha. Afinal, eu roubei vocês e roubei as pistas,
né?

- Bom, você mesma me disse que seu objetivo de vida é ir atrás desses magos negros, então não
te culpo por ter roubado as pistas, mas... Você podia deixar a gente ajudar você nisso. Não foi
isso que você me pediu? - A guerreira altona disse, meio incomodada.

- Eu disse para me ajudar, mas não andando comigo...

- Disse para eu pegar missões sobre oculto, bom, a minha missão era a mesma que a sua, então
a gente podia ter se ajudado ao invés de ter ido uma contra a outra. - A guerreira disse,
assentindo seu arrependimento no seu tom de voz.

- Bem... - Noctana pensou em um milhão de coisas para dizer, mas não conseguiu. Todas elas
incluíam algo que ela preferia esconder no momento. Algo como...

“Eu faria tranquilamente a missão ao seu lado, mas não quero fazê-lo ao lado daquela maga
maldita”, de qualquer forma, soaria meio... ciumento?

- Eu não tenho como te devolver seu dinheiro agora. - Preferiu dizer, mudando de assunto.
Ranik encarou-a curiosa. - Eu acabei comparando equipamentos para mim e também
suprimentos para trazer para cá, então...

- Bem, depois a gente resolve isso. - Ranik deu de ombros. - Mas se a gente levasse as pistas de
volta para o Rei de Veligrad, acho que ele nos pagaria um bom dinheiro, e isso poderia
compensar a grana que você roubou de n...

Noctana a interrompeu, com uma cara beeem assustadora:

- Vocês estão investigando o oculto a mando do Rei de Veligrad!? - Ela perguntou, suas íris
negras em suas pupilas verdes ficaram beeeem pequenininhas, só com tamanho o choque.

- Aham, por quê?

- Ele não é confiável. Nada... Nada confiável. - Noctana disse, parecia super incomodada
agora.

Ranik inspirou fundo.

- Não é como se eu confiasse nele também, mas... - E então, Noctana virou-se para a
guerreirona.

- Estão vindo para cá! - Disse ela, pressentindo algo que a grandona não conseguia pressentir.
- Quem!?

Antes que Ranik pudesse dizer mais alguma coisa, Noctana puxou-a pelo pulso para elas duas
esconderem-se atrás dos destroços de sua barraca.

Os moradores da vila desconhecida já se prepararam com seus arquinhos e adagas, prontos


para encarar o que quer que viesse ali.

E era exatamente quem pensavam...

Guardas do Conde de Velejo, armados até os dentes. Eles usavam armaduras completas de
aço. Armas de duas mãos ou espadas e escudos. Enfim, estavam muito bem preparados. Era
uma tremenda injustiça com os mirrados e quase desarmados moradores pobres dali.

- Que filhos da puta! - Disse Ranik, furiosa.

- Vamos fugir. - Noctana disse, e então, a guerreira a encarou sem acreditar.

- O que quer dizer!? Vamos lutar! Esses pobres moradores não vão conseguir sozinhos! Eles
vão morrer!

- Fazer o quê? Os soldados estão em maior número, têm armas e armaduras melhores que as
nossas... A gente não tem nenhuma chance em uma batalha direta. - E logo depois que a
assassina disse isso, Ranik apertou os olhos e...

Saiu correndo para fora do esconderijo. Noctana passou a mão no rosto completamente
incrédula e frustrada.

- AAAHHHH!!! - Ranik foi atirando conforme conseguia, usando seu arco incrível que
Udarak havia lhe dado.

E ele era REALMENTE incrível.

Sem contar que os olhos de águia da guerreira ajudavam. Ela conseguia acertar os pequenos
vãos das armaduras dos guardas, fazendo-os caírem no chão rapidamente, como peças de
dominó.

Os moradores da vila estavam impressionados, assim como Noctana.

Mas era óbvio que logo eles sacariam a estratégia da guerreira e se protegeriam. E foi o que
eles fizeram, conseguindo “esconderijos” também. E alguns, mais corajosos, seguiram em
frente, tentando se aproximar da guerreira, protegendo-se com seus escudos reais.

Eles tinham o brasão do Conde de Velejo neles. Era tão óbvio e absurdo. Como um monte de
caras grandalhões e fortes, armados e armadurados, toparam atacar um monte de pobretões
sem nem uma carne no corpo direito?! Que absurdo!

Um já conseguiu se aproximar de Ranik. Problema: A grandalhona não tinha mais arma de


corpo-a-corpo e não conseguiria lutar naquela distância usando o arco. E agora, o que faria!?
Ele tentou lhe atacar com sua espada de uma mão, enquanto segurava o escudo com a outra, e
ela tentou escapar.
E escapou de uns três golpes seguidos, até que tomou uma espadada bem dada na lateral da
cintura, ferindo-a onde não havia armadura para proteger.

- URGH! - Quando viu isso, a assassina logo saltou das sombras para cima do homenzarrão,
subindo nele como fez com o troll, e cravou as adagas dos lados da cabeça dele, fazendo-o
estrebuchar e cair no chão.

- De nada. - Ela disse para Ranik, que sorriu para ela.

Mas a ferida em sua cintura não era nada agradável e sangrava muito. Noctana ficara
preocupada.

Só que logo ali atrás, vinham mais alguns soldados. Noctana virou-se para tentar defender-se
deles, mas eram muitos, pelo menos uns 5. Ranik tinha conseguido fazer a limpa na maioria
com aquelas suas flechadas kamikase, mas pelo visto, não tinham muita chance mesmo. Os
pobres da vila tentavam atirar suas flechas, mas não tinham o olho de águia de Ranik, então
não conseguiam acertar direito nada exceto a armadura de aço que os cobria quase todos, não
dando a menor chance.

Como uma ladina de 1,50~1,60 de altura com uma roupa de couro escuro leve e duas adagas
conseguiria derrotar 5 guerreiros armadurados de aço, espadas longas e escudos!?

Provavelmente era o fim. Noctana encarou Ranik, caída no chão. Ela tentava brigar consigo
mesma para poder levantar-se e continuar a luta, afinal, fora sua ideia resistir ao invés de
fugir, mas a dor era extrema e o sangramento não parava. A ladina suspirou...

Talvez...

Se usasse “aquilo”...

E então, de repente, seus olhos de verdes, ficaram vermelhos. E ela enxergou pontos
específicos nos corpos dos 5, pontos também vermelhos, enquanto tudo, ao redor, ficara preto
e branco, e muito, muito mais lento...

Porém, antes de usar mais alguma coisa, os sujeitos levaram flechadas em pontos perfeitos,
assim como Ranik havia feito e caíram no chão.

Noctana “desligou” sua habilidade, incrédula.

O que tinha acontecido?!

- Por algum motivo, achei que precisavam de ajuda! - Disse Udarak, aparecendo logo ali com
suas duas bestas, uma em cada mão.

Noctana abriu um sorriso um tanto quanto triste para ele:

- Uda...rak? Eu... Eu achei que estava morto. - Disse ela, parecendo realmente feliz em vê-lo.
Coisa que era rara com Noctana.

- Eu tenho ainda... muita vida para viver, querida. - Disse ele, sorrindo, confiante.
19. MALDIÇÃO DAS TREVAS

Iluzia encontrava-se nos esgotos de Velejo mais uma vez. Ainda que aquele lugar lhe trouxesse
más lembranças, pois é, ela tinha acabado de se livrar do veneno e lá estava novamente, no
lugar onde adquiriu-o. Era mentalmente cansativo, mas faria isso por Ranik... Precisava
descobrir onde estava a guerreira e como ela estava. E já sabia, se procurava pelo antídoto,
com certeza, voltara naquele lugar.

Foi então, que surpreendeu-se ao ver uma das estantes de bebidas “empurrada” pro lado, e
em seu lugar, um buraco para um lugar meio escuro. Já realizou que foi mesmo ali onde a
guerreira seguira. Mas como é que ela pôde ter descoberto esse lugar? Será que outra pessoa
que abriu para si?

Ela levantou a mão iluminada em mana para poder clarear o caminho e foi seguindo,
preparada para qualquer coisa que atacasse-a de surpresa.

Mas nada aconteceu. E suas andanças levaram-na para um caminho sem passagem, onde
parecia ter acontecido uma derrubada. Um monte de pedras do alto atingiram o caminho
destruindo-o todo e impedindo que qualquer um ultrapassasse. Respirou fundo e torceu
mentalmente para que a guerreirona não tivesse sido esmagada nessa ocorrência, que pela
análise, parecia recente. Mas não... Ranik era muito mais forte que isso, sabia.

E então, notara os túneis laterais que aquele corredorzão de escadarias que desciam possuía.
Resolveu que ia adentrar em um deles para ver no que ia dar...

---

- Vamos para minha casa para discutirmos melhor o assunto. Acho que é melhor para eles que
os deixemos descansar depois desse ataque massivo de Velejo. - Disse o meio-elfo, referindo-se
aos moradores da vila desconhecida.

De volta aquela casa, Ranik encontrava-se com Udarak e Noctana, conversando sobre as
situações atuais.

- Então, finalmente, o Conde resolveu mandar um ataque massivo, né? Que pena que ele não
contava que nós estivéssemos por lá. - Disse ele, afiando suas flechas de aço.

- Uda, eu achei que estivesse morto. - Noctana repetiu, o meio-elfo riu.

- De novo esse papo, Noctana? - E então, ele encarou-a, transtornado.

- Mas eu vi... Eu vi aquela rajada de chamas queimar seu corpo. Eu vi seu corpo
DESCAMAR. - A assassina disse, fazendo Ranik chocar-se com suas palavras.

- Ilusão... - Disse Udarak, continuando a analisar e afiar cada uma das flechas. - Uma técnica
que aprendi com os magos negros e pude inclusive, ensinar a alguns de vocês.

- Com os magos negros!? - Ranik perguntou, ficando nervosa.


- Eu sou um ex-mago negro. - Disse Udarak, fazendo a guerreira entrar ainda mais em estado
de choque. - Não um dos antigos, um dos novos. Passei uns anos de peregrinação com eles.
Ouvindo de seus sermões. Aprendendo de suas magias. para um meio-elfo, minha quantidade
de mana é grande o suficiente. Mas ainda sim, preferi resolver as coisas através dos meus
arcos e bestas, a vida de feiticeiro não é para mim.

- Pera! Então você os ajudou com seus planos malignos!? - Ranik continuava transtornada.

Noctana apenas continuava sem dizer nada, resignada.

- Em parte, sim... Por um tempo. Mas eu me arrependo. Háh, dizer isso não deve convencer
você, mas... Um mago negro deixaria você para morrer no meio do mato, não acha? - Udarak
disse, muito sério.

Ranik cerrou os dentes. Como poderia confiar nele?

Por que Noctana confiava se odiava tanto assim as forças obscuras!?

- Como pode confiar nele!? Achei que odiasse tudo ligado ao oculto! - Disse a grandalhona,
perturbada.

Noctana nada respondeu, apenas levantou-se e pegou uma das flechas de aço que Udarak
estava afiando.

- Hey, não! - Udarak disse, rapidamente, mas então...

A lâmina afiada da flecha de aço, rapidamente, mudou-se de coloração para... um negro


poderosíssimo.

Sim, assim como as adagas da ladina. Ranik ficou a encarar aquilo, chocada.

- As... lâminas negras?

- É uma técnica nova dos magos negros. Ela já estava sendo testada na “minha época”, mas
não tinha sido posta em prática. - Noctana inspirou fundo e continuou falando. - Isso é como
uma maldição. Qualquer metal que eu toco por muito tempo acaba ficando assim. Quando eu
entro em lugares sagrados, eu me machuco, sinto dor. Eu tenho o sangue “apodrecido” pelos
malditos magos negros desde aquelas épocas. A ideia deles funcionou. Mas isso me é uma
desvantagem e vantagem ao mesmo tempo. Ainda sim, eu odeio... odeio isso.

- Assim como Noctana, como um novo mago negro, eu tive o sangue modificado e
amaldiçoado. - Disse Udarak, colocando a mão no ombro da amiga sombria. - Mas eu
consegui me livrar da maldição.

- C-conseguiu como!?

- Um mago de luz me curou. Eu o procurei mais tarde para poder fazer o mesmo para
Noctana, mas... Ele já tinha sido encontrado pelo clã obscuro de magos. Eles o mataram.
Nunca mais encontrei nenhum feiticeiro forte o suficiente para retirar a magia da pequena. E
ela, obviamente a odeia...

- Eu a odeio porque ela me lembra meu passado... O passado doloroso que você viu e que eu
quero esquecer. - Noctana colocou a mão na face.

- Então, isso é uma técnica nova dos magos negros. E você foi testada com essa técnica pela
primeira vez. Isso amaldiçoa seu sangue, fazendo você ser vulnerável a qualquer coisa sagrada
e iluminada, enquanto automaticamente, todas as lâminas que você adquire por muito tempo
ficam amaldiçoadas também, ficando assim mais fortes, exceto é claro... contra seres de luz? -
Ranik repôs todas as informações no cérebro.

Noctana fez sim com a cabeça.

- Eu, apesar de ser uma caçadora de seres obscuros, posso muito bem me passar por eles sem
ser atacada, exatamente por conta dessa maldição. Por isso que, para mim, é mais fácil lutar
contra essa realidade do que você ou... Ou Udarak por exemplo. - Disse a assassina, encarando
o amigo meio-elfo.

- Mais fácil do que para ele? Mas ele é um ex-mago-negro!

- Exato, “ex”... Desde que eu me curei do sangue amaldiçoado, sou “lido” como um ser de luz.
Então, eles buscam pela minha cabeça até mais que pela cabeça da pequena. - Udarak colocou
a mão na cabeça de Noctana, que olhava com seus olhos verdes profundamente pros
alaranjados de Ranik.

- Por isso que confio nele. Porque ele não tem como nos trair mesmo se quisesse... - Disse a
garota das sombras, colocando a flecha sobre a mesa. Esta não voltaria ao normal nunca mais.

- Porcaria, não posso mais usar essa flecha! - Disse ele, suspirando. Jogando a flecha pela
janela da casa.

Ranik parecia super pensativa, mas não por tudo que acabara de descobrir, mas pelo que
pensara logo a seguir...

“Iluzia era membro da guilda dos magos iluminados. Será que ela poderia curar Noctana da
maldição?”

---

Iluzia continuou andando por muito, muito tempo. Por um instante, sentiu-se arrependida de
ter ido ali. Mas pensando bem... Precisava saber onde Ranik estava, então, não podia desistir.
Mas suas pernas já estavam doloridas de tanto andar. Sua mana ainda estava média de
acender a magiazinha de luz. Por sorte, tinha sido esperta e trouxera consigo algumas poções
de recuperação de mana. Ainda sim, quanto mais seguia por aqueles corredores tortuosos,
mais úmido, escuro e frio ficava. Ela já abraçava o próprio corpo tremendo.

Foi então que enxergou...

Um portal esverdeado logo no fim do corredor. Atrás dele, pelo visto, uma parede, indicando
seu fim. Ao redor do portal, alguns crânios humanos pendurados e expostos sobre estacas
negras. Sim, não era nada bom.

Será que ela realmente deveria entrar ali!?

Pensou em Ranik. Sim, precisava dar um jeito. Tinha que... que investigar.
De repente, teve uma ideia. Cobriu seu próprio corpo com mana, bebendo a poção logo depois
e então, o corpinho diminuto da loira...

Desapareceu.

Ela tinha acabado de usar uma magia de invisibilidade, para logo depois, adentrar no portal
esverdeado maligno.

---

- Certo, qual é o próximo passo? - Noctana perguntou para Udarak, impaciente.

- Bem, pelo que a guerreirona aí falou, o Rei de Veligrad também está atrás dos segredos dos
magos negros. E isso não é uma boa notícia. Mas a gente pode usá-la como nossa fonte de
informação a respeito do que eles já sabem... - Disse Udarak, e então, aproximou-se da
assassina e estendeu a mão. - Entregue ao menos parte das pistas que você adquiriu na torre
de Divjina.

- Quê? Por quê!?

- Vamos dar ao Rei alguma coisa para seguir. - Depois de entregar os documentos, ainda que
meio indecisa, Noctana cruzou os braços. Udarak virou-se para Ranik, apontando para ela. -
E você, você quem vai levá-lo para onde queremos que ele esteja!

- C-como assim? - Perguntou a altona, confusa.

- Você vai voltar para Veligrad, vai entregar esses documentos para o Rei e dizer que foi tudo
o que achou na torre negra. E então, vai aguardar a próxima missão que ele lhe entregar...
Essa próxima missão vai nos informar onde devemos ir PRIMEIRO! - Disse o meio-elfo super
esperto, com uma cara sarcástica. - Aproveita para pedir pros guerreirinhos de lá te
arrumarem uma espada, guerreira mista.

- Erm...

- Eu crente que você era uma arqueira fodona! Hunf! - Disse ele, e então, arrumou sua bolsa
de viagem. - Então, vamos lá!

“Preciso passar em Velejo primeiro para buscar Iluzia. Espero que Noctana esteja certa e ela
esteja bem!” pensou Ranik, preocupada.

20. SOLUÇÕES E PROBLEMAS

Ranik realmente passou no centro médico e curandeiro de Velejo. E para sua desgraça, Iluzia
não estava mais lá. Ela tentou se informar com a Doutora, mas ela apenas disse:

- Ela saiu rapidamente, assim que melhorou do veneno. Acredito que estava preocupada com
você ou algo do tipo. Tentei pedir para que tivesse paciência que, cedo ou tarde, você viria
buscá-la, mas ela disse que se você não apareceu antes é porque provavelmente estava com
problemas. - Respondeu a médica.
- Mas que DROGA! - Disse Ranik, socando a parede. Noctana, do seu lado, mantinha a
mesma expressão fria, mas por dentro, ela sentia uma leve pontada...

- Ela deve ter ido te procurar no esgoto. Isso é ruim. - Disse a assassina, cruzando os braços e
fechando os olhos.

- Porque está interditado o caminho e ela não vai conseguir nem mesmo sair na floresta azul
como eu saí! - Disse a guerreirona, e então, Noctana abriu os olhos, surpresa.

- Interditado? - Ela piscou algumas vezes.

- Sim, pedras desabaram e fecharam o caminho...

- Então isso é ainda pior. - Noctana coçou o queixo. - para dizer a verdade, aquele lugar é
paraticamente um labirinto, e tem várias saídas para vários lugares diferentes, então... Se ela
ainda não está presa lá, ela no mínimo saiu em um completo outro lugar. - Disse, sendo lógica.

Ranik arregalou os olhos.

- Como assim outro lugar!? Em que outros lugares aquela porcaria leva? Em QUANTOS
OUTROS!? - A guerreira estava mesmo preocupada. A maga era REALMENTE importante
para si. Noctana suspirou, enquanto revelava o que sabia da passagem para grandona.

- Floresta Sombria. Outras saídas para Floresta Azul. Becos perigosos de Velejo. Esses são só
os que eu lembro... Mas acho que é isso mesmo.

- URGH! Como vamos encontrar ela!? - A guerreira colocou as mãos na cabeça, quase
arrancando os cabelos de preocupação.

Noctana suspirou de frustração.

- Ela vai ficar bem. - Disse, e então, Ranik a encarou, realmente furiosa consigo por ter dito
isso.

- COMO ASSIM?!

- Ela é forte, pelo visto, mais forte que você. Você se vira sozinha, então, ela se vira também.
Independente de onde ela tenha saído, ela vai perceber que você não está lá e provavelmente
vai te esperar em algum lugar conhecido das duas, talvez aquela casa-da-árvore dela, sei lá...
Ela se vira. - Noctana disse, de uma vez. - Afinal, nós temos que ir para Veligrad, porque você
tem que entregar os planos pro Rei e...

- …! - Ranik bufou, incomodada.

- Você sabe onde ela está? Não sabe. Você tem tempo agora para poder procurá-la em todos os
lugares possíveis? Mal sabemos todos os lugares possíveis. Se você for atrás, sem pista
nenhuma, no mínimo só vai desencontrar mais com ela. Então é mais lógico se você... - E foi
interrompida por uma guerreira amuada.

- Eu sei disso. - Disse Ranik, cruzando os braços. - Se ao menos houvesse um jeito de... de me
comunicar com ela à distância.
- Teria, se ela fosse uma maga realmente poderosa. Os magos negros que eu conheci tinham a
habilidade de se comunicarem telepaticamente uns com os outros. - Disse Noctana, cruzando
os braços e andando sozinha, enquanto Ranik estava lá parada, atualmente pensativa.

- HEY!!! - Ranik foi correndo e parou na frente da baixinha sombria com o dedo indicador
levantado em riste, como se tivesse uma grande ideia. - ISSO!!!

- Ahn?

- Vamos atacar os magos negros na próxima missão que o Rei me mandar, e assim, eu vou
TORTURÁ-LOS até que eles possam me ajudar a me comunicar com Iluzia! - Ranik disse,
com um sorrisão enorme.

Noctana pensou seriamente em dizer:

“Está doida!? para começar, o mago provavelmente vai preferir morrer a ajudar você, não
importa o quanto você o torture, ou sei lá que maluquice você pretende fazer para convencê-
lo, porque eles tem um juramento cheio de palhaçada, em que eles preferem a morte a se
entregarem ao inimigo. Em segundo lugar, isso na verdade, provavelmente, vai dar a
localização da sua amiguinha idiota, automaticamente, colocando a cabeça dela a prêmio
perante toda a sociedade negra. Ou seja, é um tiro no pé... puro suicídio (isso, se na melhor
das hipóteses, funcionar)”, mas...

- Boa ideia. - Foi o que disse, afinal, queria que Ranik fosse logo exercer o plano dela e de
Udarak (que disse que tinha que resolver alguns assuntos e “sumiu”).

- Então, vamos logo para Veligrad! - Concluiu a guerreira enorme.

- Estava aguardando ansiosamente. - Respondeu inexpressiva (porém satisfeita) a assassina.

---

Finalmente em Veligrad, exatamente na frente da grande muralha, mas ainda escondidas


pelas árvores da Florestona (sem nome). Ranik encarava às vezes a árvore milenar colossal
que dava origem a residência de sua amiga loira, e logo sentia-se um tanto quanto perturbada
por sua ausência. Noctana tentava ignorar isso (porque lhe incomodava, logicamente). E
enfim, as duas combinaram o que faltava do plano:

- Eu, obviamente, não vou entrar. Sou uma procurada pela justiça. Não piso de maneira
alguma nessa maldita cidade Real. - Concluiu a baixinha. - Te espero aqui fora. Você me passa
as informações, de preferência de madrugada. Te encontro... - E então, ela encarou a casa-
árvore. - Na frente da casa da sua amiga.

- Nada de invadir lá e roubar mais coisa alguma, hein! - Disse Ranik, implicando. Noctana
suspirou.

- Não vou. Não me interessa mais nada que tem naquela espelunca. - Disse pura e
simplesmente. Ranik sorriu confiante e fez “sim” com a cabeça, finalmente indo adentrar na
fortaleza poderosa de Veligrad.

“Espero que ela não ferre com tudo... O que será que nos espera? Espero que Udarak esteja
certo e que seu plano não falhe. E sobre o plano maluco de Ranik... Espero que ISSO também
não atrapalhe. Mas eu sei que se a loirinha morrer, ela vai ficar... destruída. Não morra
também, loira idiota.” Noctana abaixou a cabeça. “Acho que vou aproveitar o tempo que
ainda tenho e... Vou procurar por ela!”, e então, a assassina criou um portal vermelho e saiu
dali.

---

Finalmente no castelo, Ranik foi permitida a adentrar na área para os cavaleiros reais. E
rapidamente, Sir Mysic apareceu para falar com ela, mas é claro.

- Erm... Oi. - Ela disse, com uma cara bem infeliz (mas é claro também).

- Olá, querida Ranik! Vejo que finalmente retornou apesar da demora! Espero que a missão
não tenha sido tão complexa assim! - Disse o homem, e não, ele não parecia sincero. Por algum
motivo, a guerreirona achava que se elas duas (ela e Iluzia) tivessem morrido na missão, o
sujeito ficaria feliz.

- Não, foi moleza. - Disse a guerreira, mentindo.

- Então, por que a demora? E sua amiguinha loirinha... ela não parece estar aqui, por quê? -
Disse ele, olhando ao redor descaradamente, quando era óbvio que não era necessário aquele
esforço todo para procurar Iluzia, quando ela claramente não estava ali e isso era visível.

- Ahn... Utilizou toda a mana, então está em casa descansando. - Mentiu Ranik, e logo depois,
com a cara mais que emburrada, estendeu a mão com os papéis que possuía. Os únicos que
Noctana liberara para si.

- Ohhhh! Então esses são os documentos que conseguiu encontrar sobre os magos negros, né?
As provas! Oh, o Rei ficará muito, muito feliz de saber que conseguiu! - Pegou o Sir os papéis,
olhando-os, mas pelo visto, ainda não tinha desistido da implicância. - Mas então,
considerando que sua amiguinha loira conseguia criar um portal para Divijna, por que é que
vocês duas não voltaram antes, hein?

- Ah, que insistência! - Disse Ranik, incomodada demais com aquele sabichão de merda. Ele
queria lhe pegar com algum erro seu, mas ela não daria mole. - Acabamos trepando e
perdendo a hora! Foi isso!

Disse a guerreira de uma vez. E nesse instante, vários cavaleiros pararam de treinar (ou de
fazer o que faziam) e encararam com os olhos arregalados para guerreirona, assim como
Mysic, que parou de ler os papéis e encarava estapafúrdio para a altona (que era mais baixa
que si ainda)...

E daí, ele começou a rir.

- HAAHAHAHA! Você é mesmo muito engraçada, Ranik! Fico feliz de estar trabalhando ao
seu lado!

- Não posso dizer o mesmo... - Disse ela, cruzando os braços incomodada.

- Mas te falar... - E então, a face de Mysic mudara completamente para algo sério e... maligno.
E logo, um sorrisinho de canto de boca surgiu de repente, como se ele tivesse acabado de
pensar num xeque-mate específico. E foi verdadeiro. - O Rei ficou preocupado com vocês
duas, digo, não que vocês fossem vilãs ou coisa assim, mas... Ele afinal queria saber com quem
estava lidando, então... Contratou os melhores investigadores de todo Allas. Sabe como é, né?
Rede de informações reais podem ser bem efetivas.

Ranik espremeu os olhos incomodada com o que viria a seguir:

- O que quer dizer, Mysic!? - Ela nem o chamava de Sir, porque nem o respeitava para isso.

- Quero dizer que... Eu realmente fico abismado que uma maga da ordem das luzes possa
namorar com você, mas... AH É, faz sentido... Ela foi expulsa! Hahaha! - E então, a face dele
tornou-se ainda mais obscura. - E por sua causa.

Ranik pareceu que ia explodir... Não, ela ia mesmo.

COMO AQUELE MALDITO OUSAVA LEMBRAR-LHE DE TAL COISA?!!??!

21. QUANTO MAIOR A ESPADA

- CALE A BOCA!!! - Ranik voou para cima do Sir, ainda que ele tivesse uma espada gigante
nas costas e ela só tivesse um arco (ainda que novo), naquela distância não era lá muito
apropriada.

Ela tentou lhe dar um soco, mas ele escapuliu esquivando-se para trás.

- Hey, suave... - Ele disse, pegando no punho fechado da guerreira, bufando de ódio. - Vocês
estão limpas, é isso que importa.

Então, de repente, o ódio parou.

Sim, ele simplesmente parou. Ranik apertou mais os olhos, e logo puxou sua mão de volta
para si, meio estranhada. Sir Mysic também ficara. Por que seria?

Ele resolveu continuar espezinhando para ver no que dava:

- Você ficou com ódio só porque eu descobri isso? Que ela era da ordem dos magos de luz e
que foi expulsa pelo namorinho de vocês? Ora essa, todo mundo sabe que magos de luz
precisam se manter sem relacionamentos, tal qual padres ou bispos, coisas assim. Sendo que
você disse que as duas transaram, então, eu concluí que isso não incomodaria você. - Ele
levantou a mão, tocando um dane-se.

Mas Ranik também tocou, estranhamente.

- Ah... - Disse a guerreira, com cara de tédio, e não mais de ódio mortal. Isso incomodou Mysic
levemente. Pelo visto, ele queria irritá-la, mas foi apenas uma faísca e não uma explosão.
Apenas um alarme falso. - Era só isso? Ok, então.

- Só isso? Você está querendo dizer que há mais alguma coisa que eu e o Rei não sabemos
sobre vocês duas?

- Há uma coisa sobre mim que vocês não sabem sim... - Disse Ranik de repente. O Sir logo
arregalou os olhos.
- E o que é?

- Odeio cavaleiros reais metidos a besta. - Ranik disse, dando de ombros e de costas pro Sir,
que ficou com cara de bunda. - Qual é a próxima missão? Eu preciso de uma arma nova, a
minha ficou presa na carne de um troll que derrotamos na torre negra...

- Urgh... Bem, o Rei de Veligrad já estava preparando um presente para você, considerando
aquela sua espada bastarda ruim e gasta. - Disse o Sir, passando na frente dela, e dizendo isso
apenas para implicar mais um pouco, pelo visto.

Ranik deu uma bufada, mas não disse nada, apenas o seguiu.

Armarinho de armas real. Não é como se Ranik tivesse algum tipo de atração por armas com
escudos reais de Veligrad, mas... Aquele armarinho recheado de equipamentos era realmente
impressionante. Ela ficou um tanto quanto idiota olhando as coisas com brilho nos olhos. Por
um instante, Mysic até pareceu ter deixado de ser um babaca para achar divertido a animação
da grandalhona como ele.

- Heh... Bem, aqui está a belezinha. Só há... uma irmã dela existente no mundo, ok? - Disse
Mysic, esticando o braço e mostrando pendurada na parede aquela enorme espada.

Sim, outra greatsword de lâmina escura (não negra, claro, não é amaldiçoada) e com o dragão
em chamas. Ranik ficou completamente bestificada. Sim, era igualzinha a do Mysic, mas...
mesmo assim... era linda!

Sabia admirar uma boa arma quando via uma.

- Mas... essa espada é igual a sua! - Disse a guerreirona, olhando estranhada pro cavaleiro.
Que esquisito ele agir consigo de maneira REALMENTE agradável e não sendo um total e
completo escroto.

- Pois é. Eu contei sobre suas habilidades de combate pro Rei. E ele notara seu porte físico,
então digamos que... Ele analisou as probabilidades e concluiu que o melhor seria se você
ganhasse a melhor arma que a guarda real de Veligrad pode oferecer. E nada melhor que essa
belezinha! - Disse ele, soltando a espada da parede e entregando-a para guerreira, que
continuava meio idiota com aquilo.

Ranik não reagia tão bem assim a “elogios”.

- Ahm... O-ok. Obrigada eu acho.

- Você está levemente transtornada, chega a ser... ahn... fofinho? Heh!

- QUÊ!? VÁ TE CATAR!!! - Disse a grandalhona, colocando a espadona nas costas e saindo


dali.

- Bem, sua próxima missão vai ser em uma caverna rochosa na região montanhosa de Planina.

- A cidade das montanhas e vales, ok... Localizaram alguma coisa lá?


- Sim, nossos magos reais novamente conseguiram encontrar um enorme acúmulo de energia
negra. E esse parece ser ainda maior que o da torre, logo, eu sugiro que leve sua amiga maga
assim que ela estiver recuperada, o que significa que... Você terá um tempo de folga! Vá na
pousada, tome umas cervejas na taverna da gost... da Sekhs. Enfim, passe um tempo até
estarem 100% bem, porque essa missão será ainda mais desafiadora que a anterior! - Disse
Mysic, conclusivo. Ranik fez cara de tédio, mas não era lá tão sincera, ela não estava mais tão
em cabo de guerra com o grandalhão, apesar das provocações sobre Iluzia e seu passado.

- Báh, eu já disse que a missão anterior foi fichinha... Enfim, vou aproveitar os conselhos e vou
visitar a gost... Sekhs mesmo. - Ranik deu um tchauzinho de costas saindo da área dos
guerreiros do rei.

Mysic a encarou indo embora e com uma cara preocupada, deu um longo suspiro.

- Eu sei o que esconde, Ranik... - Disse ele, realmente sério.

---

Centro de Veligrad. Taverna de Sekhs. Há quantos looongos dias não dava um pulo lá. Desde
a última vez em que a única coisa que sabia de Noctana era seu nome e sua idade. E agora, as
duas pareciam tão mais próximas uma da outra... A verdade é que ainda estava pensativa (e
preocupada) com tudo, então ia espairar bebendo, nada melhor para se fazer que isso.

Sentou-se no balcão como sempre. O lugar estava estranhamente menos povoado que de
costume. Sekhs continuava rebolativa e gostosa. Colocou uma caneca de cerveja gelada em
sua frente.

- Bem-vinda, meu amor... - Disse a gostosona, dando uma piscadela para guerreira, que ficava
um tanto quando corada e perturbada quando ela fazia isso. Ninguém era imune a Sekhs, e
pela frase do cavaleirão real, nem ele era.

- Sekhs... Cheguei a sentir saudades de você.

- Mas é claro que sim, querida. Todo mundo sente! - Disse a deliciosa, colocando cerveja para
alguns trabalhadores cansados que chegavam logo ali. - E então, como estão as coisas com
você, hein? Parece meio abatida. Que houve?

- Achei que sabia de tudo... - Ranik implicou, Sekhs fez uma cara de “sabichona, hein” para
ela.

- Tudo o que sei é que você e a maguinha estão trabalhando pro Rei daqui. O que é algo
incrível, considerando quem vocês são, né? Uma maga expulsa da confederação de magos da
luz e uma mercenária, hehehe... Ainda que você seja atraente, por favor! - Disse Sekhs, mais
uma vez com aquela voz de arrepiar a espinha.

Ranik suspirou.

Mais uma vez a citação do passado de Iluzia. Antes as pessoas, pelo menos, disfarçavam. Será
que isso não significava mais nada!?

- Sabe sobre o que é nosso trabalho?


- Pelas as informações que pediu sobre a assassinazinha das sombras, provavelmente tem a
ver com os magos negros e esses goblins loucos que surgiram na nossa floresta recentemente,
acertei?

- Você não perde uma, Sekhs. - Ranik bebeu a caneca. A dona da taverna deu uma risada
gostosa, que fez alguns homens engasgarem suas bebidas só de prestarem atenção.

- Te perguntar... Da última vez, você tinha dito que você e Iluzia são meras amigas agora, é
verdade isso? - Sekhs pelo visto não sabia de tudo, ou gostava mesmo de implicar. Qual era a
mania das pessoas com ela, Ranik pensava, por que todo mundo gostava de lhe espezinhar?

- Urgh... Sim, é verdade, sim.

- Então, você está namorando a ladrazinha, é isso? - Ranik quase cuspiu cerveja agora.

- N-não! Claro que não! A gente realmente se encontrou e, a gente agora está mais íntima,
mas, não, não temos nada! - E ela estava vermelha até as orelhas.

Sekhs encarou ela com uma cara de safada, dando uns risinhos.

- Estou vendo... Mas há aí uma atração fortíssima, né? Eita, então não seria bom mexer nesse
triângulo trançado de fios do amor, não!

- Triângulo trançado de quê!? - Ranik passou a mão na face, pediu outra caneca, Sekhs lhe
atendeu.

- Eu sei lá, não haveria alguma outra informação que você quisesse saber, não? - Sekhs disse
com uma voz ainda mais manhosa que sua voz normalmente. Ranik não entendeu foi nada.

- Ahn? Está necessitada de grana? - Perguntou a guerreira ingênua.

Sekhs fez uma cara de tédio para a guerreirona.

E então, dando meia volta no balcão, rebolando, fez todas as pessoas do bar pararem de beber,
quando colocou a perna (que quase saiu INTEIRA para fora do decote da saia que usava),
mais especificamente o pé (de salto alto), no meio do banco, entre as pernas de Ranik, que
arregalou os olhos. Logo depois, ela puxou a guerreira pela gola da blusa que saía por sua
couraça de armadura, e aproximando os olhos luxuriosos e muito profundos, e aqueles lábios
carnudos e brilhantes de batom, e disse, com uma voz pecaminosa (tão perto e tão cheirosa):

- Eu estou necessitada de sexo.

- Aaaa... - Ranik deixou a caneca cair no chão.

22. SEDE DE LUXÚRIA

Logo após umas (muitas) cervejas no bar. Por algum motivo subliminar (ou até bem literal),
Ranik aceitou ir para parte de trás da casa de Sekhs. A grandalhona sentou-se no sofá. Sekhs
já tinha fechado o bar mais cedo (nem estava tão movimentado assim, não é mesmo?).
- Essa armadura deve pesar, não é?

- Ah, um pouco, mas eu estou acostumada.

- Tire que eu vou lhe fazer uma massagem. - Disse Sekhs e aquela sua voz de derreter geleiras.

Ranik, corada até a morte, num misto de vergonha e bebedeira, retirou as ombreiras, a
couraça, os braceletes, o cinto e as botas. E rapidamente, usava apenas um conjunto de roupas
normais: Uma camisa sem mangas e calças largas de tecido.

- Hmmm... Estamos melhorando. - Disse Sekhs, e então, foi até as costas do sofá, e
automaticamente, as de Ranik, e começou a lhe massagear os ombros.

- Uhhh... - Ranik disse, sentindo um alívio (e um tesão) colossal.

A mulher realmente sabia o que fazer com as mãos. E cheirava muito bem também. Seus
ombros estavam tão duros... Eram sempre problemas, lutas, trabalhos e equipamentos
pesados.

Fazia tempo que não relaxava um pouco mesmo.

- Acho que... - Sekhs sussurrou no ouvido da grandona, fazendo todos os pelinhos de sua nuca
arrepiarem-se. - Seria melhor ainda se você tirasse a blusa, não é?

- Eu não tenho seios lá muito grandes, Sekhs. - Zombou a outra.

- Seus seios nem me interessam tanto... - A deliciosa, num movimento serpentídeo (como uma
naja) passou por cima do sofá (só ela conseguiria fazer aquilo soar super sensual), e sentou-se
no colo da guerreirona. Apesar dos seios enormes, ela nem pesava tanto assim, Ranik reparou.
- O que me interessa é isso aqui...

Sekhs levantou a barra inferior da blusa com a ponta das unhas, escorregando-as
sinuosamente pelo abdome mais que sarado da guerreirona. Era verdade, tinha aquele corpo
sarado fazia um tempo, mas nunca ficara tanto quanto agora. Muito treino, muita luta, de
fato, isso lhe ajudava com a forma física. Ainda que nem todo mundo curtisse uma mina tanto
“parruda” como ela...

Bem, algumas mulheres gostavam pelo visto.

Ranik deu um risinho num misto de ebriedade com timidez. E retirou a blusa como Sekhs
pediu.

A mulher mais velha deitou-se sobre seu tórax, acariciando sua barriga.

- Ah, eu poderia passar toda a minha língua por aqui...

- Urgh... Sekhs, acho que as coisas estão ficando levemente estranhas. - Disse uma Ranik
completamente inocente.

Sekhs deu uma gargalhada.

- Eu não sabia que você era assim tão boba, Ranik. - Disse ela, com a voz manhosa, como uma
gata no cio, logo depois. - Eu disse que estou com sede de sexo.

- Duvido que você encontre o que procura aqui, Sekhs. - Ranik disse, acariciando os cabelos
da mulher, agora soltos. Longos cachos ruivos, tão bonitos e chamativos, assim como a dona
deles.

- Ah, é? - Disse Sekhs, com uma cara de safada (a de sempre, pelo visto).

E então, passou os lábios carnudos pelo ombro de Ranik, subindo para seu pescoço, onde ela
deu uma leve mordiscada que arrancou suspiros da guerreira, para logo depois passar a
língua pela orelha, mordendo e puxando o lóbulo de uma maneira sensual.

- Ah... - Ranik soltou o suspiro, completamente extasiada. Nem sabia mais o que pensar ou
fazer. Só sabia que aquilo ali estava bom demais para sair.

Sekhs parecia uma súcubo como nas histórias sombrias. Ela era pura lúxuria e desejo, e era
muito, muito difícil dizer não.

“Bom, talvez eu devesse... Talvez eu realmente devesse. Já estou sem camisa. Sekhs está a
vontade, quase, já. Não consigo me segurar muito mais que isso e... Eu estou solteira, afinal!”
pensou a guerreira, em seus pensamentos emaranhados. Nada fazia muito sentido mesmo.

Sekhs colocou a ponta do dedo no queixo de Ranik, fazendo-a encarar seus olhos escuros, e
então, foi aproximando seus lábios dos dela...

Quando de repente, bateram na porta do bar.

Sim, Sekhs parou no exato instante, com os olhos arregalados. E logo depois, ficou furiosa.

- Só pode ser brincadeira comigo! - Disse ela, levantando-se do colo da guerreira.

Que sem jeito, aproveitou o momento para, pelo menos, vestir sua blusa de pano. E que bom
que fez isso, porque logo, da janela da casa de Sekhs (que era muito bem tampada, ou ao
menos parecia ser, por uma cortina), entrou uma conhecida, lhe dando um susto mortífero.

- O quê...!? - Era Noctana. Parecia furiosa. Sério mesmo, até seus olhos frios estavam
flamejantes.

Ranik podia jurar que nunca a vira assim antes, tão fula da vida.

- Noct... Mas você não disse que não podia entrar na cidade e por isso ia me esperar na...? -
Ranik bêbada se tocou, finalmente. - Ohh, que horas são?

- URGH! - Noctana foi até a grandalhona e puxando-a pelo braço a fez levantar-se
obrigatoriamente do sofá.

Sentiu que ela bambeava e fedia a bebida. Soltou outro grunhido.

- VAMOS LOGO! - Disse a assassina, e então, Ranik fez “não” com a cabeça.

- Me dê 5 minutos. Preciso juntar a minha armadura e...


- Oh, então era isso... - Era a voz de Sekhs, que pelo visto, não fora enganada por tanto tempo
quanto Noctana gostaria.

Ranik continuava confusa – e ingênua. Enquanto a mais velha sabia exatamente do que se
tratava a situação.

- Hey, queridinha, não pode sair invadindo assim a casa dos outros, não é mesmo? - Disse
Sekhs, bebendo uma golada de uma taça de vinho.

- Urgh... - Noctana não conseguia dizer nada, só grunhir.

- Ahnnn... Sekhs, Noctana. Noctana, Sekhs. - Disse Ranik, na maior cara-de-pau.

- Eu conheço ela. - Noctana disse, quase fazendo o barulho de um gato arredio, rosnando pro
seu inimigo.

- Ah, todo mundo conhece. Haha. - Ranik disse, e então, sentiu o cheiro do vinho gostoso que
se misturava no ar com o perfume da gostosa (também). - Oh! Me dá um pouco de vinho,
Sekhs!?

- NADA DE VINHO! - Noctana foi puxando Ranik pelos cantos, enquanto a grandalhona
tentava encaixar as partes da armadura.

Os olhos de Sekhs (provocativos) e os olhos de Noctana (arredios) não se desgrudavam nem


um segundo um do outro.

- Bom, estou indo, Sekhs! A gente se vê de novo uma próxima vez! E foi mal! - Disse Ranik,
com a mãozinha acenando.

Sekhs fez uma carinha sacana, mordeu o lábio e levantou a mão, num semi-aceno. E quando
Noctana saiu de sua casa, de madrugada, levando a guerreirona, ela deu mais uma golada no
vinho, dizendo para si mesma:

- Ciumenta ela... Não aguentou apenas assistir ao showzinho. Que pena... Achei que faríamos
um ménage.

- Mas que MERDA, Ranik! - Disse Noctana, assim que saiu por um buraco que Ranik nem
sabia que existia pela grande muralha da cidade, no lado mais humilde da mesma.

- Wow, foi por aqui que você entrou escondida então, heh? Que louco! - Ranik disse, nem aí,
porque estava grogue demais para se importar ou entender.

Noctana apenas deu uma bufada e empurrou-a para fora de uma vez.

As duas finalmente estavam em meio a floresta. Noctana foi andando o mais rápido o possível,
quase que ignorando a grandalhona, que tentava (quase correndo) acompanhá-la para seja lá
onde ela estivesse indo.

A assassina parou. A guerreira parou também.


- Eu... estou... furiosa contigo. - Disse a ladina, realmente menos fria e séria e calada que da
primeira vez que a conheceu. Apesar de que, sim, parecia que isso rolava mais com ela, Ranik,
que com outras pessoas. Talvez realmente estivessem próximas.

- Ahnnn... Está com ciúmes? - Ranik disse, sem nem sentir.

Rapidamente, foi como se a pequena sombria fosse explodir. Ela virou-se com a cara roxa
(estava só de capuz, sem máscara, nesse instante) e os dentes cerrados.

- NÃO SEJA IDIOTA! Estou falando de você ter me deixado esperando aqui! Eu marquei que
saísse de madrugada para me encontrar e passar as informações, porque eu não podia entrar!
Você simplesmente esqueceu e ficou bebendo até agora! Urgh! - Noctana passou a mão na
face.

A guerreira suspirou, finalmente, sentindo-se um tanto culpada (não tanto assim, mas ok).

- Ok. Desculpa. Eu não queria, mas é que os dias andam sendo tão difíceis para mim, todas
essas coisas acontecendo, então eu só queria...

- Você ia transar com ela...? - Noctana perguntou, baixíssimo, em uma voz quase inaudível.

Ranik achou que seus ouvidos lhe enganaram.

- Quê!? - Perguntou, apesar de tudo.

Noctana cruzou os braços. Parecia resignada.

23. IGNORANDO SENTIMENTOS

- Quê!? - Disse Ranik a Noctana, em meio a floresta de Veligrad.

As duas tinham acabado de deixar as muralhas do reino e estavam ali, debaixo das árvores,
mais ou menos perto da casa-árvore de uma Iluzia ainda sumida. A questão era... a guerreira,
ainda um tanto quanto ébria, tinha acabado de passar por uma situação um tanto quanto...
ahn... sensual (?) com Sekhs, a dona da taverna mais famosa de todo Allas.

As duas quase... quase fizeram “aquilo”.

E a assassina, embora quisesse fingir que não, estava extremamente incomodada com isso,
pelo visto. Tanto que impediu que a situação continuasse a ocorrer, levando Ranik dali logo
depois. Já na floresta, Ranik sem tato, como ficava quando etílica, acabou por questionar se a
ladinazinha estaria com ciúmes de si. Mas era óbvio que Noctana nunca assumiria tal coisa...

Apesar de que, depois do discurso de “só estou fula com você porque marquei com você aqui e
você não apareceu”, ela acabou por perguntar, quase que desabafando se a guerreira ia
MESMO transar com Sekhs.

E por isso que ela respondera dessa forma arredia e surpresa.

- Eu não sei... - Ranik respondeu, confusa. Coçando a cabeça (seu tique quando estava assim,
geralmente).
- Certo... Isso não é problema meu, eu creio. - Disse Noctana, sua cabeça estava baixa.

- Ahmmm... - E o clima se instaurou entre as duas. - Certo, eu tenho que te passar as


informações sobre o plano, né? Mas pelo visto, eles não parecem nada apressados sobre isso,
me mandaram até chamar a Iluzia para ir comigo, afinal...

- Você e a Iluzia. - Disse Noctana, ela quem parecia bêbada por estar tomando essa coragem
do nada, em entrar nesses assuntos.

- Ahn? Sim, nós duas temos que ir juntas no...

- Vocês duas são ex uma da outra então? - Noctana continuava, ainda sem conseguir olhar nos
olhos da guerreira, olhando para o gramado no chão da floresta.

Ranik sentia um leve arrepiozinho na boca do estômago, e nem sabia porquê.

- C-como...!? Como você sabe disso!? - A guerreira perguntou, finalmente se tocando de que
não lembrava-se de ter dito nada sobre isso para Noctana até então (e não teria nem para quê,
não é mesmo?).

- Aquela dona da taverna disse, não é?

- Sim, ela disse, mas... ela disse... quando eu estava sentada na taverna bebendo. - Ranik
arregalou os olhos agora. - Pera, você está me vigiando desde que eu entrei na taverna!?!?

- Desde que você saiu da área do castelo. - Noctana disse, sua voz embargada de um jeito
esquisito.

- Quê...? Por quê?

A assassina deu de ombros e então, virou-se. Retirou uma flor que estava pendurada em uma
árvore em um emaranhado de caules.

- Eu não estou entendendo nada, Noctana. - Ranik disse, e então, a assassina deu um rápido e
leve risinho irônico.

- O que importa é a missão. Diga.

- Vamos ter que ir atrás de uma energia negra muito poderosa em uma caverna de montanha
em Planina. - Respondeu a guerreira, e então, a ladra complementou, ainda de costas, ainda
mexendo na planta.

- Eu fui a guilda do esgoto novamente.

- …!

- Diferente de vocês, obviamente, eu conheço aquele lugar com a palma da minha mão, então...
Eu procurei o mais rapidamente que pude, enquanto você estava se divertindo com os
guardinhas reais. E bom, eu não encontrei nada nem ninguém. Na verdade, com o caminho
interditado, poucas seriam as opções de Iluzia para ir.
- Então, o que você acha que aconteceu com ela?

- Por que se preocupa tanto...? - Noctana disse, virando-se mais uma vez. Seus olhos pareciam
um tanto quanto irritados.

- Por que não me preocuparia?

-…

- Iluzia é importante para mim. Não só porque somos ex, mas porque somos amigas. - Noctana
virou-se de novo, estava esquisita. Ranik notara.

A situação com Sekhs realmente lhe perturbou a esse ponto?

- Eu senti uma forte energia obscura lá.

- O que quer dizer?

- Quero dizer que alguma coisa envolta aos magos negros passou por lá, e pelo visto, abriu um
portal sombrio. Mas o mesmo já desapareceu... provavelmente, prendendo sua amiga dentro.

- PRECISAMOS FAZER ALGUMA COISA! - Gritou Ranik, ainda levemente bêbada.

- Você precisa é ficar sóbria. Dormir também seria uma boa pedida, daqui a pouco amanhece.
- Disse a assassina, furiosa.

- Eu não posso dormir ou descansar enquanto Iluzia pode estar no cativeiro de um mago
negro!!!

- Qual parte de “eu sou a melhor para enfrentá-los por causa da minha maldição” você ainda
não entendeu?

- … - Ranik piscou os olhos algumas vezes, antes de entender. - Você... vai atrás de Iluzia?

- Urgh... Sim, eu vou.

Ranik aproximou-se de Noctana e colocando a mão em seu ombro e sorrindo docemente,


disse:

- Obrigada, Noctana.

O rosto da assassina corou, mas ela nem sequer deixou isso transparecer, logo virando a cara
para guerreira, irritada:

- Tsc! Vá logo na casa da sua amiga dormir! Não tenho tempo para perder com você! - E
então, ela saiu correndo dali, indo para seu objetivo... encontrar Iluzia.

Enquanto isso, uma preocupada (e ainda bêbada) Ranik ia de encontro com a casa-árvore da
maga loira para poder descansar depois de tantas emoções insanas.

---
Noctana corria pela floresta. Nem sabia porquê. para ir pro esgoto de Velejo, seria mais
rápido criar um portal vermelho com sua pouca mana (porém bem útil, como sempre). A
verdade é que sem pensar começara a fugir de Ranik. Queria ficar o mais longe possível
fisicamente dela. Er... Até para isso, o portal seria mais útil, só que... É, realmente não
pensara.

Por que se sentia assim?

Lhe incomodava tanto.

Queria não ter “esbarrado” com ela na missão nas docas. Se isso não tivesse acontecido, tudo
teria sido diferente.

Seu rosto queimara, assim como sua barriga, tudo arrepiara-se num instante, e ela sentira-se
super... urgh. Mas daí lembrava-se das “cenas” de Ranik com Sekhs, e começava a ficar com
raiva, seu sangue borbulhava.

Aquela maldita guerreira lhe dava tantas sensações ridículas que ela não queria sentir!

- Dane-se, vamos embora logo de uma vez! - Disse ela, pensando alto, e então, criara o portal e
entrara nele.

De volta, especificamente, naquele corredor sem saída, Noctana olhara para a parede... Era
óbvio que era ali que o portal ficara. Além dos crânios humanos posicionados claramente em
uma espécie de aviso ritualístico característico dos magos negros e sua ordem sombria, a
energia negra que aquele lugar exalava era de arrepiar os cabelos do corpo todo.

- Filhos da puta. Por que vieram para tão perto da guilda? - Ela disse, pensando alto
novamente.

“Talvez estivessem procurando por mim... Não, não teria para quê, eu ainda sou amaldiçoada
como eles. E eles não devem saber ainda que estou atrás deles, ou sabem...? Não importa, não
me veem como ameaça, eu creio. Então, pode ser por causa de Udarak. Sim, ele costumava
morar aqui na guilda como os outros ladrões. Mas... Isso já faz muito tempo. Será que eles
queriam apenas descobrir em meio a nós onde seria o paradeiro dele? É possível. Mas há mais
uma opção...

...a opção de algum de nossos ladinos estar associado a eles” pensou a assassina, e então,
começou a energizar as mãos com a mana vermelha.

“Espero que funcione”

Ela começou a pressentir a energia negra que havia ali antes através de sua mana
amaldiçoada, e assim, recriar o portal que antes estava ali, claro que agora o mesmo seria
vermelho, que era a cor da sua energia. Mas ainda sim, ele a mandaria exatamente para onde
o portal anterior mandara Iluzia, seguindo os rastros de energia sombria que foram deixados
ali.

O portal surgiu. Noctana pronta para qualquer coisa terrível (e provavelmente seria
realmente), pegou suas adagas e adentrou no mesmo.
“Tomara que valha a pena...”

---

Muito tempo antes, mais precisamente, quando Iluzia adentrara no portal verde com seu
corpo invisível pela magia...

O outro lado mais assemelhava-se a um castelo sombrio do que aquele esgoto que antes se
encontrava. As pedras que compunham as paredes eram escuras e limosas. O chão estava
fétido, mas era um fedor diferente do que vinha do esgoto, assemelhava-se mais ao fedor de...

Morte.

“Mas que merda de lugar é esse? Estou começando a achar melhor que Ranik esteja bem
longe daqui...” pensou a loira, ficando um tanto quanto receosa.

De repente, ela ouviu um barulho. Saiu correndo como pôde e escondeu-se no escuro, em um
canto. Sim, seu corpo ainda estava invisível, mas ainda sim, tinha que impedir que fosse vista
caso a magia acabasse e também, era invisível, não intransponível, as pessoas não passariam
por si como se fosse um fantasma, ainda era “física”.

Foi então, que viu adentrando no corredor onde se encontrava, um enorme, gigantesco, muito
grande mesmo (pelo menos uns 3 metros e meio de altura), cavaleiro de armadura negra. Em
sua mão uma enorme maça espinhenta. E ele parecia estar sentindo o cheiro...

… o cheiro de alguma coisa que não era para estar ali.

Iluzia engolira seco.

24. DIFERENTES LADOS

Assim que Iluzia percebera que o grandalhão estava farejando o ar atrás de si, rapidamente
ela não viu outra opção senão... correr. Sim, ela saiu correndo o máximo que pôde, e para seu
desparazer, o monstro ouviu claramente o som de seus passos fugindo, e por conta disso, foi
atrás dela correndo também.

“Preciso pensar em alguma coisa! Qualquer coisa! Qualquer coisa!!!” pensou a loira,
rapidamente. E então, enxergou algo interessante...

Era um daqueles enfeites de parede com brasão e tudo o mais. O desenho que estava ali era de
um crânio com patas de aranha e chifres. Ela sabia o que era aquilo, claramente. Mas então,
pegou-o com toda a rapidez que pôde e adentrando em um corredor transversal aonde estava,
lançou magia de invisibilidade no enfeite e jogou-o para dentro do corredor que estava antes.

Rapidamente, o cavaleirão fora guiado para aquela direção e ela aproveitou a situação para
fugir.

Por muita sorte, conseguiu despistá-lo, então foi andando por aí, tentando descobrir melhor
sobre o lugar (e se Ranik poderia mesmo estar lá).
Começou a subir uma escadaria (era o único caminho que tinha agora) e finalmente, localizou
uma porta. Esta não estava trancada, estava semi-aberta. Empurrou-a vagarosamente para
não fazer barulho e atrair qualquer outra coisa. E reparou ser uma sala de magia.

Na parede, o enorme símbolo do crânio de novo. Várias estantes de livros mágicos. Um


enorme caldeirão, bem maior que o seu. Mesas com anotações e papéis por todo o lado. E por
fim, uma janela, só que esta estava claramente “interditada” trancada e pregada com tábuas
de madeira. A pessoa que vivia ali curtia o escuro (o lugar não estava lá muito claro), e
iluminava tudo apenas com velas por toda a parte. Velas vermelhas.

Foi então que Iluzia ouviu o som da porta rangendo e se abrindo, e logo, escondeu-se mais
uma vez (ainda invisível, no entanto) atrás da mesa com a papelada.

Era uma maga negra, claramente (seu robe negro com o símbolo do crânio não deixava
dúvidas). Iluzia achou-a levemente atraente, apesar de ser uma inimiga. Seus cabelos eram de
uma coloração estranha, roxo, mais necessariamente. Mas tinha explicação... Ela não era
humana, o que também era óbvio. Sua pele era de um tom mórbido, meio grafite. Seus olhos
eram acobreados. Seu cabelo tinha um corte diferente, era comprido, mas era raspado apenas
de um lado. “Sidecut”, mas isso não existia lá naqueles tempos, então era mesmo novidade.
Ela era alta, devia ter uns 1,75. Isso não era lá muita altura para gente como Ranik ou Mysic,
mas para Iluzia obviamente era. Ela não parecia forte como Ranik, no entanto, afinal, era
uma maga. Mas tinha um corpo esguio e bonito. Iluzia sacudiu a cabeça, não era hora de ficar
reparando na inimiga, ora essa!

Foi então que a maga negra foi andando, vagarosamente, até a estante de livros. Colocou a
mão no queixo. Logo depois, foi andando até a mesa. Iluzia se encolheu. Ela passou a mão em
alguns papéis, assobiou alguma canção desconhecida pela maguinha loira. E depois, passou
pelo caldeirão, onde jogara um pouco de mana (o mesmo expulsou um pouco de fumaça
verde). Por fim, ela foi até a porta, onde Iluzia apenas torcia...

“Vá embora, vá embora, vá embora”, mas ao invés disso...

A maga fechou a porta e trancou-a com magia. Iluzia arregalou os olhos e levantou-se no
espanto.

- Bem-vinda a minha humilde sala. - Disse a maga, com uma voz provocativa.

- …! - Iluzia ainda estava invisível, tinha certeza disso.

- Pojaviti osjavac! - Gritou a maga negra enchendo suas mãos de mana roxa, e então...

Iluzia percebera que voltara a ser visível. Ela conseguia ver as próprias mãos. Ficou
desesperada. Deu vários passos para trás, esbarrando com as costas na estante, e então,
esticou a mão para a inimiga maga também:

- N-não se aproxime! Ou eu... eu queimo esse seu cabelinho estranho! - Disse a loira, e a maga
negra...

Apenas deu um risinho.

- P-por que está rindo!?


- Achou mesmo que eu não ia te ver?

- Erm... Sim? - Iluzia disse, passando a mão na face, decepcionada consigo mesma.

- Eu sou meio-drow. Ou seja, meio-elfa-negra. para minha super visão é quase impossível não
ver, seja no escuro, seja com magia de invisibilidade, qualquer coisa. - A maga passou a mão
na frente da face, como se quisesse impressionar a outra.

Mas Iluzia ainda estava acuada.

- E-então... é por isso a pele cinza, né?

- Não me ofenda. - A maga negra disse, aproximando-se bem devagar da maguinha de luz. - O
tom correto é “ardósia-azulado”.

- Ardo...!? MAS QUE PERDA DE TEMPO! SE VAMOS LUTAR, QUE LUTEMOS LOGO
DE UMA VEZ! - Iluzia fez pose de luta e encheu suas duas mãos de mana azul.

- Heh. - Riu a maga negra, deixando Iluzia perturbada. - Seu nível de mana não está tão
grande assim, provavelmente devido a tanto tempo invisível. E você também estará me
enfrentando em meu território, meu quarto, minha casa. Tem certeza de que é uma boa ideia?

Ela explodiu em energia claramente obscura de coloração arroxeada. Iluzia sentiu o peso no
ar que ficou após isso... Ela tinha razão, estava muito em desvantagem. Mas o que poderia
fazer? Estava trancada ali com ela.

Pensou em explodir uma parede ou aquela madeira na janela e fugir, mas... Não se sabe se
daria tempo ou se ela a pegaria antes com algum golpe potente (tinha 90% de chance que
sim). A maga loira estava vendo-se sem saída.

- Er... E-eu vou morrer lutando se for preciso.

- Quanta coragem... Ou seria burrice? Posso saber o que está fazendo em um dos covis
principais do exército negro? Não acho que veio apenas fazer uma visita ou então... realmente
achou que poderia nos encarar assim, sozinha e de frente? - A maga negra colocou o dedo no
queixo, fazendo uma cara forçada de curiosa.

- Urgh... eu estava... procurando por uma pessoa. Só isso.

De repente, os olhos da meio-elfa-negra ficaram brancos, e então, voltaram ao normal logo


depois. Ela sorriu maldosamente e disse:

- 1,80~90 de altura, porte musculoso, cabelos avermelhados com uma trancinha, olhos
amarelados, guerreira... acertei?

- URGH! ONDE ELA ESTÁ!? - Iluzia ficou desesperada.

- Ela não está aqui. Nem teria para quê. Provavelmente, o nosso informante imbecil deixou o
portal aberto naquele esgoto por mais tempo do que gostaríamos, mas isso só trouxe você para
cá... Veio ao lugar errado, colega. - Disse a maga negra, sua voz era sempre sarcástica e
provocativa.
Iluzia soltou um grunhido de raiva.

“Será que ela está falando a verdade!? Se sim, eu vim aqui totalmente a toa...” e então,
encarou a outra “E agora ainda por cima vou morrer... Porcaria, eu nem tive chance de dizer
a Ranik que... droga!”

- Calma, calma, Iluzia. - Disse a elfinha, a maga de luz então arregalou os olhos mais uma vez.

- COMO SABE MEU NOME!? Você... você leu minha mente! - A loira passou a mão pela
cabeça, preocupada.

- Só por uns instantes. Queria descobrir quem você procurava com tanto afinco a ponto de
entrar num portal claramente sombrio. - A maga negra lambeu os lábios. - Isso é incrível,
principalmente quando se é uma maga de luz.

- Eu... não sou mais. - Iluzia olhou pro chão, incomodada.

- Eu sei. - E então, a mulher foi andando, sem desgrudar os olhos da loira, e passou a mão pela
boca do caldeirão. - Então, vamos brincar.

- B-brincar?

- Eu vou te dar um desafio. Se você passar, eu te deixo ir embora. Senão... eu vou te usar em
meus experimentos mais recentes, que acha? - Disse ela, com aquele sorrisinho cínico.

- Se pensa que eu vou me entregar sem lutar, está enganada!

- Você tem opção melhor, Iluzia? - E a loira ficou calada, a maga riu. - Acho que não, né? Pois
é...

- FALE DE UMA VEZ, O QUE VOCÊ QUER!!!

- Você vai ter que usar o que restou da sua mana e... - A maga apontou para Iluzia, sorrindo
ainda. - Entrar na minha mente como eu fiz com você!

- Quê!? Mas... - Iluzia mordeu o dedo tentando pensar. Mas era complicado. Sentia-se muito
nervosa e acuada. - Mas essa habilidade é proveniente dessa sua super visão de meio-drow,
não é!? E-eu não tenho isso. Eu sou 100% humana.

- Mas é uma maga poderosa, posso ver. Então, como maga poderosa, você deve saber que até
mesmo habilidades hereditárias podem ser copiadas se utilizar a quantidade de mana certa e é
claro, a capacidade intelectual necessária para fazê-lo. Enfim,... Você tem dez minutos. - E
então, ela foi andando até a mesa, sentou-se e começou a escrever algumas coisas, na cara
dura. Como se tivesse realmente subestimando a maguinha.

“Que maldita! Ela não está nem aí para mim!” pensava a loira, irritada “Copiar a magia dela,
copiar a magia dela, copiar... talvez eu devesse só aproveitar que ela está distraída e atacá-la
por trás!” Iluzia então encarou-a ali, escrevendo e tocando um dane-se para si. “Não, ela vai
acabar usando uma contra-magia. Só está fingindo-se de distraída, tenho certeza... PRECISO
PENSAR!”


Enquanto isso, um novo portal formava-se onde Iluzia tinha surgido primeiramente. Mas
dessa vez, ele era de coloração avermelhada. E dali de dentro, uma assassina das sombras
surgia.

25. ENTRE O AMOR E O ÓDIO

Noctana tinha acabado de chegar no castelo do exército sombrio onde estava Iluzia, o
cavaleiro do dragão negro gigante e monstruoso, e também a nova inimiga, uma maga negra
meio-drow.

Só que ela não sabia de nada disso...

A assassina sombria começou a andar pelos corredores mal iluminados. Gostou disso, afinal
era seu tipo de território.

Foi então que esbarrou com o pé numa coisa que não conseguia ver. Tateou com o pé melhor
para entender... parecia um pedaço de madeira. O que era aquilo? Porque não conseguia vê-
lo?

Mas por algum motivo, sentiu que aquilo fora feito com magia... e não era magia sombria. Ou
seja, só poderia significar UMA COISA: Iluzia.

“Essa idiota realmente foi parar aqui... Afff!” pensou a ladina, incomodada.

E então, de repente, começou a ouvir estrondos e o chão começou a tremer.

“Tem alguma coisa gigantesca vindo para cá!” ela foi correndo para um corredor transversal
e escondeu-se ali como uma boa ladina, mascarando sua presença.

O cavaleirão negro surgiu. Quando Noctana o viu ficou horrorizada.

“Estou de saco cheio desses monstros gigantes atrás de mim em corredores pequenos e
escuros!” pensou ela, furiosa, lembrando-se do embate contra o Troll dentro da torre negra de
Divijna. Logo concluiu “Se esse bichão tá aqui, há uma boa chance da maguinha idiota já ter
virado patê! Se eu ao menos conseguisse fazer alguma magia de 'radar' eu poderia localizá-la
dentro dessa merda de castelo. Ela deve ser a única coisa com energia iluminada aqui, não
deveria ser difícil... o problema é que eu não sou maga, eu não manjo disso!”

Foi então que Noctana notou o bicho cheirando o ar procurando por invasores. Ela suspirou.
Sério? Mais uma vez?

E então, ela teve uma ideia. Ia ser arriscado, mas... Ele ia achar-lhe logo, né? Sem contar que
seria burrice subir aquelas escadas atrás de si. Se o fizesse, poderia parar em um beco sem
saída, inclusive, no alto. Poderia simplesmente não conseguir fugir, logo, seria mais esperto se
seguisse em frente, no corredor onde o monstrengo armadurado estava.

Noctana deu um alto assobio, propositalmente. O bichão rugiu com ódio e veio correndo na
direção da subida onde estava... Noctana entrou de novo no corredor e encarou-o de frente.

Foi então que ela notou. Aquela coisa era um orc. Um orc fortíssimo e armadurado, cavaleiro
do dragão negro. Ela arregalou os olhos. Esses magos estavam passando dos limites!!!

E quando o orc chegou perto de si, pronto para esmagá-la com a maça gigante, Noctana fez a
mesma coisa que havia feito ao troll da torre, passando por baixo de suas pernas,
escorregando e saindo correndo pelo corredor.

Com uma certa dificuldade, o orc virou seu corpo no corredor (lentamente) e foi correndo
atrás dela mais uma vez.

Agora sim, a assassina tinha o caminho livre pela frente! E esperava encontrar a maga idiota
para elas duas irem embora de lá o mais rápido o possível!

---

Iluzia ainda estava lá na sala da maga negra que mal sabia o nome. E a maga estava, como
antes, de costas para si, sentada à mesa, escrevendo alguma coisa em um papel, totalmente
nem aí para presença da loirinha. Mas a maguinha sabia que aquilo era pura farsa. Ela estava
sim, super atenta a tudo que Iluzia fazia, e se a loira tentasse atacá-la de surpresa, ela se
defenderia com uma contra-magia. Aliás, aquele quarto todo... tinha algo estranho nele.

Iluzia estendeu a mão e criou mana nela, e então...

Tentou criar um portal.

Mas não conseguia.

É, era o que imaginava mesmo.

- Tsc!

- Hahaha. Tem magia que impede a fuga no quarto todo. Coloquei quando tranquei a porta,
amiguinha. - Disse a maga negra de costas, e então, a loirinha baixinha bufou, cruzando os
braços.

- Você é um saco...

- Me ofender não vai tirar você daqui.

- Urgh... - E então, Iluzia sentiu uma presença negra...

Claro, isso seria normal, afinal, ali tinha várias presenças obscuras. Mas essa era específica.
Era uma presença negra diferente que já conhecia faz tempo. Uma que detestava também,
mas... Ao menos detestava menos que a dos inimigos (ou não?). Enfim, surpreendeu-se ao
pressentir isso.

“Noctana!?” pensou ela, confusa. “O que ela está fazendo aqui? Ranik não está aqui mesmo...
eu tentei sentir sua presença, mas... acho que a maldita maga negra está falando a verdade.
Então, essa assassinazinha veio aqui sozinha. Mas para quê!?” Iluzia então fez uma cara feia
“Eu sabia, ela quem está mancomunando com esses vilões filhos da mãe. Sabia que não dava
para confiar nela...” e depois ficou confusa de novo “Ela não viria aqui para me resgatar ou
algo do tipo, viria?”
- Você só tem oito minutos, sabia? - Disse a maga negra, fazendo Iluzia se estressar mais
ainda.

- URGH! ME DEIXE EM PAZ!!! - Disse a loira, irritadiça.

- Eu te deixo. Mas se passarem os 10 minutos que eu estipulei, você sabe, você vai virar minha
cobaia...

- Cobaia pro quê!? Vai me transformar em goblin!? - Sim, a loira referia-se ao incidente que
aconteceu a guerreirona na Mina de Lótus. Ranik lhe contara por alto.

- Háh. Claro que não. Isso é imbecil e ultrapassado. Que bom que aquele maguinho negro de
araque morreu... - Disse a mulher, e então, com a mesma voz provocante de sempre, olhou de
lado para loirinha. - Eu não ia desperdiçar um “vaso” tão importante e poderoso como você
com algo tão inferior assim.

Iluzia ficou um tanto quanto corada naquela hora. E então, sacudiu a cabeça. Mas ora essa,
isso não era um elogio, porcaria!

- E-então o que raios você pretende!? - Perguntou a maguinha, ainda irritada (como quase
sempre).

- Eu vou testar algo novo e surpreendente... - A maga negra levantou-se de novo, virando-se
diretamente para a loira. - Que é, porém, baseado em algo antigo e igualmente poderoso.

Iluzia arregalou os olhos. Por que ela achava que poderia ser isso?

- Eu vou transformá-la em uma incrível maga das sombras.

- …! - Sim, ela já esperava por isso. Mas ainda era assustador demais!

---

Noctana ia correndo o máximo que podia. Por sua sorte, ela era muito, muito ágil. Era sua
melhor habilidade junto a sua furtividade natural de assassina. O monstrengo, no entanto,
não desistira. Vinha correndo atrás de si, fazendo vários estrondos e sacudindo o chão e as
paredes de pedras enormes, limosas e escuras do lugar.

“Essa merda de lugar deve ser um dos covis dos magos negros! Mas que porcaria, Iluzia!
Tanto lugar para você entrar e você vem para cá!? Acho que se fosse Ranik, do jeito que ela é
ingênua, não sobreviveria 5 minutos aqui dentro, você deveria saber!” Noctana passou a mão
na face “Mas é, eu não desistiria dela também... idiota...”

E então, a salvação. Noctana enxergara três portas a frente, e uma coisa era bem óbvia:

O MONSTRENGO NÃO CONSEGUIRIA ENTRAR EM NENHUMA DELAS.

Seu rosto iluminou-se em esperança.

Mas assim que tocou na primeira porta, descobriu que a mesma estava trancada. Seus olhos
arregalaram-se. E então, tocou em outra: Trancada. E por fim, na terceira opção: Trancada.
Ela olhou para trás e o monstro vinha, desesperado com sangue nos olhos e baba na boca
arreganhada de dentes pontiagudos!!!

Mais do que rapidamente, a assassina começou a tentar arrombar a porta com seu “kit de
ladino”, mas era complicado. Primeiro porque, sua habilidade maior era assassinar na
surdina e não arrombar coisas. Era definitivamente mais assassina que ladina. Não que não
soubesse arrombar, sabia mas... Segundo porque, neste instante estava muito, muito nervosa.

O bicho continuava vindo, cada vez mais perto, cada vez o estrondo ficava maior e as
tremidas idem. O lugar sacudia, tal qual suas mãos. Sim, Noctana piscou e percebeu que
estava tremendo... tremendo.

“Maldita maga! Maldita maga! Maldita maga!” e então, ela continuava tentando arrombar
aquela maldita sala que não abria... ela já tinha quebrado uns 3 “kits” “Abre, merda! Abre,
merda! ABRE!”

E quebrou mais um...

O monstro vinha... TUM! TUM! TUM! TUM!

E quebrou outro!

TUM! TUM! TUM!

E quebrou mais um...

Suor escorria pela sua testa. TUM! TUM!

E finalmente, conseguiu abrir! TUM!

O monstro estava atrás de si, ela empurrou a porta conforme ele empurrou a enorme maça
que vinha de cima como uma bigorna caindo em cima de...

Ela entrou na sala, mas a maça bateu de encontro com sua perna. Esmagando-a.

- AAARGH!!! - Noctana gritou de dor e desespero.

26. MALDIÇÃO SANGUÍNEA

Noctana arrastou-se como pôde para longe do bicho, que tentava insistentemente adentrar
naquela sala. A assassina nem tivera chance de analisar em que droga de lugar estava, porque
neste instante, sua perna sangrava mais que tudo. O bicho tinha conseguido acertar sua perna
com a maça enorme e agora ela mal conseguia andar ali, caída no chão.

“Não acredito que me acidentei dessa forma... urgh... para poder salvar a maldita da maga!”
pensou ela, furiosa.

E então, ouviu palminhas atrás de si.

Seus olhos verdes arregalaram-se.


- Wow! Isso foi uma ótima apresentação, Noctana! Juro que por um instante você quase me
fez pensar que sua cabeça que seria esmagada, não sua perninha... - Disse a voz masculina, e
logo, os olhos da assassina viraram de puro ódio.

E ela encarou a figura atrás de si.

Era Tanak. E não só isso, ele usava uma capa e capuz com o símbolo dos magos negros (sim, o
crânio com pernas de aranha e chifres).

- Eu já sabia que você não havia morrido no troll da torre negra...

- Háh! Admita, você não fazia ideia! Aquela ilusão era real demais para notar!

- Claro que eu fazia. Por que outro motivo você iria me perseguir naquela missão? Não ia
ganhar nada com isso... E eu sei que você vive, urgh... - A perna ainda sangrava muito. - Para
ganhar alguma coisa. Isso explica porque um rato sujo como você ia se render ao inimigo.

- Inimigo!? Heh! O exército negro pode ser seu inimigo, amiguinha! Mas não é o meu... nunca
foi, nunca será! - Disse Tanak, arregalando os olhos e os braços, dando uma enorme risada
“vilanística”.

Noctana apenas suspirou e então, encarou sua perna. Isso tinha algum conserto? Pensou em
seu kit de socorros que estava dentro de sua bolsinha amarrada em sua cintura. O que restava
era saber se Tanak a deixaria usar isso em si mesma ou se isso ia MESMO curá-la?

Que se dane, não tinha tempo! Pegou o kit e começou a tentar cuidar de sua perna. Assim que
levantou a calça viu que não era nada... nada agradável. O osso tinha se partido e a mesma
sangrava muito. Talvez pudesse até morrer de hemorragia.

Tanak olhava paraquilo com um tesão ferrado.

- HAHAHA! VOCÊ ESTÁ FODIDA! ESTÁ FODIDA! TALVEZ NÃO POSSA ANDAR
NUNCA MAIS! Ora essa... Andar? - Tanak puxou as adagas negras. Sim, agora ele possuía a
maldição. - Por mim, você nem mesmo respira mais!

Noctana encarou-o, irritadíssima (e no fundo, no fundo, desesperada, mas nunca


demonstraria isso pro seu inimigo).

---

Iluzia sentia a energia de Noctana ficando mais fraca. E de repente, isso a deixou um tanto
quanto preocupada, por mais que não admitisse nem para si mesma. E só tinha 8 minutos...
bem, talvez agora menos. Tinha que pensar rápido.

E enfim, teve uma ideia!!!

- Hey... - Perguntou ela para maga negra, enquanto energizava algo em sua mão.

- Hum? - A outra tinha voltado a se sentar depois de ter discursado seus planos sobre o que ia
fazer caso a maguinha de luz perdesse a “aposta”.

- Qual seu nome?


- Ora essa... Eu achei que não quisesse perder tempo, afinal, quanto mais tempo perde, mais
isso dificulta para ti, não? - A inimiga falou com aquela voz de sabichona. Mas Iluzia cerrou
os dentes rapidamente, depois, voltou a sorrir confiante. Isso deixou-a surpresa.

Será que era um blefe?

- Responda, caramba!

- Ahm... Zel? Vai usar meu nome para alguma magia? Eu não acho que vai funcionar, ok?
Esse é meu nome “humano”. Meu nome original de meio-drow é muito mais complexo que
isso...

- Quantos anos você tem? - Perguntou a maga loira, continuando a energizar mana azul na
mão. A maga reparou nisso.

- Olha, não sei o que você pretende com isso, mas... me atacar não vai fazer você conseguir
nada de forma alguma...

- PARE DE ENROLAR E RESPONDA, PORCARIA!!! - Gritou Iluzia, furiosa.

- Erm... Eu não tenho idade elfa, porque sou apenas meio elfa, então... 23? - Disse a maga
negra, incomodando-se. Tanto, a ponto de que virou a cadeira para inimiga, que continuava lá
de pé, parecendo bem atenta a alguma coisa, enquanto energizava aquilo. Gastava mana e
mais mana e ela não via propósito nisso. - Por que raios quer saber disso!?

- Você é uma maga negra... antiga ou novata? - Disse a loira, com um puta sorrisão que já
estava deixando a inimiga furiosa.

- Sou antiga! Mas olha, isso é algum tipo de brincadeira sua, por que eu vou...! - E ela
levantou-se furiosa, jogando a cadeira no chão. Sim, finalmente a maguinha loira conseguiu
enfurecer a sua inimiga e não vice-versa.

- ENTÃO, VAMOS LÁ!!! - Iluzia iluminou os olhos deixando-os totalmente brancos e


explodiu em energia azul.

Zel ficou boquiaberta...

Ela estava... conseguindo!?

NÃO ERA POSSÍVEL, ERA!?

---

Enquanto isso, com Noctana, as coisas estavam mais do que difíceis. Tanak vinha vindo em
sua direção, pronto para lhe estripar, enquanto ela tentava paraticamente de forma inútil
curar sua perna em frangalhos. Seu rosto suava. O sangue saía mais e mais e lhe deixava
zonza. Pegar naquilo só lhe deixava mais nervosa e sentindo mais dor, achava que ia desmaiar
a qualquer hora... seja pela dor incomensurável ou a incrível perda de sangue.

- Vamos ter ensopado de assassinazinha pro jantar, hehehe! - Disse Tanak, e quando ele
finalmente se aproximou de Noctana...
Teve uma surpresa.

O bichão orc-cavaleiro-negro que estava parado na porta até pouco tempo atrás, começou a
ficar “doido” do nada. Ele começou a se forçar naquela portinha minúscula para ele, tentando
entrar de qualquer jeito. As paredes tremeram.

Tanak arregalou os olhos com medo.

- MAS O QUÊ!? O QUE ESSA MERDA DE MONSTRO ESTÚPIDO ESTÁ FAZENDO!?!?!

- Não sabe...? Urgh... - Noctana falava, com um sorriso sangrento no rosto, mesmo com os
olhos já amuados, quase fechando-se. Ela ria sarcasticamente da cara de um Tanak covarde. -
Orcs são monstros-guerreiros de batalha. Eles... urgh... eles têm consciência, não são como os
outros monstros irracionais que vocês... urgh... magos negros controlam.

- Argh... E o que que tem isso, assassinazinha!? - Perguntou Tanak, nervoso, ali, parado,
olhando pro monstrengo já quase rachando a passagem para dentro do quarto onde estavam.

Que aliás, era mais uma sala de magia, claramente. Talvez não só de magia, mas ritualística.
Nela havia uma espécie de altar de pedra, grudado no chão, com um vão para guardar coisas.
Ao redor, um monte de cortinas e estátuas. No meio, um grande pentagrama negro desenhado
no chão com várias velas apagadas.

O lugar era mal iluminado por um orbe flutuante de magia vermelha e apenas isso.

- O que tem? - Noctana estava toda suja de seu sangue... inclusive suas mãos, principalmente
suas mãos, devido a insistência de fazer algum tipo de curativo na perna ferrada. - Eles
pressentem... claramente... o cheiro de sangue! É isso que está fazendo-o ficar louco, tentando
entrar aqui... urgh, o meu cheiro de sangue está o atraindo, tal qual atrai orcs num campo de
guerra!

- Sua... sua...! Você está deixando ele louco! Precisa sair daqui!!! - Disse Tanak, e então, foi
correndo na direção da assassina para poder chutá-la para o monstrão na porta, mas ela foi
mais rápida.

Noctana tacou um bocado do seu sangue no outro ladino negro, deixando-o horrorizado. Até
sua face estava suja de sangue, e ele viu os olhos vermelhos do Orczão refletirem a sede do
sangue que sentia e ficou completamente mortificado de medo!

- PORCARIA, PORCARIA! SUA MALDITA!

- GROAAAAAR!!! - E o orc começava a despedaçar a passagem, finalmente adentrando no


lugar.

Como o diabo que foge da cruz, Tanak criou um portal verde o mais rápido o possível e saiu
dali, fugindo pela sua vida.

Enquanto isso, uma Noctana quase desmaiando, ainda, só teve uma única ideia... Foi se
arrastando o mais rápido que podia, com aquela perna manchando todo o caminho com seu
sangue...
E escondeu-se embaixo do altar ritualístico de pedra.

“É... Acabou.” pensou ela, deprimida. “E eu nem tive chance de dizer a Ranik que eu a...” e
então, ela fechou seus olhos, já tinha perdido sangue demais.

---

- C-como você...? - A maga negra estava bestificada com a maga de luz.

Iluzia apenas sorria, metida, depois de ter dito um monte... um monte de coisas sobre o
passado de Zel.

Zel ainda estava em choque, claro.

- Urgh...

- Você perdeu. Eu preciso agora correr, preciso salvar uma pessoa! - Disse a loira, mas então, a
meio-drow colocou a mão em seu ombro. Parecia num misto de furiosa com... sem reação
específica (?).

- Aqui está. Vá rápido. Mas... da próxima vez que eu te ver, eu vou matar você, sem piedade. -
Disse Zel, criando um portal logo ao lado delas, um portal de coloração arroxeada.

Iluzia apenas sorriu e fez “sim” com a cabeça, entrando no portal.

Zel escorreu seu corpo pro chão e colocou a mão na cabeça, confusa...

“Ela... ela conseguiu. Agora ela sabe tudo sobre mim” pensou, mortalmente confusa e
temerosa.

27. MAIOR DO QUE RIVALIDADE

“Seu nome é Tamnazelnoc. Você tem 23 anos, mas na idade élfica, você teria 190~195 anos. Você
nasceu em um vilarejozinho bem pobre que existe nos arredores de Velejo. Diferente da cidade
principal, o vilarejo nunca fora muito evoluído. As pessoas, inclusive, que viviam lá eram muito
mente-fechadas e arcaicas... seja, em sua economia, ou mesmo, em suas crenças.

E por conta disso... você sofreu desde pequena”

Enquanto a inimiga falava isso, como se fosse fácil (ou nada), Zel apenas ficava chocada ao
ouvir aquelas palavras. De repente, seus olhos lacrimejaram, mesmo que ela não quisesse
demonstrar... Não era possível, era? Ela estava mesmo lendo sua mente. Lhe contava todo seu
passado como se fosse uma história de contos infantis.

Mas não era... era horrível, terrível.

E a cada palavra que ela falava, as imagens surgiam na sua mente, como lembranças de tudo.
E isso só permitia que a loira, mais e mais, desvendasse ela como pessoa.

“Seu pai, um humano normal, era um viajante, aventureiro. Talvez uma das pouquíssimas
pessoas que eram abertas intelectualmente naquele lugar. E exatamente por isso, ele acabou
envolvendo-se amorosamente com uma elfa negra, ou também conhecida como uma drow. E o
fruto do amor dos dois gerou você...

Porém, sua mãe era da realeza dos drows, que viviam nas terras rasas do Siljast. O território
élfico de Allas. Logo, ela não podia cuidar de você e entregou-lhe ao seu pai para que ele o
fizesse. E ele retornou ao pequeno vilarejo contigo...

E isso foi a gota d'água para um sujeito tão animado e aventureiro como seu pai”

- Urgh... N-não. Não. NÃO! Pare! Pare! E-eu não quero ouvir mais!!! - Disse Zel com as mãos
nas orelhas não-pontudas diferente as de sua mãe elfa negra.

Mas era óbvio que Iluzia continuaria...

“Por conta de você não ser humana, eles te classificaram como demônio. Sim, demônio. Mesmo
que você não estivesse nem perto disso... Eles não quiseram ouvir seu pai. O ultimato era: Ou ele
abandonava você na floresta para morrer ou ele seria expulso do vilarejo.

Claro que ele pensou em fugir com você nos braços. Mas as pessoas não deixaram. Disseram que
tinham que entregar o demônio aos deuses da floresta para poder dissipar aquele mal pela raiz.
Então, ele brigou com garras e dentes por você, para te manter viva, com ele, feliz...

E morreu lutando contra as pessoas ignorantes daquele vilarejo tão pobre”

Lágrimas já desciam pelo rosto da maga negra meio-drow. Enquanto o sorriso nos lábios de
Iluzia brilhava como diamante.

Zel parecia já ter perdido a alma. Não tinha mais nem vontade de batalhar contra sua
inimiga. Ela já lhe desarmara de todas as formas possíveis e impossíveis. E mesmo assim...
continuava até o fim.

“Assim que mataram seu pai aventureiro e que seu brilho se apagara. Os camponeses ignorantes
do seu vilarejo levaram o bebê prometido até a floresta para que as bestas selvagens pudessem
dissipar seu mal de uma vez por todas.

Não, eles não tiveram coragem de matá-lo também, como fizeram a seu pai. Mas não por ele ser
um simples bebezinho, mas porque acreditavam que, se eles mesmos matassem o demônio, suas
mãos ficariam sujas de pecado e maldade.

Então, apenas abandonaram-no na floresta para morrer...

Mas não foi isso o que aconteceu. O que aconteceu foi...

O exército negro o encontrou. Isso há 22 anos e alguns meses atrás.”

- C-como você...!? - Zel perguntou, completamente em choque. Suas pernas tremiam. Ela
tentou limpar as lágrimas do rosto, mas elas ainda escorriam.

- Foi você quem pediu. Você me disse para ler sua mente, tal qual você havia feito com a
minha, então... Eu li. - Disse Iluzia, vitoriosa. Aquela coisinha pequena era realmente metida
quando queria.
- … - Zel estava sem chão. - C-certo.

- Bom, você perdeu! Então eu vou indo agora! Preciso correr, porque preciso salvar uma
pessoa!

- Essa energia sombria vermelha, não é...? Está enfraquecendo. - Disse Zel, entendendo. E
então, ainda bestificada, mas séria, apenas estendeu a mão pro lado e disse. - Não vai chegar a
tempo se for correndo, então...

E criou o portal arroxeado com sua magia obscura. Iluzia ficou surpresa, fez “sim” com a
cabeça e ia partir em seu portal, mas a meia-elfa-negra segurou-a pelo ombro e avisou:

- Agora você pode ir! Mas da próxima vez... Eu vou matar você, entendeu!? - E a maga de luz
apenas deu um sorriso e desapareceu, adentrando no portal.

E logo assim que o portal fechou-se, Zel escorreu pro chão como se fosse líquida. Sentia-se
ainda tremendo e nervosa.

Nunca tinha sentido nada igual antes.

“E-essa maga... ela não é... ela não é normal” pensou a maga negra, abraçando seu próprio
corpo.

---

O monstrengo-orc-cavaleiro-negro já tinha adentrado na sala de rituais onde Noctana estava.


E rapidamente, começou a farejar o ar para encontrar a figurinha minúscula e ferida. Mas
nem precisou de muito, Noctana era um poço de sangue. Rapidamente ele a localizou... Estava
naquele pedacinho de pedras, que era o altar ritualístico. Mas era óbvio que o serzão não
conseguia entrar ali. Ele também tentou se abaixar, mas também era grande demais até
mesmo para tatear com a mão ali (e a armadura também lhe impedia de ser flexível).
Portanto, só restou uma opção...

O serzão começou a dar pancadas fortíssimas no altar, tentando destroçá-lo e destroçar a


assassina junto, mas é claro.

Então, rapidamente, um portal roxo surgiu ali e dele, saiu a maga de luz loira, Iluzia.

E assim que vira o bicho, ficara horrorizada, mas concluíra inteligentemente, que naquele
altar de pedra estava escondida a assassina. Bom, não era tão difícil também, considerando
que tinha um grande rastro de sangue indo até lá.

“Ela está muito ferida. Tomara que não tenha morrido pela falta de sangue...” pensou a loira
maga, chocada com a situação.

Então, finalmente, o cavaleiro notara que não estava mais sozinho no recinto junto a assassina
ferida. Ele olhou para Iluzia e deu um rugido. Sim, ele viria agora na sua direção.

Mas a loira, séria e centrada, apenas encarou-o confiante, e esperou ele chegar perto de si...

Quando o grandalhão ia esmagá-la com a maça, ela já tinha preparado a mana em sua mão, e
rapidamente, criou um portal embaixo de seus pés e teletransportou-se com ele para perto do
altar de pedra.

O monstro, no começo, ficou meio confuso, mas depois, notara que a inimiga apenas fugiu
dele usando um portal, então, foi para cima dela de novo...

Mas isso já deu tempo o suficiente para...

Iluzia abaixou-se e viu Noctana ali, desmaiada e completamente pálida. Sua perna estava em
frangalhos. Ela fez uma cara de nervoso e ao mesmo tempo preocupação. Quando percebeu
que o bicho já vinha, ela simplesmente criou outro portal, agarrou Noctana e...

Entrou nele o mais rápido que pôde, indo embora daquele lugar maldito.

---

Ranik acordara e se espreguiçara. Nossa... Devia ter dormido demais mesmo. Parece que
passou até mais que um dia, como era possível!?

É, era verdade que esses dias tinha andado a todo o vapor, viajando para lá e para cá, fazendo
missões, tudo isso sem descansar muito, mas... Ah é, a bebedeira ajudava um bocado também.
Ela riu só de pensar.

E então, seu estômago roncou. Pois é, estava com fome.

Talvez fosse melhor descer na florestona de Veligrad e caçar alguns javalis para fazer um
rango. Talvez fosse até bom mesmo, porque aí poderia dividir com Noctana e Iluzia assim que
elas retornassem de...

Ranik fez uma cara chateada. Estava realmente preocupada com as duas.

Pensou melhor... Talvez comesse sozinha e se preparasse com sua nova espada e novo arco
para poder ir atrás das duas. Mas então, sacudiu a cabeça.

Não, talvez só se desencontrassem mais.

Tinha que acreditar, que confiar... que Noctana conseguiria ajudar a maguinha, custe o que
custar.

- Mas elas não se curtem muito, né? - Pensou Ranik em voz alta, coçando a cabeça sem jeito.
Por algum motivo, ela imaginava que o motivo pudesse ser ela mesma. - Não... Seria muita
presunção, né?

De repente, para sua surpresa, um portal surgia em sua frente. E dali saía uma Iluzia um
tanto quanto fraca de mana, ofegante e...

Toda suja de sangue!?

Ranik rapidamente se levantou e foi correndo na direção da maguinha. Assim que Iluzia
abrira os olhos, depois de uma longa suspirada para recompor as energias, a guerreira lhe
abraçou fortemente.

Iluzia ficou um tanto quanto corada e nervosa, mas não era tempo disso... Rapidamente, ela
empurrou Ranik:

- RANIK, ESCUTE! TEMOS QUE IR O MAIS RÁPIDO O POSSÍVEL PARA VELEJO!

- Velejo!? O que tem em Velejo!?

Iluzia então olhou pro chão, meio incomodada, e pegando no próprio braço, disse:

- Noctana está no centro curandeiro e médico de lá. Eu que a levei num portal. Ela está... Ela
está num estado grave, Ranik. - A guerreira arregalou os olhos. - E está assim por minha
causa. Ela está assim, porque foi me salvar.

28. A CURA

Noctana abriu os olhos ainda meio zonza. Era difícil pensar, ainda mais depois de tudo que
acontecera (e tão rápido). Ela cogitou se levantar, mas sentiu sua perna meio “pesada”.

Não era como se o peso fosse físico, no entanto, estava mais para algo... energético? Não dava
para explicar.

Então ela só suspirou e continuou deitada. Até que finalmente notara a presença ao seu lado.

Esperara qualquer pessoa...

Uma médica-curandeira (afinal, estava claramente no centro de Velejo), Ranik feliz ou


preocupada, Iluzia furiosa ou... furiosa mesmo, só tinha essa opção.

Só que na verdade era...

Glaz.

Sim, isso mesmo, sua amiga ladina e rainha-dos-disfarces.

- Glaz...? - Foi tudo o que conseguiu dizer com a voz fraca. E a outra apenas passou a mão em
sua cabeça num carinho.

Estava com um tremendo sorriso.

- Bom dia, dorminhoca! Como se sente? Viva pelo menos?

- Duvido que aqui seja o paraíso, considerando que é você que está aqui comigo. - Zombou
Noctana, mostrando que, apesar da voz fraca, estava claramente bem.

- Ah, claro... Se fosse a Ranik, seriam outros quinhentos, né? Hahah! - Glaz logo zombou de
sua cara, Noctana apenas lhe deu um olhar desafiador. - Bem, para dizer a verdade,
considerando seu anjo-da-guarda, quem era para estar aqui então devia ser aquela maguinha
de meio metro, né?

- Iluzia...? O que raios quer dizer com isso!? - E então, Noctana olhou ao redor. Nem Ranik e
nem ela pareciam estar lá.
Esquisito.

Tinha jurado que a maga que tinha lhe salvado.

Não que se lembrasse 100%. Tudo era como flashes loucos em meio a suor, mana e cheiro de
sangue. Mas tinha certeza de ter visto fios dourados caindo sobre sua face...

A assassina passou a mão no rosto.

- Ela quem deu tudo de si para poder curar você. Ranik até mesmo levou-a para uma pousada
para descansar. Por isso que elas não estão aqui. Ah... elas ficaram um pouco noiadas em me
ver também, mas acho que estamos bem agora, considerando que fui eu quem salvei a
maguinha do veneno! Hehehe! - Glaz deu uma coçadinha na face de vergonha. - Só não acho
que a curandeira-médica irá me perdoar tão cedo por ter me disfarçado, mas isso são outros
quinhentos!

- Repete.

- A curandeira-médica...

- Não, a parte da Iluzia. - Noctana disse, ainda surpresa.

- Ah... Eu vou te contar então, bem do jeitinho que a curandeira me contou, ok?

---

Iluzia com uma mão bebia um tônico de mana enorme e com outra, jogava mana sem parar
na perna finalmente enfaixada de uma Noctana deitada e ainda desacordada.

- Erm... Isso é saudável, Iluzia? - Ranik com cara de preocupada, sentada em outra cama,
perguntava.

- Saudável? - Iluzia perguntou, limpando o suor da testa com as costas da mão.

- Você vive usando sua mana até o limite. E bom... eu sei que tá tomando poção para isso e
tudo o mais, mas... só isso é o suficiente? Não é arriscado, sei lá?

- Cala a boca, Ranik. - Disse a loira, e então, continuou jogando magia na perna da assassina.

A guerreira nem sabia se deveria mesmo falar alguma coisa, estava preocupada... com as
duas, afinal.

A médica de Velejo sentou-se na cama ao lado de Ranik e começou a conversar com ela em
uma voz bem baixa para maga de luz, compenetrada, não ouvir:

- Ela deve realmente gostar dela, né?

- Quê!? - A guerreirona encarou a mulher com os olhos arregalados.

“Não, não gosta” pensou em dizer, mas então, encarou Iluzia novamente, dando tudo de si
naquela operação e ficou REALMENTE sem saber o que dizer sobre.
- Talvez você tenha razão, talvez não seja saudável para ela tirar e repôr mana assim tão
rápido de uma vez só, ainda mais considerando que quem estava nesta cama desacordada fora
ela mesma há uns dias. - Disse a médica, sem saber muito o que fazer.

- É, mas Iluzia disse algo como...

- Sim, sua amiga nunca poderia sobreviver. - E então, a guerreirona olhou assustada para a
curandeira.

- É... sério!?

- Primeiramente, ela perdeu muito sangue. Segundo, quebrou os ossos em pedaços muito
pequenos. Terceiro, ela infeccionou muito rápido. O certo seria se, ou arrancássemos fora a
perna... o que seria um procedimento muito complicado considerando que ela já perdeu muito
sangue. Ou seja, poderia resultar na morte dela por hemorragia. Ou simplesmente,
contactarmos os melhores magos curandeiros e clérigos de todo o Allas. Mas isso seria
geográfica e financeiramente impossível, então... - Ela concluiu, e novamente, a grandalhona
encarou com os olhos amarelos arregalados uma Iluzia ofegante, ainda jogando mana sobre a
perna de Noctana, sem parar.

Ranik rapidamente se levantou e foi pro lado da maga loira, colocando a mão em seu ombro.
Ela estava tomando o tônico mais uma vez, sem parar de jogar a mana curadora na perna da
assassina desacordada.

- Iluzia... Eu sei que... Eu sei que... - Ranik ficou com os olhos lacrimejados. - Eu sei que é
difícil, mas... E-eu não acho que se você ficar mal, você vai conseguir ajudar a...

- Eu já não te falei para calar a boca, Ranik!? - Iluzia disse, Ranik viu em seus olhos que eles
também estavam lacrimejados. Os olhos tão claros e azuis dela, pareciam duas safiras
brilhantes.

- Por que você quer tanto salvar ela? Achei que vocês não se gostassem.

- Ela foi me salvar no castelo. - Iluzia encarou Ranik, seus olhos ainda molhados, mas sua face
era pura seriedade (ou braveza mesmo) e decisão. - Você não quer que ela viva? Eu sei que
quer. Ela é importante para você e eu posso salvá-la. Eu sei que posso. Me ajude ao invés de
falar bosta.

Rapidamente, a guerreira encarou a perna enfaixada de Noctana, cujas ataduras já estavam


meio sujas de sangue... e olhando melhor, pôde ver a carne (e provavelmente os ossos) se
mexendo. Quase como se... como se eles estivessem voltando pro lugar.

A guerreira ficou decidida também, contagiada pelo espírito da maguinha!

- … - Ranik percebeu que o tônico de mana nas mãos de Iluzia tinha se acabado.

Ela saiu correndo e pegou outro tônico. Havia ali uma boa quantia que elas conseguiram
comparar com a grana que sobrara da missão da guilda dos ladrões. E finalmente, entregou-o
para a loira, que voltou a bebê-lo como se não houvesse amanhã.

Essa sequência de acontecimentos repetiu-se por um bom tempo... talvez por mais de uma
hora. E a médica apenas ficara ali sentada, impressionada com as duas.
Ranik corria e pegava outro tônico. Depois outro, depois outro... entregava-os todos na mão
da maga. E a maga, direto, sem parar, continuava a curar a perna da assassina com toda a
mana que possuía.

Até que em um determinado momento, Ranik notara uma coisa. Iluzia estava começando a
tremer. Seus lábios tremiam. Ela era puro suor. Seus olhos já estavam com um pouco de
tremor também e meio “avoados”. Ela estava ofegante e... fraca. Era visível. Havia também
uma palidez que começara a surgir até em seus lábios, eles estavam ficando arroxeados como
se estivessem frios.

Ranik cerrou os dentes e depois os olhos e depois os punhos, e então...

Uma Iluzia esgotada caiu no chão.

A curandeira foi ao seu encontro e levou-a junto com Ranik para uma cama também. Ela
verificou tudo que podia nela para ver se ela estava bem.

- Ela está...?

- Está bem sim. Ela apenas esgotou-se de tanto usar mana. Mas acho que se ela descansar
bastante (de preferência um tempo sem usar magia nenhuma) e depois se alimentar, ela vai
ficar boa, sim. - Disse a curandeira, sorrindo para Ranik.

E então, a guerreira se direcionou agora para a outra, olhando para sua perna. Não dava para
saber se estava tão diferente assim... tirando o fato dela parecer uma perna agora (antes
parecia algo indecifrável e horrendo, desforme mesmo).

- Será que... a gente pode ver como que está? - Ranik perguntou, meio receosa, para a
curandeira.

- Okay... - Disse ela, também parecendo indecisa.

E então, ela desfez as ataduras o máximo devagar que pôde. E quando finalmente dava para
ver o resultado...

O que sobrara fora apenas uma ferida grande.

Não, não estava fechado ainda. Mas o sangue tinha estancado de vez. O pus (sim, tinha) tinha
sumido paraticamente todo. A carne não mais parecia pútrida e sim saudável. E pelo visto, os
ossos também pareciam ter se reconstituído quase que 100%.

A médica estava de olhos arregalados e boquiaberta, totalmente em choque. Logo depois,


incrédula, ela encarou a maga desacordada na cama e encarou a guerreirona de volta:

- Eu acho que... a amiga de vocês vai sobreviver.

Ranik abriu um dos maiores sorrisos de sua vida.

---

Foi então que Noctana arregalara os olhos só de ouvir essa história toda da boca de Glaz.
Passou a mão na face e deu um longo suspiro pensativo.

29. CONSTRUINDO E RECONSTRUINDO

Ranik estava sozinha com Iluzia no quarto da pousada. A loira dormia a sono solto, enquanto
a outra apenas a observava com admiração.

Era bem verdade que o dinheiro das duas já tinha se esvaído. E isso era um problema
porque...

Desde que fora o motivo pelo qual a maga fora expulsa da guilda dos magos iluminados,
Ranik sentira que tinha que lhe pagar de alguma forma.

Se ela não tivesse lhe ajudado naquele dia, lá naquele beco escuro e sujo, elas nunca teriam se
apaixonado. E se elas nunca tivessem se apaixonado, elas nunca teriam namorado. E se elas
nunca tivessem namorado... enfim, Iluzia não teria perdido tudo o que tinha.

A maguinha crescera na guilda, ela lhe contara. Todos aqueles seus mestres e professores
feiticeiros poderosíssimos eram todos seus pais e tios, enfim, todos eles lhe tratavam como
uma membro da família. E ela cresceu assim, rodeada por eles.

Quantas vezes você desiste de sua família por conta de um amor?

Quantas vezes você desiste de um amor por conta da sua família?

É muito difícil quando nenhum dos dois foi ruim ou ofensivo para você. Você não pode
simplesmente levantar o dedo, apontar e... escolher. Ranik sabia disso.

Perder a guilda. Ser expulsa da mesma. Foi algo muito sofrível para a pequena loira, ainda
que esta fosse mais velha e mais madura que si. E Ranik sentia-se culpada desde então.

Mas aí que tá... Iluzia nunca a culpara. Terminara sim, o namoro consigo. Mesmo depois de
expulsa, resolveu que, se não pudesse ter a família, também não merecia o amor. Mas isso não
a impediu de continuar amiga de Ranik.

Foi então que a guerreirona resolveu MESMO fazer uma promessa a ela.

Isso tudo rolou no dia em que...

---

Ranik estava deitada na cama de Iluzia, dentro de sua casa-árvore, olhando para o teto.
Estava mesmo de preguiça lá, sem fazer nada. A maga foi andando e então, jogou um pedaço
grande de papel na cara da guerreirona que tomou um susto.

- Mas que merda...!?

- Dá uma olhada.

- O que é isso!? - E a grandalhona pegou o papel e olhou. Tinha um desenho de alguma coisa
esquisita...
Parecia uma arma de chumbo, só que muito grande. E ao redor, um monte de contas e
anotações bizarras. Iluzia tinha uma letra meio de médico, uns garranchos, não dava para
entender muita coisa.

- Ahn...

- E aí, o que achou?

- Era para eu entender isso? - E Ranik tomou um “côco” na cabeça.

- Sua idiota! Eu não desenho tão mal assim, vai!? O que parece para você!?

- Uma arma gigante? - Pensou Ranik, coçando o queixo. E então, Iluzia fez “tsc” e deu de
costas. - Acertei?

- Aham. Mais ou menos, aliás... Não é bem uma arma, porque hipoteticamente falando, armas
servem para matar, destruir, ferir, atacar...

- Ah, e isso não é para atacar? Então por que é tão grande?

- Porque a quantidade de mana necessária para essa beleza funcionar é gigantesca também.
Um mecanismo pequeno demais não suportaria... PUFF! Explodiria. Bem, ao menos com a
tecnologia e os materiais que temos hoje em dia. - Disse Iluzia, sorrindo, confiante. Ranik
continuava flutuando na maionese.

- Ok, dá para me explicar que porra é essa, então, Lu? - Iluzia deu outro “cocão” na cabeça
da guerreirona. - Ei, por quê!?

- Já disse para não me chamar assim. Não estamos mais namorando. - Iluzia estava com as
bochechas vermelhas. - Enfim, a “arma” que eu prefiro chamar de “Mecanismo Purificador
de Mana” na verdade serve para...

- Purificar mana?

- Em resumo sim. O certo seria para substituir anos e anos de rituais, estudos avançados de
magia e é claro, muito, muito trabalho.

- Ahnnn...? - Ranik ficou perdida de novo. Iluzia encarou-a como se ela fosse uma anêmona e
explicou melhor.

- Se você tem uma pessoa amaldiçoada por energia negra, como um “vaso” de um demônio
por exemplo, você precisa de muito tempo, dedicação, rituais e é claro, um mago experiente
demais, para poder libertar e purificar a alma, o sangue, o corpo e a mana dessa pessoa. Essa
arma simplesmente faz isso, só que com apenas um tiro... um tiro que pode ser dado por
qualquer pessoa, seja ela conhecedora de magia ou completamente leiga. Entendeu agora? - E
Ranik arregalou os olhos, surpresíssima.

- Uau! Isso é mesmo possível!? Ahm... E apesar de incrível, queria saber... Por que você está
fazendo isso?

- Ora, não é óbvio! Com esse crescimento absurdo das forças malignas por todo Allas, essa
arma pode ajudar MUITO os magos iluminados a combaterem esses inimigos e salvarem as
pessoas que possam a vir atacadas por eles! - Iluzia então, sacanamente levantou o dedo em
riste com aquele sorrisinho confiante. - E eu, logicamente, vou ser condecorada por eles que
vão me pedir de joelhos para voltar para guilda!

- Ah... - Ranik coçou a cabeça meio sem jeito. Ainda sentia-se culpada. Mas então, teve uma
ideia também. - Hey, você precisa de ajuda para isso!? Eu posso te ajudar! Eu... Eu posso
fazer o que for para te apoiar nisso, afinal... a… culpa... meio... que foi... minha...?

Essas últimas palavras arrastadas foram todas ditas muito, muito baixas, quase inaudíveis,
propositalmente.

- Ahnnn... Não sei o que realmente você poderia fazer por mim. - A maguinha pegara o papel
novamente e olhara mais uma vez para o desenho que havia feito. Colocara a mão no queixo,
e então, com outro sorrisinho sacana, respondeu a grandalhona. - Já sei o que você pode fazer!

- Ahn... O quê?

Iluzia apontou na cara dura para guerreirona preguiçosa (Ranik estava mesmo há muitos dias
coçando o saco - que não tinha - na sua casa) e disse:

- VOCÊ VAI FAZER O MÁXIMO DE MISSÕES QUE PUDER E JUNTAR MUITO


DINHEIRO PARA O MEU PROJETO!!! - Quando a loira disse isso, Ranik quase caiu para
trás. Não acreditava que sua vida viraria uma labuta sem fim apenas para ajudar a maga com
o projeto.

Bom, a culpa era dela, né...?

- Okay... - Disse uma Ranik, super infeliz.

E isso já fazia um bocado de tempo...

Desde que conhecera Noctana. Desde que aquela loucura toda começou. Ou... voltou.

Os magos negros...

Os cavaleiros do dragão negro...

Todo esse exército negro...

Ela conhecia bem.

---

Glaz e Noctana passeavam por Velejo. Bom, não era bem um passeio, considerando que a
rainha-dos-disfarces levava a amiga quase que apoiada em seu ombro, arrastando-se por aí
como uma manca. A assassina estava realmente furiosa de: 1. Estar dando trabalho para tanta
gente. 2. Estar incapacitada de usar sua especialidade: Sua agilidade de ladina. Parecia mais
emburrada que de costume, mas Glaz não a culpava. A conhecia há muitos anos para poder se
importar com tal detalhe tão bobo.

- Então, conte-me as novidades!


- Além d'eu ter virado uma manca de merda...? - Noctana disse, com um humor maravilhoso,
só que não.

- Ah para. Assim eu posso ter uma desculpa para agarrar você um pouquinho. - Disse Glaz,
rindo. A assassina apenas suspirou. - Mas então...?

- Nada. Não estamos progredindo com o exército negro como esperava. E como você pode
reparar, andamos tendo mais baixas que altas. - Noctana então, lembrou-se de algo que
interessaria Glaz. - Isso sem contar na minha mais nova descoberta: O espião da guilda dos
ladrões. Pelo visto, se não fosse Ranik e Iluzia a matar todos lá, os magos negros já teriam
feito mais cedo ou mais tarde.

- Que quer dizer? Quem?

- Tanak, aquele maldito. - Disse Noctana, furiosa, só de lembrar o que o filho da mãe lhe
fizera. Primeiramente, se não fosse por ele a abrir o portal maldito na guilda, Iluzia nem
sequer teria cogitado a possibilidade de Ranik estar dentro do castelo sombrio.

Não, ela não culpava mais a maga loira por nada. Afinal...

- Tan-tan!? É sério!? Nossa... Que depressão. Eu achava que ele podia ser nosso amiguinho. -
Disse Glaz, com uma carinha de tristeza que não soava muito realista. Noctana quase deu um
risinho, se não fosse totalmente não-ela mesma fazer isso. - Ora essa, não é como se fosse
novidade. Nós sempre soubemos que aquele filho da puta estava nos rodeando para saber de
alguma informação que conseguimos sobre os sombrios.

- Pois é... Mas ele me pegou de jeito dessa vez, o maldito.

- Ah! Ele foi um dos culpados pelo incidente!? - Glaz encarou a perna da amiga, enquanto
andava com ela ainda pendurada em si.

Noctana fez “sim” com a cabeça.

- Esporadicamente falando. - Disse a assassina, e então, os olhos de Glaz pareceram ter ficado
muito furiosos. Mais do que nunca.

- Okay. Bom saber... - E então, finalmente, elas pararam, na frente do que parecia ser uma
loja ou algo assim. - Enfim, chegamos!

- Ahn? - Noctana deu uma olhada...

Era um ferreiro.

- Mas, Glaz, eu não preciso de uma arma nova. Minhas adagas estão negras, mas estão ótimas.

- Mas, querida Ana, não te trouxe aqui pelas adagas... - E então, Glaz soltou-a (que se apoiou
na parede do recinto) e apontou feliz para sua perna.

Noctana ficou confusa (?).


30. INICIANDO A MISSÃO

Ranik se espreguiçou. Estava sentada em um banco dentro do quarto da Pousada. Precisava


arrumar grana logo para pagar outras estadias ou carregar Iluzia de volta para sua casa de
uma vez, pois, a maguinha parecia que com aquele “overload” de mana ia precisar recarregar
por vários dias dormindo. Estava sem muitas escolhas. E logo, elas diminuíram...

Bateram em sua porta.

“Oh, merda! Será que são os carinhas da pousada expulsando a gente duma vez?”, mas assim
que ela abriu era...

- Correspondência!

- Quê? para mim? Tem certeza?

- A srta. chama-se Ranik?

- Ahmmm... Sim.

- Então é para srta. mesmo. - O rapazinho das cartas lhe entregou um bilhete e foi embora.

Isso mesmo, apenas um simples bilhete, nada de pacotes ou cartas rebuscadas. Parecia mais
um recado que uma correspondência em si. Ranik estranhou um monte. Quem quer que
tenha lhe mandado aquilo, como sabia que estava exatamente na pousada de Velejo?

“Ranik,
Sei o que lhe disse anteriormente, mas as coisas mudaram. Não há mais tempo a perder. A
energia sombria que se encontra em Planina está aumentando mais e mais, e por isso precisamos
que você e Iluzia se encaminhem o mais rápido o possível para lá, de preferência, agora mesmo.
Usem o portal que a maga sabe criar, mas não percam nem mais um minuto! Isso é de extrema
urgência! Ah sim, só para constar... Melhor MESMO você não fazer esse serviço sozinha, pois,
além de precisarmos que você utilize o portal para não perder tempo (e eu sei bem que uma
guerreirinha como você não sabe criar portais de teletransporte), se tratando de energias
obscuras, precisamos de alguém que possa bater de encontro a manas tão poderosas quanto, por
isso, Iluzia será imprescindível nessa missão.
Ass: Sir Mysic da Guarda Real de Veligrad”

- Tá de zoeira com a minha cara!? - Ranik disse, olhando meio chateada para uma Iluzia
desacordada. - Iluzia não vai acordar agora e mesmo que pudesse, ela tem que ficar um bom
tempo sem usar mana... Caramba, o que eu faço!?

“Aliás, alguém pode me explicar como o Mysic sabia que nós estávamos aqui? Estou
começando a ficar noiada com esse cara...” pensou a guerreirona, incomodadíssima.

De repente, mais uma vez, batiam em sua porta. E ela atendia novamente.

“Agora sim devem ser os donos da pousada nos expulsando! Só para completar minha incrível
sorte!” pensou a grandalhona, mas...

Mais uma vez não era.


Era Noctana. Sim, a assassina, finalmente recuperada. E pelo visto, de pé por contra própria
(pelo visto, sua amiga esquisita tinha ido embora).

Ranik reparara em alguma coisa bizarra na perna ferida de Noctana. Dos dois lados umas
toras esquisitas do que parecia ser cobre, adornadas ao redor por auréolas do mesmo
material. Elas se prendiam firmemente na perna da ladina. Aquilo parecia meio doloroso.

- Ouch... Que droga é essa? Dói não?

- Não. E me deixa de pé... Talvez eu possa até correr agora. - Disse Noctana, bem mais aberta
que anteriormente. Ranik reparou isso.

- Háh... Você anda mais extrovertida comigo! - Disse ela, e então, a assassina incomodada
virou o rosto, rapidamente, meio corado.

- Eu vim ver Iluzia.

- Ela ainda está dormindo. - Disse a guerreira e saiu da frente da porta, deixando a ladra
entrar.

Era engraçado Noctana vir ver logo Iluzia e não ela. Mas Ranik entendia... Ela devia mesmo
estar agradecida pela loira, depois de tudo o que ela fizera por si.

Noctana olhou para uma Iluzia ainda desacordada com uma cara meio triste. Suspirou
profundamente.

- Olha, eu vou devolver o dinheiro de vocês. - Disse Noctana, firme. - Eu sei que o dinheiro era
dela também.

- Mais dela do que meu. Heh, ela ficou meio furiosa quando soube que você roubou! - Ranik
disse, rindo, a assassina a censurou com o olhar.

Foi então que Ranik teve uma ideia... não muito bacana, mas teve.

“Não deveria, né? Ela acabou de se recuperar da perna! Mas... mas... Iluzia ainda está
desacordada! E eu preciso de dinheiro para pagar a pousada!” Ranik encarou a loirinha
dormindo a sono solto.

- Noctana...? - Perguntou, meio insegura, a grandona.

A ladina olhou para si, meio de lado. A guerreira coçou a cabeça, seu tique quando estava um
tanto quanto incomodada ou confusa.

- Ahnnnn... é que... - E então, ela sacudiu negativamente a cabeça, mas entregou a tal
correspondência para a ladina, que a leu rapidamente.

- Esse Sir... - Disse Noctana, parecendo furiosa.

- Pois é. Também queria socar a cara dele, apesar dele ter me dado a nova espada. - Ranik
apontou com a cabeça para espada posicionada em cima de uma cadeira como se fosse uma
pessoa sentada.
- Não sei se me encaixo na parte de “bater de encontro a manas poderosas”, mas... Eu possuo
conhecimento o suficiente de mana negra para poder lutar contra. E eu sei fazer portais
também. - Disse a ladina, decidida.

- Mas e sua perna...? - Ranik perguntou, ainda sentindo-se culpada por estar chamando-a
para isso depois de tudo o que ela encarara.

- Ora essa, não estou mais inútil! E de mais a mais, não posso continuar fugindo... a luta
contra as sombras têm que continuar, senão o exército negro vai conseguir seus objetivos,
sejam lá quais forem! - A pequena ladina disse, parecendo mesmo furiosa.

Ranik deu um sorriso doce ao vê-la assim. Era tão corajosa. As duas (Iluzia e ela) eram...
corajosas e importantes para si.

- Erm... - Noctana ficou vermelha de novo ao ver Ranik lhe olhando daquele jeito, fugiu com o
olhar (como sempre) e mudou de assunto. - Então vamos?

- Ahm... Ok. Não vai querer avisar algo aquele elfo amigo seu? - Perguntou a grandona,
lembrando-se de Udarak.

- Ah! O garoto-de-recados ainda está por aí? - Perguntou Noctana, rapidamente.

---

Planina era um lugar cheio de montanhas, como já dava para saber. Não havia uma floresta
cheia de árvores e viva sequer, era um lugar pedregoso demais para haverem árvores o
suficiente, mas havia uma vegetação musgosa em alguns cantos. Haviam muitas cavernas
também, mas... Atrás do bilhete de Mysic tinha uma espécie de anotações com as coordenadas
mais explicadas da caverna em específico que elas deveriam ir para localizar a energia
maligna.

E foi para lá, diretamente, que a ladina teletransportou as duas por seu portal vermelho. Ela
estava com quase nenhuma mana, então esperava não precisar usar isso mais até a hora da
volta das duas (e provavelmente teria que descansar a magia um tempo sem usar mesmo para
poder criar um portal de novo).

A caverna que deveriam entrar estava abaixo de uma grande montanha, provavelmente
levaria para um labirinto de calabouços dentro da mesma. Era bem óbvio que aquilo ali era
outro covil (ou algo próximo) do exército negro. E a energia que estava vindo de lá era mesmo
fortíssima, porque da entrada da caverna, as duas já sentiram o ar ficar pesado.

- Ranik. - Disse Noctana, com uma cara bem séria, segurando firme em suas adagas
amaldiçoadas.

- Quê?

- Talvez a gente perca a vida aqui. Mas vai valer a pena poder lutar contra o exército negro
ao... seu lado. - Disse a assassina, tentando esconder a face (em seu capuz e máscara) enquanto
dizia isso.

Os olhos da grandalhona brilharam junto a um sorriso decidido e ela desembainhou a enorme


espadona (era pesada, mas ela aguentava):
- Digo o mesmo, Noctana! Estou orgulhosa e muito feliz de estar lutando ao seu lado! - E
quando ela disse isso, a assassina sentiu seu corpo ficando quente.

As duas, finalmente, adentraram no lugar.

---

Enquanto isso, na pousada de Velejo...

Os donos da mesma estavam meio fulos da vida com duas hóspedes que ficaram lá por já um
dia de estadia e não pagaram mais nada até então. Um grandalhão e um pequeno, os dois
reclamavam:

- Essas duas! Uma mutante musculosa maior que eu e a outra, uma baixinha loira muito
bonita! Mas as duas, tremendas caloteiras! - Disse o grandalhão, fulo da vida.

- Né? Estão ficando pelo segundo dia, mas ainda não pagaram o mesmo! - Disse o pequeno,
concordando com a cabeça. - Devíamos expulsá-las!

- Ahm... - O grandalhão ficou meio temeroso. - Bom, eu vi a grandalhona sair por aí com uma
espada enorme nas costas conversando com outra baixinha meio macabra com uma perna-
mecânica... Eu acho que elas armam alguma coisa sinistra!

- Náh, e daí? A loirinha está dormindo, ouvi dizer! Podíamos expulsá-las enquanto isso! É
NOSSO estabelecimento, não devíamos ter medo! De mais a mais, a guarda do Conde vai ficar
do nosso lado, né!? - O pequeno era o mais problemático.

- Hmmm... Pensando bem, você tem razão! O Conde nunca ia curtir um povo caloteiro que
atrapalha o comércio local de Velejo! Hehehe! - E quando o grandalhão ia sair para poder
expulsar a loirinha dorminhoca, surgiu uma pessoa muito bonita (e muito diferente) no local
onde estavam...

Os dois paralisaram, seja com a beleza ou com a aparência diferente da figura, que
simplesmente retirou uma sacola de pano com um bocado de peças de ouro (bastante mesmo!)
e depositou-a sobre o balcão do estabelecimento:

- Olá, queridos! Eu estou aqui em nome de Iluzia, a maga de luz. Sim, a hóspede que vocês
dois disseram estar dormindo num quarto lá em cima sem pagar a conta do segundo dia.
Portanto, eu vim visitá-la e aproveitarei para pagar a estadia dela e tudo o mais que ela
precisar, mas é claro... eu vou lá em cima visitá-la. - Disse ela com uma voz um tanto quanto
provocativa.

- A-ah... S-sim, senhora! - Disse o grandalhão, embasbacado.

- P-primeiramente, o que a senhora é dela!? - Perguntou o mais baixo, que não era assim tão
burro, mas era tão sedento por grana quanto.

- Uma amiga... - Disse a mulher misteriosa e logo se dirigiu as escadas.

- E-ei, pera, a gente nem te falou o número do quar...? - O grandão foi interrompido, pois, ela
já havia ido embora. - Que linda, né?
- Sim, muito! Apesar de sua cor-de-pele ser cinza! - Disse o mais baixo.

31. QUEM É O INIMIGO?

Zel havia aparecido na pousada de Velejo, pagara toda a dívida que Ranik e Iluzia poderiam
ter com o quarto e subiu para ver a maguinha de luz, que ela sabia que claramente estava
desacordada depois de um “overload” de mana.

A meio-drow abriu a porta e adentrou no recinto. Ali estava Iluzia deitada, seu objetivo. Mas
antes, acabou por “esbarrar” em outra coisa. Havia um bilhete sobre a mesa de madeira no
canto do quarto. Ela o pegou e leu:

“Iluzia,
Eu e Noctana fomos juntas fazer a missão em Planina a mando do bundão do Sir Mysic de
Veligrad. Não demoraremos. Fique tranquila, Noctana está bem, até arrumou um aparato
esquisito para colocar na perna para andar melhor. Não nos siga, você precisa descansar um
tempo sem usar magia para poder se recuperar totalmente. Coma (peça um serviço de quarto, sei
lá, e diga que depois vai pagar). Eu vou pagar, se eu fizer esse serviço o Sir bundão deve me dar
alguma recompensa. Se cuida.
Ranik”

- Hmmm... - Balbuciou enquanto dobrava o bilhete e colocava-o no próprio bolso das vestes
(que não eram mais vestes de maga negra, claro, estava no meio da cidade, não queria
levantar suspeitas ruins sobre si).

Pegou um dos bancos que havia no lugar e posicionou-o logo ao lado da maguinha loira
dormindo. Ficou encarando-a ali, tão frágil, tão desarmada... Era tão, tão bonita. Zel passou a
mão de leve nos cabelos dourados soltos sobre o lençol branco. Aproximou mais sua mão e
quase tocou no rosto da outra... Quase.

Engoliu seco.

---

Enquanto isso, Ranik e Noctana tinham acabado de adentrar no calabouço de Planina. O


lugar estava escuro, mas Ranik já estava acostumando-se com isso e Noctana já estava
familiarizada. As duas aproximaram seus corpos mais quando os corredores começaram a se
estreitar.

O calor humano estava alto... As duas pareciam meio incomodadas, mas não era com o lugar
macabro. Sim, a energia pesada ao redor ajudava, mas isso só fazia as duas envolverem-se
ainda mais em uma cúpula de proteção que vinha da intimidade das duas.

- São corredores estreitos, né? - A guerreirona perguntou, meio tímida.

Seu braço já tocava o braço da outra, de leve.

- É... - A assassina fez “sim” com a cabeça.

- Vai ser bem complicado se alguma coisa nos atacar agora... para correr, esquivar, atacar e
tal. - Disse a outra, visivelmente preocupada agora.

- A gente só precisa se afastar um pouco. - Disse Noctana, mas Ranik, rapidamente, sem sentir,
pegou em seu pulso. O corpo da assassina tremeu. Por que isso?

- Não. Sinto que se a gente se afastar muito vamos nos perder uma da outra de novo. - “De
novo”. O que será que Ranik queria dizer com aquilo? O clima só ficava mais intenso.

E a guerreira ainda ficou alguns minutos de caminhada naqueles túneis sem fim segurando o
pulso de uma Noctana super sem jeito. Até que ela notara a garota escondendo seu rosto
demais por trás do capuz e entendera a mensagem, soltando seu braço.

Enfim, as duas chegaram em uma bifurcação. O que era previsto, considerando que aquilo
mais se assemelhava a um labirinto.

- Certo. Então... Agora nos separamos? - Ranik quem disse dessa vez, contrariando o que ela
mesma tinha dito anteriormente. Noctana percebera.

A guerreira estava suando. Talvez a energia pesada realmente tivesse influenciando nas duas.
O lugar acabava parecendo mais...

Sufocante. Mais claustrofóbico.

- Achei que não queria se perder de mim. - Noctana disse, levantando uma sobrancelha,
incomodada.

- É... - Ranik encarou o pulso da garota assassina que antes ela havia segurado e deu uma
sacudida na gola da camisa por baixo da couraça parateada. Parecia estar mesmo com calor.

- Esse lugar mexe com nosso psicológico.

- Ahn?

- Ele é propositalmente assim. - Disse Noctana, já percebendo o que elas estavam enfrentando,
inteligentemente. - Sua energia pesada... Ela não está apenas em um lugar específico, ela está
preenchendo propositalmente todo o calabouço-labirinto. E ela faz isso para poder mexer com
nossas mentes.

- Mexer...?

- Não sente que está muito apertado? Muito quente? Muito sufocante? - E Ranik fez “sim”
com a cabeça, concordando. - E mesmo assim, você não quer ficar sozinha... Ficar sozinha
num lugar assim seria pior. E então, você se agarra a última gota de intimidade que tem para
se sentir protegida.

- Erm... - Ranik ficou meio corada e coçou a cabeça.

- Vamos juntas. - Noctana pegou na mão de Ranik dessa vez. As duas coraram. - Mas não se
deixe controlar pelo clima do lugar.

- O-okay. - Disse a grandalhona, e as duas escolheram seguir para esquerda, juntas.


---

Zel bocejou. Levantou. Comeu algumas frutas que mandou entregar no quarto. Deixou
algumas outras (com pães também) em cima da mesa, por algum motivo... E então, resolveu ir
tomar um banho (sim, lá tem banheiro e foda-se).

E então, finalmente...

Os olhos azuis abriram-se depois de tanto tempo fechados. Iluzia também bocejou e sentou-se
na cama.

- Ranik? - Chamou, procurando pela grandona no quarto, mas não a encontrou.

Tentou levantar, bambeou e caiu de volta, sentada, na cama. Levantou-se agora de vez, ainda
estava meio zonza mesmo.

- Cacete, nunca mais faço isso na vida... Parece que to com ressaca e nem bebo! - E andando
meio vagarosamente para não cair, ela avistou a mesa cheia de comida. Rapidamente, seu
estômago roncou. - Pelo visto, Ranik comprou essas coisas para gente comer. Só queria saber
de onde ela tá tirando dinheiro para isso (torramos a grana toda com os tônicos de mana)...
Ela vai acabar, CHOMP! - Ela abocanhou um pedaço de pão e uma maçã logo depois. - Vai
acabar nos fazendo ser expulsas daqui, ou pior... CHOMP! Presas!

Assim que comeu um bocado, sentiu-se mais disposta. Resolveu que iria ao banheiro lavar o
rosto para ajudar a acordar melhor.

Foi então que ouviu o barulho de água. Já tinha alguém se banhando ali.

“Ranik está tomando banho? Er...” Iluzia ficou vermelha. E então, deu de ombros “Não é
como se eu já não tivesse visto tudo, né?”

E então, resolveu entrar mesmo assim e lavar o rosto logo, não queria esperar a guerreira
terminar, afinal, esta sempre fora uma desligada (ela poderia ficar ali se banhando por horas
pensando na morte da bezerra).

E qual não foi a surpresa de encontrar ali dentro...

Um corpo molhado e escultural de pele ardósia-azulada, cabelos molhados arroxeados caindo


pelas costas, uma cara de puro terror (ainda que linda) e um “side-boob” muito bem
posicionado.

Iluzia deu um grito:

- AAAAAAAAAAAAAAAAHHHH!!! - E saiu correndo para fora do banheiro.

Zel saiu logo depois de toalha, já tinha terminado (e mesmo se não tivesse, não era lá uma boa
hora de continuar ali).

- S-SUA...! C-COMO VOCÊ OUSA!!?!?! - Disse Iluzia, completamente vermelha e


desesperada, sentada na cama (quase se cobrindo de vergonha com o lençol). Ela apontava
para outra, tremendo de nervoso e acusação.
- Urgh... Como eu ouso? Você que saiu entrando no banheiro sem nem bater na porta...

- EU ACHEI QUE ERA RANIK!!!

- Aahhh... Então é esse tipo de relação que vocês tem, hein? - Zel perguntou, com uma cara
sacana.

- N-NÃO! - Iluzia agora ficou roxa e olhou pro lado, cruzando os braços. - S-sua... MAS NÃO
DESCONVERSE! - E logo o dedo acusador retornara. - O QUE RAIOS ESTÁ FAZENDO
NO MEU QUARTO, TOMANDO BANHO NO MEU CHUVEIRO!?!??

- Você quer dizer MEU quarto e MEU chuveiro, né? Pois estamos numa pousada, quem paga
é que fica com o lugar. - Disse a maga negra, cruzando os braços, ainda de toalha.

Ela estava molhando o quarto (não deu tempo de secar seu corpo direito), mas Iluzia nem
percebia, não conseguia desgrudar os olhos dela (e lembrar-se da visão no box do banheiro).

- V-você pagou pelo quarto?

- Sim, vocês duas não pagaram a segunda estadia. Os donos daqui já estavam pensando em te
chutar de qualquer jeito. - E então Zel continuava a dizer, sabichona.

Iluzia ficou ainda mais sem graça.

- É... M-mas... Por que raios você pagaria pela nossa estadia!?

- De vocês, não. A sua, mais especificamente. - Disse a meia-elfa negra, e então, virou-se indo
para o banheiro para vestir suas roupas, quando...

Iluzia esticou a mão e tentou jogar alguma magia nela (talvez congelamento seria uma boa
opção)...

Mas nada saiu. Nenhuma manazinha mesmo. Deveria já ter imaginado.

- Você já usou energia demais, maguinha. Você precisa descansar.

- M-mas... V-você disse que me mataria assim que me visse de novo. - A loira estava
desconcertada.

- É, eu disse. - E então, antes de entrar no banheiro, Zel deu uma piscadela para ela. - Mas eu
menti. Você é importante demais para acabar dessa forma!

E quando ela entrou e fechou a porta para colocar sua roupa, Iluzia encolheu-se na cama.
Suas bochechas queimavam de vergonha. A maldita só podia estar brincando consigo!

32. SENTIMENTOS DOCES EM MEIO AS SOMBRAS

Enquanto Zel se vestia e deixava Iluzia super sem graça por ter simplesmente desistido de lhe
matar (aparentemente), Ranik e Noctana entravam no corredor da esquerda na primeira
bifurcação.
Depois disso o caminho deu mais bifurcadas, trifurcadas. As duas ficaram confusas por vezes
para onde deviam ir, mas... A assassina não largou a mão da guerreira nenhuma vez.

Quanto mais elas adentravam no calabouço, mais a sensação sufocante aumentava. Noctana
parecia bem, talvez seu sangue amaldiçoado estivesse lhe protegendo de alguma forma (ou
estivesse já acostumada). A guerreira suava e batia dente, a outra percebera, e preocupada, só
aumentou mais ainda o aperto em sua mão.

Quando isso acontecia, o rosto de Ranik ficava avermelhado, e percebendo, o de Noctana


ficava logo depois. Algo ruim que poderia simplesmente deixar as duas loucas, estava era
aproximando elas mais e mais.

Porém, toda a situação mudou quando...

Adentrando em um dos corredores todos feitos de tijolinhos de pedra escuros, um piso em


falso quebrou-se debaixo dos pés das duas e elas caíram.

Sim, caíram. E foi uma queda feia em um buraco totalmente escuro.

Ranik ficara protegida pela armadura. Noctana machucara o braço, mas nada grave. Por
sorte, seu mecanismo de cobre na perna ajudou a mantê-la intacta (afinal, ainda estava
sensível).

O problema inicialmente era...

Estava escuro demais ali.

- Cof! Cof! - Ranik tossiu, sentando-se. Sentiu o chão, era de pedra lisa. Claro, tudo ali era de
pedra. - N-noctana, você está bem?

A guerreira perguntou preocupada, e já sentindo-se meio sufocada, considerando que a mão


da assassina não mais segurava e guiava a sua.

- E-estou... Acho que machuquei o braço, mas nada sério. - E então, Nocta pensou
rapidamente...

“Será que eu consigo ao menos um pouquinho de mana para ativar minha visão no escuro? É
melhor, afinal, com esse cheiro esquisito, talvez tenha alguma fera ou animal selvagem aqui
embaixo pronto para nos atacar... Ou então, por um lado bom, talvez tenha um túnel ou coisa
do tipo!”

Ela passou a mão na face e os olhos mudaram para vermelhos...

Rapidamente ela pôde enxergar todo o lugar ao redor.

Enquanto isso, a guerreirona levantava-se com dificuldade (pois, não tinha nada para apoiar-
se ao redor e a armadura era pesada). Ela tremia. Realmente, estava em busca de Noctana
(era a única coisa que mantinha sua mente sã naquele lugar psicologicamente infernal).

- N-nocta...

- Espere, estou analisando o local. - Disse a ladina, de pé, olhando ao redor. - Merda.
- Que houve?

- O lado bom... Não tem bestas selvagens ou feras, nem nada aqui. O lado ruim, há corpos...

- Corpos?

- Sim, pelo visto, isso é um fosso. E não há nenhuma passagem mesmo. Nenhum túnel, nada.
Só há lá em cima (de onde ainda vem alguma luz das tochas que iluminavam os corredores).
Mas está longe demais até para iluminar aqui embaixo, ou seja, sem chance de subirmos,
exceto se voarmos ou... - Noctana cerrou os dentes. - Eu posso tentar uma coisa!

- N-não... Não... - Ranik não estava aguentando. - N-não me deixe sozinha, eu...

- Espere um instante, Ranik! - E então, a assassina deu uma guinada e chutando as laterais,
cada momento uma (direita, esquerda, direita, esquerda), ela foi usando sua incrível agilidade
(mesmo com o aparato de cobre na perna), impulsionou seu corpo até a boca do fosso.

para sua surpresa...

Uma grade tinha surgido logo assim que elas caíram (ela não conseguiu enxergar isso lá de
baixo) e tapou-as ali.

Ela segurou na grade, ficando pendurada lá em cima.

- N-nocta... Noctana... - Ranik chamava-a sem jeito. De repente, encolhia-se pegando nos
próprios joelhos.

“Merda. Merda. Merda. Merda... Eu estou me sentindo péssima. Não estou conseguindo
respirar direito. Esse escuro. Esse cheiro de morte. Esse BURACO. E-estou aqui sozinha,
Noctana está ali em cima. E se ela conseguir sair, c-como eu vou sair daqui?” Ranik sacudiu a
cabeça “Meu corpo está tremendo, não consigo parar de bater meus dentes. Meu coração está
disparado. Caralho, parece que eu vou ter um treco! Que sensação horrível! Noctana, por
favor, volte... Fique comigo...”

A assassina encarou as barras e percebeu que elas eram feitas de ferro. Soltou um “tsc”
furiosa e puxou uma de suas adagas amaldiçoadas... Tentou serrar a grade com ela, mas...

Nada feito. Era de um material resistente demais. Noctana suspirou.

Seu corpo estava pesado. A perna de cobre era pesada. Rapidamente, ela tentou se segurar,
mas acabou... ESCORREGANDO!

Ia ter outra queda lá de cima (agora ainda mais feia, porque não tinha o piso em falso para
“amaciar”)...

Só que para sua surpresa, uma guerreira ficou de pé (não se sabendo como ela percebeu isso –
talvez tivesse uma percepção acima do normal), e de repente, pegou-a no colo.

Sim, Noctana caiu certinho no colo de Ranik.

- Erm... O-obrigada. Desculpa, eu tentei abrir, mas tem uma grade lá em cima e... - Ranik com
seu corpo enorme abraçou Noctana apertado.

A ladina ficou roxa de vergonha. Seu corpo ficou totalmente quente. Seu coração quase saía
pela boca.

- Noctana... Por favor, não me deixe.

- Erm... Ranik, e-eu acho que a energia negra está te afetando... Er... - Ela continuava
sentindo-se muito, muito envergonhada, ainda que soubesse que aquilo estava mais para uma
reação involuntária da guerreira.

- Sim, está.

- P-precisamos descobrir como sair daqui. - Noctana empurrou o corpo grande lhe abraçando,
muito sem jeito. Agora era ela quem ofegava, não mais Ranik. O motivo era outro, no entanto.
- Estamos num fosso. Esses corpos... eles morreram porque não conseguiram sair daqui,
Ranik. A energia sombria é o menos importante agora, você tem que...

Ranik abraçou-a de novo.

- Você tem que se controlar! - Noctana disse, fechando os olhos.

- N-não dá. S-seu corpo... Quando você está junto a mim, eu me sinto melhor. Me sinto
protegida.

- Ranik, você tem quase 40 centímetros a mais que eu, tem uma espada gigante e uma
armadura. Eu definitivamente... não sou o que está te protegendo. - Noctana tentava colocar
alguma racionalidade na cabeça da grandalhona atingida em cheio pela energia sombria,
porque ela mesma já estava ficando meio zonza com aquilo tudo (não pela energia, mas pelo
corpo enorme da guerreira lhe abraçando tão forte sem soltar... ela parecia que ia derreter).

- V-você tem razão, me desculpe. - Ranik soltou-a, vermelha também. Ela percebia suas
atitudes, isso a deixava sem jeito. Mas a verdade é que ela se sentiria melhor se pudesse, sim,
abraçar Noctana sem parar.

Mas elas realmente tinham que pensar em como sair de lá.

- Estamos ferradas. - Noctana disse, mas ainda estava com as bochechas em chamas. O corpo
de Ranik no seu... Sacudiu a cabeça, não tinha que pensar nessas bobagens agora.

- Udarak... Não avisamos a ele que vinhamos para cá? Talvez ele apareça e talvez... Talvez ele
nos resgate. - Disse Ranik, tentando pensar positivo. Só assim para controlar sua cabeça.

- Não sabemos quanto tempo ele vai levar. E nem se ele vai acabar caindo nessa (ou em outra)
armadilha também. Confiar apenas na chegada dele é uma opção inviável. - A assassina
tentava ser o máximo racional possível, mesmo nervosa.

- Se ao menos... - Ranik sentia vontade de agachar e agarrar os próprios joelhos de novo. - Se


ao menos tivesse luz aqui, eu me sentiria menos afetada por essa maldita... essa maldita
energia.

- Luz? Ok. - Noctana fez “sim” com a cabeça.


Ela rapidamente mexeu em sua sacolinha de pano e dali retirou algumas coisas.

- Se você tiver algo como “óleo” pode ajudar. - Ela anunciou.

- Ahm... D-deixa eu ver na minha bolsa de viagem. Acho que eu tenho combustível para
lamparina. - Disse Ranik, e então, puxou uma sacola pequena que carregava consigo também.
- N-não, acabou.

- … - Noctana suspirou profundamente.

- Erm... E... E agora? - Ranik disse, e então, de repente, elas ouviram um estrondo lá em cima.
- AAAHHHHH!!!

Ranik realmente parecia assustada. Nada como a guerreira era SEMPRE. Ela era corajosa a
ponto de ser kamikase. Aquela porcaria de feitiço (seja lá o que estivesse naquele calabouço)
estava mesmo detonando a mente da guerreirona, deixando-a assustada e frágil.

Ela encolheu-se mais uma vez, agarrando as pernas. Noctana podia ver por conta da ativação
de seus olhos de visão noturna. Porcaria, se tivesse mana podia criar um portal e tirá-las dali,
mas não tinha.

Tinha que pelo menos repousar para poder repôr mana, enquanto isso...

A ladina aproximou-se da guerreira, e por trás dela, a abraçou com seu diminuto corpo. Isso a
deixou quente de novo e corada, Ranik também parecia ter ficado, mas ao menos, as batidas
de seu coração (que estavam completamente loucas) começaram a se estabilizar.

- Estou aqui com você. Vamos sair daqui juntas. Eu não vou te deixar sozinha. - Disse
Noctana, docemente.

33. A PROFUNDIDADE DA MENTE

Iluzia percebera que a maga negra estava demorando muito no banheiro onde ela colocaria
suas roupas e supostamente voltaria pro quarto. Então, ela levantou-se e foi até o recinto... e
acabou encontrando ninguém ali. Provavelmente ela tinha criado um portal e ido embora de
uma vez. A maguinha de luz sem nenhuma mana suspirou.

- Ela... Ela foi embora. - E então, ela voltou pro quarto. - E ela realmente pagou a minha
estadia e comida. - Ela olhou para mesa ainda cheia de pães e frutas. - E também não me
matou, quando ela claramente podia, afinal, estou sem mana.

A loira olhou para própria mão.

“Ela é uma inimiga e mesmo assim não parece me odiar ou querer me atacar! Por que isso?
Será porque...?” e então, lembrou-se da “leitura de mente”.

- Merda. - Iluzia foi andando até a cama e se jogou ali de novo. - Ela nem imagina que foi tudo
balela...

“Onde será que está Ranik...?” pensou a loira, nervosa.


Mas deveria esperá-la lá, senão iam se desencontrar de novo, sentia.

---

Udarak estava andando por Velejo, quase ali próximo de onde a maguinha estava. Ele usava
um capuz e uma capa amarronzados, disfarçando suas roupas verde-água escuro. Em suas
costas, a aljave e as duas bestas presas.

E então, de repente, um moleque veio correndo ao seu encontro. Ele ficou atento achando ser
um bandidinho ou qualquer coisa do tipo (apesar dele ser vasto conhecedor dos ladinos
daquela cidade, por algum motivo, podia ser algum novato ou algo assim), só que na verdade
era...

- Correspondência!

- Quê!? - Ele ficou surpreso de ser reconhecido, mesmo de capuz.

Aquele moleque de correspondências tinha alguma coisa esquisita, não era possível!

- Você faz alguma ideia de quem eu sou?

- Udarak, não é? - O elfo-arqueiro franziu o cenho, incomodado.

Pensou em umas 300 formas diferentes de matar o moleque, mas ele disse, explicando-se.

- Uma grandalhona musculosa chamada Ranik e uma baixinha sombria (que eu não sei o
nome) disseram para caçar você, um elfo pálido meio andrógino.

- “Meio andrógino”, er... - Udarak disse, ainda mais chateado.

- Enfim, é você ou não?

- Certo. - Ele estendeu a mão e pegou o bilhete.

“Uda (só podia ser ela a lhe chamar assim),


Eu e Ranik estamos em Planina. O lugar em específico está atrás do bilhete. O Sir de Veligrad
que nos mandou para lá, ou seja, a próxima missão. Por algum motivo, achei importante saber.
Talvez, talvez seja bem perigoso para só nós duas, então... Está convidado a aparecer, se quiser.
Ass: Noctana”

- Hmmm... - E então, Udarak encarou o moleque ainda ali parado. - Que foi?

- Tio, não rola nem um trocado? Estou entregando bilhete para esse seu grupinho desde
ontem! - E então, Uda virou o moleque de costas e deu um tabefe em sua nuca. - OUCH!

- Mete o pé, e se eu souber que alguém soube sobre mim, você tá morto, pivete.

O elfo suspirou, incomodado. Será que deveria ir agora para Planina ou será que aquelas
duas estariam bem?

---
Enquanto isso, em Planina, dentro de um calabouço, mais precisamente em um fosso mais do
que escuro...

Ranik e Noctana se encontravam, ainda na mesma posição que antes. A grandalhona sentada
no chão segurando os próprios joelhos, que antes tremiam, mas agora estavam aquecidos e
controlados, aparentemente. A assassina logo atrás dela, de pé, abraçando-a por trás. Seus
corpos quentes, suas respirações e batidas de coração mais altas que tudo.

- Estamos assim há um tempo já... Eu... Eu me sinto bem melhor. Obrigada, Noctana. - Ranik
disse, sem jeito. Sim, ela definitivamente parecia melhor.

A perna de metal da outra bambeou um pouco (muito tempo de pé na mesma posição) e ela
caiu sentada.

- Urgh. - Disse, e a guerreira virou-se assim que ouviu o barulho e sentiu o corpo da pequena
sombria desvencilhar-se do seu.

- Você está bem?

- Estou. Só precisei sentar por uns instantes. A minha perna não aguenta mais tanto quanto
antes. - Disse ela, tocando na perna de metal.

Ranik conseguia ver sua silhueta, embora não enxergasse perfeitamente. Seus olhos haviam
acostumado-se com o escuro. Apesar de não mais usar a magia, Noctana ainda conseguia
enxergar bem melhor que a outra naquele breu.

O cheiro não era lá muito agradável, mas quando seus corpos estavam próximos, elas só
conseguiam sentir fortemente o cheiro uma da outra.

Ranik virou seu corpo para ficar sentada de frente para outra. Ficaram assim em silêncio por
um tempo.

- Qual seu plano? - Perguntou a grandalhona.

- Estou recuperando mana para poder criar um portal e tirar a gente daqui.

- E a missão?

- Acha que ainda temos capacidade de fazê-la? A magia sombria está afetando você demais,
não acho que... - E então, Ranik aproximou-se bastante, quase colocando a face grudada na
face de Noctana, que ficou tão sem graça que perdeu a fala.

- Eu não quero desistir.

- … - Noctana virou o rosto, ofegava ainda mais, nervosa. - Tem alguma ideia genial, então?

- Bem, você pode nos teletransportar lá para cima de volta.

- Vamos enfrentar outras armadilhas. E talvez, elas não sejam tão amigáveis quanto essa aqui.

- Minha vida é me aventurar, Noctana! - Ranik realmente parecia ter se recuperado, seu
espírito corajoso estava de volta, a assassina percebera (e isso a deixara um tanto quanto feliz,
mas...).

- Mas eu fico preocupada.

- … - Ranik piscou os olhos mais algumas vezes.

- Eu me importaria se você acabasse muito ferida, ou pior... morta. - A assassina passou as


mãos na face, limpando um pouco de suor que escorria de sua testa e tentando disfarçar todos
seus sentimentos.

- Olha, eu também fico preocupada com você e com Iluzia. - Noctana sentiu um pequeno
nozinho na garganta quando ela citou a maga junto a si. - Mas eu tenho que ser corajosa como
vocês duas e dar tudo de mim, como vocês fizeram uma pela outra! Eu também quero dar
tudo de mim por vocês!

E quando Ranik disse “vocês”, Noctana pareceu ter ficado meio furiosa. Meio não, muito.
Talvez o efeito da magia sombria agora estivera pegando em si, mexendo com sua mente, ou
talvez, fosse apenas a junção de todos os acontecimentos recentes.

- Vocês! Vocês! Você só sabe dizer isso!!! - Disse Noctana, levantando a voz pela primeira vez.

Ranik ficou bestificada. Não havia entendido o problema.

- Urgh... D-desculpe, mas... Eu não quero ouvir você falar de Iluzia. Pelo menos... Não
enquanto estivermos aqui, esperando... - Agora a assassina ficou com a voz mais baixa, quase
como se tivesse arrependida de ter demonstrado tanto sentimento assim.

- Me explique porquê. Por que vocês duas parecem se odiar tanto? M-mesmo quando...
Mesmo quando vocês salvaram uma a outra daquela forma!

Noctana espremeu os olhos, incrédula (e um tanto furiosa ainda) para uma Ranik em meio a
escuridão.

E por fim, soltou apenas um suspiro frustrado.

- Às vezes eu acho que... Iluzia ainda gosta de mim. - Ranik disse isso, e Noctana cerrou os
dentes com raiva. Já ia estourar descontroladamente mais uma vez, mas a guerreirona lhe
“cortou”, dando continuidade aos seus pensamentos confusos. - Eu bem que achei por um
instante que fosse por isso que vocês se odiassem.

- …! - E então, a assassina ficou muda. Muda de vez. Escondeu o rosto olhando para baixo,
quase como se Ranik pudesse vê-la, mas era claro que não era possível. Só que, por algum
motivo, às vezes, Noctana tinha a impressão que a forte percepção da guerreira podia notar
suas nuances.

Mas por que ainda tinha dúvida sobre seus sentimentos!?

- Claro que eu acho que isso é muita presunção minha. Ora essa... Quem diacho eu sou? -
Ranik encolheu-se um pouco, ainda sentada. - Quem diacho eu sou, afinal...?


Rápidas lembranças. Pensamentos tristes. Sentimentos pesados e sofridos...

Uma garotinha em meio a uma guerra. Chorando. De vestido cinza puído e sujo. Segurando
um bonequinho de pelúcia também sujo e rasgado... Era um coelhinho. Sr. Pumples.

Seus cabelos vinho-avermelhados voando com o vento e fumaça. Sua trança sacolejando.

Pessoas caídas por toda a parte, mortas. Lágrimas escorrendo no rosto.

“Quem diacho eu sou afinal?”

“Apenas uma casca vazia preenchida por...

Sombras”

Mas, de repente, tirada de seus pensamentos, Noctana havia aproximado-se o suficiente e sua
mão tocou a face da guerreirona, e...

Seus lábios encontraram-se aos dela.

Sim, Noctana beijara Ranik em meio ao breu do calabouço.

34. BEIJOS E MONSTROS

“Por um instante estávamos lá, no breu, no assustador e sufocante pesadelo do fosso, dentro
do calabouço fétido cheio de cadáveres, e nós poderíamos virar um deles, mas...

De repente, ela me envolveu em seus braços como se nada mais importasse, e eu me senti
ficando quente, quente. Ela era tão pequena perto de mim, e mesmo assim, todo seu calor
passou pro meu corpo inteiro, da face até os dedos dos pés presos duramente dentro das botas
de ferro. Seu cheiro 'dopava' o cheiro de morte ao redor. Seu carinho ultrapassava qualquer
magia de foder-mentes.

Eu estava me sentindo muito melhor. Muito melhor.

Nos separamos. Eu a entreolhei naquele escuro. Trocamos umas farpas e umas palavras de
alento... Eu não entendo. Era tão bonita, seus olhos verdes brilhavam, mesmo naquele escuro
terrível.

E ela parecia realmente me valorizar, mas... mas...

Quem diacho eu sou afinal?

Comecei a me aprofundar num mar de lembranças tristes sobre meu passado... lembranças
terríveis que eu preferia esquecer. Sangue, dor, morte, promessas... promessas...

Por um instante, todos meus heróis e deuses tornaram-se vilões e demônios. Por um instante
eu me tornei uma traidora para mim mesma e para minha família. Eu não sei como é que...
Como é que eu poderia me ver como alguma coisa boa. Boa o suficiente para ela gostar de
mim, para Iluzia gostar de mim... Meus lábios tremiam. Por um instante, eu pensei que ia
chorar. Por sorte, naquele breu, ela não ia ver (eu acho).

Eu sou apenas uma casca vazia preenchida por sombras, eu não mereço nenhuma de vocês
duas gostando de mim, por isso que...

Por isso que não acredito.

E então, de repente, calando minha boca, senti o rosto de Noctana tão próximo do meu. O
calor voltou ao meu corpo. Caramba, apenas com sua mão me tocando... suas mãos macias...
eu já conseguia sentir seu calor. Ou o calor era meu próprio? Meu corpo queimava,
principalmente no meu rosto, onde ela tocava, num carinho rápido que deu lugar para...

Sua boca que tocara a minha.

Pelo primeiro segundo, meus olhos cor de âmbar arregalaram-se. C-como assim!? Por que
Noctana estaria me beijando!?

Mas sentindo mais seus lábios macios, seu cheiro bom, seus cabelos tocando também minha
face... Eu me deixei levar, fechando meus olhos.

Noctana enfiou a língua dentro da minha boca e eu não podia acreditar no que estava
acontecendo. Era como um sonho... um sonho. Ou como se eu tivesse bêbada demais ou algo
assim. Sua língua macia e molhada mexia-se dentro da minha boca digladiando
amigavelmente com a minha. Seus lábios macios e gostosos roçavam nos meus. Sua mão ainda
fazia carinho em meu rosto. Trocávamos saliva. Era tão...

Tão gostoso.

Me tirara daquela realidade. Do lugar onde estávamos, das minhas lembranças tão tristes...
Aquilo tudo sumiu. Agora só existia eu, Noctana, nossos corpos, nossos calores e nossas bocas.

Eu não aguentei, puxei-a para mais perto de mim, abracei-a. E o beijo foi ficando mais forte,
mais forte. Nós ofegantes... Não dava para respirar direito. Mas não dava para parar também.

E continuamos nos beijando por um bom tempo, até...”

Noctana rapidamente parou de beijar Ranik quando sentira que a situação estava ficando um
tanto quanto “quente” demais e podia se descontrolar. Vamos lá, aquele não era
definitivamente o melhor lugar para fazer algo mais. Se é que elas iam mesmo fazer...

Seus rostos pegavam fogo. Seus olhos no começo não desgrudaram-se, até, de vergonha, a
assassina virar a cara.

Ranik estava tentada a continuar, ela não queria parar. Mas a assassina achou o suficiente,
por ora.

- P-por quê? - Ranik perguntou, ainda estática com a situação.

- Por quê...? Pfff... Parece que você não entende nem quando esfregam na sua cara. - Noctana
disse, fula da vida, levantando-se.

- Não, não é isso, eu só... Eu só não entendo como você pode gostar de alguém como eu. -
Ranik disse, e então, Noctana deu uma bufada ainda com raiva, mas nada disse. - Quando foi
que...? Quando foi que começou?

- Eu não sei. - Noctana sacudiu negativamente a cabeça. - Talvez na Mina de Lótus.

- Hm...

- Afinal, lá eu me senti segura o suficiente para poder te contar meu passado. - A assassina das
sombras segurou no próprio braço, nervosa.

- Erm... - Ranik abaixou a cabeça, e então, levantou-se também. Ela realmente tinha
recuperado-se. Na verdade, percebera. - Hey, a energia sombria parece ter ido embora de vez.

Noctana também reparara. Como isso era possível!?

- Sim. Ela agora está fraca demais e está se dissipando em um lugar específico. - A ladina era
sensitiva para essas coisas de energia escura (bom, fazia sentido, por possuir a maldição). -
Mas o que será que fez isso?

A ladina esticou o braço e tentou ver se sua mana vermelha tinha retornado o suficiente para
retirá-las de lá, mas não. Ainda não era. Ela suspirou, frustrada.

E então, surpreendeu-se quando o corpo da guerreirona foi para perto de si. Noctana
encolheu o seu, dando uma leve tremida.

- O quê...?

- Eu tenho dois adendos a fazer. - Disse Ranik, parecendo super decidida. Voltara a ser a
guerreirona de sempre. Confiante e corajosa (meio kamikase, claro).

- Dois? O quê? - Noctana tentou não parecer tão incomodada quanto estava com a
proximidade da outra.

- O primeiro é... - Ranik aproximou seu corpo de Noctana, que logo notara...

Ela queria lhe dar mais um beijo. E quase que automaticamente...

A pequena empurrara a maior.

- Ahn? - Ranik ficou bem frustrada. - Por quê?

- Isso aqui não é hora e nem lugar, não acha!? Urgh... - A assassina não sabia se estava feliz de
tê-la beijado ou arrependida (mentira, estava feliz sim, mas gostava de mentir para si mesma).

- Aaaa...

- Precisamos arrumar um jeito de sair daqui. - A ladina disse, virando-se de costas para
guerreira e analisando as possibilidades (mentira, ela só queria ficar longe da outra).
- Ah sim, o outro adendo: Eu vou tirar a gente daqui.

- Como é? - Noctana encarou Ranik, e então, a guerreirona puxou sua enorme espada.

Agora que estava “bem da cabeça” (apesar de toda a vergonha), Ranik puxou a espadona e
energizou-a com sua mana alaranjada que deixou a lâmina do presente de Mysic e do Rei de
Veligrad de coloração toda avermelhada (sim, tal qual suas flechas). E por fim, ela mirou a
espadona para cima e...

Atirou-a para grade que prendia as duas lá embaixo, num ataque giratório, como um
bumerangue e...

CRÁS!!!

Ela quebrou o negócio de primeira, abrindo um buraco. Sua espada, para infelicidade, caíra
lá fora. Mas ela esperava sair de algum jeito, né?

Noctana piscara os olhos algumas vezes.

- Tão fácil... Por que não fez isso antes?

- Você viu meu estado, né? Nem mesmo a minha pouca mana eu conseguia usar. Eu... achei
que íamos morrer aqui. Eu não estava nada racional. - Ranik coçou o cabelo, sem jeito.

- Urgh, ok. - Noctana apenas deu uma corrida (como fez antes) e dando impulso dos dois lados
do fosso, conseguiu subir até a boca e...

E sair daquele buraco.

Mas e como tiraria Ranik?

- Você não trouxe nenhuma corda ou coisa do tipo? - Ranik perguntara, e então, a assassina
constatou que sim.

Pegou a corda em sua bolsa, prendeu-a em um pedaço de ferro que segurava tochas, e então,
lançou-a pro fundo do fosso.

Será que ela aguentaria Ranik?

A guerreirona começou a subir. A corda fazia uns barulhos meio tensos. Bom, ao menos a
grandalhona não estava com a espadona (que pesaria muito mais), ainda sim... 1,80~90,
músculos e uma armadura de ferro. Aquela corda estava gritando já.

E então, quando quase estava chegando, a corda cedeu!!!

Por sorte, Ranik segurara-se na mão de Noctana com uma de suas mãos e na beira do buraco
com a outra. E finalmente conseguira sair. As duas suspiraram.

- Merda, você me mata de susto! - Disse uma assassina, incomodada.

- Hahaha! - Ranik riu, encarando o corredor a frente. - Então, vamos continuar?


Noctana apenas fez “sim” com a cabeça.

“Espero que saiba o que está fazendo, Ranik... Podemos encontrar coisas muito piores à
frente” pensou ela, com medo. Mas não por si, acabava que ela também era meio kamikase
quando se tratava de assuntos assim (sombrios e... Ranik, claro).

E andando um bocado, seguindo por outros caminhos, elas, por sorte, não encontraram
nenhuma outra armadilha, apenas...

- Uma porta. - Ranik disse, abrindo a portona de ferro. Noctana não tinha uma boa impressão
daquilo.

Quando julgava o caminho correto, tentava pressentir a energia negra que ficava cada vez
mais “insensível”. Então, já esperava que...

Sim, uma sala toda vazia de tijolos de pedra, exceto por uma coisa não-identificada no meio
dela. Bem iluminada no entanto, as duas estranharam.

Chegaram perto daquela coisa.

- Parece um... Ovo de verme? - Disse Ranik com uma cara de nojo.

Era gosmento, rosa e enorme. paraticamente maior que Ranik (e isso era difícil). E mais largo
também.

- Olhe, está rasgado desse lado. - Noctana disse, chamando a atenção da grandalhona. E
então, notara... - E tem... alguma coisa dentro.

O que tinha dentro parecia um monstro. Um ser horrendo e enorme, mas pelo visto, ainda em
estado embrionário.

- Está morto, eu acho. - Ranik disse, analisando o ser.

- Deve ter sido por isso que a energia sombria se dissipou. Ele quem devia estar soltando todo
aquele poder. - Noctana disse, pensando alto, enquanto pensava para si mesma “Imagina se
ele tivesse nascido de uma vez?”.

- Quem será que o matou, hein? - Ranik coçou o queixo.

- Não importa. Acho melhor irmos embora. - Disse a assasina, virando-se de costas para
aquela coisa feia.

Ranik fez cara de confusa:

- Embora? Mas...

- Nosso objetivo está acabado. Tínhamos que descobrir o que era a energia e impedi-la, certo?
Já foi feito. E nem foi por nós. - Disse a pequena, cruzando os braços, resignada.

Ranik suspirou pensando já “Que legal, não vamos ganhar nada por isso, não fizemos o
trabalho!”.

Mas então...

Estrondos começaram a ser ouvidos. E o chão começou a tremer.

- O que é isso!? - Ranik perguntou, horrorizada. Mas mais do que ela, estava Noctana.

- Ah não, não pode ser isso de novo...

35. CORRENTE DO MAL – Parte 1

- De novo? Como assim!? - Ranik perguntou, confusa.

As duas estavam naquele mesmo calabouço bizarro em Planina, que com certeza, era outra
sede do exército negro.

Tinham acabado de sair de um buraco profundo com uma grade em cima (Ranik lançou sua
espadona energizada de mana e conseguiu tirá-las de lá). Chegaram em uma sala que
demonstrava o ser que estava a soltar energia sombria (que consequentemente estava
deixando Ranik completamente morta de medo e sufocada pelo lugar), e este possuía dentro
um ovo e era monstruoso (e grande). E finalmente... Ouviram estrondos como aqueles que ela
e Iluzia ouviram no castelo onde a maga loira conhecera Zel, e Noctana tivera sua perna
esmagada pelo bichão (o próprio).

Finalmente ele adentrou a sala. Infelizmente, ali, os corredores e passagens eram grandes
demais. Não conseguiam impedi-lo de entrar no recinto. E o pior, não tinha saída, apenas por
onde ele havia entrado (e elas anteriormente também).

- GROAAAAR!!! - O bichão rugiu, ainda que não fosse 100% uma fera irracional.

Sim, era outro orc armadurado. Noctana olhou para ele completamente mortificada. Ranik
olhou para ele já com uma surpresa absurda.

- Mas que merda é essa?

- N-não... n-não... - A guerreirona ouviu a assassina balbuciando, enquanto andava para trás e
suas costas encostavam na parede de tijolos de pedra. - De novo... não... n-não...

- Ahn? - Ranik ficou chocada. A ladina parecia atormentada.

Seria um trauma?

- Noctana... - A guerreirona perguntou, enquanto o monstro apenas bufava e olhava paras


duas.

Esse, assim com o outro que enfrentaram antes, possuía uma maça gigante em suas mãos. A
armadura era claramente dos dragões negros, Ranik percebera sem dificuldade. Mas agora,
queria saber era outra coisa.

- Por algum motivo... - Ranik puxou sua espada em suas costas, empunhando-a com coragem.
- Fora esse monstro que esmagara sua perna daquele jeito horrendo!?

Noctana estava realmente com os olhos arregalados por trás da máscara. E então, olhara pro
chão, desnorteada.

Ranik aceitara aquilo como um “sim”.

- Urgh... Maldito. Você vai se foder nas minhas mãos! - A grandalhona disse, furiosa, ainda
mais agora que descobrira.

Ela voou para cima do ser para lhe acertar com a espadona e Noctana preocupada gritou:

- RANIK, NÃO!!!

Primeiro veio a porrada. A pancadona da maça logo na sua couraça, jogando-a longe como
um boneco de pano. Mas mesmo assim, ela levantava-se de novo e pegava no cabo da espada
gigante mais uma vez.

- S-seu idiota... Só porque é grande você acha que é forte? Você tem que ter mais do que
tamanho para me derrotar!!! - Ranik gritava e mais uma vez, lançava seu corpo contra o
inimigo para atingi-lo.

- PARE!!! - E mais uma vez a assassina gritou.

Só que dessa vez, Ranik conseguiu fazer um corte muito bem dado no bichão que...

Lhe retirou o braço fora. O braço com a arma junto.

- Hahaha... Está desarmado agora. - Disse a guerreirona, olhando para ele.

Mas então, o Orc virou-se para ela, fulo da vida, e pegando seu braço no chão arrancado,
simplesmente retirou dele (com uma mão) a arma pegando-a com o braço restante. Ranik
cerrou os dentes. O filho da puta nem ligara pro membro que sangrava neste instante.

E agora fora ele quem correra para cima da guerreira.

- RANIK!!! - A assassina só sabia gritar. Estava agora encolhida no canto, com as pernas
dobradas e as mãos na face.

Sim, aquele calabouço era o terror psicológico das duas. De Ranik com a onda sombria que o
“feto monstruoso” jogara em si. De Noctana com seu trauma mais recente e doloroso.

A porrada da maça veio, Ranik tentou defendê-la com a espada enorme (era a coisa mais
sensata a se fazer, pois, não tinha agilidade o suficiente com aquela armadura para escapar).

O problema é que a porrada do bicho fora tão, mas tão forte que jogara Ranik longe, contra a
parede da sala. Ela chegou a rachar a mesma e a cair no chão.

Noctana levantou-se por pura preocupação. Agarrou suas duas adagas e encarou o Orczão de
costas para ela, bufando.

- N-não... N-não machuque Ranik. - E os olhos verdes viram uma guerreirona tentando se
levantar do chão já tremendo, sangue saía pela sua boca. Noctana sentia ódio até a alma (e
medo também, muito, muito medo, como nunca antes).

Enquanto Ranik tentava se levantar, o bicho já vinha em sua direção para atacá-la.

Por pura falta de coragem, Noctana lançou o mais forte que pôde uma daquelas suas
faquinhas de arremesso à distância para tentar perfurar a pele do bicho por entre as couraças
armaduradas, mas...

Mesmo a pele dele parecia dura, logo, a faquinha bateu em seu corpo, quicou e caiu no chão
como se fosse de plástico.

Mas ela conseguiu o que queria, ele olhou para trás, olhou para si e parou de ir em direção a
guerreira que continuava tentando se levantar.

Noctana encarou-o, enquanto ele encarava de volta. Aqueles olhos gigantescos amarelos por
trás do capacete da armadura, íris vermelhos... Sua boca arreganhada babava sangue e um
líquido viscoso verde, seus dentes saltavam para fora tão afiados. Ela tremeu nas bases de
novo, caindo sentada mais uma vez.

E o temido bichão, vinha vindo em sua direção dessa vez.

- N-não... não... n-não... - Noctana só conseguia dizer isso, sem conseguir ter nenhuma ação
útil. Até segurava as adagas, mas... Suas mãos sequer tinham forças para segurá-las. E elas
caíram no chão.

O monstro sedento por sangue de assassinazinha estava cada vez mais próximo dela... cada
vez mais próximo... cada vez mais próximo...

Até levantar seu braço com a maça, pronto para, dessa vez, esmagar a cabeça da ladina
sombria...

E ser atravessado em seu dorso por uma lâmina de espada gigante, explodindo em sangue e
molhando Noctana toda.

Da boca do bicho também saiu um vômito de sangue de suas entranhas perfuradas, e


finalmente, ele caiu no chão como cadáver, fazendo um tamanho estrondo.

- Você está bem? - Quando Ranik olhou Noctana, ela parecia completamente chocada ainda.

Seus olhos arregalados.

E ela só sabia repetir a mesma coisa sem parar...

- Okrenuti neprijatelia. Okrenuti... n-neprijatelia. Okre... nuti... nepri... jatelia. Okrenuti n-


neprijatelia. Okrenuti...

- N-noctana!? - Ranik disse, completamente chocada. - V-você está bem? Noctana!?

E ela continuava assim... Olhos arregalados, cara pálida (para alguém que era negra, então) e
dizendo aquela coisa sem parar. Ranik não fazia ideia do que aquilo significava, mas então...
Agarrou o corpo da assassina nos braços e levantou-a no colo mais uma vez. Levando-a
consigo para fora daquele lugar terrível.

---

- “Okrenuti Neprijatelia”. - Disse Iluzia, muito decidida e séria.

- Tá, mas o que significa isso? - Ranik perguntou, ultrapreocupada.

As duas, melhor dizendo, as três, estavam de volta na casa-árvore da garota loira. Ranik já
tinha ido buscar a grana que elas ganharam com o Sir de Veligrad (que lhes deu novas
instruções), afinal, pelo menos matara o bichão Orc armadurado, então achava que merecia
isso. E neste instante, Noctana estava deitada na cama de Iluzia, com a mesma cara (agora
sem capuz ou máscara) dizendo ainda repetidamente aquelas palavras, como se tivesse
realmente caído em uma magia ou coisa assim.

A loira, que havia tomado conta dela até então, estava investigando melhor a situação para
descobrir o que acontecera a assassina.

- O que foi que aconteceu antes para ela ficar nesse estado? - A maga perguntara mais uma
vez.

- Já te disse. A gente estava “bem” no Calabouço, eu enfrentei um bicho gigante, que pelo
visto, foi o que amassou a perna dela daquele jeito horrível, ganhei ele, mas ela... ela ficou
afetada assim. Não sei porque. Será trauma apenas? - Ranik coçara a cabeça, encarando a
ladina de lado, estava morta de preocupação por ela, claro.

Isso incomodava Iluzia, mas esta também devia admitir que estava, mais uma vez,
preocupada com sua... rival?

- “Se torne seu inimigo” - Disse Iluzia, suspirando. Ranik ficou sem compreender.

- Quê?

- É isso que significa “Okrenuti Neprijatelia”. Significa “Se torne seu inimigo”. - Repetiu a
maguinha, Ranik arregalou os olhos encarando Noctana mais uma vez.

36. DESVIO DE CONDUTA

- “Se torne seu inimigo”? Como assim? Ela está dizendo para quem se tornar seu inimigo? -
Ranik continuava encarando a assassina que estava transtornada.

- Não sei. Talvez ela mesma? Ou você? Ou o orc que você matou? - Iluzia foi para frente de
Noctana e passou a mão na frente de sua face.

Ela nem mesmo piscava direito.

- Bem, nós podemos tentar adentrar na mente dela para trazê-la de volta, mas...

- Mas...?
- para isso eu preciso de mana. - Iluzia encarou a guerreira, meio sem jeito.

- Mana!? Não! Você não pode usar magia, Iluzia!

- Então... vamos ter que esperar que ela volte ao normal sozinha. - Disse a maga loira,
suspirando.

Ranik soltou um grunhido de raiva, ao mesmo tempo que bateu na parede de madeira da
casa-árvore que sacolejou só com sua porrada.

- …! - A maga até pensou em reclamar como sempre fazia, mas a situação era inusitada. Não
queria que Ranik ficasse chateada consigo, não era hora de espezinhá-la.

- Ranik, você precisa descansar. Acabou de enfrentar um ser muito forte e eu consigo ver
tranquilamente que não está 100%. Tome um banho, coma alguma coisa e descanse.
Recomendo você até mesmo pegar uma pousada em Veligrad com o dinheiro que ganhou de
Mysic e alugar um quarto para dormir melhor. - Disse a loira, como sempre, mais madura e
tomando as decisões.

- Urgh... E ela? Vai ficar sozinha contigo? - A guerreirona encarou a maguinha, que agora sim,
sentiu-se na vontade de reclamar de vez.

- Por que? Qual o problema? Olha... Eu sei que ela não é minha pessoa preferida no mundo,
mas eu seria incapaz de fazer algum mal a ela. Você viu, eu salvei-a do Orc da outra vez no
castelo dos magos negros. Eu dei toda minha mana para recuperar sua perna, senão ela
morreria por hemorragia. E assim que você a trouxe de volta e foi buscar a recompensa, eu
dei banho nela e troquei suas roupas... - A maga ficou um tanto quanto corada quando falou
isso, mas continuou. - Eu já passei da fase da desconfiança, certo!?

- C-certo. - Ranik sentiu-se mal por ter duvidado por um segundo da maga de luz. Passou a
mão na cabeça, provavelmente estava estressada com tudo aquilo mesmo.

---

Ranik não fora direto a pousada coisa alguma. Quando sentia-se mal assim, perdida, a única
coisa que fazia era... beber. Sim, foi mais uma vez para taverna de Sekhs.

No caminho, apenas lembrava-se de tudo o que ocorrera depois do desafio no calabouço de


Planina. Quando trouxera a ladina sombria hipnotizada pelo trauma em seus braços fortes de
volta.

Entregara-a o mais rápido o possível, mesmo toda suja de sangue, para uma Iluzia confusa,
pedindo-a para descobrir o que acontecera consigo, que enquanto isso, tinha que passar no
Rei para lhe contar as novidades. Até porque, ele não podia saber que Ranik tivera ido a
missão com outra pessoa que não Iluzia, como o bilhete pedia.

Sir, como sempre, foi um bundão (já dizia Ranik). Lhe zombou por ter demorado tanto, disse
que ficara preocupado com a quantidade de energia aumentando enormemente. Lhe
perguntou o que raios tinha criado aquela força maligna, e a grandalhona apenas lhe
respondera, sinceramente:

- Um ovo gigante.
- Ovo!? - Ele perguntara, chocado.

- Algo do tipo, sim... Era mais uma gosma em formato esférico. Ela estava rasgada e dentro
dela havia uma espécie de monstro-embrião poderosíssimo. Quando ele morreu, se dissipou
sua energia sombria. Ah, e havia um orc cavaleiro do dragão negro também, mas eu cuidei
dele rapidamente.

- Pera... O que a energia sombria criada por esse “feto-monstro” fazia a quem tinha contato
com ela mais aproximadamente? - Quando o Sir perguntara isso, Ranik podia jurar que elas
duas tinham sido mais um experimento do que destruidoras do alvo em si para ele (e talvez
para o Rei também).

- Alguma espécie de controle mental. Não sei dizer, apenas que... a sensação era sufocante e
claustrofóbica. Nos tirava a confiança em nós mesmas, na mana e a coragem. Enfim, foi uma
missão complicada, mas conseguimos. - Omitiu e mentiu ao mesmo tempo, Ranik. Não havia
matado o embrião e muito menos havia levado Iluzia, mas isso não importava pro tal do
Mysic, afinal. Era o que decidira.

- Que... assustador. Ou seja, se esse bicho tivesse, sei lá, nascido... Imagina o estrago que isso
faria? Pior! Imagina isso adulto!? Precisamos investigar isso o mais rápido o possível.
Inclusive, isso tem a ver com a próxima missão, ok? Eu vou te dar uns papéis, ahn... São os
dados que os magos reais me mandaram para próxima coisa que vocês devem investigar
sobre... - Mas quando o grandalhão armadurado (tal qual Ranik) foi olhar, a guerreira apenas
estendia a mão para si, com uma cara nada amigável.

- Pague minha recompensa logo de uma vez.

- Recompensa!? - Mysic fez cara de desentendido.

- Você não acha, seriamente, que eu trabalhei de graça em uma missão que valeu a minha
vida, né? Eu não teria entrado nisso se vocês não fossem me pagar. Agora pague ou então
pulamos fora dessa investigação absurda! - Disse a guerreirona. Mysic cerrou os punhos e os
dentes, mas não teve escolha.

Enfim... Ranik suspirou, depois de lembrar-se disso tudo, finalmente abrindo a portinhola que
dava caminho a taverna.

Qual não foi sua surpresa quando vira...

Que o lugar estava sendo assaltado. Isso mesmo, em pleno reino de Veligrad, a taverna mais
famosa de todo Allas estava sendo assaltada nesse exato momento. E pelo visto, alguns (três,
mais especificamente) guerreiros que tentaram impedir que isso acontecesse, jaziam no chão,
mortos.

Os bandidos: Uma garota de máscara tapando seu rosto, um ladinozinho ágil e feioso, e um
grandalhão bem maior que Ranik, provavelmente, do tamanho de Mysic, mas careca e meio
gordo/forte.

Sekhs estava com os olhos arregalados de medo. Entregava todo o ouro que possuía o mais
rápido o possível para eles, enquanto eles enchiam umas sacolas. Lá atrás, outros bundões que
chamavam-se guerreiros, mas disso nada tinham, acuavam-se de medo da trupe. Ranik
apenas olhou com ódio.

- Merda. Eu só queria tomar minha bebida em paz! - E então, ela puxou a espadona...

O primeiro corte já arrancara fora a cabeça do ladino baixinho e horroroso, fazendo-o cair no
chão como um pedaço de bosta que era.

O grandalhão olhou para Ranik muito puto. Ele não parecia muito inteligente, no entanto.
Mas tinha um machado de duas mãos tão grande, mas tão grande... que só não era maior que
a espada real que Mysic dera a guerreirona. Ranik encarou-o fula da vida. E logo depois, vira
a ladrazinha fugir pela janela, como podia, aproveitando a situação.

O grandalhão veio correndo na direção da guerreira, que simplesmente, desvencilhou do


golpe dele, que imbecilmente, pegou no chão, prendendo sua arma no piso de madeira de
Sekhs. Ele tentou puxar o negócio, mas estava realmente preso, devido a enorme força que ele
aplicou sobre. E logo atrás de si, atravessando seu bucho nu (sim, ele paraticamente não usava
armadura direito, com o peito de fora, exibindo o pouco de músculos e gordura que tinha, ele
achava-se assustador). Acabou paraticamente como o orc do calabouço, a diferença é que era
fraco demais para ser levado a sério.

Rapidamente, Sekhs gritou para Ranik:

- A ladrazinha! Ela levou a sacola! - E então, ao ouvir isso, Ranik rapidamente correu para
porta. Não sairia pela janela, não cabia exatamente ali com facilidade.

E então, localizou com seus olhos de águia (lembra?) o ponto no horizonte que corria,
saltando de telha em telha, tentando aproximar-se da muralha de Veligrad. E ali mesma,
parada, de pé, onde estava, Ranik puxara seu novo arco. E com uma cara nada agradável, ela
mirou na ladrazinha que pulava bem lá longe e...

Zap! Lhe acertou com uma flechada bem dada.

Alguns guardas, atrasados, chegaram no local para averiguar as mortes e o caso. Sekhs
explicara tudo a eles. Eles devolveram a sacola de dinheiro para a taberneira. Enfim, ainda
por cima, tiveram que dar mais uma graninha para Ranik pela ocorrência e agradecê-la:

- Obrigado, nobre guerreira, por fazer esse serviço a Veligrad e ao rei! - Disse um dos
guardinhas, mas Ranik não sorriu para ele de volta como ele sorrira para si, muito pelo
contrário, mal humorada, exclamou:

- Obrigado coisa alguma! Vocês não fazem a bosta do trabalho de vocês e ainda querem que
guerreiros o façam por vocês! Vocês são uns inúteis! URGH! - Isso é claro, depois de receber o
dinheiro.

Quando o sujeito ia reclamar ou prendê-la por desacato, ela virou-se e adentrou no lugar com
Sekhs olhando o sujeito com cara de sabichona sacana, como se zombasse de sua cara
também. Ele acabou se calando e indo embora.

Já finalmente sentada na mesa do bar, Ranik bebia sua bebida em paz. Lá atrás, os acuados
finalmente podiam suspirar de alívio, apesar de encararem a guerreirona lá na frente com um
certo receio e respeito. Sekhs que estava toda encantada com o que Ranik acabara de fazer,
dissera inclusive que suas bebidas seriam de graça. Mas como sempre, não dispensaria um
bom papo:

- Está em ótima forma, né?

- Erm... Não. - Ranik, mais amarga que de costume, respondeu.

- Acabou de voltar de missão? Está cansada? Estressada? Digo, além dessa dos bandidozinhos
filhos da mãe que me atacaram...

- Sim. - A guerreira suspirou fundo. Parecia que nem a bebida acalmaria seus nervos
corretamente. Precisava de algo que lhe acalmasse e tirasse de sua cabeça todos esses estresses
recentes. O calabouço, sua conduta covarde no mesmo; Iluzia sem poder usar magia; Mysic
lhe pedindo outra missão urgente; Noctana hipnotizada (e logo depois do que rolara com as
duas). Estava completamente frustrada. Tomou a cerveja em outras goladas.

E então, ouviu a voz sinuosa de Sekhs falar, como sempre:

- Quero dar um prêmio a minha salvadora preferida. - Ela disse, lambendo aqueles lábios
carnudos e mostrando os seios quase de fora dentro daquele decote. Uma gotícula de suor
escorreu pela testa de uma Ranik ofegante. - Que acha?

E a grandalhona fez “sim” com a cabeça, decidida.

37. CORRENTE DO MAL – Parte 2

Ranik abriu os olhos e a luz entrava pela janela. Sentia seu corpo quente e suado. Em cima
dele, o corpo da mulher que ainda dormia. As duas totalmente nuas, deitada na cama de casal
de Sekhs. Seus seios enormes estavam apertados contra seu abdome musculoso. Ranik olhou
para eles e ficou um tanto quanto corada de novo. Acariciou os cabelos ruivos cacheados que
caíam sobre seus músculos também, no caso, os do tórax. Dava para sentir dali o cheiro bom
dos cabelos da mulher. Que mesmo suada, cheirava muito bem também. A guerreira
grandalhona suspirou, colocando a mão em sua própria testa...

Ressaca moral?

Lembrou-se da noite anterior. Os movimentos de vai e vem na cama, assim que, Sekhs jogou-a
ali e subiu em seu corpo como se montasse um cavalo selvagem. A mulher arrancou as
próprias roupas e depois arrancou as de Ranik, tirando os botões com a boca, selvagemente.
Ranik reparou nas marcas de batom que ficaram na camisa branca que usava por baixo da
armadura. “Vou ter que esconder isso até lavar” pensou, sentindo-se esquisita.

Suas mãos roçando nos seios enormes. Sua boca passeando por eles, de bicos duros e rosados
de excitação. A língua e a boca causando um chupão no pescoço da taberneira gostosíssima,
que soltava gemidos de deixar qualquer um doido de tesão.

Ranik girou-a na cama colocando-a por baixo de si, fazendo pressão com seu corpo musculoso
e forte, sua mão finalmente tocara o centro das pernas da mulher que já estava encharcado.
Levou os dedos a boca para provar... parecia hidromel. Provavelmente era coisa de sua cabeça
ou a mulher tomava tanto do líquido enquanto trabalhava, que tinha transferido seu gosto
para outros lugares mais... quentes.

Ranik descera a cabeça e começara a fazê-la gemer de quase gritar, utilizando sua língua, que
diga-se de passagem era enorme. Por um instante teve um pensamento intromissivo de uma
maga loira reclamando consigo sobre seus beijos:

“Sua boca é grande demais, Ranik. E sua língua é enorme, às vezes eu acho que ela não vai
caber dentro da minha boca num beijo.”

E logo depois, quando finalmente achou que deveria, enfiou logo dois dedos (que diga-se de
passagem, também eram enormes). A movimentação era tão rude e brusca, que fazia a cama
da mulher bater na parede sem parar, enquanto fazia um barulho como se fosse desmontar.

TUM! TUM! TUM! TUM! TUM! TUM!

Até Sekhs explodir em um, dois, três orgasmos quase que seguidos... A guerreirona estava com
a corda toda.

E só de pensar nessas coisas agora, ali na cama, com ela dormindo sobre si, Ranik não sabia
exatamente o que sentir. Sekhs era realmente deliciosa. Valera cada segundo transando com
ela e faria de novo, sim. O problema é...

Por que se sentia tão culpada, afinal?

Ela não namorava nem Noctana e nem Iluzia mais. E apesar do beijo que dera com a
assassina no calabouço, as duas não combinaram coisa alguma sobre seu relacionamento. Sem
contar que agora ela estava...

“Noctana está hipnotizada. Iluzia está sem magia. E eu estou aqui... transando com a
taberneira. Porcaria.” Ranik tentou sair de ladinho para não acordar a mulher sobre si e
conseguiu. Pelo visto, Sekhs tinha tido orgasmos tão potentes, que estava num cansaço
sepulcral e imutável.

Ela levantou-se, vestiu suas roupas. Logo depois, colocou sua armadura. Pôs as armas nas
costas (o arco e a espadona), e por fim, quando ia sair... Ouviu a mulher ronronar na cama
como um gato, olhando-a de lado, com aquele side-boob pressionado contra a cama, numa
expressão de parazer:

- Bom dia, amor. Já está indo embora? - “Amor”... Ranik ficou meio sem jeito.

- Ahm... É. E você deveria abrir a taverna, não? Muitos trabalhadores vem almoçar aqui.

- Ora essa... O estabelecimento é meu, querida. Eu abro quando eu quiser. - E quando Sekhs
disse isso, a palavra “abro” soou muito mais pornográfica do que devia. Ainda mais com ela
virando de lado e mostrando os apetitosos seios de novo, e aqueles lindos cabelos alaranjados
caindo sobre os mesmos.

Por um instante, Ranik ficara excitada de novo, mas resolvera que a ressaca moral já estava
de grande tamanho.

- C-certo. Mas eu tenho que ir. B-bom dia, Sekhs. - Disse a grandalhona. A mulher mais velha
apenas deu um sorrisinho sacana para ela, que foi embora.

Ranik pôs a mão no próprio peito e suspirou.

“Que bom que eu me vesti antes dela acordar, senão ela ia me deixar 'garrada ali e eu nunca
mais ia embora!” pensou ela, a taberneira era mesmo irresistível.

...

Finalmente na casa-árvore em meio a floresta, Ranik subira sem muita dificuldade (já estava
acostumada) pela escada até o alçapão que era a “porta de entrada” da residência de Iluzia.

Mas quando chegara lá, num humor já rejuvenescido, encontrara a maga de luz não muito
feliz assim. E sua cama, completamente vazia.

- Quê...? - Ranik perguntou, em choque.

Iluzia apenas fez “senta aqui”, batendo a mão na cama. Ela estava sentada ali já, a menor. A
grandalhona sentou-se ao seu lado, ainda confusa.

- Cadê...? - Antes que ela pudesse perguntar sobre Noctana, a loira apenas disse.

- Ela se tornou.

- Se tornou?

- O inimigo. - Iluzia olhara para Ranik com uma cara infeliz, enquanto a guerreirona apenas
entrava em estado de choque.

---

Iluzia estava sentada a sua escrivaninha, enquanto encarava a assassina de longe. A mesma,
continuava olhando pro teto sem parar e sem quase piscar nada. Pelo menos tinha parado de
recitar o mantra bizarro, que era claramente um encantamento negro.

A maga de luz suspirou.

Por que tinha que ter tanto trabalho com a rival assim!? Ranik só lhe trazia problemas. Era
melhor quando era apenas as duas. A guerreirona fazendo as missões, lhe trazendo dinheiro,
enfim... Achou que não precisaria lidar com o exército negro até que sua arma de purificar
mana estivesse pronta.

Achou errado. Desde que Noctana aparecera na vida das duas, era só luta contra os sombrios.
E agora ainda faziam isso a mando do rei, pfff. Ranik tinha razão, fariam melhor isso
sozinhas. Ter um rei tão famosinho na cola das duas, ainda mais com aquele Sir desconfiável,
não era nada agradável. E ainda tinha a ladina das sombras...

- Queria entender sua obsessão com isso. Por que quer tanto destruir o exército negro? Isso
explicaria esse trauma seu e também essa maldição que puseram em você. - Iluzia disse,
perguntando a Noctana, ainda que soubesse que a mesma não podia lhe responder.

“Nós nunca conversamos...” pensou a loira, apoiando o rosto frustrado com as mãos enquanto
os cotovelos estavam na mesa “E eu já dei até banho em você!”.

Por um instante lembrou-se da situação... O corpo de Noctana completamente nu e sentado


em seu box do banheiro. Todo sujo de sangue de orc. Bem, isso não retirava o fato de que... seu
corpo era realmente bonito. Suas curvas, sua pele escura, seus olhos puramente verdes, Iluzia
encontrou-se ficando corada.

- Mas que porcaria, eu não sou babá! - Disse ela, frustrando-se mais uma vez. Já tinha se
colocado em tantas situações difíceis apenas por conta da ladina que queria mais era que se
ferrasse.

Mas no final, isso era mentira também. Levantou-se, resolveu que ia tentar uma nova poção
ou coisa assim, apenas para poder passar o tempo enquanto uma Ranik estressada dormiria
fora. Claro que queria que a grandalhona ficasse lá em sua casa consigo (fazia um bom tempo
que isso não ocorria, afinal), mas com Noctana ali, seus planos só seriam frustrados, então,
talvez fora por um bem maior.

De repente, para sua surpresa, a pequena sombria sentou-se na cama, como não havia feito
em momento algum (movimentos voluntários). A loira paralisou, olhando para ela.

Seus olhos não mais estavam daquele verde brilhante... e sim, um vermelho rubi intenso.
Iluzia sentiu a energia obscura saltando em suas veias preenchendo quase todo o quarto e
rapidamente preparou sua mão para que pudesse atacar se fosse necessário.

O problema era que... estava proibida de usar magia, e provavelmente, a mesma estaria fraca
demais.

Não se sabe porque, mas quando pensou em uma “ajuda” pro caso de uma emergência, o
primeiro nome que surgiu em sua cabeça, não fora da guerreirona, e sim... Zel...?

Iluzia cerrou os dentes. Não, precisava encarar sozinha o que quer que fosse.

Noctana levantou-se.

- N-noctana? - Disse Iluzia, receosa. Mas a ladra nem mesmo olhava para si.

- … - Foi andando até o alçapão da casa-árvore e estava pronto para abri-lo, dava para
entender, pois havia agachado.

Iluzia, rapidamente, correu em sua direção e colocou a mão no ombro da pequena sombria,
tentando impedi-la de sair. Afinal, ir lá fora agora, só deixaria ela vulnerável a possível ataque
de predadores e monstros.

Mas quando o fez, Noctana virou os olhos vermelhos de ódio para a loira, que tremeu nas
bases na mesma hora.

- O que está havendo com v-... - Antes que Iluzia conseguisse terminar a questão, uma energia
sombria avermelhada muito poderosa...

Jogou-a longe. Foi mais ou menos como ela própria fizera com o Sir e Ranik quando eles dois
lutaram um contra o outro na primeira vez. Uma explosão de mana tão forte, que tornara-se
física e explosiva, que lançava tudo ao redor para longe.
As costas de Iluzia bateram na parede da casa-árvore. E antes que pudesse fazer mais alguma
coisa... Noctana saíra por conta própria e agora andava por ali, na floresta de Veligrad.

Isso é, se não criara um portal para algum lugar e simplesmente desaparecera em todo Allas.

---

- Ela saiu por aí sozinha naquele estado!? - Ranik disse, morrendo de preocupação. Iluzia deu
de ombros e levantou-se da cama, andando pelo quarto.

- O que eu vou fazer, Ranik? Ela estava exalando energia sombria. Ela estava sendo
controlada pelas forças obscuras, pelo visto. E eu estava ainda paraticamente sem mana, não
tinha como lutar de volta contra ela. Ou eu a deixava ou ela provavelmente me mataria. - A
maga disse, tomando um tônico de mana para poder dar uma agilizada no seu processo de
cura.

A guerreirona inspirou fundo... E então, com uma expressão nada feliz, apenas disse:

- Eu vou procurá-la.

- Vamos juntas. - Iluzia colocou a mão sobre a cabeça da grandalhona com um sorriso
confidente, cujo corpo tremeu na mesma hora.

“Iluzia...” ela pensou, sentindo-se mal e lembrando-se da noite quente com Sekhs.

38. CORRENTE DO MAL – Parte 3

- Há algum meio de encontrá-la no Allas todo?

- Você acha que eu sou o que, Ranik, um radar? Se fosse moleza assim, eu teria te achado mais
rápido que isso, não acha? - Iluzia disse, emburrada, cruzando os braços.

As duas já andavam a uns 15 minutos na florestona de Veligrad procurando pela assassina


sombria sumida.

---

Noctana pisava novamente naqueles tijolos escuros e musgosos. Ao seu redor, os corredores do
castelão que mal fora explorado por ela ou por Iluzia anteriormente. O serzão gigante,
vestindo com a armadura negra, já vinha rugindo e correndo em sua direção com a maça na
mão, pronto para mais uma.

Os olhos de Noctana ainda mal piscavam e continuavam a reluzir o brilho vermelho sangue.

---

- E se ela retornou para algum dos covis do exército negro!? - A loira disse, sentindo-se meio
mal por isso.

- E por que ela faria isso!?


- Porque está sendo controlada pelo inimigo? para onde mais ela iria?

- Mas... Será que só existem os dois covis que a gente conheceu ou será que existem mais...? -
Ranik perguntou, morrendo de preocupação.

Iluzia suspirou, frustrada.

---

Quando o bichão chegou perto de Noctana, levantando a maça, a ladina apenas encarou-o
com aqueles olhos de morte, e ele... Abaixou a maça, parando de ficar violento. Foi como se ela
tivesse controlado-o com apenas uma olhada. Ele parou na frente dela e então...

Curvou-se no chão, como se a reverenciasse. E ela passou simplesmente direto por ele,
subindo as escadas que haviam logo ali na frente.

---

- Argh! Ranik, ela não está na floresta! Ela deve ter realmente se teletransportado para algum
lugar! - Disse Iluzia, irritando-se com a floresta vazia (exceto por alguns javalis que logo
foram mortos e tiveram seus corpos confiscados pela guerreirona que deixou os cadáveres na
frente da casa de Iluzia para um possível churrasco).

E então, de repente, entre as duas, saltou alguma coisa da árvore. Iluzia já tinha preparado a
mão com a pouca mana que tinha e Ranik já tinha agarrado o cabo da espadona, prontas
para atacarem o que quer que fosse, mas...

Elas pararam.

Era uma conhecida delas. Não lá muito agradável paras duas, mas... Ao menos não era um
inimigo.

Não 100%.

- Onde está Noctana? - Era Glaz. Sim, a rainha-dos-disfarces encontrava-se ali, preocupada
com sua amiga. Ela parecia que já tinha pressentido o sumiço da mesma.

- É exatamente o que queremos saber. - A maga loira disse, nada amigável. Era arredia assim
com quem não gostava/não conhecia direito.

- Como assim!? Ela não estava com vocês?! - Glaz ficou em choque. Agora foi a vez de Ranik
responder.

- Você estava espionando a gente!? - A guerreirona perguntou, mas a mediana de rabo-de-


cavalo castanho apenas suspirou.

---

Noctana terminou de subir as escadas, e finalmente, adentrou em uma sala já conhecida (ao
menos por Iluzia). Sim, era o quarto de Zel em meio ao castelão sombrio.
E a maga negra estava bem ali. Quando viu Noctana adentrar, primeiramente, encheu a mão
de mana pronta para atacar a intrusa. Até que... desistiu, desfazendo a mesma.

- Você...? Eu achei que não te veria tão cedo. O que faz aqui? - Perguntou a meio-drow
abismada.

Não, ela não referia-se a Noctana. Ela mal conhecia a ladina, afinal. Apenas pela energia
avermelhada que sentira naquele dia em que criara o portal para maga, mas nada além disso.
Logo...

- Vim resolver algumas coisas. - Disse a voz de volta. Não parecia nada com a voz de Noctana.
Na verdade, mais se assemelhava a uma voz masculina.

- Belo corpo esse que você escolheu. Mas por que logo ela? Podia ter selecionado alguém
maior ou talvez... mais associado a sua classe, por exemplo. Essa daí mal tem mana, né? - A
maguinha negra coçou o queixo, curiosa, encarando a ladina.

- Não importa. Ela foi paraticamente meu primeiro “vaso”. - Respondeu a voz grave, e então,
sentou-se no banco de Zel, fechando os olhos vermelhos. - Onde está seu parceiro...?

- Ah, o informante!? Báh. E eu que sei!? O sujeito não passa de um ladrãozinho qualquer de
segunda. - Ela coçou o lado da cabeça careca. - Preciso de algum parceiro melhor, mais forte...
AH! Tem uma maguinha de luz que eu conheci, então, eu acho que eu vou...!

- Não me interessa. - Noctana rapidamente a cortou. Digo, o que estava dentro de Noctana,
controlando-a.

Zel fez uma cara emburrada.

E então, a ladina rapidamente pareceu surpresa com alguma coisa:

- …! - Seus olhos vermelhos abriram-se mais. - Está aqui.

- Ele voltou? - Zel pressentiu a mana fraca verde. - Urgh... Sim.

Noctana levantou-se e dirigiu-se a porta, novamente saindo.

- Por que você quer falar logo com esse inútil!? - A meio-drow perguntou, sentindo-se irritada
(talvez com um pouco de ciúmes).

- … - Mas Noctana apenas desceu as escadas, ignorando-a e deixando a porta aberta. Zel
grunhiu frustrada.

---

- Você realmente era a barda, né? - Ranik encarou Glaz, com uma cara incomodada, que
procurava na floresta agora com as duas por uma Noctana sumida.

Parecia que já queria perguntar aquilo há tempos.

- Eu vivo nas sombras, nas cavernas e no mar, meu nome é guerreira, guerreira Aroá! ♫ Isso
te responde a questão?
- Maldita... urgh... - A guerreira passou a mão na face, incomodada.

- E você era a médica que me curou do veneno também, né? - Iluzia aproveitou a situação.

- Eu já não disse que sim? Ora essa... Eu sou versátil. Hehehe... - Glaz respondeu, e isso podia
significar um monte de coisa.

E então, Iluzia finalmente deu-se por vencido de vez, pelo menos, com relação a florestona:

- ARGH! É inútil! A melhor aposta ainda é procurá-la nos dos últimos covis que estivemos, e
se ela não estiver lá, ela provavelmente está em um terceiro que nós não conhecemos! - Disse a
loira, compreendendo a questão de uma vez por todas.

- Erm... Nos covis onde já estivemos...? - Ranik lembrou-se desgostosa do calabouço.

- Por que não nos dividimos e vamos nos dois de uma vez só? - Glaz deu a ideia, levantando o
dedo indicador.

Iluzia fez uma cara não muito amigável.

- Divisão? Mas somos três. Alguém vai ficar sozinho...

- Na verdade, não. - Elas três ouviram uma voz masculina dizer.

E quando foram olhar...

Era Udarak que surgira ali também.

---

Noctana passava novamente pelo corredor de tijolos enegrecidos. para sua surpresa, o
monstrengo que antes tinha lhe reverenciado, agora ficara um pouco confuso. Talvez, a
energia negra estivesse “apaziguada”, então, ele ficou com uma leve dúvida...

Aquilo era inimigo ou não?

E para evitar desconfianças, ele rapidamente correu contra a ladina novamente, pronto para
esmagá-la.

Mas os olhos vermelhos viraram-se mais uma vez para ele... E ao invés de acalmá-lo, dessa
vez, apenas fez ele...

Explodir.

Sim, o bichão explodiu em uma sopa de sangue como se não fosse nada. E sujou os corredores
inteiros, teto, chão, paredes...

Mas estranhamente, Noctana estava 100% limpa, como se todo o sangue tivesse sido barrado
de tocar seu corpo.

A armadura e a maça agora jaziam no chão vazias e sujas.


- Tsc. - Foi a única coisa que a figura encarnada fizera, andando em direção das três portas no
final do corredor.

Já sabia onde Tanak estava.

---

- Eu realmente não me sinto segura de voltar para lá. Talvez eu devesse ir ao castelo que vocês
foram antes. - Ranik disse, incomodada. Mas Iluzia lembrou-se de “Zel” e também do
monstrengo orc e fez “não” com a cabeça.

- N-não. É melhor você ir ao calabouço, sim! E é mais seguro! Você não disse que alguém
havia matado o bicho que soltava energia obscura!? Então, não há nada que possa ser nocivo
lá agora! - Iluzia disse, rapidamente.

- É... Eu matei o embrião monstruoso. - Udarak revelou finalmente, fazendo Ranik e Iluzia
olharem para si abismadas. - E por isso mesmo posso dizer que, além de armadilhas inúteis,
não há mais nada lá de interessante para se ver. Logo, eu não acho, sinceramente, que
Noctana tenha ido para lá.

- Então só resta uma coisa... - Glaz levantou o dedo animada. - VAMOS TODOS JUNTOS
PARA O CASTELO!!!

- Er... - Iluzia encarou Ranik que encarou-a de volta.

Estava óbvio que as duas preferiam resolver isso sozinhas e não com aqueles dois “intrusos”
amigos de Noctana.

39. CORRENTE DO MAL – Parte 4

Noctana de olhos vermelhos parou na frente de Tanak, mais uma vez. O rapaz ladino fez uma
cara de ironia quando a viu. Sendo que, ele não reparou que os olhos da ladina estavam
diferentes.

- Wow... Você fica bem bonita sem seu capuz e máscara! - Sim, ela estava sem, afinal, tinha
saído do jeito que estava na cama de Iluzia paraquele lugar. - Mas não acho que sua beleza vá
te salvar... pelo menos, não dessa vez!

Tanak agarrou suas adagas e deu um mortal no ar para cima dela. E quando parou em sua
frente, tentou passar a faca em seu pescoço.

E passou...

O pescoço da assassina abriu-se e dele começou a escorrer sangue. Tanak apenas riu de
excitação. Mas logo seu riso sumira, quando...

O sangue começava a voltar pro pescoço e o mesmo se fechara.

- Mas o quê!? - Ele disse, chocado.


- Heh. - Noctana que não era ela mesma riu da cara de um ladino frustrado.

- URGH!!! - Tanak começou a atacar o corpo diminuto com as adagas, indefinidamente, e


criava mais e mais feridas no corpo da assassina, também rasgando suas roupas.

Porém, assim como a ferida no pescoço, os machucados de Noctana fechavam-se um a um,


voltando o sangue para onde veio, e até mesmo, a roupa, voltava a ficar intacta, como se nem
tivesse sido rasgada.

O ladino foi para trás, ofegante e suado, com os olhos arregalados, horrorizado.

- M-mas que merda... E-eu vi sua perna esmagada, eu vi você sangrar horrores! C-como é que
pode estar fazendo isso agora!?

- Tamnazelnoc tinha razão. Você é mesmo um inútil. - Disse a voz, masculina, finalmente
revelando para Tanak que aquilo ali estava longe de ser Noctana.

O rapaz, finalmente, estava arrependido, e então, começou a correr, foi até o altar de pedra
ritualístico, que ainda estava todo sujo pelo sangue da ladina, e encarou o ser dali.

- S-se afaste! E-eu não sei quem você é, mas...

- Não sabe...? - Noctana colocou a mão na testa, irritando-se. Não ela, a “coisa”. - Urgh, que
imprestável...

- Erm... - Tanak esticou o braço e encheu-o de mana verde.

Ele ia, obviamente criar um portal, só que...

Com apenas o olhar avermelhado da Noctana possuída em direção ao seu braço...

Fez o mesmo se entortar quebrado!

CRÉC!

- AAAAAAAAAAAAAAHHHHH!!! - Tanak chorou de dor, segurando o braço fodido.

- Você me deu nos nervos. Eu ia... contratar você pessoalmente para fazer uma missão idiota
para mim, mas você é incapaz até disso. - Noctana disse, aproximando-se do altar negro.
Tanak olhou para ela horrorizado, lágrimas nos olhos escorrendo pela face, sacudindo
negativamente a cabeça, doente. - Não sei o que raios os outros magos negros estão fazendo
confiando alguma coisa a você.

- N-não... S-sinto muito! E-eu... Eu farei a missão para você! E-eu...! - E então, no desespero,
ele tentou esticar o outro braço (o não quebrado) e fazer a mesma coisa que o outro, e...

Mais uma vez, Noctana olhou pro braço e...

CRÉC!

Dessa vez foi o outro braço.


- AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHH!!! - Tanak deu outro grito, agora estava com os
dois braços entortados para cima, numa situação de sofrimento extrema.

E finalmente, Noctana chegara perto dele.

- M-me d-desculpe... eu... argh... - Mesmo sem mal conseguir falar direito, tamanho a dor,
Tanak tentava ser perdoado pelo ser que tomava conta da assassina, mas ela, pelo visto, não
queria saber.

- Cale a boca, seu inútil. - Disse por fim...

A cabeça de Tanak virou-se 360º.

---

Ranik, Iluzia, Glaz e Udarak entraram no portal criado pelo elfo-arqueiro. Sim, para que
Iluzia pudesse evitar o máximo que desse usar sua mana, o elfo que já tinha sido um mago
negro, ajudou com isso.

Seu portal era acizentado, inclusive. E rapidamente fechou-se atrás dos quatro, assim que eles
surgiram mais uma vez naquele corredor. Iluzia deu uma leve tremidinha só de ver aquele
lugar mais uma vez.

- Então, como eu disse, tomem cuidado. Tem um orc gigante que... - Mas quando a loira foi
olhar, a armadura do orc jazia no chão junto a maça, enquanto ao redor (nas paredes, teto e
chão) só tinha uma sopa de sangue e entranhas nojenta. - Mas o quê!?

- Pelo visto, esse é o seu orc. - Disse Udarak, com um sorrisinho irônico.

- URGH! - A maga de luz estava com os olhos arregalados. - N-não pode ser... E-ele era
enorme e muito forte, e...

- Bem, eu derrotei um no calabouço. Talvez não seja tão forte assim. - Disse Ranik, tentando
ficar menos noiada (e deixar a maga também, consequentemente).

Não funcionou.

Aquilo não era uma derrota normal, Iluzia sabia. Não era como se alguém tivesse ido e
enfiado uma espada no dorso do orczão. Ele fora explodido. Sim, de dentro para fora. E pela
enorme exalada de energia sombria... fora alguma coisa que ela não queria ter contato de jeito
algum.

- Temos uma escada subindo e um corredor. para onde vamos? - Glaz perguntou apontando
para escada.

Iluzia rapidamente lembrou-se da meio-drow e ficou meio corada. E então, assumiu a


dianteira.

- E-eu vou para cá! E vocês seguem em frente! - Mas então, Udarak colocou a mão no seu
ombro.

- Eu vou com você. Glaz vai com Ranik. - Disse o elfo, fazendo a maga de luz ficar um tanto
quanto incomodada.

- P-por quê!?

- O combinado era ir de dois em dois, certo? - O arqueiro questionou, ingênuo.

- Erm... Ok. - Iluzia revirou os olhos.

- Ok, então. A gente se vê! - Ranik ia dizer, então, pensou melhor. - Pera, se a gente encontrar
Noctana o que a gente faz!?

- Se a gente encontrar ou não, a gente pode se reencontrar aqui na frente da escada de novo. -
Disse Udarak, muito sábio. Pelo visto, junto a Iluzia, dessa vez, havia outra pessoa com a
cabeça bem trabalhada.

- Ah, beleza! - Ranik se despediu da maguinha e de Uda com um aceno, Glaz apenas sorriu e
fez “sim” com a cabeça, daí as duas partiram.

Iluzia deu uma suspirada frustrada (queria ir ao quarto de Zel sozinha, afinal).

- Vamos? - O elfo arqueiro lhe tirou dos devaneios.

- C-certo. - Disse a loira, incomodada ainda.

Os dois subiram as escadas até a porta em questão que a loira já conhecia.

- Hms... Uma sala. O que será que tem dentro? - Disse Uda, totalmente inocente na situação.

Ou talvez não.

- V-vamos abrir. - Iluzia abriu a porta, também escondendo que já sabia sobre a mesma, e
então...

Notara que o quarto estava vazio. Ficara um tanto quanto decepcionada por isso, nem sabia
dizer o porquê exatamente.

Eles dois andaram para lá e para cá dentro da sala sem nada de novo. Iluzia chegou a parar e
mexer nos livros da estante, ou então, nos papéis da mesa.

E para sua surpresa, encontrara algo de seu interesse:

Um dos papéis tinha um desenho nele. Iluzia nem sabia que Zel desenhava, muito menos, que
o fazia tão bem.

O desenho era ela própria, claramente. Sim, Iluzia, a maga negra desenhara a maga de luz. E
ela estava nua... Iluzia ficou roxa de vergonha, e antes que Udarak pudesse se aproximar de si
e da mesa, ela pegou o papel, dobrou-o de qualquer jeito e enfiou-o no bolso do robe azulado.

- Alguma coisa?

- N-não, nada. - Disse a loira, mentindo.


- Então, vamos pro corredor ver se a gente alcança as duas. - Uda referia-se a Ranik e Glaz,
claro.

---

Enquanto isso, Ranik e Glaz atravessavam aquele corredorzão. As duas, finalmente,


chegavam nas três portas.

- Então, vamos para qual? - A guerreira perguntou para a rainha-dos-disfarces, a quem mal
conhecia, mas... Se Noctana confiava em si, Ranik achou que podia fazer o mesmo, por que
não?

- Ahms... Não sei. Todas estão abertas? - Perguntou a pequena Glaz, que era mediana se
comparado a Iluzia ou Noctana, mas como Ranik era gigante perto de quase todo mundo
(exceto Sir Mysic).

- Deixa eu ver... - Ranik disse, tentando abrir a primeira. Fechada. E então, tentou abrir a
segunda, e ouviu a maçaneta anunciando a abertura corretamente. - Ah, essa está...!

Mas assim que ela ia dizer “aberta”, as duas ficaram em choque quando viram uma cena
terrível...

O corpo do Tanak (que Glaz chamava de TanTan) estava “pregado” na parede da sala
ritualística, de cabeça para baixo, e seus dois braços, duas pernas e cabeça estavam
visivelmente retorcidos e quebrados. Seus olhos arregalados e sua língua quase que inteira
(como se fosse arrancada) estava saltando para fora de sua boca, pendurada.

- AAAAAAAAAAAAAHHHHH!!! - A rainha dos disfarces dera um grito de horror.

40. ENTRE LABIRINTOS MENTAIS

- Q-que... que horror. - Disse Glaz, ainda chocada ao ver o corpo do ladino que era o
taberneiro da guilda dos ladrões em Velejo.

- Bizarríssimo. - Disse Ranik, aproximando-se do corpo.

Mesmo que sua especialidade passasse longe de ser qualquer tipo de radar de mana, ela
conseguia sentir dali que a quantia usada para fazer aquele “enfeite demoníaco” tinha sido
enorme. Mais uma vez, era como o ar pesado do calabouço, só que sem dominação mental
dessa vez.

Rapidamente, Iluzia e Udarak chegaram correndo na sala, e os dois, ficaram bem surpresos
ao verem aquilo também. Estavam provavelmente preocupados depois de ouvirem o grito da
garota ladina.

- Tanak. - Disse Udarak, não parecendo muito em choque, tanto quanto o resto. - Eu já sabia
que ele se envolvia com as sombras, mas... não a esse ponto.

- Você o conhece? - Iluzia perguntou, curiosa, ainda que horrorizada. Ela sim conseguia sentir
MUITA energia sombria naquele cadáver ali pendurado.
- Eu também o conheço. Ele era o dono do bar da guilda dos ladrões, Tan Tan. - Disse Glaz, e
então, mordeu a unha. A verdade é que estava radiante por dentro.

“Esse maldito feriu a perna de Noctana, ele tem mais é que se ferrar mesmo”, pensou
disfarçadamente, sem mudar a expressão facial de sempre.

- O que será que ele fazia aqui? - Ranik perguntou, ainda ingênua. Até reparar na roupa do
sujeito... a marca do exército negro (o crânio com patas de aranha e chifres). - Ele era do
exército negro também?

- Um informante. - O elfo disse, mexendo no resto da sala ritualística, tentando encontrar


alguma coisa interessante. - Provavelmente vigiava alguém de dentro da guilda para poder
informar aos magos negros.

- Noctana. - Glaz disse, chamando a atenção dos três. - Eles já devem saber que ela investigava
os sombrios. E isso explica o porquê...

- Dela ter sido dominada? - Iluzia completou o pensamento da rainha-dos-disfarces. - Será


que chegamos tarde?

- Talvez ela ainda esteja aqui. Mas como é uma vasta conhecedora de magia negra (não
Noctana, o que está dentro dela), ela pode estar escondendo-se. - Udarak disse, coçando o
queixo. - Ali fora tem 2 portas. Aqui temos duas pessoas aptas para arrombamento.

O elfinho deu uma piscadela para Glaz que retribuiu. Ranik e Iluzia ficaram meio confusas se
deviam confiar ou não.

- Acho que podíamos dividir as duplas mais uma vez, adentrar cada uma em uma das portas
ali fora que ainda não vimos, e é claro, continuar a procura. E novamente, caso encontremos
ou não nossa assassina favorita, a gente retorna para escada. - Disse Udarak, decidindo por
todos.

Iluzia não ficara feliz com isso:

- Não. Voltamos para a floresta de Veligrad. Lá é mais seguro. - Disse a loira, e Ranik
concordou com a cabeça.

- A floresta é enorme, como vamos nos encontrar? - O elfo disse, inteligentemente. Mas a loira
também era.

- Perto do portão principal da cidade. Perfeito? - Disse, cruzando os braços, Ranik concordou
com a cabeça de novo.

- Ahns... Por que eu e Iluzia não podemos ir juntas e vocês dois...? - Tentou a enorme, mas
Glaz a parou.

- Bem, eu e Uda sabemos arrombar, como ele disse. Devem haver outras portas fechadas pelo
caminho. A não ser que a porta seja fraca o suficiente para você usar sua força bruta nela
(apesar de que, isso pode atrair inimigos mais facilmente) ou que a maguinha saiba alguma
magia de arrombamento... - Disse Glaz, sendo específica. Iluzia suspirou, não podia ainda
usar magia direito.
- Certo, certo. Vamos então, eu com o elfo de novo e Ranik com a garota das fantasias. - Disse
Iluzia, indo para a porta à esquerda.

- Disfarces, não fantasias! - Glaz respondeu, emburrada.

- Tanto faz...

Eles se dividiram em duplas de novo e cada uma foi para uma porta em um lado. Udarak e
Glaz arrombaram as portas com facilidade, quase ao mesmo tempo. Eram realmente mais
ladrões que assassinos, diferente de Noctana.

---

Iluzia e Udarak andavam juntos por um corredor desconhecido agora, inclusive para maga
loira.

- Hms... Ranik te contou? - O elfo soltou do nada, em meio ao corredor, com uma voz bem
baixa para não chamar a atenção de quem mais poderia estar lá.

- Quê?

- Eu sou um ex-mago negro. - E quando ele disse isso, Iluzia virou-se rapidamente levantando
a mão com mana para ele, horrorizada. - Hahaha!

- Você está mentindo?

- Por quê?

- Não sinto nenhuma gota de energia negra em você... Na verdade, você parece sagrado. -
Disse a loira, incomodada. “Sagrado” era a magia de luz que ela conhecia bem.

- Ah, hoje em dia estou sim “sagrado”. Um mago de luz conhecido meu, que já faleceu nas
mãos do exército negro, me tirou a maldição, depois que eu quis fugir da organização deles. -
Disse Uda, dando de ombros, como se estivesse contando uma coisa boba qualquer.

- … - Iluzia ficou com aquele tique na sobrancelha, por estar incomodada demais para pensar
qualquer coisa.

- Você também é “sagrada”, né? - O arqueiro disse, rapidamente.

Iluzia suspirou, deu de costas e continuou andando.

- Que foi? Tem problema em falar sobre?

- Eu achei que vocês queriam ser furtivos... Conversar não vai ajudar a chamar a atenção de
possíveis inimigos ao redor?

- Se gritarmos sim. Mas estamos falando baixo. - Então, o elfo fora esperto novamente. - E eu
sei que, assim como eu, você pressente facilmente a presença de outras pessoas, logo... você
deve estar notando que o nosso caminho a frente pode estar completamente vazio de inimigos
ou quaisquer outras pessoas.
- Mas não foi você mesmo quem disse que a coisa que está em Noctana é tão forte que ela pode
estar escondendo sua energia? Então, não vamos dar mole. - Disse a maguinha, incomodada.
Por que aquele sujeito insistia em conversar consigo? Não queria ser amiga de nenhum
ladrão, ex-mago negro, ou qualquer merda que fosse, ainda mais por ser um amigo daquela
assassinazinha.

- Está tentando fugir do assunto, né? Por que te incomoda tanto? Acho que você não gosta de
Noctana, né? O motivo é a grandalhona de armadura? - E quando ele disse isso, Iluzia parou
de falar.

Udarak era alto perto dela. Era mais alto que Glaz, logo...

Mas a coisinha virou-se, fula da vida, e meteu o dedo na cara dele, com raiva, dizendo:

- NÃO SE META NA MINHA VIDA, OK!? - E então, virou-se de novo e foi andando, como se
nada tivesse acontecido.

Udarak apenas deu um risinho baixo. Aquela coisinha tinha uma personalidade difícil, mesmo
sendo tão pequena. Lhe lembrava vagamente a assassina sombria...

Estava preocupado com ela, era verdade.

Ele conhecia aquele castelo com a palma de sua mão, porque... já estivera ali antes.

---

E no corredor contrário, indo para o outro lado do castelo sombrio, estavam a rainha-dos-
disfarces e a guerreirona enorme. Por algum motivo, como já foi dito, Ranik sentia-se um
tanto quanto tranquila com Glaz por perto, diferente da arredia Iluzia. Ela vira nos olhos da
garota de rabo-de-cavalo o quanto ela se importava com Noctana.

Talvez até demais...

- Você... - Ranik começou uma conversação, Glaz parecia de boa com isso (ela sorria e tudo). -
O que você estava fazendo vestida de Barda em Sello?

- Tocando? - Glaz riu, mas Ranik a censurou com o olhar. Não podia lhe enganar. - Estava
espionando você para Ana.

- “Ana”...?

- Ei, só eu posso chamá-la assim! - Disse Glaz, rindo. Ranik suspirou. Sim, ela referia-se a
Noctana, podia perceber.

- Ela quem te mandou fazer isso? - Perguntou a guerreirona, cruzando os braços, pensativa.

- Mais ou menos. Ana nunca me pede nada diretamente, mas ela sabe que eu dou meus pulos
por fora para ajudá-la. Inclusive, eu já sabia da parada da perna dela, então eu já ia cuidar
do Tan Tan, mas ela parece ter chegado antes! Hahaha! - Glaz coçou a cabeça, sem jeito.

A guerreirona fez uma expressão meio chateada. O que era aquela dorzinha em seu peito?
Estava com... ciúmes?
Glaz parecia conhecer Noctana tão bem. Tão melhor que ela.

- Há quanto tempo vocês se conhecem? - Ranik continuou conversando, diferente de Iluzia


que queria mais era que Udarak se calasse.

- Ah... Desde que éramos pequenas. - Disse a rainha-do-disfarce, olhando ao redor. Não
pareciam chegar em lugar nenhum, ao menos, nenhum que fosse realmente importante.

Passaram já por umas três salas, todas elas com entulhos, mas nada de interessante. Pareciam
mais depósitos inúteis de armas e armaduras velhas e enferrujados, coisas assim.

- Hms... Você estava no... lugar onde as crianças morreram? - Quando Ranik lhe perguntou
aquilo, Glaz quem sentiu a pontada dessa vez.

Como ela sabia do orfanato?

- Wow, Ana te contou isso, é? Você é realmente valiosa para ela. - Disse Glaz, colocando a mão
na cintura.

- Er... Na verdade, ela me mostrou. - Ranik lembrou-se da Mina de Lótus.

Silêncio por alguns segundos.

- Ranik. - A garota-dos-disfarces chamou-a, fazendo a enorme parar e se virar para lhe olhar.
Glaz também tinha parado de andar. Sua expressão era séria, diferente da de costume. - Você
ama a Ana?

- … - Ranik ficou ali, parada, de olhos surpresos, sem conseguir pensar direito em nada.

41. CORRENTE DO MAL – Parte 5

Antes que Ranik pudesse responder Glaz, chegaram finalmente em uma sala com uma escada
que subia sem parar. Não dava nem mesmo para ver o final. Havia também um grande portão
que aparentemente ia para área externa do castelo. Provavelmente elas não tinham como
objetivo sair do mesmo no momento, logo, subir as escadas seria mais certo.

- Ahns... A-acho melhor a gente subir essa escada logo! - Disse a guerreirona, fugindo ainda
mais da questão. Glaz apenas suspirou percebendo.

As duas começaram a subir e subir e subir...

Estranhamente, a escada não parecia ter fim. Pelo menos, apesar de já estar a muitos minutos
subindo, elas ainda mal conseguiam ver o fim.

- Ranik. - Disse a rainha-dos-disfarces, reparando melhor.

- Quê? - A guerreirona continuava a subir sem se incomodar, no entanto. Provavelmente


estava distraída pensando na pergunta da menina do rabo-de-cavalo.

- Não está reparando?


- O quê? - A guerreirona parou e olhou para si, sem compreender.

- Estamos subindo isso aqui há muito tempo e mesmo assim não conseguimos ver o fim.

- Ah sim, é uma escada comprida. - Disse Ranik, ingênua.

- Não. É uma ilusão. Estamos presas numa ilusão, não conseguimos ir pro final real da escada.
- Disse Glaz inteligentemente.

Ranik ficou emputecida.

- Mas que...! Bom, então foda-se!!! - Glaz viu a grandalhona tirar a espadona e atacar como
uma kamikase a parede logo ao lado delas.

Abriu um tremendo buracão que dava para outro corredor com vários corredores
entrecruzando esse.

- Pronto. Abri um caminho para gente! - Ranik disse, sorrindo para uma Glaz surpresa.

“Ela é uma pessoa memorável... faz sentido que Noctana esteja tão apaixonada por ela”
pensou a garota dos disfarces.

Agora as duas começaram a andar pelos corredores. Mas eles pareciam confusos demais.
Acabavam sempre saindo em lugares semelhantes demais.

- Ahms... Ranik. - Disse Glaz, reparando nisso também.

- Que foi? ARGH! Esses corredores estão me deixando doida! - Disse a guerreirona agarrando
os cabelos, nervosa.

- Exatamente. Novamente estamos presas numa ilusão. Pelo visto, os corredores não têm fim e
nem começo, a gente acaba sempre dando a volta no mesmo lugar.

- Diacho, como isso é possível!? - Perguntou Ranik, irritadiça.

- Olhe só. - Glaz tirou uma bolinha de couro de seu bolso. Não se sabia porquê exatamente ela
tinha aquilo, mas...

Ela posicionou a bolinha no chão, e então, elas continuaram andando.

Ranik surpreendeu-se quando, ao entrar num corredor, virar outro corredor, dar a volta e
entrar em outro...

Encontraram novamente a bolinha no chão.

- Viu? Estamos voltando pro mesmo lugar, mesmo se virarmos para lugares nada a ver!

- Erm... - Ranik coçou a cabeça, nervosa. - O que a gente faz agora, Glaz?

- Ahmmm... - A garotinha colocou a mão no queixo, pensativa. - Não podemos fazer um


contra-feitiço, afinal, eu acho que nenhuma de nós duas sabemos um, né?
- Erm... é.

- Hms... Você pode usar sua força bruta de novo! - Disse Glaz, sorrindo. Ranik olhou para ela,
surpresa.

- Onde, especificamente? Parece que minha força bruta não resolveu nada, só colocou-nos em
outra armadilha.

- Tenta ali. - Glaz apontou para uma parede nua.

Ranik deu de ombros e então, tirou a espadona de novo, abrindo outro rombo na parede.

Foi batata, entraram em outro corredor, este só tinha duas portas.

- Melhor assim, né? - Ranik riu, Glaz continuava impressionada com a grandalhona. - Em
qual porta a gente entra?

- Escolhe uma. - Disse a rainha dos disfarces, sorrindo.

As duas realmente estavam se dando bem.

Ranik abriu uma das portas e constatou uma sala do outro lado com alguns objetos. E
adentrou na mesma antes de Glaz. Quando a segunda garota ia entrar, a porta simplesmente
fechou-se sozinha em sua cara.

- EI! - Ranik gritou, e então, tentou abrir a porta novamente, mas esta estava trancada. Sim,
do nada. - GLAZ! ESTOU PRESA AQUI DENTRO!

- Sim, a porta não quer abrir! - Disse Glaz ali fora.

- SAI DA FRENTE, VOU ARROMBAR ELA!!! - E então, Ranik tentou fazer o mesmo que
fizera com as paredes de pedra, mas...

Não importava a força dos golpes que dava, a porta parecia de aço. Sério. Nem mesmo se
movia com as porradas da grandalhona.

- E-eu não entendo... a porta nem mesmo sacode.

- Acho que é proposital, Ranik. Acho que é para cada uma de nós entrar numa porta
diferente. - Disse Glaz, pensando inteligentemente.

- M-mas que merda! Mas para quê isso, porcaria!?

- Não sei, mas vamos ter que descobrir. Enfim, depois te encontro no início da escada, ok? -
Glaz disse, e Ranik suspirou, mas respondeu.

- Ok. Se cuida, qualquer coisa me grita. - Disse a grandalhona fazendo a menina dos disfarces
rir.

“Mesmo ela sabendo que nem podemos sair das salas, ela diz uma coisa assim... Ranik é
fofinha mesmo” pensou Glaz, adentrando na outra sala.

Ranik começou a tentar reparar na sala onde estava. As paredes eram mal iluminadas por
lamparinas penduradas nas mesmas. Haviam algumas armaduras e armas velhas e
enferrujadas pelo chão. Algumas estantes com comida estragada e livros. Parecia mais um
depósito inútil que qualquer coisa.

- Será que minha provação é ficar o resto da vida aqui? Urgh... Isso me dá calafrios como a
sensação claustrofóbica que aquele fosso me deu. - Pensou alto, abraçando seu próprio corpo.

De repente, ouviu um barulho atrás de si, e rapidamente, tirou a espada num modo de defesa.

Quando se virou viu...

Era Noctana.

De olhos verdes.

Não era possível, era? Ela guardou a espada rapidamente e esfregou os olhos como se forçasse
a ver melhor.

- Noctana...? - Ranik perguntou, e então, viu a pequena aproximar-se dela e abraçar seu
enorme corpo com o seu pequeno.

Calor humano.

Ranik ficou corada, mas logo depois, envolveu a pequena em seus braços também. Cheirou
seus cabelos abaixando a cabeça para isso, era cheiroso... cheiro de Noctana.

Só que de repente, sentiu algo molhado em seus braços. Afastou-se para entender o que era e
entrou em choque...

Os olhos, nariz, boca e ouvidos de Noctana soltavam sangue sem parar. Sim, Ranik estava
com os braços e o abdome molhados de sangue vivo. Ela ficou horrorizada!

- NOCTANA!!! - Ela correu para segurar a garota sombria, queria levá-la ao centro médico,
coisa assim, mas...

A assassina se dissolveu em seus braços como uma sopa de sangue e entranhas. Ranik estava
completamente horrorizada. Logo, ficou de joelhos e passou as mãos sujas de vermelho no
rosto...

- Não! Não! N-não! É apenas ilusão! Só isso... É... Ilusão! - Disse ela para si mesma, tentando
se convencer disso, mas era real demais.

De repente, quando ela abriu os olhos novamente... Noctana tinha desaparecido, assim como
todo sangue em si e ao redor.

Mas ela ainda estava chocada e ofegante.

- Mas que porra de quarto é esse!? - Disse, pensando alto, tentando se levantar.
E antes que pudesse totalmente, sentiu um toque em suas costas e virou-se. Era Iluzia. Ela
sorria para si.

- Oi, Ranik! Que está fazendo aqui nesse quarto sozinha?

- I-iluzia!? Não é outra ilusão, é!? - Ranik disse, desesperada.

- Ilusão? Do que diabos está falando? Tem alguma ilusão aqui? - A loira disse, e acendeu a
mão com mana como se tentasse localizar o que havia no lugar.

A guerreirona cerrou os punhos. E então, retirando sua espada, rapidamente, ela cortou a
maga no meio!!!

42. ILUSÕES SOMBRIAS

Glaz adentrou na sala ao lado, e de fato, ela só abria para uma pessoa, depois fechava sozinha
e trancava a pessoa lá dentro. Questionou se era mesmo o certo a se fazer, mas pensando bem,
seria injusto deixar Ranik passar por isso sozinha sem fazer o mesmo.

A sala estava vazia, exceto por uma mesa de jantar no centro da mesma com quatro cadeiras.
Não havia nada sobre ou sob a mesa.

Glaz fechou os olhos e suspirou fundo. E então, quando abriu os olhos, eles já se tornaram
assustados...

Uma família sentada à mesa cheia de comida e bebida.

Os olhos verde-escuros encheram-se de lágrimas.

Não podia ser. Não queria...

Havia um homem adulto sentado em uma ponta, ele tinha um bigode engraçado, seus cabelos
grisalhos eram numa mistura do acizentado da idade com castanho escuro. Ele segurava um
copo de vinho em suas mãos, comendo um pedaço de peru com a outra. Na outra ponta da
mesa, uma linda mulher. Seus cabelos eram ondulados como os de Glaz e castanho-claros
como os dela. O homem tinha os olhos verde-escuros, a mulher tinha os olhos mel. Ela sorriu
para o sujeito com amor e carinho, e levantou seu copo de vinho também.

Sentada no meio dos dois, uma pequena garotinha comia seu pedaço de peito de peru feliz. Ela
usava trancinhas presas atrás do cabelo castanho-claro, seus olhos eram verde-escuros como o
do homem e ela usava um vestidinho cinza-azulado.

- N-não... - Glaz disse, incrédula. Encarando ela mesma há pelo menos 15 anos atrás. - Por
quê?

De repente, ela ouviu batidas na porta. E então, seus olhos direcionaram-se para a porta que
estava trancada logo ali. Seu coração começou a bater tão forte, mais ou menos no mesmo tom
e velocidade das porradas na porta seguidas... sem parar, sem parar.

Quando Glaz olhou de volta para mesa familiar, ela viu uma cena horrível que só queria
esquecer... Tapando seus lábios, em choque.

A mulher e o homem, antes felizes, jaziam mortos, com seus corpos todos ensanguentados, ele
com a cara enfiada no parato de comida, ela com os olhos revirados e brancos, encarando a
rainha-dos-disfarces. E ali, debaixo da mesa, segurando os próprios joelhos chorando, havia a
garotinha...

Glaz foi andando vagarosamente, enquanto seus olhos dispensavam lágrimas desesperadas
como as da garota. Sangue pingava da mesa no chão, a garota via e segurava sua cabeça em
choque, chorando mais e mais.

A mais velha adentrou debaixo da mesa com a garotinha, e então, suas mãos foram até a
cabeça da mesma, com carinho. Os pequenos olhos verde-escuros encararam os grandes,
ainda chorando demais, os dois pares.

- M-meus... meus pais... - Disse a pequena, com sua vozinha de criança.

- Eu sei. - Disse Glaz, triste, olhando pro chão.

- O... O q-que eu vou fazer sem eles!? - A garota só chorava mais e mais, a adulta também.

Então, ela abraçou a pequena.

- Calma. Vai ficar tudo bem... um dia. - Disse Glaz abraçando Glaz, carinhosa e
cuidadosamente.

---

Ranik tinha acabado de atravessar o corpo de Iluzia com a espadona afiada com o dragão
flamejante.

E para sua surpresa (ou não), ela dissolveu-se em uma sopa de sangue e entranhas, tal qual
Noctana que aparecera antes para si.

- DÁ para PARAR COM ISSO! EU NÃO AGUENTO MAIS!!! - Ranik gritou, furiosa.

E então, para sua surpresa, uma figura enorme surgiu atrás de si. Ela podia sentir... era maior
que si. Devia ter 2,50, era maior que Mysic. E não era um orc. Era uma pessoa...

De armadura negra.

Sim, a armadura do exército do dragão negro, mas essa não era simples como as outras, ela
era toda cheia de pontas e superfícies afiadas. Como uma armadura especial com capacete e
tudo. E uma grande capa avermelhada e negra.

Ranik sentiu uma falta de ar tomar seu pescoço, virou o rosto morrendo de medo, seus olhos
arregalados encarando aquela figura demoníaca, exalando energia maligna. Seus olhos
piscaram algumas vezes, e ela tentava pensar consigo mesma:

“Não é real, não é real, não é ele, não é...”

O cavaleirão pegou-a pelo pescoço e levantou-a estrangulando-a. Sim, só ele tinha a força e o
tamanho suficiente para estender Ranik até seus pés deixarem de tocar o chão.

A guerreira tentava retirar a mão dele de seu pescoço, mas ela apertava firme. Respirar
estava complicadíssimo e ela só conseguia olhar para ele com uma expressão horrorizada na
face.

- V-você... urgh... VOCÊ NÃO É ELE! VOCÊ NÃO É REAL! Urgh... - Ela gritava, enquanto
ele rugia de raiva de volta, ainda estrangulando-a.

Foi então que ele pôs a própria mão no capacete e...

O retirou.

Os cabelos ondulados avermelhados caíram. Sua barba também avermelhada um bocado


grande. Aquele corte na boca característico. A falha nas sobrancelhas grossíssimas. As marcas
de expressão da idade (uns 50 e poucos anos). Os olhos puramente amarelo-alaranjados. Uma
cara nada, nada amigável, mas muito familiar.

Ele largara Ranik no chão de bunda.

- Argh! - A garota disse, de dor, e então voltou a encarar o grandalhão que olhava para si com
uma cara de desgosto. - Pai...?

Ela disse para figura, ainda parecendo morrer de medo.

---

Enquanto isso, Iluzia e Udarak voltavam para o lugar onde eles se dividiram. Mas assim que
adentraram novamente no corredor das três portas, a que Glaz e Ranik haviam entrado...
tinha sumido.

- Mas o quê!? Cadê a porta daqui!? - A loira disse, analisando e vendo apenas a parede. Olhou
para porta do meio e para porta que os dois saíram, as duas estavam lá. - Pera, eu tô ficando
louca ou não tinha mesmo porta aqui antes!?

- Tinha sim. - Udarak colocou a mão no queixo. Foi então que a maguinha de luz pescara.

- Ilusão?

- Parece que sim. Acho que o que está em Noctana está querendo nos prender em ilusões para
que não possamos encontrá-la. - Concluiu ele, muito sábio. Iluzia apenas suspirou frustrada.

- Como vamos atravessar essa merda se a ilusão fez isso sumir? A gente deve quebrar a parede
ou o quê?

- Não. Não vai adiantar. Provavelmente isso só jogaria a gente em outra ilusão, ou seja... - Uda
disse e Iluzia terminou seu raciocínio mais uma vez (até que os dois trabalhavam bem juntos).

- Precisaremos usar mana para fazer um contra-feitiço. Certo... - Iluzia inspirou fundo e
mexeu em seus bolsos, tirando um outro tônico de mana, tomou-o todo com apenas três
goladas. Arregaçou as mangas e disse: - Acho que posso fazer isso!
- Hey, não precisa fazer sozinha... - O elfo disse, sorrindo amigavelmente, a loira ficou meio
emburrada. - Se eu te ajudar, você vai precisar usar menos mana.

“Intrometido” pensou, mas acabou aceitando a ajuda (não tinha lá muita escolha).

Udarak encheu suas mãos com bastante mana acizentada. Iluzia encheu as suas só que com
um pouco menos de mana azul. Os dois deram as mãos... As manas se fundiram e ficaram
azuis-claras. E de repente, um círculo em forma de pentagrama surgiu embaixo dos dois (da
mesma cor), rodeando-os por completo e enchendo-os de luz.

E então, de repente, foi como se um flash passasse por todo o castelo.

Todo mesmo.

E enfim surgira a porta de volta onde eles estavam.

- Bom, aqui está... - Disse Iluzia, um pouco ofegante. Realmente, precisava recuperar-se
melhor antes de usar alguma outra magia.

- Vamos entrar então.

E quando os dois abriram a porta e passaram pro outro lado, o mesmo era uma sala enorme
com uma porta de saída para área externa. Uma sala apenas e mais nada. Nada de escada
pelo menos, muito menos labirinto ou as duas salas de ilusão que elas estavam dentro.

Nada exceto por uma Glaz e uma Ranik sentadas no chão, em choque.

Udarak correu rapidamente para rainha-dos-disfarces e Iluzia correu para sua Ranik, mas é
claro. Os dois preocupadíssimos com as duas.

- Glaz, você tá bem!? - E então, encarou os olhos verdes-escuros da garota lacrimejados. Ela
agarrou os próprios joelhos e em silêncio, fez “sim” com a cabeça.

- Ranik! Ranik! - Iluzia gritava, enquanto desesperava-se, sacudindo os ombros da


grandalhona. Lágrimas escorriam soltas pelo rosto dela e seus olhos...

Iluzia cerrou os dentes e os punhos, e então, virou-se fula da vida para Udarak, que ficou
confuso:

- Udarak é seu nome, né?

- Aham... Por quê?

- VAMOS ENCONTRAR NOCTANA RÁPIDO E FAZER ELA PARAR COM ISSO!

- C-com o quê? O que houve?

- Ranik... ainda está na ilusão. - Iluzia disse, encarando uma grandalhona, cujos olhos
pareciam estar mais claros, um amarelo bem claro e eles ainda se mexiam sem parar, e
paraticamente sem piscar.
43. CORRENTE DO MAL – Parte 6

- Mas como vamos encontrar Noctana se ela está disfarçando a própria mana para não ser
encontrada? - Udarak falou, inteligentemente.

Iluzia suspirou. Mas não podia desistir. Ela olhou para face de Ranik, ainda atormentada,
girando os olhos arregalados nas próprias órbitas, e então, pôs a mão em sua cabeça.

- O que você...!? - Disse uma Glaz, igualmente chocada tal qual o elfo arqueiro.

“Vai fazer” seria a provável continuação da frase da rainha dos disfarces, mas esta não fora
necessária, afinal, ela percebera claramente os planos da maga loirinha.

Iluzia enchera sua mão com o pouco de mana que tivera, e logo depois, caiu de joelhos no
chão, bem na frente da grandalhona. Tudo isso sem soltar sua cabeça.

E por fim, seus olhos também começaram a girar nas órbitas.

- Ela vai parar a ilusão... por dentro. - Disse Udarak, completamente bestificado com a atitude
kamikase da garota.

- …! - Glaz olhou para situação em choque, e logo depois, encarou Uda meio tristonha. - Ela...
também ama Ranik, não é?

- Pelo visto.

- Então, temos um problema... - Glaz rapidamente lembrou-se de sua melhor amiga de


infância.

---

Finalmente, Iluzia encontrava-se dentro da ilusão de Ranik. A guerreirona continuava lá,


ajoelhada também, assim como no mundo real. Mas estava destruída por dentro, era visível.
Seus olhos mortalmente inchados e vermelhos e molhados, ela não conseguia parar. Sua face
demonstrava o horror absoluto que sentia naquele momento. Parecia fraca, covarde e
derrotada.

E na sua frente... estava o visível (e enorme) motivo. Um homem de 2,50, corpo musculoso e
armadura de dragão negro. E quando a loira percebera melhor, sua face era idêntica...
idêntica a de Ranik. Só podia ser...

- E-esse é seu pai? - Iluzia disse, ao lado da guerreira destroçada no chão.

Quando Ranik ouvira sua voz, ao invés de ficar feliz por estar sendo salva, ela ficou
duplamente horrorizada. Primeiro, porque não queria que Iluzia visse aquilo... seu pai sendo
um sujeito do mal, ela totalmente acovardada pelo medo, enfim, nada daquilo. E segundo,
porque ela sabia que...

Rapidamente, o homenzarrão, virou-se para a maguinha de luz. Ele conseguiu aspirar no ar


sua energia iluminada e sagrada. E não pareceu ter ficado nada feliz com isso.

- Ora essa... se não é uma das magas da guilda de luz. - Disse a voz ultra grave. Os olhos de
Ranik apenas arregalaram-se mais, e sem pensar muito, a grandalhona se levantou. - O que
vai fazer, Ranik?

Disse ele, e então, seu corpo enorme veio aproximando-se das duas. Mais precisamente, da
maga, ela era seu alvo.

Ele vinha andando normalmente, como se nada tivesse acontecendo. Só dava para ouvir o som
do metal pesado batendo contra o chão, pé ante pé, passo após passo. E Iluzia também podia
sentir claramente a energia maligna ficando cada vez maior, a ponto de lhe dar um pouco de
sufoco também (assim como Ranik sentira antes).

- Q-quem é você!? - Perguntou Iluzia, horrorizada.

- Háh. Achei que fosse óbvio. - E então, o sujeito pegou a face de Ranik como quem pega uma
boneca de pano, e estendeu-a ao seu lado para loira poder ver. A cara da maga contorceu-se ao
ver sua Ranik tão inútil dessa forma. E ele a largou logo depois. - Eu sou Nasille. Campeão e
lenda da guarda real do dragão negro. E também conhecido como... Pai de Ranik, a
“guerreira furada”.

- Guerreira... furada...? - Iluzia olhou para face de Ranik, ainda encarando o chão, lívida
como um fantasma.

Ela pelo visto perdia toda a compostura, a coragem, a bravura, tudo quando se tratava
daquele homenzarrão tão enorme. Por que o pai de Ranik a assustava tanto assim!?

- Eu achei que sabia. Afinal, vocês duas são namoradas, né? - O sujeito continuou. Sua voz
parecia trovão, de tão grave e rouca. Era realmente assustadora. Ele era a intimidação em
forma de pessoa.

- C-cale-se. - Disse Ranik, mas sua voz era tão baixa, quase inaudível.

Nessa hora, os olhos amarelados do mais velho arregalaram-se em fúria. Em um impulso de


raiva, ele deu um chute forte na barriga da grandona, mandando-a contra a parede que se
quebrava.

- NÃO! - Iluzia gritara, mas não dera tempo. Furiosa, ela energizou a mão e foi para cima do
grandalhão.

Ele puxou um machado que havia tomado forma naquela hora, e a tal arma era tão grande
quanto a espada de Ranik, incrivelmente. E com o machado, foi contra a maguinha.

Mão versus lâmina, digladiavam. Ela tentava não ser ferida usando a mana de escudo, mas...

Foi lançada longe com a força enorme do homem, também jogando-a contra uma parede,
caindo no chão, ferida.

- ILUZIA! - Ranik, ferrada no chão, gritou em desespero.

E então, levantou-se, encarou seu pai, dessa vez... sem medo, mas fúria. Nasille olhou para ela
de volta com um sorrisinho sarcástico.

- O que é isso? Está bravinha comigo? Eu sinceramente acho graça. Eu posso escorraçar com
esse seu orgulho e honra de bosta, mas se eu mexo com a sua namoradinha, você fica com
raiva, é? Bom saber! - E dizendo isso, ele foi andando na direção da Iluzia caída.

A porrada fora tão forte que ela quase retornara para o estágio fora da ilusão, ou pior,
apagara ali mesmo (isso poderia resultar em sérias consequências para sua psiqué real).

Isso porque, independente de ser uma ilusão, acontecia no cérebro das duas, então, qualquer
pancada, elas sentiriam a dor nos nervos realmente. Ou seja, uma morte lá, provavelmente,
resultaria em uma morte cerebral real, ainda que seus corpos não fossem fisicamente
atingidos.

O homenzarrão estava quase próximo ao corpo da loira caída, e então, levantou seu
machadão pronto para poder acabar com ela. Ranik arregalou os olhos mortificada, e como
um raio...

Ela voou para cima de seu pai.

Ele sentiu sua presença logo atrás de si. Era sua intenção na verdade. Tanto que na mesma
hora, ele virou seu corpo e a machadada que ia para maga foi direto pro corpo da guerreira,
jogando-a longe mais uma vez, dando cambalhotas e tudo.

- Hahaha, você não pode me vencer, Ranik. Eu CRIEI você. Você só está viva porque eu
permiti. Na verdade, você estaria morta já, se eu não tivesse morrido primeiro... - Nasille
disse, com aquela cara de psicopata. - Eu teria acabado com você antes de você ganhar o
apelido de “guerreira furada”.

Ele virou-se fulo, encarando Ranik no chão, levantando-se com dor. Tocava a própria barriga,
onde um enorme rasgo tinha se aberto em sua armadura e sangrava sem parar. Pelo visto,
atingira também seu dorso e doía como o inferno.

- Olha só para você, sempre foi uma desgraça. Você humilhou seu vilarejo, seu reino, sua
família, seu exército... tudo porque era uma covarde inútil. Você sabe... - E então, ele foi
andando agora em direção de Ranik, talvez para acabar com ela de uma vez. Os olhos
amarelados se encontraram (os da filha e os do pai, ela estava já com eles lacrimejados e
depressivos mais uma vez, e ele estava com um ódio puro concentrado), quando ele disse. -
SUA MÃE SE MATOU POR SUA CAUSA, RANIK!!!

E quando ele ia cravar o machado na cabeça da guerreira acuada mais uma vez... uma espada
gigante (sim, a de Ranik) atravessou o dorso dele, por entre as placas pontudas da armadura
negra.

Um filete de sangue saiu de sua boca e ele caiu no chão morto (novamente).

Ranik o viu assim e então, começou a segurar os cabelos, quase arrancando-os, puxando-os
com força e gritando, desesperada.

Iluzia quem tinha controlado a espadona com a mana e agora parava. Ela estava com a mão
estendida, ainda que seu corpo estivesse no chão. Ela levantou-se ao ver Ranik naquele estágio
de autodestruição e correu até a amiga e amada.

- Ranik! Não! Ranik, acalme-se! Ranik! - Iluzia abraçou-a. Ranik ainda sacudia-se, grunhindo
e puxando os cabelos.
- Ele... Ele tem razão. Eu... Eu não tenho coragem. Todos... Todos me odeiam. Eu sou apenas
uma casca vazia inútil preenchida com energia maligna. - Disse Ranik, desesperada. E então,
Iluzia...

Deu um tapa em seu rosto, fazendo-a parar. Apenas as lágrimas desceram agora.

- Não! Você não é nada disso! Você é Ranik, minha querida amiga e... - Iluzia disse, num misto
de raiva e pena. Também chorava agora. - Eu te amo.

- …! - Ranik encarou-a incrédula. - O quê...?

- Não seja idiota, você já sabia disso.

- Mas... você terminou comigo.

- Por que está sendo tão egoísta? Você sabe porque eu terminei. A guilda, minha família, mas...
- Iluzia suspirou, rendendo-se. - Eu nunca deixei de te amar nem por um segundo. Meu amor
por você não diminuiu e nem sequer sumiu. Talvez... Talvez tenha até aumentado.

- …...... - Ranik continuava sem palavras, não sabia se sentia-se mal ainda, ou se... se aquela
coisa quente e maravilhosa começava a encher seus nervos por dentro.

É... Era uma sensação boa, surgia de repente.

- Eu fico furiosa quando você fala com ou da Noctana, aquela assassinazinha... Urgh. Eu sei
que ela te ama também. E eu sei que você tem um apreço grande por ela, assim como tem por
mim, mas... Isso não é o bastante, sabe? D-digo, pros meus sentimentos. Eu não conseguiria...
simplesmente dividir você, não é? Mas não é como se... como se eu pudesse querer alguma
coisa com você, afinal, como você disse, fui eu mesma quem escolheu terminar, não é? Eu
devia então calar a minha boca e sair do seu caminho. Deixar... Deixar você ser feliz com quem
quer que você ame, mas eu simplesmente não consigo fazer isso. Eu não consigo... eu não
consigo parar de amar você. - Iluzia continuava chorando, e então, foi andando, se
aproximando da guerreira e abaixou-se na direção dela.

Seus lábios se tocaram.

- Me deixe... só mais uma vez... sentir... - E era como era antigamente. O toque da boca das
duas, molhado e quente.

Ranik enchia-se de amor por dentro.

44. CORRENTE DO MAL – Parte 7

Ranik que estava sentindo gosto de lágrimas, começou a sentir gosto de Iluzia. Seus lábios
rosados tão clarinhos, como já conhecia há tempos, tocaram os seus mais uma vez. E o
perfume gostoso da loira invadiu suas narinas. Seu corpo pequeno abraçou o seu, como se ela
mesma estivesse tornando-se ativa na relação das duas. A língua adentrou em sua boca,
provando de suas lágrimas salgadas, e em troca, lhe oferecia aquele sabor nostálgico, mas tão
maravilhoso para a guerreira.
E isso fez, consequentemente, as duas retornarem para o mundo real, saindo enfim da ilusão.

Qual não foi a surpresa quando estavam também se beijando ali, assim como estavam na
magia de Noctana versão-malvada.

Udarak e Glaz estavam completamente sem jeito, os dois tentando fugir com o olhar,
sentindo-se meio incomodados.

Quando as duas notaram, finalmente pararam de trocar os carinhos (e as salivas) e se


afastaram confusas e sem jeito.

- Erm... B-bom! Eu consegui tirá-la da ilusão! E-estamos bem! - Disse a loira, levantando-se e
tentando disfarçar muito mal.

- Ahn... - Ranik também se levantou, ainda que conseguisse sentir por um tempo (depois ia
passar) claramente a dor em sua barriga. Mas a ferida e o corte na armadura não estavam lá
de verdade, apenas em sua mente. - D-desculpem pelo trabalho.

- Náh. Na verdade foi até bem interessante. - Udarak disse, rindo e cruzando os braços. Iluzia
lhe deu um olhar de ódio. E ele continuou a implicância gratuita com as duas. - Não sei o que
aconteceu contigo, loirinha, mas você tomou um golpe ou algo assim, que simplesmente te
tirou da ilusão.

- C-como assim!? - Iluza questionou, confusa.

- Você não estava totalmente na ilusão e nem totalmente fora dela. Bom... - Glaz coçou a
cabeça, rubra. - Conseguimos ouvir e ver tudo o que ocorria até então, ao menos com você.

- V-você quer dizer que...?

- Você se levantou, usou sua mana em alguma coisa que não vimos o que era, logo depois foi
andando até Ranik, falando aquele monte de coisas lindas e por fim, deu um beijo nela de
verdade, aqui no mundo real. - Udarak só faltava rir das caras envergonhadas das duas. Não,
ele riu mesmo.- HAHAHAHA! Pareceu uma novela mexicana!

- Merda, cala a boca!!! - Disse Iluzia furiosa, e então, cruzou os braços. - Não temos tempo
para essa palhaçada, precisamos encontrar a Noctana e...

E para sua surpresa, a porta externa do castelo se abrira numa porrada, dando um susto nos
quatro. E de lá de fora, eles conseguiam, agora, sentir a energia absurdamente forte e
obscura.

- Pelo visto, ela já nos encontrou primeiro. - Disse Udarak, surpreso.

E sim, era ela mesma. Ela flutuava lá fora, enquanto o céu estava tempestuoso e trovejante.
Parecia que refletia seu ódio, mas...

Por que ela estaria com ódio?

Os quatro saíram, assim como foram convidados, e estavam em meio a um campo aberto,
circulado por uma floresta sombria. Não dava para reconhecer exatamente em que parte do
Allas aquilo ficava, mas não era, atualmente, nenhuma parte conhecida.
- Ela está com raiva... pela Noctana? - Glaz disse, pensando alto. Iluzia lhe encarou de rabo-
de-olho.

- Se fosse assim, ela não estaria sendo controlada, não é mesmo? - Disse a maga, incomodada.

- Erm... - Mas não estava mais incomodada que Ranik, que agora segurava sua espada
firmemente. “Preciso compensar pela desgraça que fiz Iluzia passar com meu pai” pensava
consigo.

- Bem, acho que é melhor deixarmos isso para depois. Ela quer... nos enfrentar. - Disse o elfo,
preparando as duas bestas.

Essa seria uma batalha muito intensa...

---

No topo de uma torre em meio a uma esma Divijna, uma meio-drow simplesmente quebrava
uma mesa em uma porrada recheada de mana.

No ar, flutuava uma esfera de mana também, só que esta servia como uma espécie de bola de
cristal, ou melhor dizendo, “câmera”. Dali ela podia observar tudo o que acontecia com os
quatro intrusos no castelo.

Seria desnecessário dizer o quão furiosa ela estava de ter visto a “cena final” de Iluzia e Ranik
em meio a ilusão.

“Eu devia então calar a minha boca e sair do seu caminho. Deixar... Deixar você ser feliz com
quem quer que você ame, mas eu simplesmente não consigo fazer isso. Eu não consigo... eu
não consigo parar de amar você.”

- GRRRRR!!! - Zel grunhiu, furiosa de novo, como se fosse explodir em energia negra. -
Como eu sou... idiota!

Então suspirou profundamente, olhando de novo para a bola mágica, que agora mostrava a
batalha na floresta.

- Bom, tanto faz. Esses quatro nunca vão conseguir ganhar de Pakao. Ele é o mago negro mais
poderoso de todo Allas. - Ela disse, soltando ar num assopro frustrado. - Você... você vai
morrer, Iluzia. Junto com seu amor, essa guerreirinha fraca e sem graça. Urgh.

---

Sir Mysic estava sentado em um dos bancos de madeira dentro da área real para cavaleiros de
Veligrad, quando de repente, um outro soldado raso veio correndo até si com uma notícia:

- Sir! Sir! Os magos reais mandaram entregar esse recado para você! É urgente, eles
disseram!

- Ahn? O que é...? - Mysic então pegou o papel e começou a ler ele.

“Em Sfarcvald há a maior quantidade de energia negra e maligna que já encontramos desde o
'feto monstruoso' que fora assassinado em Planina. Está sabido que a região das florestas e seus
devidos vilarejos nômades de arqueiros e caçadores estejam sendo atacados diariamente por
monstros vindos do nada. Mas dessa vez, a energia é uma só, específica e concentrada em um
ponto... Basicamente onde ficavam as ruínas de um grande castelo negro abandonado. Pelo
visto, o exército negro se re-apossou do lugar e está utilizando ele para acoplar alguma
existência sombria. Provavelmente podemos chutar que tal existência possa ter a ver com o 'feto',
sendo este um já nascido, um já adulto (sim, a energia é forte a esse ponto) ou então, pior, seu
criador.
Sugerimos que enviem não só alguns guerreiros de sua confiança (que estejam trabalhando no
caso), mas talvez seja necessário um exército inteiro de guerreiros reais e magos de luz.
Comunique o Rei. Reúnam os conselhos. Avisem as guildas.

Esta é uma situação de emergência. Se esse mal eclodir, pode ser o início do fim de todo um
império.

Ass: Magos de Veligrad”

- Isso é... Urgh. Mas que raios é essa energia negra? - E então, Mysic levantou-se e foi
andando pro lugar que seria seu quarto.

Sim, ele era o único dos guerreiros que tinha um quarto específico, fechado e à parte dos
outros. Ele entrou no mesmo e trancou a porta atrás de si com um trinco de ferro e tudo. E
então, foi andando até um baú. Abriu-o e dali, tirou uma fotografia.

Sim, UMA FOTOGRAFIA (como aquela que Noctana havia achado naquela torre negra).

- O que... vocês planejam?

E então, ele deitou-se na cama e passou a mão na foto. Tinha um homem gigantesco de
armadura negra, provavelmente 2,50 de altura. E do lado dele, era o próprio Mysic...

Usando também uma armadura negra.

---

Glaz já estava caída no chão desacordada. Ela tentara lutar usando sua arma (uma espécie de
adaga com corrente), só que esta tinha sido facilmente controlada pela própria Noctana (na
verdade, pela coisa poderosíssima que estava dentro de si), e acabou por atacar a rainha-dos-
disfarces. A sorte (ou talvez tenha sido proposital) foi que o golpe não fora fatal, levando Glaz
apenas a apagar e perder um bocado de sangue, mas não morrer.

E agora só Ranik, Udarak e Iluzia que lutavam. A maga loira tentava ao máximo não
desperdiçar mana, pois se o fizesse, ficaria sem ter como ajudar os dois. Mas pelo visto, sua
força não era grande o bastante para ajudá-los nesse momento. Os dois estavam
paraticamente sozinhos.

Uda levantou uma de suas bestas e tentou atingir Nocta em alguma parte não fatal também,
porém, sua flecha voltou no ar como se tivesse sido soparada por um vento (na verdade fora
mana negra) e atingiu seu próprio pulso, fazendo-o largar a arma.

- M-maldito! - Disse, referindo-se claramente ao ser dentro de Noctana, não a própria.


O ser apenas riu e então, levantando a mão contra ele, jogou-o longe, fazendo-o entrar no
castelo e trancando ele lá dentro.

Pois é, agora era só Ranik, Iluzia e ela. Estava tudo do jeito que ela queria.

Quando a guerreirona tentava lhe atacar, ela flutuava com seu corpo em uma velocidade
incrível e fugia das porradas da espadona gigantesca. Mas era preciso também revelar que
Ranik não estava dando tudo de si, afinal, a última coisa que ela queria era machucar
Noctana (o corpo).

A loira ao perceber isso, ficou fula, pois, assim nunca derrotariam o inimigo. E então, teve
uma ideia. Lançou uma enorme esfera de mana (que lhe deixou quase sem nada) contra o
inimigo. Mas como o esperado, o mesmo escapou ainda flutuando. E furioso da vida, lançou
contra a maguinha uma enorme bola de fogo.

Enorme, maior que a bola de fogo que fizera com Ranik na floresta.

Aquele mago realmente era incomparável a pequena Iluzia. Mas provavelmente, todas suas
habilidades ainda nem estavam sendo usadas 100%, afinal, ele estava no corpo de uma ladina
com pouca mana.

Esse era o plano de Iluzia. Precisava secar ele.

Porém, quando tentou escapar da bola de fogo, não percebera que ele a controlava...

A bola engoliu Iluzia.

- ILUZIA!!! - Ranik gritou, desesperada.

A garota simplesmente ia virar churrasco!?

45. A INTRODUÇÃO A LUZ

Uma neve muito forte no topo da montanha Snijeg. Ficava em meio as terras do Siljast (as
terras dos elfos). E lá em cima, uma torre de gelo.

Um sujeito muito velho que era claramente meio-elfo vinha vindo com sua barba branca
enorme arrastando-se pelo chão. Sua cabeça era 100% lisinha e sem um pêlo sequer. Ele
usava também um robe branco-acizentado que também arrastava no chão, e incrivelmente,
mesmo naquele frio e neve, ele estava descalço. O corpo magrelo e enrugado parecia que não
aguentaria o tempo, mas...

Ele não só seguia em frente até a torre de gelo, como também trazia em seus braços um
embrulho especial, envolto em panos.

E enfim, ele adentrou na torre, em sua área principal, que era apenas um enorme círculo. Em
cima, haviam outros andares, todos eles com um enorme buraco no meio, mas nenhuma
escada ou corda.

Pressentindo sua presença, um outro velho descera pelo buraco que havia nos andares
superiores, ele levitava através de magia. Diferente desse primeiro, a barba desse homem era
apenas grisalha e não era tão grande assim. Ele também possuía cabelos grandes. Ou seja, era
razoavelmente mais jovem que o outro. E suas roupas eram de um cinza escuro, mas também
era um robe mago (todos usavam robes por ali).

- Por onde andou, Mudar? - O homem mais novo (porém ainda velho) perguntara para o
careca da barba gigantesca e branca.

- Prom, eu descobri algo incrível. - Disse o velho, ainda com o embrulho em mãos, protegido.

- O que? - Ele cruzou os braços, parecendo incomodado e resignado por algum motivo. - É
isso que está carregando em seus braços? Porque o oráculo já pressentiu sua chegada junto a
uma energia fortíssima adormecida.

- Exato! - O mais velho passara a mão magrela e enrugada pela barba, dizendo. - Stari está
quase com o pé na cova, você sabe.

- Hms...

- A guilda está preocupada com o andamento de nosso pessoal. Não temos muita esperança de
peregrinar por todo Allas, buscando por entre os magos reais, por um novo membro para
nossa família. E é ainda mais difícil quando a grande maioria prefere não fazer parte de nossa
associação iluminada (você sabe os contratempos de viver isolado, servir sem impurezas
sexuais e etc).

- Onde quer chegar, Mudar?

- Eu tive um sonho... - O velho levantou o indicador. - Que uma figura mudaria toda a história
do Allas. Uma figura tamanha de poderio e bondade, porém pequena de forma física e
delicada como... uma garota.

- Eu espero que você esteja brincando comigo, Mudar. - Disse o homem mais novo, parecendo
furioso.

E então, o velho descobriu o embrulho e quando mostrou para o outro, ele ficara muito, muito
fulo...

Era um bebê. Mais precisamente, uma garotinha, de fios loiros caídos sobre a face pequena e
adorável, bochechas rosadas e olhos safirados. E ela sorria, sorria pro mago emputecido.

- Você está louco, homem! O oráculo nunca aceitará isso! Stari nunca aceitará isso! Pfff! Um
bebê! Não podemos cuidar de um bebê! E um bebê nunca seria um mago poderoso o
suficiente para adentrar na nossa guilda, que dirá mudar toda a história do Allas! Você está
senil! - Disse Prom, furioso, e então, voltou a flutuar indo pros andares superiores.

Mas Mudar estava decidido. Começou a flutuar atrás do outro, não ia deixar ele argumentar
sozinho. Lutaria em seu favor, em favor da visão celestial que teve, e ele acreditava nisso!

- Pfff! Pelo visto, ainda não desistiu! Você não sabe quando parar, Mudar! Essa sua teimosia
ainda vai te fazer ser expulso da Guilda! Antes mesmo de você ser enterrado com todos seus
200 anos! - Disse Prom, ainda aturdido.

- Não me chame de Senil! Eu não ligarei se me expulsarem! Eu vou manter e cuidar do bebê,
eu acredito na premonição que tive com toda a minha fé na magia! - Ele disse, resignado e
insistente.

- E a mãe dessa criança!? Sua família!? Não vai me dizer que tirou-a dos braços de uma
mulher em parantos, por causa da sua bela visão irrealista!? - Disse Prom, furioso.

- Mas é claro que não... A criança fora abandonada na porta da igreja de Siljast! E como dá
para ver, ninguém a quis, não é uma elfa, é uma humana em totalidade! - Disse o mago, os
dois ainda subiam flutuando (era uma torre bem alta), ele ajeitava sua barba que podia
acabar se enrolando em alguma coisa nos andares no caminho.

- E o que te garante que ela não seja apenas uma humana inútil com um pouco de habilidade
mágica!?

- UM POUCO!? Você mesmo disse que o poder adormecido dela era impressionante!!! - Disse
Mudar, ficando fulo da vida também com o parceiro de guilda (e parente, pois, todos lá
tratavam-se como uma grande família).

E enfim, os dois chegaram no penúltimo andar da torre. O penúltimo era conhecido como o
andar do Oráculo. Que nada mais era que outros três magos, sentados em seus tronos, com os
olhos muito esquisitos.

Um deles tinha cabelos acizentados, mas sua face era jovem. Dizia que tinham feito magia
para parecer mais novo do que era, e suas vestes eram azuis-marinhos. O outro, do canto,
tinha um enorme bigode comprido e grisalho mais puxado pro loiro, suas vestes eram verdes-
escuras, porém brilhantes. E o do meio era um homem andrógino de cabelos em um rabo-de-
cavalo, sua barba era rala como se ele a aparasse, e ele parecia ter em torno de uns 40 e
poucos anos (mas tinha muito mais que isso), suas vestes mágicas eram vermelho-sangue.
Todos os três tinham olhos sem cor, como se fossem cegos.

E eram.

- Mudar e Prom. Previmos sua chegada. - Disse o de roupas verdes.

- Previmos a chegada também do “pacote”. - Disse o de roupas azuis. Sim, ele referia-se ao
bebê.

- E precisamos comunicar o que nós, com a ajuda de Stari, decidimos a respeito. - Disse o de
vestes avermelhadas.

- Ah, que bom que vocês já souberam desse absurdo! - Disse Prom, finalmente pousando no
chão, andando de um lado pro outro, emputecido. - Eu falei para Mudar... Isso é uma ideia de
gerico, o oráculo e Stari ficarão revoltados com você, mas ele me ouviu!? Nãooo, como
sempre, eu sou ignorado...

- Vocês não entendem! Eu sei que vocês são o oráculo, mas eu tive um sonho premonitório, eu
tenho certeza que...!

E antes que Mudar pudesse dar sua versão dos fatos, uma presença fortíssima fora sentida
atrás dos dois. Claro que os três do oráculo também haviam sentido.

De repente, os dois se viraram completamente em choque. Era um sujeito cujas vestes


cobriam até sua cabeça em um chapéu esquisito. Seu robe era branco com detalhes dourados.
Ele era muito alto, mas muito esguio. Não dava para ver sua face e nem julgar sua idade, mas
pelo que falavam de si, ele tinha mais de 1000 anos de existência, e pela primeira vez, estava a
beira da morte.

Seu nome era...

- Stari. - Mudar e Prom disseram, em choque. E então, os dois reverenciaram, ajoelhando-se


perante a importante figura.

Sim, ele era o chefe da guilda dos magos de luz. E enfim, ele estendeu a mão pálida (quase cor
de defunto mesmo) pros dois, que olharam em choque.

- S-senhor, nós íamos dar a notícia para os dois, o senhor não precisava vir e...! - Disse o de
roupas vermelhas. Era muito raro o próprio Stari aparecer em outro andar que não o seu (o
último), até por conta da sua condição física desgastada, mas por algum motivo, ele surgira no
andar abaixo do seu, o do Oráculo.

Stari estendeu a mão como que mandando o Oráculo parar de falar, na mesma hora eles
engoliram as palavras.

- Senhores. - Disse Stari com uma voz bem desgastada pela idade, uma voz bem idosa, quase
com dificuldade de ser proferida. - Eu sei o que vocês três combinaram de responder, perante
a minha própria decisão sobre o caso.

- … - Os três oráculos ficaram mudos e surpresos.

- … - Mudar e Prom mal sabiam o que pensar ou o que dizer, apenas se encararam fulos.

- Mas... eu mudei de ideia, assim que... assim que essa criança adentrou a nossa torre. - E
então, ele apontou para o bebê no colo de Mudar. O bebê começou a rir aquela risada gostosa
de bebê, como se soubesse o que acontecia ali naquele momento.

- P-por quê? - O de vestes verdes perguntou, confuso.

- Não consegue sentir...? - E então, Stari foi flutuando, ainda que vagarosamente e logo, tomou
a criança das mãos de Mudar, que ainda estava impressionado. Nunca vira, em todos seus 200
anos Stari tão pró-ativo com relação a algo, ao menos não pessoalmente.

E então, ele estendeu no alto a pequena criança que continuava a rir e brincar sozinha.

...

E logo depois, lançou-a no buraco no meio da torre!!!

Os oráculos ficaram emudecidos e chocados!

Prom deu um sorrisinho malvado e vitorioso!

Mudar saiu correndo, desesperado, até o buraco da torre, mas o braço de Stari o fez parar
antes de se aproximar, e para sua surpresa...
O neném começou a levitar voltando a ficar no mesmo recinto que eles. Sim, apenas um bebê,
levitando, enquanto soltava muita mana azul.

Todo mundo pareceu em choque agora!

- Como vocês podem ver... Essa criança é mais do que o suficiente para tornar-se um mago de
luz da nossa guilda. Sua força e mana são tão puros e poderosos, que mesmo com a pouca
idade e conhecimento nenhum de magia, ele consegue proteger-se e utilizar esse poder da
forma correta. Claro que ainda desperdiça muita energia desnecessária, é apenas um neném...
Mas vocês poderão criá-lo e treiná-lo para que ele se torne o mago mais poderoso que a torre
de Snijeg já viu!

Stari terminou de anunciar, pegando o bebê no ar e entregando-o de volta para Mudar.

- Mudar, você será o guardião máximo dessa criança. Seu dever é cuidar e proteger ela como
se fosse um pai. Posso contar com você? - E o careca fez “sim” com a cabeça, com seus olhos
lacrimejados e um doce sorriso. E logo depois, ele foi andando até Prom, e disse. - E você,
Prom, será seu professor. Você terá que lhe ensinar todas as magias e habilidades para se
tornar a melhor maga de luz que ela puder ser.

Prom cerrou os dentes incrédulo. O que ele mais queria era que o bebê morresse, e não se
tornar uma espécie de educador do mesmo. Mudar olhou preocupado para ele, que encarou-o
com raiva.

E por fim, Stari se aproximou do Oráculo e disse:

- Oráculo, oráculo, que vos criei e vos implantei a semente da mana absoluta, que vos entrego o
futuro e vos permito vê-lo como quem lê um livro de contos. Por favor, guiem-me o suficiente
para possuir conhecimento e prevenir minhas adversidades.

- Sim, senhor. - Os três disseram em uníssono.

- Qual será o nome dessa criança que dará origem ao início da era dos anjos da guilda mais
celestial de todo o Allas, limpando o caminho de magia negra por onde passar, criada pelos
maiores mestres magos de luz de todos os tempos?

- … - Uma pausa eles fizeram e como se realmente lessem dentro de suas cabeças sábias por
um tempo, eles finalmente responderam, novamente em uníssono. - Iluzia, senhor.

46. A CORRENTE DO MAL – Parte Final

Noctana flutuava em meio a floresta obscura de Sfarcvald. Seus olhos ainda vermelhos, ou
seja, o ser sombrio chamado de Pakao por Zel, ainda a controlava. Porém, havia algumas
coisas de errada ainda: Nocta pareceu furiosa ao ver a cena romântica entre Ranik e Iluzia, e
fora exatamente por isso que ela atacara diretamente daquele jeito, depois de apenas atingi-
los com ilusões e fugir. E ela também se recusou a ferir de verdade Glaz e Udarak, seus amigos
como assassina. Glaz fora apenas desacordada, enquanto o elfo arqueiro fora preso dentro do
castelo negro. Ou seja, alguma humanidade residia ainda dentro da ladina controlada, mesmo
assim...

Quando Ranik e Iluzia menos esperavam, logo depois de uma esfera de mana gigante e
azulada da maga de luz ser atirada contra Nocta e desviada, esta mandou-lhe com todas as
forças uma esfera de fogo ainda maior que a que a loira criara na florestona de Veligrad para
matar a enxurrada de Goblins. E aquela enorme magia simplesmente engolira Iluzia levando-
a para a floresta sombria.

Na hora que acontecera, Ranik apenas olhara com ódio para Noctana, e sem pensar direito,
começou a atacar a assassina com sua espadona afiada dada de presente por Mysic e o Rei de
Veligrad.

Com uma agilidade fora do comum, até então, Noctana conseguia escapar facilmente de todos
os ataques de Ranik. Porém, de repente, a guerreirona conseguira atingir a ladina de raspão
em seu braço. Rapidamente, Noctana voltou ao chão e ajoelhou-se, pegando no braço
machucado e sangrando, e olhou para Ranik com uma expressão estranha... Ao menos,
diferente das expressões que ela mantinha antes.

Era quase como se seus olhos perguntasse para Ranik “por quê?”, por que ela tinha lhe
ferido?

Mas a guerreira apenas olhou confusa para a pequena assassina, finalmente “parada”, e pôs-
se a correr para floresta sombria, chamando por:

- Iluzia!!! - Ainda estava preocupada com a maga de luz que tinha sido engolida pela enorme
bola de fogo.

E quando chegou na floresta, por trás das árvores escurecidas, finalmente encontrou-a. E ela...

Não estava morta.

Iluzia se mexia e até tentava se sentar como podia. Sua pele estava levemente ferida e soltava
fumaça. Mas pelo visto, não fora o suficiente para acabar consigo. O que não parecia ser o que
aconteceria pela potência do golpe, Ranik estava surpresa. Foi correndo até ela, mas ficou
receosa de lhe ajudar a levantar-se considerando o quanto sua pele poderia estar ferida. Mas a
loira levantou-se sozinha.

- Cof, cof... I-isso foi forte. - Disse a loira, e logo depois, viu o sorriso de alívio e os olhos
lacrimejados da guerreira. - S-sua idiota, por que está me olhando assim?

- Eu achei que... que você ia morrer.

- Todos achamos. Mas eu sempre fui muito boa em torrar toda a minha mana para poder me
proteger dos golpes alheios. - Disse a loira, dando um sorriso meio amarelo.

E logo assim que elas se comunicaram, ouviu-se o barulho e finalmente, por entre as árvores,
surgiu a figura novamente. Noctana, ainda com os olhos vermelhos, uma cara incomodada
(mais amarga que antes, onde era apenas pura raiva), ela já foi dizendo, a voz grave e
masculina tinha dado lugar a uma voz confusa (meio a meio, meio voz de Noctana, meio voz
masculina de invasor):

- Por que, Ranik? Por que me atacou?

- Por quê?! - Ranik virou-se fula, ainda vendo a ferida que sangrava no braço da ladina. - Por
que você atacou Iluzia para matar!? Você a odeia agora!? Ela... Ela salvou sua vida, Noctana!
- AQUI NÃO É A NOCTANA!!! - A voz gritou, tornando-se mais grave de novo.

Iluzia apenas fez uma cara infeliz, enquanto tentava mover-se, mas seu corpo estava ferido,
ainda que não fatalmente.

- Se não é, então por que não matou Glaz e nem Udarak!? Se não fosse a Noctana a controlar
esse corpo, então por que... ENTÃO POR QUE RESOLVEU BRIGAR DIRETAMENTE
COM A GENTE DEPOIS DO MEU BEIJO COM ILUZIA!?!?! - Ranik perguntou sem nem
pensar nas consequências.

A loira pensou em dar esporro na guerreira, principalmente para impedi-la de fazer ou dizer
tal coisa, mas já era tarde demais, ela já tinha dito. Noctana abaixou a cabeça e inspirou
fundo.

E então, a voz que falou dessa vez, pareceu mais de Nocta do que do invasor maldito Pakao:

- Eu não odeio Iluzia. Eu estou... tentando... controlar isso, mas eu... não... consigo totalmente.
- Noctana colocou a mão na cabeça. E então, ela começou a gritar. E assim que gritou, seu
corpo flutuou novamente, seus olhos explodiram em vermelho vivo...

para logo depois encerrarem-se totalmente negros com as íris vermelhas. Os dois braços
ficaram cobertos com mana vermelha tornando-se quase como duas navalhas afiadas e assim,
ela voou para cima de Ranik e começou a tentar atacá-la.

A guerreirona se colocava entre Nocta e Iluzia, protegendo a maga já sem mana que encarava
tudo chocada, pensando no que fazer.

“Preciso pensar, preciso pensar...” Iluzia dizia consigo mesma em sua mente, tentando
localizar alguma coisa útil.

Os braços ágeis por demais de Noctana-totalmente-Pakao nesse instante, tentavam cortar a


guerreirona, agora sem dó alguma. Ranik defendia-se como podia com a espadona, mas a
mesma era lenta demais. Por vezes, os golpes da assassina atingiram seu corpo, mas por sorte,
sua armadurona de ferro defendera bem os mesmos.

Ranik rolou pro lado e fincando a espadona no chão, tirou o arco. Não conseguia mover-se
corretamente usando a enorme greatsword. E então, começou a tentar atingir Noctana
também com as flechadas rápidas que dava em uma distância média. Mas a ladina esquivava
habilmente de algumas flechadas e já outras, ela conseguia defender com os braços-lâminas. E
então, de repente, ela lançou umas três flechadas de volta contra Ranik, que saltou como
pôde, mas uma, infelizmente, pegou entre sua armadura inferior (a das pernas), atingindo sua
perna, que doeu.

- Merda. - Mas a grandalhona quebrou a flecha e jogou-a no chão (deixando ainda a parte de
metal fincada na sua perna), ela levantou-se meio manca.

- RANIK! - Iluzia gritou, e então, em sua direção voou uma Noctana furiosa.

Mas a guerreirona não podia deixar. Pegou a espada tão rápido e prostrou-se na frente da
maga, protegendo-se do golpe da lâmina braço. Só que então...
A lâmina adentrou mais rápido na lateral de sua couraça de metal. Ranik sangrou pela boca e
encarou Noctana em choque (as duas). Os olhos de Nocta ficaram verdes de novo, e ela parou
de flutuar, mas sua mão não destransformou. Iluzia, furiosa, tateou os bolsos lembrando-se de
uma coisa...

Tônico de mana, o último que tinha. E então, pegou-o e o tomou rapidamente.

“Eu sei, eu sei... um pouco de mana não é o suficiente para derrotá-la, mas eu posso curar
Ranik e...”

E então, ela pressentiu uma coisa que lhe deixou abismada. Não só isso era... era perfeito!
Iluzia ignorou Ranik e Noctana, correndo para trás das duas como podia, mesmo com o corpo
ferido. Naquele momento, elas nem poderiam prestar atenção nisso, pois, o momento ainda
estava tenso entre as duas.

Noctana tinha acabado de ferir Ranik fortemente e isso lhe atingiu como uma bigorna
sentimental. Ela estava sentindo-se incrivelmente culpada.

- R-ranik... - Noctana chorava, seus olhos mudavam de vermelhos para verdes, de verdes para
vermelhos. Estava realmente complicado cuidar daquilo.

Ranik puxou a mão-lâmina de Noctana para fora de seu dorso, também ferindo sua mão, e
continuou a encará-la em choque. Ela nem sequer movera a espada para atacar a assassina,
agora que esta tinha finalmente parado de se mexer, não queria feri-la. Lutar contra um
amigo era bem mais complicado que lutar contra um inimigo.

E novamente, Noctana voltara totalmente para o estágio de assassina, largando Pakao mais
uma vez, mas ainda com bastante mana para que ele retornasse quando bem entendesse. Suas
mãos voltaram ao formato normal e por um instante passaram pelo dorso de Ranik, sujando
elas ainda mais de sangue e fazendo-a sentir um ardor na ferida.

As duas caíram no chão, ajoelhadas. Ranik largara a espada.

- D-desculpe... - Noctana passava a mão na face, sujando-a de sangue, em desespero. Chorava


sem parar. A última coisa que queria era ferir Ranik.

- T-tudo bem. - Disse a guerreira com sangue nos lábios, sorriso doce, passando a mão na face
de Noctana.

Mas então, a ladina virou para Ranik e seus olhos começaram a mudar de novo, e ela só disse
(com a voz se retorcendo nas duas, mais uma vez):

- Saia... de... perto! - E então, a mão de Nocta virou mais uma vez a lâmina, e o olhar assassino
de Pakao indicava que a hora era aquela...

Ia empalar a guerreirona de uma vez por todas para desespero da assassina!!!

Quando de repente, uma enorme energia azulada varreu Noctana para longe!!!

Ranik piscou os olhos incrédula e confusa. Aquela energia não era aquela esfera gigante que
Iluzia mandara, mas que Noctana escapara antes!?
Iluzia apareceu logo de pé.

- Háh. Eu perdi a mana, mas a esfera ficou intacta parada na floresta. Eu não imaginava que
pudesse acontecer, mas quando eu recuperei um pouco de energia eu a pressenti. Só precisei
de um “empurrãozinho” para atingir Noctana de novo. - Ranik olhou para ela num misto de
surpresa com dúvida, e então, a loira disse com uma cara meio emburrada, cruzando os
braços. - E não, ela não morreu. A magia que eu fiz era simples... não era para matá-la.
Apenas para deixá-la 100% sem mana alguma, logo, não poderia se transformar mais nesse
bicho nem se quisesse muito.

Ranik correu e abraçou Iluzia, que ficou sem jeito e empurrou a grandona:

- Estou ferida ainda, sua idiota! E você também está! Precisamos voltar para casa para poder
nos curar, mas eu não tenho mais mana para poder...

- Eu ajudo. - Era Udarak, finalmente saindo do castelo. - Assim que Noctana destransformou-
se graças a você, maguinha, eu finalmente consegui sair de lá de dentro... E olha, Glaz
também está despertando.

- O-onde eu estou...? O que aconteceu? - A rainha dos disfarces coçou os olhos.

Ranik rapidamente correu para em meio da floresta e voltou com uma Noctana desacordada
no colo. E suspirou profundamente.

- Vamos voltar então?

E para surpresa de todos, ali, em meio a floresta de Sfarcvald, um grande exército de


cavaleiros e magos surgiu. Ranik apenas esbravejou:

- Mas que mer...!?

47. INFÂNCIA NO ORFANATO

A pequena garota de mais ou menos 7 anos abriu os olhos. Estava em sua cama naquele
quarto enorme, cheio de beliches. Ela esfregou os mesmos e notara finalmente que ninguém
mais se encontrava ali. Provavelmente todos já estavam comendo na mesa de café. Ela desceu
as escadas de madeira vagarosamente. A luz do Sol forte lá fora entrando pelas janelas já.
Som de crianças brincando. Ela estava certa. Bom, fazia sentido ela acordar tão tarde. Andou
tendo temíveis... pesadelos. Pesadelos tão horríveis que mal conseguia admiti-los para
nenhuma Freira ou para Madre Superiora. Ainda que esta última fosse como uma mãe para
si.

E como sempre, ao invés de comer com as outras crianças (era meio tímida para isso), passara
na mesa do café, onde os gêmeos já brincavam de guerrinha tacando geleia um no outro e a
freira, desesperada, tentava dar comida ao bebê. Quase tropeçara nos brinquedos espalhados
de três crianças mais velhas (dois garotos e uma menina), em que um deu língua para si e ela
deu língua de volta. E enfim, pegando uns biscoitos e escondendo-os no aventalzinho do
vestido preto com detalhes brancos, fora finalmente para aquela sala que não podia ter acesso
a mais nenhuma criança exceto... ela mesma. Sentia-se especial por isso, não queria admitir,
mas...
Enfim, abrira a porta, sem nem mesmo bater, e adentrara no recinto. E lá havia uma mesa de
escritório, abarrotada de documentos importantes, livros, canetas de pena, entre outras
coisas, e enquanto isso, a Madre (uma mulher de cabelos grisalhos presos num coque
arrumado, roupas fechadas de freira escuras, olhos bem azuis e rosto um tanto quanto sério e
enrugado) tentava ajeitar-se com tanto trabalho a ser feito.

- Bom dia, Madre. - Disse a garotinha com sua voz mais rouca que a das outras crianças.

O filete de luz que entrava pela janela iluminava seus olhos tão verdes, sua pele escura
(diferente da maioria das outras crianças dali) e cabelos negros repicados tão bonitos, caídos
no rosto. Ela sorria para mais velha que parecia tão carrancuda, mas de repente, quando lhe
vira, abrira um sorriso e dissera:

- Bom dia, Noctana. Você não deveria estar comendo na mesa de café com as outras crianças?

- Argh. Os gêmeos estão fazendo bagunça de novo. Srta. Kolac está ficando doida.

- Certo, certo. Quer calma e tranquilidade, não é mesmo? - A Madre riu com o jeito
amadurecido da criança para aquela idade. Noctana não era mesmo extrovertida, nem curtia
brincar com as outras crianças, preferia andar com as freiras, principalmente ela, ela sabia. -
Eu consigo entender.

- Somos parecidas, Madre. - Disse Noctana, sorrindo amigavelmente, um de seus dentes ainda
sem ter crescido na boca, abria uma “janelinha” fofa. A Madre sorriu de novo.

Noctana sabia que a Madre quem tinha decidido pegar a criança abandonada em sua porta
para criar sem nem pensar duas vezes. Isso era bem normal por aquela região, orfanatos ou
mesmo meras igrejas tinham sua cota de bebês rejeitados em cada região do Allas. Ali não era
diferente. A questão é que, como era uma região em que era mais fácil se ter pele clara que
escura, Noctana era uma criança quase inadotável. A Madre ficara preocupada de início com
isso, mas logo depois, percebera que a própria garota não se incomodava. Ela parecia querer
continuar ali com elas pro resto da vida, uma vez até lhe revelara que viraria freira quando
mais velha e continuaria ajudando no Orfanato. Bom, talvez fosse pro melhor. Madre
acreditava no potencial da pequena... ainda que recentemente a mesma tenha tido problemas
para dormir por conta de pesadelos terríveis que não atrevia-se a contar a nenhum adulto.

Talvez só precisasse duma reza forte ou coisa assim.

Bateram na porta.

- Erm... Quem é? - A Madre perguntou, incomodada. Se fosse mais trabalho não aguentaria,
já estava abarrotada. Contas do Orfanato, adoções, avaliações de famílias para quem já
adotara alguma criança, dados médicos da pirralhada, enfim... Muita coisa para uma pessoa
só cuidar.

- Madre, você tem uma visita. É uma pessoa que talvez queira adotar uma de nossas crianças.
- Uma das freiras disse, provavelmente Srta. Kolac, porque logo depois, estava berrando com
os gêmeos para eles sossegarem o facho e pararem de jogar comida pela janela da cozinha nos
transeuntes.

- Mas que droga!? Isso agora?! Essas pessoas têm que saber que temos horário programado
para visita no Orfanato. Elas não podem vir aqui achando que é uma loja de armas ou poções
em qualquer horário, e que vão olhar e comparar o que querem, levando embora de uma vez.
Urgh! - Madre resmungou, incomodada.

Mas sem que desse as ordens, um sujeito adentrou a sala da Superiora, que ficou meio sem
graça (ele provavelmente ouvira suas reclamações, mas mesmo assim, apenas sorrira
falsamente). O homem de cabelos negros (puxados para trás num rabo-de-cavalo com gel) e
vestes negras muito refinadas, como as de um nobre, adentrara e sentara na cadeira a sua
frente, e logo ao lado de Noctana, que retesara seu corpo todo, olhando para ele como um gato
arredio que estranha o desconhecido. Ele deu-lhe uma olhada de lado, mas logo voltou-se para
Madre, que tentava tratá-lo bem depois do mau jeito inicial.

- No que posso ajudá-lo, Sr...?

- Smirt. - Disse ele, ajeitando as vestes muito bem aprumadas, a Madre reparara, ele tinha
dinheiro. Mas não era isso o que interessava tanto assim a ela, ela gostaria de saber se cada
família que adotava tinha capacidade o suficiente (não só financeira, mas também emocional)
de cuidar bem de suas crianças, por isso tanto trabalho, porque ela se importava. Não saía
vendendo as crianças ou dando para qualquer um, não. - Creio que sua freira já lhe disse.
Estou interessado em adotar... uma de suas crianças.

Os olhos negros rapidamente pousaram em Noctana quando ele disse isso. E mais uma vez, foi
como se a garota tremesse, arredia.

- Bem, Sr. Smirt. Desculpe-me, mas há dois problemas: 1. É necessário que você venha
novamente em um dia específico de visita. Não atendemos qualquer um a qualquer dia ou
qualquer hora não, somos regrados. 2. Precisamos saber que estará plenamente apto a
adoção, não só financeiramente, mas outras coisas. Por exemplo, o Sr. é casado? Talvez a
criança precise de um apoio materno. - Disse a Madre, incomodada. A verdade é que queria
mais era que o cara não tivesse como conseguir o que queria. Por algum motivo, assim como
Noctana, não gostara muito dele logo de cara.

- Ah, sim, eu sou casado sim. Então, Madre... O que eu preciso fazer para vir em um dia de
visita? Apenas saber o dia e vir? Ou eu tenho que marcar algum tipo de horário...? - E antes
que ele pudesse dizer mais alguma coisa, Madre puxou de uma de suas gavetas uma fichinha,
e então, começou a preenchê-la, apenas dando umas olhadas de soslaio para Smirt, que abriu
um sorrisinho ainda parecendo meio irônico.

- Certo, certo. Quantos anos o senhor tem?

- 47.

- Certo. Ahm... Você vive em que região?

- Eu tenho uma bela mansão em Veligrad. - E quando ele disse isso, Madre fez uma cara um
tanto quanto impressionada (ou não).

- Você tem outros filhos?

- Não, infelizmente eu tive um problema e sou estéril. Logo, a minha esposa não poderá ter um
filho de maneiras... ahms... comuns. Por isso vim até você. Disseram que é um dos melhores
Orfanatos de todo o Allas, então, me interessei.
- Certo, certo. - E então, a mulher levantou-se vendo que faltavam alguns documentos para
poder organizar a visita do tal sujeito esquisito ali. - Aguarde uns instantes, por favor, que eu
vou buscar alguns documentos legais necessários. Eu não me demoro. Gostaria de café?

- Ah sim, por favor. - Disse Smirt, e quando a Madre ia deixar a sala, Noctana chegou a
agarrar em suas vestes, mas soltou-as, logo quando percebeu que não adiantaria.

Ficara sozinha na sala com o homem, que logo, encarou sua face novamente, com aquele
sorrisinho. A pequena quase rosnou para ele.

- Heh. Você é uma jovenzinha muito simpática. Quantos anos você tem?

- … - Claro que Noctana, arredia, não queria falar com aquele cara.

- Pelo visto, gosta muito da Madre Superiora, não é? Que bom que ela trata suas crianças
bem. Gosta do orfanato também? Tem muitos amigos por aqui? - E ele continuava tentando.

- … - Noctana continuava o ignorando.

- Ahm... Você não é muito de falar, não é? Você é tímida? Ou será que essas freiras não
ensinaram bons modos direito para vocês? Elas te dão aula? Você sabe ler ou fazer contas,
mocinha? - E quando Noctana estava pronta para pular dali e ir embora, ele bateu na mesa
com o punho, dando um susto nela. - Eu perguntei... Qual é o seu nome, hein?

- Noctana. - Disse a Madre, finalmente voltando para sala. Pelo visto, até ela estava
preocupada em deixar a pequena ali sozinha com o desconhecido. O homem apenas se
aprumou de novo, como se nada tivesse acontecido.

Noctana estava encolhida de medo. A Madre notara. Posicionara uma xícara na frente de
Smirt e ajeitara-se novamente na cadeira para voltar a cuidar das coisas.

- Noctana, é? É um nome bem bonito. Ela é tímida?

- Sim, ela é. Mas para uma garota de 7 anos, ela é bem inteligente e madura para sua idade. -
E então, a Madre virou-se para o sujeito com uma cara meio irritadiça, e logo depois, virou-se
para menina de novo. - Noctana, por favor, pode pedir para que Kolac organize para mim
nossas parateleiras no segundo andar? Aquilo lá está uma bagunça.

- C-certo. - Disse a garotinha com sua voz rouca, e então, saiu correndo, finalmente, da sala da
mulher mais velha.

Pelo visto, só estava esperando ela lhe dar permissão. Não precisou para entrar, mas estava
medrosa demais para sair, ainda mais com aquele homem ali.

- Então, Sr. Smirt. Precisamos de alguns documentos seus, também precisamos dos
documentos da casa, eu vou precisar ver sua certidão de casamento, e é claro, alguns outros
testes bobos, ahm, psicológicos para sabermos se o senhor está completamente apto a adoção.
Mas é claro, ainda sim, vamos marcar melhor o dia com o senhor para podermos finalmente
ver como isso vai ficar, correto? - Disse a Madre, e então, posicionou a ficha sobre a mesa. De
repente, notara que esquecera-se de algo super importante. Estranhou não ter perguntado
logo de cara. - Ah sim, esqueci de lhe perguntar... Afinal, é um dado necessário. Qual seria seu
nome todo, sim?
- Ah, desculpe! Só falei o sobrenome! Hehehe... - E então, ele abriu os olhos, antes negros, e
agora, vermelhos, e disse com uma voz moribunda. - Pakao. Pakao Smirt.

E então, os olhos da Madre também ficaram vermelhos.

48. O DESPERTAR

Depois de ter essas lembranças voltando a sua mente, Noctana piscou algumas vezes até notar
onde estava. Não se assemelhava em nada com o hospital de Velejo, muito menos com o
castelo enegrecido que...

Rapidamente, ela enxergou os olhos amarelados olhando para si, preocupadíssimos. Mas
então, um sorriso na sua face surgiu, ela sorriu de volta também, até...

Até enxergar cortinas. Não, eram mais como bandeirolas penduradas nas paredes com...

O símbolo real de Veligrad.

Noctana rapidamente se sentou na cama onde se encontrava como um raio!

- O-onde estou?! - Então ela olhou ao redor.

Era um quarto de paredes de pedra polidas e bem bonitas. Havia a tal da bandeirola na
parede. Uma cama, onde estava. Uma mesa, onde estava a maga loira sentada com os braços
cruzados e cara de poucos amigos. Uma cadeira ao seu lado onde estava Ranik. Uma porta. E
uma janela... janela, ela olhou por ela. E lá embaixo (sim, estava no alto), podia ver
claramente a parte nobre de Veligrad sendo protegida por muralhas que a separava do resto
da cidade enorme.

A assassina colocou a mão na janela, horrorizada. E depois encarou Ranik com os olhos
verdes arregalados de terror:

- O-onde estamos!?

A guerreira também não parecia nada feliz. E lhe informou de uma forma bem incomodada:

- No castelo de Veligrad.

- Não! - Noctana levantou-se como se fosse um vampiro entrando na igreja prestes a pegar
fogo se ficasse ali mais um minuto, e para sua surpresa, Iluzia a empurrou e ela caiu sentada
na cama de novo. Devia estar fraca, provavelmente.

- Você não vai a lugar algum, 0% de mana. Fica aí. A gente desgosta tanto de tá aqui quanto
você, ok?

- Mas eu sou uma assassina procurada... - Nocta disse, fula da vida para Iluzia. A tensão nos
olhos das duas dava para ser sentida.

Ranik abriu um sorriso amarelo:


- M-meninas, por favor... - E então, coçando a cabeça, ela disse. - O Sir Mysic falou que tá
tudo bem por ora, que não vão prender você ou coisa do tipo. Ele reconheceu o quanto você
ajudou na missão contra a força do mal absoluta.

- Força...? - Noctana passou a mão na cabeça. É, ela não se lembrava de nada, desde...

Desde o Orc monstruoso no calabouço, ela tapou a boca, nervosa.

- O-onde está...? - Balbuciou, sentindo-se zonza. - Onde está o orc...?

- Ah, o do calabouço? Eu o matei. - Ranik disse, com cara de “isso não é nada demais”, mas
Noctana olhou-a bastante impressionada.

- Ora essa, só lembra disso mesmo? Bem que eu achei que a força maligna ia tomar conta da
sua cabeça inteira mesmo, mas que saco. - Disse a loira, dando de costas e fazendo “fazer o
quê” com os braços.

- Iluzia! - Ranik disse, parecendo sensibilizada com a amnésia amigável da ladina sombria.

Noctana não entendeu nada. Iluzia continuou mesmo com o esporro da guerreirona para si,
ela virou-se para os olhos verdes com os seus azuis, e desabafou tudo de uma vez, sem nem se
incomodar:

- Você nos deu um puta trabalho com essa merda de maldição que te puseram, ok? Você
encarnou o capiroto, um mago negro poderosíssimo, voltou na bosta do castelo onde sua
perna virou patê (e eu te salvei antes que você morresse), e lá, você matou seu amiguinho
ladrãozinho, um tal de Tanak, para logo depois enfiar a gente numas ilusões escabrosas! Ah, e
se não fosse o bastante, deu um show de ciuminho besta levando a gente para floresta para
lutar! Feriu e desacordou seus amiguinhos, Glaz e aquele tal de Udarak, para no final tentar
até matar eu ou Ranik! Satisfeita!? - Disse a loira, irritadíssima.

Noctana apenas tapou a boca em choque, e logo depois, amuou, triste. Ranik suspirou,
frustrada.

- Poxa, Iluzia. Ela acabou de acordar, não precisava jogar tudo assim nela... - Disse a
enormezona, mas a maga apenas cruzou os braços de novo e disse, irritadinha.

- Ela precisa assumir responsabilidades pelos atos, Ranik!

- Mas não foi ela quem fez isso, Iluzia! Foi o...!

- Não, ela tem razão. - Disse Noctana, colocando a mão no braço de Ranik, e logo, notara que
em seu dorso sem armadura havia um curativo envolvendo sua barriga. E sua face ficou
ainda mais triste, fazendo-a voltar com o toque. - Você está bem?

- S-sim, eu estou, não foi nada demais.

- E Glaz e Udarak, eles estão bem também? Onde eles estão? - Perguntou a assassina, então,
foi cortada por uma loira invocada de novo.

- E eu!? Como eu estou!? Você me lançou uma maldita bola gigante de fogo! Por um triz eu
não virei churrasco! É isso que ganho por ter tentado salvar a merda da sua vida!? - A loira
insistiu, parecia que queria punir Noctana por tudo o que havia acontecido com elas, desde
então.

- D-desculpe. - A ladra disse, mas Ranik interviu.

- Iluzia! Já chega! Eu sei que está irritada, mas... Não é hora e nem lugar para isso, ok!? Vá...
Vá pegar alguma coisa para Noctana comer, ela deve estar faminta depois de perder tanta
mana! - Disse a guerreirona abrindo a porta e convidando a loira a se retirar.

Iluzia foi sim, mas não sem antes resmungar num grunhido de raiva, e dar uma olhada
mortífera para uma Noctana tristonha, ainda sentada na cama.

- D-desculpe por ela. Pelo visto, ela foi uma das mais afetadas pelo que aconteceu... - Ranik
disse, encostando a porta e virando-se para a sombria, mas esta fez “não” com a cabeça.

- Não, me desculpe eu. Eu não queria ter posto a vida de vocês em risco e nem ter dado tanto
trabalho. - Noctana só conseguia olhar pro chão. Sim, seu rosto desmascarado como nunca
antes (assim como, infelizmente, seu passado sombrio e pecaminoso).

- N-não! Já disse, você não tem culpa! Estava sendo controlada e...!

- Mesmo assim, Ranik. - Noctana suspirou, infeliz. - Não posso viver fugindo para sempre
dessa força maligna dentro de mim. E se eu... e se eu tivesse matado uma de vocês? E se eu...
se eu tivesse matado você!?

Seus olhos lacrimejaram, os de Ranik ficaram tão tristonhos sentindo a dor da outra apenas
no olhar. Ela foi para perto dela de novo, sentando-se no banco ao lado da cama.

- Eu nunca me perdoaria. - Noctana concluiu seus pensamentos, com uma cara infeliz.

- Precisamos encontrar uma maneira, não é? Uma maneira de tirar esse espírito malvado de
você... - Ranik disse e Noctana concordou com a cabeça. E logo, a guerreira teve uma ideia
genial (Como não pensara nisso antes!? Aliás, pensara sim, mas há muito tempo atrás...). -
Noctana!!!

- Ahn?

- Há um jeito de tirar esse mago filho da mãe de você!!! Um jeito fácil e... - Ranik coçou a
cabeça. - Só precisamos terminar o projeto primeiro. Então, precisamos de grana, e...

- Projeto?

- Ah sim, não te falei ainda! Iluzia tem um projeto genial de uma arma que... bom, a arma tira
as coisas ruins do corpo das pessoas! Ela chama por um nome complicado, eu chamo só de
arma despossuidora mesmo! Hahaha! - Ranik disse, animada, e fez Noctana piscar algumas
vezes impressionada.

Realmente, Iluzia era uma figura muito interessante. Ainda que lhe odiasse...

De repente, ouviram o som da porta se abrindo. Era Glaz e Udarak, e também uma outra
pessoa atrás deles. Noctana rapidamente tomou um susto com a garota dos disfarces que foi
correndo, em desespero, e lágrimas dos olhos e lhe abraçou com doçura.
- Ana! Finalmente! V-você voltou ao normal! Eu... Eu estava morrendo de preocupação com
você! - Disse Glaz, sorridente. Noctana abriu um sorriso doce para ela também. Ranik sentiu
uma leve pontada de ciúme, mas resolveu deixar para lá, afinal, elas precisavam matar a
saudade também.

- Não diga isso... Eu quem deveria ficar preocupada. Você está ferida? Eu machuquei você?

- Nossa, você ficou molenga mesmo, não é, Noctana? Eu achei que você fosse mais fria que
isso... - Disse Udarak, implicante, e fez um carinho embrutecido na cabeça da assassina, que
lhe deu um olhar mortífero, mas era apenas de implicância.

- Você... Eu devia ter te deixado apagado por mais tempo, né? - Ela brincou, implicando com o
elfo, ele deu de ombros.

- Eu não fui apagado, eu fui trancafiado! Hahaha! - Ele disse, zoando.

E enquanto Nocta divertia-se revendo seus amigos e Ranik disfarçava os ciúmes, a terceira
pessoa adentrou no quarto real, e rapidamente, foi como se Noctana pressentisse sua presença,
pois sua expressão de feliz e amigável, rapidamente, mudou-se para surpresa e preocupada.
Em choque, para ser sincera.

E então, quando os olhos verdes encararam os azuis foi que a situação ficou realmente fora de
controle.

- Finalmente acordou, assassina. Eu achei que você não ia acordar nunca, não é mesmo? -
Disse Sir Mysic, dentro do quarto. Ranik, Glaz e Udarak não pareciam entender o choque da
pequena, e muito menos entenderam quando...

Noctana voou para cima de Mysic, colocando a adaga negra em seu pescoço, furiosa.

- VOCÊ...!!!! - Ela disse, em chamas negras de ódio, deixando todo mundo bestificado e
confuso.

49. FIO DESENCAPADO

- Noctana! - Ranik gritou, rapidamente, confusa pela reação violenta da assassina.

Sim, porque assim que viu Sir Mysic, Noctana saltara para seu pescoço com suas adagas
negras. O cavaleiro, no entanto, nem ficou surpreso e muito menos perdeu o sorriso. Parecia
que ele já esperava uma reação assim da ladina sombria.

- Hehehe. Vejo que tem boa memória...

- Não teria como eu esquecer. - Disse Noctana, e então, Udarak e Glaz tentaram arrancá-la do
pescoço do grandalhão armadurado, mas ela continuava ali, firmemente.

- Ana, por que está querendo matar esse Sir (Tá certo que ele é um mala, mas mesmo assim)?
- Glaz perguntou, dizendo esse comentário extra bem baixo (mas não o suficiente para ele não
ouvir... é, foi proposital).
- Vocês não entendem! Esse filho da puta não é guarda real coisa alguma! Ele é um cavaleiro
do dragão negro!

E na hora que ela falou isso, todo mundo ficou em choque, principalmente Ranik. Sir Mysic
colocou a mão, mesmo nua e sangrando consequentemente, na adaga de Noctana e afastou-a
de seu pescoço, fazendo a garota ir para trás com medo de um possível contra-ataque, mas ele
nada fez. Ainda com o sorriso na face, ele disse, parecendo satisfeito:

- Você tem razão, pequena assassina... eu era MESMO um cavaleiro do dragão negro. - E
novamente, o choque de todos, principalmente de Ranik, a guerreirona (que já tinha um certo
trauma com essa parada de cavaleiros negros). - Mas eu não sou mais. Agora eu sou sim, da
guarda real de Veligrad. Fiel ao rei e seus propósitos, e assim como você, combatente do
exército negro.

- Mentira! Por que raios um rei aceitaria um ex-membro do exército negro!? - Noctana disse,
desencontrada.

- Háh... - E então, Mysic encarou Ranik que arregalou os olhos. Ela já estava prevendo o que
viria a seguir. Ele apontou para ela fazendo todos da sala encararem-na. - Se é assim, então
por que ele aceitou sua amiguinha ali?

Udarak, Glaz e Iluzia (principalmente ela) encararam Ranik como se questionassem o motivo
do Sirzão ter dito isso. Noctana foi a última, a última a virar os olhos verdes completamente
em choque para os olhos amarelados de Ranik.

- … - A grandalhona fora pega desprevenida. Quem aquele Sir pensava que era?

- Afinal, o pai dela também era um cavaleiro do dragão negro. - E então, de repente, Ranik
pareceu se retesar menos que antes. Iluzia lembrou-se da ilusão. Udarak e Glaz continuavam
chocados.

Noctana foi para cima de Ranik dessa vez, com os olhos de raiva, ela questionou:

- O que ele fala é verdade, Ranik?

- … - A guerreira fechou os olhos. E dando uma forte inspirada, ela revelou. - Sim, é verdade.
Meu pai foi Nasille. A lenda do exército do Dragão Negro.

E quando ela disse isso, Noctana ficou completamente em choque. Seus olhos arregalaram-se.
Mas a guerreirona continuou:

- Mas ele me odiava. E eu odiava... as coisas terríveis que o exército do dragão negro faziam as
pessoas. Por isso que... por isso que ele me considerava uma desgraça para família. - Disse a
grandalhona, admitindo, e então, Noctana olhou pro chão como se tivesse coçado uma ferida
profunda da guerreirona (e coçou, mas quem começou foi o Sir, que agora sorria mais ainda,
falar daquilo lhe deixava extasiado por algum motivo).

- Pois é, e eu tive o parazer de conhecer Nasille em pessoa. - E agora, Ranik encarou-o com os
olhos perturbados. - Pois, eu era do esquadrão que ele liderava.

- V-você...!? - Ranik semicerrou os olhos, mas Mysic continuava a sorrir para si.
- E foram vocês... Foram vocês que invadiram meu vilarejo. - Noctana encarou o cavaleirão de
Veligrad com ódio no olhar. - Vocês quem mataram, junto aqueles magos negros, quase todo
mundo que morava na minha cidade. Sem dó, nem piedade. Destruíram as casas,
esquartejaram as crianças... Eu odeio, odeio você.

- Seu ódio não vai mudar que estamos lutando lado a lado dessa vez, assassinazinha. - Disse
Mysic, cruzando os braços, orgulhoso.

- Lado a lado? Grr. - Noctana saiu do quarto real como o diabo foge da cruz.

Glaz, Udarak, Ranik e Iluzia se entreolharam. Os dois amigos de Noctana saíram e foram
atrás dela. Iluzia encarou os dois cavaleiros na sala e disse:

- Bem, eu vou... eu vou averiguar a próxima missão, ok? - E a loira deixou o quarto também,
largando apenas os armadurados sozinhos.

Alguns minutos de silêncio se passaram, até que, Ranik, pegando no braço, disse para Mysic:

- Você... era amigo do papai? - Ela parecia uma criança desolada, dizendo isso.

- Vamos dizer... mais que amigos. - Disse o Sir, fazendo os olhos amarelados se arregalarem. -
E você, me lembra muito ele, “guerreira furada”.

Agora mesmo que os olhos arregalaram-se, a boca também se abriu, e então, com uma cara
infeliz, novamente, Ranik disse:

- Não somos nada parecidos. - Ela obviamente não se referia a aparência.

- Ah sim, você é mais baixa e não tem barba, mas...

- Obrigada. - Ranik disse, suspirando. E então, Mysic pareceu surpreso.

- Ahnn..?

- Obrigada por não contar nada a eles. Eu me sentiria muito mal se eles soubessem. - Disse
Ranik, sinceramente. O Sir abriu um sorriso um tanto quanto doce e foi andando na direção
da garota.

Ele passou a mão em sua cabeça como alguém mais velho. E pela primeira vez, Ranik viu uma
ligação real com ele, que mudara tudo o que antes pensara daquele sujeito que um dia até
enfrentara em uma luta por orgulho (coisa que, depois de tudo o que passou, não tinha agora).

---

Glaz e Udarak foram atrás de Noctana pelos corredores do castelo real. A assassina só
procurava uma saída daquele lugar nojento (não era fã de reinos e nem do exército negro,
queria distância dos dois da mesma forma). A ladina, por algum motivo, não sentia-se em
condição de debater alguma coisa com os amigos no momento. Só o fato de ter descoberto
sobre o passado da guerreira já fora suficientemente traumatizante.
E por conta disso, vira para onde Glaz e Udarak iam atrás dela, e com suas habilidades
sombrias, despistou-os. Uma sombra que assemelhava-se a ela, levou-os para outro lado,
enquanto ela foi paraquele. Parecia um armário normal de guardar coisas inúteis. Ela
escondeu-se lá, temporariamente. Podendo, finalmente respirar. Mas então, ouviu o som da
porta do lugar fechando-se e notara que, apesar de despistar a rainha dos disfarces e o elfo
arqueiro, uma pessoa não havia caído na sua armadilha, pois, era forte, inteligente e atenta
demais para isso...

Sim, Iluzia, a maga de luz loira.

Noctana suspirou.

Sério mesmo? Nunca conversara verdadeiramente com Iluzia. Pelo menos, não em plena
consciência. Essa seria a primeira vez? O que raios ela poderia querer consigo afinal?

- Não está aqui porque resolveu se esconder do mundo, acho...? - A assassina disse, com toda
ironia que conseguia ter.

- E você está aqui por isso, certo? - Iluzia também era suficientemente irônica como deveria
ser.

As duas baixinhas se encararam. Tinham realmente paraticamente a mesma altura, não era
possível. Uma de pele escura, a outra de pele clara, uma de cabelos curtos, a outra de cabelos
compridos, uma de cabelos escuros, outra de cabelos claros, uma de olhos verdes, outra de
olhos azuis...

Pareciam que tinham sido feitas propositalmente em formas opostas por alguma espécie de
deus da criação sarcástico.

- Foi apenas... foi apenas uma semana difícil. - Noctana disse, colocando a mão na nuca,
cansada.

- Foi difícil para todo mundo, ok?

- Vai me dar outro sermão do tipo “olha só um monte de coisas horríveis que você fez quando
outro ser controlava seu corpo e você não podia fazer nada”? Não era como se eu estivesse
bêbada, ok? Eu não escolhi isso.

- Urgh... Eu só... estava com raiva. - Disse a loira, meio incomodada.

- Obrigada. - E Iluzia piscou os olhos algumas vezes, incrédula. Sim, a ladra estava
agradecendo-a. - Por ter feito tudo o que pôde para salvar minha vida.

- Não fiz isso por você. - Iluzia coçou o nariz, super sem graça, tentando disfarçar.

- Eu sei que fez por Ranik, mas mesmo assim... - E então, a loira olhou para ela fula de novo.

- Não entendo o que ela vê em você. - Disse a maga, furiosa, arregaçando as mangas por algum
motivo idiota (talvez ocupar sua mente, no momento, ou disfarçar a vergonha de estar
conversando com a assassina assim tão abertamente pela primeira vez).

- Ah sim, você entende sim. - Noctana disse e fez a loira olhar para si, furiosa. - Se não
entendesse, não me consideraria uma rival a altura.

- … - Iluzia parecia surpresa, piscou os olhos algumas vezes, como se não compreendesse, mas
compreendia. Noctana era inteligente exatamente como ela.

- Eu sei que você me respeita. Por isso me salvou, não foi SÓ pela Ranik. Você realmente me
respeita como rival. Me acha inteligente o suficiente, forte o suficiente, bonita o suficiente...
Acha que ela pode sim, querer te trocar por mim, porque eu não sou uma qualquer inferior.
Até mesmo você me acha boa o bastante, eu posso ver em seus olhos. - Noctana disse isso tudo,
pelo visto, Ranik não era a única pessoa com quem a assassina se abria agora.

E sim, isso era muito irônico.

- É... Mas não pense que você é bonita o suficiente, não, eu sou mais. - Disse Iluzia, rindo. E
então, séria, finalmente falou o que queria. - Não questione Ranik sobre seu passado. Ela
detesta falar sobre isso e machuca ela mais que qualquer coisa. Eu sei que você não curte o
exército negro, nem eu, caramba, eu sou uma maga de luz (ainda que esteja longe da guilda).
Mas mesmo assim... Ela odeia qualquer espírito sombrio assim como você odeia. E o fato do
pai dela ter sido de lá, não faz dela uma figura das sombras. Ela acha que faz, mas não faz...
Ela tem muita dor por causa disso, então, seja compreensiva.

- Não precisava ter me falado isso, eu não a julgaria mal por conta de algo assim. - Disse
Noctana, abaixando a cabeça, conformada.

- Eu sei que não. - Disse Iluzia, sorrindo. Noctana ficou um tanto quanto corada por vê-la
assim, virou a cara. E então, a loira saiu da sala, deixando a assassina sozinha.

Noctana apenas suspirou.

- Ela é mesmo adorável, Ranik. Sua ex namorada...

50. ALIADOS E TRABALHOS

- Então, é nesse lugar a nova missão? Hms... Por que me soa familiar? - Ranik perguntou,
olhando pro mapa que Mysic dera para si.

- Porque Sfarcvald é o lugar onde vocês todos foram encontrados. Mas dessa vez, não é
naquele mesmo castelo sombrio. - Disse o grandalhão, fazendo Ranik arregalar os olhos.

- Certo, então eu vou falar com a Iluzia, e...

- Chame também a assassina. - E novamente, a grandalhona ficara surpresa. Por que Mysic
exigiria tal coisa?

- Por que você quer que ela vá?

- Agora sabemos que ela está atolada até o pescoço. Primeiramente, eu duvido que ela não vá
se interessar em cumprir essa missão também. Segundamente, vocês precisam ficar próximas
dela para impedir que ela se transforme no inimigo de surpresa. - Disse o Sirzão, e bom, ele
tinha uma certa razão nisso. Ranik suspirou, mas fez “sim” com a cabeça. - E Ranik...
- Hm?

- Tome cuidado. - Disse ele, sério e confiante. A guerreirona sorriu.

---

- Só me diga mais uma vez porque precisamos cumprir isso. - Disse a voz incomodada da
loira, fazendo umas poções num caldeirão maior que o seu, que havia em uma sala real. Sim,
elas ainda estavam no castelo de Veligrad.

- Bem, se não o fizermos, a energia negra pode crescer até chegar em um poder que não
conseguiremos contê-la. Na pior das hipóteses, o Allas inteiro é dominado e destruído. - Ranik
disse, de braços cruzados. Por que Iluzia tinha que ser tão teimosa às vezes?

- Foi o que aquele Sir de merda disse, né?

- Não fale mal de Mysic. Ele tem razão dessa vez. - E quando a ouviu dizer isso, Iluzia
encolheu os olhos, meio que incrédula.

- Pera, você defendendo ele? Onde que tá aquela sua implicância? Você até quis lutar com ele
para provar que era mais forte ou algum raio assim...

- Eu sei disso. - Ranik coçou a cabeça, nervosa.

- Oh, não. Não coce a cabeça ou fuja do assunto! - Iluzia disse, fula da vida, como quase
sempre. E então, complementou. - Se esses filhos da puta quisessem mesmo resolver o
problema, não mandariam só uma guerreira e uma maga para fazer isso. Mandariam um
exército inteiro e magos reais assim como fizeram naquele dia.

- Não seremos só nós duas. - E então, os olhos azuis ficaram ainda mais irritadiços. Sim, ela
pescou.

- Oh, não! Nada de chamar Noctana! Nem fodendo! Aquela maluca pode encarnar o capeta de
novo e matar a gente! - E então, Ranik suspirou.

- É exatamente por isso que ela deve ir. Precisamos tomar conta dela. - E então, Iluzia olhou
muito, muito revoltada da vida para Ranik.

- Pera, Ranik você não tá vendo!? Eles estão nos usando como cobaias, peões! Mandam a
gente primeiro para podermos resolver o problema, a verdade é que a gente só vai averiguar o
que é... se resolvermos, ótimo. Se não resolvermos e morremos no processo, evitamos que eles
percam pessoal. Não percebe? - Disse uma loira, revoltosa. Mas foi a vez de Ranik ser
implicante.

- Sim, você tem razão Iluzia. Mas quem foi que inicialmente se empolgou para trabalhar para
uma figura real, né? - A loira ficara corada quando Ranik dissera isso com um sorrisinho
vitorioso.

- Puta merda, Ranik, como eu te odeio. Vamos. - E então, ela se aprumou para ir, mas então
complementou. - Pensando melhor, te espero aqui.

- Ahn!?
- Você vai ter que primeiro convencer aquela ladinazinha a ajudar o Mysic. Boa sorte! - Disse
a loira, dando um acenozinho de tchau para uma guerreirona frustrada.

Isso sim seria dureza.

---

- Eu vou sozinha. - Disse Noctana, andando agilmente pela floresta de Veligrad. Ranik seguia-
a tentando acompanhar sua ultra agilidade de ladina.

- Quê!? Eu esperava que você dissesse sim ou não, mas não isso! Por quê!?

- Porque vocês duas... - Noctana parou e segurou no próprio braço. Ranik estava ofegante.
Andar tão rápido assim usando uma armadura de ferro era super cansativo. - Vocês duas
precisam juntar dinheiro para poder construir a arma.

- Ah sim, precisamos. E esses trabalhos estão nos dando dinheiro! - Ranik disse, conclusiva.
Mas Noctana fez “não” com a cabeça.

- Não percebe? São trabalhos esparsos, muito arriscados e o preço que é pago não é o
suficiente. Vocês só vão conseguir juntar essa grana daqui a não sei quantos anos! Vocês
precisam concentrar-se nisso massivamente! Inclusive, eu já providenciei metade da solução...

E quando Noctana disse isso, Ranik coçou a cabeça de novo, agora de dúvida.

- O que quer dizer?

---

Enquanto isso, na grande cidade de Veligrad, uma ladina andava pelas sombras. E então, de
repente, em uma loja de armas e armaduras, ela deslizava pelo teto. Com sua adaga presa por
uma corrente sendo utilizada para prender sua perna e pendurar-se como uma aranha
descendo da teia, a pequena rainha dos disfarces colocava a mão em uma sacolinha de pano
cheia de moedas de outro debaixo do balcão da loja.

Seguidamente a isso, na cidade de Velejo, um elfo arqueiro atingia alguns pássaros predadores
que estavam roubando as galinhas dos moradores. E então, os animais caíam no chão mortos.
Daí um sujeito vinha até ele e lhe dava algumas (poucas) moedas de ouro que ele tirava de
uma sacolinha de pano com (muitas) outras moedas, e então, a guardava novamente na
cintura. Daí virava-se para ir embora, e o elfo, espertamente, mirava a besta na sacolinha do
outro (usando uma cordinha amarrada em sua flecha) e logo “pescava” rapidamente para si o
resto do dinheiro que o sujeito possuía sem nem mesmo ele se tocar que tinha sido furtado.

Logo depois, um sujeito barbudo e cabeludo de olhos verdes chegava em uma outra loja de
Veligrad e conversando com um dos funcionários da loja, ele questionava sobre o estoque de
“kits de ferreiro” para consertar armas e armaduras quebradas. O funcionário ficava sem
graça e ia correndo pros fundos da loja, onde ficava a estocagem da mesma, deixando o
barbudo sozinho. E logo, o mesmo ia para trás do balcão e pegava as três sacolas de dinheiro
que haviam ali, colocava dentro do casaco e saía da loja andando feliz. E logo depois, em um
beco próximo, arrancava a barba e a peruca que usava, revelando ser Glaz de novo.

Voltando a Velejo, em uma feirinha circense, o elfo se aproximava de uma barraquinha de tiro
ao alvo. E então, fazia uma aposta com o dono da barraca, se ele acertasse as flechas todas em
todos os alvos em um tiro só, seu prêmio seria em dinheiro e não em brindes (como eram
todos). O cara riu de sua cara, desmerecendo a aposta do elfo, e permitiu assim como ele bem
queria. Udarak pegara a besta que o sujeito usava para a brincadeira e percebera que a
mesma tinha uma travinha que desviava as flechadas um pouco para a direita. Na cara do
sujeito, o elfo arrancou fora a travinha, fazendo-o ficar já desesperado (só por ter percebido
essa sacanagem). E logo depois, enfiou logo 10 flechas de uma vez na besta com uma
habilidade monstruosa, e então, esticando o braço acertara os alvos corretinho de uma só vez,
fazendo o homem arregalar-se todo de choque. Pois é, havia perdido uma grande bufunfa
para Uda, na moleza.

---

- Erm... Eles tão roubando esse dinheiro, né? - Ranik disse, depois que Noctana lhe explicou
que ela havia pedido a Udarak e Glaz para que arrumassem bastante dinheiro rápido para o
projeto da arma de Iluzia.

- Ahn... Que nada, devem estar conseguindo de maneiras criativas porém honestas. - Noctana
mentiu na cara dura, Ranik deu língua para ladina.

- Mas não, você não vai sozinha. Ou vamos todas juntas, ou não vamos. - Disse a guerreirona,
decidida, colocando a mão sobre o ombro da assassina.

Noctana ficou vermelha (lembrou-se da aproximação das duas e do beijo no calabouço de


Planina).

- O-ok. - Disse ela, finalmente se dando por vencida.

---

Noctana tirou, finalmente, a prótese de cobre de sua perna, já 100% recuperada. Arrumou
roupas de ladino de couro escuro (ou seja, um novo uniforme para si) com uma capa
vermelho-escura, capuz e máscara como a outra. Preparou mais adagas para lançar, suas
adagas amaldiçoadas negras já conhecidas mais afiadas e também tratou de levar alguns
vidros com venenos para armas (para envenenar as lâminas para atacar). Enfim, estava
finalmente pronta para ação.

“Resta saber se eu e Iluzia, andando juntas com Ranik não vamos ter problemas...” pensou a
assassina das sombras.

Enquanto isso, no castelo real, naquele quarto especial que separaram para a maga, ela
enchia-se de tônicos para mana. Arrumara com a ajuda do rei um cetro para auxiliá-la em
suas magias (um cetro ajudava a diminuir a quantidade de mana necessária, porque ele fazia
um acúmulo certo de mana para fazer cada encantamento). Vestira também seu cachecol que
usava sempre por cima do robe azulado. Suspirara, finalmente pronta para batalha.

“Noctana vai comigo e com Ranik, eh? Eu crente que ficaria livre dessa assassinazinha
intrometida” pensou a maguinha de luz.

Ranik estava paraticamente pronta para partir também, assim como as outras duas. Quando
Mysic surgiu no quarto onde ela afiava sua espadona (que fora presente do rei e dele).

- Mysic? - Perguntou a guerreira, e então, o Sir que adquirira um respeito que antes não
existia e vice-versa, apenas deu um sorriso paternal.

- Quero te dar uma coisa... Não sei se você vai aceitar, mas... Pode ser útil no seu combate. -
Disse ele, e então, apontou para um enorme embrulho atrás de si (seu corpo antes o escondia).

Ranik piscou algumas vezes surpresa.

- O que é isso?

- Abra. - E então, a guerreirona aproximou-se do embrulho e o rasgou brutamente.

Quando ela viu o que era, ela arregalou os olhos, surpresa.

51. ENFRENTANDO AS DIFERENÇAS – Parte 1

Quando Ranik encontrou-se com as duas na florestona de Veligrad (dali elas


teletransportariam para o local indicado da missão), Noctana e Iluzia arregalaram também
seus olhos de ver como a garota estava.

Ela usava uma armadura de aço com o brasão de Veligrad. Sim, era uma armadura real, tal
qual a de Mysic. Iluzia apenas parecia em choque, Noctana parecia meio arredia com isso.

- Por que diacho você está vestida com isso!? - Iluzia perguntou primeiramente.

- Erm... O Sir achou que ela seria útil, afinal, é mais potente que uma armadura de ferro, não
é? - Disse a guerreira, meio sem jeito, coçando a cabeça.

- Você virou guarda real agora, é? - Agora foi a vez de Noctana, seus olhos verdes de gato (a
única coisa que aparecia por trás do capuz e máscara) encaravam-na realmente como se fosse
uma presa de um felino.

- Erm... N-não. Eu precisaria duma cerimônia formal e permissão do rei, mas... Erm... E-eu
não quero virar guarda real. Eu só aceitei a armadura, porque ela é forte e...

- Ranik, não seja ingênua. Detesto quando você dá uma de retardada assim. - Disse a loira, e
então, dando uns passos adiantados à frente, disse. - O Sir já te considera um deles. Que coisa
mais desgostosa... Enfim, vamos embora!

- Afff... - Ranik parecia decepcionada com a reação das duas, mas ok. Elas seguiram para
Sfarcvald de uma vez.

---

- Aqui é o lugar? - Iluzia encarou o mapa mais uma vez, confusa.

- Pelo visto, sim. - Disse Ranik, logo ao seu lado, reparando no papel que segurava também. -
Então, vamos subir?

- Subir!? - A loira questionou incomodada.

Era uma montanha muito, muito alta. E era ela quem estava marcada com o X do mapa.

- Como raios vamos subir nisso? Nem uma trilha tem, a gente não pode simplesmente
escalar... - A maga disse, bem atenta, e então, a assassina já começou a alfinetar.

- Achei que soubesse alguma magia para poder voar ou coisa assim.

- CLARO QUE SEI! E você, não sabe saltar para lugares mais altos? Cadê sua agilidade de
ladina?

- Eu estou ótima com isso. - Noctana respondera, sim, as duas estavam “discutindo” como
antes.

Ranik suspirou e anunciou:

- Me desculpem, mas o máximo que eu posso fazer é tentar escalar. Então, vocês
provavelmente chegariam lá antes e sem mim. Logo...

- Precisamos pensar em outro modo. - Disse a loira, passando a mão na face.

- Teletransporte? - Noctana puxou a mão cheia de mana vermelha. Ranik correu para ela
como o diabo foge da cruz e segurou em sua mão, fazendo “não” com a cabeça.

Elas tinham combinado que a assassina evitaria ao máximo utilizar sua mana, até porque
tinham medo disso atrair o mago malvado para dentro de si de novo. Noctana suspirou.

- Não rola portal. Alguém pode acabar pisando em um lugar em falso e rolando montanha
abaixo. Isso não faz sentido... - Iluzia começou a andar pela beirada da montanha indo para o
lado esquerdo.

- Ei, você está se afastando do local certo! - Disse a guerreirona, mas a loira deu de ombros e
afirmou, inteligentemente.

- Se a porra do topo da montanha é o que a gente precisa, então, a gente só tem que ver se não
tem alguma caverna ou então trilha para que a gente possa...

E antes que ela pudesse terminar de dizer, elas ouviram um estrondo gigantesco. Noctana que
era quem estava mais atrás foi a primeira se virar e ver.

- I-isso não é bom. - Ela disse, e finalmente, as outras duas encararam.


Era um monstro gigantesco. Assemelhava-se a uma espécie de lacraia gigante. Abrira uma
cratera enorme por onde passara e agora apontava para eles fazendo um grunhido agudo e
irritante.

- MAS QUE BOSTA É ESSA!? - Ranik gritou, tapando os ouvidos.

- Está recheada de energia negra, pelo visto, fora criada por um mago, obviamente. -
Respondeu Iluzia, e então, a ladina complementou.

- Será que é a energia negra que temos que parar?

- Não, essa energia não aumenta e nem diminui como a energia que caçamos, isso é apenas...

- Um obstáculo para nos atrapalhar! - Ranik já tinha compreendido também, e então,


terminou as palavras da maguinha de luz, que fez “sim” com a cabeça.

E então, o serzão simplesmente soltou o que parecia ser ácido pela sua bocarra enorme de
presas. Quando elas iam ser atingidas, Ranik, na frente, puxou a espadona e defendeu o tiro.

- Isso... parece ser ácido! - Disse a maiorzona.

E logo depois, o bichão veio com tudo para cima das três, pronto para devorá-las ou algo bem
próximo disso. Elas não tiveram escolha a não ser... CORRER!

As três começaram a correr pela beirada da montanha, enquanto o minhocão cheio de garras
vinha atrás delas numa incrível velocidade!

Depois de um bom tempo correndo, elas finalmente conseguiram despistar o bichão. Pelo
menos, aparentemente ele tinha parado de persegui-las.

- Por que a gente não ficou e lutou!? - Ranik perguntou, emburrando-se e cruzando os braços.

- Cabeça dura, era mais fácil a gente ser devorada. - Disse Iluzia, irritada, como quase
sempre.

- Pfff... Se eu não tivesse companhia, eu conseguiria esquivar dos golpes usando minha
agilidade. - Disse Noctana para si mesma, emburrada também.

- Escapar, né? Mas e atacar!? Suas adaguinhas de merda não fariam nenhuma diferença! - A
maga mandou ver na agulhada agora (essa foi a vez dela). Os olhos verdes encaram-na com
ódio, e ela encarou-a com os seus azuis de volta, também com ira.

- Meninas, por favor... A gente tem coisas mais importantes para resolver, né!? - Ranik disse,
já incomodada com as duas. Seria de fato uma missão difícil se elas continuassem se pinicando
dessa forma (será que nunca teria fim!?).

- Ugh. - As duas encararam Ranik, e voltaram a calar-se mais uma vez. A guerreirona
suspirou de frustração.

E então, finalmente, o terreno mudou, elas viram que tinha mesmo uma subida, como uma
espécie de trilha para a parte superior da montanha. Finalmente uma boa notícia, mas...
Quando elas tentaram seguir pela mesma (ainda que esta fosse bem estreita), Ranik deu de
cara com alguma coisa transparente que machucou seu nariz.

- Urgh! N-não dá para passar! - E então, ela tocou. Era uma espécie de parede invisível. Com
certeza feita de magia. - Tem uma parede aqui!

- Ótimo, provavelmente essa deve ser a única trilha para subir e está fechada com magia. - A
loira disse, suspirando frustrada.

- Por que raios colocariam isso aqui? - Noctana perguntou, pensativa. E então, a loira colocou
a mão no queixo já entendendo.

- A lacraia gigante. - Então, as três se encararam surpresas. Sim, parecia que mesmo sem
Iluzia terminar de dizer (mas ela terminaria), elas já haviam a entendido.

O que era engraçado se você pensar que há poucos minutos atrás, elas não conseguiam nem
mesmo chegar num consenso.

- A contramagia dessa parede invisível está dentro daquele bichão. Derrotando seu núcleo
mágico (porque ele é com certeza um bicho “summonado”), abrimos essa passagem. É feito
propositalmente assim, para ser uma “fase” para gente passar! - E quando a loira disse isso,
as outras duas fizeram “sim” com a cabeça concordando.

É, teriam que enfrentar o bichão de qualquer jeito.

---

Topo de uma montanha gélida. Um trono feito todo de gelo-cristal. Um sujeito sentado ali.
Magro, pálido e enrugado. Usava um robe negro com o símbolo da caveira com patas de
aranha e chifres (o símbolo do exército negro). Seus cabelos e barbas eram enormes e
grisalhos para escuros. Os olhos tortuosos apenas espremiam-se ao ver que lá longe, surgia
outra pessoa.

A pessoa assemelhava-se bem mais nova que ele. E era um outro homem de robe negro e
vermelho, também com o símbolo dos inimigos sombrios das três.

E essa face, esse cavanhaque, esse rabo-de-cavalo negro, esses olhos iluminadamente
vermelhos, já eram conhecidos... O homem que chegava era:

- Pakao. - Disse o velho sentado no trono de gelo. - O que faz aqui?

- O que eu faço? O que você faz? - Pakao mexeu no cavanhaque, curioso.

- Estou perto da minha morte. O tanto de energia negra que doei para vocês do exército
apenas adiantou o fim da minha vida. Mas não me entenda mal, não estou sendo mal-
agradecido.

- Então, o que é...? - Pakao parecia até razoavelmente controlado com o velho. Afinal, estavam
aparentemente do mesmo lado.

- Eu quero, finalmente... finalmente cumprir meu objetivo de vida. Eu decidi vir para cá,
chamar atenção dos seus inimigos. Dos nossos... dos nossos inimigos. - O velho passou a mão
na barba comprida, que nunca fora tão comprida assim antes, exceto por agora, e isso lhe
dava uma aparência bem diferente da que ele tinha antes. - Eu já preparei umas provações,
umas surpresas, mas eu estou certo que...

- Que elas conseguirão vencer? Hms... - Pakao ajeitou os cabelos jogando-os para trás de um
jeito pomposo. - Eu espero que sim, seria muito tedioso se elas morressem aqui para alguns
monstrinhos fracos. Não é mesmo?

- Elas ainda têm de enfrentar seu trunfo um dia, não é? - O velho perguntara, Pakao apenas
dava uma risadinha sarcástica.

- Vai por mim, antes mesmo delas conseguirem enfrentar o meu trunfo assustador, elas vão
morrer. O que vai ser triste, porque, o Xamã vai ter tudo tão fácil, chega a ser chaaaato. -
Pakao se espreguiçou e então, anunciou. - Vou assisti-las brincar com seus bichinhos! Vê se
não morre antes de encontrá-la!

- Ah sim... Eu vou encontrá-la primeiro.

52. ENFRENTANDO AS DIFERENÇAS – Parte 2

- Urgh... Certo, então vamos enfrentar a cobrona. - Disse Noctana, indo na frente, como se
estivesse mais do que incomodada (e estava mesmo).

- É uma centopeia gigante, Noctana. E não uma cobra. - Disse Iluzia, implicando consigo,
como sempre.

- Eu sei que não é um animal normal, então não adianta dar uma classificação sobre o que
você acha que é mais parecido ou não. - A assassina disse, brigando com a outra (até mesmo
para implicar com a loira, ela já tinha se aberto mais, ainda que fosse por um motivo não tão
bacana). E ainda complementou falando baixo. - Até onde eu saiba, só cobras lançam veneno e
não lacraias.

- Urgh! Não era bem um veneno, era ácido, e... Ah, tanto faz, porcaria! - Iluzia ouviu mesmo
ela tendo falado baixo. Ranik suspirou entre as duas.

Enfim, encontraram o lugar onde haviam dado de cara com o inimigo anteriormente. E bom,
fazia sentido que ele tivesse sido despistado das três, ele tinha simplesmente criado outra
cratera na terra e se afundado de novo.

- Legal, a criatura tá debaixo da terra de novo. - Disse Iluzia, conclusiva.

- Bom, isso nos dará tempo para pensar em uma estratégia de combate e... - Quando Ranik
pensou em falar, o bichão já fez tremer a terra embaixo das três, jogando-as longe.

Noctana deu um giro com o corpo no ar e caiu certinho no chão. Iluzia não conseguiu uma
aterrissagem já tão bacana. Ranik arrastou-se com a lâmina da espadona no chão, usando-a
de freio e conseguiu parar mais ou menos.

O monstro estava lá, com aquela boca-cratera aberta cheia de presas para elas mais uma vez,
escolhendo uma das três como vítima para poder lançar seu tiro de ácido verde (realmente
assemelhava-se a um veneno).

Ranik, como sempre, mal esperou. Foi correndo para cima do bicho. Iluzia e Noctana apenas
olharam chocadas, de boca aberta, para a cena. Enquanto o ser tacava o tiro, e mais uma vez,
a grandalhona defendia-se com a espadona gigante.

Quando finalmente atingiu o monstrengo com a lâmina da espadona, conseguiu sim fazer um
corte em sua couraça, mas quando ia penetrar melhor, mais uma vez, ele saltou indo para
outro buraco, e foi rápido demais para seu golpe ser potente.

E não só isso, quando o bicho levantou-se do buraco novo que havia feito (ele também
retornava aos antigos), o ferimento que Ranik fizera estava se regenerando (dava para ver ele,
lentamente, voltando ao lugar).

- Essa porcaria se cura! - Disse a guerreirona com ódio.

- Mas é óbvio. - Disse Iluzia, como se entendesse tudo. Noctana ficou furiosa com sua
arrogância de novo.

- Óbvio!? Se é tão óbvio porque não nos diz logo, então!?

- Era o que eu ia fazer. - Mas antes que ela pudesse dizer algo, o bicho saiu debaixo de si,
jogando-a longe mais uma vez.

Dessa vez, ela se acidentaria muito tensamente, seu corpo tinha sido jogado bem fortemente
agora, mas uma guerreirona preparada para isso, correu e pegou-a no colo, igualzinho fizera
a Noctana naquele calabouço em Planina. Óbvio que a assassina não gostou nada disso,
cruzou os braços e virou a cara pro lado, incomodada.

- Me ponha no chão, cacete! - Disse Iluzia, meio ferida do choque com o bicho, mas nada
intenso demais. Intenso era seu rosto vermelho apenas. Ranik a pôs no chão, e finalmente, ela
disse o que sabia. - A lacraia (sim, é uma lacraia) não é um animal summonado comum. Ele
não foi chamado por um xamã, xamãs podem criar forças realmente físicas. Essa criatura
parece física, mas não é. Ou seja, sua criação fora feita por um mago, não por um xamã. O
que explica ela ter ligação a parede invisível no meio da trilha também. Se fosse um animal ou
criatura invocado por um xamã não conseguiria fazer esse tipo de coisa, seria simplesmente
vivo, ou seja, teria vontade própria e seria de carne e osso, enfim...

- Tá, mas então, como se mata isso? - Ranik perguntou, coçando a cabeça.

E enquanto isso, o monstro já atacava com os tiros ácidos. Noctana escapou de uns três. E um
quase pegou em sua perna ex-ferida. Ela encarou-a preocupada. Pelo visto, sua velocidade
ainda não estava 100% como pensara. Mas tudo bem, ao menos, estava escapando
corretamente. Ainda tinha agilidade maior das três, isso era óbvio.

- Como eu disse, há um núcleo. O núcleo não é só responsável por abrir a passagem na parede
invisível, como também é responsável pela própria existência do bicho. Ele é uma magia, uma
magia dupla, criada apenas pelo núcleo que deu origem ao monstro e também ao bloqueio no
nosso caminho. Logo, se o destruirmos...

- Mataremos o inimigo! - Ranik disse, animando-se. - Então, vamos atacar mais!


Mas assim que disse isso, a guerreirona só ouviu o grito de Noctana (que era a única
realmente atenta):

- RANIK, ABAIXE-SE!!!

Mas não deu tempo! O tiro do bicho atingiu as costas de Ranik, carcomendo parte de seu
cabelo e armadura.

- AAAHH!!! SAI, SAI, SAI!!! - Ela gritava, sacudindo os braços como uma louca. Mas por
sorte, a armadura de aço realmente protegera seu corpo, ainda que ficasse danificada com
isso.

“Se fosse a armadura de ferro...” pensava Iluzia, vendo o buraco nas costas da couraça de aço
de Veligrad que Ranik utilizava nesse instante “Teria aberto uma grande ferida nas costas
nuas de Ranik. Parece até que Mysic estava prevendo isso.”

- E-eu acho que não fui atingida... - Disse Ranik, mostrando as costas também para Noctana,
que correu para perto delas para ver como a guerreirona estava.

- Não, acertou só a armadura. Mas agora, suas costas estão desprotegidas. E seu cabelo... -
Noctana colocou a mão na face coberta pela máscara.

- Hehehe! Bem, tudo bem! Chegando na cidade eu ajeito o corte. Eu... Eu sempre quis ver
como eu ficaria com o cabelo curto! - E então, a guerreirona passou a mão pela trancinha,
ainda intacta. - Pelo menos não atingiu isso!

- Isso? Essa trança? de onde que ela...? - Mas antes que a assassina pudesse ter mais algum
momento de intimidade com Ranik (o que estava deixando a maguinha loira puta, só de
assistir)...

Elas todas tiveram que saltar para trás para escapar dos novos tiros de ácido do filho da mãe
do bichão gigantesco.

- Não dá tempo! Precisamos pensar em uma estratégia para atingi-lo no núcleo! Ficar batendo
randomicamente só vai nos fazer perder tempo e sermos alvos em uma hora ou outra!
Precisamos ser certeiros, e rápido! - Disse Iluzia, em meio a berros, enquanto eles escapavam
dos tiros.

Parecia que ele não se movia daquele lugar, enquanto não tentassem atacá-lo fisicamente de
perto. E de longe, ele ficava jogando aqueles tiros de ácido, até que eles acertassem uma das
três, deixando-as incapacitadas.

- Então, o que raios vamos fazer!? - Noctana disse, percebendo que claramente a maga estava
incomodada com a proximidade das duas.

- Deixa eu ver... - Iluzia energizou a mão e então, lançou umas três esferas de energia em cima
do bicho.

Uma era de fogo. Chegou a atacar sua pele. Ele sentiu um pequeno ardor, marcou uma área
escura, mas não chegou a entranhar em sua carne. A outra era de gelo, esta apenas congelou
área, mas com a movimentação do corpo do bicho, rapidamente, o gelo superficial se rachou e
caiu no chão inútil. A terceira era de raios, esta lhe deu um certo tremor, até o fez guinchar
um pouco, mas não deu dano também.

A espada de Ranik fora a única coisa que lhe ferira, e mesmo assim, muito superficialmente.
Precisavam de algo para acertar-lhe o dorso mais profundamente, senão nunca chegariam no
núcleo.

Iluzia teve uma ideia!

- Prestem atenção! Eu tenho uma ideia, mas vocês vão ter que fazer exatamente o que eu estou
mandando, senão vai dar ruim! - Iluzia disse, arrogante como sempre, mas ao menos, era
definitivamente a melhor estrategista das três.

Ranik aceitara de bom grado, fazendo “sim” com a cabeça, já Noctana...

- Pfff... Ótimo! Agora você vai querer ser líder ou coisa assim.

- Escuta aqui, sua ladinazinha de araque! - Iluzia disse, olhando para ela fula da vida.
Noctana cruzou os braços, mal encarada. Ranik já suspirava de novo. - ESSE PLANO É A
ÚNICA PORCARIA DE COISA QUE TEMOS AGORA! E É NOSSA MELHOR CHANCE!
SE VOCÊ TEM UMA IDEIA MELHOR, ENTÃO...!

- Certo. - Noctana aceitou, fazendo até mesmo Iluzia calar-se surpresa. Era a primeira vez...
Ou será que não era?

Enfim, antes que elas pudessem compreender-se melhor, o monstro atingiu o chão próximo a
elas com mais tiros de ácido, e elas escaparam mais uma vez. Iluzia tinha que explicar o plano
rápido com todos os detalhes para elas, senão, o monstro poderia atingi-las a qualquer
momento. Não tinham mais tempo, então:

- Prestem atenção: Se não chegarmos perto, ele não sai do mesmo buraco em que está! De
longe, ele vai continuar tentando nos atingir com ácido! Nada é duro o suficiente para atingir
seu dorso, nem minhas magias e nem as adagas da assassina, logo, a nossa melhor chance é a
espada de Ranik!

- Mas a minha espada fez cortes apenas superficiais...

- Mas é aí que sua magia entra! - Iluzia fez uma cara de esperta. Ranik sorriu. Noctana
lembrou-se do golpe de Ranik contra a grade do fosso que as duas ficaram presas no
calabouço, e também concordou com a cabeça. - O negócio é assim... Noctana é a mais ágil de
nós, ela vai ser a isca. Vai atrair o bichão! Ranik, você é a nossa ofensiva, é a mais forte de nós,
então, você vai abrir o caminho para que possamos ver o núcleo, e eu... Eu sou a nossa
estrategista, eu vou atacar o núcleo assim que pudermos vê-lo!

E então, as três concordaram com a cabeça em uníssono (um incrível trabalho em equipe pelo
visto) e prepararam-se enfim para derrotar a lacraia, ou talvez a cobra, gigante.

53. ENFRENTANDO AS DIFERENÇAS – Parte 3

Ranik energizou sua mão com sua mana alaranjada (quase vermelha) e a lâmina da espada
ficara vermelho-sangue. Ela ficava até meio ofegante assim que terminava, pois, essa
espadona era grande demais. Até então estava mais acostumava a fazer isso na bastardinha,
fazer aquilo na grandalhona lhe consumia bem mais mana do que estava acostumada, mas
não se importava com isso agora. O mais importante era...

Ela saiu correndo na direção do bicho, que quando percebeu-a perto, começou a saltar e criar
novos buracos. Ele ficava parado, apenas atirando ataques ácidos à distância, se as três não
tentassem um golpe mano a mano.

Mas em meio a isso, a assassina Noctana entrou na frente do bicho em seu percurso por
Ranik, desvirtuando-o para outro lado. Ele até pensou em continuar atacando a guerreira
(devido suas dúvidas de direção), mas Noctana parou isso com algumas facas de arremesso.
Elas nem mesmo arranharam seu dorso duro e resistente, mas chamaram-lhe a atenção e
emputeceram-lhe o suficiente para que ele continuasse atrás da ladina.

Noctana era a mais ágil das três. Mesmo com a perna não estando 100% era mais fácil para
ela correr do bicho do que Ranikzona enorme, com uma espada pesada e sua armadura de
aço mais pesada ainda.

Logo, ela fugia. Tentava criar um padrão em sua corrida. Fazia o bicho persegui-la, às vezes
arrastando-se na terra como uma serpente mesmo, às vezes mergulhando debaixo da terra,
mas sem parar. Ela girava o corpo levando-o para outra direção, mas sem perdê-lo de vista
atrás de si. Ela era a isca.

Rapidamente, Nocta deu um salto bem alto girando o corpo, o que era sua especialidade,
fazendo o bichão saltar em sua direção no ar.

Nesse instante, Ranik vinha logo ali correndo e então, com sua espadona, passou RASGANDO
PROFUNDAMENTE o dorso da lacraiona, cortando-a por baixo todinha e se sujando com
um sangue roxo nojento, mas agora não importava.

Quando ela fez isso, tornou totalmente possível ver...

Uma esfera grande de coloração vermelha pulsando dentro do bichão. Sim, parecia ser seu
coração, mas na verdade era... o núcleo. Era o que exatamente as meninas procuravam.

O bicho, mesmo aberto de maneira fatal, continuava correndo e perseguindo a ladina. Ele
também tentava se curar, mas dessa vez, a ferida era grande demais, deveria levar horas até
que ele conseguisse fechar aquela enorme fenda gigante seguindo por seu corpo cilíndrico
todo.

E por conta disso, ele arrastava-se no chão, sujando tudo de sangue roxo de criatura do mal. E
Noctana apenas continuava sendo caçada por ele, pé ante pé.

Em um determinado momento, Nocta saltou novamente para poder fazê-lo levantar seu corpo
mais uma vez com a fenda finalmente visível, mas quando ela fez isso, ela CAIU.

Isso se devia a sua perna ferida, era certeza.

O monstro ia mergulhar logo em cima dela, mas... Enquanto Iluzia aproveitava sua deixa, a
guerreira passava correndo na lateral, pegando a ladina pelo corpo e levantando-a,
carregando-a consigo.

A maga fora a última do ataque. Quando o corpo da cobrona levantou-se de novo fazendo
uma chuva de sangue roxo voar por toda a parte e usando tudo o que podia de si mesma (sua
auto-mana, afinal, ela era feita disso), consumindo-se, para curar tamanha ferida mortífera. A
loira adentrara por baixo de seu corpo com o seu diminuto em um salto com magia (para
poder ficar mais alto) e acertava-lhe logo na esfera vermelha pulsante com o cetro cheio de
mana azulada, sua especialidade.

Rapidamente, a lacraia gigante explodiu em vários pedacinhos coloridos de mana flutuante no


ar.

Iluzia, logo embaixo dela, suspirava.

Todo o sangue tinha sumido, seja do chão, seja da maga ou da guerreira.

- Que bom que isso sumiu, estava me sentindo nojenta já! - Disse a loira, parecendo ainda
emburrada. Mas a verdade é que enchia-se de satisfação. Elas tinham ganhado a luta.

Achou Ranik e a assassina muito em silêncio, por isso, logo se virou para ver o que acontecia.

A guerreira botava uma ladina sombria no chão, que cruzava os braços. Noctana estava
inconformada. Tinha sido perfeita a maior parte da missão, e exatamente no final, acabou por
falhar e cair no chão. Quase fora comida pelo monstro. Se não fosse Ranik correr e lhe salvar,
teria virado a janta dele antes de Iluzia poder atingi-lo no núcleo (o mesmo ficava no meio do
corpo e não no início).

Ela não estava nada satisfeita.

- Noctana, você fez o seu melhor. Sua perna... sua perna ainda não deve estar 100%, não é?
Então, você não precisa se culpar por isso. - Ranik disse, já sabendo. Os olhos verdes
demonstravam o suficiente, ela nem mesmo precisava dizer.

Iluzia nem se aproximou ainda, achou melhor as duas resolverem isso sozinhas (que diferente,
não?).

- Você não entende, Ranik.

- O que...?

Noctana deu uma olhada de raiva para Ranik, dizendo:

- Onde eu vivia, no momento que eu vivia, se eu falhasse, nem que fosse 1%, eu não teria
ninguém para me salvar. Eu morreria, da maneira mais cruel o possível, sem ninguém para
velar meu corpo ou se preocupar por mim.

- … - Ranik fez uma cara de sofrimento só de pensar nisso. Bom, era bem verdade que ela
conhecera o inferno de perto também. Mas mesmo assim, Noctana tinha suas razões, não era?

Iluzia não queria mais saber. Perderia a paciência. A verdade é que não quisera ouvir, porque
não queria se envolver. Mas ouvira. Era tarde demais, e isso lhe emburrava.

- Nossa, quanto drama, assassinazinha. - Disse a loira, aproximando-se da pequena, que logo
retesou seu corpo, furiosa mesmo. - Então você teve um passado difícil e cruel? Adivinha só!
Todo mundo teve! Mas nem por isso a gente tá choramingando! Ao invés de se sentir inútil
porque não foi 100% na porra da missão, que tal agradecer que foi 99%, e teve alguém para
salvar seu rabo nos 1% que não foi, hein!?

Era o limite.

Noctana entendia que as duas tinham desavenças amorosas relacionadas a Ranik. E até
desavenças de personalidade. Ela era mais fechada, Iluzia mais aberta, mas as duas eram
igualmente cabeças-duras. Ela sabia e entendia isso. Mas mexer com seu passado? Era
atravessar um limiar não permitido.

Noctana deu uns saltos na direção de Iluzia. Ranik rapidamente ficou confusa, não sabia se
pegava a espada e intervinha, mas... Se sim, o que faria? Apenas ficou olhando, em choque.

Iluzia, rapidamente, iluminou seu cetro e tentou jogar algumas bolas de fogo de tamanho
pequeno na ladina. Mas ela escapou hábil e facilmente de todas, até porque, a distância das
duas não era muito grande (o que era uma vantagem para ladina, afinal, a maga precisava
atacar de longe, precisamente). E logo, a ladra estava com a adaga amaldiçoada no pescoço de
Iluzia. Apenas o toque vago daquela coisa em sua pele, nem que fosse coisa de milímetros, já
fazia ela sentir-se queimada como se tivesse encostando um ferro em brasa.

Isso se devia porque Iluzia era “sagrada” e Noctana era “amaldiçoada”. Elas duas eram como
duas faces contrárias de uma mesma moeda.

Os olhos verdes encararam os azuis, fulos da vida como nunca antes, isso era visível, e a
assassina disse:

- Você não sabe nada sobre mim, então cale sua boca! - Disse Noctana. No princípio, os olhos
da maga de luz estavam assustados.

A adaga na sua pele doía mesmo sem cortá-la. E ela tinha quase certeza que pela raiva que a
assassina sentia de si, ela poderia sim, dar a louca, e matar-lhe ali mesmo, ainda que Ranik
nunca fosse perdoá-la, isso era fato também.

Ranik. Iluzia engoliu seco e preferiu apostar nisso, principalmente, porque era orgulhosa.
Odiava demonstrar fraqueza, ainda mais para sua rival à altura:

- O que eu quero dizer é... você cumpriu seu papel e não morreu. Considere isso bom o
suficiente e siga adiante. - Noctana continuava com os olhos odiosos para maga. Ela arriscava-
se, mas ainda estava meio assustada com a adaga em seu pescoço. - Se ficar para sempre presa
no passado, nunca poderá conhecer o futuro plenamente.

- … - Noctana ficou pensativa sobre isso agora, e então, recolheu sua arma e guardou-a no
cinto, saindo andando na frente.

Iluzia deu uma suspirada, e depois, passou a mão na garganta. Ficara uma leve marca, uma
linha vermelha, mas logo sumiria. Ela engoliu seco.

- Que irritante... - Disse, em voz alta, sem se preocupar. Ranik encarou-a sem saber o que
dizer ou pensar.

As duas... eram difíceis.


Elas finalmente subiram pelo caminho da trilha, que até que enfim, estava sem a parede
invisível. Pelo visto, o plano de Iluzia fez totalmente sentido. Destruir o núcleo da lacraiona
não só destruía o bicho de vez, mas também liberava o caminho para elas subirem a
montanha fatídica. Enfim, não sabiam nem mesmo o que as aguardava lá em cima.

Mas pelo visto, isso ainda não era o objetivo atual das três...

Isso porque, enquanto subiam, de repente, enxergaram uma vegetação esquisita grudada nas
rochas à direita delas. Lembrando que à esquerda, era apenas queda livre. E bom, o chão
também começava a mudar para algo que saía de rochas e terra batida, e assemelhava-se mais
a lama. Sim, o caminho estava ficando úmido e lamacento, enquanto aquela vegetação
esquisita e muito forte, mais e mais aparecia.

- Isso é esquisito para porra! - Disse Ranik, sendo esperta.

- Tá bem na cara que puseram essa merda aqui com magia, resta saber porque e... - Mas antes
que Iluzia pudesse dizer mais alguma coisa...

Ela e Noctana que estavam na frente foram agarradas por algo que assemelhavam-se a vinhas
e foram JOGADAS de lá de cima!!!

A guerreirona só pôde observar tudo em choque e sem saber o que raios fazer!

54. ENFRENTANDO AS DIFERENÇAS – Parte 4

Iluzia rapidamente voou com magia, não era difícil para si. Mesmo tendo sido pega de
surpresa.

Noctana, no entanto, tentou impulsionar seu corpo para escalar o mais rápido que conseguia,
porém... sua perna falhara mais uma vez. Por algum motivo, ela não completava os
movimentos que seu cérebro ordenava de vez em quando.

Ficara pendurada, segurando em uma rocha com as duas mãos. Bem, isso não era mais caso
de agilidade, agora tratava-se de força. E bom, força não era o forte de Noctana (ainda que
ela fosse claramente mais forte que Iluzia, por exemplo).

E então, de repente, a loira surgiu atrás de si, flutuando e disse:

- Me dê sua mão! - Esticou a mão para a assassina.

Os olhos verdes encararam aquelas pequenas mãozinhas branquelas e logo viraram-se


irritados.

- Urgh! Sua teimosa do caralho! - Disse Iluzia, como se a própria não fosse assim, e então,
cruzou os braços.

Noctana ainda tentava se segurar, Ranik apenas assistia a tudo ali em cima. Mas também
ficava atenta para ver se as vinhas não atacariam novamente. Sua espada em punho, pronta
para cortar a planta viva que fosse.

Finalmente, as mãos da ladina não mais suportaram. Ela deu uma olhada para Ranik de
súplica, e seu corpo escorregou.

Mas era claro que ela simplesmente não cairia lá embaixo e se espatifaria. A maga de luz,
rapidamente, puxou magia de força (que era o máximo que ela podia fazer) e...

Agarrou o corpo da assassina. As duas estavam ali, agora, flutuando, abraçadas. As duas se
entreolharam muito estranhadas, e logo, as duas ficaram coradas. Iluzia voou o mais rápido o
possível pro chão de lama e deixou-a ali, pousando também.

Ranik encarava as duas com uma cara engraçada, quase sorrindo.

- Se você não tirar essa cara de idiota agora, eu vou quebrar todos seus dentes, Ranik. - Disse
a loira, fula da vida.

E então, rapidamente, a vinha gigante (que agora elas viram melhor, parecia sair da
montanha de pedra onde haviam outras plantas bizarras) tentara atacar a maga loira, que
protegeu as três (que estavam próximas umas das outras) usando um escudo de mana. E
avisou as outras:

- As raízes dessa porcaria estão dentro da parede!

- Temos que arrancar? - E então, Ranik saiu correndo com sua espada, e deu um golpe,
cortando a vinha gigante.

Mas ela cresceu de novo com uma velocidade espetacular, e deu uma forte porrada na
guerreirona jogando-a para trás. Por sorte, ela não caiu da montanha também, como as duas.

- Não adianta arrancar. Tem que destruir a raiz. Bom... - Iluzia colocou a mão no queixo, e
disse. - Acho que a nossa melhor opção é usar magia de fogo e...!

Quando ia dizer mais alguma coisa, a vinha gigante veio mais uma vez, e ela mais uma vez
usou a esfera de energia.

Dessa vez, a esfera só protegeu ela e Noctana, pois, Ranik estava distante das duas (devido o
golpe que levara), e para surpresa da maga, ao invés da vinha tacá-las longe como fizera antes
ou tentar apenas golpeá-las, ela circundou o escudo da maga.

- NÃO! - Gritou Iluzia. Noctana também parecia em choque, ali, dentro daquela esfera sendo
apertada por vinhas.

Ranik correu para tentar golpear a vinha (mesmo que ela se reconstruísse, ela só queria soltar
as duas), mas não deu tempo. Nisso que levava a vinha para “dentro” do buraco na montanha
de onde saía, ela apertava-se mais e mais, o que acabou destruindo o escudo de magia da
maguinha, e apertando, finalmente, o corpo das duas naquela planta viva.

Elas duas seriam levadas para dentro do buraco (caverna?) da montanha pela plantona, mas
antes que isso ocorresse, a maga pensou o mais rápido que pôde naquela situação! Ela
estendeu a mão o quanto pôde (foi difícil tirá-la da lateral do seu corpo e seu cetro estava
preso em sua roupa logo atrás) e lançou uma magia de fogo na espada de Ranik, que ficou
flamejante.

- VENHA NOS SALVAR, SUA IDIOTAAAAAA...!!! - Gritou ela, e então, as duas sumiram no
breu da caverna, sendo carregadas por uma planta gigante mais viva do que qualquer outra.

Ranik olhou para sua espada iluminada pelas chamas achando aquilo incrível, mas ao mesmo
tempo, apoiava-se no início da caverna dentro da montanha, suspirando.

- Que situação! - Esbravejou, emburrando-se.

---

Veligrad. Taverna de Sekhs. A gostosona boazuda rebolativa carregava pelo menos duas
canecas enormes. Uma com cerveja, a outra com hidromel bem docinho (sua especialidade) e
colocava-os em cima da mesa para duas figuras já conhecidas pelas três guerreiras, mas não
pela taberneira.

De um lado, bebendo a cerveja com uma sensação ótima de refrescância, um elfo andrógino
de rabo-de-cavalo branco com duas bestas nas costas e uma pintura de guerra vermelha na
face.

Do outro lado, bebendo o hidromel sempre bem doce, uma ladinazinha que agora nem
parecia-se com uma, por portar suas roupas de camponesa simples por baixo de uma capa
humilde de cores fechadas, também de rabo-de-cavalo só que castanho e uma cara de
felicidade por estar finalmente descansando.

- Olá, meus amores, vocês são novos por aqui, não é? - Sekhs perguntou pros dois, fazendo
aquela sua voz sensual de sempre, super insinuante.

Udarak ficou realmente surpreso e um tanto sem jeito. Glaz apenas sorria abobada toda
vermelha.

- Podem voltar sempre que quiserem, hein? - Disse Sekhs, ainda rebolativa, se saiu andando,
depois de dar uma piscadela pros dois mordendo os lábios.

- Minha nossa... Se eu soubesse que essa mulher era a taberneira daqui, eu teria vindo mais
vezes! - Disse Glaz, risonha.

- Achei que seu tipo era mais calado, fechado e sério... Hahaha! - Udarak implicou, Glaz deu
língua para ele, mas acabou rindo também.

- Sim, é. Mas uma gostosa mais velha de vez em quando não faz mal também, né? Hehehe!

- Glaz, você acha que a Noctana vai ficar puta porque estamos gastando parte da grana em
bebedeira e comida?

- Bem, não devia. Temos já bastante dinheiro. Não sei exatamente do quanto ela precisa, mas
eu acho que deve ser o suficiente. De mais a mais, também precisamos de descanso, não é? -
Glaz disse, rindo e bebendo sua bebida doce, porém alcoólica.

- Pois é, não é como se, de repente, eu fosse me importar com a cara feia da Noctana para
mim. Háh. - Udarak disse, finalmente voltando ao seu modo implicante.

- Enfim, Ana te disse qual o motivo dela precisar dessa grana? Ela falou que era para algum
projeto daquela guerreira e da maga, mas eu não entendi nada. Por que isso importaria a ela
afinal? - E então, comentou baixinho com uma cara meio incomodada. - Eu sei, ela tá
apaixonada pela guerreirona, mas mesmo assim...

- Bem, eu não sei de fato. Mas a vida das três já tá emaranhada de um jeito que é difícil de
desamaranhar. Veja só você, as três saindo juntas em uma missão contra o exército negro a
mando do rei de Veligrad. Chega a ser piada, haha! - Udarak bebeu a cerveja e fez uma cara
desgostosa. - Achei que ia morrer antes de ver o dia que essas três trabalhariam juntas de fato
(ainda mais pela rivalidade)...

- Pois é. - Glaz amuou-se um pouquinho. - Eu espero que elas estejam se dando bem, afinal, o
sucesso da missão vai precisar que elas se controlem e resolvam as diferenças, creio eu.

- Vá saber! - Disse Uda, dando de ombros.

E então, de repente, os dois ouviram um violãozinho tocar e alguém cantar alguma melodia.
Rapidamente, os olhos de Glaz (antes amuados) se arregalaram numa felicidade explícita, e
logo ela se levantou. Udarak já fez uma cara incomodada como quem diz “já sei o que vai
acontecer”. Glaz correu feliz até o sujeito (bardo) tocando violão e pediu para deixá-la tocar.

O próximo som que a toda a taberna de Sekhs ouvira foi (inclusive um elfo arqueiro fazendo
“facepalm”):

“Eu vivo nas sombras, nas cavernas e no mar, meu nome é guerreira, guerreira Aroá! ♫”

---

Enquanto isso, correndo com uma velocidade incrível (a palavra certa era “sendo
arrastadas”), estavam as duas, a maga de luz loira e a assassina das sombras, apertadas com
os corpos colados um contra o outro, envoltos naquelas vinhas grossas e gigantescas que não
as soltavam nem por um segundo.

- para onde... urgh... essa coisa está nos levando!? - Noctana finalmente falou alguma coisa.
Iluzia apenas suspirou irritada. Tanta pessoa paras duas ficarem presas, foi logo uma com a
outra? O destino estava castigando-as, não era mesmo?

- Como eu disse, é provável que seja a raiz! Talvez essa porcaria esteja preenchendo o núcleo
da montanha todo, porque é enorme! - E então, Iluzia passou a única mão livre (do braço que
conseguiu soltar quando o monstro agarrou-as) na face. - Mas que merda! Eu devia ter
entendido os sinais... O lamaçal, a vegetação, essa porcaria só pode nascer em um pântano!
Por que eu não percebi?

- Cadê a pessoa que me deu lição de moral há pouco sobre eu me exigir demais? - Disse a
assassina, implicando, mas, ao mesmo tempo, incentivando a maguinha.

Era uma coisa meio dicotômica, a relação das duas.

- Porcaria, ao menos você conseguiu cumprir sua missão! Se eu tivesse percebido, nós duas
não seríamos pegas e levadas pro centro dessa porrona!

- Você não disse que a ideia era atacar diretamente na raiz, senão não adiantaria!? Então, não
é melhor que nós duas ataquemos por dentro, do que Ranik, por fora? - Noctana raciocinou, e
então, a maga apenas suspirou.

- Eu só estou prevendo o pior, Noctana. - E meio arrepiada, a ladina encarou os olhos azuis,
sem compreender. Iluzia parecia infeliz, mas era óbvio. Ela disse... - Se o ser está nos levando
para algum lugar, você pode ter certeza que, no mínimo, somos seu alimento ou coisa assim!

E então, a assassina arregalou as duas esmeraldas, assustada.

55. ENFRENTANDO AS DIFERENÇAS – Parte 5

Ranik adentrava na caverna e começava a seguir para onde ela levava. Era um túnel para
dizer a verdade. E pelo visto, bem longo e ia descendo e descendo. Suspirou. Já tinham subido
um bocado da montanha, afinal, o objetivo delas era no cume. Então, era uma bosta que
agora tivesse que descer tudo o que subira de novo. Mas aquela espada iluminada em chamas
tinha lhe impressionado. Iluzia era sempre tão genial. Ranik sorriu. Com aquilo, ela poderia
destruir fácil a raiz do monstrengo, mas… Será que chegaria a tempo? Ora essa, Iluzia e
Noctana eram, as duas, muito poderosas. Nenhum inimigo conseguiria abatê-las, certo? Bem,
o problema em si, na cabeça da guerreirona, não era o que o inimigo poderia fazer as suas
duas parceiras, e sim…

“O que as duas podem fazer uma a outra!” pensou em desespero, Ranik, que logo depois, pôs-
se a correr para chegar ao núcleo mais rápido o possível.

---

Enquanto isso, já no centro do lugar, elas finalmente chegavam com seu meio de transporte
um tanto quanto excêntrico. A vinha não as levou direto a uma bocarra gigante, que era o que
a loira maga temia. Mas largou-as em um lugar nojento, cujo o chão era coberto de gosma
verde e haviam algumas esferas esquisitas também. Lembrava Noctana um pouco daquele ovo
de monstro que ela e Ranik viram no calabouço, só que verde e não rosado. Mas lhe dava
calafrios do mesmo modo. Ela abraçou o próprio corpo. Seus ossos doíam de tanto serem
espremidos contra o corpo da maguinha. A maguinha… Noctana ficara corada mais uma vez,
mas sacudira a cabeça para logo livrar-se da sensação. Estava sozinha com Iluzia ali agora, as
duas precisavam descobrir qual era o “núcleo-mãe” daquele monstrengo, ou seja, suas raízes
(que não eram aparentes, mesmo ali, pelo visto) para finalmente se libertarem daquele ser e
poderem finalmente subir a droga da montanha.

- Que bacana. Não vejo as raízes… - Disse a loira, claramente irônica. Não achava aquilo
obviamente nada bacana. Mais tempo ali era mais tempo sozinha com a assassina sombria.

- Só tem essa gosma… - Noctana encarou suas botas ficando sujas daquele líquido verde
nojento. - E essas coisas…

E quando ela aproximou-se de um dos ovos, seus olhos verdes arregalaram-se e ela foi para
trás no susto.

- Pois é, são corpos. - Disse Iluzia não tão chocada assim, já tinha esperado por aquilo. Afinal,
ela tinha dito que as duas provavelmente seriam a nova refeição do monstro-planta, não
tinha?

- Isso que você quis dizer com “somos seu alimento”?


- Não daria para ser mais óbvio.

- O que rola com essas pessoas? - A ladina retirou a adaga sombria e fez um leve corte na
superfície do ovo.

Mas rapidamente, a maga de luz a puxou pelo braço.

- Não faça isso!

- Ahn?

- Essas pessoas perderam totalmente sua psiqué. Elas agora são 100% controladas pela coisa.
A coisa só engole suas existências, não pode sentir? - Disse a maga, apontando com a cabeça,
mas provavelmente falava agora de manas e energias.

Noctana se concentrou, e então, compreendeu:

- São apenas cascas vazias.

- Isso. - Iluzia inspirou e então, começou a revelar. - Quando eu disse que éramos seu alimento,
eu não quis dizer de maneira física. Esse monstro, tal qual a lacraia…

- Cobra.

- Erm… Tanto faz. - A loira apertou um pouco os olhos de irritação, mas continuou a dizer. -
Esse monstro tal qual o inimigo anterior é feito apenas de mana, e não de carne e osso. Mas ele
é ainda mais interessante do que o outro, e consequentemente, mais forte também. Esse
monstro não se alimenta da mana do mago que o criou, embora tenha sido necessário um
mago poderoso demais para fazer algo do tipo.

- Então como é que ele consegue a mana para existir? - Noctana seguia a linha de raciocínio
de Iluzia, não tinham tempo (por ora) para poder brigar ou se desentender. Tinham que
analisar as possibilidades para poderem se libertar dali o mais rápido o possível, antes que
elas próprias fossem “comidas” também.

- A resposta está nos ovos. - Disse a loira, abrindo os braços em meio a um cemitério de corpos
transformados em casulos verdes gosmentos.

- A mana deles foi sugada pela planta, ok. Eu entendi isso, só não entendi a conexão disso com
eles perderem sua “existência”. - A ladina das sombras disse, olhando para todos aqueles
corpos. Mulheres, homens, velhos, novos, magos, guerreiros, ladinos… tinha de tudo ali. Mas
havia uma certa conexão, todos eles pareciam ter sido bons usuários de mana.

- Háh. Você usa mana e não sabe disso? - Iluzia zombou e Noctana deu um suspiro. Tentava se
manter paciente com aquela ali, mas ela parecia ter acordado com o pé esquerdo
(provavelmente porque a assassina estava na missão com elas duas pela primeira vez, mas
mesmo assim…). - A mana do ser humano é alimentada por sua capacidade intelectual.

- …!

- Por isso é justo dizer que usuários de magia são os seres mais inteligentes de todo Allas. -
Noctana fez uma cara de “nove horas” para arrogante loira. - Ok, agora sendo ainda mais
sincera… A inteligência é apenas um dos aparatos que existe na consciência, na racionalidade.
Se formos pensar vulgarmente, nossa inteligência está no cérebro. Então, consequentemente, a
mana estará lá também, logo…

- Seus cérebros foram completamente “sugados”.

- Eu diria derretidos e usados de combustível energético, mas sim. Agora esses corpos não
fazem nada que não seja a vontade do monstro principal, que eu julgo ser uma mandrágora
gigante sugadora de mana alheia.

- E se você simplesmente tacasse fogo em tudo aqui?

- Bem, é um lugar fechado, a gente poderia simplesmente virar churrasco, o que acha? - A
maga disse, mais uma vez zombando da assassina que apenas cruzou os braços, fula da vida.

Foi então que Noctana notara uma coisa…

A gosma nos seus pés estava subindo, ainda que lentamente, quase que de maneira
imperceptível. Rapidamente, ela tentou andar para trás, mas a gosma continuava onde estava,
pois parecia já ter grudado em suas botas fazia tempo.

- I-iluzia…

- Ahn? - A maga parecia aturdida demais estudando os corpos “comidos” para notar isso,
apesar de toda sua vasta inteligência (já dizia ela).

- Essa gosma no chão está… - E ela notara que subira um pouco mais do que já estava antes,
desesperando-se mais e mais.

A ladina correu o máximo que pôde e tentou subir nas paredes ao redor, mas notara que elas
também eram de gosma, aliás, o teto também era. Era quase como… como se estivessem num
estômago gigante (explicava porque não tinha boca nenhuma) e estivessem aos poucos sendo
digeridas.

Noctana escorregou na parede, porém, quando ia cair no mar de gosma digestória, se segurou
ali como pôde com sua adaga.

Iluzia, obviamente, tinha reparado na atitude da garota sombria, e seguindo-a com os olhos,
ficara surpresa. E então, finalmente entendera o que a assassina queria dizer. Seus sapatos de
pano também já estavam cobertos de musgo até acima das suas pernas, quase na altura da
batata. Era paraticamente imperceptível no tato (sério, não dava para sentir aquela coisa
tocar, só dava para ver).

- Mas que merda…!? - E então, Iluzia notara que Noctana estava quase escorregando dali.

Rapidamente passou o cetro flamejante pelas pernas, matando aquelas coisas. Mas quase que
automaticamente, elas subiam de novo para voltar onde estavam, como se não houvesse
escolha.

Mas ah sim! Ela faria com que tivesse!


Logo começou a flutuar e novamente flamejou as pernas, matando a gosma enfim, antes que
ela pudesse subir de novo. Bem, ao menos agora não tocava mais diretamente nela.

E mais rápido ainda, ela voou na direção de Noctana, agarrando-a por trás e tirando-a dali.
Noctana olhou meio bocó para Iluzia, como quem diz “por que está me agarrando de novo!?”,
mas era meio óbvio que ela sabia porque.

E por fim, as duas ficaram flutuando em uma esfera de energia azul no ar, onde pisavam,
finalmente.

- Você, deixa eu ver suas pernas. - Disse a loira, meio sem jeito de falar assim com a sombria.
Noctana inspirou profundamente.

E exibiu as botas musgosas para a maga, que rapidamente, passou o cetro flamejante nelas,
fazendo aquelas plantas desgraçadas morrerem de vez e libertarem a assassina também.

E ali as duas estavam, no centro de uma montanha. Aparentemente, não havia mais entrada
ou saída (senão elas fugiriam por lá), ou seja, não dava nem mesmo para saber se Ranik
acharia a passagem para salvá-las mesmo. E agora também, estavam flutuando, afinal,
qualquer superfície daquele lugar tentava devorá-las a todo custo e transformá-las em mais
um daqueles ovos de gente sem cérebro.

- ARGH, QUE ÓDIO! AS COISAS SÓ TÃO DANDO ERRADO!!! - Iluzia quase arrancou os
cabelos de irritação.

- Sei que não é uma boa hora para falar isso, mas… - Noctana disse, sentada no “chão” da
bolha de mana de iluzia, com os braços cruzados nos joelhos. - Não temos como ficar aqui
para sempre, né? Digo, obrigada por nos salvar do musgo que queria nos comer e nos botar
para flutuar para que não morramos, mas… sua mana não durará para sempre, né?

- É. - Iluzia sentou-se no chão da bolha igualzinho Noctana e as duas se encararam por um


instante.

Duas supostas rivais presas em um mesmo lugar sem nenhuma perspectiva de futuro ou
vitória.

56. ENFRENTANDO AS DIFERENÇAS – Parte Final

O silêncio perdurou por longos e intensos minutos. Até que a maga, que era a mais
extrovertida, resolveu quebrar o gelo. Não era como se tivessem muita coisa para fazer afinal,
não é?

- Noc… Noctana. - Disse, meio sem jeito. A sombria encarou-a com os olhos verdes confusos e
um tanto curiosos. - Ahms… Você tem quantos anos mesmo?

- 19.

- Sério? Você é novinha. - Iluzia coçou o queixo. “Bem que Ranik tinha dito algo assim,
acho...” pensou a maga, lembrando-se.

- Quantos anos você tem? - Noctana quem perguntou agora, e viu a loira ficar vermelha e
meio irritada.

- N-não interessa! - Cruzou os braços, emburrada e virou a cara. Noctana apenas suspirou
frustrada. - Erm… D-digo… Ahm… Você sempre foi… Ahn… Uma assassina?

Iluzia estava realmente se esforçando para manter uma conversação. Coisa que nunca pensou
que faria com Noctana na vida.

Noctana sabia que poderia passar facilmente horas ali dentro da bolha sem conversar com sua
suposta rival, mas… como já foi dito antes, ela passou a respeitar Iluzia do seu jeito assim que
viu que a mesma era mais capaz do que ela pensava que fosse, logo, não via motivo para evitar
aquele tipo de aproximação da outra. E a loira realmente parecia precisar conversar para
viver ou algo do tipo.

- Sempre? - E então, ela piscou os olhos.

- Claro que não quando era criança, ora essa! Estou perguntando se você é desde nova, se isso
sempre fora sua classe desde… ora essa, você entendeu, não se faça de idiota!

- Eu sei. - Noctana apenas fechou os olhos e suspirou.

Aquilo lhe lembrava coisas ruins.

“Você sempre foi uma assassina?”

Lembrou-se rapidamente da imagem do Orfanato. Crianças caídas no chão mortas. Adultos


caídos no chão mortos. Ela ali no meio, com os olhos vermelhos e o corpo todo sujo de sangue.
O sorriso de Pakao. Engoliu seco.

- Se não quer falar, ok! Afff! - Disse Iluzia, incomodada. E então, Noctana resolveu pegar leve
afinal, a maga ficara puta porque não respondera, mas diferente de Ranik não sabia nada
sobre si afinal. Então era compreensível.

- E você sempre foi maga?

- Desde o momento que saí do útero da minha desconhecida mãe! - Disse a loira, então, a
pequena assassina piscou mais algumas vezes. Era melhor ouvinte que falante mesmo.

- Desconhecida?

- Pois é… Eu fui abandonada quando bebê em uma porta de igreja. Pfff! Parece que quanto
mais o tempo passa, mais frequente esse tipo de coisa fica! Que raiva! - Disse a loira, e então,
ficou impressionada quando a voz rouca e baixa de Noctana complementou com…

- Eu também fui. - E os olhos azuis olharam para si, impressionados. - Eu também fui
abandonada, mas foi numa porta de Orfanato.

- Bem, meio caminho andado para você, né? - Disse Iluzia, sorrindo amarelamente. - Mas você
gostava de lá? Digo, não sentia vontade de conhecer seus pais de verdade?

- Minha família eram as freiras e as crianças do orfanato. - Noctana assumiu isso pela
primeira vez para si mesma. Por um instante, achou que seus olhos verdes encheriam-se de
lágrimas, mas não… não era tão manteiga derretida assim. Engoliu as emoções secamente.

- Ah, eu consigo entender isso também. - Iluzia coçou a cabeça sem jeito. É, ela e Nocta tinham
muito mais coisas em comum do que poderia imaginar. - A guilda de magos era minha família.

“Acho que Ranik chegou a comentar algo do tipo comigo” pensou a assassina, mas nada falou.

E mais alguns segundos de silêncio e… Novamente, a maga tentou. Não se renderia tão fácil
assim.

- Então… erm… você… ARGH! Qual é sua comida favorita? - E isso foi tão randômico, que
Noctana sentiu vontade de rir, mas ela não riu, apenas deu uma leve levantada no canto de
boca. Coisa que Iluzia não vira, porque estava usando máscara. E de repente… - Você se
incomodaria de tirar essa coisa? Digo, eu já vi sua face, então…

- Uhm? - Noctana ficou meio resignada, mas acabou por puxar a máscara para baixo e o
capuz para trás, revelando sua face por completo.

Iluzia ficou meio corada. A maldita era mesmo bonita.

“Preciso pensar em algo que temos em comum… Mas o que raios temos em comum além de
sermos órfãs!? Ahm… Não consigo pensar em nada exceto por...” Iluzia ficou ainda mais
incomodada, quando ela própria resolveu perguntar algo imprevisível.

- O que gosta na Ranik? - Sim, a loira disse isso, e a sombria encarou-a meio que em choque
com a pergunta. Iluzia estava meio incomodada. Corada, olhava pro lado, dava umas
tossidinhas sem jeito.

- Quer mesmo saber isso? Isso não te incomoda?

- Claro que sim! - Disse a loira, com raiva, surpreendendo a assassina. Mas então,
surpreendeu-a ainda mais quando falou. - Mas eu ainda quero saber, quero saber o que viu
nela, afinal. Você não parece a pessoa mais aberta do mundo com outras pessoas… Acredito
que nem sequer tenha tido uma relação com alguém até agora, né?

- Está errada. - Disse Noctana, fechando os olhos com uma cara um tanto quanto… cínica?
Surpresa para Iluzia dessa vez.

- Ah é, é? Quem foi a bola da vez?

- Glaz. - Disse Noctana, e então, Iluzia arregalou os olhos.

E logo depois…

Começou a gargalhar da cara da assassina. Noctana quem ficou meio emburrada dessa vez.
Cruzou os braços.

- Que foi? - Perguntou, ainda com a cara levemente irritada, como um gato arisco.

- Eu bem que tinha percebido.

- O que?
- Que a rainha das fantasias lá gosta de você. Só não sabia que vocês tinham tido alguma coisa
de verdade. Hahaha… - Iluzia enxugou lágrimas de riso que escorriam pelas bochechas.

- Não foi bem uma “coisa de verdade”. - Noctana coçou o nariz, olhando para baixo, meio
amuada. - A gente era pequena… e a gente se descobriu juntas de variadas formas. Ahm…
Não é algo que eu goste de falar com facilidade.

- Você não fala nada com facilidade, Noctana. - Disse Iluzia, e então a assassina encarou-a com
uma cara meio implicante (mas sem raiva envolvida, quase como duas amigas se pinicando).
E o sorriso decidido da loira não sumira. - Mas você ainda não me respondeu, o que você
gosta na Ranik!?

- Ahm… - Noctana quem corou dessa vez, e olhando pro chão, foi pensando e respondendo do
jeito que dava. - Sua coragem. Sua sinceridade. Seu jeito de… encarar as coisas com leveza.
Ela parece… ela parece uma criança grande. Sempre faz o que sente vontade. Toma as
decisões sem pensar muito… Se ela está afim, ela vai fazer. Eu sou uma pessoa que racionalizo
muito mais as minhas emoções e pensamentos, então… admiro isso nela de verdade.

E quando Noctana subiu os olhos e encarou a maga de novo, ela estava com uma expressão
difícil de definir. Parecia um tanto quanto… arredia. Era como se sentisse dor ou coisa assim,
encarava Noctana agora dessa forma.

- Urgh… - Iluzia quem olhou para baixo dessa vez, mas a expressão não mudara.

- Que houve?

- Isso é ex… exatamente o que eu admiro nela também. - Disse Iluzia, agora foi ela abraçando
as pernas. - Não que eu seja a pessoa mais racional do mundo. Consigo ser bastante impulsiva
quando eu quero, mas… Eu tenho uma malícia natural paras coisas que a Ranik não tem. Eu
leio nas entrelinhas. Ela é bobona demais para fazê-lo. Assim que ela falou de você eu já sabia
no que isso ia dar…

- Ahn? - Noctana olhou para ela impressionada dessa vez.

- Que ela ia gostar de você. - E quando Iluzia disse isso, os olhos de Noctana realmente
arregalaram-se surpresos. Mas logo depois, ela se amuou de novo.

- Você diz isso, mas ela não parece ter esquecido de você. - Disse a assassina amuada. Iluzia
deu uma enorme suspirada.

- Porque nosso término foi repentino demais para ela. Mas eu não acho, sinceramente, que ela
sinta o mesmo por nós duas. Ao menos, não com a mesma intensidade. - Disse a loira,
querendo não admitir isso, mas admitindo.

A sombria continuava surpresa. E ficara ainda mais quando…

OUVIRA UMA ENORME EXPLOSÃO NA PAREDE DE PEDRA E MUSGO LOGO ALI!!!

E quando as duas foram olhar de dentro da esfera de mana, rapidamente enxergaram uma
grandalhona de armadura de aço e espadona gigante flamejante na mão.
- Mas que porra é essa!? - Ranik perguntou, chocada com a gosma ao redor e aqueles corpos
em ovos verdes.

As duas deram sorrisos doces ao mesmo tempo olhando para mesma pessoa. E logo depois, se
entreolharam de um jeito um tanto quanto… cúmplice.

57. ÀS VEZES LUTA, ÀS VEZES FUGA, ÀS VEZES LAZER

Ranik tinha acabado de chegar no estômago da mandrágora gigante e localizara a esfera


flutuante lá em cima, com Iluzia e Noctana dentro. Pelo menos elas ainda não pareciam ter
matado uma a outra (aparentemente).

E logo depois notara que as plantas musgosas no chão aproximavam-se de si, tentando subir
pelas suas pernas. Rapidamente ela queimou-as golpeando o chão com bruteza usando a
espadona.

- DÁ para VOCÊS VOAREM ATÉ AQUI!? A GENTE TEM QUE IR EMBORA LOGO
ANTES QUE ESSA MERDA NOS PEGUE!!! - Disse a grandalhona, e então, Iluzia fez sim
com a cabeça e a esfera desceu com pressa.

A esfera engoliu Ranik como se fosse uma bolha de sabão a grudar numa superfície (jogando-
a para dentro), e logo depois, as três foram voando o mais rápido o possível.

Claro que as vinhas da mandrágora não deixariam barato. Foram seguindo na maior
velocidade, pelo menos umas 3 gigantescas e grossas, atrás da bolha voadora azul de Iluzia.
Elas tentavam golpear a esfera, enquanto a loira tentava controlá-la o máximo que podia. Em
um determinado momento, a vinha atingiu a bolha, estourando-a finalmente (Iluzia estava já
ficando fraca também depois de tanto tempo tentando mantê-la) e as três caíram no chão, ao
menos, estavam de volta na trilha.

- FUJAM para CIMA!!! - Gritou Iluzia, e então, as três começaram a correr, porque suas
vidas dependiam disso.

- O certo não seria queimarmos as raízes!? - Ranik gritou para a maga de luz.

- Elas não foram encontradas! O ser é gigante demais, o tempo necessário para achar as raízes
e destruí-las é muito pequeno, ou seja, a chance dessa planta nos devorar é muito maior que
do nosso sucesso, portanto… CORRAM!!! - Iluzia disse, e então, as três continuaram sem
muita escolha.

Durante um bom tempo, a planta continuou a segui-las, até que pareceu que as vinhas
ficaram curtas demais para fazê-lo, e finalmente, elas tiveram sucesso na fuga. Ranik colocou
as mãos atrás da cabeça, estava meio perturbada com algumas coisas:

- Cara! É a primeira vez que eu fujo de uma luta, eu acho! - Ela disse, com uma cara meio
infeliz.

- Para de mentira, Ranik. Certeza que você já fez isso antes… De mais a mais, se a gente
matar o mago negro que criou a mandrágora, ela vai desaparecer junto, logo, só precisamos
cumprir o objetivo. - Disse a loira, enquanto a assassina, do lado das duas, continuava em
silêncio, absorta em seus pensamentos.
- Enfim, fico feliz que vocês duas estejam bem! Eu estava preocupada que vocês estivessem
brigando e, ahm… - E quando a guerreirona disse isso, Iluzia e Noctana olharam para ela
com cara de nove horas. A guerreira coçou a cabeça sem graça.

Mas então, Iluzia riu:

- Não íamos nos matar, se é isso que você pensa, sua idiota!

- Uhn… - Ranik continuava sem saber o que pensar sobre isso.

Muito tempo depois, subindo aquela trilha. Elas já estavam fisicamente cansadas. para ser
sincera, Iluzia era a que mais estava assim, afinal, com sua magia e seu porte físico frágil, ela
não estava acostumada a esse tipo de exercício, diferente de Ranik e Noctana, por exemplo.

- Argh! Mas que trilha maldita! Nunca acaba! Só subimos e subimos! Já tá até ficando meio
frio! - A loira disse, abraçando seu corpo dando tremidinhas.

- Hehehe, você reclama, porque fisicamente é uma lady, Iluzia. - Disse Ranik, e então, tomou
um tapa no braço da maguinha. - Ai!

- Lady o escambáu, Ranik! - E a grandalhona riu, mesmo depois do tapinha. Iluzia riu
também. Noctana ficou a observar as duas.

E então, elas notaram, o caminho realmente estava frio porque… começava a ficar branco,
branco de neve. Sim, o cume da montanha era congelado. E elas realmente podiam sentir a
diferença de temperatura nesse instante.

- Alguma chance, ufff… desse frio ser magia também? - Disse Ranik, se abraçando também.
Apesar de que, das três, ela devia ser a mais quentinha devido a armadurona.

- Nem pensar. Tamos no topo de uma montanha, isso é completamente normal, para nossa
infelicidade. - Disse Iluzia, que provavelmente era a que tinha mais frio, apesar do cachecol.
Seu robe era paraticamente um vestido, e exceto pelas roupas de baixo, estava nuazinha ali.

- Não estamos sozinhas! - Noctana foi a primeira a pressentir, puxando suas adagas
amaldiçoadas.

E quando as três repararam, pelo menos seis figuras levantaram-se na neve branca. Seis…
Ietis.

Sim, o monstro das neves. Também conhecido como Sasquatch. Um ser enorme, peludo, forte,
como um gorila branco ou coisa assim. E os seis vinham vindo na direção delas.

- Que ótimo, vamos ter que lutar nesse frio do capiroto! - Disse Iluzia, fula da vida, girando
seu cetro com magia flamejante.

- Pelo menos vai esquentar, né? Iluzia, me dá um help aqui? - Ranik pediu e a maga encheu
sua espada de fogo.
Noctana viu, mas para ela, era diferente. Pegou o veneno que trouxe e embebedou as lâminas
negras naquilo para poder se preparar também.

A luta começara. Cada guerreira pegava dois ietis para enfrentar. Assim ficava mais justo.
Ainda que eles fossem bem fortes e enfrentar só um já seria bem difícil.

---

Iluzia, com 7 anos, corria pela montanha gelada Snijeg apenas de robe azul (isso explica ela
atualmente estar aguentando o frio, mesmo sendo a mais despida, estava acostumada a
temperaturas bem baixas). Sim, já usava um robe de mago, embora não o mesmo (mesmo não
tendo crescido muito, ela cresceu alguma coisa, ora essa).

Uma garotinha loirinha, toda sorridente, com as mãos cheias de mana, criava pequenos
bonecos de neve, que começavam a andar (melhor dizendo, arrastar-se de pé) pela neve. E ela
ria e brincava com eles, como uma boa criança. Até que…

Um pé de botas escuras pisava no boneco de neve, destruindo-o como uma massa branca
esmagada sob si. Os olhos azuis ficavam todo aquosos só de ver sua criação fofinha ser
destruída assim, e quando olhara melhor para cima, para enxergar a pessoa era…

- Titio Prom? - Disse Iluzia, meio infeliz, com uma vozinha de criança.

- Já disse para me chamar só de Prom. - E então, o sujeito ia lá e pisava em mais um


bonequinho de neve “vivo”. Fazendo as lágrimas nos olhos azuis aumentarem. - Que merda é
essa, Iluzia!?

- Erm… S-são só brinquedos, eles são… - E mais uma vez, ele pisava em outro boneco,
destruindo finalmente todos.

- ISSO É PERDA DE TEMPO! - Disse o homem, furioso, estendendo o braço paras massas
esmagadas brancas no chão que se misturavam a neve normal, sumindo. - Você está usando
sua mana para coisas inúteis como brinquedos ou coisa assim! Eu não estou perdendo meu
tempo te ensinando para isso! Você deve se tornar a maga de luz mais poderosa de todo Allas!
E essas porcarias não vão te ajudar com isso, ouviu!?

- Mas eu… - E agora, fungando, a garota quase derramava várias lágrimas. Só que o sujeito
ficara só mais furioso de vê-la assim.

- Ah não, você não vai choramingar! Você acha que o mago mais poderoso de todo Allas ia…!?

E antes que ele pudesse ralhar consigo mais um pouco, surgira outra figura logo ali. Diferente
do outro que tinha cabelos e barbas grisalhos puxados pro preto. E suas vestes estavam
escuras, cinza escuro desta vez. O outro vestia-se ainda de um branco puro com detalhes azuis
claros. Seus cabelos ainda eram inexistentes na careca lustrosa e sua barba ainda era
branquíssima e gigantescamente comprida, sim, Mudar.

- Ela é apenas uma criança, Prom. - E vendo-o, Iluzia correu e abraçou-o.

- Papai, papai… E-ele destruiu meus amiguinhos de neve. - Dizia a loirinha, caguetando o tio,
chorando, agarrada no robe claro de Mudar.
- Grrr… - O sujeito que parecia mais novo resmungou, furioso. - Certo, Mudar! Mime-a o
quanto quiser! Faça-a tornar-se uma maga fraca e inútil por atender todas suas vontades,
inclusive as mais ridículas e inúteis! Faça isso e não siga os propósitos que Stari reservou para
ela! Mas olha só, quando isso acontecer, não me culpe! Tire-me dos seus fracassos, por favor!

- Prom, não estou dizendo que a garota não irá treinar, muito menos estou dizendo que ela
deixará de ser a promessa poderosa que Stari nos reservou. O que estou dizendo é, ela é
apenas uma criança. E assim como nós, ela deve ter momentos de treino e momentos de lazer.
Você não pode obrigá-la a ser 100% sempre rude, fria, séria e guerreira. Isso não irá fazer
bem a ela (e a seu psiqué), logo, isso só atrapalhará os planos ao invés de ajudar! - Disse o
careca, ainda abraçado na pequena em suas pernas, chorando.

- Sei. Veremos então se essa… essa “maga”... - Ele disse com bastante entonação irônica na
palavra, que acabou por nem soar isso que ele queria dizer de fato. - Estará pronta para
salvar todo o Allas do jeito que você quer ensiná-la.

Prom saiu dali, voltando a torre da guilda, deixando Mudar e Iluzia sozinhos. A garota
finalmente parava de chorar, fungando, e passando as mãos no rostinho e olhos, limpando a
face. O mais velho abaixava-se para poder olhá-la nos olhos.

- D-desculpe, Papai! Eu fiz você e o titio Prom brigarem! Eu não queria… - E então, ele a
abraçou.

- Tudo bem, minha querida. A verdade é que você não fez nada. - E então, saindo do abraço e
com um sorriso doce, ele disse. - A verdade é que Prom e eu temos desavenças desde sempre.

Ele suspirou, levantando-se de novo.

Enquanto isso, mais especificamente no quinto piso da torre que era seu quarto, Prom
encarava o pai e a filha da janela com uma cara desgostosa. Cerrando os dentes, quase
rangindo-os, disse para si mesmo, pensando em voz alta:

- Você vai ver, Mudar. Quando você sair do meu caminho, eu vou fazer as coisas DO MEU
JEITO!

58. ILUSÕES DE UM PASSADO DISTANTE

Ranik correu já com o espadão flamejante em punho e já atravessou o primeiro Ieti. Mas
quando viu melhor, o corpo deste se reconstruiu, mesmo com o golpe sendo de fogo (o que
deveria ser vantajoso contra uma criatura das neves). O outro já foi lhe atacando com um
arranhão que pegou logo na área despida de sua armadura (o buraco que fora feito com o tiro
de ácido da lacraia gigante).

- Mas que filho da puta! Como ele soube da minha armadura!?

Enquanto isso, Iluzia ia tacando as esferas de chama em cima dos monstros, que iam se
curando aos poucos, mas ainda sim, era mais efetivo que a espadona da guerreira. Abrindo
buracos neles como podia. E quando eles chegavam perto para atacá-la, ela usava um pouco
de mana nos pés (como um jetpack) e flutuava para um lugar mais distante. Em um certo
momento, ela escorregou (em um dos pousos pós-esquiva) e caiu sentada de bunda no chão. O
ieti aproveitou-se disso e veio correndo para atingi-la. Mas uma adaga certeira, suja de
líquido verde, parou bem no meio do pescoço dele, fazendo-o ficar paralisado.

- Aproveite para matá-lo. - Disse Noctana, olhando para Iluzia, com uma expressão um tanto
quanto amigável.

Amigavelmente de volta, a maga loira deu língua e disse:

- Não precisava ter me ajudado! Eu conseguiria sozinha! - E levantando-se, encheu o bicho


paralisado de bolas de fogo.

Além de estar auxiliando na batalha das outras, a ágil Noctana, a assassina das sombras,
lutava contra seus dois Ietis. Ela conseguia escapar fácil de seus ataques contínuos, porque era
muito ágil, mesmo em um terreno congelado como aquele. E as adagas paralisantes, com o
veneno que havia posto nelas, também ajudavam muito (finalmente, os inimigos anteriores
pareciam que inutilizariam essas potentes armas). Porém, nem tudo eram flores… Também
devido ao tempo frio, a perna recém-quebrada de Noctana doía um bocado. Mas ela tentava
distrair-se e vira e mexe, num assombro de dor repentina, mordia a máscara de pano negra
que cobria sua boca.

Ranik com mais agilidade, arrancou fora o ombro e o braço dum Ieti. E finalmente, o maldito
teve mais dificuldade para poder se curar. Ela percebeu que seus golpes deveriam ser mais
fortes. Um outro veio logo atrás pronto para lhe atacar bem no buraco da armadura (como os
malditos sabiam!? Bom, alguém deve ter ficado assistindo as três enfrentando os seres
anteriores, e agora, dava ordem para os bichos atacarem especificamente onde lhes dava
vantagem, não era?). Ela girou seu corpo rapidamente e o golpe do ser pegou na barriga
protegida de sua couraça com o brasão de Veligrad, apenas jogando-a longe com a porradona.

Eles eram ogros, iguais a ela. Parrudos e altos. Mas nenhum deles era maior que seu pai,
então… Aquilo não lhe dava nenhum medo.

- Eu vou cortar seus membros até vocês virarem cotocos!!! - Gritou ela, furiosa, e foi correndo
cumprir sua ameaça.

Iluzia já tinha terminado plenamente com um dos bichos, o qual queimou facilmente até a
morte. Tá que boa parte da vantagem se adquiriu com o golpe paralisante da assassina, mas
ela obviamente nunca admitiria isso. Mesmo tendo feito supostamente as pazes com a
assassina, ainda gostava de implicar, e de qualquer forma, era orgulhosa também. O segundo
bicho acabou por pegá-la de surpresa e jogá-la longe. Ranik simplesmente a aparou no golpe,
colocando-a fora de perigo.

- Urgh… eu preciso levar isso mais a sério! - E então, Iluzia começou a flutuar furiosa.

Aquela visão… era algo estranhamente familiar, pensou a guerreirona, olhando a maga
revoltada. Ela estava gastando um bocado de mana, mas pelo visto, queria detonar de vez com
aqueles malditos monstros das neves.

Enquanto isso, Noctana só conseguia atingi-los em pontos muito especificamente e deixá-los


paralisados. Com seus golpes não era efetivamente muito danosa como Ranik ou Iluzia, por
exemplo. Isso era um problema.
Rapidamente, enxergou o que Iluzia estava fazendo. Um frio percorreu sua espinha. Por que
achou aquilo estranhamente familiar? Não pensou muito. Tacou suas adagas venenosas nos
seus Ietis e eles paralisaram mais uma vez.

Ranik fez algo parecido, mas na verdade, imobilizou os seus alvos cortando seus braços e
pernas, deixando-os caídos no meio da neve tentando se reconstruir.

Iluzia aproveitou a deixa das duas e criou uma esfera de fogo gigante. Quase como criara na
floresta de Veligrad, só que sem utilizar matéria-prima (o que ajudava a gastar menos mana,
mas agora com o cetro, era mais fácil fazer algo do tipo com mais parcimônia). Ainda sim, foi
um exagero…

Quase como Noctana encorporada em Pakao. Pelo visto, essa situação mexeu com o orgulho
da maguinha que quis provar-se tão boa quanto aquele maldito mago negro que encarnou na
assassina sombria. Ranik notara isso. Noctana apenas continuava com aquela sensação de
dejavú.

E então, a bola de fogo percorreu todo o local matando os cinco Ietis que faltavam de uma vez
só.

- Wow! Isso foi foda! - Disse Ranik, comemorando. E então, coçou a cabeça meio confusa. -
Mas você acha que era mesmo necessário isso tudo, Iluzia?

- Ora essa… - A maga loira pousava finalmente, batendo as mãos umas nas outras como sinal
de trabalho feito. - Eu ajudo vocês duas é assim que me agradecem? Poupamos tempo e…

- Mas você não poupou muita mana, certo? Como vai poder enfrentar nosso desafio principal
gastando isso tudo? Você já gastou bastante com aquela esfera flutuante de dentro da
mandrágora, não é? - Noctana quem disse agora, e Iluzia, mesmo “amiguinha” dela, lhe deu
um olhar fulo da vida.

- Raios! Isso é bobagem, ok? Eu estou ótima, e…!

- Suas amigas têm razão, Iluzia. - E quando ouviu a voz, os olhos azuis da maga arregalaram-
se.

---

Em Siljast, a terra dos elfos, em um cemitério gigantesco, estava um grupo afamado de magos.
Todos, uns aos lados dos outros. Eram pelo menos uns 25 magos. Todos usando robes de
variadas cores. Todos com caras infelizes. Entre eles, também havia três magos especiais, um
com vestes vermelhas, outro com vestes verdes, e o terceiro de vestes azuis. Todos os três eram
cegos, mas estavam ali como os outros, prestando condolências. Em frente a todos, ao lado dos
três cegos do Oráculo, havia um sujeito mais velho cujas barbas e cabelos estavam um pouco
maiores, mas com a mesma cor (grisalho para escuro), e ele estava usando vestes cinza escuras
quase negras. Segurando em sua mão como uma verdadeira parente, estava aquela pequena
criaturinha de robe azul e cabelos loiros. Seus olhos... vermelhos de tanto chorar. Ainda
estavam aquosos e de vez em quando, ainda soltavam uma lágrima solitária de tristeza
profunda.

Na frente de todos eles, prostrado no caixão, estava…


Mudar. O mago careca de barba comprida. Seus olhos fechados. Sua pele mais pálida do que
já era normalmente. Suas vestes brancas um tanto quanto sujas de sangue. Sua expressão, no
entanto, parecia de paz e não de horror. Não morrera entristecido.

A verdade é que em um dia não muito agradável… uma criatura sombria surgira na torre de
Snijeg. A criatura tinha uma parte corpórea feita de esqueleto e uma parte incorpórea que
assemelhava-se a um manto negro e esvoaçante com capuz. Sim, ela parecia o ceifador. E pelo
visto, era seu trabalho mesmo que ia cumprir.

Tentou atacar a torre, fazendo-a tremer. Todos os magos saíram para enfrentar o inimigo e
proteger o legado da guilda.

E de todos eles, apenas Mudar bateu de frente de verdade com a figura. E sacrificou-se para
salvar todos os outros. A única coisa que puderam ouvir fora o grito da pequena loirinha:

- PAPAI, NÃOOO!!!

E era tarde demais para fazer alguma coisa. Agora ele jazia num profundo sono eterno,
enquanto sua pequena filha seria cuidada pelo tio não muito animado com isso.

- Eu… não… aguento mais… - Disse Iluzia, já parecia ter em torno de uns 15 anos de idade.
Seu corpo já formado, seu tamanho já paraticamente certo (sério, ela não cresceu muita coisa
desde os 15 até hoje).

Suas vestes tornaram-se um pouco mais escuras também, apesar de ainda manter o azul. Ela
estava suada (embora estivesse num lugar sempre frio) e tremia. Pelo visto, estava mesmo
exausta.

Em uma sala circular em meio a torre de Snijeg. Desenhos espirais coloridos se formavam no
chão e no teto. E o lugar todo emanava muita mana acumulada. Era uma sala de treino.

De pé, logo ali ao seu lado, estava o sujeito. Prom, agora com barbas e cabelos ainda maiores e
mais grisalhos. Sua expressão era como sempre, carrancuda e infeliz. Ele sempre parecia estar
bravo ou insatisfeito (e estava mesmo).

- Não é o suficiente!

- Mas… eu não tenho mais mana.

- Eu posso sentir que ainda tem sim!

- M-mas… E-eu mal consigo me manter de pé. - Iluzia disse, olhando-o com uma cara de
súplica. De fato, suas pernas estavam bambas, ela quase caía no chão.

- Caia no chão sem tentar mais uma vez e considere-se uma derrotada. E digo mais, eu
próprio desistirei de você se o fizer! Você pode voltar para bosta da igreja onde sua mãe lhe
jogou fora, e nós da guilda, voltaremos a nossa vida normalmente sem ter uma criança
intrometida nos atrapalhando! - Disse o homem, como sempre, ardoroso.

Iluzia fez uma cara de raiva (ela realmente ficava emputecida com aquele sujeito), mas então,
estendeu as mãos novamente e iluminou-as com mana. Ia tentar mais uma vez… e ia
conseguir!

Apesar de cair no chão, logo depois, totalmente estafada.

---

- Suas amigas têm razão, Iluzia. - A voz grave e irritada ecoou pelo ar, fazendo os olhos de
Iluzia encherem-se de surpresa e água.

Ranik e Noctana olharam confusas para maga, e logo depois, assim como a mesma,
encararam a figura em sombras aparecendo em meio a tempestade de neve forte (que fazia
tudo ao redor ser difícil de ser visibilizado).

O sujeito estava lá, sem tirar nem pôr. A barba e o cabelo ainda grisalho, mas mais branco que
nunca fora. Seus olhos negros, sua cara dura e grossa. Seu robe totalmente negro com o
símbolo do exército negro nele. Seus braços abertos. Sua voz já conhecida.

- Quanto tempo eu te aguardei, pequena criança!

- TITIO PROM! - Iluzia gritou, com lágrimas já descendo de seu rosto.

Ela não podia acreditar, o mago negro era seu professor e também seu tio. Ranik e Noctana
arregalaram os olhos incrédulas com aquilo.

59. AMOR E CULPA NA MESMA MEDIDA

- Tio? - Ranik perguntou, incrédula.

- Ele é da sua guilda dos magos, Iluzia? - Agora foi a vez de Noctana questionar.

- É... - A loira fez “sim” com a cabeça também, mas então, seus olhos pousaram no símbolo no
robe negro de Prom. Sim, a caveira com patas de aranha e chifres. Era o símbolo do exército
negro. Ela fez uma expressão de pura dor. - Eu não acredito que você se juntou ao exército
negro, Titio Prom.

- Já falei para não me chamar assim! É apenas Prom! - Ele disse com a voz carrancuda de
sempre, mas parecia levemente infeliz. - Você cresceu… Mas eu esperava que estivesse mais
forte. Precisou de suas amigas para poder derrotar os desafios. E nem sequer conseguiram
fazer cócegas na minha mandrágora. Estou bastante decepcionado com você, Iluzia.

Iluzia estava realmente balançada. Ranik e Noctana nunca a viram daquela forma tão
emocional, como se estivesse mentalmente ferida. A maga loira que conheciam era turrona,
cabeça dura, orgulhosa, arrogante… enfim, nada daquilo. Aquela ali parecia uma criança
perdida, e não uma mulher segura de si. O que havia acontecido? Realmente, sua família lhe
afetava e muito.

- Você está decepcionado comigo!? O que acha que sinto vendo você usar esse robe maldito!?
Vendo você não sendo mais sagrado!?

- Sagrado! Hah! - E então, Prom apontou o dedo magro e envelhecido (bem mais do que era)
para Noctana. - Como se pudesse dizer algo com amigos assim! Ou você acha que ela é
sagrada como você!?

- Eu sei que Noctana é amaldiçoada, mas você… você era um mago da guilda da luz! Não
acredito que se rendeu pro inimigo assim! Logo depois de… depois de tudo que papai fez por
nós… - Algumas lágrimas desceram nos olhos da maguinha.

Ranik sentiu vontade de abraçá-la, mas não conseguiu fazer nada. Noctana apenas olhava a
tudo, emudecida de surpresa.

- Mudar!? MUDAR ERA UM INGÊNUO! UM SONHADOR! E você viu o que isso reservou
para ele, não é mesmo!? - E quando Prom disse isso, Iluzia pareceu ter despertado um ódio
sem igual.

- NÃO FALE ASSIM DO MEU PAI!!! - E ela explodiu em energia azulada para todo canto,
chegou a empurrar um pouco (com o vento) Ranik e Noctana para trás. As duas
impressionaram-se. Ela ainda tinha um bocado de mana.

Iluzia ficava realmente cada vez mais forte a cada batalha.

- Não sei porque se vê no direito de falar algo de mim. Você traiu sua guilda, foi expulsa dela,
só porque queria fornicar com… - E Prom encarou Ranik, e com um sorriso malvado, ele
disse. - Espero que esteja satisfeita, guerreirinha!

- …! - Ranik cerrou os dentes nervosa. Não estava brava, sentia-se claramente culpada.

- CALE A BOCA!!! - E dessa vez, Iluzia, com o cetro cheio de mana, voou para cima de Prom.

Mas ele explodiu em energia negra e jogou-a longe em uma tacada só. Era mesmo muito
poderoso. Como poderiam derrotar um inimigo como aquele!?

---

Iluzia voltava de uma das peregrinações que fazia por todo Allas. De vez em quando, ela era
enviada para missões a mando dos magos da guilda da luz para poder libertar o mundo das
energias obscuras. Era considerada uma maga avançada finalmente, e por isso, tinha
permissão para tal coisa. para ela era melhor que ficar trancafiada naquela torre com os
outros velhos, estudando magia antiga. Isso era muito chato. Talvez ser tão diferente deles
tinha lá suas vantagens, mas… ainda sim, tinha que obedecer as ordens supremas do conselho
mágico.

“Não se relacionar sexualmente com nenhuma pessoa.”

Iluzia estava limpando os ferimentos de Ranik. Eram muitos. A guerreira tinha várias marcas
pelo corpo, eram terríveis. Ela passava um pano branco que ficava todo encharcado de vermelho
vivo. E depois, torcia-o em um balde com água (que também já estava ficando colorida).

A cada passada, Ranik fazia caretas de dor. Seu dorso completamente nu e exposto. Apenas os
músculos podiam ser vistos e sentidos. A cada passada, Iluzia derretia-se também. Nunca tinha
tido tanta aproximação física com alguém que não fosse um familiar seu. E mesmo assim, nada
nesse nível (claro). Então… era uma experiência diferente.

Sentia-se… quente.

“Não se relacionar sentimentalmente (amor) com nenhuma pessoa.”

Os olhos azuis encararam os amarelos, e de repente, uma gotícula de suor escorreu da testa de
Iluzia. Ranik a limpou-a com o dedo rude e grande. O corpo da pequena se arrepiou todo.

- Erm… Então, acho que o resto você pode fazer sozinha, né? - Iluzia ficou de pé.

As duas estavam em uma pequena casa em um vilarejo semi-abandonado pela guerra. Ninguém
ali exceto elas.

Iluzia foi andando, quase como se estivesse fugindo para longe, mas o vozeirão grave e
interessante por demais (principalmente para loira) acabou lhe chamando mais uma vez:

- Iluzia.

- Ahm…? - E ela encarou a guerreira. A primeira vez que se viram, ela demonstrou força,
enquanto a outra, demonstrou fragilidade. Mas agora parecia o contrário.

Ranik encontrara uma rocha forte em si para se apoiar. E por isso, estava finalmente
considerando levantar-se com as próprias pernas e tomar as rédeas de sua vida. Isso deixava a
maga um tanto quanto balançada. Ela não era mais a rocha forte que suportava Ranik. Agora
ela quem estava balançada, mas era de outro jeito…

Apesar de querer engolir isso a todo custo.

- Fica comigo essa noite. - Disse a grandalhona, fazendo Iluzia desabar por completo por dentro.

“Não se relacionar de forma alguma com alguém que tenha envolvimento sombrio”

- E-eu não sei. Eu tenho que voltar para guilda, ok? Eles estão me esperando, e…

- Você já ficou uns dias fora, pode ficar mais. Pelo menos um, não? - Os olhos amarelos
continuavam lhe olhando. O dorso nu exposto com os músculos e as feridas. Aquela voz.

A boca de Iluzia tremeu. Ela sabia que ia dar ruim se ela ficasse lá com Ranik aquela noite.

- Acho que… acho que sim. - Mas ela não conseguia evitar.

Ranik abrira um sorriso que ela não vira nem uma vez sequer desde que resolveu ajudá-la em
meio aquela guerra sombria. O sorriso de Ranik só fez derreter-se mais ainda o coração da maga
de luz.

“Se dedicar a magia e exclusivamente a ela. Dando todo o valor e atenção devidos a guilda dos
magos de luz. A magia sagrada. E a limpeza e purificação do Allas de forças sombrias e
obscuras. E nada além disso.”

E naquela noite, deitadas no chão sobre um pano embolado de trapos marrom, as duas
aproximaram seus corpos em um abraço. Ranik colocava a cabeça da menor em seu peito
musculoso e apertava-a contra si com uma paixão que não cabia apenas naquele momento.
Iluzia derretia-se em seus braços enormes, sentindo-se protegida e aquecida.

E então, olhando para cima, os olhos novamente se encontraram, ela ainda não estava
dormindo. Iluzia engoliu seco. E por fim… viu a face de Ranik aproximando-se da sua, e logo…

Seus lábios se tocaram no que fora o primeiro (de muitos) beijos das duas.

A partir daquele instante, Iluzia soube que elas nunca mais poderiam ser apenas amigas (ou
conhecidas). E sim, ela estava quebrando todas as regras mágicas que um dia jurara cumprir.

Então…

- Iluzia. - Era a voz carrancuda e grave que ouvira. Vinha do sujeito de robe quase negro,
parado, de pé, na frente da torre de Snijeg, assim que a maguinha chegara de uma de suas
missões.

- T-ti… - E antes de poder chamá-lo assim, ele já revirou a cara com raiva. - Prom! O que
houve?

- O que houve…? - E então, ele deu alguns passos e lançou uma bolsa enorme de pano no chão
de neve com bruteza, dizendo ríspido. - VOCÊ ESTÁ EXPULSA DA GUILDA DOS MAGOS
DE LUZ!

- …! - Os olhos azuis arregalaram-se.

---

- Urgh… - Iluzia grunhiu de dor, levantando-se de novo.

Ranik e Noctana não sabiam se atacavam. Bem, ele parecia ter apenas se defendido do ataque
de Iluzia até então, apesar de ter machucado (ainda que superficialmente) a maguinha.

- Você realmente acha que é páreo para mim!? Você nunca foi, Iluzia! Você sempre foi uma
desgraça! Seja para mim, seja para Mudar, seja para Stari, seja para toda a guilda! Você nos
traiu, você nos trocou pelo exército negro também! Você nunca foi a maga prometida de todo
Allas! Você não pode falar nada de mim!!! - E então, finalmente, ele parecia ter entrado em
modo de combate.
Começou a flutuar e muita energia sombria emanava dele, deixando o ar completamente
pesado. Aquele clima congelado que mais lembrava o clima de Snijeg (talvez por isso ele tenha
escolhido aquele cenário para reencontrar-se com a sobrinha e tutelada) não ajudava nada
também.

Ranik finalmente empunhou a espadona gigante mais uma vez. Agora sem mais flamas em
sua lâmina. Noctana também se preparou com as adagas sombrias embebidas no veneno.
Sabia que o inimigo era poderoso, mas…

- Não. - Disse Iluzia, levantando-se e pronta para mais outra. - Eu quem vou resolver esse
assunto, fiquem fora disso!

Ranik e Noctana se encararam chocadas, e logo depois, olharam para uma Iluzia. Ódio
reluzia de seus olhos, enquanto lágrimas escorriam pelo seu rosto. Ela virou-se com ódio para
Prom e disse:

- Você… Você nunca me amou, tio. Eu sempre busquei em você, carinho e atenção. Mas você
só me dava esporros, me xingava e brigava comigo. Você só sabia pegar pesado nos treinos e
não se importava quando eu ficava semanas de cama desacordada ou morrendo de dor pelo
corpo todo. Você nunca, nunca se importou comigo de verdade. Só fez esse maldito
treinamento, porque era uma promessa para Stari. A verdade é que você queria se mostrar
útil para guilda e para ele, e não para mim. Você nunca acreditou em mim apesar de todo esse
tempo em que me usou de alavanca para alguma coisa sua. Mudar sim… Mudar, meu pai, foi
o único que me amou de verdade, mas… quando ele faleceu eu fiquei sozinha. Eu fiquei
sozinha com seus treinos, seus xingamentos, seus golpes de mana furiosos para cima de mim,
mesmo quando eu era tão pequena. Eu entendo agora… O que eu vi em Ranik. Foi todo o
amor que um dia eu perdi, todo o carinho, atenção e proteção que um dia eu acabei não tendo
mais porque Mudar, meu pai, morrera. Então, eu sinceramente, Prom, eu sinceramente acho
que eu tenho direito de falar de você sim. Sabe por que? Porque diferente de você, eu sei
amar! E sabe o que é o amor, Prom!? O amor é que é a verdadeira magia de luz! - E então, seu
corpo explodiu em mana mais uma vez, dessa vez, mais forte e iluminado que nunca.

Ranik e Noctana estavam completamente estupefatas. Prom abria um sorrisinho em meio ao


caos…

60. ENTRE SONHOS E PESADELOS – Parte 1

O primeiro golpe foi também uma esfera em chamas. Iluzia juntou uma quantidade absurda
de mana inflamada com a mão e o cetro, e lançou o golpe sem misericórdia no mago, agora
negro, Prom.

Prom não se deu por arrogado, simplesmente esticou os braços e criou um escudo de mana
poderosíssimo, defendendo o golpe e lançando a esfera pro ar, que voou para bem longe de
todos ali.

Ranik e Noctana apenas assistiam sem saber o que fazer. A maga de luz, parceira das duas,
tinha dito a elas que a luta era dela e apenas dela, e para que elas não interrompessem. Logo,
elas estavam sem utilidade ali, aparentemente. Mas preocupavam-se com Iluzia.

“Está certo que ela ainda tem muita mana, pelo visto. E está bem mais forte do que nunca
fora antes. Ainda sim… é difícil saber se ela é o suficiente para derrotar esse cara. Ele parece
muito mais sábio e mais poderoso que ela” a guerreirona pensou receosa, e então, mordeu a
ponta da unha num momento de pânico. Torcia encarecidamente para loirinha não acabar
nesse combate muito ferida ou pior… morta.

Prom dessa vez que encheu as mãos de energia maligna sombria e então, criou uma esfera de
energia obscura. O que aquilo fazia? Não dava para saber. Mas provavelmente seria algo
muito mais intenso que apenas uma esfera de chamas como a que Iluzia mandara.

A maga logo preparou o escudo de mana, mas… quando o ser das sombras lançou a esfera
obscura contra a loirinha, esta percebeu que nem toda a energia adentrara em seu escudo,
mas parte dela sim. Foi como se, a esfera grande e física ultrapassasse o escudo, enquanto
uma espécie de esfera fantasma conseguisse absorver sua mana azul e adentrar nela como se
fizesse parte da mesma. Ou seja, e energia não fora repelida como esperava que o escudo
fizesse, foi semi-absorvida.

- O quê!? - Iluzia gritou, em choque.

- …! - Ranik e Noctana deram um passo a frente, mas nada puderam fazer. Nenhuma das
duas sabia qual era o objetivo daquilo e muito menos suas consequências.

Prom abriu outro sorriso satisfeito. Seu plano dera certo.

---

Iluzia abriu os olhos e estava… Estava em seu quarto na torre de Snijeg. Ela piscou os olhos
azuis mais algumas vezes e depois esfregou-os com as costas das mãos. Uma fresta de luz
entrava pela janela iluminando o quarto de azul (cor da cortina e também de seu robe),
fazendo pequenos mosaicos coloridos nos azulejos do chão. Tudo ali era tão colorido, tão
iluminado, tão calmo. Iluzia sentara-se em sua cama.

- Onde estão…? - Tinha um pensamento meio vago sobre algo que estava acontecendo, mas…
nesse momento, não conseguia lembrar-se exatamente do quê.

Eram pessoas.

E tinha neve também. Ora essa, tinha neve ali em Snijeg. Não dentro, claro, fora. Tinha
bastante, bastante neve na montanha gelada.

Mas também tinha essa energia sombria… Sombria? Não havia nada de sombrio ao redor.

Daí ela lembrou-se também de estar voando.

Talvez fosse a sensação gostosa e macia que sentira quando seu corpo de banho recém-tomado
encostava no travesseiro e nos lençóis de sua cama azul-bebê. Ora essa, era como se flutuasse,
não é mesmo?

E as pessoas…?

Havia essa… essa ladra. Ou era algo do tipo. Ela tinha cabelos negros e pele escura e olhos…
olhos tão brilhantes como duas esmeraldas puras.
Iluzia sacudiu a cabeça resignada. Não, só podia ser coisa de sua cabeça. Alguém tão bonita,
porém tão sombria. Não era possível.

E então, lembrou-se também da…

Uma enorme guerreira musculosa. Armadura de aço. Espada gigante. Arco composto.
Cabelos, agora, curtos de coloração vermelho-sangue. Seus olhos… duas esferas douradas
iluminadas que encaravam-na com amor.

Amor…?

Uma trancinha balançando ao vento.

Dois lábios se tocando.

E…

GUERRA!

---

Iluzia voltara no seu estado atual, muito furiosa. Percebera que Prom estava quase descendo
pela trilha indo embora, enquanto Ranik e Noctana tentavam despertá-la do transe.

Não, ela não ia deixar barato!

Rapidamente, seu corpo flutuou, ignorando os braços ávidos da guerreira ou da assassina. E


logo, ela criara uma esfera congelada. Bom, estavam num lugar frio, então funcionaria bem.
Se ao menos conseguisse atacar o corpo de Prom pelas costas (sem que ele notasse o golpe),
poderia congelá-lo por alguns instantes como fizera consigo.

E então, poderia finalmente…

Finalmente… matá-lo?

Ela lançou o golpe sem pensar direito. Prom virou-se, e então, em uma última instância,
protegeu-se. Não foi totalmente feliz nisso, no entanto. Sua perna esquerda ficara congelada,
mas o resto do corpo escapara da esfera tão grande quanto a de flamas, jogando-a longe como
fizera com a outra, no espaço.

Ele rapidamente começou a flutuar para poder resolver o problema de locomoção. E então,
com um sorriso satisfeito (porém ainda maldoso), respondera o chamado violento da maga
loira:

- Estou impressionado, Iluzia. Minha magia sombria era a magia fantasma, a ilusão
paradisíaca. E você? Você conseguiu escapar dela. - Disse o sujeito flutuante, tal qual a
maguinha.

- …! - Iluzia cerrou os dentes furiosa. - Seu… Seu maldito! Sua ideia era me deixar presa para
sempre naquele mundo lindo onde nada de ruim acontecera, não é?

- Sim, você ainda estaria com sua família no Snijeg. Seu amado pai ainda estaria vivo. Você
ainda não estaria expulsa, logo… tudo seria maravilhoso e perfeito como era antes. Daí você
poderia viver lá para sempre, fugindo dessa sua realidade mesquinha e hostil atual. - Disse
Prom, explicando seu golpe anterior, mas então, Iluzia com um risinho irônico surpreendeu-o
dessa vez.

- Seu idiota. Qual parte você ainda não entendeu!? O que torna minha vida completa é o
amor! E amor é tudo o que você não me deu naquele sonho, logo, nunca poderia ser perfeito!

- Mas você disse que…! - Prom ia dizer, mas fora interrompido.

- Que eu busquei pelo amor de Ranik assim que Mudar morrera, não é? Pois é. Mas agora, o
amor de Ranik é insubstituível para mim. Logo, não teria como você se livrar dele e achar que
a chama dele não me despertaria por sua falta ser sentida por mim! - Disse a loira, explicando
basicamente como fugira da ilusão tão facilmente.

- Urgh…! Então, é assim que quer brincar?! Então, vamos brincar! - Prom juntou outra
energia maligna.

Será que tentaria lhe jogar no calabouço dos sonhos de novo!? Iluzia preparou-se dessa vez
para poder esquivar com super agilidade o golpe, já que na vez anterior não conseguiu apará-
lo com seu escudo de mana. E então, quando ele jogou a esfera sombria novamente, ela
escapuliu. Só que não notara que a pontinha de seu pé tinha sido atingida em meio a
esquivada.

- Pronto…! Acho que estou pronta para mais uma! - E quando a garota ia criar uma esfera
elementar nova para poder aplacar o mago, sua visão ficou turva…

---

Iluzia abrira os olhos e, dessa vez, estava em sua casa árvore. Nossa, como Prom era idiota!
Ele achava mesmo que iria convencê-la de que…? De repente, ela ouvira uns sons estranhos.
Eles pareciam vir de seu banheiro na casa. A loira estranhara. E então, fora caminhando
vagarosamente e…

Abriu a porta.

E assim que o fez, ficara bestificada.

Era Ranik e… Noctana. E as duas estavam…

Bem, as duas estavam sem vestimenta alguma. Beijavam-se apaixonadamente. E tocavam-se


também, uma na outra. Mas não só isso…

As duas pareciam não ver que Iluzia estava ali encarando-as. Ora essa, era SUA casa-árvore!
Como elas tinham coragem de…!?

Por um instante, a mente anuviada esquecera-se de novo de que aquilo era apenas um
pesadelo de Prom. E então, com fúria, a maga armou-se com mana azul e foi explodir as duas
com um golpe certeiro.

Mas sua magia simplesmente não saíra.


Foi como se… como se estivesse de novo, 100% sem mana. Ela olhou chocada paras suas
mãos.

E quanto mais demorava, mais ela via a situação entre a guerreirona e a assassina ficar
mais… quente e intensa.

- URGH, MALDITAS! PAREM!!! - E então, sem conseguir resolver isso magicamente como
sempre fazia, a maga loira pegou a primeira coisa que vira pela frente…

Uma vassoura de palha bem amarrada, e foi correndo para cima das duas, mas…

Uma parede invisível de mana impediu-a de atacá-las.

Sim, tal qual a parede que impediu as três de subirem na trilha da montanha.

Iluzia arregalou os olhos horrorizada! O que faria!? Não conseguia parar as duas com magia!
E também não conseguia parar as duas fisicamente!?

O terror era tudo o que preenchia seus órgãos enquanto tinha que enxergar aquela visão
terrível em sua frente…

61. ENTRE SONHOS E PESADELOS – Parte 2

Iluzia caíra de novo em outra ilusão de Prom, só que dessa vez, as coisas não pareciam
bonitas.

Do lado de fora do pesadelo, Noctana e Ranik continuavam sem saber o que fazer. A maga de
luz conhecia o inimigo, ele era seu tio. E ela havia pedido para elas não interferirem, mas…
Estavam preocupadas com a parceira.

Mas de mais a mais, notaram uma coisa…

Prom jogava essas ilusões em Iluzia prendendo-a no mundo dos sonhos e pesadelos, e logo
depois, fazia que ia embora. Ou seja, ele realmente não parecia estar disposto a matar a loira,
ao menos, não aparentemente.

Não que a ideia de vê-la para sempre presa num coma imaginário por conta do golpe do mago
negro não fosse igualmente horrível a vê-la morta. Bom, era. Mas ainda sim, esse tipo de
atitude vinda do mago negro apenas deixava as duas, a guerreirona e a assassina, mais
inseguras sobre que atitude tomar para com Prom.

- EI, VOCÊ! TRAGA-A DE VOLTA AGORA! - Gritou Ranik, enquanto Prom tentava
descongelar sua própria perna para poder ir embora. Iluzia tinha lançado um golpe
congelado contra ele antes que fizera isso.

- Cale a boca, guerreira imbecil. Você nunca irá entender… - Disse ele, incomodado, porém,
nem um pouco alterado. Ao menos não mais do que ele já era normalmente.

Noctana correra para Iluzia. Esta continuava caída no chão. Sua expressão era de dor, raiva,
incômodo, tristeza… tudo junto. Ela só sacudia sem parar suas pálpebras fechadas como se
tivesse realmente presa num sonho ou… pesadelo. A assassina se questionava se havia algum
método possível de acordá-la do transe ou coisa do tipo.

Ranik desembainhou sua espada e apontou-a pro mago:

- Eu sei o que Iluzia pediu, ela pediu para gente ficar longe da luta de vocês! Mas você próprio
age como se a luta tivesse acabado já, então, não há problemas de me enfrentar agora! - Disse
Ranik, ainda em fúria.

- Guerreira, encare sua amiga… - E quando Prom disse isso, Ranik encarou Iluzia no colo de
Noctana, ainda desacordada. - Eu não a matei. Nem mesmo a feri fisicamente, percebe? Ela
estar ainda presa na minha ilusão demoníaca, diferente do que aconteceu na paradisíaca, só
mostra que ela tem assuntos inacabados ou traumas. E com relação a isso, somente e
unicamente ela pode resolver. Ou seja, eu não a derrotei. Ela se derrotou sozinha. Logo, não
há mais nada que eu precise fazer aqui…

Finalmente descongelou a perna, levantou-se e estava pronto para descer a trilha mais uma
vez, mas Ranik correu e parou na frente do velho com a espada erguida apontando para ele.

- Há sim! Eu vou te derrotar, e assim, ela se libertará do pesadelo!

- Você é burra ou é surda!? - E quando ele disse isso, a grandalhona ficou confusa. Ele parecia
finalmente fulo. - Isso era um teste para saber se ela era capaz! E bom… Ela falhou! Não há
nada, repito, nada que você ou eu possamos fazer para reverter isso! Se quiser matar um
velho como eu, vá e faça. Nada que a vida já não esteja fazendo afinal.

- …! - Ranik cerrou os dentes, mas sua expressão era de desespero.

---

Enquanto isso, no pesadelo, Iluzia apenas tinha desistido de tentar parar ou atacar as duas em
seu momento de parazer mais que inoportuno (para dizer a verdade, intrusivo) para a
maguinha.

E então, recuando, ela fechou a porta do banheiro, batendo-a, impedindo a si própria de ver
aquilo. Sim, era o que ela faria. Fugiria e…

Mas de repente, foi como se a porta do banheiro simplesmente ficasse invisível. Sim, ela ficou
translúcida, mostrando através. Ou seja, mesmo com a porta fechada, Iluzia continuava
vendo.

E então, a maga virou-se de costas para aquela parede/porta do banheiro. E novamente, em


sua cama, foi como se visse a situação ainda acontecendo.

Em desespero, ela fechou os olhos, com fúria. Eles já lacrimejavam de horror. E mesmo com
os olhos fechados, ela continuava vendo em sua frente, bem perto de si.

Ela tapou os olhos com as mãos como pôde… Mas mesmo através de suas mãos, ela
continuava vendo.

Sim…

Era isso…
Não poderia fugir.

Não poderia impedir.

Estava mesmo num maldito…

Pesadelo.

---

Prom passou por Ranik, ignorando sua espada estendida. A guerreira também não conseguiu
fazer nada depois de “Se quiser matar um velho como eu, vá e faça. Nada que a vida já não
esteja fazendo afinal”.

Porém, para surpresa dos dois, até mesmo a guerreirona teve de dar um salto e uma rolada no
chão para escapar…

Da enorme esfera de energia trovejante que passava por ali, indo de encontro com o velho.

Ele virou o mais rápido que seus ossos idosos podiam suportar e encheu seu corpo de mana
num escudo, lançando a esfera mais uma vez pro espaço. Mas essa fora a que mais lhe
acertara.

Ele estava tremendo com o choque e suas articulações doíam.

Iluzia estava flutuando com fúria, exalando mana iluminada para todo o lado possível.

Noctana continuava parada ali no chão, encarando a maga que tinha acabado de despertar do
transe com um ódio mortífero, sem compreender porquê.

- Você é mesmo um filho de uma puta, Prom! Não acredito que teve coragem de me fazer ver
isso!!! - Disse Iluzia, furiosa. Explodindo ainda em mana.

Prom apenas riu, mas não voltara a levitar, apenas continuaria a conversa dali mesmo.

- para dizer a verdade, você mesma que criou seu pesadelo. Eu só dei a faca e o queijo, e
então, ele próprio se fez através dos seus maiores medos e repulsas. - Disse o mago sombrio,
ex-mago de luz, ex-tio de Iluzia. Parecia, no entanto, satisfeito com aquilo tudo.

Seria com o sofrimento da loirinha ou…?

Ranik e Noctana olhavam a tudo ainda aturdidas e impotentes. Mas naquele instante, em
uníssono, elas desejaram poder ver o que se passara na mente da maga loira em seu pesadelo
único, criado por si mesma. Elas mal sabiam…

- É, acho que você tem razão. - E então, Iluzia parou de flutuar também, voltando ao chão, tal
qual o tio. Prom ficou surpreso com a resposta da loira. - Eu entrei em uma espiral terrível de
negação e ódio. Ciúmes e inveja. Foi inevitável e horroroso mesmo. Traumatizante. Mas te
dizer… Depois que se aceita a dor em uma situação imutável, em que a única coisa que se tem
é impotência e resignação, aprende-se a sofrer, e tenta-se racionalizar isso o máximo que se
pode.
- Racionalizar…? - Prom disse, e então, Iluzia continuou a explicar-lhe como fugira de seu
próprio pesadelo.

- Comecei a notar as nuances daquele pesadelo, os pequenos detalhes que me mostravam


claramente que aquilo não era real, apenas uma invenção assustadora da minha mente. E
pronto, isso foi o bastante para não ser convencida. - E então, Iluzia fora lembrando-se de
como derrotou o inimigo mental, que poderia ser ainda mais forte que um inimigo físico que
lhe golpeasse com fúria e insistência.

“Isso não é real, não é real.


Elas não estão realmente se tocando ou se beijando.
Nada disso é real, não tem como.
Vamos raciocinar…

Por que elas estariam em minha casa-árvore? para me afrontar?


Não, simplesmente porque é um lugar familiar a mim. Óbvio que essa ilusão aconteceria em
um lugar que eu conheço, e não, em um lugar desconhecido para minha mente.
Tal qual o sonho inicial fora em meu quarto em Snijeg tão conhecido, esse pesadelo é em
minha casa atual.
Em segundo lugar, aquela movimentação… aquele jeito de se beijar, de se abraçar, de se tocar,
de fazer… urgh… amor…
Esse jeito me é muito familiar.
E não estou falando disso porque é a Ranik quem está ali.
Estou falando disso porque é como a Ranik fizera comigo. É como eu vira a Ranik fazer
comigo e eu retribuí-la de volta em seguida.
Ou seja, as duas transam exatamente como Ranik e eu transávamos.
Não teria como a minha mente interpelar esse acontecimento de outra forma que não a forma
a qual eu mesma conheço e reconheço.
Ou seja, Ranik e Noctana nunca transariam assim. Raios, elas nem mesmo devem se beijar
dessa forma.
Essa é a forma que eu e Ranik nos beijamos. Porque é a única forma que eu conheço.

Logo...”

- Ou seja, eu só precisei perceber que era tudo uma invenção da minha mente para me
perturbar para simplesmente poder sair daquele pesadelo, tal qual uma pessoa que acorda de
um sonho terrível convence-se de que tudo não passara de uma ilusão. Foi assim, só que eu
ainda estava dentro dela. - Disse Iluzia, respirando fundo, tentando recobrar sua
racionalidade o máximo que pudesse. Era difícil, era um teste psicológico terrível.

- Háh… - Prom então começou a bater palmas. Noctana e Ranik continuaram


completamente… perdidas (?). - Estou realmente surpreso, Iluzia. Já estava por você ter
fugido tão rápido do sonho, mas entendi sua linha de raciocínio. Na primeira, foi realmente
uma falha minha de não perceber a profundidade dos seus desejos, mas… Na segunda vez, eu
realmente achei que ficaria para sempre no coma profundo do pesadelo ilusório. Estou
realmente surpreso que tenha conseguido colocar seus sentimentos de lado e conseguido
racionalizar tudo como um bom mago faria. Estou realmente, realmente impressionado,
mas… Eu não acho que isso seja o suficiente para…

- Para o quê? - E quando Iluzia disse isso, ela levantou dois dedos e então, fazendo um
movimento de “vem” com os mesmos, ela fez Prom arregalar os olhos.
Logo ali atrás, vinha a maior esfera de energia que ela própria (Iluzia), que Prom (sim,
sinceramente), que Ranik e que Noctana já viram na vida. Aquela esfera era uma união básica
das três esferas elementais que Iluzia, a maga de luz, tinha lançado contra Prom
anteriormente, e ele tinha defendido as três. Mas agora, elas estavam juntas, mais poderosas,
maiores e mais fortes que nunca.

Sim, Iluzia usara a mesma tática que usara na luta contra Pakao-Noctana na floresta sombria
de Sfarcvald.

Prom, estupefato, só conseguiu virar seu corpo para trás para poder logo depois ser
DEVORADO por aquele golpe avassalador.

62. FIM DE UM CICLO, COMEÇO DE OUTRO

Iluzia com 17 anos. O mago, que agora era negro, logo a sua frente, de braços cruzados e cara
amarrada, como sempre. Ela parecia furiosa. Ele também. Os dois estavam naquela afamada
sala de treino da torre de Snijeg.

- Eu não preciso mais treinar dessa forma, Prom.

- Não precisa? Háh! Faz-me rir, garotinha. Você ainda tem MUITO a aprender para ser uma
maga no mínimo mediana.

- Não diga asneiras! Eu sei mais magias que você! O oráculo disse!

- Ah sim, você quer dizer quantidade… Bom, você tem razão. Você é uma maga generalizada.
Você consegue fazer desde magias curativas ou invocações energéticas até utilizar os
elementos para ataque ou para defesa, sim. Enquanto eu só tenho habilidade de criar seres
energéticos ou fazer magias psíquicas, mas você está perdendo o principal ponto nisso. - Prom
levantou a mão energizada. Sua mana era acizentada (diferente de agora que era totalmente
negra devido a energia obscura ter tomado conta de si). - O ponto é eu continuo tendo mais
mana e mais controle de mana que você. Logo, eu continuo mais forte.

- Háh… Okay então. Vamos ver se é real isso! - E Iluzia levantou a mão puxando sua mana
azulada, sentindo-se muito poderosa.

---

Prom abriu um sorriso e fechou os olhos, quando a incrível esfera de energias elementais
misturadas (fogo, gelo e trovão) o engoliu por completo, ainda arrastando-se na neve e
levando tudo o que via pela frente.

Iluzia ficou lá parada, de pé, sem flutuar, apenas olhando paraquilo em choque. Sim, ela
esperava que aquilo acontecesse, era seu plano desde o começo, mas… Agora que via ali em
sua frente, ela ficava um tanto quanto incrédula.

Ranik e Noctana viram o acontecimento e continuaram bem chocadas. Elas não sabiam o que
fazer… Não sabiam nem mesmo como a maga loira estava nesse instante.

---
Iluzia, ainda com 17 anos, estava caída no chão, desacordada. Enfrentar pelo menos 6
monstros feitos de mana criados pelo seu mago superior (e tio) foi forte demais para pequena
aguentar. Prom deu umas tossidinhas e puxou seus bichinhos de volta pro limbo de suas
energias acizentadas. E então, foi andando vagarosamente até o corpo caído no chão.

- Pequena, você ainda tem tanto… tanto a aprender. Você não faz ideia. - E então, ele pegou-a
nos braços como uma criança, e foi levando-a de volta para seu quarto.

Em seu quarto, ele depositou-a na cama. E logo depois, sentou-se em um banco ao lado da
mesma. Olhou para aquela figura dormindo. Lágrimas surgiram em seus olhos, ele passou a
mão na face para removê-las em vão.

- Eu não devia… eu não devia ter pegado tão pesado com você. Mas eu sempre… eu sempre
peguei. Eu acho que… eu acho que eu te treino assim tão forte, porque eu tenho medo que…
eu tenho medo que você não esteja preparada pro mundo lá fora. - E então, ele olhou pro lado,
havia um enfeite sobre uma mesa logo ali no quarto da pequena.

O enfeite era um tipo de totem pequeniníssimo que parecia uma espécie de anjo de coloração
cristalizada, quase como que feito de vidro. Ele suspirou. Mudar quem dera aquele totem a
pequena como um presente de aniversário. Embora eles não soubessem a data de nascimento
real da garota, criaram para ela uma que representava o dia inicial que Mudar trouxera o
bebê consigo para torre da guilda.

- Mudar cuidou de você como uma filha, aquele ingênuo… Ele não entende o quão ruim é
colocar o peso do mundo todo sobre seus ombros. - E as lágrimas do rosto de Prom
continuavam a escorrer soltas. Ele tentava limpá-las com as costas das mãos enrugadas. - Eu
tentei… eu tentei dissuadir você. Te mostrar o quão difícil essa vida é, mas… você é como
Mudar. Teimosa e cabeça-dura até o fim. Puxou isso dele de berço… Maldição. Você podia ter
sido minha filha e não a minha sobrinha. Háh… o que eu estou dizendo? Que idiota.

E então, Iluzia começou a abrir os olhos vagarosamente. Prom, rapidamente, levantou-se e


afastou-se da cadeira e da cama.

- Titio Prom? - Ela disse, com a voz ainda meio fraca.

- Não me chame assim! Sabe que eu não gosto que me chame assim! - Disse ele, fulo da vida,
aproximando-se da porta. “Eu não queria ser seu tio, eu queria ter sido seu pai...” pensou ele,
bufando.

- Eu fui muito mal na luta? - Ela perguntou, parecendo meio entristecida. Toda a arrogância
que havia demonstrado antes tinha se dissolvido tal qual sua mana naquela batalha rápida e
difícil.

- Mal? Você precisaria ter lutado bem melhor do que aquilo para ter se saído mal! Você é uma
fraca! - E então, ele saiu, batendo a porta.

Logo atrás da porta, na área do “elevador de levitação” que havia na torre, perfurando o
meio de todos seus andares até o último, ele mordeu os lábios.

Quase todas suas palavras rudes não eram sinceras.


---

E assim que as luzes se dissiparam, tudo o que restara foi o corpo velho de vestes negras caído
no chão. Iluzia, sem conseguir pensar direito, correu até ele para vê-lo. Seus olhos azuis
encararam o chão, a face do velho cuja boca soltava um filete de sangue. Mas ele ainda
parecia vivo, aparentemente. Mas sua mana diminuía aos poucos, desaparecendo.

- Iluzia… minha… - O velho fazia um tremendo esforço para poder falar. - ...querida filha.

- Fi…? - Iluzia quis questionar isso, mas não conseguiu. Um nó preencheu sua garganta. E
então, as lágrimas saíram grossas de seus olhos, pingando nas vestes do velho.

De fato, fazia sentido ele sentir-se como um pai para Iluzia, considerando que Mudar partira
cedo e ele quem acabara criando ela muito mais que seu famigerado pai.

- Não chore, ok? Eu ia embora de qualquer jeito… Cof cof! - Cuspiu sangue, Prom. E então,
colocando a mão dentro do robe, ele puxou uma coisa, esticando-a para garota. - Aqui está,
finalmente.

E então, ele pôs nas mãos dela uma coisa… uma coisa que lhe era familiar. Era uma grande
chave cristalizada. Iluzia lembrou-se por um instante de enxergar isso pendurado num cordão
usado pelo velho Mudar. Mas lembrou-se também que a mesma não se encontrava no pescoço
do velho em seu enterro.

Como podia lembrar-se dessas coisas com tantos detalhes?

- E-essa chave...? - Iluzia disse, quase sem voz. As lágrimas não queriam parar de sair.

Um Prom quase na cova deu mais umas tossidas, e então, explicou-lhe finalmente o que
guardava consigo há tanto tempo:

- Sim. Mudar conseguiu-a logo depois de trazer você para torre. Sua… cof, cof! Sua
premonição incluía ela, não só o bebê escolhido para salvar Allas. Ele… Ele percorreu alguns
calabouços terríveis no centro do planeta para poder achar isso para você. Foi aí que… cof,
cof! Foi aí que ele também achara aquele seu anjinho de cristal, lembra-se? Hehehe… - Prom
cuspia cada vez mais sangue. Seus olhos negros também estavam cobertos de lágrimas. -
Essa… Essa chave foi o que o Zetelac, o monstro que ceifou a vida de Mudar queria. Ele foi
para lá, a mando do… cof, cof… a mando do exército negro buscar isso. E infelizmente,
conseguiu. Mudar protegeu a torre e é claro, sua vida. Mas… não conseguiu proteger isso.
Então eu… haha… eu entrei no exército negro para poder… para poder pegar isso de volta, e
eu consegui… N-não deixe que peguem isso de você de novo, ok, minha querida?

Prom sorria em meio a lágrimas e sangue. Iluzia não parecia nada satisfeita. Agora, além de
chorar, estava com raiva. Raiva!

- Você… Você não pode estar falando sério, seu velho caduco de merda! Como você pôde!?
Você… Você não pode estar falando sério que só entrou no exército negro para pegar essa
porcaria de volta para mim! - Disse ela, gritando, furiosa.

E então, Prom colocou a mão enrugada muito docemente sobre as mãos de Iluzia que
seguravam ainda a chave.
- N-não chame isso de porcaria… Isso é o que Mudar queria para você… O que Stari queria
para você… O que a guilda… O que eu… O que eu queria para você, minha querida filha. -
Disse Prom, fazendo a garota loira apenas chorar mais e mais, e consequentemente, ele
chorava mais também. - E-esse foi seu teste final. O teste para… para ver se você conseguiria
se tornar a… a melhor maga de luz de todo o Allas. E você… você passou, minha querida. V-
você conseguiu, cof cof! A-agora vá lá e… cumpara seu objetivo. Filha, eu… eu… eu te a…

E então, Prom fechou os olhos, finalmente. Iluzia não conseguia acreditar. Tinha matado seu
tio, que era quase seu pai. Não, ele era seu pai também, assim como Mudar havia sido, não
tinha como não ser. E agora ela tinha… tinha ceifado a vida dele por ter achado que ele se
rendera para o exército negro, pro mal. Não era possível, era…?

Iluzia ajoelhou-se diante do corpo de Prom e começou a chorar. Mas ela não chorava mais um
choro quieto e inaudível. Sim, as lágrimas ainda caíam como uma cachoeira sob seus olhos,
sem parar, mas agora ela gritava, gritava de dor. Uma dor insana que sentia por ter matado a
última pessoa direta de sua família.

Ranik e Noctana podiam sentir apenas de olhar para ela o quão mal ela sentia-se. E então,
aproximaram-se finalmente. Ranik colocou a mão sobre seu ombro, enquanto a assassina
apenas encarava.

Iluzia finalmente levantou-se e agarrou o corpo da guerreira num abraço, chorando


vivamente ainda em seu peito.

Noctana não se atrevia a separá-las naquele instante.

---

- O calabouço do centro do Allas? Você tem certeza que quer fazer isso sozinha, Iluzia? Nós…
nós somos um time, você sabe. - Disse Ranik, ultra preocupada com a maguinha.

- Eu sei disso, Ranik. Mas eu preciso de um momento para mim mesma. E qual não seria o
melhor momento senão cumprir a minha missão de vida? - Iluzia disse, séria, suspirando
profundamente, e encarando direto o chão. Sim, ela parecia muito fraca ainda para poder
encarar a vida de frente. A morte de Prom foi um golpe e tanto em sua mente.

- O-ok, então… Eu acho que eu vou ficar com Mysic. D-digo, ele disse que iremos treinar, que
tem algumas técnicas para me mostrar, sem contar que eu tenho que consertar a armadura,
então… acho que vai ser bom. - Disse a guerreira, coçando a parte de trás dos seus cabelos,
agora finalmente cortados de maneira correta. E sim, estavam curtos com apenas a trança
grande na frente.

- E Noctana, você sabe dela? - Perguntou a maga, por um instante os olhos azuis pousaram
nos amarelos, mas logo fugiram de novo. Era interessante a maga estar preocupada a respeito
da assassina.

- Ela disse que tinha assuntos particulares também para tratar, então… - Ranik respondeu,
com uma expressão meio infeliz. Ficaria longe de suas duas parceiras, afinal.

Bom, talvez fosse um bom período para colocar as ideias no lugar e pensar finalmente em…

Qual das duas ela realmente gostava mais.


63. LIGAÇÕES OCULTAS

Ranik estava na área de treinamento dos guardas reais de Veligrad. Não usava mais a
armadura de aço real, pois, esta estava sendo consertada pelo ferreiro real que trabalhava
para ajudar o exército do rei. Então, estava mais uma vez usando a armadura de ferro que
Iluzia dera para si em Velejo. Continuava portando, no entanto, a sua espadona, que fora
presente do Sir. Estava, neste instante, inclusive, treinando com a mesma, enquanto era
observada e avaliada pelo cavaleirão de Veligrad, que agora, lhe soava mais como um
confidente, talvez até mesmo uma imagem paterna de consideração.

- Vamos ver o quão rápida você está com a espada agora. - Disse ele, e então, lançou três
discos feitos de madeira que serviam apenas para testar agilidade e não a força do atacante.

Ranik rapidamente girou a espadona no ar, e no meio do caminho, mudou sua direção. O
importante é que conseguiu atingir os três alvos, partindo-os e jogando-os no chão.

- Muito bom. Estou impressionado que pegou a habilidade o suficiente para portar uma
espada desse porte tão rápido. Bom, eu não esperaria menos de alguém como você, Ranik. - E
os dois se entreolharam com uma certa cumplicidade, com sorrisos no rosto.

Era engraçado, Ranik por instante realmente desejou que sua relação com o falecido Nasille
fosse assim. Mas o homem sempre fora frio, rígido e voltado a sua missão como guarda do
exército do dragão negro. Logo, não tinha muito tempo, nem para mulher, nem para filha.
Talvez por isso que… Sacudiu a cabeça, não queria pensar naquilo naquele instante. Queria
aproveitar a situação para relaxar um pouco, afinal, depois da batalha naquela montanha
congelada, estivera muito estressada. Precisava recuperar as energias, ao menos, as mentais.

- Agora preciso medir sua força física. para isso, vou usar um de nossos. - Mysic chamou um
dos guerreiros reais (que também assistiam ao treino da grandalhona) com o dedo, e ele veio,
já de armadura de aço. - Quero que o ataque na couraça com tudo o que tem. Não tenha
medo. A espada não irá penetrar um aço tão poderoso. É claro, se você não usar nenhuma
habilidade de mana sua.

Ranik tinha contado ao Sir sobre a única “magia” que a guerreira conseguia fazer. A
grandalhona não sabia lembrar direito quando foi que descobrira que tinha isso. Talvez em
uma situação de desespero em que não conseguia penetrar a armadura do inimigo, suas mãos
avermelharam-se/alaranjaram-se como que em chamas, e de repente, toda a lâmina da
bastardinha tivera ficado vermelha como sangue e dura, dura como nada que ela conseguisse
pensar nesse instante. E assim, conseguira penetrar o escudo inimigo, finalmente destruindo-
o. E desde então, conseguia usar a habilidade quando bem precisava (isso é claro, se ainda
tivesse mana no corpo, diferente de Iluzia, sua mana era bem escassa).

A porrada na barriga do guerreiro fora tão poderosa, que ele voara para longe, batendo as
costas na parede da área dos dormitórios reais. Ranik ficou meio sem jeito, pôs a espada de
lado, e coçando a parte de trás dos cabelos curtos, pediu desculpas, sem graça. Mysic ficou
orgulhoso. Ela era forte como um touro. Bom, fazia sentido sendo filha de quem era,
concluíra.

- Estou realmente impressionado com você, Ranik. Digo, já foi um tanto quanto
impressionante quando você me enfrentou daquele jeito, mas… Eu posso dizer que você está
ainda mais forte que antes. - Disse o Sir, aproximando-se da guerreira mista.

E ela ficou sem jeito de novo, inclusive porque…

- M-mysic, desculpe por aquilo. Por ter… te desafiado, menosprezado sua força e tudo o mais.

- Náh. Não tem para que pedir desculpas. Eu sei que não fui o cara mais agradável do mundo
com você também. Mas é que… eu fiquei receoso de você ter se lembrado de mim, e por isso,
ter me tratado daquela forma. - E quando ele disse isso, a garota altona piscou os olhos
algumas vezes, surpresa.

- Lembrado de você? D-digo, eu entendi que você era íntimo do meu pai, mas… Por que
eu…?

- Por que você lembraria de mim? - E então, com um sorriso, Mysic chamou-a com a mão
para que fosse até seu quarto.

Sim, ele finalmente lhe mostraria as coisas que sabia.

---

Noctana estava na florestona de Veligrad com Udarak e Glaz. Os dois finalmente lhe
entregariam o dinheiro, mas…

- Agora não.

- Como assim, agora não? - O elfo perguntou, confuso. Suspirando. Sabia que a assassina
estava tramando alguma coisa, não era possível.

Também não era de negar dinheiro, claro.

- Vocês devem acumular mais, se puderem. Acho que ainda não é o bastante, mas… - Noctana
disse, fazendo Glaz soltar um gemido de incômodo. - Eu preciso resolver umas coisas agora.

- Resolver o que, Ana? Eu achei que finalmente vocês tinham dado um tempo das missões
daquele bundão daquele guarda real! - Disse a rainha dos disfarces, preocupada com a amiga
(que para si, era mais que isso).

- E demos. - Disse a ladra, sua expressão era de decisão pura.

E então, ela encarou a casa-árvore de Iluzia ali de longe, que daquela distância, apenas
parecia uma árvore centenária muito grande.

- O que está pensando em fazer, Noctana? - Udarak que não era bobo nem nada, notara.

- Eu estou querendo descobrir um pouco mais… sobre mim mesma também. - Disse Noctana,
séria.

Os dois apenas ficaram sem palavras.

---
De repente, no topo de uma alta torre negra que parecia estar em Divijna (não, não era a
mesma torre que as três se encontraram com o Troll anteriormente, era outra), em uma sala
claramente mágica, uma meio-drow olhava as coisas em uma esfera de cristal negro. E logo
depois, “desligava sua câmera” voltando ao que fazia anteriormente… Ela arrumava uma
bolsa de viagem razoavelmente grande.

E então, pensando consigo mesma em voz alta, disse:

- Se você acha, Iluzia, que eu vou deixar você sozinha, você está muito enganada. - Disse ela,
parecendo ainda meio irritada com a situação toda.

---

- Bem, há duas coisas interessantes que eu guardo aqui comigo. - Disse Mysic, e então, naquela
caixinha onde ele guardava coisas importantes, ele retirou… duas fotografias.

E então, estendeu-as para Ranik.

- Eita, o que é isso? Parece que as imagens estão presas nesses papéis! São desenhos? Mas
parecem tão reais.

- São representações ilustrativas perfeitas. - Disse Mysic, e bom, esse era o nome que davam as
fotos naquele lugar e naquele tempo. - Foram feitos por magos negros, claro, usando magia.
Apenas copiavam utilizando luzes e sombras a imagem que nós refletíamos no momento.

- Esses dois… - Sim, a primeira foto que a grandalhona teve em mãos era de Mysic com seu
pai. Ela passou a mão na imagem de seu pai na foto, tal qual Mysic havia feito há uns dias
atrás. E logo depois, encarou a figura do seu lado. - É você com meu pai, você está usando a
armadura negra também.

- Pois é… Eu guardo essa imagem como um dos meus maiores tesouros. - E quando ele disse
isso, com uma cara de saudade, Ranik simplesmente mordeu os lábios incomodada.

Seu pai… Que imagem Mysic tinha daquele grandalhão frio e cruel que ela própria não
tinha? Ela queria realmente entender porque ele o parecia ver com tanto carinho e
consideração, quando ela própria, sua filha, não conseguia sentir o mesmo. Sim, ela sempre
buscara a aprovação dele. Queria que Nasille ficasse orgulhoso de si. Que lhe notasse. Que lhe
valorizasse devidamente. Era ridículo… Amor e ódio misturados. Era como se toda relação
difícil com o pai se dividisse nesses sentimentos confusos e incômodos. Tinha ódio dele, mas
queria tanto, tanto que lhe valorizasse. E pelo visto, valorizava Mysic. Ao menos, o suficiente
para lhe revelar um lado de si especial e que não revelara para ela. Suspirou. Ciúmes? Inveja?
Não, não queria sentir isso pelo Sirzão. Nesse instante, ele significava algo importante para si.
Talvez… um pai que nunca teve. Que nunca se importou consigo como ele se importava.

Passou para próxima foto (que não se chamava foto).

E quando viu, era exatamente como a imagem que Noctana encontrara na torre de Divijna.
Sim, 5 soldados do exército do dragão negro (3 homens e 2 mulheres). E 4 magos sombrios.
Essa era a formação inicial, a formação principal, que deu origem ao exército negro atual.
Claro, a maioria daqueles ali estavam mortos, exceto por…

Ela encarou a imagem e reconheceu-os quase todos.


Um deles era claramente seu pai. Enorme, musculoso, armadurado (aquela armadura
pontuda que ninguém tinha, só ele, a lenda do exército), mais alto que todo mundo ali. Outro,
era ele mesmo, Mysic, mais uma vez. E logo ao lado de seu pai como sempre. Embaixo,
haviam os magos… Os magos… Ranik passou a mão e reconheceu dois, rapidamente. Era
bizarro. Antes não fazia ideia de fato de quem eles eram, mas agora…

Um era claramente Prom. E pelas suas vestes, ainda não era totalmente voltado ao exército
negro. Mas pelo visto, já estava aliando-se a eles. Ele parecia mais jovem também. Lembrou-
se de Iluzia sofrendo, muito mal, por tê-lo matado. O sujeito só estava ali, entranhando-se
naquela onda de escuridão apenas para lhe recuperar tal chave lendária. Que perda terrível.

O outro lhe deu até um friozão na espinha quando encarou-o na imagem. Com a cara mais
lavada do mundo. Cabelos presos num rabo de cavalo escuro (a foto era amarelada, tipo
sépia), um cavanhaque, olhos escuros, vestes escuras… Aquele maldito era Pakao, com
certeza. Lembrava-se dele claramente por conta da ilusão do passado de Noctana, que a
assassina sombria lhe mostrara na Mina de Lótus. Era claramente ele. O frio na espinha
percorria. Mas não ia dissipar-se mesmo tão cedo, porque logo, Ranik passou a mão em uma
outra figura…

Uma figura que lhe deixava infeliz…

Armadurada sombriamente, ao lado do grandalhão Nasille e de Mysic. Sim, aquela foto.


Lembrava-se disso claramente. Mas foi um momento tão rápido e sem importância que ela…
Ora essa, não era como se realmente tivesse com a cabeça naquilo naquele momento.

Tudo o que pensara era “Orgulharei meu pai, orgulharei minha família, orgulharei minha
cidade”, mas…

Mas o terror ainda percorria seus ossos…

O medo.

A pessoa na foto que Ranik passara a mão dessa vez, uma mulher armadurada, guerreira do
exército do dragão negro, aliada de Nasille, Mysic, Prom e Pakao…

Essa mulher era nada mais e nada menos que…

Ela mesma.

64. RECONSTRUÇÃO DO PASSADO

- Eu a vi naquele dia. Foi engraçado. Eu sabia que você era filha de Nasille. Eu fiquei
interessado em você. Você era uma garota interessante. Você olhou para minha cara. Eu não
era como eu era agora. Eu era mais jovem e meus cabelos estavam curtos. No entanto, minha
barba estava maior, cobrindo boa parte do meu rosto. E então, você me deu aquela olhada…
quase como se me considerasse lixo perto de você e da sua linhagem familiar. Mal você
imaginava o envolvimento que eu tinha com seu pai. Depois daquele dia, eu nunca mais te vi.
Mas eu te reconheci novamente assim que bati os olhos de você na floresta de Veligrad. Eu
torci mentalmente para que você não se lembrasse de mim. Bom, talvez isso não seja
verdade… Talvez eu tivesse torcido para você lembrar-se, no fundo no fundo. Eu tinha apreço
demais por seu pai, por sua família. Talvez eu quisesse… Talvez eu quisesse recuperar algo de
Nasille me aproximando de você, nem que fosse essa sensação nostálgica que é maravilhosa e
terrível ao mesmo tempo. - Os olhos de Mysic estavam aquosos, conforme ele ia falando isso.

- Eu lembro dum sujeito barbudo qualquer que era da seção do exército negro de outra
região. Acho que meu pai chegou a nos apresentar, mas eu nem sequer prestei atenção no seu
nome. Na hora eu só conseguia pensar sem parar em todos os meus objetivos e todos os meus
obstáculos… - Ranik entregou-lhe as fotos e passou a mão na face. - Foi uma época muito
terrível para mim. Mas assim que você citou meu pai, eu tinha certeza… certeza que me
conhecia.

- Todos te conheciam, Ranik. Você era a filha da lenda.

- Infelizmente, eu era conhecida só por isso. - E então, ela pigarreou com uma cara desgostosa.
- E como a “guerreira furada”.

- Nossa, isso… - E então, Mysic encarou-a com um sorriso triste. - Você cavou sua própria
cova, né, garota?

- Erm…

- Bem, isso só quer dizer uma coisa… - Mysic então, ficou de pé, finalmente, pronto para sair
do quarto mais uma vez pro local de treinamento real. - Que você é uma boa pessoa. Venha,
quero lhe ensinar uma coisa.

- Uma coisa…?

---

Iluzia finalmente estava pronta. Ela ia partir para seu objetivo: O calabouço do centro do
Allas.

Não era como se tivesse muita noção de onde era, mas… Já tinha feito algo incrível só para
conseguir descobrir.

Aparecera novamente na torre de Snijeg. Sim, o lar que fora expulsa. A guilda dos magos de
luz.

E assim que subiu no lugar pela passagem central, o tal “elevador de levitação”, acabou por
ser encarada com surpresa e até um tanto quanto de medo pelos magos velhacos que viviam
por lá.

E assim que pisou no andar do Oráculo, os três já lhe aguardavam atentos.

Sim, era óbvio, eles sabiam que ela viria.

- E o filho pródigo a casa retorna. - Disse o sujeito de vestes verdes, o bigodudo. Sim, um dos
três do Oráculo dos cegos.

- Nada no estilo. Não vim pedir perdão a vocês ou qualquer merda do tipo. Achei que
soubessem mais do que isso. - Iluzia já saiu dando “tapas sem mão” nos três. Eles fingiram
surpresa com suas atitudes, mas a verdade é que estavam sendo cínicos.
- Sabemos que a luz de Prom apagou-se. - Disse agora o de vestes azuis, o grisalho que parecia
muito novo (e ele ainda parecia-se assim).

- Sim, Prom está… morto. - Iluzia disse, ainda que dizer isso fosse muito difícil para si. -
Assim como Mudar e Stari. - Os olhos marejaram um pouco, mas ela engoliu seus sentimentos
com secura e frieza. Era necessário não esmaecer para enfrentar os três.

Eles eram o querer de toda a guilda e a sabedoria máxima de todo Allas, assim que Stari
partira. Então, se tinha algo que precisava saber, esse algo estaria com eles.

- Stari… - Eles três disseram em uníssono, como em um luto eterno.

- Mas vocês sabem para que eu estou aqui, não, seus velhos!? Não se façam de rogados! - Disse
Iluzia, ficando cada vez mais furiosa, e quanto maior sua fúria, maior seu desrespeito para
com aqueles magos caducos.

- Você está querendo cumprir a profecia que Mudar lhe prometeu, não é? - Disse agora o de
vestes vermelhas, o líder dos três, o andrógino de rabo-de-cavalo, com um sorrisinho
sarcástico.

- Até que enfim! Sim, é verdade! Se eu nasci para isso, então que seja feita vossa vontade!

- A vontade nunca fora nossa. - Finalmente, o andrógino mostrou as garrinhas. Iluzia mordeu
os lábios furiosa. - A verdade, Iluzia, é que o plano de Mudar sempre fora muito inviável.

- Ainda que Stari tenha concordado pessoalmente sobre isso? - Sim, Mudar e Prom lhe
contaram depois sobre a situação que passou quando era apenas um bebê, onde depois de
anos (e pouco tempo antes de sua morte), Stari, em pessoa, fora até o andar do Oráculo para
aprovar sua estadia e treino na guilda dos magos iluminados.

- Ugh… Sim. - Disse o Oráculo mestre, e então, Iluzia deu um risinho e sacudiu a cabeça
incrédula.

- O poder subiu a cabeça de vocês mesmo, né!? Eu bem que achei! Assim que Stari falecesse,
vocês logo mostrariam suas asinhas! No final das contas, vocês sempre quiseram ser os chefes
da porra toda! Bem, no final das contas, vocês se fingem de penosos, mas a morte do bom e
velho líder apenas fez vocês satisfeitos!

- NÃO DIGA ALGO TÃO ABSURDO!!! - Um dos velhos (qualquer um deles) bateu na mesa
onde eles se encontravam (sempre) com fúria.

- Absurdo? Absurdo é vocês acharem que vão me impedir… - Disse a garota loira, e então,
virou-se mais uma vez pro andrógino e perguntou enfim. - Dá para me dizer, ó majestade, por
que raios que vocês não querem que eu cumpara a minha profecia, já que esta é a melhor
saída para salvar o Allas?

- Salvar o Allas, você diz… - Disse o andrógino, menosprezando as palavras que Mudar
sempre dizia. - A verdade, Iluzia, é que a chance de você conseguir fazê-lo é de
0,000000000001%. Ou seja, ela é basicamente nula. Um milagre. E, infelizmente, não a
consideramos um Messias ou qualquer coisa do tipo. Logo, acreditamos que o mais provável a
ser resultado dessa atitude é apenas… mais dor, sofrimento, morte, sombras e destruição.
- Ahns…? Quer dizer que se eu falhar na minha missão, as coisas vão ficar ainda piores que
ficariam se eu simplesmente não tentasse? - A loira finalmente entendeu, então, os três
fizeram “sim” com a cabeça. - Háh…

Iluzia sacudiu a cabeça e ficou em silêncio por alguns minutos. E logo depois…

Começou a rir da cara dos três, que ficaram bestificados.

- Vocês são uns otários mesmo! Eu acredito mais em Stari e em Mudar que nas suas
probabilidades imbecis! Vocês não passam de uns velhinhos cegos mentecaptos que tem
habilidades mediúnicas de araque! Probabilidade? Cadê a visão de futuro!? Milagre!? Eu
achei que magos de luz serviam para acreditar em coisas assim! Como se julgam sagrados se
não conseguem ver um futuro brilhante!? No final, o que vocês têm é inveja! Dizem “Não lhe
vemos como um Messias”, a verdade é que, se alguém ganhar fama e não for vocês, isso
incomoda vocês! para mim são um bando de mixurucas e nada além disso!

O bigodudo começou a tossir nervoso. Sim, a maguinha não dava a mínima pros três.

- Vou parar de encher meu saco… Me digam logo, onde fica o calabouço do centro do Allas! -
Ela foi curta e grossa dessa vez, e então, o andrógino simplesmente sacudiu negativamente a
cabeça.

- Acha mesmo que iremos lhe contar?

E então, Iluzia sorriu maldosamente.

---

- Eu vou ensinar você a usar sua técnica de mana para algo melhor ainda que destruir. - Disse
Mysic, apontando a mão aberta para Ranik.

- Ahn? - E ela colocou a mão sobre a dele.

- Energize a mana.

- O-ok, mas…

- Apenas o faça. - E então, a guerreira fechou os olhos e puxou sua energia inflamada.

Rapidamente, sua mão encheu-se disso.

- Agora, espalhe-a pro seu corpo todo.

- Ahn?

- Apenas faça.

- Não sei se ela é grande o suficiente para alcançar meu corpo todo, Mysic.

- Ranik, entenda… - Disse ele, sério e firme. - A mana é criada pelo seu corpo. É sua energia
pessoal, que você emana e exala por todos seus poros. Se ela pode ser criada em qualquer
parte do seu corpo, ela pode ser espalhada por todo ele sem problemas. Não importa seu
tamanho nem nada do tipo. Muito menos a quantidade de mana necessária. É apenas…
espalhá-la por sua pele, por baixo dela, por seus ossos. Faça isso. Concentre-se.

E depois que disse isso, Ranik suspirou. E então, inspirando fundo, a guerreira concentrou-se.

Rapidamente, a energia alaranjada começou a espalhar-se… indo da mão… para todo o


braço também… e do braço… para seu ombro… alcançando o pescoço… e logo o outro
ombro e o outro braço… também preencheu sua cabeça… e começou a descer pelo seu
dorso… a energia passou pela barriga e desceu para a cintura e as partes baixas… logo,
conseguiu alcançar suas pernas… e então, seus pés…

Quando Ranik abriu os olhos, a mana cobria seu corpo todo. Ela estava surpresa que havia
conseguido! Estava meio ofegante, mas…

- É incrível! E-eu nunca havia feito isso! Mas… Pera, para que isso serviria? Eu só consigo
endurecer lâminas para que elas fiquem indestrutíveis! - Perguntou a grandalhona, e então,
Mysic sorriu.

- Exatamente isso, minha querida.

Por um instante, a grandalhona ficara confusa, depois surpresa, e logo por fim, ela abriu um
sorriso confiante.

Todo seu corpo tornou-se vermelho-sangue.

Ranik agora não podia ser penetrada por nenhum tipo de lâmina ou golpe poderoso, nada do
tipo. Ficara paraticamente… indestrutível.

Era a defesa perfeita, sua nova magia.

65. LEMBRANÇAS DOCES

O Sol brotava lá no céu, enquanto Noctana, com 10 anos, coçava os olhos com as costas das
mãos. Ela tinha acordado mais cedo que as outras crianças, o que era raro, mas acontecera
neste dia em específico. E agora, sentada ali, apoiada na janela aberta para seu vilarejo, ela
observava os transeuntes.

Donos de lojas e feirantes abriam suas respectivas barracas, montavam seus mostruários
neste instante. Os passarinhos cantavam. Alguns pais e mães de família saíam para comparar
comida pro café da manhã de seus filhos. Inclusive, algumas freiras já saíram exatamente
para fazer isso. Nada de diferente, exceto por…

Uma família passeava de mãos dadas com sua filha. Era um casal bonito e feliz. A criança
também era muito bonita. Parecia ser um pouco mais jovem que Noctana, talvez tivesse uns 9
anos de idade. Nada distante de si de fato. Enfim, a pequena assassina sombria (que nem
assassina ainda era) encarou-os por muito tempo. Isso porque sentiu uma leve pontada…
inveja. Sabia que considerava a madre, as freiras e as outras crianças do orfanato sua família.
Mas por um instante, desejou ter uma família comum, igual aquela criança. Eles pareciam ter
saído juntos para tomar café e talvez passear pelo vilarejo. Provavelmente eram novos ali,
Noctana nunca havia os visto.
E então, de repente, os olhos verde-escuros da garotinha encararam seus olhos verde-claros.
Por um instante, no susto, Noctana escondeu-se na parte mais baixa da janela. Não entendeu
porque reagira assim. Só porque uma criança lhe olhara de volta? Por que se esconder?
Talvez… vergonha. Aquela criança era feliz, bonita, tinha uma linda família que lhe amava…
Noctana suspirou.

Aguardando um tempo, Noctana finalmente voltou a olhar pela janela. Primeiro só pôs as
duas esmeraldas para fora para ver se estava tudo ok, depois subiu com o resto do corpo. Sim,
a garota e sua família já tinham ido embora. A pequena sombria suspirou de alívio.

Alguns dias depois, Noctana estava dando esporro em um dos gêmeos por ter pego um livro
seu que ela deixara em cima de seu beliche e rabiscado ele todo. Quando dali, da janela do
segundo andar (no quarto da criançada), ela enxergou algo que lhe interessou lá fora.

Ela foi correndo, ignorando os gêmeos resmungando e largando de novo o livro sobre a cama,
que eles, é claro, pegaram novamente de pronto. E finalmente, lá embaixo, na mesma janela
do outro dia, ela encarou. Era a família feliz, mais uma vez. Ela ficou olhando e olhando, até
que uma freira lhe chamou a atenção:

- Noctana, o que está fazendo parada aí como uma boba na janela?

- Ah… Nada. - Ela disse, meio sem graça. Mas quando a freira saiu, voltou a olhar.

E para sua surpresa, lá estava a garotinha de cabelos longos e ondulados castanho-claros


olhando-a de volta. Noctana ficou sem jeito, tentou tapar o rosto com as mãos, obviamente, foi
inútil. A garotinha riu. Noctana tirou a mão da face sem jeito.

E finalmente, houve um dia em que Noctana brincava sozinha na área externa do orfanato,
onde tinha uma mangueira carregadinha. Nesse instante, ela segurava dois fantoches, cada
um em uma mão e fazia-os conversarem um com o outro. Estava acostumada a brincar
solitária mesmo, porque achava-se diferente das outras crianças (ainda que elas não lhe
tratassem dessa forma), era meio introvertida também e muito madura para sua idade,
diziam.

- Olá, Sr. Bob, como está você? - Ela disse, imitando uma voz mais aguda que a sua (que era
meio grave e rouca, então ficava bem engraçado e diferente). - Eu estou bem, Sra. Clara. E a
senhora? - E dessa vez, imitou uma voz mais grave que a sua, como a de um homem. - Estou
ótima, como vão as crianças?

- As crianças vão bem. - Disse uma voz de garota logo atrás de si.

Noctana virou-se no susto e na surpresa. Era a menina de olhos verde-escuros e cabelos


acastanhados, sorrindo para si. Noctana ficou sem jeito. Era engraçado, as duas tinham
paraticamente a mesma altura, ainda que claramente, a outra fosse mais jovem (talvez essa
diferença, ainda que pouca, de idade, também se refletisse no fato de Noctana parecer madura
para idade que tinha).
- Q-quem… quem é você? - Noctana perguntou, ainda receosa. Como foi dito, era tímida,
introvertida.

- Me chamo Glaz. E você?

- Ahm… Noc… Noctana.

- Nossa, que nome difícil! Vou te chamar de Ana só, pode? - Disse Glaz, ainda sorrindo.
Noctana ficara impressionada com o fato de que a garota sempre estava muito feliz.

- Erm… - Noctana fez uma careta, pelo visto, não gostou muito da ideia. Ana era um nome tão
comum e sem graça. Pelo visto, ela realmente curtia ser diferente das outras crianças.

E era mesmo, pois, como já fora dito, naquelas regiões, as pessoas, quase que em sua grande
maioria, tinham a pele bem clarinha. Noctana era a única negra paraticamente em todo
vilarejo. E ela adorava isso. Talvez por isso que seu nome, dado pela madre, refletisse isso.
Noite, Nocta, Noctana.

Ana era sem sal para si.

- Você é tão bonita. - Glaz tirou-a de suas divagações, mexendo em seu cabelo. Noctana foi
para trás, assustada.

Ninguém se aproximava daquele jeito de si. O máximo que fazia era dar abraços surpresa em
sua madre favorita, a quem muito considerava, e só. Com as outras crianças ela mal falava
direito, quanto mais aproximava-se dessa forma. Então, era esquisito alguém ficar assim
tão… íntimo de si.

- Desculpe, te assustei? - Glaz perguntou, ainda mostrando os brancos dentes. Ela tinha um
dentinho de leite faltando, no entanto. Era bonitinho. Há pouco os de Noctana nasceram e
estavam quase completamente permanentes.

- N-não, é que… eu não estou acostumada…

- Com gente te tocando?

- Com gente. - Disse a pequena sombria, admitindo. Glaz deu um risinho.

- Desculpa por isso. Quer que eu vá embora? - Perguntou a garotinha, e então, Noctana
inspirou fundo, olhando para outro lugar que não ali, estava sem jeito, mas…

- Não. - Disse ela, finalmente. E Glaz ficou ainda mais feliz.

- Bom, então vamos brincar juntas!

E todos os dias seguintes eram assim. Noctana acordava mais tarde que as crianças (como era
de seu costume), engolia o café da manhã com pressa, e já saía para brincar. Rapidamente, a
Madre lhe mandou parar por um instante, assim que ela abrira a porta com uma torrada na
boca:
- Noctana, noctana, posso saber o que está acontecendo?

- Ahmmm… - A garota mordeu a torrada e retirou-a da boca. - S-sim, madre?

- Quero entender porque você tem saído para brincar lá fora todos os dias. Não é muito do seu
feitio… Você arranjou algum amigo novo, é? Espero que não seja uma pessoa mais velha
como eu. Eu ficaria preocupada.

- N-não… não é uma pessoa mais velha, é…

- Noctana é amiga de uma garotinha de cabelos castanhos e olhos verdes, Madre. - Caguetou
uma criança, deixando a sombria fula da vida. Ela já virou o rosto irritado para criança, que
deu língua para ela. Ela suspirou.

- Qual o nome dessa garota, Noctana?

- G-glaz.

- E seus pais sabem que vocês brincam juntas?

- Ahms… E-eu acho que sim. Por quê?

- Por nada, minha querida. Só não quero que se machuque, ok? Não volte tarde. - A Madre
passou a mão na cabeça da pequena, sorriu para ela e saiu.

Ela sorriu também. E logo depois, saiu para encontrar-se com Glaz mais uma vez.

As duas iam de novo para baixo daquela mangueira próxima a área externa do orfanato
brincarem juntas. Dessa vez, Glaz levou umas bonecas de pano que sua mãe tinha costurado
para si, e as duas brincavam de casinha.

- Então, essas são nossas filhas, mas… - Glaz colocou o dedo no queixo, confusa. - Quem é a
mamãe e quem é o papai?

- Nós duas podemos ser mamães.

- Mas… Mas não faz sentido. Eu tenho uma mamãe e um papai. - Disse Glaz, ainda surpresa.

- E eu tenho várias mamães. São as freiras do orfanato. - Disse Noctana, relutante. Glaz então
sorriu.

- Ok, somos duas mamães então. Mas então… somos casadas? - Glaz piscou algumas vezes.

Noctana ficou vermelha e engoliu saliva. Glaz não entendeu muito, mas sorriu de novo.

- Ei, Ana… Eu estava pensando.

- Ahn?

- Pessoas casadas… se beijam, não é?

- Erm… A-acho que sim, eu nunca… eu nunca vi. - Disse Noctana dando de ombros. Mas ela
sabia bem, tinha lido alguns livros… Talvez alguns que até não devesse ter lido, porque a
freira logo ralhou consigo e levou-os para longe. Mas ela chegou a ler, então ela tinha uma boa
noção daquilo.

- Eu vejo meu pai e minha mãe se beijarem. E eles dois são casados. Sempre que ele vai sair
para cortar lenha na floresta, eles se despedem com um beijo, então eu acho que é normal. -
Disse Glaz, super ingênua. Noctana suspirou e não disse nada. - Ei, Ana…

- Hm?

- Você quer beijar então? - Perguntou Glaz, e mais uma vez, Noctana explodiu em
vermelhidão de vergonha. - V-você ficou corada! Hahaha!

Glaz riu de sua cara. Noctana ficou emburrada e cruzou os braços.

- Não fiquei não!

- Ficou sim! Hahaha! - Glaz continuava rindo de sua cara. E quanto mais ria, mais fula a
pequena sombria ficava, até que, só por causa disso…

Ela aproximou seu corpo bem rápido e deu um selinho nos lábios de Glaz que ficou
completamente em choque. Mas logo depois, abriu um sorriso doce, totalmente corada
também.

Noctana também ficara, e encarara a outra surpresa, nunca tinha feito isso antes, muito
menos com uma garota.

Pena que seus dias felizes terminariam logo…

66. LAÇOS INDESTRUTÍVEIS

- Nem pensar. Não vou deixar você ir sozinha. - Disse Glaz, cruzando os braços, emburrada.

- Ora essa… eu já tinha dito a você e Udarak na floresta, e você não insistiu com isso. -
Respondeu Noctana, estava de volta na guilda dos ladrões em Velejo. Querendo ou não, ainda
haviam alguns utensílios bons para ladinos lá, escondidos em caixas ou gavetas. Geralmente,
eram vendidos aos ladrões e assassinos daquele lugar, mas como o dono havia morrido,
então…

Ladrão que rouba ladrão.

- Sim, porque eu não fazia ideia do que você estava tramando, agora eu sei!

- Só te disse porque você insistiu demais para saber. - Noctana suspirou profundamente. - Eu
só estou aguardando ela voltar. E isso deve ser logo. Ela pode usar portais, afinal.

- É perigoso e sem sentido, Ana! - Disse Glaz, ainda parecendo incomodada. Era raro vê-la
assim.
- NÃO É SEM SENTIDO! - Noctana quase gritou, com seus olhos verdes flamejando em
fúria.

Glaz ficou meio em choque pela reação da assassina, não era de seu feitio. Noctana
arrependeu-se de sua atitude logo depois.

- Desculpe, eu só…

- Eu entendo. Você quer cavucar o passado, eu sei. Você quer entender porque Pakao escolheu
você. Porque ele fez o que fez. Não tinha propósito… - Glaz disse, infeliz. E então, tocou nos
ombros da amiga de infância que lhe era muito valiosa. - Mas você acha mesmo que isso vai te
dar alguma pista?

- Acho. Alguma coisa no fundo da minha alma diz isso. Eu… eu sei que não sou do tipo que
confia em instintos imbecis, mas… por algum motivo, dessa vez… eu sinto muito
profundamente que é meu destino. - Disse Noctana, séria, encarando os olhos verde-escuros de
Glaz.

- Certo.

Noctana sorriu para amiga.

- Mas eu ainda vou com você! - Noctana ficou fula de novo.

- Glaz, não tem propósito, eu…

- Eu vou com você e pronto. Não tente me impedir, Noctana. Se você sair sem mim, eu te sigo,
não importa! - Disse a rainha dos disfarces, já pegando suas coisas também para partir.

- Erm… Ok. Não tem como te dissuadir disso, né? - Perguntou a assassina sombria.

- Você já me conhece, né? - Glaz sorriu brilhantemente. Seu sorriso, o mesmo há anos.

Ainda que este ficara apagado por tanto tempo…

---

Noctana finalmente abriu a porta. A luz do Sol cegou seus olhos, e ela pôs a mão na frente,
inutilmente. Deu uma inspirada funda com a boca aberta, soltando um som de engasgo. Bem,
estava engasgada… Sangue. Cheiro de sangue. Cheiro de morte. Sombras por todos os lados.
Seu corpo estava todo sujo e…

Quando ela viu o vilarejo, tudo estava em chamas.

Seus olhos arregalaram-se de pavor. Os malditos já tinham ido embora. Ela ouviu-os partirem
em seus cavalos armadurados, enquanto estava escondida prezando por sua inútil vida.

Vida… Por que tinha que ficar viva? Não merecia. Não depois daquilo. Lágrimas vieram de
novo em seus olhos, mas não saíram. Ela já tinha chorado por horas. Não, talvez tenha ficado
lá por mais de um dia… Não sabia mais. Seu estômago roncava. Sua boca estava seca… mas
ainda tinha gosto de… sangue. Gosto de sangue. Estava enjoada, pôs a mão na boca.
Começou a andar pelos destroços e corpos que antes eram tão iluminados, coloridos e bonitos.
Seu feirante favorito que sempre lhe dava uma maçã de brinde quando comparava algo paras
freiras jazia caído no chão com um facão de cozinha mal amolado na mão, que com certeza,
nem chegou a ser utilizado. Ele jazia na poça do próprio sangue, onde aparentemente tinha se
afogado.

Noctana passou por cima dele, ainda lacrimejando os olhos. Mas as lágrimas jaziam também
presas lá, sem escorrerem.

A loja onde as freiras comparavam materiais de limpeza e roupas de cama costuradas a mão
estava ali, só havia sobrado a telha e umas duas paredes. Parecia ter sido desmoronada a
marteladas, e é claro, totalmente queimada. Os lençóis puídos e enegrecidos. Noctana suspirou
profundamente.

Tudo, tudo o que um dia ela vira reluzir em alegria do dia-a-dia, tudo estava detonado.
Destruído. Morto. Literalmente morto.

Ela parecia a única alma daquela cidade, até que…

Ouviu um choro em algum lugar. Rapidamente, arregalou os olhos e começou a virar a


cabeça, procurando de onde o barulho vinha. Eram dos escombros de algum lugar, certeza.
Ela saiu correndo, e adentrando por paredes e mais paredes desmoronadas, chegou em uma
casa que ficara quase que inteira. Sua construção era melhor que as outras, pelo visto. Mas
algumas coisas de madeira foram queimadas também (janelas e portas), só que sem afetar o
resto (as paredes e tal). Ela saltou pelo buraco que sobrara da janela como pôde, e finalmente,
invadiu a sala.

Quando chegou ali, o cheiro de morte voltou forte paras suas narinas. Tal qual havia
acontecido consigo dentro do falecido orfanato. Sua mão foi até sua boca em choque, olhos
verdes arregalados.

O casal feliz que conhecera de vista estava ali. Os dois mortos e ensanguentados, sentados
como num jantar em família. E debaixo de uma mesa para sua surpresa…

Uma garota chorando.

Sim, aquela garota… sua amiga…

Glaz.

Noctana correu e abraçou-a com todas as forças. Quando ela a viu, ao invés de sentir-se
aliviada, apenas, a abraçou de volta mais forte e o choro… o choro ficara ainda mais
poderoso.

E agora, finalmente, as lágrimas da assassina sombria voltaram a cair de uma vez, junto as de
sua amiga.

Os anos que se seguiram dali em diante, foram anos inimagináveis de dor e tristeza,
contracenando com sobrevivência e força. As garotas tinham que sobreviver como podiam em
meio aquela destruição. Pegavam comida de onde havia (das lojas destruídas, das casas de
outras pessoas), enfim, davam seu jeito. Foi ali que elas aprenderam a sobrevivência de um
ladino. E juntas, elas descobriram um monte de coisas… coisas às vezes felizes e boas, às
vezes, na grande maioria delas, coisas cruéis, porém verdadeiras.

A vida era difícil. Viver era uma eterna luta, um eterno luto.

E então, sentadas a beira de uma lagoazinha próxima ao vilarejo (onde o mesmo utilizava da
água para beber, cozinhar e lavar as roupas), as duas finalmente conversavam.

Suas vestes já tinham sido trocadas, seus corpos já estavam limpos, apesar de toda a poeira do
lugar infectar suas macias superfícies. Noctana usava uma camisa velha de algum homem
morto e shorts por baixo (que sempre usara desde mais nova). Ela também tentava pescar
alguma coisa para elas comerem na lagoa, afinal, ali também haviam alguns cardumes
interessantes. Glaz usava o vestido de uma mulher morta, e finalmente, prendia seus cabelos
no rabo-de-cavalo, o que ajudava em suas ladinagens e outras coisas.

- Ana…

- Hm?

- Pescou alguma coisa já?

- Não.

- Que saco, né?

- É. - As duas trocavam palavras de vez em quando. Mas conseguiam ficar tranquilamente em


silêncio por um bom tempo. Glaz adorava falar, mas sabia que Noctana era mais quieta e
fechada, então não forçava a barra.

As duas sabiam conviver uma com a outra muito bem, já estavam acostumadas.

- Te falar.

- Hm?

- Ainda hoje eu penso sobre aquilo que aconteceu embaixo da mangueira. - Disse Glaz, e
então, Noctana olhou para ela confusa.

- A primeira vez que nos conhecemos?

- Não. A outra vez…

- Glaz, brincávamos direto embaixo da mangueira. - Noctana disse, com cara de resignação.

- Quero dizer, na vez que… ahm… bom… - Glaz ficou meio vermelha e fez uma cara
engraçada de confusão.

Noctana finalmente entendeu. Abriu os olhos surpresa e logo depois, ficou vermelha também.

- Ana… - E Noctana encarou a menina dos olhos verde-escuros, ela se portava de maneira
envergonhada agora. - Eu acho que eu estou apaixonada por você.
- Quê!? - Noctana ficou em choque de novo. - N-não… não pode ser, Glaz. Você nem mesmo…
Ahm… A gente nem… A gente é amiga, né?

- Ouch. - Glaz brincou, dando um “soquinho” no próprio peito. - Essa doeu, Ana.

- Erm… Não foi o que eu quis dizer, droga. - Noctana desconversou.

- E você, Ana? Você não me vê desse jeito, né?

- … - Noctana ficou com os olhos vazios. Vagos.

Depois de ter visto a morte de tão perto. De ter sentido ela em suas mãos, em seus olhos, em
suas veias… nada parecia tão apaixonante assim para si. Talvez… talvez nunca mais amasse
nada ou ninguém.

Sua família, seus amigos…

Noctana encarou Glaz séria.

- Desculpe, Glaz. Eu não amo nada nem ninguém desse jeito. D-digo… você é importante para
mim, mas… - Ela até tentou se consertar.

- Sim, eu sei que você me ama como uma irmã. - Glaz disse e sorriu, e Noctana concordou com
a cabeça. - Mas você podia me dar uns beijinhos de vez em quando, né? Hahaha!

E logo depois que disse isso, claro que apenas de brincadeira (ela não levou a sério de maneira
nenhuma), Noctana aproximou-se seu corpo do dela, e lhe abraçando, lhe tocou os lábios com
os seus novamente. Dessa vez, foi um beijo de língua e tudo…

67. A paraIA E A VISITA

Iluzia finalmente chegou no local indicado. Bom, mais ou menos. O local onde estava era a
paraia de Vatra. O local que devia estar era…

Usou uma magia para enxergar de bem longe e pôde ver o objetivo lá na frente. A tal da
caverna ou calabouço do centro do Allas era em uma droga de ilha. Droga, porque teria um
longo mar para atravessar.

Ela suspirou. A caverna em meio a ilha, dava para ver por sobre muitas árvores. Ela
claramente tinha formato de um crânio. Fazia sentido que a ilha se chamasse: Lobanja, que
era mais um nome para “caveira”.

- Mas que porcaria! Sério mesmo que vou ter que atravessar um mar comprido desses!? -
Iluzia pôs a mão no queixo incomodada. - Bom, eu poderia voar, mas… Não, voar vai me fazer
gastar muita mana, porque é um caminho muito longo. Eu vou chegar lá esgotada, não vai
fazer sentido se eu tiver que encarar muitos desafios perigosos pela frente sem mana alguma.

E então, ela encarou ao redor e olhou os coqueiros que haviam ali em Vatra. Bom, eles
poderiam ser cortados usando sua magia, e assim, ela poderia fazer uma balsa ou coisa do
tipo, mas…
Antes que pudesse colocar as mãos a obra, ouviu um barulho.

É, bem que ela conseguia sentir uma presença negra lhe seguindo… Assim que virou-se já
com as mãos cheias de mana azul para atacar o “stalker”, Iluzia ficou surpresa ao ver que
era…

A meio-drow de pele grafite, cabelos arroxeados naquele corte diferente e olhos alaranjados.
Sim, era a elfa negra (ainda vestida com aquele robe sombrio com o símbolo do exército
negro), Tamnazelnoc, mais conhecida como…

- Zel! - A maguinha de luz loira disse surpresa, e um tanto quanto… corada também? - Erm…
O que raios você está fazendo aqui!?

- Nossa! É assim que você me trata? Achei que ficaria feliz… - Disse a meio-drow, implicante
com a loira, que suspirou.

- Essa missão é a missão da minha vida. É para eu fazê-la sozinha. Eu dispensei até mesmo as
minhas… - Ela pensou em Ranik… Chamaria ela de amiga? Bom, elas eram amigas, mas…
Depois pensou em Noctana. Ela definitivamente não era sua amiga. Era? Estava confusa.

- Sua guerreirinha amada? - Perguntou Zel, zombando da cara da loira, que pareceu surpresa
por ela saber disso (e corada também), mas a meio-drow rapidamente lhe confessou como
sabia. - Eu vi vocês… eu vi tudo, na verdade, que aconteceu no castelo negro de Sfarcvald,
quando a amiguinha assassina de vocês encarnou no espírito maligno de Pakao.

- URGH! Você…!? - Iluzia nem sabia o que dizer sobre isso. Ela pensou em questionar porque
Zel viu a tudo sem interferir, mas fazia sentido. Ela era do exército negro afinal, não estava ali
para lhe ajudar ou salvar, embora já tenha feito isso antes… lhe ajudar. Mas com certeza ela o
fazia por si e não por Ranik ou por Noctana. E com certeza, agora, sabendo que ela sabia
sobre seus sentimentos a respeito de Ranik, aí mesmo que ela não ajudaria a guerreirona
(talvez pelo contrário, quisera que ela se ferrasse mesmo).

- Qual a surpresa? Eu trabalho pro inimigo afinal. - Disse Zel, entregando os pensamentos de
Iluzia para ela, e se aproximando mais da mesma, coisa que fez Iluzia dar um leve passinho
para trás e corar-se mais. - Eu não podia impedir. Ainda mais tratando-se de Pakao que é um
dos mestres e fundadores do exército negro. Ele é um dos magos sombrios mais poderosos de
todos, e logo, meu superior.

- Eu entendo que você tenha sido salva quando bebê pelo exército negro. Mas você sabe que
eles não pegaram você porque eram bons samaritanos. Você sabe muito bem que uma meio-
drow como você seria muito útil para eles por conta da sua descendência com elfos negros. E
elfos negros são ótimos com mana, principalmente mana sombria. Portanto…

- Vai dizer que eles só me veem como uma arma útil ou uma ferramenta? - Zel cortou Iluzia
rapidamente. Pois é, além de Noctana, a meio elfa negra era uma das poucas pessoas que
conseguia lhe atingir a linha de raciocínio. Mas talvez, Iluzia ainda considerasse a elfa uma
inimiga a altura, talvez por seu egocentrismo mago.

- Er… Sim, claro.

- Não é muita novidade. - Disse Zel, bocejando propositalmente. E então, a maga loira ficou
com raiva.

- Então por que continua trabalhando para eles!? Não vê que eles são o mal encarnado!? Eles
estão tentando dominar o Allas todo para eles! - Disse a maguinha explodindo. E então, Zel
começou a rir da cara dela.

- Você é tão fofa. - E Zel passou a mão no rosto de Iluzia, que rapidamente, deu um tapa em
sua mão, retirando-o dali. - Não entende? O bem e o mal nesse mundo são relativos. O
exército negro e os seus amiguinhos reais ou iluminados da guilda são apenas lados opostos da
mesma moeda. Todos lutam por poder, não importa se usando magia sagrada ou amaldiçoada.

- N-não… Não é nada disso. Os magos da guilda da luz protegem Allas. - Iluzia disse, porém,
logo lembrou-se da recepção que teve com o Oráculo em Snijeg, e acabou por ficar um tanto
quanto arrependida disso. - Pelo menos, era o que eles faziam.

- Heh. Você pode estar certa em reclamar que há uma força obscura por sobre o exército
sombrio. De fato, há um novo mestre que está comandando todos. Ainda que eu goste de
pensar que todos agem separadamente dependendo de seus objetivos pessoais. - Zel então,
esticou os braços e com sua magia negra…

Atingiu alguns coqueiros (ela já tinha atingido outros antes, foi esse o barulhão que Iluzia
ouvira), para logo depois, juntá-los como uma espécie de balsa. Sim, a ideia inicial de Iluzia.

- Eu, por exemplo, estou ajudando você agora. - Disse a meio-drow, e sorriu para Iluzia, que
de novo, ficou vermelha.

- E-eu não preciso de sua ajuda! Eu posso muito bem fazer as coisas sozinha! Aliás, eu quero,
foi o que eu disse! É minha missão de vida, então…!

- Não se engane, Iluzia. - Zel ficou bem séria agora, falou com uma voz bem profunda, que fez
a maga loira ficar meio preocupada. - O Calabouço do Centro do Allas não é como você
imagina ser. Não é um lugar bonito com anjos de cristal iguais ao que você tem… - Pelo visto,
ela também havia visto a luta contra Prom sobre a montanha (mas como!?). - Ele é o centro de
toda a energia do Allas. Onde se abriga toda a mana existente no planeta. E toda a mana não é
apenas boa, também é ruim.

- … - Iluzia não sabia o que dizer. Realmente, ela não fazia ideia do que o lugar lhe reservava.
para dizer a verdade, era nesse instante uma cega, ignorante sobre o destino, que apenas
seguia o que ele lhe reservava, sem se importar com o que realmente era.

Isso é… ela acreditava em Prom, Mudar e Stari. Não necessariamente no resto deles. Tanto é
que…

---

- Acha mesmo que iremos lhe contar? - Disseram os velhos magos cegos de roupas vermelha,
azul e verde, em uníssono, como quase sempre faziam, mas...

Iluzia sorriu maldosamente.

- Hehehe… Ok, então. - E logo ela foi andando para o lado, onde havia uma parede com
alguns quadros e estátuas.
Uma das estátuas, inclusive, a do meio, era de Stari. Era uma estátua bonita. Ela lembrava-se
vagamente da imagem em sua cabeça, ainda que fosse pequena demais para realmente se
lembrar (era apenas um bebê), só que por algum motivo, talvez sua magia de luz de berço,
tivesse lhe iluminado as lembranças mais antigas que possuía em mente. Ao lado dele, estavam
os três, em formato de estátuas também. Todas eram pequenas, no entanto, menores que
Iluzia (e isso era raro, hahaha!).

E quando a garota loira pisou perto das estátuas, os três do Oráculo ficaram paralisados em
choque, boquiabertos, olhando para ela:

- Ué… Achei que podiam prever o futuro, o que houve? Hahaha. - Iluzia disse, e então,
colocou a mão iluminada de mana azul na cara da estátua andrógina do sujeito vestido de
vermelho, o líder. A cabeça de pedra, em sua mão, era mais ou menos do tamanho de uma
bola de ping pong (coisa que não existia naquela época e realidade, mas… exemplifica bem).

- N-não faça isso! - Disse o líder do Oráculo, e a loira apenas sorriu mais ainda,
sarcasticamente.

---

- Eu decididamente acho que não há mais nada que você possa me ensinar, Titio Prom.

- Já disse para você…

- Sim, eu sei, foi mal. - A garota cruzou os braços, fula da vida.

- Mas sim, há uma coisa que eu devo lhe ensinar, sim. Quero que venha comigo fazer uma
visita ao Oráculo.

- …?

E assim, Prom e Iluzia passaram no Oráculo. Fizeram seus pedidos de visão do ano. Eles
falaram que Prom iria ser cerceado cada vez mais de energias negativas, mas ele deu de
ombros não se importando. E eles falaram que Iluzia teria uma revelação que mudaria sua
vida. A garota apenas sorriu. Por algum motivo, mudança de vida, naquele momento, era o
que mais queria. Só fazia treinar com Prom e fazer missões rasas de vez em quando, então…

Assim que eles saíram de lá, a mando do tio, eles dois retornaram a sala de treino, finalmente.
Onde Prom pediu-a para sentar no chão, onde sempre sentava, e ouvir-lhe atentamente:

- Eu vou lhe ensinar como derrotar os três magos cegos que preveem o futuro, o Oráculo. - E
quando disse isso, sério e mal-humorado como sempre, Iluzia apenas arregalou os olhos.

- M-mas… p-por que isso, titio?!

- Urgh, que chatice… - Prom passou a mão na face. - Você tem que ser a maga mais forte de
todo o Allas, não é mesmo? Agora que Stari faleceu, ficou mais fácil, afinal, nunca pisara em
todo Allas, mago como ele. Mas ainda faltam os três.

- E-eu… eu não quero aprender a derrotar os três. Eles são nossos amigos, não é? E eles veem
o futuro e querem ajudar! Sem contar que eles são poderosíssimos e… - Iluzia foi
interrompida com um grito furioso.

- EU NÃO PERGUNTEI SE VOCÊ QUER OU NÃO, VOCÊ VAI APRENDER!!! - E então,


Iluzia piscou os olhos algumas vezes, e revirou a cara, furiosa.

Bom… Ela aprendeu.

E lembrava-se muito bem.

---

“Obrigada, Titio Prom” pensou a loira, ainda com a mão na cabeça da estátua, energizada.

Era engraçado: Primeiro, eles não previram que ela ia fazer isso (foi exatamente o que Prom
falara, que eles não tinham essa habilidade, era como um ponto cego para eles). Segundo, eles
não podiam se mexer ou fazer nada para impedi-la agora. Apenas ela tocar com a mão ali,
paralisava seus corpos e deixavam-nos totalmente frágeis.

- E então, vão me contar onde fica o calabouço ou não? - Perguntou a loira, furiosa.

68. DESINTEGRANDO CONCEITOS ALHEIOS

- Stari escolheu os três melhores magos que pertenciam a guilda, questionou a eles se eles
queriam renunciar de suas vidas como seres humanos comuns e eles aceitaram. O preço a
pagar era alto… suas almas seriam depositadas dentro de estátuas de pedra, e elas seriam
como bonecos de vodu, quaisquer coisas que acontecessem as estátuas, eles seriam atingidos.
Mas em compensação, fazendo isso, seus corpos seriam paraticamente invencíveis,
indestrutíveis. Não adianta você cortar a cabeça de um membro do Oráculo, ela crescerá de
volta como se nada tivesse sido feito. Porque seus corpos foram preenchidos com mana. Eles
são paraticamente marionetes controladas pelas almas dentro das estátuas, à distância. E
também tem a premonição, não é? O preço eram seus olhos humanos. Eles nunca mais veriam
as coisas como seres humanos normais, logo, seus corpos preenchidos com manas tornariam-
se também cegos. Mas isso não seria um problema real, considerando que eles teriam a visão
do futuro. Tudo ao redor seria sentido e pressentido através de radares de mana
poderosíssimos, que teriam as habilidades até de prever das coisas mais casuais até as coisas
mais impactantes. Porém, haveria uma única coisa que eles não poderiam ver… isso porque,
essa coisa seria o ponto cego deles.

- O… quê? - Iluzia ouvia Prom falar sem parar, explicando-lhe como funcionavam os três
magos mais poderosos da guilda depois de Stari.

- As estátuas, ora essa. Quando um mago entra em contato com as estátuas, seus corpos
paralisam. Eles têm cerca de segundos para prever que alguém irá se aproximar delas com
intenções ruins, se eles não conseguirem fazer isso… seja por estarem distraídos com uma
conversa ou com algumas energias de mana que assumem papel de “ondas de rádio pirata”
para desgovernar suas visões energéticas, e o mago algoz em questão conseguir aproximar-se
fisicamente das estátuas, eles estarão em suas mãos. - Prom disse, com uma cara demoníaca. -
Eles não poderão se mexer mais. Eles ficarão completamente frágeis e… indefesos. Hahaha.
Como crianças fracas desarmadas!

- I-isso é terrível! - Disse a pequena Iluzia, chocada com aquilo.


---

“Isso é brilhante!” pensou a mais velha Iluzia, soltando mana, interrompendo o fluxo
futurista dos três magos cegos, andando até a estátua assim que os ameaçava e por fim,
apertando de leve a cabeça do andrógino de pedra como uma bolinha em suas mãos.

Os olhos dele eram de puro terror.

- P-por favor, n-não faça isso… n-não!

- Hahaha! Agora está arrependido, não é, velhaco? Cadê toda sua pomposidade de “novo líder
da guilda”? Foi para onde? Vocês são mesmo umas desgraças… - Iluzia disse, zombando mais
ainda da cara dos três, em desespero.

O de robe azul suspirou:

- Como foi que… Como foi que você soube disso? Stari contara apenas para… - E então, os
olhos cegos arregalados. - Ele contara também para Prom?! E-eu não acredito!

- Pois é. Não foi só Mudar quem sabia, não… Vocês acharam que depois de Stari e dele partir,
o segredo morreria com os dois, mas… o meu tio sabia! Hahaha! Ele sabia como matar vocês
três bundões! - E então, logo depois de um sorriso super sarcástico, a loirinha disse,
finalmente ficando séria. - E então, vão me contar onde fica o calabouço ou não?

E assim, finalmente descobrira onde ficara o tal lugar sagrado onde realizaria sua missão, seu
destino.

Até se encontrar novamente com Zel…

---

- Calabouço do Centro do Allas não é como você imagina ser. Não é um lugar bonito com
anjos de cristal iguais ao que você tem… Ele é o centro de toda a energia do Allas. Onde se
abriga toda a mana existente no planeta. E toda a mana não é apenas boa, também é ruim. -
Disse a meio-drow, alertando a maga de luz pequena.

- … - No começo, Iluzia ficou meio sem saber o que fazer ou dizer, mas… era teimosa e cabeça
dura o suficiente para encontrar uma resposta. - E você acha que eu estou com medo? Eu já
enfrentei forças sombrias várias e várias vezes. Eu não preciso de ajuda.

- Você vai morrer lá se for sozinha! - Disse Zel, e então, Iluzia cerrou os dentes com raiva.

- SE EU MORRER, QUE EU MORRA! - E então, ela suspirou e disse baixinho para si. - Se
esse for o meu destino, que seja…

- EU NÃO VOU DEIXAR VOCÊ MORRER! - Zel disse, agora dando uma tremenda surpresa
em Iluzia. A loira ficara boquiaberta encarando a maga negra, que de repente, ficou um tanto
quanto encabulada com sua demonstração excessiva de preocupação para com a outra. - E se
você tentar ir sem mim, bom, eu vou atrás de você. É um lugar público, você não pode me
impedir.
- …! - Iluzia suspirou, percebendo que a outra não arredaria o pé de jeito nenhum.

Então, só restava uma opção…

Iluzia encheu o cetro de mana azul e apontou-a para Tamnazelnoc, ela estava decidida, era
mesmo persistente.

- Vou te convencer na marra então! - Disse a loira, sim, ela ia enfrentar a maga negra. Zel
apenas suspirou de frustração.

- Se é assim que você quer… - Zel também preparou-se com suas mãos cheias de mana
escurecida e sombria.

---

Ranik fora até a taverna de Sekhs para tomar umas biritas enquanto suas parceiras estavam
longe, e quem sabe, poder pensar melhor sobre seus sentimentos e tudo o que acontecera até
ali. Tudo havia tomado proporções gigantescas. As pessoas próximas a si finalmente
conheceram parte do seu passado sombrio. Ela conhecera alguém que vivera a realidade da
guerra sombria, logo ao lado de seu pai, com quem ela, agora, podia se abrir e conversar.
Tinha se tornado mais forte, melhorado seu armamento, seus golpes. As coisas realmente
estavam diferentes, exceto por…

- Olá, amorzinho, saudades! - Era Sekhs, com aquela cara de tarada. - Me veio dar mais um
gostinho hoje, hein?

- Não hoje, Sekhs. - Ranik disse, completamente avermelhada.

- Poxa, que pena… O de sempre? - E a guerreirona fez “sim” com a cabeça, daí a taverneira
foi dar-lhe a caneca com o conteúdo desejado.

Rapidamente, um conhecido sentou-se ao lado dela, também pedindo uma caneca com o
mesmo conteúdo. Era Udarak. Surpresa encontrá-lo ali. E logo assim que o fez, depositou ao
lado da grandalhona uma sacola bem, bem grande, do que pareciam ser peças de ouro. Ranik
arregalou os olhos confusa e quase engasgou com a cerveja.

- O que é…!? É o dinheiro que Noctana pediu a vocês!? - Sim, ela ainda se lembrava disso.

- Pois é.

- Meu deus! Vocês já pegaram um bocado! - Ranik ficou olhando paras peças de ouro
chocada.

O sorriso de Sekhs só aumentou e ela veio rebolativa e curiosa.

- Quem ganhou na loteria?

- Tira o olho, gostosa. Isso aqui é para um motivo maior.

- Quer um motivo maior? - Sekhs abaixou bastante o decote, que Ranik podia jurar que viu o
bico dos seus seios caramelados de novo. Ela engoliu seco e a mulherona foi para longe
atender outros, rebolando mais uma vez.
- Meu deus, mais um pouco e ela me convence! - Disse Ranik, rindo e bebendo.

- Entendo… - Daí Udarak achou que seria uma boa começar uma conversação. - Então, onde
estão suas amigas?

- Iluzia está indo resolver o seu… ahm… destino? E bom, não me pergunte, não sei onde é isso
também. Eu estou preocupada com ela, mas ela me fez jurar que eu a deixaria ir sozinha fazer
isso. E Nocta… - Ranik deu uma pigarreada ficando sem graça. - Eu bem que achei que ela
estaria com você e com aquela… como é o nome dela?

- Glaz.

- É.

- Não, ela não está comigo, ao menos. Glaz eu não sei. Ela parecia com bastante saudade da
assassina. - Udarak deu uma golada na cerveja fazendo uma cara sabichona. Ele quis pinicar
e conseguiu. Ranik coçou a parte de trás dos cabelos, parecia meio emburrada.

Ciúmes?

- Elas são só amigas? - Ranik enfim perguntou. E Uda deu um risinho faceiro.

- Acho que sim.

- Acha…? - A guerreirona emburrou de novo. Ele só ria. - Tá tirando uma com a minha cara,
é?

- Você gosta dela ou não, Ranik?

- Gostar? Eu gosto, sim. - E então, Sekhs passou por ali de novo e deu uma piscadela de lado e
lambeu os beiços para Ranik, que ficou corada. Udarak deu uma suspirada.

- Então por que transou com essa?

- QUÊ?! - Ranik arregalou os olhos agora. Sim, ela foi pega de surpresa pelo elfo arqueiro
esperto.

- Hahaha. Eu sabia… Você era popular demais para não ter pego a taberneira gostosona. -
Udarak tomou mais uma golada de chopp. Ranik passou a mão na face, super sem graça.

- Por favor… - Ranik virou-se para Udarak com uma cara de cachorro que amassou panela. -
Não conte a ela isso.

- Hmmm… - Udarak deu um risinho. - Só se você mesma contar.

- …! - A guerreira piscou os olhos, em choque.

69. FLERTANDO COM O INIMIGO

Iluzia encheu o cetro de mana azulada e lançou uma esfera de tamanho pequeno (bola de
futebol) para cima da meio elfa negra maga das sombras, que rapidamente, defendeu com um
pequeno escudinho de mana em sua mão.

- É assim que pretende me impedir? Não parece estar dando tudo de si.

- V-você quer morrer, é!? - Iluzia disse, furiosa.

- Achei que fossemos lutar de verdade… - E então, energizando arroxeadamente os pés, ela
aumentou sua velocidade e foi para perto da maga de luz.

Energizou as mãos em forma de lâminas (quase como Pakao havia feito com o corpo de
Noctana lutando contra Ranik na floresta negra de Sfarcvald) e começou a tentar acertar a
loirinha.

Iluzia defendia-se de cada golpe um por um sem muita dificuldade, também tinha aumentado
a própria velocidade para isso.

- para se defender dá tudo de si, para atacar, não? Por que será?

- Erm… N-na verdade, não posso gastar muita mana, afinal, eu vou precisar dela no
calabouço do centro do Allas!

- Só pensou nisso agora, é? - Zombou Zel, e então, acertou um corte de raspão no braço da
loira que cerrou os dentes de raiva e dor.

- Claro que não! Mas eu não posso me dar por vencida! Não tem propósito você ir comigo,
eu… eu preciso fazer isso sozinha! - E então, Iluzia fez o mesmo com os braços,
transfigurando-os para lâminas. Ela nunca havia feito isso antes, Zel reparou e ficou surpresa.
A maga de luz era mesmo uma maga generalizada… só de olhar a magia alheia ela conseguia
aprendê-la com facilidade.

E começou uma briga de lâminas-braços se digladiando. Iluzia não parecia lidar bem com esse
tipo de ataque, no entanto. Era algo muito físico, exigia muita força e habilidade braçal, coisa
que ela não tinha, afinal, não pegava em armas. Também teve que soltar o cetro nas costas (ele
ficava pendurado em seu corpo), e isso lhe atrapalhava um pouco também.

De repente, a lâmina de Zel entranhou no canto da barriga de Iluzia, fazendo-a soltar sangue.

- M-maldita… - Disse a loira, sentindo dor. - S-se aproveita porque eu estou economizando
mana e…

Tamnazelnoc, a meio-drow, aproximou seu rosto e seus lábios e… deu um beijo na boca de
Iluzia. Que primeiro, arregalou os olhos confusa. Logo depois, ela fechou-os. A mão-lâmina
saiu de seu dorso e voltou ao normal. E junto com isso, Zel curou-a com um pouco de mana
roxa quente em seu dorso e seu braço, mas ainda sem largar do beijo.

Elas ficaram assim por um tempo, digladiando agora as línguas molhadas e o gosto. Até que
Iluzia, finalmente caíra em si, e empurrara a outra, furiosa.

- O QUE ACHA QUE ESTÁ FAZENDO!? - A loira limpava a boca, corada.

- Estou te mostrando que não precisamos brigar. - E então, ela deu um risinho irônico. - Acha
que eu me saí melhor que sua querida guerreirinha?

- Erm… - Iluzia virou de costas e cruzou os braços, fula da vida. - N-não tenho escolha. V-você
realmente não vai arredar o pé, e gastar mana aqui lutando contra você só vai me fazer ter
pouca mana depois para ir ao calabouço e morrer lá dentro. L-logo…

- Finalmente você entendeu. Enfim… - Iluzia ainda estava de costas e de braços cruzados,
quando ouviu Zel dizer isso e logo depois…

Um barulho de algo pesado caindo na água. Quando ela foi ver, Zel já estava em cima da
balsa e flutuava pela água indo em direção a ilha. Rapidamente, uma Iluzia furiosa saiu
correndo para não perder o bonde!

- EI, VOLTA AQUI!!!

---

- Então, você e Nocta chegaram a se beijar, é? - Disse Udarak, bebendo outra caneca. Era sua
quinta. Ranik também não estava longe disso. Os dois continuaram conversando por horas a
fio, como nunca antes fizeram.

- Erm… S-sim, mas… - Ranik passou a mão na cabeça, super sem jeito. - Mas eu não sei no
que isso vai resultar, porque pouco tempo depois, eu beijei a Iluzia também. Digo, mais ela
quem me beijou que o contrário, então…

- Woah. Você é realmente disputada, hein, guerreirona! - Udarak riu, achando muito
engraçado aquilo tudo. Mas ao mesmo tempo, no fundo de sua mente, ele preocupava-se com
Noctana.

---

Finalmente a balsa chegou em Lobanja. Zel foi a primeira a sair do “veículo” e finalmente
tocar a areia.

Estava realmente quente. Ficar tanto tempo naquele Sol em plena paraia era calorento o
suficiente… Estava suando, podia sentir. Acabou que sem que Iluzia pudesse prever, retirou
seu robe negro com o símbolo do crânio e jogou-o no chão, ficando apenas com as vestes
íntimas (uma espécie de top sem alças e uma calcinha).

Iluzia arregalou os olhos ao ver o corpo da meio-drow. Sim, ela era toda acizentada (ardósia-
azulado, não é?), mas suas curvas, seus traços…

Bom, não era nada como Ranik. Assim como ela, Zel era uma maga, logo não era musculosa
nem nada, não que fosse magrelíssima, tinha belas curvas, talvez até mais acentuadas que as
da loirinha. Sim, certamente eram mais acentuadas. Os seios, as coxas, a…

Finalmente, os olhos alaranjados viraram-se para maga, que virou a cara corada. Será que ela
percebera que estava lhe “secando”!?

- O QUE DIABOS PENSA QUE ESTÁ FAZ…!? - Mas a loira foi interrompida.

- Estou morrendo de calor! E aqui tem um mar lindo e límpido! Não vou perder meu tempo…
antes da gente entrar nessa caverna escura e úmida, a gente pode muito bem aproveitar um
pouco disso, né!? - Disse a meio-drow, dando aquele sorrisinho meio que provocativo para
Iluzia.

Zel estava longe de ser uma Sekhs provocando, mas era óbvio, porque apesar dos pesares, ela
não era tão oferecida assim. Mas quando se tratava da pequena maga loira, bem, ela ganhava
uma coragem esquisita.

- Não temos tempo! Eu tenho que…! - E antes que ela pudesse terminar, novamente,
interrompeu-se com…

Roupas íntimas caindo sobre o robe no chão. Iluzia tapou os olhos completamente roxa de
vergonha. Sim, agora a maga negra estava completamente despida.

- P-por que não ficou com as roupas íntimas!?

- E molhar minha calcinha e meu top? Não, obrigada. Prefiro nadar nua. - Disse Zel, e então,
jogou seu corpo no mar num mergulho.

Iluzia tinha ouvido o “tchibum”, e agora estava apenas suando 50 mil vezes mais.
Rapidamente, ela revirou os olhos e ainda corada, pensou:

“Ela está nua! E é muito bonita! E beija muito bem! Porcaria, porcaria, porcaria… O que
está acontecendo comigo!? Eu gosto da Ranik, droga! Eu não devia ficar excitada, mas é
que… Oh droga, faz tanto tempo que eu não… eu só fiz com a Ranik também, então… Urgh!
Eu tenho que resistir a essas tentações! Eu já fui expulsa da guilda por causa disso! Fazer
essas coisas de novo só vão me… Afff… Mas eu não consigo, eu…!” e então, os olhos azuis
viraram-se de volta para o corpo grafite nu que nadava naquela água tão transparente e
geladinha.

O suor aumentara. Ela olhou para entrada do calabouço em formato de crânio. Tinha que
entrar ali e resolver sua missão. Isso não incluía nadar em um mar com uma meio-drow
amaldiçoada, mas…

O que estava incluso naquilo tudo afinal ou não?!

O destino era você que fazia ou não!?

Deu uma longa suspirada, e então, retirou o cetro, o cachecol e logo depois, o robe azul.
Também estava morrendo de calor afinal, e… Quando os olhos acobreados encararam ela
com uma cara de… tesão, só podia ser… Iluzia corou-se de novo tentando cobrir suas roupas
íntimas.

- N-não olhe para mim! V-vire a cara, eu… Eu não estou acostumada de ficar nua na frente
das pessoas assim!

- Sei… - Disse Zel, e começou a rir.

A maga de luz bufou.

- Eu não devia nem ter cogitado. - E quando ela ia pegar o robe de volta no chão para se vestir
mais uma vez…
Um grande jato de água veio em cima de si, molhando todas suas roupas íntimas.

- VOCÊ ESTÁ DE SACANAGEM COM A MINHA CARA!? - Zel apenas ria mais e mais,
enquanto a loirinha estava emputecida. - Droga, estou ensopada…

- Que tal se você deixasse suas roupas íntimas secando na areia e viesse aqui tomar um banho
comigo, hein? - Zel disse, ainda com aquela voz provocante. Iluzia engoliu seco.

- P-por que raios eu faria isso?! - E então, quando a loira disse isso, ela ouviu o som de alguma
coisa saindo da água.

Claro, era Zel.

Ela virou-se de soslaio para olhar, o corpo nu e totalmente molhado. Alguma coisa ficou
também molhada entre suas pernas. Não aguentava mais… Retirou o top e a calcinha,
pulando na água o mais rapidamente que podia para que Zel não conseguisse ver seu corpo.

Mas era inútil. A água era limpa demais. Limpa o suficiente paras duas verem tudo.

Verem tudo…

Iluzia encarou os olhos de Zel. Sentia um friozão na barriga incontrolável. Seus olhos agora
não desgrudavam da outra e vice-versa. Zel foi aproximando seu corpo da maga loira, e então,
tocando em sua face com a mão nua, seus lábios encontraram-se de novo.

Enquanto isso, do outro lado do mar, por trás de uns arbustos, duas pessoas saíam…

Noctana e Glaz.

70 e 71. EMARANHADO DE SENTIMENTOS E MANA

Zel retirou suas roupas.

Eu sabia que seu nome era Tamnazelnoc. Mas por algum momento, eu tenho quase certeza que
ela me disse seu apelido. E se não disse, gravou no meu cérebro em algum momento em que ela
o lia.

E eu sabia… sabia que se ela soubesse do meu truque. O meu truque para ‘ler sua mente’, ela se
decepcionaria comigo. E por isso…

Eu ainda não consegui contar a ela.

E então, eu acabei retirando as minhas roupas.

para mim, era uma situação inusitada. Há quanto tempo eu não tinha uma aproximação assim
com alguém?
Honestamente? Eu me sentia indigna. Não de ter Zel, mas de ter uma energia sagrada dentro de
mim.
Há quanto tempo eu me sujava assim?

Por quanto tempo mais eu me martirizaria com a culpa?

---

- Ok. - Iluzia disse, assim que vestiu-se com suas roupas íntimas e robe azulado, finalmente.

Era difícil vestir-se assim na frente de uma pessoa que até então mal a tinha visto nua, mas…

Ela nem queria pensar nisso, ou seja, apenas continuou agindo e pronto.

Zel também ficou em silêncio e apenas vestiu-se.

- Bem, então, vamos? - Disse, como se nada tivesse acontecido. Iluzia agradeceu-a
mentalmente por isso e apenas fez “sim” com a cabeça.

---

E mesmo assim, era inevitável. Nós duas mergulhamos naquele mar gelado e límpido, que
contracenava com aquele lindo cenário e muito, muito calor. O Sol estava nos castigando por
nossos pecados.

Eu me sinto uma freira.

Ser uma maga de luz é quase como ser uma freira, mas tem de se lidar com…

Magias de verdade, não milagres de mentira.

E de vez em quando, umas criaturas assustadoras e poderosas que têm de virar tripas mortas.

Olhar seu corpo nadando era como uma tortura. Suas curvas…

Como eu pensara antes. Não, ela não era forte e andrógina como Ranik. Era diferente…
Claramente, éramos duas mulheres. E suas curvas…

Suas curvas eram completamente bem acentuadas. Seu corpo era mais ‘agraciado’ que o meu.

Eu sempre tivera um corpo contido. Seios de pequenos para médios. Coxas normais. Cintura
bem fina. Eu era petit. Sim, assim que eu gostava de me auto-intitular.

E eu percebi que Noctana era no mesmo estilo. Acho que isso era o que atraía Ranik, mas…

Eu não. Eu gostava de exageros.

Ranik me atraía porque era musculosa, forte, masculina, grande, alta… Enfim, eu achava
incrível me perder por entre seus braços enormes e me sentir protegida em seu calor.

Com Zel era bem diferente. Mas era tão…

Quase, quase tão atraente quanto. Não, eu nunca vou admitir que poderia ser… poderia ser o
mesmo nível de atração. Nunca.

---

Deixando tudo aquilo para trás (exceto pela sua mente, esta continuava repetindo cada toque,
cada cheiro, cada gosto… erm), o lugar já começava a escurecer. Sem que Iluzia precisasse
dizer nada, Zel iluminou sua mão com uma magia fraca de luz, sem que isso gastasse quase
nada de sua mana.

Era uma magia básica, todo mago sabia. Era engraçado que ela, como maga das sombras,
nesse instante, desse a luz para o caminho das duas dentro daquele lugar.

Aparentemente, até então, era um túnel que apenas ia descendo e descendo, ficando cada vez
mais escuro, mas como Iluzia já havia dito, isso era um problema reparável.

O problema foi quando o caminho dividiu-se em três. E as duas se entreolharam sabendo que
não podiam perder tempo com um percurso errado ou um beco sem saída (que também podia
ser uma armadilha, obviamente).

- E então, alguma ideia?

- Claro… - E então, Iluzia estendeu a mão e puxou mana “radar”. A ideia era aumentar a sua
percepção do caminho que seguiam.

Quanto mais mana o percurso a frente tivesse, mais importante para ela (ela acreditava) era.

---

Eu olhava suas curvas mais acentuadas. Eu olhava seu corpo flutuando naquela água. E
começava a pensar tanta bobagem. Eu estava ali nua… uma maga da luz… e ela… uma maga
das sombras…

O que raios eu pensava!? Eu só podia querer me queimar mais e mais.

Mas não é mais como se eu pudesse retorquir meus sentimentos. Eles já tinham sido entregues.

Quando Tamnazelnoc levantou-se da água, colocando mais da metade do seu corpo para fora,
visivelmente nu, e aproximou-se de mim, e eu pude sentir seu calor, sua pele, tocando a minha,
eu fiquei completamente zonza. Seus olhos tão perto dos meus. Seus lábios roçando nos meus…

Lábios. Sua língua adentrou a minha sendo convidada sem barreiras. Roçamos uma na outra,
assim como os lábios, seu cheiro adentrava minhas narinas, seu gosto em minhas papilas
gustativas. Era tudo tão bom… Ela abraçou-me o corpo, eu fiz o mesmo a ela. Ela era um pouco
mais alta, mas mesmo não sendo tanto assim, foi bom demais.

Eu gostava do fato dela ser mais alta, não que fosse fácil ser mais baixa que eu (não era, de
fato). Mas Noctana, por exemplo, devia ser de exato meu tamanho.

Ficamos um tempo nos beijando, até que eu senti sua mão passear pelo meu corpo…

Na mesma hora, pensei 300 coisas que poderiam me impedir daquilo.


Eu não conseguia acreditar o quão idiota eu era por deixar-me levar dessa maneira estúpida por
minhas barreiras mentais.

VOCÊ NÃO ESTÁ MAIS NA PORRA DA GUILDA DE MAGOS DE LUZ.

SIM, VOCÊ QUER CONQUISTÁ-LOS DE VOLTA, E VOCÊ O FARÁ COM SUA ARMA
ESPECIAL DE PURIFICAR MANA.

E NÃO, NADA QUE VOCÊ TENHA FEITO ANTES DISSO – incluso o relacionamento com
Ranik – IRÁ IMPORTAR QUANDO ELES VEREM O QUÃO NECESSÁRIA VOCÊ É para
SALVAR O ALLAS.

E o meu destino estava incluso nisso.

Sim, eu repetia isso como um mantra, enquanto as mãos de Zel me convenciam de que eu fazia o
certo, repetindo isso em minha cabeça.

---

Iluzia conseguiu localizar que o caminho com mais fonte de mana era o esquerdo, então
seguiram juntas. Era engraçado, Iluzia e Zel, elas quase não se falavam. Não era necessário. A
maga não precisava explicar tudo para meio-drow. Por ela ser uma maga também, ela
entendia paraticamente tudo o que Iluzia fazia.

Se precisavam escolher um caminho, a maga de luz encarava-a com seus olhos azuis e ela com
seus olhos alaranjados, e rapidamente, ela puxava sua mana e a outra já sabia o que ela estava
fazendo, e sabia que era paraquilo. Era engraçado. Era simples, era prático, era…
confortável.

O corpo de Iluzia estava aquecido. Ela estava confiante. E ainda sentia seus beijos nela. Ela
não conseguia dizer nada, não se atrevia.

Enfim, chegaram em uma sala fechada. Não era possível. O radar de mana levava para ali,
deveria ter alguma coisa escondida naquele maldito lugar.

- Tem algo errado aqui.

- Deve ter uma passagem em falso. - Zel disse, e então, energizando as mãos, começou a tatear
as paredes.

E então, para surpresa delas, um som…

Viraram-se paraticamente ao mesmo tempo e viram. Pelo menos uns cinco golems de pedra se
formavam naquele lugar. Era uma armadilha.

---

Ela tocou-me em todos os cantos que pôde. E eu não ousei pará-la de maneira nenhuma. Pelo
contrário, enquanto ela me tocava, eu tocava-a em suas curvas acentuadas também.

Eu queria me aproveitar do máximo que podia daquele corpo naquele momento, porque eu tinha
certeza absoluta que depois minha mente me trairia e me deixaria arrependida de tê-lo feito.
Sentia a ponta dos seus dedos, carinhosamente passando pelos bicos dos meus seios rosados e
duros. Era diferente de Ranik, sua mão era tão grossa, tão rude, tão bruta. Não que ela fosse no
toque, mas era a textura. Era realmente como se eu tivesse sendo tocada por um homem. Não
que eu visse Ranik como um homem, ela estava longe de ser um. Mas naquele instante, eu estava
curtindo bastante aquele toque macio dos dedos de Zel.

Ela abocanhou meu pescoço e eu senti o quanto seus dentes eram afiados. Ela não chegou a me
morder, mas roçou eles na minha pele, fazendo eu ficar toda arrepiada, seguindo-a por sua
língua molhada que marcava o caminho. Eu dei uma gemida ressoada, contida, tentando não
chamar atenção (não sei do que, estávamos sozinhas em uma ilha deserta, afinal).

Talvez eu não quisesse que ela se achasse demais por estar fazendo tal coisa comigo. Mas era
inevitável. Eu segurava agora (e apertava) seus seios macios, constatando que eles eram
realmente maiores que os meus. Os bicos também estavam duros, e tinham uma cor parecida
com cinza escuro meio azulado. Era engraçado… mas bonitinho ao mesmo tempo.

Logo depois, ela desceu sua boca até meus seios e finalmente abocanhou-os. Eu fiquei com medo
dela machucá-los com aqueles dentes, mas assim como ela fez com a pele do meu pescoço (eu
não sabia como ela conseguia conter tanto assim a força que aplicava), ela apenas arranhou-os
com as pontinhas agudas, sem machucar de verdade, e logo depois aproveitou o mesmo para
continuar chupando e até mordendo eles, só que sem feri-los. Era mágico. Eu não resisti e
acabei soltando mais alguns gemidos, agora quase audíveis. Fiquei com vergonha.

Sua mão já estava brincando na minha barriga, sem se importar, passeando por entre o meu
umbigo, me fazendo sentir cócegas… E então, de repente, ela adentrou no meio das minhas
pernas. A outra passeou por minha coxa, me marcando com suas unhas.

Nunca nada algo que Ranik faria. Sim, eu sei, é um saco ficar comparando-a a Ranik o tempo
todo. Mas aquela grandalhona foi a única com quem eu já tinha feito alguma coisa até…

Ardeu um pouco, mas foi gostoso. As marcas ficariam por mais algumas horas, certeza. Eu era
branca demais.

A mão que foi pro centro, logo me soltou um suspiro só de entrar na abertura molhada. Não
tinha como a água do mar competir com o que saía de dentro de mim, que era bem menos…
ahn… denso?

Era como óleo e água, ainda dava para sentir ali, claramente.

---

Foi como se Iluzia tivesse regrado. Ela criou três esferas de gelo com o cetro, e Zel, ao mesmo
tempo, criou umas duas esferas (grandes) de energia congelada. E então, elas se olharam e
riram. E logo depois, atacaram os seres.

Era fácil detonar alguma coisa de elemento de terra se elas sabiam exato o que era que o
afetava. E era mais fácil ainda quando sua parceira era tão boa em magias quanto você. E
pelo visto, ela era paraticamente como Iluzia…

Uma maga generalizada. Ao menos, assim parecia. Zel fazia tantas, tantas coisas… de onde
ela saiu? Parecia uma outra fachada da maga de luz. Uma alma gêmea. Alguma coisa que ela
nem fazia ideia que existia.

Saíram dali com o exército congelado totalmente, sem poder se mover.

E encontraram o caminho em falso, que destruíram rapidamente com uma magia de manas
conjuntas, isso é claro, sem combinar absolutamente nada uma com a outra.

---

E logo depois, eu senti seus dedos me tocando logo ali. Logo ali. Porcaria, era inevitável agora.
Minha mão correu por seu corpo e caçou sua área entre as pernas também. Era quase como se
fosse uma vingança… Não sei porque.

Talvez eu me sentisse culpada se apenas sentisse aquilo tudo sem fazer ela ver o que eu queria
para ela também. Fazia sentido? Talvez ela fosse como Ranik, mais ativa que passiva ou algo do
tipo. Só que ainda sim, eu queria que… naquele instante… ela lembrasse dos meus dedos,
enquanto eu lembrasse de suas curvas, na mesma medida.

A conclusão era que, provavelmente, ela era versátil. Não que Ranik não me deixasse tocá-la,
pelo contrário. Eu já havia feito umas maldades bem divertidas na guerreira (erm… melhor não
falar disso agora, vamos voltar pro que interessa, o momento atual).

---

Seguiram sem problemas. Digo, enfrentaram alguns desafios, mas para pessoas como elas…
era risível.

Primeiro foi um percurso em que o chão era puro espinho. Tinham que pular blocos de pedra,
que assim que tocavam, eles se desintegravam. Tudo bem, elas flutuavam ou então,
simplesmente aumentavam a velocidade e pulavam de boa, sem gastar tanta mana. Sorriram
de novo uma para outra logo depois.

Em seguida, foi um corredor onde os blocos tentavam lhes esmagar. Nada que seus escudos de
mana não suportassem. Foi bem tranquilo, para dizer a verdade. Destruíram a porcaria toda
no caminho e seguiram em frente.

O terceiro foi como areia movediça. Mas só perceberam depois que pisaram, esse foi o
problema…

Nesse foi um pouco mais complicado. Zel conseguiu puxar com sua força física e saiu da terra-
puxante, flutuando, e logo depois, estendeu a mão a Iluzia, e ela segurou. A meio-drow ativou
sua força física de novo e lhe puxou para fora. Dali para diante, elas duas flutuaram juntas.
Olhando uma para outra, cumplicemente.

E enfim, chegou o problemaço que as duas não previam.

---

Enfim, quando eu senti-a por dentro, constatei que ela estava exatamente do mesmo jeito que eu,
óleo e água. Pelo menos isso não mudava com alguém que era meio-elfo negro. Continuava
tendo os líquidos menos densos que a água do mar salgada (será que era por isso? Não sei, foda-
se a física nesse exato momento em específico). Mas assim que eu a penetrei como ela fez
comigo, logo depois de acariciar seu clitóris, ela deu uma gemida.

Ahhh… A gemida de Zel. Foi música pros meus ouvidos. Parando-nos de nos beijar, eu só mordi
os lábios de ouvir aquilo. E então, ela fez um carinho no meu clitóris já duro, inchado… era
rosado, Ranik disse uma vez. E então, logo depois, ela levou os dedos… dois… maldita… para
dentro da abertura.

E assim, em conjunto, nós nos comemos unidas. Ao mesmo tempo.

E por incrível que pareça (algo que era difícil, acredite), gozamos juntas também, ao mesmo
tempo.

E logo depois que isso aconteceu, eu achei que ia ficar aquele momento “climão”, mas ela não
permitiu.

Rapidamente, Zel me puxou e me abraçou, dando outro beijo nos meus lábios, e logo depois,
ficando apenas no abraço mesmo.

Puta que pariu. Eu não queria mais sair dali por aquele instante, mas…

A gente precisava, sim. A gente precisava se vestir e seguir para missão da minha vida, meu
destino, dentro da ilha de Lobanja, dentro do calabouço do centro do Allas.

Afff…

---
Era um ser em uma área aberta. Haviam cinco pedestais de pedra, todos eles com cinco gemas
iluminadas de cor arroxeada em cima, bem brilhantes. O ser em si, parecia um mago, ele
tinha roupa de mago (chapéu pontudo e tudo), mas sua pele era 100% negra como se fosse
uma sombra e ele não tinha face. Ele ficava lá, até então, flutuando. Logo depois, tinha uma
porta que elas acreditavam ser para continuação do caminho, afinal, não havia outra
passagem. Mas pelo visto, estava segura por magia, porque elas tinham que enfrentar o filho
da puta primeiro.

- Bem, vamos só matar esse corno, e… - Disse Zel, e então, ele estendeu a mão para ela, a mão
dele se iluminou arroxeadamente, e…

Iluzia sentiu toda a energia da maga negra ser sugada, até ela cair no chão desmaiada.

72. ANTI-MAGIA

- Bem, eu acho que finalmente está pronto. - Disse Pakao, sorrindo. Andava de um lado pro
outro em um lugar que claramente era uma cripta ou coisa assim. - Isso vai tornar as coisas
tão interessantes, hahaha.

- Como sempre, perdendo tempo com bobagens. O Xamã está te esperando para lhe dar
respostas, sabia? - A voz grave surgiu, mas mesmo sendo grave, era feminina.

Quem estava logo ali com o mago negro dos pesadelos de Noctana era uma mulherona de
armadura negra. Seus braços cruzados. Sim, ela era claramente uma mulher do exército do
dragão negro.
- Logo você dizer que isso é uma bobagem? Achei que o admirava. - Disse Pakao, mostrando-
lhe os dentes brancos com toda ironia que podia.

- Pelo contrário. Eu o odiava com todas as minhas forças. - A mulher bufou furiosa, e então,
foi andando até a sepultura que estava cercada de velas negras acesas e deu um soco em sua
“tampa”. - Maldito… Maldito Nasille.

---

Iluzia ainda estava em choque. Ela e Zel estavam se dando mais que bem, até tinham… Ela
não queria pensar nisso naquele momento. Aliás, depois de enfrentarem todos os desafios com
a maior facilidade do mundo, enfrentar aquele inimigo sem forma, porém com vestes de
mago, fora encarado como algo fácil, até que… ele estendera sua mão e simplesmente sugara
toda a mana de Tamnazelnoc fazendo-a desacordar no chão.

A loira logo correu para meio-drow, desesperada, e sacudiu-a:

- Zel! Zel! Você tá bem?! Zel! - E então, a maga de luz olhou muito fula pro inimigo flutuante.
- Você…!

E então, ela o viu estender a mão para ela energizando-a arroxeadamente, exatamente como
fizera a Zel antes de “secá-la”, e nesse instante, ela correu e se escondeu atrás de uma das
cinco pilastras que possuíam gemas brilhantes roxas em cima (mais ou menos do tamanho de
esferas).

“Essas coisas… devem ter algo a ver com o maldito”, esticando seu corpo o máximo que
podia, Iluzia estava na pontinha dos pés, e finalmente, ela encostou na pedra.

Não conseguiu agarrá-la, no entanto. A pedra foi empurrada por seus pequenos dedos, e caiu
no chão, quebrando-se.

Era como se fosse feita de vidro puro com… com alguma coisa que saiu de dentro, indo
embora como uma fumaça escura.

Aquilo era mana. Iluzia sentiu. E logo depois, sentiu que o mago desforme ficava um
pouquinho mais fraco.

Logo, ela sorriu.

Energizou sua mão com a mana azul de sempre, mas quando ia soltar a magia apenas para
acertar outra gema de vidro arroxeada, rapidamente, sentiu que seu poder fora sugado no ar.

- Maldito! - Era difícil usar magia com ele ali. E todo o momento que ela dava mole de
aparecer, fazia ele tentar sugá-la como fez com Zel novamente.

Não tinha como atacá-lo diretamente e muito menos, tentar utilizar magia para resolver as
coisas. E agora? O que faria? Diferente de Noctana ou Ranik não era uma atacante física que
usava magia apenas de vez em quando. Magia era a profundamente a única coisa em que era
boa…

---
Céu em chamas. Sim, era isso que parecia naquele lugar. Que chovia magma dos céus. E o
lugar era realmente muito quente e cheio de vapores. Ao redor, também haviam alguns
pequenos rios de magma, intercalando-se com estátuas bizarras de gárgulas feitas de
obsidiana. Monstros alados boquiabertos cheios de presas.

E sentado em um trono, havia uma figura que usava uma roupa que se assemelhava a roupa
de…

Stari, o líder da guilda dos magos de luz.

A diferença era que suas vestes eram negras com detalhes vermelhos e dourados. Mas
portava o mesmo robe e a mesma máscara em sua cabeça, cobrindo 100% de sua face,
impossibilitando de ser visto ou reconhecido.

Logo depois, uma pessoa adentrou naquele recinto flutuando do céu de chamas, atravessando-
o como se mergulhasse em uma piscina.

A pessoa estava, claro, usando um escudo em torno de seu corpo para protegê-la das
queimaduras.

E assim que pousou, já foi ter com o sujeito sentado no trono de vestes fechadas:

- Me chamou, vossa excelência?

A segunda pessoa a adentrar ali, com outro método, no caso, era saltando mesmo (sem
flutuar) e sem escudo (apenas a armadura negra), caiu logo atrás do primeiro.

A primeira pessoa quem falava era Pakao, finalmente chegando no que parecia ser o covil
máximo daquela pessoa desconhecida. E a segunda era exatamente a mulher armadurada
com quem ele conversava antes. Pelo visto, ela o seguira.

Já o sujeito no trono, simplesmente respondeu:

- Soube que está fazendo aquela surpresa. - Disse a voz, não dava para reconhecer se era
feminina ou masculina, apenas dava para saber que era muito abafada pela máscara
(exatamente por isso a dificuldade de reconhecê-la).

- Sim, eu ia trazer meu brinquedinho mais cedo ou mais tarde.

- E quando irá acontecer? - Perguntou a voz sombria, mas logo, a mulher de armadura se
intrometeu.

- TEM CERTEZA QUE ISSO PRECISA SER FEITO, XAMÃ!?

- … - O ser apenas suspirou, e então, virando-se para Pakao disse. - Pode continuar em frente.

O mago negro sorriu de orgulho de si mesmo, e logo depois, deu uma olhada zombadora para
a mulher que ficava mais e mais furiosa (ainda que sua face também estivesse coberta, no
caso, pelo capacete negro).

---
Iluzia enfrentava agora o mago desforme que engolia mana. O problema era exatamente esse,
a maguinha de luz usava apenas mana para lutar. Suas capacidades e resistências físicas eram
piores que regulares.

Mas ao menos, ela já havia entendido. Tinha que destruir as 4 gemas de vidro arroxeadas que
sobraram ali (já tinha destruído uma) para poder derrotar o bicho. Mas como faria isso se
mal conseguia sair de trás de uma das pilastras e o bicho já tentava lhe desmaiar como fizera
com Zel?

Suspirou.

Não tinha muito mais tempo para pensar, isso porque o bicho vinha flutuando logo ali,
tentando ter um contato direto com ela. Quando ele se aproximou, já correu para outra
pilastra, escondendo-se.

Eram milésimos de segundo de contato direto, já sentia sua mana esvaindo-se continuamente
de seu corpo pequeno.

Olhou no chão ao redor, viu os estilhaços da outra gema caídos ali. Pegou um, cortou o dedo
sem querer. E então, tacou com toda a força que pôde contra outra gema, mas não conseguiu
acertar, sua mira não era 100% também, pelo visto. Suspirou.

Sentiu falta de Ranik. Pensou…

“Eu disse para ela não vir comigo e agora estou nessa posição”, a loira realmente estava
arrependida. Encarou o corpo de Zel desacordado no chão, preocupada.

Iluzia resolveu arriscar-se. Ficar escondida para sempre resultaria em absolutamente nada de
bom. Então, deu um impulso e correu como pôde para pilastra mais próxima, para poder dar
um salto e bater nela…

Mas foi o suficiente.

O mago inimigo que mais parecia um fantasma esticou a mão esfumaçante e…

Sugou toda a mana de Iluzia em uma tacada só.

Rapidamente, a loira sentiu-se zonza.

Porcaria… Ia tudo terminar assim?

Aquele mago. Aquela coisa. Aquilo era criado por mana. Tipo os monstros energéticos que
Prom fazia. Havia um mago então por trás daquela coisa. O mago aproveitaria-se que ela e
Zel estavam desacordadas para matá-las?

Devia ter deixado Ranik ou Noctana virem.

Ranik…

Noctana…
Noctana!?

Rapidamente, Iluzia pôde ver (enquanto seu corpo jazia no chão de barriga para cima) quatro
adagas de lançamento cortando o ar e atingindo as 4 gemas de uma vez só.

E logo depois, o mago esfumaçado esfumaçou-se de vez, dissolvendo no ar e desaparecendo.

E logo, uma cabecinha coberta apenas por um capuz e máscara negros, surgiu na frente das
vistas azuis da maguinha, encarando-a de volta com vistas esverdeadas. Sim, era a assassina.

- Você ainda tá viva? - Perguntou Noctana, com aquele seu jeito “gracioso” de tratar as
pessoas (principalmente a rival).

Iluzia sentou-se, tossindo. Sentia-se zonza ainda, mas… Por que será que não desmaiara de
vez como Zel? Bom, talvez fosse porque o inimigo fora derrotado bem na hora? Não, não era
isso. Provavelmente acostumou-se… perdera tanta mana anteriormente em treinos e também
outras situações (como, por exemplo, curar a perna de Noctana), que acabou sobrevivendo a
isso.

- Noctana… O que diacho está fazendo aqui…? - Disse, importunada, mas com a voz falhada
de fraqueza.

- Te salvo e é assim que responde? - E então, a assassina virou-se para maga e disse, sua
expressão era de frieza e até um pouco de nojo. - Está incomodada porque te segui até seu
destino ou… você preferia simplesmente ficar sozinha com sua amantezinha?

Os olhos azuis piscaram de choque.

73. O PODER DA MATÉRIA – Parte 1

- E-eu não sei do que está falando. - Disse Iluzia, levantando-se como podia, apoiando-se em
uma das pilastras logo ao seu lado.

Noctana soltou um som parecido com um curto risinho de desdém. E logo depois, continuou
encarando-a com aversão:

- Não sabe, é? - E logo depois, a assassina foi andando até o corpo caído de Zel e posicionou a
adaga mirada exatamente pro pescoço da meio-drow caída desacordada. - Então, essa aqui
deve ser uma inimiga, logo, devo matá-la, correto?

- N-não…! - Disse a maga loira, desesperando-se.

Noctana bufou com raiva e tirou a adaga dali.

- Foi o que eu pensei. - E então, logo depois, aproximando-se da maga de luz, ela disse. -
Espero que esteja pronta para contar isso a Ranik.

- … - Iluzia piscou os olhos algumas vezes, incomodada, mas nada disse.

E logo ali atrás surgia Glaz, que também havia vindo com Noctana paraquele calabouço do
centro do Allas.
Iluzia foi andando vagarosamente como podia até Zel, e então, tentou levantá-la como podia,
mas não conseguia. Também não pediria para Noctana ajudá-la, mas era claro. Glaz olhava
com vontade de ajudar, quase que com pena, mas não pediria nada a ela também. Até porque,
sabia que a “rainha das fantasias” não se oporia a assassina que tanto amava de forma
alguma, logo… Só restava uma coisa. Iluzia enfiou a mão dentro das vestes e tirou um tônico
de mana. Tomou-o. A recuperação fora pouca, ainda mais com seu corpo ainda meio frágil,
ainda sim, foi o suficiente para uma leve magia de força, para poder carregar o corpo da
meia-drow consigo.

- Vão embora. - Disse Iluzia, mesmo sabendo que estava sendo mal agradecida por ter sido
salva. - Esse lugar nada tem a ver com vocês. Vocês nem deviam estar aqui. Vão embora.

- Ir embora…? - Noctana disse, ainda fula da vida para com a maga. - Não vamos a lugar
algum. Você não é dona desse lugar, e tem mais, se quiser nos tirar daqui, então o faça. Mas
faça com sua força bruta ou a droga da mana que te resta.

- Ana… - Glaz disse, ainda sentindo-se meio mal.

- Háh… - Fez Iluzia, com uma expressão triste e perdida. Era como se seus sonhos tivessem se
estilhaçado em suas mãos como pedaços de vidro. - Aproveita-se porque sabe que estou fraca.
Senão, eu faria vocês duas virarem bolas de fogo humanas em segundos. A questão que não
quer calar ainda é a mesma… O que raios este lugar tem a ver com vocês para vocês terem me
seguido?

- Eu vim, porque meu destino quis assim. - E quando Noctana disse isso, Iluzia virou-se para
ela fula da vida também dessa vez.

- Seu destino!? Você não viu o que Prom disse, eu…!?

E antes que a discussão das duas pudesse continuar, uma porta de pedra gigantesca e enorme
abriu-se sozinha lá na frente, fazendo um estrondo, e trazendo uma luz iluminada num
arroxeado claro.

As duas finalmente pararam e olharam para direção que se abriu.

- O calabouço está nos mandando seguir. - Disse Glaz, anunciando o que dava para entender
com aquilo.

Iluzia e Noctana engoliram seus orgulhos e foram andando até o lugar que se abrira.

---

- Quê? Outra energia sombria? - Ranik questionou, um tanto quanto incomodada.

Sim, ainda mais depois da última lembrança sobre a montanha congelada de Prom.
Realmente, não pensou que tão cedo fosse aparecer outro inimigo, ainda mais com Iluzia e
Noctana sumida, ou seja, uma missão só para ela.

- M-mas… Iluzia está… - A guerreirona ia dizer, quando o Mysic cruzou os braços, zombando
dela.
- Está se sentindo fraca demais para ir? Está com medo? Quer que eu vá com você e segure
sua mão? - Zoou com implicância de brincadeira, Ranik apenas suspirou e respondeu as
zombarias dando língua.

- Ok, ok. Eu vou sozinha então… Ou então. - A guerreirona colocou o dedo no queixo
pensativa, deixando o Sir sem entender.

- Hoooh… Uma missão, é? E eu vou ganhar com isso? - Udarak disse, rindo. A grandalhona
suspirou.

- Achei que chegamos num consenso que a grana que ganhássemos com as missões ia pro
projeto de Iluzia…

- Ah é, vocês ainda não me contaram a esse respeito. E eu acho que, ainda sim, uma
porcentagem tinha que ser minha. Afinal, ficar trabalhando de graça não dá, né? ‘Cês já
detonaram com a Guilda dos ladrões. Daqui a pouco eu morro de fome! - Disse o elfo, muito
esperto, enquanto afiava a ponta de algumas flechas.

- Erm… Ok. Você ganha 20%, pode ser?

- 30, e não se fala mais nisso! - Disse ele, sorridente. A grandalhona não pôde fazer nada,
apenas se dar por vencido.

Queria mesmo uma companhia. Ficar sem Iluzia e Noctana já tinha dado para si, sentia falta
das duas parceiras.

E ainda não, não tinha decidido qual das duas havia “escolhido”. Na verdade, nem achava
justo para com elas ter que escolher alguma coisa.

- Essa é a cidade de onde a energia negra tá vindo? - Disse o elfo arqueiro, guardando sua
besta nas costas.

Ele já tinha vindo se preparando para mais um calabouço ou caverna ou montanha, mas…
era uma cidadela bem pobrezinha e pequena.

Só tinha um pequeno detalhe que os dois perceberam ao passar pelo cercado. Aliás, como não
perceberam aquilo ali antes?

Havia uma igreja gigantesca no centro da cidadela.

- Explica o nome dela ser Religija. - Zombou Ranik, rindo para o elfo que concordou com a
cabeça.

E logo, os dois notaram que as pessoas, todas pareciam bem humildes, os encaravam com
raiva e nojo no olhar, e logo, iam se esconder em suas casas, onde fechavam portas e janelas
na cara dos dois.

- É visível que não somos bem vindos… Enfim, onde vem a energia? - Perguntou o elfo,
apontando com a cabeça pro papel que Ranik retirava do bolso e olhava de novo.

- Ahmm… pela localização que o Sir me informou, fica… - E então, a guerreira parou os olhos
na igrejona logo no centro. - Isso tá certo?

- Certo até deve tá, mas que vamos arrumar um problema… Ah, se vamos! - Udarak
consentiu.

E isso era fato.

---

As quatro, no caso, com uma ainda apagada nos braços de outra, adentravam agora em um
comprido corredor todo feito de pedra, do teto até o chão. Algumas inscrições se encontravam
ali. Era muito bonito, mas o teto baixo dava um toque um tanto claustrofóbico (e elas já
estavam de saco cheio de coisas assim, claro).

- Me questiono quando é que veremos os anjos de cristal… - Disse Iluzia, infeliz, lembrando-se
do presente que Mudar lhe dera e que Prom lhe lembrara.

- Anjos de cristal? - Glaz perguntou, porque parecia que Noctana estava dando um tempo de
falar com a maga (ainda estava emburrada com ela).

- Ah, o homem que me criou… Meu pai, um mago, ele me deu, quando eu era bem nova, um
anjinho de cristal. Pelo que eu entendi, o anjo veio daqui, mas… eu não estou vendo nenhuma
coisa parecida com aquilo até agora.

- Bom, ainda não chegamos no final desse calabouço, né? Pode ter um bocado de coisa para
gente ver ainda. - Glaz dizia, sendo amigável. Noctana continuava com cara de poucos amigos,
andando e ignorando a conversa das duas.

- Estranho que, se aqui é um poço de mana, era pressuposto que eu pudesse senti-la o tempo
todo. Sim, há várias presenças energizadas, mas todos as armadilhas foram claramente feitas
com mana, e também teve o mago que… - De repente, Iluzia parou de andar, pensando mais
inteligentemente. - Pera, isso tem tudo a ver com o que Zel falou.

- O que quer dizer? - Glaz perguntou, curiosa.

- “Ele é o centro de toda a energia do Allas. Onde se abriga toda a mana existente no planeta.”
- Repetiu Iluzia as palavras de Zel, e então, ela virou-se (ignorando que Noctana estava
fingindo que ela não existia) e anunciou plenamente paras duas. - O CALABOUÇO NÃO
ABRIGA TODA A MANA, O CALABOUÇO É A MANA!

- Ahn!? - Noctana perguntou confusa, ainda que não estivesse realmente “falando” mais com
Iluzia, acabou por questionar, afinal, isso era do seu interesse também.

- Você não entende? Todas armadilhas pelas quais passamos, o mago sugador de mana, a
questão era, não havia um mago por trás dessas coisas, era óbvio! Eu achei que a qualquer
momento, um mago surgiria para matar eu e Zel, mas nunca aconteceria, porque quem possui
essa mana, quem cria todas as armadilhas automaticamente para quem entra aqui, quem
impede os invasores e logicamente controla as magias é nada mais, nada menos que O
PRÓPRIO CALABOUÇO!!!
- !!! - Glaz e Noctana ficaram surpresas e confusas.

Como um “objeto” conseguiria controlar mana como se fosse um mago?

Bem, era essa pergunta que Glaz faria logo a seguir, mas antes que conseguisse, o inimigo
delas acabara de criar outra armadilha e era exatamente ali onde elas estavam…

As paredes começaram a se fechar sozinhas para esmagarem as quatro ali presentes!!!

74. O PODER DA MATÉRIA – Parte 2

Ranik e Udarak foram se aproximando da tal da igreja. E o coreto repetia-se. As pessoas


olhavam para eles com nojo, faziam sinal da cruz, entre outras coisas… O elfo já suspirava
frustrado, quando eles finalmente chegaram na tal da igreja que, além de ser o dobro do
tamanho da maior casa daquela pobre gente, parecia super rica e aprumada. Era literalmente
o sanguessuga daquele lugar. Bom, aquela era uma boa metáfora se fosse pensar…

- Pessoas morrendo de fome para dar suas riquezas a uma única igreja. - Disse Ranik,
olhando para Uda, com uma cara chateada.

- E energia negra vindo logo dessa igreja, por que não me surpreende? Hah! - E logo eles
pararam de conversar, quando viram chegando um padreco logo ali.

O padreco era também o dobro de tamanho da pessoa mais gorda daquela cidade. O que
também era uma boa metáfora. Enquanto o povo morria de fome, ele pelo visto, refestelava-se
em banquetes solitários. Só ele e seu deus.

- Olá, amigos visitantes! A que devo suas ilustres visitas em nossa cidadezinha de Religija!? -
Perguntou o padreco, Ranik apenas suspirou, não era muito de papo com gente que não
gostava, então o elfo assumiu a dianteira.

- Olá, sr. padre! Então, viemos conhecer melhor essa maravilhosa igreja de tanto que ouvimos
falar!

- Ah é? Ouviram falar da nossa igreja!? Bom, mas é claro que sim… Afinal, estamos fazendo
de tudo para poder receber a visita do Messias! - Disse o padre, e então, virou-se dando lugar
pros dois atrás de si.

- Messias!? - Questionou Ranik, confusa. Será que tinha ouvido direito!?

- Aham, Messias! Nós, e a nossa humilde igrejinha de Religija, finalmente receberemos o todo
poderoso aqui mesmo, em nossa congregação! - Disse o padreco.

De humilde a igreja não tinha nada. Os bancos eram de madeira nobre. Os pilares com
enfeites de ouro. As tapeçarias e cortinas de tecido fino. Até mesmo as imagens ao redor e
cruzes eram feitas com alguma coisa cara que só podia vir da nobreza. E parecia que o resto
da cidade nem mesmo se alimentava direito só para servir a aquilo ali.

- Ahm… Você está querendo dizer que o deus de vocês irá visitar vocês em carne e osso!? -
Questionou o elfo, ainda atordoado. Claro que Ranik estava assim também, mas a vontade de
dar um soco naquele padre era maior.

Pior, era capaz da guerreira fazer algo e o povo que morava naquela cidade querer queimá-la
viva por heresia por libertá-los disso.

- Exatamente! - Disse o padre sorrindo, e então, retirando seu corpo da frente e estendendo a
mão, apresentou-os o que estava parado em meio ao altar da igreja.

Quando Ranik e Udarak olharam não puderam acreditar…

Havia algo que mais se assemelhava a um sarcófago ali no meio, com várias velas ao redor, e é
claro…

Uma múmia dentro.

- Você tá de zoeira com a minha cara?! - Ranik esbravejou em voz alta.

A energia negra vinha exatamente do ser morto ali.

---

Enquanto isso, numa situação ainda mais desagradável, estavam: Iluzia, Zel (ainda
desacordada sendo levada pela maguinha de luz), Noctana e Glaz. Elas estavam em meio a um
corredor de pedra que, assim que a maga de luz percebera que estava sendo controlado (assim
como todo o resto) pela mana gerada pelo próprio calabouço, este começou a apertar-se (mais
especificamente em suas paredes) para esmagá-las.

- VAMOS SAIR PELO OUTRO LADO, RÁPIDO! - Gritou Noctana, e então, como era a mais
ágil, começou a correr na frente, tentando guiar o caminho.

Mas logo, depois de tanto correr, e das paredes ficarem mais e mais apertadas, a ponto de que
elas começaram a correr de lado (quem estava se atrapalhando mais era Iluzia, que levava a
meio-drow desacordada, de ladinho, para poder continuar “correndo” com sua pouca
resistência física)…

Que o final do corredor nunca chegava.

- Ótimo. É exatamente o lugar em que eu queria morrer. - Disse a assassina, quase parando de
andar.

- N-não podemos desistir! - Disse Glaz, nervosa, mas ela própria não fazia ideia do que fazer.

- E não vamos! - Disse Iluzia, furiosa, e então, passou como deu Zel para os braços de uma
rainha dos disfarces disposta a ajudar-lhe e energizou as mãos com a mana azul que lhe
restava.

Com a super força segurou as paredes dos dois lados, rapidamente, elas começaram a fechar-
se com menos rapidez, brigando mais com a loira, que suava.

- Só segurar as paredes não vai adiantar nada. Sem contar que sua mana uma hora ou outra,
acaba, e a gente se esmaga junto. - Disse a ladina, estava realmente “de mal” com Iluzia, tanto
que voltara a implicar com ela a ponto de incomodá-la. Cruzou os braços assim que o disse,
Glaz fez cara de infeliz em meio aquela situação.

Iluzia, claro, só ficara puta:

- Ah, mas é óbvio! Vamos pinicar a maga de luz enquanto ela tenta impedir que a gente vire
panqueca! Parabéns por esse brilhante raciocínio, Noctana!

- Você fala como se sua ação fosse construtiva. Bom, não é. Não vai nos salvar. Não isso, ficar
segurando a parede aí. - Repetia a ladina, Glaz tentava se meter para fazer as duas pararem,
mas elas, obviamente, lhe ignoravam.

- G-garotas, por favor, n-não briguem! E-eu não acho que seja a melhor hora e… B-bom, essa
colega aqui tá desacordada e… b-bem, a gente tem que se unir, e…!

- Não se meta, rainha das fantasias! Esse papo é entre eu e… urgh! A ladinazinha que é “fiscal
de foda alheia”! - E quando a loira disse isso, Noctana ficou realmente fula da vida dessa vez.

- “Fiscal de...”!? - Ela não se atreveu a terminar, no entanto. - Ah sim, é bom você entrar nesse
assunto! Eu realmente acho que a gente deveria discutir isso!

- Ah sim, claro, porque agora é um ótimo, ÓTIMO MOMENTO MESMO, NOCTANA!

- A questão é que… eu achei que você fosse justa! Eu achei que fosse confiável! Eu achei que
você fosse a altura! - Disse Noctana, Glaz provavelmente nunca a tinha visto dessa forma
antes, era inédito. Mesmo depois de anos de convivência íntima com a assassina sombria, era
totalmente diferente e até um tanto assustador vê-la tão exaltada assim.

Pois é, só Iluzia tinha esse poder sobre ela.

- A ALTURA!? HÁH! FAZ-ME RIR! A ALTURA DO QUÊ, ASSASSINAZINHA!? Urgh! - A


força que ela fazia na parede ainda era monstruosa, com suas mãos cheias de mana, mas ela
continuava a discussão. - PORQUE SE VOCÊ ESTÁ FALANDO DE COMPETIR PELO
AMOR DE RANIK COM VOCÊ, FIQUE SABENDO QUE EU TER FEITO ALGO COM
ZEL NÃO MUDOU ABSOLUTAMENTE NADA, VIU!?

- Não…!? Não mudou!? Você está brincando comigo!? - A assassina mal conseguia se mexer
direito naquela parede apertando-as ali, mas mesmo assim, ela virou-se e desvirou-se, com os
braços cruzados e uma cara de quem tinha acabado de receber uma notícia absurda. - Claro
que mudou! Você não pode sair por aí fazendo… fazendo sexo com qualquer pessoa e achar
que Ranik vai jogar tudo pro alto por sua causa!

- RANIK NÃO VAI JOGAR!? MINHA FILHA, VOCÊ NÃO CONHECE RANIK COMO EU
CONHEÇO! ELA PRÓPRIA JÁ DEVE TER TRANSADO COM ALGUÉM POR AÍ
TAMBÉM, OK!? OK!!! - Disse a loira, furiosa, seu rosto vermelho de tanto gritar e fazer
força ao mesmo tempo.

- É… Pois é… Pois é, você tem razão… - Disse Noctana, agora era um enigma como ela se
sentia. - Eu a peguei uma vez… você tem razão.

- PEGOU O QUÊ!?

- Peguei ela quase fazendo… isso… com a mulher da taverna de Veligrad.


- SEKHS!? VOCÊ PEGOU A RANIK QUASE TRANSANDO COM A SEKHS!? AQUELA
VAGABUNDA!!!

- Mas você transou com alguém também!

- NÃO ESTOU FALANDO DA RANIK! ESTOU FALANDO DA SEKHS! AQUELA


MISERÁVEL ARRASTA A ASA para TODO MUNDO, MAS DISSE QUE TINHA
ABENÇOADO NOSSA RELAÇÃO, VADIA IMUNDA! DESGRAÇADA!!! - Gritou Iluzia, e
por algum motivo, Glaz surpreendeu-se de ver a mana em suas mãos aumentando com a
raiva, e a parede, distanciando-se um pouco, abrindo um pouco mais de espaço para elas.

A rainha dos disfarces nem mais se metia, porque…

Não conseguia simplesmente.

- E não só isso… Assim como na missão de vocês, eu vi muito bem, Ranik beijou você naquele
castelo em Sfarcvald…

- SABIA, SABIA QUE VOCÊ ESTAVA VENDO, SUA FALSA!!!

- Ranik tinha me beijado no calabouço de Planina também. - E quando Noctana disse isso, os
olhos de Iluzia arregalaram-se.

E então…

Com uma explosão ferrada de mana…

ELA ESTOUROU AS PAREDES (a de trás e a da frente), fazendo um enorme rombo e


abrindo um caminho novo para elas andarem.

- …! - Glaz olhou paraquilo completamente bestificada, e logo, viu as duas se encararem com
sorrisos cúmplices, sem entender nada.

- Essa foi boa, um beijo, é…? Parece até que você tem alguma chance. - Disse Iluzia, limpando
o suor da cabeça.

- Eu tenho, pelo menos eu não dormi com outra pessoa por aí. - Respondeu Noctana, puxando
Glaz pelo pulso.

Pelo visto, isso tinha sido proposital paras duas. Noctana tentara mexer com o psicológico da
maga, deixando-a revoltada, para que ela pudesse explodir a mana e tirar elas daquele lugar
antes que morressem esmagadas.

“Cada dia mais eu me surpreendo com essas pessoas!” pensou a amiga de infância da
assassina, estupefata.

75. O PODER DA MATÉRIA – Parte 3

Ranik e Udarak olharam para aquela múmia deitada no sarcófago bem em cima do altar da
igreja, iluminada por velas. E logo depois, se entreolharam. E por fim, encararam o padre
gordo que continuava a sorrir para eles confiantemente.

- Então, tem alguma pousada na cidade? - O elfo arqueiro perguntou ao padre.

- Vocês querem ficar na cidade para presenciarem a ressurreição do messias!? - O padreco


perguntou, feliz e contente.

- Aham. Claro. - Disse Ranik, ainda com cara de idiota.

Os dois foram até a tal da pousada mais próxima que havia da igreja. para dizer a verdade,
era a única pousada da cidade, e assim como todo o resto, parecia apenas pobre e miserável. O
lugar estava caindo aos pedaços, e o velho, dono do lugar, que atendeu-os, os tratou com a
maior frieza e secura que pôde.

- Erm… Vocês não precisam ficar na cidade.

- Ahms… Mas queremos. - Disse a grandalhona, suspirando.

- Não precisamos de turismo.

- Realmente não parecem mesmo precisar. - A guerreira continuou. Uda assistia a tudo com
medo que Ranik pusesse toda a missão a perder.

- Não temos bons quartos.

- Não ligamos.

- E mesmo assim, o quarto é caro. - O cara continuava tentando convencê-los de ir embora.

- Tudo bem, temos grana.

- Não temos serviço de quarto. Vocês vão morrer de fome.

- Trouxemos comida para viajar.

- Não vai haver nada de interessante para fazer nesse vilarejo… - E já de saco cheio, Ranik
desembainhou sua enorme espada, o elfo apenas desesperou-se.

- OLHA SÓ, SENHOR! A GENTE VAI PAGAR! NÃO LIGAMOS SE O QUARTO É UM


LIXO, SE A CIDADE É UM LIXO, SE O SENHOR É UM CUZÃO DO CARALHO! SÓ
NOS DÊ A PORRA DA CHAVE LOGO ANTES QUE EU ME EMPUTEÇA MAIS!!!

- O-OK, OK!!! - O senhor, finalmente, desesperado, entregou a chave para ela.

Tempos depois, Udarak e ela finalmente abriam a porta pro quarto mais cacareco do
universo. Bom, ao menos o velho não havia mentido, era uma bosta mesmo tudo ali.

- Você não precisava ser tão violenta, Ranik.

- Se não fosse por minha violência, estaríamos dormindo na floresta, Udarak. E vai por mim,
se na cidade já é ruim, na floresta é pior.
- Afff… - O elfo deu de ombros, sabia que mesmo assim, a guerreirona tinha razão.

Dia seguinte, finalmente, os dois foram dar um rolé pela cidade. Caçaram algum lugar
diferente para comer, e não foi novidade nenhuma que nenhum lugar havia. E então, para
surpresa da grandalhona, ela viu umas crianças brincando próximo a um beco na cidade. Ela
se aproximou amigavelmente.

- Olá, crianças! - Disse a grandalhona.

Eram duas crianças. Uma delas reagiu assim como os adultos, arredia, correu logo pro beco
escondendo-se. A outra, um menininho, pareceu ingênuo, animado e interessado na
guerreirona.

- Wow, você tem uma armadura brilhante! Eita, isso é uma espada!? É MAIOR QUE EU!!! -
O garotinho disse. Ranik apenas sorria para ele.

- Isso mesmo! Eu sou uma guerreira viajante! - E quando a grandalhona disse isso, os olhos
dele brilharam.

Mas logo, o outro garoto assobiou para ele, em meio ao breu do beco:

- Ei, cara! Não faz isso! Não se mete com esses viajantes! - O molequinho disse pro outro, que
logo o olhou perturbado.

- Ei, por que não querem falar com viajantes!? - Ranik perguntou ao moleque escondido no
beco, que assim que olhou para ela com medo, logo recolheu-se mais para dentro.

- Porque é isso que o padre nos ensina nas missas. - Disse o garotinho amigável, cruzando os
braços, olhando pro chão chateado.

- O padre…? Por que ele faz isso? O que ele diz? - Ranik continuava tirando suas dúvidas, e
só ouvia o moleque de dentro do beco dizer pro outro.

- Seu idiota! Não conte para eles! Vai nos meter em problemas se os adultos souberem!

Mas o moleque continuou…

- Ele diz que não devemos confiar em estrangeiros, porque os mesmos podem fazer a gente
duvidar da nossa fé.

- Ah… - Ranik olhou para Udarak como quem diz “era isso então”. - Pois bem, garotinho…

Ranik aproximou-se do mais ingênuo, que também era o mais corajoso, e abaixando-se, fez
carinho em sua cabeça, dizendo:

- Você é um rapazinho muito esperto. Escute o que eu vou lhe dizer… Não deixe que ninguém
tente te obrigar a sentir ou acreditar em algo que você não sente ou acredita. Não deixe que
um padre, um pai, uma mãe, um tio, um… amigo… - Ela encarou o garoto do beco, que se
encolheu de novo. - Lhe diga o que você é ou o que você tem que acreditar, ok?
O garotinho fez “sim” com a cabeça, e então, correu pro beco com o outro. O outro só ficou
dando esporros nele, e Ranik logo encarou o elfo de novo, sorrindo confiantemente.

- O padreco tinha razão, você é uma má influência. - Udarak disse sorrindo, implicantemente,
fazendo Ranik dar língua para ele.

E logo, os dois ouviram as vozes clamarem por todos os cantos:

- ESTÁ RENASCENDO! O MESSIAS ESTÁ FINALMENTE VOLTANDO!!! - E a cidade


toda alvoroçou-se para ir para igreja ver o nascimento de seu deus.

Ranik e Udarak sentiram que a energia negra crescia mais do que nunca…

E era estranhamente familiar.

---

Enquanto isso, as quatro andavam juntas, enquanto Iluzia voltava a segurar Zel em seu colo.
De repente, a maga negra meio-drow meio-humana finalmente despertava de seu transe.
Quando notava a aproximação com a maga loira de luz, rapidamente, ela dava um sorrisinho
de agrado. Logo, Iluzia a largava com pressa (e vergonha, muita vergonha), quase fazendo-a
cair no chão.

- Ei, tome mais cuidado! - Disse Zel, e logo depois, notara as outras duas, lhe encarando. -
Oh…

Disse, como se também dissesse junto “Entendi agora sua reação”. Limpava suas vestes, e
então, tirava a dúvida:

- Por quanto tempo eu estive desacordada?

- Tempo o suficiente. - Disse a assassina, emburrada com a presença daquela ali, e andando na
frente. Glaz encarou Zel confusa, e logo depois, seguiu a amiga na frente, deixando as duas
magas para trás.

Iluzia soltou um longo suspiro.

- Ok, me atualiza. - Disse Zel, em uma voz bem baixa para maguinha loira, para que Noctana
não ouvisse.

- Erm… Você desacordou na luta contra o maldito mago que roubava mana. Logo depois, eu
quase desacordei também, porque ele conseguiu me sugar. Noctana, que NÃO ERA para
ESTAR AQUI… - Iluzia disse isso em voz alta propositalmente para provocar a assassina ali
na frente. - ...acabou por infelizmente me salvar. Logo depois, tivemos uma discussão calorosa,
isso porque… ahn… bom…

- Ela viu a gente transando no mar? - Zel disse, com um sorrisinho irônico. Iluzia soltou um
grunhido de incômodo. A meio-drow só conseguiu rir. - Ora essa, você não queria mesmo que
ela visse, né? Tá preocupada que ela conte para guerreirinha, e esta acabe por não querer
mais nada com você?

- … - A maga de luz abaixou a cabeça sem graça.


- Oh, você realmente está. - Zel disse, fingindo surpresa. A verdade é que isso também havia
deixado ela irritada. Mas era óbvio que ela preferia provocar do que…

Ela parou de andar, deixando as três indo na frente.

E logo, Iluzia parou, confusa. Noctana continuou andando sem parar. E Glaz, bom... por um
segundo ela ficou confusa se deveria parar de andar também ou se deveria continuar como a
amiga logo na frente. Acabou por apenas diminuir o passo, mas sem parar.

Enquanto isso, com Iluzia e Zel. A maga de luz logo questionava a meio-drow sombria:

- Ok, o que houve!?

- O que houve? - Zel disse, parecendo realmente furiosa. Seus olhos alaranjados pareciam
meio aquosos, mas ela não soltava lágrima nenhuma. - Vou te dizer o que houve… Eu vou
embora.

- Ahn… Tá? - Iluzia disse, confusa. E Zel apenas rugiu de raiva, virando-se.

A loira correu até ela, colocando a mão em seu ombro fazendo-a virar:

- O que você quer que eu faça!? para começo de conversa, nem era para você estar comigo. E
agora, do nada, você quer que eu me sinta culpada por você querer ir!? Isso aqui não é seu
lugar, Zel. Eu mal faço ideia se… se seu lugar é do meu lado de toda a forma. - Disse a loira, e
então, os olhos alaranjados lacrimejados (finalmente Iluzia notara) encararam-na com um
ódio ilimitado. Aquilo assustou os olhos azuis.

- Certo. Adeus, Iluzia. Não me procure. - E então, Zel foi embora.

A loira fez uma cara de confusa “Mas era sempre você quem me procurava”, e um tanto
incomodada, deu de ombros, fingindo não estar.

E assim que ela alcançou a assassina e a rainha dos disfarces, Noctana logo lhe pinicou como
era de costume:

- Teve uma DR com a amante, é? - Disse, mas Iluzia preferiu ignorá-la a explicar-lhe um
assunto que ela também mal entendia.

E finalmente, um portal para algum lugar. As três, agora sem a presença da maga negra,
finalmente entraram ali, no que parecia ser o objetivo do calabouço. Dava para sentir pela
quantidade de mana (misturada, sagrada e amaldiçoada) enorme que havia ali…

E assim que entraram no lugar, elas ficaram bestificadas. Era o lugar mais lindo que qualquer
uma das três já havia visto na vida.

76. O PODER DA MATÉRIA – Parte Final

Ao redor, tudo era feito de pilastras de cristal puro. O chão também era, mas não era
totalmente transparente, era opaco, mas ainda sim, parecia cristal ou vidro. Escorregava um
pouco. Haviam também estalactites, estas refletiam luz do lado externo (de algum jeito
inimaginável) e traziam claridade lá para dentro, uma claridade brilhante. Ao redor, haviam
várias estátuas de anjos. Pera... anjos e demônios também. Isso mesmo, tinham estátuas do
que pareciam ser demônios. Os anjos eram pessoas de longos cabelos e asas de pássaro.
Enquanto os demônios tinham cauda pontuda e chifres, alguns menores, alguns maiores. E as
estátuas eram de todos os tamanhos, espalhadas pelo local. Algumas eram grandes, maiores
que elas três juntas. Outras eram pequenininhas… tal qual o anjo de cristal que Mudar lhe
dera.

As três ainda estavam bestificadas olhando paraquilo tudo ao redor.

- Mas que lugar lindo! - Glaz foi a primeira a colocar em palavras o que sentia. Noctana e
Iluzia concordaram mentalmente, sem nada dizer.

- Ali! - Iluzia disse, correndo para uma espécie de altar de cristal puro.

Em cima do altar, várias outras estatuetas e também havia…

Havia um cubo de cristal puro, que nenhum mecanismo parecia conter, porém, havia uma
entrada… uma entrada para uma chave. Sim, ela sabia.

Rapidamente, a maga de luz retirou de seu bolso o artefato que Prom lhe dera antes de
falecer. A chave de cristal do calabouço do centro do Allas. Ela retirou-a e enfim, inseriu-a no
buraco da fechadura daquele cubo randômico.

- Isso vai dar em alguma coisa? Parece só um cubo. - Disse a rainha dos disfarces, mais uma
vez, sendo a única que colocava os pensamentos em voz alta.

Enfim, depois que girou a chave e fez um clique. As três ficaram atentas, olhando ao redor,
para ver se algo acontecia, mas…

Passaram-se alguns minutos e nada aconteceu.

- …! - Iluzia suspirou fundo, e então, bateu no altar com raiva. - RAIOS! POR QUE NADA
ACONTECEU?!

- Erm… - Glaz coçou a cabeça sem graça (sim, bem ao estilo Ranik).

- Ótimo. - Iluzia disse, com as mãos nos bolsos do robe azul. - Isso foi uma tremenda perda de
tempo. As lutas, as armadilhas, os problemas… TUDO UM CARALHO DE UMA PERDA DE
TEMPO FODIDA! Eu não acredito que Mudar realmente pensou que… eu não acredito que
Prom acreditou que eu fosse a maga que salvaria todo o Allas.

- Erm… - Glaz olhou-a com pena.

Noctana quem dessa vez bateu no altar com raiva. Iluzia encarou-lhe, e então, a assassina
olhou-a com fúria:

- Vai desistir assim tão rápido!?

- O que quer dizer? Você viu, não viu? A chave não fez merda nenhuma. Não teve efeito
nenhum. Esse lugar é lindo… mas eu não sou uma porra de uma Messias ou coisa do tipo. -
Iluzia disse, emburrada, lembrando-se do discurso do Oráculo para si.
Se o seu destino não desse certo, provavelmente, estaria afundando mais ainda o Allas em
desgraça com isso.

Eles estavam certos…

O tempo todo.

- Você… eu realmente esperava mais de você. - Disse a ladina sombria num tom de decepção,
e então, enfiou a mão na chave, destrancando-a do cubo e retirando-a fora.

- Ei, o que raios você está fazen…! - Mas antes que a loira pudesse repreendê-la por fazê-lo,
algo incrível rolou.

Não só a chave de cristal na mão de Noctana, mas o cubo e… tudo ao redor, ficara escurecido.

Sim, absolutamente tudo. As três olharam ao redor, completamente em choque. O cristal


branco e puro, todo ele (do chão ao teto) tornara-se escurecido. Era ainda um cristal, ainda
era transparente, mas agora era simplesmente negro.

- Puta merda… C-como? - Glaz disse, bestificada. Noctana tentou responder.

- A maldição?

- … - E então, Iluzia aproximou-se da assassina, e colocando as mãos em seu ombro, ela disse.
- Seu destino.

- … - Noctana piscou os olhos algumas vezes, confusa.

E então, fazendo “sim” com a cabeça, ela enfiou a chave de novo no cubo, agora escurecido tal
qual o objeto em sua mão, que ela encaixava e logo depois girava, fazendo outro clique.

E logo depois disso, as duas ouviram um som altíssimo de algo arrastando-se. Era uma parede
de cristal pesadíssima, logo ali na frente, que impedia o caminho demonstrando a passagem
sem saída.

Mas logo, isso tornava-se uma espécie de desenho escavado na parede. Metade do desenho era
uma figura angelical gigante, até o teto, e a outra metade, era uma figura demoníaca. E logo
na altura da cabeça das duas, haviam duas entradas escavadas em forma de mãos.

Elas se aproximaram, as duas, uma ao lado da outra. Glaz olhou para aquela cena, delas
sincronizadas, e colocou a mão na boca em choque.

Era surreal demais… Parecia que aquilo tudo estava ali paras duas nascerem e completarem.
Era exatamente isso que parecia.

No lado do anjo, a mão era a claramente a direita. Logo, Iluzia estendeu-a e preparou-se para
encaixá-la ali. E então, encarou Nocta, que fez “sim” com a cabeça, olhando para o lado do
demônio, onde a mão era a esquerda. As duas esticaram os punhos e…

Encaixaram perfeitamente suas mãos nas passagens. Cabiam como uma luva feita por
encomenda. Exatamente perfeito nos tamanhos de suas mãozinhas minúsculas.
Se fosse qualquer outra pessoa não teria dado tão certo assim.

E então, uma luz fortíssima cegou as três naquele lugar.

---

Enquanto isso, a ressurreição do deus bizarro dos crentes daquela cidade de Religija
acontecia. Udarak e Ranik logo correram para ver do que se tratava. A cidade toda correu
para lá também. O padreco parecia bem feliz com a situação:

- Sentem-se, sentem-se bem nas primeiras fileiras da igreja para ver a ressurreição, pagando
apenas 100 peças de ouro! - Ele anunciou, e Ranik logo torceu a face olhando para Udarak,
como quem pergunta “sério isso?”.

- Precisamos sentar na frente, Ranik… - Udarak disse, cruzando os braços para guerreirona
cabeça dura.

- Mas que porra, vamos sair empurrando geral, inclusive o padreco, daí a gente senta onde
caralhos a gente quiser! Isso é, se a gente vai sentar mesmo com esse caralho desse demônio
nascendo, né!?

- Ranik! Você quer mesmo chamar a atenção de um monte de gente inocente, quem sabe, até
trazê-las contra a gente, sem contar que pode feri-las e tudo o mais… - Uda era a voz da
razão. Raios, ele até parecia Iluzia com aqueles papos maduros. Sentia falta de Noctana por
um instante.

É… Noctana…

E então, Ranik sacudiu a cabeça e deu de ombros.

- Por mim, esse bando de ovelhinha com lavagem cerebral podia se explodir mesmo… - O elfo
censurou-a com o olhar, e ela bufou, ignorando.

Os dois foram até o padreco já lhe oferecendo 100 moedas de ouro cada um (da grana que ele
e Glaz arrumaram a mando de Nocta mesmo). Mas o padreco, filho da mãe, fez “não” com a
cabeça e disse:

- para turistas e viajantes, a taxa para sentar-se mais na frente é maior… é 250 peças de ouro
cada pessoa!

Nessa hora, Ranik bufou e quase voou para cima do padre para lhe bater (ele chegou a
encolher, afinal, aquela coisona de 1,90 indo para cima de si era meio assustador). Mas o elfo
parou-a com o braço esticado como um bom mentor (bom, ele era de Glaz e Noctana, né?), e
logo depois, entregou as 500 peças de ouro pro padreco. para acalmar a guerreira, o arqueiro
esticou seu corpo como deu e sussurrou para ela:

- A gente pega de volta dele depois que ele morrer…

- Espero que peguemos uma compensação também. - Disse a guerreirona, Udarak lhe olhou
com uma cara de nove horas, e ela emburrou. - Por favor, a gente merece por ter tanta
paciência, porra!
- … Ok, vamos! - Disse o arqueiro.

E logo, os dois sentaram-se na fileira mais próxima que deu (era a terceira). Ranik reclamou
mais um monte disso, mas teve que se calar, porque a cerimônia já ia começar.

Quem não conseguiu pagar, ficou lá fora mesmo, tentando espiar pela porta da igreja que o
padre deixou aberta de propósito, como quem diz, “olhem o que estão perdendo, porque não
pagaram”. E logo depois, ele saiu andando com uma vela apagada em sua mão, indo em
direção ao altar, ao sarcófago, ao morto em estado avançado de decomposição.

E então, assim que chegou ali, acendeu a tal da vela, disse algumas coisas loucas em latim que
ninguém entendeu, jogou umas três gotas de cera derretida da vela no bicho, colocou a vela na
frente, disse mais umas coisas em latim, e por fim, fez o sinal da cruz.

De repente, todas as velas da igreja apagaram-se juntas, dando ao clima fúnebre também um
certo ar macabro. Todas as pessoas começaram o burburinho. E logo, o padreco abriu os
olhos… completamente negros.

Ranik rapidamente levantou-se com Udarak, já preparando suas armas. Ela a espadona, ele
as duas bestas. O momento era tão tenso, que a maioria das pessoas nem conseguiu reagir a
atitude dos dois…

Porque logo, uma coisa começava a se levantar do caixão.

Primeiro a mão…
Logo depois, o corpo nu…
Era enorme e musculoso.
Sua pele era clara, porém bronzeada de Sol.
Ele tinha muitos, muitos pêlos pelo corpo todo.
Uma barba vívida.
Olhos mel-amarelados.
Um sorriso cruel com uma cicatriz na boca e…
Cabelos ondulados vermelhos.

Era… Nasille.

Ranik largou a espadona no chão, completamente horrorizada.

77. CHUVA DE SANGUE

A luz enorme preencheu todo o calabouço do centro do Allas. E logo assim que ela se dissipou,
Glaz tapou a boca completamente estupefata. A verdade é que fumaça saía de sua melhor
amiga e da sua recente conhecida. Sim, Noctana e Iluzia passaram por algum tipo de
transformação. As duas exalavam muita, muita mana mesmo. Mana demais até para quem
era uma maga da luz. E com certeza mana demais para quem era uma simples assassina e
ladina sombria. Uma, é claro, exalava mana sagrada, e a outra, era puramente amaldiçoada e
escurecida.

- O quê…!? - Glaz disse, ainda chocada.


---

Ranik largara sua espada no chão em choque, assim que seus olhos amarelados encontraram-
se com os olhos amarelados daquele senhor. Enquanto todos os pobres, incluso o padre (que
não era pobre, mas ok), cantavam palavras de glória e hinos, enquanto ajoelhavam-se perante
o ser que ali revivia. Udarak apenas encarou a guerreirona hiper confuso. O que tinha
chocado tanto assim ela? Pois é, diferente de Iluzia, ele não tinha visto no pesadelo que Pakao-
Noctana jogara as duas naquele castelo sombrio em Sfarcvald, logo, ele não fazia ideia de
quem era aquele homem. Mas dava para ter uma noção, porque eles eram…

Estupidamente idênticos.

- Bem-vindo ao Allas, ó, Senhor todo poderoso! Nos dê sua benção e sua unção! Estamos aqui
para adorá-lo, ó, Senhor! Salva-nos com seu poder! - Disse o Padre em alto e bom tom pro
homem peludo ali na frente, que logo lhe encarou com uma cara de impaciência.

Logo depois disso, uma energia negra envolveu o corpo de Nasille, fazendo o povo crente ficar
ainda mais doido de vê-lo invocando poderes mágicos (esquecendo-se que naquelas épocas e
naqueles lugares, invocar magia era algo estupidamente normal). E eles também não faziam
ideia do que afinal viria a seguir, e mesmo assim, o adoravam como um bando de cegos na fé.

E logo, sua armadura escurecida e pontuda (como nenhuma outra) envolveu seu corpo,
protegendo-o e cobrindo-o. E por fim, aquele machado gigante amaldiçoado também surgira
em sua mão. Algumas poucas pessoas saíram correndo da igreja quando reconheceram em
seu peito o símbolo do exército do dragão negro, mas ainda eram poucas em comparação das
que continuavam rezando para ele ou soltando palavras de adoração.

Ranik continuava completamente paralisada, enquanto uma gotícula de suor brilhante


escorria por sua testa até seu pescoço, adentrando na armadura de aço de Veligrad. Udarak
também continuava em choque pela reação da guerreira e a semelhança dela com o inimigo.

Inimigo que assim que dera finalmente um passo depois de se transformar, simplesmente…

Cortou o padreco no meio, fazendo sangue jorrar em cima dos fiéis todos.

Outros começaram a fugir com medo, já outros, ainda estavam cegos pela fé. Continuavam
rezando, ajoelhados, como se mesmo tendo assassinado o padre a sangue frio na frente deles,
ainda fosse o deus prometido. Nasille apenas olhava para eles com nojo.

E logo depois, seus olhos bateram de novo nos olhos de sua filha, lá parada. E finalmente, ele
abriu a boca para soltar naquela sua grave e alta voz:

- Ranik, há quanto tempo… - Disse ele, andando pela fileira vazia do centro, em meio as
fileiras de bancos de madeira.

A grandalhona não conseguia se mover. O homem já estava com o machado em punho


levantado, pronto para fazer o mesmo com a filha que fizera com o padreco. Porém, o elfo
logo saiu correndo dali de trás do banco e parou na frente do corredor vazio, logo na direção
de Nasille, já com as duas bestas levantadas e apontadas para lenda do exército do dragão
negro.

- Heh. E quem é você?


- Quem sou eu!? - E então, Udarak abriu um sorriso confiante. Mas uma gota de suor também
escorria de sua testa. Ele sabia que não seria fácil de forma alguma. - Eu me chamo Udarak!
Eu sou um elfo arqueiro e ladino das regiões de Velejo! Também sou líder supremo da guilda
dos bandidos e ladrões! E sou a pessoa que vai te mandar de volta pro inferno e impedir que
você machuque minha amiga!

- … - E então, Nasille parou de andar, como se zombasse de Uda. - Ok, então, para poder dar
uma lição em minha filha, eu vou ter que primeiro cortar você ao meio, né? Ok, nada demais.
Apenas um… contratempo resolvível.

- … - Uda arregalou os olhos, estava ofegante e morrendo de medo.

Aquele homem, só o ar que ele emanava ao seu redor, já dava para perceber… ele não era um
simples guerreiro. E voltar do mundo dos mortos apenas mostrava isso plenamente.

---

Zel estava finalmente saindo do Calabouço. Rapidamente, ela sentiu uma forte energia
emanando do mesmo. Uma não, duas em uma. Uma era absurdamente sagrada, a outra, era
completamente amaldiçoada. Ela mordeu os lábios. Era bem óbvio que a sagrada era de
Iluzia. Ela conseguiria sentir a mana da maguinha de luz em qualquer lugar do Allas inteiro e
saberia perceber que era sua. Mas mesmo assim, ela podia notar claramente que havia algo de
diferente naquela energia, além do fato dela ser absurda… absurdamente imensa em
comparação a energia de sempre da maguinha loira.

Mas logo a meio-drow sacudiu a cabeça em negação.

“Eu mal faço ideia se… se seu lugar é do meu lado de toda a forma.” lembrou-se das palavras
duras de Iluzia, que tanto lhe magoaram. Por que tinha que ser nada sutil dessa forma? Sim,
ela sabia. Ela era uma inimiga. Ela era do exército negro. Ela trabalhava pros inimigos. Mas
as coisas não eram assim tão preto e branco… ou eram?

Não, não eram. Agora ela estava associada a tal da assassina que lhe olhou com olhos de
rejeição. E esta era até mais amaldiçoada do que ela própria se fosse parar para pensar. O que
havia de errado com aquela pessoa…?

Por que Iluzia confiava nela e não em si!?

Suspirando de frustração, logo foi criando um portal de teletransporte de volta para sua nova
torre e seu novo quarto ritualístico, que ainda não havia sido descoberto por ninguém, e
também abrindo a esfera de visualização de mana no Allas inteiro (explicava porque ela
sempre conseguia descobrir o que havia com a maguinha), e para sua surpresa…

O radar mostrou-lhe um lugar no meio do nada, uma cidadezinha muito pobre… Religija.

Tamnazelnoc piscou algumas vezes confusa. E logo depois, ficou surpresa. Seus olhos
alaranjados arregalaram-se.

E toda a ideia de afastar-se de Iluzia mais uma vez morreu em sua cabeça.

Ela precisava… precisava avisar a maga sobre aquilo!


---

“Eu não conseguia andar.


Eu não conseguia me mexer.
Eu via tudo acontecer ao meu redor…
Eu fui lá para poder lidar com isso, mas…
Neste instante, eu era paraticamente inútil.
Eu era inútil.
A ‘guerreira furada’.
A minha espada caída no chão, assim como meu orgulho.
Meu ego. Minha auto-confiança.
Tudo no chão.
E enquanto isso, ele vinha. Seus olhos presos em mim…
Não.
Seus olhos presos em Udarak.
Uda…
Udarak estava pronto para enfrentá-lo, independente do quão forte e maligno ele fosse.
Essa era a verdadeira força.
Essa era a verdadeira coragem.
A coragem que eu não tinha.
A força que eu não tinha.
Eu não era capaz…
Eu não era forte o suficiente.
Eu nem deveria estar viva.”

Uma lágrima solitária escorreu do rosto de Ranik, assim que ela viu Udarak atirar flechas
sem parar, em todos os possíveis lugares por entre as frestas pontudas da armadura negra.

As flechas não faziam nem cócegas no corpo duro e musculoso de Nasille. Elas pareciam…
nada. O sujeito estava acostumado de levar rasgos profundos de espadas e machados.
Porradas fortíssimas de afundar ossos de martelos pesados de guerra. Aquelas pontinhas de
ferro, ainda que fossem mais de dez a penetrarem sua carne, eram apenas comichões. Não
constatava como dor. E muito menos, o parava…

Esse era o problema.

Nasille finalmente começou a correr, como uma bala, segurando seu enorme machado em suas
mãos.

Enorme… machado.

Os olhos lilás claros de Udarak arregalaram-se.

E de repente, os olhos amarelados de Ranik também.

E os azuis e verdes de Iluzia e Noctana logo ao seguir.

E até mesmo os verde-escuros de Glaz tiveram o mesmo destino.

Quando, de repente, a lâmina negra transpassou o corpo do elfo arqueiro como se este fosse
feito de manteiga.
Sangue saltou para todos os lados. Foi paraticamente quase tão fácil quanto no padreco
gordo.

Ranik virou-se de lado, encarando a situação e ficando completamente estupefata.

Era sua culpa…


Sua culpa…
SUA CULPA!!!

Por sua culpa, Udarak tinha acabado de ser assassinado perante seus olhos, e ela não fez
absolutamente nada para impedir.

78. LAÇOS SANGUÍNEOS VENENOSOS

- Uda… Udarak… - Ranik abaixou-se e foi engatinhando até o corpo sanguinolento, ou o que
havia sobrado dele.

O chão era pura poça vermelha. A maioria dos “fiéis” já tinha ido embora, alguns poucos
ficaram em cantos, escondidos, sem saber mais o que fazer (se adoravam alguma coisa ou
não).

Lágrimas escorriam dos olhos da guerreirona.

- N-não… Não pode ser… Udarak… N-não… P-por favor… Você me salvou daquela vez…
Não… Não faz isso… - Ranik segurava o que restou do corpo, abraçando-o, depois soltando-o.
Chorava muito forte e logo depois, passava as mãos sanguinolentas pelo rosto, sujando-o.

Nasille parecia ainda mais furioso.

- Urgh! Que cena mais humilhante! Diferente do seu amigo corajoso, você ficou parada,
desarmada, olhando para cena toda sem se mexer… Agora está aí, de joelhos no chão,
chorando como uma fraca. Você é mesmo um lixo humano, Ranik. Eu não acredito que meus
genes deram origem a você. Eu me recuso! - Disse o grandalhão de armadura negra, muito
fulo da vida. - Você é mesmo uma guerreira furada!

- … - E então, do nada, Ranik parou, como se tivesse parado de funcionar como um robô em
pane.

- Já se entregou? Vai me deixar apenas matar você? Tá bom então. Facilita as coisas… Uma
desgraça como você já tinha que ter morrido faz tempo, não eu, a Lenda do Exército Negro! -
E então, o grandalhão de machado foi andando na direção da filha, finalmente. Pronto para
decepá-la como fez com o seu amigo elfo arqueiro, quando…

A guerreirona rolou seu corpo no chão pro lado, entrando na fileira de bancos, e finalmente,
alcançando sua espadona. E logo depois, levantou-se, encarando o pai. Sua expressão não era
de confiança. Era simplesmente…

Impassível.

Era como se a grandalhona estivesse completamente anestesiada. Do tipo que não sentia
absolutamente mais nada, e fazia tudo automática e mecanicamente.

- Háh. E eu achando que já ia se entregar… Não vê que é inútil? Seu destino é o mesmo do seu
amiguinho caído no chão. Você não tem a menor chance contra mim, nunca teve…

“Nunca teve…”

---

- Você não tem chance, Ranik. - Disse Nasille de pé, em meio a cidade que eles viviam.

Ranik, com apenas 15 anos, tentava lutar contra seu próprio pai. Em suas mãos, uma espada
de madeira que ela usava pro treino. O sujeito estava completamente desarmado e sem
armadura, apenas vestes comuns. A garota já era alta o suficiente, mas não comparado com
seu pai de 2,50. Ele parecia um gigante perto de si. Aliás, perto de qualquer um. Nasille
intimidava e esse era seu meio de ser respeitado, pelo medo. Todo mundo tinha medo dele na
cidade.

Ele ainda não estava totalmente barbudo. Com uma barba falhada. Sua expressão era a
mesma de sempre… seriedade e desdém. Desdém de qualquer um que cruzasse seu caminho.

- Você nunca conseguirá seguir meus passos. Nunca se tornará uma guerreira do exército do
dragão negro para proteger nossa cidade do Reino de Veligrad. - Disse o grandalhão, mas a
garota parecia suficientemente confiante e não desistiria tão fácil assim.

Ranik foi correndo de encontro com ele para tentar lhe acertar com a espada de novo. Ele não
só escapou do golpe de sua espada, como lhe acertou uma cotovelada bem dada em suas
costas, jogando-a no chão. Sangue saiu por sua boca.

- Urgh… - Ranik tentava levantar-se do chão, mas seu pai…

Seu pai pisava em suas costas, fazendo ela ficar.

- Já disse. Desista. Você é fraca demais, inútil demais, baixa demais! Não tem nada a ver
comigo! - Disse o sujeito, revoltado, cruzando os braços.

E logo depois, veio correndo uma mulher. Seus cabelos eram ondulados castanhos, seus olhos
eram verdes. Ranik parecia ter puxado dela apenas alguns traços do rosto, mais nada. De
resto, a grandalhona era muito mais parecida com Nasille. Sim, era sua mãe aquela senhora
de 30 e poucos anos.

- Nasille, por favor, querido… N-não precisa agir assim com ela.

- Como assim não precisa!? - E então, a expressão do homem ficou furiosíssima. - Eu estou
tentando dissuadi-la de seguir meus passos, achei que fosse o que você queria!

- Sim, é, mas… - Ranik encarou a mãe de lado, furiosa, como quem dizia “então, foi ideia
sua?”, só que Nasille continuou os ataques.

- E não é só isso… Ela realmente não é apta para lutar lá. Olhe isso, 15 anos e não consegue
nem ao menos me tocar. Com 15 anos, você sabe, Latica, eu matei meu pai.
Ranik arregalou os olhos, ainda no chão, com o filete de sangue na boca. Nasille puxou seu pé
para trás e… deu um chutão na filha, cujo corpo rodou e rodou até parar com as costas na
parede de uma casa.

Todos os moradores da cidade paravam ao redor para olhar, até que o sujeitão que era quase
o líder do lugar (ainda que o mesmo tivesse outro líder, Nasille era muito mais respeitado que
ele), simplesmente gritou pros curiosos:

- Circulando! Não quero ninguém vigiando minha vida! - E assim eles o fizeram, com medo do
grandalhão. Que logo, encarou Ranik, que ainda tentava se levantar, mas era muito, muito
difícil. - Fique aí. Descanse. E depois aceite que você vai ficar em casa com sua mãe para
sempre.

- … - Ranik arregalou os olhos, fula da vida, mas ao mesmo tempo, em choque. Tentava se
apoiar na parede para levantar, mas logo, o grandalhão, chegou perto de si e…

- Desista. Você não tem a menor chance contra mim, nunca teve. - E então, ele deu um soco em
seu estômago, que na mesma hora, a apagou.

---

- …! - Zel ficou completamente em choque quando finalmente encontrou-se com Iluzia mais
uma vez.

Elas estavam no meio do calabouço, quase na entrada. Noctana e Glaz ainda estavam juntas a
ela. E bom, a aparência da assassina também era chocante, assim como a da maga de luz.

- Achei que tinha ido embora. - Disse Iluzia, e até mesmo sua voz parecia diferente.

- …? - Zel encarou o chão. Olhar para loira era como admitir que as duas eram dois lados da
moeda, como água e óleo. Nunca estariam juntas do mesmo lado. - Sua amiga…

- Amiga…?

- Sua… Urgh… - Ela sabia que Ranik não era apenas uma amiga para Iluzia, mas não queria
admitir. - A guerreirona. Ela está… está enfrentando um ser ressuscitado por Pakao.

E quando ela disse isso, os olhos de Noctana e Iluzia arregalaram-se, quase como se elas
tivessem pressentido.

- Então foi isso que…? - Glaz ia dizer “que sentimos em determinado momento?”, mas não
deu tempo.

Rapidamente, Iluzia alertou Zel:

- Não se meta. - Isso, ela disse apenas isso, friamente. Aliás, aquela maga da luz
definitivamente não parecia apenas uma maga da luz.

E também sem nem pensar duas vezes, elas duas, Noctana e Iluzia, do jeito esquisito e
diferente que estavam, saíram o mais rápido o possível, sem que as outras duas pudessem
acompanhá-las, largando-as ali… Sim, Glaz também ficou. E encarou a meio-drow confusa.
- Elas… elas me deixaram aqui?

- Erm… Se quiser, eu te levo até lá. - Disse a maga, cruzando os braços, emburrada.

- P-pode ser… Mas eu estou achando melhor voltar para casa. É muita coisa para… muita
coisa para pensar. - Disse a rainha dos disfarces, e então, suspirando, admitiu. - E eu tenho um
mau pressentimento.

Tamnazelnoc tinha sentido uma energia extinguir-se. Ela sabia do que havia acontecido a
Udarak, mas preferiu deixar para que Glaz descobrisse sozinha.

- Certo. Então, até mais! - Disse Zel, e então, adentrou em um portal e meteu o pé.

- Pera… Eu ia pedir para você me deixar na cidade mais próxima! - Glaz gritou, e então,
encarou a entrada do calabouço. - Eu mereço, caraca…

Enquanto isso, Iluzia e Noctana rapidamente criaram um portal dimensional JUNTAS e


finalmente, iam para o lugar onde Ranik e Nasille encontravam-se.

---

Nasille mais uma vez, encarava Ranik com aquele sorriso psicótico (que não dava para ver
por conta do seu capacete, mas era facilmente sentido pelos olhos, agora, inexpressivos da
grandalhona), e logo depois, começava a correr contra ela de novo.

As machadadas vinham fortes. Ranik tentava defender-se com a espadona. Mas cada
porrada, seu corpo ia para trás. Ele não conseguia cortá-la de primeira, mas era fisicamente
tão forte, que o empurrão já dava conta de…

Ranik bateu as costas na parede, e o machado veio com fúria e sede de sangue. E então, ele
atingiu a parede, pois, a guerreirona abaixou-se e saiu dali assim que pôde. O corte na parede
foi preciso, de tão forte que era a armona e seu usuário.

- Dá para você parar de fugir? Está apenas adiando o óbvio! Me deixe realizar o que eu
sempre quis! Exterminar o passado fétido da minha família inútil contigo! - Disse o pai, ainda
em flamas.

E enfim, continuou tentando golpeá-la mais e mais e mais…

Até que então, os olhos amarelos lhe viram chegando com aquela arma logo em cima de si.
Era o fim. Ranik já podia sentir a lâmina penetrando a parte superior de sua cabeça,
quando…

Seu corpo ficara totalmente avermelhado.

Ou seja, a arma de Nasille não tinha conseguido penetrar a carne.

Quando o grandalhão encarou o corpo da filha, ele ficou estupefato. E então, deu uma risada
mortífera. Ranik era vermelha dos pés à cabeça, tal qual ela treinara com Mysic.

Sir Mysic…
A gargalhada de Nasille preencheu aquele recinto, em choque.

79. A FUGA E O PASSADO INFERNAL – Parte 1

- …!? - Ranik ainda estava impassível, mas de repente, suas sobrancelhas levantaram-se em
um certo ar de surpresa.

Por que Nasille ria tanto?

Ela tinha acabado de defender seu golpe com a magia que Sir Mysic lhe ensinara.

- Mysic! Você aprendeu isso com ele, não é mesmo? - Disse o sujeito e agora mesmo que a
grandalhona arregalou os olhos em choque, enquanto sua pele voltava ao normal, acabando o
efeito da magia de defesa. - Então, aquele filho da puta ainda está vivo, é…? Eu vou fazer uma
visitinha para ele mais cedo ou mais tarde, assim que eu acabar com você aqui!

E quando ele disse isso, Ranik cerrou os dentes.

“Não, você não vai matar mais uma pessoa próxima a mim!” ela pensou e logo, mandou ver
com a espada bem no dorso do pai.

Só que ele, rapidamente, defendeu-se com o machadão batendo na lâmina da espadona e


jogando-a para trás.

- Bem que eu achei sua espada familiar também… Mas a dele não tinha esse dragão. Isso
parece coisa daquele maldito reino de… - E logo depois, os olhos de Nasille entraram em
chamas de novo. - Não vai me dizer que aquele corno se rendeu aos inimigos!?

- Erm… - Ranik cerrou os olhos em uma expressão desesperada. Nasille soltou um “tsc”.

- Bom, obrigado pelas informações úteis, guerreira furada! E ADEUS!

Mas quando o machadão vinha vindo de novo para cima da guerreira que só pensava em se
defender mais uma vez, um portal de teletransporte surgiu ali dentro da igreja mesmo.

Só que quem saiu dele não era alguém agradável.

- Pare agora, Nasille, o que estiver fazendo e venha comigo. - Disse a voz masculina e quando
Ranik encarou-o, ficou completamente estupefata. Toda sua espinha gelou na mesma hora em
choque.

Era Pakao, em carne e osso. Ela sabia. Ela lembrou-se da foto e da ilusão de Noctana. Era…
era terrível.

Os olhos negros dele (sem transformação de mana ficavam dessa cor) encararam a
guerreirona, achando graça.

Nasille já não era de abaixar a cabeça, mesmo paraquele mago tão cruel e poderoso.

- Quem disse que vou fazer o que você manda, seu merda!? - Nasille já foi agradável com o
mago negro, que logo ficou com os olhos vermelhos e estendeu a mão para ele, retorcendo seu
corpo com dor. - Urgh!

Ranik ficou bestificada de como apenas com um movimento, aquele homenzarrão


poderosíssimo tinha sido controlado. Elas nunca, nunca teriam poderio para derrotar Pakao.
Era impossível…

- Você não tem escolhas a não ser me obedecer. Fui eu quem te trouxe de volta a vida, então,
eu posso muito bem de mandar de novo direto pro inferno, soldadinho de chumbo. - Disse o
mago, e então, com um sorriso cruel, encarou Ranik. - Deixe que sua filha viva mais um
pouquinho, até porque… não queremos enfurecer um inimigo tão poderoso.

- …!? - Ranik ficou confusa, era óbvio que Pakao não se referia a si, logo… de quem ele
falava?

- Precisamos ir embora enquanto aquela… coisa… não chega aqui. - Disse Pakao, indo pro
portal, enquanto arrastava Nasille com seu poder.

Ele andava com dificuldade, e às vezes, seus pés arrastavam-se no chão. Ele fazia muita força
e uma veia saltava em sua testa.

- RANIK… URGH… EU VOU… VOLTAR… E VOU… URGH… TE MATAR!!! - Disse o


homem, para logo depois, sumir no portal junto com o mago negro.

O frio na espinha parou, mas a guerreirona pôs a mão no peito, completamente ofegante.

Logo depois outro portal surgira logo ali, e de dentro dele, duas pessoas saíram. Não, não duas
pessoas. Uma só.

Uma pessoa esquisita demais, Ranik notara. Era… familiar, mas ao mesmo tempo, era…
bizarro.

De um lado, o corpo tinha coloração de pele clara com cabelos negros compridos e lisos, olhos
completamente enegrecidos com íris branca. Do outro lado, o corpo tinha coloração de pele
escura com cabelos brancos compridos e lisos, olhos brancos com a íris negra. A roupa era
uma espécie de robe também dividido, o lado de pele clara tinha robe escuro e o lado de pele
escura tinha robe claro. Os pés estavam descalços. E em suas costas, asas. Uma asa era negra e
a outra era branca. Chifres em sua cabeça, pareciam de bode. Também havia um rabo
pontudo logo atrás que balançava-se e sacudia, tendo vida própria.

Quando Ranik pressentiu a mana, ficou em choque. Parecia…

Noctana e Iluzia.

- Finalmente chegamos. - Disse a voz que era claramente da maga de luz, mas com um leve
tom de frieza, que não era comum dela.

- Você está bem, Ranik? - E agora era a voz claramente de Noctana, só que aparentava estar
um tanto quanto mais doce.

- …! - A guerreira ainda estava em choque.

E então, de repente, a figura miscigenada das duas encarou o corpo de Udarak morto no chão,
e nesse instante, algo bizarro aconteceu. Ranik viu o separar do corpo das duas enquanto uma
luz eclodia… Elas tinham ficado muito poderosas naquela transformação, mas agora, seus
corpos voltavam ao normal, enquanto uma Noctana ia correndo de encontro com o cadáver
do seu amigo e mentor.

Iluzia colocava a mão na cabeça de tonteira e a guerreira finalmente tinha coragem de se


aproximar dela.

- O que foi aquilo?

- A… A transformação? - A loira disse, suspirando. - Eu e Noctana, nós alcançamos nossos


destinos e nos fundimos. Eu achei que nunca ia sair daquilo, estava terrível.

- Terrível…? - A grandalhona nem sabia o que dizer. E então, encarando a assassina


derramando uma lágrima em nome de seu amigo, fez uma expressão triste.

- Sim. para começar foi a coisa mais bizarra que já me aconteceu. Bom, você notou, você está
com uma cara terrível só de ter visto. - E então, a maga cruzou os braços. - A cabeça de
Noctana… agora eu entendo porque ela é daquele jeito bizarro.

- Vocês viam os pensamentos uma da outra?

- “Hellôu”, a gente tava dividindo até o sistema excretor! URGH! - A loira disse, e então, com
uma cara triste, olhando para situação com Udarak e Noctana, a maga adivinhou. - Foi seu
pai que fez isso, né?

- C-como você…!?

- Não importa como eu sabia. Precisamos ir embora daqui antes que ele tente voltar. - Iluzia
disse, em desespero.

- Ele foi embora… com Pakao. Foi Pakao em pessoa que levou ele. - Ranik disse isso baixo,
para que Noctana não pudesse ouvir, e então, Iluzia fez uma cara só mais preocupada ainda.

Rapidamente, a assassina surgiu com o que pôde pegar do elfo em seus braços, sujando-se
toda de sangue, e com uma cara muito séria e decidida, ela disse:

- Vamos fazer um enterro decente e… precisamos contar isso a Glaz.

As outras duas concordaram com a cabeça com caras tristonhas.

---

- Você tem certeza que vai fazer isso?

- Você não sempre disse que eu tinha que honrar a minha família, meu nome e minha cidade?
Então…

- É, eu sei, mas… é perigoso. Talvez seu pai tenha razão. Talvez seja melhor que você fique
aqui comigo.

- … - Ranik olhou fula da vida para Latica, sua mãe.


- Ok, ok. Mas toma cuidado, ok, minha filha? O treinamento do exército do dragão negro não
é fácil.

- Eu sei, mas tá tudo bem. Eu vou ser tão forte quanto o meu pai e vou honrar nossa cidade,
você vai ver, mãe! Eu vou destruir aqueles filhos da puta do império de Veligrad! Eles não vão
pegar nossa cidade!

Ranik estava em meio aos novatos que tinham acabado de entrar no esquadrão. Ela era a
mais alta entre eles, e todos estavam impressionados, afinal, ela era a filha de um dos
comandantes mais importantes, Nasille, a lenda. Ela estava com o peito estufado, morrendo de
orgulho de estar ali. E então, o líder do bando deles (que não era Nasille) apareceu para lhes
dar ordens. Estavam em um acampamento militar em meio a floresta, próxima a cidade de
origem.

- Vocês, novatos, têm de aprender uma coisa! - Disse o homem vestido com a armadura negra,
entregando-lhes suas armaduras padronizadas de níveis baixos. - Aquilo ali é guerra! Da
mesma forma que os malditos de Veligrad nos destroem sem dó nem piedade, nós devemos
fazer o mesmo com eles! Se tivermos que queimar suas cidades, faremos! Se tivermos que
matar seus magos ou guerreiros, faremos com gosto! Vamos libertar nossa cidade dos
invasores, esse maldito rei não vai tomar tudo do Allas para ele como se ele fosse o dono
máximo de tudo! Ele não é Bog (Deus dos deuses), ele não é um escolhido, não deixaremos que
ele faça como bem entender! VAMOS HONRAR NOSSO EXÉRCITO, O EXÉRCITO DO
DRAGÃO NEGRO, O EXÉRCITO REBELDE DA LIBERTAÇÃO!!!

- UUUUHHHH!!! - Todos os novatos urraram como sempre faziam, e Ranik urrou junto a
eles.

Primeira missão de Ranik, e ela já estava nervosa. Foi de cavalos negros armadurados com os
outros novatos e o líder para uma cidadela, um vilarejo, próximo aos arredores de Veligrad.
Não podiam começar com uma cidade grande, pois, disse o líder, estas estariam muito
armadas com soldados experientes, seria uma missão impossível para meros novatos
enfrentarem logo de cara. Portanto, cuidariam dos vilarejos menores enquanto deixariam os
maiores para os veteranos (incluso seu pai, Nasille, a lenda).

O problema foi que quando adentraram urrando (o urro dos dragões negros) e tacando fogo
nos telhados de palha das casas de madeira da pequena vila, junto aos outros novatos, Ranik
reparara…

Aquele pequeno vilarejo não tinha um cavaleiro real sequer. Não só isso, as únicas pessoas que
viviam ali… eram outros camponeses e mais nada.

A guerreirona ficou paralisada.

Pois é, eles estariam matando pessoas inocentes.

80. PASSADO INFERNAL – Parte 2


Como fora dito, o exército do dragão negro, o esquadrão novato, no caso, o esquadrão onde
Ranik estava inclusa, partira para primeira missão: Destruir todo um vilarejo próximo a
Veligrad, que pertencia ao reino mesmo. O problema foi que, assim que a guerreira chegou
urrando com seus amigos e colocando fogo nas casas, ela notara…

Não havia um inimigo armadurado sequer para proteger o lugar. Apenas camponeses
humildes, pessoas normais e desarmadas, que não podiam lutar de volta. Mas pelo visto…

Seus amigos do exército estavam pouco se fodendo para isso. E o líder também parecia não
ligar. Era do reino, era inimigo. Não importava se era um mago, um guerreiro, ou um mero
camponês…

Ou uma camponesa.

Ou uma criança camponesa.

Quando Ranik vira o fio da espada transpassar mãe e filho (este em seu colo) e os cadáveres
caírem no chão pelas mãos de seu próprio líder, a guerreirona deixou seu cavalo lá e saiu
correndo para o beco mais próximo.

Ela sentia vontade de vomitar.

Seus olhos já começaram a derramar lágrimas por trás daquele capacete negro.

Ela ouvia o grito e o choro de famílias inteiras que eram mortas por seus amigos, por seus
colegas de infância, por pessoas conhecidas suas com quem comia, dormia e brincava desde
sempre.

Era… surreal demais.

E logo, ela pôde ouvir uns gritos que vinham de um beco que entrecortava aquele onde estava.
Pareciam gritos de mulher. E vozes de homens, comparsas seus do dragão negro. Ranik
arregalou os olhos, e sem que pensasse direito, foi até o lugar onde os gritos vinham.

Dois amigos seus estavam ali. E os dois estavam tentando estuparar uma mulher que,
chorando, gritava e implorava por ajuda e para eles parassem. Eles riam de sua cara e
começavam a rasgar suas roupas.

Porém… assim que Ranik vira isso, ela não conseguira aguentar. Tirou a bastarda das costas
e então… pôs-se a correr.

De repente, a espada ultrapassou a garganta de um dos comparsas, e o outro, ficou bestificado


quando viu que era uma guerreira deles a atacar.

- O QUÊ ESTÁ FAZENDO!? - O cara questionou, e Ranik, banhada no sangue do amigo,


virou-se para ele, furiosíssima.

- O QUE VOCÊS ESTÃO FAZENDO!? SÃO CAMPONESES! VOCÊS NÃO DEVIAM


ESTAR… NÃO DEVIAM FAZER COISAS TÃO HORRÍVEIS!!!

- …! - O cara estava em choque, e então, fez “não” com a cabeça, e saiu correndo dali.
Era óbvio… ele contaria tudo ao líder.

Ranik rapidamente virou-se para mulher que antes pedia ajuda. Suas roupas rasgadas.
Feridas. E lágrimas nos olhos. Ela olhou para Ranik com puro terror, ainda que esta fosse sua
salvadora.

- A senhora está b…? - Mas antes que Ranik pudesse estender a mão para ajudá-la, ela saiu
correndo, gritando por socorro.

Sim, ela também era um deles. Também era um monstro.

A guerreirona sentia-se muito, muito mal.

“Então é isso… é isso que meu pai vivia fazendo? Entrando nessas cidades, estuparando
mulheres, matando inocentes? É isso que nosso exército faz? Eu achei que fossemos enfrentar
os guerreiros deles, achei que estávamos lutando para libertar nossas terras, e não por isso…
isso não é digno, isso é… isso é horrível.”

- ESSA MALDITA, ELA QUEM MATOU O OBICAN! ELA FEZ ISSO NA FRENTE DOS
MEUS OLHOS!!! - Disse o soldado, apontando o dedo para uma Ranik, desarmada,
desarmadurada e algemada, na frente de um monte de líderes do exército negro.

- Sem contar que ela não ajudou em nada na missão. Zero. - Disse o líder que fora com os
novatos. - Ela não parecia ter a coragem o suficiente. A força o suficiente.

- Coragem e força!? - Finalmente Ranik falou, e então, entredentes disse, era pura fúria. -
CORAGEM E FORÇA!? Vocês mataram gente que nada fez! Mataram camponeses,
mulheres, crianças! Obican? Sim, eu matei o Obican, porque ele estava prestes a estuparar
uma mulher! NÃO HÁ NENHUMA CORAGEM OU FORÇA NISSO!!!

E antes que pudesse continuar falando alguma coisa, um dos líderes se aproximou dela e deu-
lhe um chute. Ela caiu no chão, ferida.

- Cale a boca! Você está sendo julgada pelos seus erros! Não pense que você é superior a gente
ou coisa do tipo! - Disse o líder, furioso. Ele era um dos caras que geralmente andava com seu
pai, logo. - Eu não consigo acreditar que, enquanto seu pai luta na área mais perigosa da
guerra para defender nossas terras, sua filha, ao invés de estar nos honrando, virou essa
desgraça!

- … - E então, o líder dos novatos virou-se para ele e disse. - O que vamos fazer com ela?

- Por enquanto, vamos apenas jogá-la na prisão para apodrecer. Quando Nasille voltar, ele
escolherá sua penitência. E eu tenho quase certeza que ele vai preferir a morte a ser
desonrado assim por sua prole.

- … - Ranik levantou-se com dificuldade.

O novato que estava com Obican foi o responsável por segurá-la, ainda que ela ficasse furiosa
com isso.
Ranik passou em frente ao seu vilarejo presa, com um soldado atrás e outro na frente. E
enquanto isso, o povo da cidade, já sabendo do motivo pelo qual ela fora condenada (Desacato
aos superiores, fuga da missão, obstrução da missão, morte de um compatriota), começou a
urrar palavras de ódio e humilhação para a guerreira:

- MORRA, GUERREIRA FURADA!

- VOCÊ É UMA DESGRAÇA!

- NÃO PODE SER FILHA DO NASILLE, VOCÊ É UM NOJO para NOSSA CIDADE!

- GUERREIRA FURADA!

- MORRA, SUA INÚTIL!

Eles também jogavam coisas em si. Comida, sujeira, lixo, às vezes, pedras que lhe feriam a
pele e lhe machucavam. Ranik apenas abaixava a cabeça e seguia o caminho. Sabia que se se
mexesse, o sujeito novato teria direito de lhe tirar a vida com o fio de sua espada.

De repente, os olhos amarelos se levantaram por um instante, pois, sentiu olhos verdes
cravados em si. Os olhos verdes eram de pura tristeza e decepção. Sim, eram os olhos de
Latica, sua mãe. Ela estava vendo a humilhação pública que a filha estava recebendo. E é
claro, ela receberia também dos vizinhos e outros moradores do vilarejo, afinal, sua família –
que antes era lendária e honrada – agora estava manchada para sempre.

- M-mãe… - Ranik disse, nervosa. Mas a mulher, chorando, apenas fez “não” com a cabeça e
virou-se para deixar de encará-la. - …

Ranik sentia-se como se todo o peso do mundo tivesse sido depositado em suas costas quando
aquela mulher lhe negou. Ela não ligava que o novato zombasse de si. Que as pessoas da
cidade lhe chamassem de “guerreira furada” e lhe tacassem coisas. Mas que Latica negasse
sua existência, que Latica não se orgulhasse dela, pelo contrário, que lhe considerasse uma
decepção extrema, isso era pura dor.

Depois disso, Ranik foi posta em uma prisão no subsolo da sede do dragão negro que ficava
bem no vilarejo mesmo. E lá passou-se dias sendo humilhada, apanhando, comendo quase
nada, dormindo no chão frio e sujo de pedras musgosas.

E então, um dia, ela viu um guarda aproximar-se de sua cela e sussurrar para si:

- Ei! Ei, guerreira furada! Ei!

-…

- Se você me ignorar, eu vou te tacar pedras pontudas daqui.

E enfim, ela o encarou, fula da vida. Seus olhos estavam mortos. Suas roupas esfiapadas e
sujas. Estava cheia de machucados pelo corpo.
- Sabia que seu papaizinho, a grande lenda, Nasille… está morto?

- …! - Ranik arregalou os olhos em choque.

Nasille. Aquele Nasille. O sujeito que tanto lhe batia e lhe dizia que ela era fraca e que não
devia ser do exército negro.

Ranik se encolheu e chorou a noite toda, pensando consigo mesma: “Ele tinha razão. Meu pai
tinha razão. Eu sou uma inútil...”

Um dia, abrindo os olhos, depois de 3 dias seguidos sem conseguir dormir por tortura, a
guerreirona reparou que a portinhola da cela estava aberta… Ela estranhou.

Levantou-se e saiu andando para encontrar os corredores todos abarrotados de cadáveres de


guardas negros.

O que isso significava!?

Seu vilarejo tinha sido invadido.

Ranik foi andando, subindo, saindo pela porta do quartel e finalmente, ela encarou. Sim, tudo
queimado, as casas, tudo. Era assim que o exército do dragão negro fazia com as vilas e
cidades que invadia, e bom, foi assim que Veligrad fizera com eles também. E todas aquelas
pessoas que antes lhe tacaram coisas e lhe xingaram de guereira furada, agora estavam todas
mortas. Soldados ou camponeses, todos… todos mortos.

Ranik caiu de joelhos no chão. E em meio a lágrimas, ela abriu um sorriso.

81. PASSADO INFERNAL – Parte final

Ranik, Noctana, Iluzia e Glaz estavam no topo de uma montanha. A montanha tinha uma bela
visão de Velejo, a cidade do falecido Udarak. A assassina já tinha parado de chorar, no
entanto, a rainha dos disfarces apenas tinha começado. Quando elas, mais precisamente,
Noctana, lhe avisou:

- N-não… V-vocês não podem estar falando sério. U-uda…? N-não. - Glaz não aguentou. De
fato, o elfo arqueiro era um mentor paras duas. Foi ele quem as abrigou assim que elas
fugiram da cidade destruída onde cresceram. Foi graças a ele que elas se aprimoraram nas
artes ladinas.

Glaz depositou as duas bestas de Uda sobre seu túmulo preparado por elas logo ali. E por fim,
elas terminaram o dia, encarando o pôr do Sol por sobre aquela cidade mecânica de chumbo.

---

“Meu pai… Nasille…


Nasille morreu.
Minha mãe… Latica…
Ela se matou.
Ele morreu na guerra, defendendo nossa honra e a de nossa família. Defendendo nosso nome,
coisa que eu não consegui fazer.
Porque eu tinha medo…
Medo de me tornar um monstro.
Mas o que é ser um monstro? O que é ser uma pessoa?
Eu achava que os guerreiros reais de Veligrad eram maus, até eu ver nossos guerreiros do
dragão negro matando pessoas inocentes naquele pequeno vilarejo.
Daí eu achava que nossos guerreiros do dragão negro eram maus, até eu ver os de Veligrad
invadindo a cidade onde eu cresci e fazendo o mesmo.
Nenhum lado é bom…
Então, quem é bom?
Eu sou boa? Eu sou boa porque me recusei a fazer o mal?
Ou isso apenas me torna covarde?
As pessoas me chamaram de covarde… guerreira furada.
Minha mãe morreu, no caso, se matou, porque ela me achava covarde.
Eu a decepcionei com as minhas atitudes contra nosso exército, nossa honra familiar. Nossa
cidade.
As pessoas deviam humilhá-la todos os dias, quando ela saía para pegar lenha, para caçar ou
para pegar água no riacho. As pessoas deviam tacar coisas nela e xingá-la assim como fizeram a
mim.
Mas eu estava lá, protegida, atrás das grades.
Claro…
Com frio. Com fome. Com dor.
Zonza. Triste. Cansada de chorar (minhas lágrimas já tinham secado nos meus olhos). Garganta
seca. Gosto de sangue.
Mas ainda sim… protegida do mundo exterior.
Eu era mesmo uma covarde.
Eu era mesmo uma fraca.
Nunca ia mudar...”

Ranik andava por entre os destroços. Ela ainda usava trapos. Ela ainda estava com fome e
ferida, muito ferida. E então, de repente, ela enxergou. Ainda havia luta. A guerra ainda não
tinha terminado. Nem todos os cavaleiros do dragão negro tinham morrido. Nem todos os
guerreiros reais de Veligrad também. Alguma coisa ainda acontecia na cidade. Ainda haviam
sobreviventes…

E de repente, uns olhos bateram nos seus… Era o amigo de Obican. Sim, ele ainda estava
vivo, e pelo visto, enfrentava outros guerreiros reais.

De repente, suas vistas se cruzaram e ele só gritou:

- GUERREIRA FURADA, AINDA ESTÁ VIVA!!!


- …! - E quando ele gritou isso, Ranik apenas deu meia volta e se pôs a correr.

Mas o sujeito não ia deixar para lá. Ele saiu correndo atrás dela também. Os guardas reais de
Veligrad ficaram confusos. Ele parecia estar correndo atrás de uma prisioneira, ou um dos
seus… o que era afinal?

A verdade é que Ranik, neste instante, era caçada por amigos e por inimigos. Ou seja, não
havia em quem confiar…

Em um beco, ela finalmente se viu sem saída. Tinha que ter pensado nisso antes, ela sempre
soube que aquele beco ali não ia para lugar algum, como pôde esquecer-se disso logo num
momento tão crítico!? Virou-se e encarou a cara doentia do rapaz. Ele estava sem capacete,
mas estava plenamente armadurado e armado. E o sorriso sangrento na sua face só
demonstrava o quanto aquele momento era tudo o que ele mais queria há meses…

- Sua maldita, eu finalmente… finalmente vou poder me vingar por Obican! Aqueles
malditos… os malditos do conselho do dragão negro, eles não me deixaram matar você!
Falaram que a gente tinha que aguardar a decisão de Nasille! Háh! Como se aquele filho da
puta fosse querer exterminar a única linhagem sanguínea dele por escolha própria! - Ranik
revirou os olhos. Bom, era provável que seu pai iria querer sim. Mas o que aquele idiota
estuparador sabia, afinal? - Mas agora, eu finalmente… eu finalmente vou poder me vingar!
E eu não vou só te matar, não! Antes disso, eu vou me aliviar com você, porque naquele dia,
era o que eu e Obican íamos fazer com aquela camponesa real, mas você nos impediu!

- … - Ranik olhou para ele com nojo e ódio. Ela era puro caco. Totalmente ferida e indefesa,
mas… Seu ódio agora era combustível.

Ela se considerava inferior sim, mas não inferior como aquele lixo ali em sua frente.

“Eu posso ser fraca.


Eu posso ser covarde.
Mas eu não sou como esse lixo humano.
Eu sou melhor que isso.
EU NÃO VOU DEIXAR QUE ELE SEJA FELIZ!!!”

O homem veio correndo em sua direção para lhe acertar uma porrada (provavelmente para
imobilizá-la ou desmaiá-la), mas ela escapou rapidamente. Ele ficou fulo, mesmo sem
armadura, ela parecia hábil. E então, mais uma vez, ele veio como um touro desgovernado.
Pelo visto, não era muito inteligente. Ranik deu uma escorregada no chão, e então, pegou ali a
primeira coisa que viu…

Era um pedaço de madeira quebrado.

- Háh! Eu tenho uma espada, querida! O que acha que vai fazer com esse pedaço de lixo? - O
sujeito lhe zombou, e então, Ranik apenas suspirou, batendo com o pedaço de madeira em sua
outra mão.

E então, ele veio correndo em sua direção de novo…

E para sua surpresa, ela encheu a mão de mana e encheu o pedaço de madeira do mesmo
jeito. Quando o cara passou por perto de si, foi direto em seu crânio, partindo-o. Aquele
pedacinho de madeira estava tão duro quanto uma barra de ferro.

O rapaz caiu no chão, finalmente morto. Ranik jogou o pedaço de madeira no chão, e logo
depois, ouviu um barulho atrás de si.

Ela olhou e dava para ver de longe. Robes… robes de cores claras. Ela sabia quem tinha
chegado para ajudar os guerreiros reais: A guilda de magos de luz. Eles também eram
considerados inimigos do dragão negro. Eles também ajudavam o império.

Por isso, ela começou a correr, correr… fugir pro mais longe que suas pernas feridas
conseguissem.
Porém, não foi muito…

Logo, ela caiu no chão.

O sujeito filho da puta, antes de ser acertado pela barra-de-ferro-pedaço-de-madeira tinha lhe
atingido de raspão com sua espada. E foi o suficiente…

Ela já estava bem fraca, então foi só a cereja do bolo.

Ela ficou lá, ofegando e sangrando, apoiada numa parede, em um beco abandonado da cidade
destruída.

Até que…

Surgiu aquela pessoa. Cabelos loiros, olhos azuis, pele alva, robe azul-claro. Robe azul…
claro… era uma maga de luz… e sua mão já levantava contra si, usando mana sagrada. Ranik
fechou os olhos.

Era seu fim.

Morreria como um cavaleiro honrado?

Não, não tinha nada disso.

Não era nada disso.

Mas logo, viu a mão estendendo-se para si, finalmente sem mana. Ranik levantou os olhos
amarelados, e ouviu a voz da maguinha falar para si:

- Venha comigo.

- …! - E ela ficou incrédula e… esperançosa, depois de tanto tempo de trevas.

---

Nasille estava parado, encarando os céus de magma. Cruzou os braços. Bufou. Estava sem
capacete neste instante. E sem seu enorme machadão também, o mago negro filho da mãe
tinha tirado de si. Tinha medo dele se revoltar e pegá-los de surpresa. Bom, era paraticamente
o que ele faria mesmo…

“Você não tem escolhas a não ser me obedecer. Fui eu quem te trouxe de volta a vida, então,
eu posso muito bem te mandar de novo direto pro inferno, soldadinho de chumbo.” ele
lembrou-se e mais uma vez grunhiu com ódio.

E então, ele ouviu passos… passos armadurados. Ficou atento. E assim que a viu, apenas
abriu um sorrisinho de desdém.

- Você está de brincadeira que eu fui o único dessa birosca que morreu lutando com honra e
glória? - Disse o vozeirão grosso e alto.
E então, a mulher apenas parou de andar, e logo, cruzou os braços.

- Então, o filho da puta do Pakao realmente reviveu você, é? Que perda de tempo fantástica. -
Disse ela, parecia realmente fula da vida de rever a grande lenda dos dragões negros.

- Me diga, todos vocês renderam-se para um lado imbecil para serem controlados? Porque eu
soube que Mysic virou um soldadinho real. E você… pelo visto, está lutando junto com aquele
mago estúpido para um… como é mesmo, Xamã? O que vocês ganham com essa merda?
Porque enquanto vocês estão aqui, todo Allas foi dominado pelo rei de merda de Veligrad. -
Nasille continuava furioso, e então, a mulher soltou uma gargalhada.

- Como uma boa múmia, vivendo de passado. - E então, finalmente, a mulher retirou o
capacete, sorrindo. - Nós agora teremos uma fonte de poder inesgotável sombrio. Não era isso
que o exército do dragão negro queria? O Allas todo obscuro e amaldiçoado? Pois é, vamos ter
isso graças ao Xamã.

Seus cabelos eram ondulados castanho-claros, sua pele era parda e seus olhos eram verdes.
Ela era estranhamente familiar.

- Você realmente não muda, não é, Masina? - Nasille disse, cerrando os dentes, em chamas. -
Tão imbecil quanto seu irmãozinho.

82. O INIMIGO SE ENCAMINHA

Finalmente, em Veligrad. Naquele quarto em que Noctana ficara desacordada da vez anterior.
Enquanto Ranik foi ter com o Sir da guarda real para conversar a respeito do que se sucedeu
na missão, as duas, Iluzia e a assassina estavam mais uma vez sozinhas. Desta vez, tentando
compreender o que aconteceu com elas no calabouço do centro do Allas. Foi tudo muito
rápido e confuso. Mas agora, mais do que nunca, elas tinham uma ligação…

Uma ligação de alma.

Agora por quê e como? Eram coisas que elas não saberiam tão cedo, pelo visto.

- Foi bizarro. - A maga loira foi a primeira a dizer. Estava comendo um sanduíche e bebendo
um suco de laranja.

- Aham. - Noctana, como sempre, é a que menos dizia algo. Estava afiando suas lâminas.

Tinha guardado de lembrança para si uma besta de Udarak (não das duas que ficaram na
sepultura, mas ele tinha várias na casa dele). Também estava polindo-a e afiando algumas
flechas, embora ninguém soubesse se ela poderia mesmo utilizar aquela arma, já que lâminas
eram mais sua especialidade.

- D-digo… Nossos corpos se misturaram. Por um instante, eu acreditei ter virado um anjo de
luz, enquanto você tivesse virado um demônio obscuro, mas do nada, foi como se a gente…
ahn…

- Se fundisse? - Noctana disse, e então, a loira suspirou.


- É.

- Sabe o que é estranho, Iluzia? - Noctana disse, finalmente encarando a maguinha.

-…

- Você dizer que ainda tem sentimentos pela Ranik, sendo que agora, você claramente sente
falta (e se sente culpada) daquela maga negra, a Tamnazelnoc. - Disse a assassina sombria,
sendo bem direta. Mais uma vez esse papo.

- URGH! Não é hora de falar disso, é hora de falarmos da fusão!

- Mas eu estou falando da fusão. Acredito que assim como eu pude sentir e ver tudo o que se
passava dentro de você, como se fosse transparente. Você pôde sentir e ver tudo o que se passa
dentro de mim. Agora nós duas teremos uma relação mais do que sólida uma com a outra. - E
quando Noctana disse isso, a maga loira ficou um tanto quanto corada.

- Ahm… Isso soou bizarro também.

- Você me entendeu, Iluzia. - Disse a assassina, e então, levantou-se. - Ficamos fortes demais.
Se Ranik precisar que nós lutemos para ajudá-la. Se Glaz também precisar. Nós podemos…
Talvez nós possamos finalmente matar Pakao.

- Eu vejo dentro de você que você está querendo apenas vingança, Noctana. Isso não é certo…
- E então, a loira baixou os olhos meio triste. Ela tinha visto tudo o que Noctana tinha passado
com Pakao. Era óbvio o que ela queria fazer. Ela vivia por isso, para isso.

- Não é certo!? - Noctana disse, ficando fula. E então, deu um risinho sarcástico, finalmente
deixando o quarto. - Essa laranja está passada… o suco está amargo demais.

E ela saiu, batendo a porta. Iluzia encarou o suco de laranja em choque. É… estava mesmo
amargo.

---

- Você será adotada, Noctana.

- C-como assim!? M-mas, eu não quero, Madre! Eu já disse!

- Mas já ajeitamos todas as papeladas. Um dia, todas as crianças se vão.

- Q-quem é que vai me adotar!? Por favor, não diga que vai ser aquele cara… aquele esquisito
dos olhos… vermelhos!?

- Desculpa, Noctana. Mas Pakao é a pessoa perfeita, perfeita para cuidar de você.

Chuva de sangue.
Corpos para todos os lados.
Garotinha ofegante.
Ela só sabia gargalhar, com os olhos vermelhos.
A madre morreu de um jeito bonito.
As freiras morreram também, sobre a mesa de jantar.
Os gêmeos perderam as cabeças com as facas da cozinha.
Até mesmo o bebê teve um triste fim.

E ela tinha as mãos manchadas de sangue agora.


Ela conseguia ver de dentro de si… a destruição acontecendo.
Mas ela não conseguia, não tinha forças para impedir.
Era como se seu corpo estivesse descontrolado.
Ele fazia tudo sozinho.
Ele continuava a matança.
Ele gozava de emoção.
Tudo o que ele queria era morte.
Tudo o que ela queria, por dentro chorando, era que tudo parasse…

- NÃO, POR FAVOR, NÃO, POR FAVOR! PARE! NÃO CONTINUE! POR FAVOR,
NÃOOOO…!!!

---

- Eu vou para Veligrad. - Disse Nasille para Pakao. O sujeito deu um risinho para ele.

- Você só pode estar zombando de mim, soldadinho de chumbo. - Disse o mago, ele estava
muito ocupado em uma sala de rituais. Não ficava no lugar onde o céu era de chamas, logo,
estavam bem longe dali. Pelo visto, Pakao o levou mesmo sem seu consentimento.

Não era como se ele tivesse muitas escolhas mesmo.

- Eu conheço o teu náipe, Pakao. Te conheço há anos, desde que a gente formou o exército
negro juntos. Os meus guerreiros e os seus magos, eu sei disso. Eu sei o que sempre quis. Você
nem tem planos com o Xamã de fato. Você é apenas um psicopata, um maldito sádico que
adora ver o circo pegar fogo. Você não me reviveu porque me considerava uma boa arma para
lutar contra Veligrad e os magos de luz. Você me trouxe de volta, propositalmente, para
enfrentar minha própria filha. Porque eu sou o pesadelo vivo dela, eu sei disso. Esse tipo de
coisa emociona você, de te fazer ter orgasmo. E eu sei que se eu for embora agora, estarei
estragando seu teatrinho, então… - Rapidamente, Nasille pegou um athame que estava em
cima da mesa ritualística do mago negro e apontou pro próprio pescoço. - Eu já morri uma
vez, não me importo de morrer de novo. Mas assim como você, quero Ranik aterrorizada e até
morta. Então, se eu acabar com a graça toda agora, você perde sua alegria. Portanto, me
deixe conceber pelo menos esse desejo…

- Você quer ver seu amantezinho, né? - Disse Pakao, resumindo. Ele entendia bem a questão.

Mysic era um desertor para Nasille agora.

Ele era um dos melhores guerreiros do dragão negro, e agora, trabalhava para Veligrad, pro
exército real, pro inimigo.

Nasille estava com sede de sangue mais uma vez.

- Talvez seja interessante também. Um reencontro romântico e dramático. Eu posso assistir


isso de camarote? Bom, eu acho que você precisará de um portal de teletransporte. Você não
quer ser morto pelo exército do rei assim que pisar em sua cidade, não é mesmo? - E então,
Pakao foi se aproximando de Nasille e passou a mão em seu rosto, que ele rapidamente tirou
com asco. - Certo, certo. Fique tranquilo, eu não vou interferir e nem… nem vou aparecer
fisicamente para não atrapalhar a foda de vocês.

- …! - O pai de Ranik cerrou os dentes com ódio contido.

Pakao, por enquanto, para si, era um mal necessário.

---

- Tamnazelnoc. - Disse o Xamã, e então, Masina apenas fez “sim” com a cabeça.

E logo depois, enchendo a mão de mana, ela criou um portal. Um portal que a levaria direto
para a torre que se achava sumida em meio a Divijna.

Mas não estava.

O Xamã e Pakao sabiam o tempo todo do paradeiro da meio-drow. E agora restava saber se
ela estaria cumprindo seus objetivos também.

De repente, Zel fora despertada (estava anteriormente deitada em uma cama em meio ao
quarto ritualístico) por um portal que surgira naquele recinto sem ser convidado.
Rapidamente, ela levantou-se e já preparou energia negra em sua mão para um possível
ataque…

Mas assim que viu a cavaleira do dragão negro saindo dali, rapidamente, ela retirou sua
magia e fez uma continência.

- Tamnazelnoc é você, não é?

- …V-você é a ajudante direta do Xamã.

- Sim. Masina, ao seu dispôr. Não precisa mais fazer continência.

- … - E então, Zel parou. Mas estava nervosa, não sabia até onde os seus “amigos” sabiam que
ela tinha ido por e com Iluzia. Estava ofegante e seu coração quase saltava na boca de
nervoso. Uma goticulazinha de suor escorria pela testa assustada.

- Estava pensando… - Masina foi andando e mexendo nas coisas do quarto ritualístico de Zel
na torre. - Você esteve recente com aquela “coisa”, né?

- Ahn…?

- A Quimera de Mana. - E quando Masina disse isso, rapidamente Zel entendeu que ela se
tratava da fusão bizarra que Iluzia e Noctana utilizaram. - Xamã quer saber qual é o
potencial daquela coisa.

- E… O que eu tenho a ver com isso?

- Háh. Você não sabe? - E então, Masina, para sua surpresa, puxou uma esfera de vidro, e logo
depois, acendeu energia ali dentro. Rapidamente, imagens começaram a surgir ali…
“Se você ler a minha mente, eu deixo você ir embora!”
“Você… você leu minha mente! Como você conseguiu!?”
“Eu escolhi ajudar você...”

Sim, ela tinha todas as imagens de Iluzia com ela, até mesmo as sexuais. E enquanto mostrava
essas, Zel virou a cara não querendo ver.

- Você é a pessoa perfeita para ser nossa isca! - Disse Masina, e então, retirou das costas um
enorme martelo negro com um búfalo talhado nele.

Tamnazelnoc arregalou os olhos, enquanto mantinha uma energia negra na mão logo atrás de
si, escondida.

83. FANTASMAS DE DOR

Mysic terminou mais um treino com seus subordinados, e logo depois, resolveu descansar.
Entrou em seu quarto, retirou sua armadura (ficando apenas de vestes normais) e pegou um
cantil de água para beber. E enquanto bebia, ouviu um som esquisito atrás de si… logo depois,
sentiu uma presença emanando mana.

Virou-se rapidamente já puxando a espada (que tinha apoiado no canto junto a armadura),
mas acabou soltando-a quando teve uma surpresa absurda.

Era… Nasille.

Sim, o grande cavaleirão de 2,50 do exército do dragão negro. Seu ex-companheiro. Seu ex…

- Nasille… - Disse Mysic, completamente em choque. Uma gota de suor escorria agora por sua
testa.

Depois de tantos anos, vê-lo assim. Nasille estava sem capacete e dava um olhar sério e firme
para o cavaleirão de Veligrad de volta.

- Mysic… Há quanto tempo. - Disse o grandalhão, e então, foi andando para perto do outro
grandalhão.

O Sir chegou a pegar no cabo da espada de novo, receoso do que Nasille ia fazer, mas o pai de
Ranik apenas passou a mão em sua face, em sua barba mal feita, e ele acabou por largá-la de
novo.

- Estou realmente… realmente… - Nasille ia dizendo, e então, aproximou seus lábios dos
lábios do Sir.

Os dois se beijaram profundamente. Mysic chegou a largar a posição de pegar a espada para
abraçar o outro, que era paraticamente a única pessoa que conseguia ser mais alta que si (50
cm exatamente). Nasille também abraçava o Sir, enquanto os dois roçavam suas línguas e
trocavam saliva.

Até que, Nasille afastou-se e sua expressão era de ódio puro concentrado (diferente da
anterior). E ele disse, finalmente, o que tanto queria:
- Estou realmente decepcionado com você. - E quando ele disse isso, aí mesmo que Mysic
engoliu seco.

Seus corpos ainda estavam próximos, mas agora ele sentia as mãos de Nasille cravando em
seu braço com raiva. Ele não o soltaria até falar tudo.

---

Iluzia estava ainda na área real de Veligrad, no quarto que o rei separara para si e para Ranik
quando elas estivessem trabalhando a mando deles. Ela estava organizando o dinheiro que
Ranik tinha levado para si. Era a grana que Glaz e o falecido Udarak tinham conseguido a
mando de Noctana. A maga loira suspirava, pois, já tinha pensado bem que aquele dinheiro
provavelmente seria sujo. Porém, era importante, mais que nunca, que elas fizessem a arma
de purificação de mana. Logo, ela estava separando o quanto necessitaria para cada peça que
compararia para seu projeto. E também queria verificar quanto de dinheiro faltaria para
poder completar a situação.

Enquanto isso, suspirava e bebia um suco de laranja (dessa vez, sem estar amargo).

“Noctana… Aquela maluca. Tanta coisa ruim na cabeça. O passado sombrio com aquele filho
da puta daquele Pakao, a fazendo tomar atitudes tão… cruéis. Agora eu entendo porque ela
ficou chateada comigo quando eu perguntei quando ela tinha começado a ser uma assassina.
Faz sentido. Droga… Mas eu não sabia. Enfim… Fusionar com ela foi muito bizarro. Dividir
emoções, sentimentos, medos, segredos… Nossa vida realmente começou parecida, e teve
desavenças causadas quase que pelos mesmos inimigos. Nossos destinos se entrecruzaram de
um jeito, que agora, estamos entrelaçadas para sempre. Foi o que ela disse… nossa relação
agora é mais sólida que nunca. E ainda tem… Ranik. O que pensar sobre isso? Ranik pode ter
transado com Sekhs. E daí? Ranik também a beijou. E daí de novo? Eu estou começando a
ficar confusa. Acho que a situação está degringolando para algo que eu nunca pensei que
aconteceria… Ah… Ela deve ter visto minha relação com Ranik também. Isso explica seu mau
humor repentino. Não deve ser bacana ver outra pessoa transando e namorando por tantos
meses com alguém que você ama e quer para si. Se bem que… Noctana sempre foi mal
humorada. E Zel…? Ela deve ter visto sobre Zel também. Deve saber como me sinto a
respeito daquela meio-drow inimiga. Inimiga… Ela é mesmo uma inimiga? Raios! Por que eu
deveria me importar? Raios… Por que eu não deveria? Eu não consigo assumir para mim
mesma, mas...”

E seus pensamentos foram interrompidos por uma coisa. Era uma esfera de energia, sim,
mana. E era sombria, dava para claramente sentir, embora sua cor fosse avermelhada. Os
olhos da maga de luz se arregalaram. de onde aquilo tinha vindo!? Tinha aparecido do nada!
Como entrara ali!? Ela encarou ao redor. A janela. Provavelmente foi dali que veio. Mas…
Como!? Por que!? O que era aquilo!?

E então, imagens começaram a aparecer na esfera. Sim, era um transmissor de realidade.


Iluzia criara um uma vez a mando de Prom, quando ele a treinava. Mas não era lá sua
especialidade. Ela achava bem inútil mesmo, mas agora…

Vira seu verdadeiro potencial.

As imagens que surgiram eram todas dela com a Zel, inclusive as imagens naquele castelo
sombrio em Sfarcvald, ou na paraia… Sim, haviam imagens delas duas transando. Os olhos
de Iluzia se arregalaram. Isso era algum tipo de brincadeira ou…? Ela estava sendo
chantageada por alguém? Olhou ao redor, nervosa, e então, quando todas as lembranças dela
com a meio-drow acabaram de ser mostradas, apareceram imagens que pareciam ser atuais.
Ou seja, estarem acontecendo nesse exato instante.

A maga negra meio-drow estava sentada em uma cadeira. Ela estava amarrada. Parecia
também ferida. E então, rapidamente, alguém segurou pelo seu side-cut roxo, puxando sua
cabeça para cima com rudeza. E logo, a imagem seguiu o braço, para enfim, ir se afastando, e
mostrar quem era.

Era uma guerreira de armadura negra, com certeza. E não só isso, sua semelhança com Mysic
era esquisita. Pois é, ela parecia mesmo o guerreirão de 2 metros. Inclusive, era tão alta
quanto. Em outra ocasião, Iluzia a acharia muito atraente (ela gosta de mulheronas, né? Tipo
Ranik), mas neste instante, apenas veio ódio em suas veias. A mulher então disse:

- Sei que reparou bem no que estou me referindo, né? Sim, eu vou matar essa meio-drow
desertora se você não vier aqui com sua contra-parte em pelo menos 1 hora. Estamos
entendidas? Ah, só para constar, a minha localização é… - E ela deu os dados para que
pudesse ser encontrada. - Não traga ninguém além de vocês duas, de preferência,
transformadas. Se trouxer, eu vou me certificar de matar a pessoa na mesma hora. Enfim,
vamos… conversar.

E então, com a outra mão, ela pegou a marreta e a lambeu. Ela sacudiu a arma no ar e…

A imagem se apagou. Dava a entender que ela ia torturar Zel com aquela coisa enorme. Iluzia
cerrou os dentes. Não podia acreditar!

---

- Se juntar com o inimigo!? Depois de anos de luta, treino, guerras e honra! Honra pelo
exército do dragão negro, honra por nossas cidades, honra…! E você troca tudo para se
tornar um soldado do exército real! Um soldado do inimigo!? Eu estou… estou
completamente decepcionado com você, Mysic. - Disse Nasille, furioso, ainda segurando com
força nos braços do Sir (sem armadura).

- Erm… - Mysic retirou os braços de Nasille dali empurrando-os com força e logo depois, deu
alguns passos para trás. Sua espada bem atrás de si. - Nasille, as coisas não são tão preto no
branco quanto você acha que são.

- Quê!? Você está tirando uma com a minha cara!? - E então, o guerreirão sombrio apenas
disse. - Eu soube que você ainda estava vivo através da minha filha…

E quando ele disse isso, Mysic arregalou os olhos, surpreso.

- Eu vi que você ensinou para ela sua técnica de defesa. - Nasille cruzava os braços agora,
ainda parecendo furioso. - Me responda uma coisa, Mysic. Você mudou suas preferências
sexuais ou você está pagando de padrasto bonzinho para ela?

- … - O grandalhão de Veligrad suspirou. - Ranik é… Ranik é uma boa garota. Eu treinei ela,
porque vi isso.

- Ah… Então é a segunda opção. Pelo menos vai ser mais divertido quando eu for matá-la.
Mas é óbvio, eu vou fazer primeiro com você. - Disse o cavaleiro negro, apontando para
Mysic. - Só que antes, eu quero saber… porque… porque você traiu seu destino de guerreiro
negro!

- … - Finalmente, Mysic pôs-se a falar. - O único motivo pelo qual eu entrei no exército do
dragão negro… não foi por glória, honra… não foi nem mesmo por amor a minha cidade ou
ódio a Veligrad… talvez por isso eu não veja problemas de estar no exército deles agora. O
único motivo, Nasille, foi… você.

O pequeno adolescente com brilho nos olhos encarava a figura da grande lenda, o poderoso
Nasille, o monstro do dragão negro.

- Foi por sua causa que eu entrei no exército. Por sua causa que eu treinei o mais duro que
pude. Por sua causa que eu lutei nas guerras. Foi apenas para lutar ao seu lado. Porque eu
queria ficar com você para sempre… - E então, Mysic derramou uma lágrima solitária, que
ele limpou logo com a mão, mas continuou falando com tristeza. - Sempre até você morrer
naquele campo de batalha. Eu nunca mais vou me esquecer. Quando eu vi você partir, eu não
conseguia acreditar… Eu não conseguia acreditar que a grande lenda tinha sido
assassinada… Que tinha sido derrotada… Eu não conseguia acreditar que você tinha
morrido, que meu amor tinha morrido. Meu amor morreu junto com você. E então, eu perdi
tudo. Tudo. Porque você foi o único motivo sempre. E depois disso, eu simplesmente não tinha
mais motivo.

- Por isso se juntou ao inimigo!? - Nasille disse, descruzando os braços, fechando os punhos.

- Eu me juntei, porque perdemos a guerra, Nasille. Depois da sua morte, foram morrendo um
por um. Os sobreviventes do nosso exército se renderam para poderem continuar vivos. Mas
Veligrad resolveu que éramos inimigos da “boa ordem”, então, nos prenderam e nos deram
uma opção difícil. Ou nós íamos para forca pelas nossas crenças ou nós virávamos guerreiros
reais e servíamos ao rei como todo o resto deles. Claro que a grande maioria veio junto
comigo. Não queríamos… não queríamos morrer. - Disse Mysic, explicando tudo. Mas isso só
enfureceu mais o grandalhão sombrio.

- VOCÊS DEVIAM TER MORRIDO PELA HONRA!!! - Gritou o pai de Ranik, puto da vida
com o ex-amor.

- … - Mysic apenas piscou algumas vezes. Seus olhos lacrimejados. - Eu achei que você tivesse
entendido que eu tinha perdido minha razão de lutar.

E então, o grandalhão do dragão negro empurrou-o contra a parede, fazendo-o bater com as
costas na espadona e ela cair no chão. Mysic olhou-a horrorizado, mas então, Nasille,
aproximando-se com a boca do outro, apenas sussurrou:

- Algum último pedido antes de ser executado, traidor?

- … - E então, Mysic fez “sim” com a cabeça.


84. A MAGA E A GUERREIRA

Iluzia estava arrumando suas coisas para partir.

Se ela chamaria Noctana? “Não traga ninguém além de vocês duas, de preferência,
transformadas”. Não, claro que não.

Apesar dela agora estar dividindo seus pensamentos, gostos, sensações e sentimentos com a
assassina, sua relação com Zel era só sua.

- Eu não preciso da Noctana para derrotar aquela maldita. Eu posso fazer isso sozinha. - Disse
a maga de luz, finalmente, criando um portal azulado para poder chegar no lugar que a tal da
guerreira do dragão negro (muito parecida com o Mysic) lhe chamou.

---

O Sol entrava pelos buraquinhos para “respirar” daquela casa-árvore circular. Iluzia tinha
encontrado o lugar perfeito para morar longe da guilda. Não, ainda não tinha sido expulsa. Mas
cada vez mais, aproveitava-se de suas missões longe de casa para tirar umas “férias” dos magos
velhacos que tanto lhe perturbavam (inclusive, seu tio mal-humorado). Mas a questão era ainda
maior que isso…

Ela estava tendo um relacionamento agora. Por mais que aquilo não fosse permitido, não
conseguia e também não queria evitar. Amava Ranik cada vez mais, cada vez mais que tudo. E
estar com ela sempre lhe fazia bem. A guerreira cuidava da sua casa-da-árvore também. Quando
não estava por aí fazendo missões para ganhar uma graninha, estava lá consigo. Dormia lá
sozinha às vezes também, mas as duas preferiam quando dormiam juntas.

Tipo agora…

- Aaaa… Já amanheceu? - Ranik perguntou, e então, Iluzia rapidamente sentou-se na cama,


espreguiçando.

- Já sim, preguiçosa. E hoje eu preciso de…! - Mas antes que a loira pudesse terminar de dizer,
um braço forte lhe puxou de volta, lhe abraçando fortemente. Iluzia ficara corada. Era gostoso
ficar abraçada com Ranik, ela era tão grande e forte, sempre lhe dava a sensação de proteção.

Ranik cheirou o topo da cabeça da loira e logo depois tascou-lhe uns beijos ali. Iluzia virou seu
corpo, ficando de frente para guerreira.

- Você sabe que está fodendo com a minha vida, né? - Disse ela em tom de zombaria, mas sabia
que tinha um fundo de verdade nisso. Ranik riu.

- Eu achava que estava fodendo com você e não com a sua vida. - E então, as duas começaram a
se beijar gostosamente. Ranik, sacana, colocou a mão por baixo da blusa de dormir da
maguinha, que rapidamente, tirou sua mão dali.

- Eu estou falando sério, Ranik. Você sabia que magos de luz da guilda fazem um juramento de
manterem-se virgens e puros para sempre?

- para sempre é…? - A guerreira fez uma careta. - Aquele monte de velho carcomido que você
falou, tudo tocando punheta…? Urgh, nunca quero visitar essa sua guilda, viu?
- Sua idiota! - Iluzia riu e empurrou a grandalhona, finalmente levantando-se e saindo da cama.
- Precisamos arrumar algo para comer e… eu preciso de algumas plantas especiais para fazer
poções para suas missões.

- Hmmm… eu posso caçar alguma coisa. Waaah… - A grandalhona bocejou.

- Seria bom. Ou talvez devêssemos passar em Veligrad. Disseram que tem uma feirinha lá de vez
em quando, e eu acho que tá na época. Tem bastante coisa interessante. - Disse a loira,
sorridente. De fato, naqueles dias, tudo o que ela mais parecia era feliz.

- Admite que você só quer um encontro comigo, gata… - A grandona disse, fazendo a loira dar-
lhe língua.

- Você fica provocando, mas sabe que eu não me importaria de ter mesmo um encontro. Eu… -
Iluzia mexeu em algumas coisas no canto (eram suas roupas, ela as guardava ali). - Comprei um
vestido especial e tal. Mas você precisaria duma roupa legal também. Não adianta nada eu estar
bem vestida e você com esses seus trapos de sempre.

- Ei, não fala assim das minhas roupas… E eu fico sexy de armadura de couro, você já disse
uma vez! - Ranik brincou, sentando-se finalmente na cama.

- Báh… - A maga de luz sussurrou bem baixinho para que a grandalhona não ouvisse. - Você
fica sexy de qualquer jeito. - E logo depois que Ranik perguntou “quê?”, porque obviamente não
tinha escutado, a loira falou alto, finalmente. - Mesmo assim, você tem que arrumar uma roupa.
Faz assim… Vai primeiro para cidade, enquanto eu me arrumo. Dá uma olhada na feirinha, vê
se acha alguma roupa legal para você… tem um alfaiate na cidade, sabia? Até gente nobre
compara peças com ele (claro que você não precisa de algo tão caro, apenas chique). E logo
depois, me aguarde naquele restaurante que tem por lá, você sabe… aquele que eu gosto.

- Ahhhh… Aquele. - Disse a guerreira, e logo depois sorriu. - Bem, ok então. Fique sabendo que
eu quero mesmo te ver de vestido!

E então, a grandona levantou-se e pegou em Iluzia por trás, abraçando-a e novamente


salpicando beijos em sua cabeça.

- Argh! Vai logo senão eu não vou deixar que você vá! - Disse a maga, empurrando Ranik para
entrada/saída de sua casa. - Vai, vai, vai!

- Afff… Ok. Fazer o quê? Quando sua namorada te expulsa, não tem jeito… - E Ranik saiu.

Iluzia que, antes sorria, agora fazia uma cara meio triste.

“Eu não estava mentindo, Ranik. Namorar com você só vai me foder. Mas o que eu posso
fazer…?” pensou a loira, chateando-se só de pensar nas consequências.

---

Vrucina era o nome do lugar. Enquanto Divijna era um deserto acizentado de poeira e frio.
Vrucina era um deserto amarelado sem fim de Sol, calor e nenhuma água. Só de
teletransportar para lá, Iluzia sentiu aquele clima calorento na pele. Era pior que em Vatra, a
paraia. Bom, talvez porque ali não tinha mar.
Ela olhou para um lado, pro outro. Nada. Nenhuma caverna, nenhuma torre, nenhum castelo,
nenhuma casa, nada…

Raios! Será que a maldita cavaleira negra lhe chamou pro meio dum deserto vazio e sem
nada? Será que era tipo uma armadilha ou qualquer coisa do tipo!?

Mas então, de repente, ouviu um barulho e sentiu a poeira voar. Areia pura, fechou os olhos, e
assim que os abriu, viu a figura logo ali na frente. Zel foi jogada do seu lado, completamente
“desacordada”. Não dava para ver seu estado, não dava nem para ver se estava viva, mas não
se mexia, estava desamarrada e parecia muito, muito ferida. E logo ao lado, claro, a
grandalhona.

Era MESMO parecida com Mysic. E logo abriu a boca:

- Que decepção. Acho que fui bem clara quando disse que queria as duas, né? Digo, as duas
juntas.

- Não vou precisar da fusão para chutar o seu rabo. - Disse a maga, furiosa. Rapidamente,
pegou seu cetro em mãos.

- Você não entende, garota. Eu sou muito mais forte que você. Eu vou acabar com sua raça e
isso vai me fazer perder a oportunidade de testar as habilidades da Quimera de Mana. E essa
foi a missão que Xamã mandou-me fazer. - E quando ela disse isso tudo, Iluzia arregalou os
olhos. Era muita informação em pouco tempo.

Então Quimera de Mana era o nome da fusão dela com a Noctana?

Xamã… Quem diacho era esse Xamã? Será que ele quem estava por trás do exército negro,
comandando os magos negros e os cavaleiros do dragão negro? Era algo a se pensar…

- Vamos ver então. - E então, os olhos azuis pararam por sobre o corpo de Zel, e ela
questionou. - Só me responda uma única vez… Ela está morta?

- Não consegue sentir sua mana, mesmo que fraca? Achei que fosse uma maga. Estou
decepcionada. - Masina fez aparecer o capacete e logo depois a marreta em sua mão. E então,
disse algo que surpreendeu Iluzia. - Diga pro meu irmão, Mysic, que eu não o perdoo.

- …! - Sim, ela realmente era parente do cavaleirão de Veligrad.

---

Mais tarde, em Veligrad (não naquele mesmo período de tempo, claro), em um restaurante, uma
grandalhona aguardava ansiosamente. Estava usando uma camisa de linho branca, calças
sociais pretas, sapatos sociais. Sentia-se esquisita. Nunca usara roupas frescas como essas,
típicas da nobreza. Mas tudo bem, se era isso que Iluzia queria…

Iluzia. Rapidamente a maga de luz surgiu no recinto. E quando isso aconteceu, parecia que o
tempo tinha paralisado. Ranik arregalou os olhos amarelados encarando a maguinha que
estava… estupidamente maravilhosa.

Seu vestido era de um azul metálico com detalhes brilhantes. Ele era comprido, mas tinha uma
abertura bem sensual nas pernas e também nas costas. Os cabelos loiros estavam presos num
coque com um prendedor diferente e parateado, que combinava com a roupa. Ela parecia uma
princesa de algum reino distante ou coisa assim. O queixo de Ranik já devia estar na mesa do
tanto que ela estava estupefata com a beleza da loira.

Ela, pela primeira vez, parecia mais velha. Ainda que sua altura continuasse a mesma. Bom, ela
era mais velha mesmo… uns 2 ou 3 anos. Mas geralmente parecia o contrário. Bom, não
agora…

Iluzia sentou-se a mesa e sorriu para Ranik. Ela usava maquiagem também. A grandalhona não
conseguia desarregalar os olhos e fechar a boca tamanha sua surpresa. Estava realmente
estonteante.

- Wow… Eu… Eu nem sei o que dizer. - Disse Ranik, e então, a maga voltou ao seu modus
operandi normal.

- Ora, deixe de ser besta, Ranik! Só me arrumei um pouquinho! - Disse ela, sorrindo, como
sempre, implicante.

- Não… definitivamente… você… Meu deus, eu quero me casar com você. - Disse Ranik, e
então, os olhos azuis arregalaram-se. Seu rosto corou-se ainda mais.

- Você só fala bobagens… vamos comer. - Disse a loira, e as duas chamaram o garçom para
atender.

---

“É, Ranik, acabou… Acabou-se tudo para nós duas” pensou a loira, que já ia começar a
batalha mortífera contra Masina, a irmã de Mysic. Será que ela ia conseguir mesmo sozinha
derrotá-la? Será que não teria sido melhor ter chamado Noctana para elas invocarem a
Quimera de Mana mais uma vez? Será que Zel sobreviveria a tempo dela salvá-la?

Iluzia estava confusa sobre todas essas coisas. Mas de uma coisa ela tinha certeza, só estava ali
porque queria muito salvar a meio-drow que era muito importante para si.

85. AMOR ARMADURADO – Parte 1


Este capítulo contém um trecho com Lemon (+18) escrito pelo meu amigo Rennan Amaral. :3
Thanx, bro!

Estávamos frente a frente, nossos corpos colados, nossas respirações ofegantes, especialmente
a dele, já que não fazia a menor questão de esconder toda a raiva e ódio que sentia de mim
naquele momento. É, eu era um traidor, de acordo com as palavras dele.

Desde muito jovem eu o admirei, o amei, sempre fui perdidamente apaixonado por ele,
Nasille, a grande lenda, o monstro do dragão negro.

Quando soube de sua morte, tudo para mim havia acabado, e não havia mais o porquê de
continuar lutando. Eu achei que nunca mais amaria ninguém, e foi o que de fato aconteceu.

Agora, ele estava de volta, e eu infelizmente não estava sentindo toda a felicidade que imaginei
sentir caso pudesse vê-lo novamente. Sentia apreensão e também tristeza, pois ele me odiava
agora, e desejava me punir por isso, mas ainda assim, havia algo que ainda poderíamos fazer.

Ele me tomou com bruteza, segurando firmemente em meus cabelos e prensando contra a
parede, fazia questão de lançar toda sua força em cima de mim, aproximava-se mais (se é que
isso era possível) em um tom ameaçador.

- Vai ficar parado? Ande logo com isso! Quanto mais rápido começarmos, mais rápido isso irá
terminar! - dizia com sua típica voz autoritária, grave e amedrontadora.

Eu me atirei em cima dele, tratei de envolver meus braços ao redor de seu pescoço e roçar
nossos lábios, iniciando logo um beijo intenso, lascivo, onde nossas barbas roçavam e
pinicavam o rosto um do outro.

Ainda assim, mesmo que me segurasse com firmeza, ele não parecia retribuir o meu beijo, não
do mesmo jeito, não do mesmo jeito que fez quando apareceu aqui me surpreendendo.

Mesmo ele não deixando de demonstrar toda sua ira contra mim, mesmo naquele momento,
eu não poderia perder meu foco, aquele era meu último pedido.

Mantive o beijo na mesma intensidade, enquanto isso, Nasille tratou de me pegar novamente
com a sua bruteza de paraxe, me desencostando daquela parede (de onde a minha espada
havia caído), e me atirando imediatamente em cima da cama, com tanta força que parecia que
a mesma quebraria.

Foi para cima de mim, não preocupando em lançar todo seu peso em cima do meu corpo.
Claro, por mais que eu fosse um homem forte e corpulento, ele me vencia em todos os
quesitos, todos mesmo.

Não vou mentir, eu sempre gostei muito de sentir o peso do seu corpo em mim, e aquilo por
algum momento me fez esquecer a atual situação e, assim, acabei me entregando ao desejo.

Meus braços estavam livres, portanto, logo rasguei sua roupa de cima (ele já havia retirado
sua armadura), deixando finalmente seu corpo gigantesco e escultural exposto, o que só me
excitou mais.

Cravei minhas unhas em suas costas duras como pedra e as arranhei, ao mesmo tempo em
que o beijava com voracidade. Não demorou muito e Nasille logo rasgou todas as minhas
roupas. Estávamos agora ambos nus, nossos corpos grandes e musculosos roçavam um no
outro, cada vez mais forte, e o suor já descia.

Roçávamos nossos membros já totalmente eretos, ao mesmo tempo em que o pré-gozo pingava
de nossas glandes. Aquela esfregada me arrancava gemidos altos e grossos, e dele também.

Como já havia dito, Nasille era maior do que eu em tudo, até mesmo em ... é, naquilo. Por
mais que o meu tivesse um tamanho "respeitável", ainda assim me sentia diminuído perto do
dele.

Após estimularmos um ao outro, minha boca desceu por todo seu corpo. Passeava por seu
peitoral, seu abdômen trincado. Enquanto eu descia, sentia sua mão enorme me empurrar
com brutalidade.

Cheguei finalmente em seu majestoso membro. Segurei firme na base e comecei a chupar
apenas na cabeça, lhe arrancando urros e gemidos grossos. Por mais raiva que estivesse
sentindo de mim, acredito que ainda não poderia lutar contra o parazer.

Logo estava chupando todo seu membro (ao menos até onde eu podia), fazendo movimentos
de vai e vem, babando nele e lhe causando mais gemidos, também podia ver o quanto seu
corpo colossal estremecia com aquilo tudo.

Fiquei ali por um bom tempo, depois parti para suas bolas, chupava elas enquanto o
masturbava.

Após isso, ele já no ápice, me pegou mais uma vez com total brutalidade e me puxou para
cima, se sentou na cama e foi tratando de me encaixar em seu colo.

Me segurei firme em seu corpo, e de uma vez ele me fez sentar em seu membro, que me
penetrou rapidamente. Logo ele me segurou com certa violência e me fez ir e vir em seu colo,
movimentos tão bruscos que poderiam fazer a cama se quebrar, afinal, dois homens do nosso
porte em movimentos como aqueles.

Eu soltava gemidos altos, em um misto de muita dor e muito parazer, eu sempre gostei da
forma como ele me dominava. Na maioria das vezes em que fazíamos, rolava uma
versatilidade, mas... naquele momento, ele queria ter o controle da situação, total controle.

Sentei por muitas vezes em seu membro colossal como todo o resto de seu corpo. Nos
beijávamos e entrelaçávamos nossas línguas. Segurava forte em minha cintura, sua respiração
estava mais quente e ofegante que nunca, assim como a minha. Arranhava seus braços,
deixando-o todo marcado, assim como nas costas que já chegavam a sangrar.

Após longos minutos tendo seu membro dentro de mim, eu finalmente cheguei ao meu ápice, e
senti meu gozo respingando por todo o corpo escultural dele. Não demorou muito para que eu
sentisse o seu, escorrendo dentro de mim.

Aquela sensação incrível que era chegar ao ápice do parazer quando se está com aquele que
você ama.

---

Eu e meu irmão morávamos juntos sozinhos. Isso porque, nosso pai era um guerreiro do dragão
negro, que logo faleceu em combate, e nossa mãe tinha pegado uma grave doença e morrido.
Então, meu irmão, mais velho que eu, cuidava de nós dois.

E eu amava tanto meu irmão, ele era a minha luz guia. E eu tentava ser a melhor irmã mais
nova do mundo para ele. Ajudava ele na cozinha, ajudava a cortar lenha, ajudava a caçar nosso
alimento, ajudava a arrumar e manter a nossa casa. Enfim, nos dávamos muito bem… quando
éramos só nós dois.

Até aquele maldito dia chegar. Um grupo de guerreiros de outra repartição que não a do nosso
vilarejo apareceu para uma “visita”. Era uma espécie de inspeção do nosso grupo de guerreiros
local ou coisa assim. Isso porque, quem estava inspecionando era a lenda em pessoa – ouvimos
dizer.

Desde que éramos bem pequenos (agora éramos adolescentes, paraticamente) ouvíamos falarem
de um guerreiro jovem que já tinha se tornado uma lenda perante o exército do dragão negro.
Disse que matou mais de 200 cavaleiros reais no pequeno período de tempo que havia entrado no
exército, e isso era um marco para pessoas como nós.

Assim que ele pisou os pés no nosso vilarejo, todo mundo já saiu de casa para ver. Incluso, é
claro, eu e meu irmão. Nós dois estávamos curiosos sobre a tal figura da lenda. E de fato…

Era algo impressionante.

O sujeito devia ter mais de 2 metros de altura, sem brincadeira. O que era louco, porque tipo…
Eu e meu irmão sempre fomos os mais altos do vilarejo. Éramos altos de nascença por causa do
nosso pai. Então, o povo da vila sempre contou com a gente para vários serviços braçais por isso,
inclusive, nós recebemos convite para virarmos guerreiros do dragão negro várias vezes pelo
mesmo motivo. Mas é claro que a gente sempre negava um atrás do outro, nosso pai havia
morrido desse jeito, não queríamos seguir pelo mesmo caminho. Nós íamos cuidar um do outro
para sempre…

Foi o que eu pensei. Mas aí eu vi os olhos de Mysic, meu irmão, brilharem olhando para Nasille,
a grande lenda de 2,50, passando na nossa frente. Todo armadurado (sua armadura era mais
legal que a dos demais, era pontuda e sinistra), carregando um machado quase do nosso
tamanho em mãos, com o exército atrás. Ele tinha um ar pesado que dava para sentir quando ele
passava pela nossa frente claramente.

Por quê? Por que os olhos do meu irmão brilhavam? Por que ele parecia tão encantado com
aquele sujeito? Aquele sujeito…

Ele ia exterminar nossa adolescência juntos.

- Hey… Ahn… Ar… Eu posso… E-eu posso falar com o senhor? - Sim, era Mysic. Eu conseguia
vê-lo daquele bequinho onde eu espionava perfeitamente. Ele estava referindo-se a lenda. Coisa
que era realmente difícil, afinal, ele intimidava a todos com aquele ar e aquela altura. Mas eu
não acho que seria exatamente por isso que Mysic estava gaguejando tanto assim. Ele estava
vermelho até as orelhas, dava para ver.

- Hm? - Nasille fez esse som, quase um grunhido grave, ele pelo visto não era muito de papo. E
muito sério, continuou contabilizando as armas e armamentos que se encontravam todos em
cima de várias mesas que a vila disponibilizou para isso.

- E-eu estive pensando em… em… em me alistar. - Disse o meu irmão, e nesse instante, eu quase
explodi de ódio ali atrás, escondida.

Na mesma hora, senti vontade de ir atrás dele. para começo de conversa, até agora, nós tínhamos
combinado plenamente de nunca fazermos isso. Nunca aceitaríamos o alistamento, porque não
queríamos morrer como nosso pai. E mesmo assim, por que ele pediria para se alistar logo para
lenda do exército negro e não pro líder do exército da nossa vila? Não tinha lógica alguma!

Eu percebi que o sujeito grandalhão estava tocando um tremendo foda-se pro meu irmão, porque
nem sequer olhava em seus olhos. E eu só queria gritar com ele, gritar que ele era um traidor e
que queria me abandonar, abandonar nossa história juntos como irmãos.

- E o que eu tenho a ver com isso? Vai falar com o líder do grupo local. - Disse Nasille,
exemplificando o que eu mesma pensara.

Mas pelo visto, Mysic não ia desistir disso… Eu vi, eu vi a chama em seus olhos chamuscando de
confiança e determinação.

- É porque eu não quero ficar no meu grupo local do exército. Eu quero entrar… eu quero
entrar pro seu grupo, lenda. - Disse ele, e meus olhos se arregalaram.

Então era isso… Mysic queria ser do dragão negro para poder estar ao lado dele, do grandalhão
de 2,50. Eu fiquei incrivelmente estupefata, não sabia o que fazer.

E então, Nasille, finalmente, parou com os olhos amarelados sobre os olhos azulados do meu
irmão, e por fim…

Gargalhou maldosamente na cara dele.

Naquele instante eu tive certeza… eu odiava aquele cara.

86. AMOR ARMADURADO – Parte 2

- EU NÃO ACREDITO! COMO VOCÊ PÔDE!? COMO VOCÊ PODE FAZER ISSO
COMIGO!?!?!

Masina estava estupidamente furiosa comigo. Dava para ver em seus olhos verde-claros
faiscando de raiva. Eu estava apenas suspirando frustrado, de cabeça baixa, perante minha total
derrota.

- É porque eu não quero ficar no meu grupo local do exército. Eu quero entrar… eu quero
entrar pro seu grupo, lenda.

E então…

Nasille começou a gargalhar da minha cara, me esnobando como se eu fosse uma criança. Ora
essa, eu já tinha 17 anos. Eu não era tão jovem assim. Tudo bem que ele devia ter uns 20 e
pouco, mas…

- Pirralho, entenda… - E então, ele pôs a mão sobre minha cabeça. Naquele instante, eu senti
todo o meu corpo tremer, da região que ele tocou até meus pés. Eu cheguei a bambear. - Você
não pode entrar diretamente no meu grupo sendo um novato, ninguém pode, nem mesmo alguns
veteranos. O meu grupo é só o grupo dos melhores guerreiros do dragão negro. Só os melhores
entram pro meu grupo.

E quando ouvi aquilo coloquei uma coisa na minha cabeça…

EU IA ENTRAR PRO GRUPO DELE.

Mas neste instante, não era bem isso que eu tinha que encarar.
Masina começava a tacar um monte de coisas em mim. Bom, a maioria não machucava, até que
ela começou até a jogar facas ou outros utensílios da cozinha. Aí eu tive que começar a me
esquivar preocupado. Ela chorava e gritava, me xingando, ela estava realmente furiosa.

- Masina, entenda, por favor… você… nem deixou eu te explicar meu lado.

- EXPLICAR SEU LADO!? VOCÊ NEM CONTOU A MIM PRIMEIRO QUE FARIA ISSO!
VOCÊ NÃO DISSE SEQUER UMA PALAVRA SÓ!

- … Eu sei. Desculpa. - Eu disse, e ela finalmente parecia ter parado.

Essa era a palavra que ela queria ouvir então. “Desculpa”. A verdade é que eu não me sentia de
fato culpado por nada.

Eu estava seguindo apenas…

Meus sentimentos.

- Aquele homem, Masina… A… A Lenda. Ele…

- Você está apaixonado por ele. - E quando ela disse isso, novamente, meus olhos arregalaram-
se. Como ela sabia!? - Por que está tão surpreso? Não é como se não fosse óbvio, Mysic! Seus
olhos brilharam assim que você o viu… parecia até coisa de conto de fadas!

- … - Eu suspirei com vergonha, virei o rosto, sem jeito.

- Mas quer saber? FODA-SE, MYSIC! - E quando ela disse isso, voltei a olhar para ela. Dessa
vez até eu estava ficando meio fulo da vida. - VOCÊ NÃO VAI LARGAR NOSSA CASA, NOSSA
VIDA, ...EU, POR AQUELE SUJEITO E PELO EXÉRCITO! VOCÊ SABE, VOCÊ VAI
MORRER IGUAL PAPAI! EU VOU… EU VOU... ficar… sozinha.

E ela voltou a chorar absurdamente. Eu fui até ela e então, a abracei. Ela ficou chorando ali por
um tempo. E assim que eu ouvi o choro parar e suas lágrimas secarem um pouco, eu disse a ela,
decidido:

- Desculpe, Masina. Você sabe que eu te amo. E eu sei bem da nossa promessa, mas… Você não
pode mandar em mim, no que eu faço ou escolho para minha vida. Você é jovem, mas você já
tem cabeça, você pode se cuidar sozinha, você não precisa mais de mim para substituir nosso pai
ou coisa assim. - E logo depois, dei-lhe as costas.

Eu senti… eu senti seus olhos me encarando por trás. Era como se eu pudesse sentir literalmente
Masina desejando que eu morresse naquele instante.

---

Iluzia levantou o cetro e já lançou uma magia de chamas (bem grande até) contra a
guerreirona. Mas nada adiantou. Como um taco de baseball, ela puxou sua marreta e deu
uma marretada no golpe, jogando-o longe.

Iluzia sorriu, mas logo, Masina disse algo para lhe cortar a alegria:
- Se você está pensando em juntar as energias para poder me derrotar em um golpe só como
fez a Prom, esqueça. Aquele velho caduco era muito fraco com relação a mim. E eu tenho uma
pequena carta na manga… - E quando ela disse isso, a maga ficou completamente bestificada.

- Urgh… - E sem pensar duas vezes (ou sem pensar direito, simplesmente), Iluzia puxou
novamente a esfera de chamas no ar para ser jogada pelas costas de Masina.

E dessa vez, surpreendendo-a, a guerreira não se mexeu. Ela apenas ficou parada, com os
braços abaixados, sem nem mesmo se virar. E sim, ela sabia que a esfera de energia vinha em
sua direção para lhe devorar. Mas só ficava lá parada com um sorrisinho nos lábios e os olhos
fechados.

A magia de Iluzia foi com tudo para cima do corpo de Masina, mas…

Ela se desfez ao tocá-la. Quase como se a armadura da guerreira tivesse absorvido a mana do
golpe todo, sem lhe causar nenhum danozinho sequer.

A maga de luz agora havia entendido, e mais uma vez, ficou boquiaberta.

- Entendeu agora porque eu disse para você vir com a Quimera? Sua idiota…

---

Finalmente Nasille levantava da cama e voltava a vestir sua armadura. Mysic fazia o mesmo,
levantava e vestia suas roupas. Nenhum dos dois se encaravam depois do que havia acontecido
entre eles. Era como se fosse combinado. Nada de olhares, nada de conversa.

E então, o grandalhão real, parado, suspirou, de olhos fechados. Logo depois, puxou sua
espada, segurando-a firmemente, e abriu os olhos, encarando Nasille, finalmente de pé em sua
frente, armadurado e com o machado em mãos.

- Não vai querer vestir sua armadura? - Nasille questionou em tom de zombaria.

- Ela é só um adereço. Você sabe que eu não preciso dela para me defender.

- Eu sei, mas… Não vai querer morrer com honra usando o escudo de Veligrad no peito? -
Sim, era mesmo zombaria.

Mysic retorquiu a face, contrariado.

- Eu estou bem assim.

E enfim, quando ele disse isso, os dois voaram um para cima do outro para começar o
combate final.

---

Eu estava contabilizando os mortos e feridos no último combate do dragão negro versus Veligrad
e seu império, quando de repente, um dos meus parceiros de esquadrão disse:

- Caham! Mysic, chega aqui. Tem alguém que acabou de entrar na repartição querendo falar
com você.
- Ok, já tô indo. - E então, finalmente, terminando os prós e contras, eu dobrei o que seria o
relatório que eu tinha que enviar para o grupo principal do exército…

O grupo que avaliava nosso desempenho, o grupo de Nasille. E para mim isso era mais do que
importante, afinal, meu ideal ainda era entrar em sua repartição, para finalmente, poder lutar ao
seu lado.

Assim que encerrei esse afazer, me dirigi para encontrar com a pessoa que o meu parceiro de
batalha tinha me informado que queria falar comigo.

E qual não foi a surpresa quando a vi… vestida de armadura negra. Sim, era minha irmã,
Masina. Meus olhos se arregalaram.

- Masina, o que está fazendo aqui!? - Eu disse, completamente em choque.

- É assim que me cumprimenta, irmão querido? - E ela veio já em meu encontro, me dando um
abraço meio esquisito, meio frio. Ela parecia irônica também em tudo o que dizia. Pelo visto,
ainda guardava ressentimentos de mim. - Eu acabei entrando em outra repartição que não a sua,
por isso que a gente não se encontrou antes. Mas agora, estou aqui para você, não é mesmo?
Vamos lutar lado a lado, vai ser divertido!

- Você sabe que eu não vou ficar nesse grupo para sempre, não sabe, Masina? - Eu disse com um
tom de voz de um irmão mais velho dando esporro. Eu não queria soar assim, mas não tinha
jeito.

- Sim, eu sei. - Finalmente sua carapuça caiu e ela mostrou sua verdadeira face. Parecia uma
psicopata obcecada daquele jeito. - Você quer entrar no grupo da lenda, não é mesmo?

- Claro, sempre foi meu objetivo. - E então, eu dei as costas a ela e fui andando, mas ela foi atrás
de mim.

- VAI ME IGNORAR ATÉ QUANDO, IRMÃOZINHO!? A GENTE ESTÁ JUNTO NESSE


GRUPO AGORA, NÃO É MESMO!? - Sim, ela começou a gritar. Eu parei, inspirei fundo e me
virei para ela.

Mas não com ódio… Eu não conseguia (e nem queria).

- Masina, você podia ter uma vida normal lá na vila. Podia ter encontrado um marido, se casado,
ter tido filhos… mas não, você preferiu entrar no exército também e vir atrás de mim. Por quê? -
E quando lhe perguntei isso, seus olhos se encheram de lágrimas.

- Você… Você me abandonou. Eu tinha só 14 anos e você me deixou sozinha para poder ir atrás
do seu amor. Você… VOCÊ É UM FILHO DA PUTA, ISSO É O QUE VOCÊ É! - Ela estava
completamente descontrolada. Os outros parceiros do grupo passavam ali e olhavam a tudo
atônitos, e eu, super sem graça.

- Ok. Eu sinto muito. Bem, eu estou feliz que esteja comigo mais uma vez. Eu espero que… - E
eu a abracei, fazendo ela finalmente se acalmar. - Eu espero que você possa entrar no grupo da
lenda comigo.

- …! - Mas eu sentia seus olhos arregalando-se de ira.


87. LUTE PELA SUA VIDA

O machadão se encontrou com a espadona em uma porrada só. Os dois foram empurrados
para trás tamanha a pressão.

- Você anda realmente bom em controlar sua mana!

- Eu e Masina sempre tivemos bastante mana para guerreiros… Por isso nós somos ótimos em
criar defesas perfeitas. - Disse o rapaz grandalhão do exército real, sorrindo confiante.

- Ah, Masina…

E mais uma vez, eles foram um para cima do outro, mais uma porradona e mais uma vez, eles
foram para trás com a pressão das manas explodindo. A energia negra de Nasille e a azulada
de Mysic.

- Que tem ela? - Mysic estranhou a lenda do dragão negro comentando sobre sua irmã.

É… Os dois não chegaram se conhecer de fato, não profundamente. Masina conseguiu o que
queria, conseguiu segui-lo para dentro do grupo onde a lenda era líder, mas mesmo assim, os
dois nunca se falavam. Aliás, só trocavam olhares de ódio um pro outro. Era claro que eles
não se gostavam nem um pouquinho. E muita das vezes também, por pura pirraça, Nasille
dava alguma ordem para os guerreiros e a irmã de Mysic fazia questão de burlar a ordem.
Um dia, o grandalhão lendário se descontrolou, e bom, essa foi a única vez que Mysic
lembrava-se de Nasille dizendo algo a sua irmã:

“Você é uma desgraça para nosso grupo! Não sei como conseguiu se tornar famosa ou forte o
suficiente para subir até nossa repartição, mas daqui você não passa! Você parece ter uma
tremenda inveja de mim, do quanto eu sou famoso, do quanto eu sou poderoso e honrado! Mas
você nunca! Você nunca vai chegar aos meus pés! Porque você é desonrada, você é pirracenta e
mesquinha...”

E logo depois, ouviu as únicas palavras de volta que a irmã proferiu com todo ódio do mundo
de volta pro grandalhão de armadura negra:

“Não se confunda, Nasille.” ela era uma das poucas a não lhe chamar de lenda ou de líder “Eu
não sinto inveja do seu poder ou sua honra. E sim, de fato, você é mais poderoso e mais honrado,
mas é porque eu não dou a mínima para isso.”

E depois daquele dia, a grande lenda começou a tratá-la como se ela fosse inexistente. Acabou
que isso só deixou-a mais feliz, porque ela podia fazer o que quisesse nas missões, era livre. E
mesmo assim, Nasille não tinha poder o suficiente para tirá-la da repartição. E pelo visto, nem
queria… Seria por pena de Mysic, seu amante, ou…?

Enfim, Nasille falando de Masina, essa era nova, Mysic queria ouvir.

- Ué, eu achei que você soubesse… - A lenda por um instante parou de atacar, e dizia, num
sorriso malvado, andando para um lado e pro outro. Os olhos do guerreiro de Veligrad se
arregalaram. - Ela deve estar com saudade de você, sentada no trono ao lado do Xamã do
exército negro.
- …! - E quando o Sirzão ouviu isso, sua boca abriu num misto de terror, espanto e tristeza.

---

Iluzia estava estagnada. O que faria agora!? Quaisquer esferas de mana que mandasse contra
Masina, em qualquer que fosse o momento (mesmo com ela distraída) seriam absorvidas por
sua armadura. Mas que porra!? O que era aquela armadura, afinal!? Será que sem ela… ela
continuaria conseguindo absorver mana!?

- Maguinha de luz idiota, se você está pensando em me despir para poder me atacar, então… -
Masina começou a retirar peça por peça da armadura, jogando-as nas areias do deserto.

A loira não sabia se ficava um tanto quanto… ahn… impressionada com o corpo de Masina
(que não chegava a ser uma Ranik em questão de músculos, porque era um bocado mais
feminina, mas ainda sim, muito, muito bem torneada), ou se ficava realmente em choque por
ter uma estratégia a menos (Uma? Todas!).

Finalmente, Masina estava apenas de top, calças grudadas no corpo (para não atrapalhar a
armadura) e botas. Ela não retirou as botas, afinal, a areia do deserto queimava a pele que era
uma beleza, se você ficasse com o corpo encostando nela por muito tempo. A pobre da Iluzia
com seus sapatinhos de tecido já sabia disso. Estava quente, muito quente.

Só que ela tinha recoberto os pés com mana suave para poder suportar o calor.

- E agora, maguinha…

- Iluzia. - A loira disse, furiosa, com o cetro cheio de mana, mas ainda sem saber direito qual
seria sua estratégia de combate.

- Iluzia… - Quando Masina disse seu nome, a loira quase derreteu. “Concentre-se, Iluzia” ela
pensou consigo mesma. - Como você pensa em me derrotar?

- … - Sim, estava muito difícil mesmo.

Mas…

Talvez ainda houvesse uma chance.

---

- Masina… Masina está viva?

- Ué… Por que você achou que ela tinha morrido? - Perguntou Nasille, encarando pro fio de
seu machadão.

- Eles… eles me disseram… depois que você morreu, tudo ficou meio perdido. Foi como eu
disse, a gente foi perder a guerra pouco tempo depois, mas… antes disso, um grupo foi
selecionado para fazer uma missão extra de investigação e invasão. E bom, Masina foi
chamada para esse grupo. Mas... - Mysic ficou com lágrimas nos olhos, seu nariz também
ficou avermelhado, enquanto ele se lembrava. - Logo depois, me contaram que todo o time de
investigação e invasão tinha sido descoberto. Pelo visto, havia alguma espécie de espião em
meio aos nossos soldados. E então… então…

- Anunciaram a morte do time. Entendi. - Nasille terminou, e logo depois, mostrou-lhe os


dentes num sorrisinho nada gentil. - E se sua irmã fosse o tal espião e por isso ela sobreviveu,
entregando toda sua equipe para morrer?

- …! - Mysic arregalou os olhos mais uma vez, parando de chorar. E logo depois, sua face era
de pura raiva. - NÃO! MASINA NUNCA FARIA ISSO!

- Ah é, é…? Verdade. Você quem é o traidor que se uniu a Veligrad. - Disse o grandalhão, e
mais uma vez, eles voltaram a se atacar.

Mas nesse instante, Mysic foi enganado. Achou que o golpe seria como os outros que eles
deram (que não acertaram nada, apenas suas lâminas e manas explodindo), mas para sua
surpresa, Nasille atacou-o com um soco no estômago (usando a outra mão livre), assim que ele
defendeu seu golpe do machado.

O corpo do grandalhão foi jogado para longe, batendo de encontro com a parede.

- Eu bem que notei que não estava usando a defesa de mana de corpo inteiro, apenas no lugar
em que eu atacasse com o machado. Você não quer gastar sua mana tão rápido, né? Você sabe
o quanto sou resistente. Mas se você não se proteger todo, eu sempre vou atingi-lo em algum
lugar, meu querido Mysic. - E Nasille foi andando até si, onde o homenzarrão tossia e tentava
se levantar. - Diga adeus…!

---

Noctana estava com Glaz em uma taverna em Velejo. As duas resolveram beber em
homenagem a Udarak (e também para poder esquecer sua morte precoce). O clima estava
bastante fúnebre e elas quase não trocavam palavras.

- Onde está Ranik? - A assassina sombria cortou o ar, dizendo, do nada.

- Ahm… Acho que estava em Veligrad ou coisa assim. - Disse a rainha dos disfarces,
incomodada.

- Hm… Espero que ela esteja bem. - Pensou alto, Noctana. Uma das únicas pessoas com quem
dividia seus pensamentos era com Glaz.

- Ana, precisava perguntar umas coisas a você, se você, é claro… não se importar em
responder. - Disse a pequena Glaz (que mesmo sendo pequena, era maior que Noctana, claro),
meio sem jeito.

- Diga.

- Como foi fundir daquele jeito bizarro com a maga de luz? - E assim que ela perguntou,
Noctana tomou um gole do veneno de Naja.

- Estranho. Mas… confortável. - E quando ela disse isso, os olhos de Glaz arregalaram-se de
surpresa. - Iluzia tem uma cabeça boa. Mas seus sentimentos são muito mais confusos que os
meus.
- Confusos… como?

- Ela gosta mesmo daquela… maga negra meio-drow. Acho que… acho que não teremos mais
rivalidade alguma aqui. - Entregou a assassina, surpreendendo Glaz, assim como ela própria
ficara surpresa quando soubera disso.

- Wow, então… isso significa que você… e Ranik… vão ficar juntas? - A rainha dos disfarces
realmente sentia-se mal. Era óbvio.

Noctana percebera. E logo tentara alivar.

- Não dá para ter certeza. Ranik também é confusa. - Disse a sombria, bebendo mais um gole.

Mas ela própria também não tinha tanta certeza assim. Resolveu mudar de assunto então…

- Engraçado que… mesmo que eu e Iluzia não estejamos mais fusionadas, eu ainda sinta um
pouco do que ela sente. - Entregou a assassina, tirando a cabeça de Glaz (como ela bem
queria) daquele assunto incômodo.

- Você sente!? - Glaz ficou estupefata, e Noctana apenas fez “sim” com a cabeça.

- Não tudo. Mas… algumas coisas em específico. Talvez, as coisas mais exageradas. Tipo
agora… - E ela finalmente largou a caneca vazia sobre a mesa de madeira da taverna. - Ela
sente desespero.

---

- Me explique porque sinceramente você está juntando mana, querida Iluzia…? - Masina
disse, andando até o corpo de Iluzia jogado no chão.

Ela tinha tomado uma porrada poderosa da grande marretona bem em seu dorso. Tentou
aparar o impacto com mana para não quebrar os ossos, mas mesmo assim, doeu como o
inferno.

- Eu já disse… você já está derrotada. - Masina encarou-a com seus olhos verdes
amedrontadores (tinha alguma coisa muito errada com aquela mulher).

88. AMOR ARMADURADO – Parte 3

Mysic de cabelos curtos cacheados, barba, armadura negra, em meio a guerra e olhos
arregalados, incrédulo.
Mysic caindo no chão de joelhos.
Mysic com lágrimas escorrendo nos olhos, nariz escorrendo, boca arreganhada cheia de
dentes.
Mysic com as mãos no rosto, horrorizado.

- Nasille, a grande lenda do dragão, fora morto neste dia, defendendo-nos do exército real de
Veligrad, que adentrou em nossa missão ALPHA, impedindo-nos de continuar o percurso até
sua torre de mago real do leste. - Anunciou um rapaz de armadura negra.
Eles condecoravam a grande lenda, com pelo menos 10 homens, levando-o num caixão negro
decorado com rosas. Colocavam-no no meio de seu vilarejo, acendendo tochas em volta,
cantando hinos de guerra em seu nome.

Toda a guarda negra reunida, com as mãos fechadas em punho no peito, para poder
condecorar e velar a morte de um afamado guerreiro que lutou até o limite de sua honra.

Em meio a eles estava Mysic, chorando igual criança, sem parar. Ele não aguentava. Todos os
outros lhe olhavam e cochichavam uns pros outros:

- Ele era o mais próximo da lenda…

- Mais próximo, como assim?

- Disseram até que os dois tiveram um romance ou coisa assim…

- Sério mesmo!? Wow!

---

- Hey, novato, preciso que me ajude a levar essas armas até a outra barraca. - Disse a lenda
perante o pequeno novato do time dos campeões.

Sim, todos os que entravam lá eram veteranos afamados, mas mesmo assim, quem entrava por
último, sempre era tratado como novato de novo, como se re-iniciasse toda sua vida militar.

Mysic também sentia-se jovem de novo. Como uma criança, pegava o armamento que Nasille lhe
havia ordenado, e seguia logo atrás do campeão. Ele era mais velho, pelo menos uns 8 anos. Ele
era mais forte, levava 5 vezes mais armas que o próprio Mysic mal estava aguentando carregar.
Ele era mais famoso, era a lenda viva. Os olhos azuis brilhavam novamente.

E então, eles chegaram ao acampamento, distribuíram as armas, e finalmente, estavam livres.

Mysic vira Nasille indo para trás de umas árvores e arbustos logo depois, e o seguiu, curioso.

Acabou vendo que ele tinha acabado de enxergar uma grande lagoa límpida. E para sua
surpresa, o campeão começava a se desarmadurar, deixando cada peça na terra firme, ficando
apenas com suas vestes normais.

O coração de Mysic palpitava e quase saía pela boca, enquanto ele apenas bisbilhotava atrás de
uma moita, tentando não ser visto.

E logo depois, peças de vestimentas eram jogadas no chão também, logo ao lado da grande
armadura negra pontuda (diferente das demais), fazendo o pequeno (que de pequeno não tinha
nada, mas ao menos, era menor que Nasille) rapaz ficar ainda mais doido com aquela visão.

Nasille adentrava na lagoa e começava a se lavar, depois de tanto sangue, suor e poeira das
batalhas, uma após a outra.

Mysic não sabia o que levava aquele sujeito ser como era… durão, frio, sério, forte, determinado,
honrado… mas quanto mais o conhecia, mais era doido por ele em todos os sentidos.
E pelo visto, ele era muito atento também…

- Por que não toma um banho também ao invés de ficar bisbilhotando? - Sim, era a voz grave de
Nasille, fazendo Mysic quase ter um treco de susto.

O rapaz, vagarosamente, saía de trás dos arbustos, finalmente aparecendo. E o grandalhão


continuava na água, com menos da metade de seu corpo para dentro (era alto demais para isso),
limpando-se como podia.

- E-eu peço desculpas, e-eu não queria, m-mas eu…

- Você se sente atraído por mim, né, pirralho? - Nasille não poderia ser mais direto. Mysic estava
roxo de vergonha. - Foi por isso que entrou no exército e lutou tanto para poder entrar na minha
repartição exatamente como queria, não é mesmo?

O guerreiro estava longe de ser um pirralho nessa altura do campeonato, mas diferente dos
outros guerreiros, Nasille sempre o chamava assim. Ele gostava, o fazia sentir-se especial,
diferente dos outros. Então, ele deixava estar.

- … - Bom, não adiantava mais mentir, então… o guerreiro novato (que não era tão novato
assim) fez apenas “sim” com a cabeça.

Nasille soltou quase um risinho abafado. E logo depois, levantou a mão e fez “vem” pro rapaz,
que novamente, teve palpitações bruscas, mas sem nem pensar duas vezes, largou sua armadura
e vestimentas na terra e pulou dentro da lagoa.

Naquele momento que o caso dos dois começou.

---

- A garota está bem aqui… - Disse uma pessoa para Mysic, que logo ficou surpreso, parando
de chorar por um instante.

- Garota…?

- A filha da grande lenda. Ela está na prisão. Disseram que cometeu traição. Agora chamam-
na de “guerreira furada”. - E quando disse isso, o rapaz ficou bastante atônito…

Ele lembrava-se um bocado de quando tinha encontrado Ranik na primeira vez. Ela ainda era
novata, mal tinha partido para uma missão direito, não era mesmo? E antes disso, toda
pomposa com sua armadura. Mysic achou por um instante que seria apenas questão de tempo
até ela assumir o trono do pai, mas… pelo visto…

Rapidamente, tirando-lhe das divagações, um braço lhe puxou para uma das barracas,
montadas ali para que os soldados pudessem usar na estadia do vilarejo. Era Masina, ela
queria falar com o irmão.

Sua face era de… puro desdém.

- Poderia parar de chorar sem parar, está me dando asco! - Disse ela, furiosa. E então, Mysic
mais fulo ainda, deu um soco em uma mesinha de madeira que não resistiu ao golpe,
desmontando-se. Eles nem ligaram.

- Asco!? A LENDA MORREU! TODOS ESTÃO DE LUTO, COMO PODE ESTAR BEM!? -
Gritou o irmão, sabendo claramente que Masina não gostava de Nasille, porque o culpava
pelo abandono do irmão.

- Estar bem…? - E então, Masina o surpreendeu, porque começou a gargalhar altíssimo,


ignorando o luto de qualquer um do lado de fora da barraca. - EU ESTOU ÓTIMA!
HAHAHAHA!!! QUE BOM QUE AQUELE FILHO DE UMA PUTA MORREU!
HAHAHAHA! VOCÊ ME ABANDONOU, E AGORA, VOCÊ PERDEU TUDO, MYSIC!
HAHAHAHAHAHA!!!!

- …! - Os olhos do irmão encheram-se de ódio. Puro sangue nos olhos.

Ele saiu correndo de encontro a Masina e saltou sobre seu corpo como um búfalo, também
derrubando a barraca.

Os soldados tiveram que separar os dois antes que se matassem ou coisa assim.

Tempos depois, Masina foi mandada para sua “missão final”.


Mysic sentia-se pior ainda, porque logo depois de perder seu amado, perdeu sua única família
restante, e pior…
Estavam ainda brigados.

---

O machado de Nasille desceu para cabeça de Mysic assim como tinha feito há alguns dias
atrás para cabeça de sua filha Ranik. E assim como ela, surpreendeu-se, quando o corpo todo
do homem ficara protegido de mana, finalmente impedindo seu golpe, impedindo a espada de
penetrar e cortar seu crânio ao meio.

Eram iguaizinhos, ao menos, pareciam aos olhos do grandalhão agora. Nasille deu uns passos
para trás, muito fulo da vida.

Mysic apenas disse, levantando-se e segurando a espada mais firme:

- Onde está… Masina?

- Eu já disse. Ela está com o Xamã e com Pakao. Ela luta com eles, ao lado deles. A filha da
mãe vendeu-se por alguma promessa de poder. Ela sempre foi uma desgraça, não mudou
nada… - E logo depois disso, Mysic voou para cima de Nasille com a espadona.

A lenda começou a se defender como podia dos golpes do guerreirão real de Veligrad. Mysic
parecia realmente estar dissolvendo seus sentimentos a cada ataque que Nasille dava em suas
crenças sobre si.

A verdade não tinha como ser outra…

O Nasille que Mysic amava estava morto.


A espada pegou bem no dorso do guerreirão negro, que foi para trás com um filete de sangue
escorrendo de sua boca. Ele limpou com as costas da mão. O corte era um tanto quanto
profundo. Nasille bambeou…

Aquilo era força? Ele sorriu.

- Cacete, você realmente ficou forte, não é? - A grande lenda disse, mas então, tirou algo do
bolso da calça (debaixo das peças armaduradas). Era um pequeno vidrinho com um líquido
arroxeado escuro dentro. - Eu achei que aquele imbecil do Pakao não serviria para nada,
mas… não me deixa escolhas.

- Que isso? - Mysic questionou, achando muito bizarro. Enquanto o sangue morto de Nasille
escorria pela lâmina de sua espada do dragão inflamado.

- Infelizmente, eu vou ter que jogar sujo… - E então, ele lançou o vidro em cima de Mysic, que
quando quebrou, explodiu em uma fumaça densa e grande toda arroxeada.

O guerreiro de Veligrad deu algumas tossidas.

E logo depois que a fumaça se dissipou, arregalou os olhos completamente incrédulo.

- Agora sim, vamos lutar de igual para igual… - Nasille disse, sorrindo vitoriosamente.

Toda a mana de Mysic tinha sido sugada pela tal poção.

89. A LUTA DOS JUSTOS

- V-você… Isso foi golpe baixo! - Mysic disse, horrorizado, olhando paras próprias mãos.

Neste instante, mesmo sem armadura, não poderia usar mais a mana para poder se proteger
com sua incrível defesa. Infelizmente, só tinha a espada para fazê-lo agora, e se não
conseguisse defender com ela, seria fatiado facilmente pelo machadão de seu ex-amor, Nasille,
a lenda do dragão negro.

- Golpe baixo é eu não ter tanta mana assim para usar e ter que confiar nas minhas aptidões
físicas, enquanto você fica esbanjando mana e usando essas magicazinhas ridículas. Lute
como um homem! - Disse Nasille, e então, foi correndo na direção do Sir para poder
finalmente derrotá-lo.

Mysic defendeu como pôde com a espadona, mas a porrada foi tão forte, que jogou seu corpo
para trás, fazendo-o bater contra a parede.

A porrada foi tão forte que fez barulho. Barulho o suficiente (além dos outros que já haviam
feito) para chamar atenção dos guardas lá fora, afinal, o quarto do grandalhão de Veligrad
ficava na área nobre de treino dos guerreiros reais. Logo…

A porta recebeu algumas pancadinhas de alguém preocupado.

- N-NÃO… V-VÁ EMBORA! - O Sir disse, mas sua voz claramente estava denotando sua
fraqueza.
O que só fez a pessoa, preocupada, querer mais ainda saber o que se passava. Logo, ela
acabou abrindo a porta.

E sua cabeça já veio ao chão com a machadada da lenda. Mysic arregalou os olhos e a boca.
Por sua culpa… um de seus guerreiros tinha morrido assim, tão rápido, tão fácil.

- É, era o esperado de um soldado real, fraco e imbecil. - Disse Nasille, mas logo ali atrás, ele
via muito mais soldados. Eles lhe encaravam irritados, portando suas armas, finalmente
descobriram a luta que se passava dentro do quarto. Mas o grandalhão sombrio não se deu
por rogado. - Se vocês entrarem, o destino de vocês vai ser idêntico ao desse rapaz aqui no
chão, ok?

- E-ele tem razão! N-não se aproximem! E-essa luta é minha, e-eu vou derrotá-lo! - E Mysic
levantou-se de novo, segurando fortemente sua espada.

Nasille apenas gargalhou.

- Me derrotar? Está virando comediante agora, Mysic…? - E viu o Sirzão vir correndo em sua
direção, a lenda estava de costas virada pros guardas (estes sem saber o que fazer, parados na
porta, apenas olhando para situação lá dentro).

Rapidamente, o corpulento virou-se causando um rasgo não tão profundo, mas terrível o
bastante para levar Mysic ao chão. O corte feito pela lâmina afiada do machado negro cortou
em diagonal todo o dorso do grandalhão, que agora sangrava no chão.

- Hahaha… Tão patético. - Nasille encarou os sujeitos na porta e então, deu uma rugidinha
para eles, que se encolheram com medo. - Que bando de bundas sujas! Entendo agora porque
era tão prático matar centenas de vocês em cada missão que eu ia…

Nasille finalmente aproximava-se do sir, caído no chão, agora definitivamente sem mais poder
se defender e bom… daria agora o golpe de misericórdia, mas antes, precisou dizer:

- Eu… realmente achei que sentia algo por você, Mysic. Mas no final das contas… era só pena.

Os olhos azulados arregalaram-se soltando uma lágrima solitária e logo refletiram o brilho do
machado que descia para acertar em seu corpo, quando de repente, Nasille sentiu um corte no
seu dorso, e rapidamente ele “esquivou” como deu (para não piorar o golpe) e virou-se de
súbito, encarando a pessoa que tinha lhe atingido.

Era possível que fosse algum daqueles guardas medrosos? Não, não era. Então, quem era…?

Seus olhos amarelados arregalaram de surpresa quando ele viu outros olhos amarelados, com
ódio, encarando-lhe.

- Háh… Eu estava mesmo pensando em que hora você viria defender seu padrastozinho,
Ranik. - Disse a lenda do dragão negro, rindo da cara de sua filha.

Ranik tremia nas bases, sério. Seus joelhos estavam realmente tremendo. Ela tentava segurar
a espada o mais firme que conseguia, e ela já pingava com o sangue do guerreirão, do seu pai.

Mas agora, tudo em que ela pensava era em salvar a vida de Mysic.
---

Enquanto isso, Iluzia tinha tomado umas porradas bonitas de Masina. Três para ser exato. O
único motivo para todos os ossos de seu corpo não estarem esmigalhados era sua defesa de
mana. E mesmo assim, doía para caralho. Ela sentia seu corpo tremer e as partes atingidas
arderem. Era como um colete à prova de balas, mesmo que a protegesse de literalmente
morrer, ainda doía.

- Até quando sua manazinha vai durar, considerando que você está juntando ela em outro
lugar? Eu achei que tinha sido bastante explícita quando especifiquei que você não tem como
me atingir com nada feito de mana, não é mesmo? Todas as suas esferinhas de energia vão se
desfazer ao tocar minha pele. Se tentar alguma sacanagem mental como as que Prom possuía,
eu também vou defender, não, melhor, vou mandar de volta contra você para acabar com isso
de uma vez. Enfim, VOCÊNÃOTEMESCOLHA,SENÃOMORRER. - A grandalhona foi para
cima do corpo caído da maga de luz e…

Começou a marretá-la sem parar. Iluzia protegia-se com escudo de mana. Uma porrada, duas
porradas, três porradas…

O escudo se desfez.

Masina deu um sorriso aterrorizante de tesão e psicopatia.

A marretona foi com força, mas… só conseguiu levantar poeira do deserto. Iluzia tinha rolado
pro lado e finalmente, se levantado e agora corria.

- Finalmente sua mana tá fraca. E agora, o que raios você vai fazer? Já juntou o suficiente?
Não… FODA-SE, MORRA!!! - Disse Masina, tacando o martelão que girava tal qual um
bumerangue ou coisa do tipo (pelo visto, o controlava com mana… os irmãos realmente
tinham mais mana que um guerreiro normal).

E quando a armona com o búfalo desenhado ia pegar na cabeça da loirinha, ela parou no ar.
Iluzia sorriu.

- Por que está sorrindo? Só porque segurou minha arma com mana!? Eu posso pegá-la de
volta, querida, eu também a controlo com mana e… - Mas quando Masina tentou pegar a
arma de volta, ela não conseguia. Ela usava e usava sua energia para fazê-lo, mas tinha
alguma coisa de mana fortíssima em Iluzia que a impedia. - Quê!? Mas que merda você está
fazendo!? Como!? Você não tinha quase nenhuma mana mais, e…

E então, o corpo de Iluzia preencheu-se de mana agora de coloração branca e começou a se


modificar. Masina perdeu o sorriso e a confiança…

Iluzia ganhou a pele branca, os cabelos negros, os olhos negros com íris brancos e as asas
negras, assim como seu robe, que também mudou para essa coloração. Ela também perdeu os
sapatos, mas os pés nus na areia quente não mais pareciam lhe incomodar.

- Você não sabia disso, né? Que eu posso me transformar mesmo sem Noctana. E que, só com
a minha transformação, eu sou capaz de te derrotar, né? - Disse a voz bizarríssima de Iluzia.
Quando elas se transformavam, era como se “desapessoassem”, suas vozes ficavam frias e
mecânicas.
Masina estava em choque.

- C-como assim você transforma sem a outra!? Sem a Quimera!? O Xamã não… o xamã não
me falou isso…

- O Xamã, provavelmente, te usou apenas de “boneco de teste”. Sim, você sabia que ele queria
que você testasse o poder da Quimera, só não esperava que ele já esperasse pela sua morte se
o fizesse… - Então, Iluzia juntou a mão de energia branca muito, muito poderosa. - Mas não
precisa da Quimera, só vai precisar de mim, estou dizendo.

- Háh… hahaha. Hahaha!!! - Masina meio que parecia ter enlouquecido. Começou a
gargalhar com uma cara doentia, mas logo disse. - Tudo bem, digo e repito, não importa se
seus poderes voltaram ou estão maiores! Não importa, sabe por quê!? Porque energia não
pode invadir meu corpo, eu já disse, eu absorvo tudo e…

- Quem disse que vou te derrotar com energia, Masina? - Disse a loira (agora morena),
assustadora.

Masina novamente fez uma cara de choque.

- Você falou do poder telepático de Prom… - Ia dizendo Iluzia transformada em anjo negro. -
Mas você esqueceu-se que essa não era a única habilidade do meu falecido e amado tio.

- …? - Masina então arregalou os olhos percebendo que havia algo muito… muito errado.

Iluzia sorriu, e então…

Um ser gigantesco (como uma lacraia – ou cobra) saiu debaixo da terra e ENGOLIU a
guerreirona, irmã de Mysic, no processo.

Iluzia destransformou-se e caiu de joelhos.

- Ufff… Bem que eu pensei que a minha energia, sozinha, não ia conseguir invocar essa porra.
Gasta tanta mana… - Disse ela, e o ser, que era criado por sua magia, porém independente
(tal qual o de Prom), saiu mergulhando por aí na areia desértica.

Rapidamente, Iluzia correu para ver como estava Zel.

E bom… ela não parecia mesmo nada bem.

Com o pouco de mana que lhe sobrava, Iluzia abraçou o corpo da meio-drow e criou um
portal pro médico de Velejo.

---

Enquanto isso, Noctana retornava para onde tudo começou.

Isso porque ela sentia profundamente… uma energia sombria.

Ela não precisaria mais do radar do Sir Mysic (nem sabia se ele estava vivo), não queria
depender (ao menos não para isso) de Iluzia ou Ranik no momento.
Esse assunto era consigo e só consigo…

Sua cidade de nascimento, Siroce, ainda existia, apesar de estar exatamente do mesmo jeito
que se encontrava em todos aqueles anos atrás.

E não só isso, logo ali em cima, no telhado do orfanato onde a assassina tinha despertado pela
primeira vez, se encontrava…

Pakao, de braços abertos, sorrindo.

- Estou feliz de estar te revendo, minha querida filha. Eu… eu senti sua falta. - Disse ele, com
os olhos avermelhando-se.

Noctana retirou a máscara e o capuz, e logo depois, começou a energizar seu corpo
sombriamente…

Ela ia se transformar também, tal qual Iluzia tinha feito!

90. DESTRUIÇÃO INTERNA E EXTERNA

Ranik começou a bater a espada contra o machadão de seu pai. Dessa vez, ela parecia estar
aguentando mais do que na vez anterior que isso acontecera. Será que era porque ela
finalmente estava cansada…? Cansada de perder as pessoas importantes para si, uma por
uma? Primeiro foi Udarak (certo que eles não se conheciam tão bem, mas ele lhe salvou a
vida, ele era importante para Noctana que é importante para ela, e os dois, finalmente,
estavam conversando mais e fazendo amizade um com o outro) e agora, Mysic (que acabou
substituindo o amor e a atenção que Nasille nunca dera a si, ou seja, agindo mais como um pai
para ela do que seu verdadeiro pai)… Não, ela não permitiria!

Só que então, veio a porrada do machado, uma porrada que Ranik não conseguiu defender,
mas pegou, por sorte, na armadurona de Veligrad. A armadura que fez seu pai soltar um “tsc”
quando viu.

- Dois vendidos… Eu vou dar um jeito e destruir essa merda de armadura e você vai ficar
inútil tal qual o Mysic. Ah é, agora você tem a habilidadezinha dele, não é? Mas não vai dar
em nada, porque você tem muito menos mana que ele, então, logo vai ficar fraca e não vai
poder usar mais! Hahaha! - Disse o pai revoltado, e então, começou a dar porradas e acertar,
sim, a armadura de Ranik, afundando-a pouco a pouco.

O Sirzão olhava ali de longe horrorizado. Sim, seu corpo ainda estava sanguinolento, mas ele
ainda estava vivo (e acordado, por enquanto). Ele queria ser mais forte… ele queria poder
fazer algo para sua aprendiz… ele queria… ajudar Ranik…

E finalmente, a filha de Nasille o feriu…

Não, não foi apenas um simples ferimento. Ela ARRANCOU um dos braços de seu pai, que ao
invés de ficar fraco e dolorido, apenas olhou pro membro que não mais existia, encharcando-
se de sangue, e com um olhar diabólico e doentio, começou a gargalhar alto.

- QUEM IRIA IMAGINAR QUE MINHA PRÓPRIA FILHA CONSEGUISSE FAZER


ALGUMA COISA?! HAHAHAHA! MAS É SEU FIM, SUA FILHA DA PUTA!!! - E então,
ele foi para cima dela igual um demônio assustador.

O embate continuou, os dois guerreando, mas mais e mais, Nasille conseguia acertá-la no
mesmo lugar na armadura, até que não deu mais… abriu um buraco tal qual ele queria, onde
Ranik finalmente estava exposta. Os golpes continuaram, o que ocasionou foi que a guerreira
teve que continuar usando a mana para poder utilizar a magia de proteção de corpo inteiro
(ela não conseguia lugares específicos como Mysic) para poder impedir que o machadão
adentrasse em sua carne como seu pai queria.

Em determinado momento, ela só sentiu a lâmina quente do machado adentrar em sua


barriga. Ela tentou segurar a lâmina com a mana, mas a mana já estava fraca e falhando.

Nasille estava certo mais uma vez…

Ranik arregalou os olhos, sentiu o filete de sangue escorrer, Mysic gritou, seu pai cruel
sorriu…

A garota bambeou e caiu sentada no chão com a mão na barriga (onde estava ferido
profundamente). Sangue também saía de sua boca.

“Não, não posso terminar assim” pensou ela, atormentada.

O grandalhão sombrio só começou a gargalhar e zombar da sua filha, coisas que ele fazia
melhor:

- HAHAHA! EU DISSE, SUA MANA NÃO É NEM 1/10 DA MANA DE MYSIC E MESMO
ASSIM, ELE ACHOU QUE VOCÊ PODIA USAR ESSA MERDINHA para ME
DERROTAR!? SE ELE NÃO ME DERROTOU, COMO VOCÊ ACHA QUE UMA COISA
RIDÍCULA COMO VOCÊ, GUERREIRA FURADA, VAI CONSEGUIR!? HAHAHA! FAZ-
ME RIR! EU AVISEI A VOCÊ COMO EU IA TE MATAR, E MESMO ASSIM, VOCÊ NÃO
FEZ NADA para IMPEDIR, SIMPLESMENTE ACONTECEU EXATAMENTE DO JEITO
QUE EU FALEI! QUE PIADA! HAHAHAHAHAHAHA! - Ele continuava, e então, de
repente, calou-se com uma cara diabólica. - E enquanto você agoniza, eu só vou fazer você
sofrer mais…

E por um instante, ele pensou: “Pakao tem razão… humilhação psicótica e sádica é realmente
divertida!”.

E logo depois, virou-se para Mysic. Ele foi andando e andando até o grandalhão de Veligrad
e…

Com a ponta do machado (não a da lâmina, a do outro lado do cabo, que tinha uma pontinha
laminosa menor), ele penetrou o dorso do Sirzão, que cuspiu sangue arregalando os olhos, e
com um sorriso triste, ele disse para Ranik:

- Adeus, Ranik…

- NÃOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO!!!! - A guerreirona furada gritou,


completamente desesperada, estendendo a mão pro Sir e pro pai com cara de assassino.

---
Zel abriu os olhos aos poucos, estava muito, muito fraca. Sentia-se com quase zero de mana
total e também não conseguia mover seu corpo. Absolutamente nada dele (nenhum membro)
apenas os olhos e o maxilar (no caso, a boca). Rapidamente, seus olhos viraram-se para
esquerda para enxergar quem estava do seu lado.

Estava claramente no médico curandeiro de Velejo. E quem estava claramente do seu lado
era…

A maga loira da luz. Seu rosto era de tristeza e preocupação, e isso fez Zel sorrir, sentindo-se
finalmente importante. Bem, sorrir também doía um pouco, mas por Iluzia, valia a pena.

- Ilu… zia… - Disse, muito fraca. Mas então, a loira, com lágrima nos olhos, rapidamente
pegou na mão da meio-drow, dizendo em tom de bronca.

- N-NÃO FALE! Você está muito fraca… não pode ficar se exaltando. - Disse ela, realmente
ultra importando-se com a que era anteriormente sua inimiga. E logo depois, abriu um
sorriso, ainda que meio triste. - Eu… eu estou feliz que finalmente você acordou. Estou feliz
que esteja viva, Zel.

- Heh. - Realmente, devia ser o melhor dia de sua vida, ainda que ela estivesse impossibilitada
de se mexer direito.

- Eu tenho… eu tenho que te contar uma coisa. - E então, Iluzia levantou-se séria, com uma
leve cara de culpa. Começou a andar de um lado pro outro, nervosa, pensando em como
revelar.

Os olhos de Zel apenas foram seguindo a loira. Ela queria poder vê-la melhor, queria poder
virar a cabeça para enxergá-la totalmente, mas não conseguia nem mover o pescoço.

E mesmo assim…

Iluzia acabou finalmente confessando algo de muito tempo atrás:

- Eu sei que… eu sei que parte do motivo para você ter gostado de mim assim… foi porque…
porque eu consegui ler seu passado através dos seus olhos, imitando sua magia de leitura de
mentes naquele dia. - Disse a loira, finalmente. E então, Zel apenas sorriu, em silêncio (falar
era mesmo difícil). - Mas a verdade é que… eu não li sua mente.

- …! - Zel fez uma expressão engraçada. Não dava bem para definir o que era.

Mas Iluzia julgou ser raiva contida. Ela ficaria com raiva se descobrisse essa coisa no lugar da
meio-drow maga negra.

- Então… eu… eu tenho que confessar. - A loira inspirou bem fundo, e finalmente, revelou. -
Eu sou um arquivo.

- Ahn…? - A meio-drow disse, foi a única coisa que sua diminuta e fraca voz conseguia dizer
naquele momento.

- Eu fui usada pela guilda dos magos de luz, na época em que nós pesquisávamos mais sobre o
exército negro e seus magos e guerreiros para guardar informações especiais sobre vários de
seus aliados e compatriotas. Ou seja, dentro da minha cabecinha de vento eu guardo
informações sobre pelo menos 1113 membros do exército do dragão negro e dos magos
sombrios, incluso… bom, você. - Zel finalmente conseguiu virar sua cabeça, pelo visto, seu
corpo, aos poucos, recuperava alguns movimentos. Iluzia estava novamente com lágrimas nos
olhos, super arrependida, e então, terminou de explicar. - Eu apenas usei uma magiazinha
besta para iluminar meus olhos e deixá-los brancos como os seus, quando você usa sua magia
de ler mentes, e encontrei a minha ficha mental sobre você em meio a tantas outras que eu
gravei a mando dos magos de luz, e finalmente, quando encontrei-a, eu apenas… li para você.
Fingindo ter lido aquilo dentro da sua cabeça. Desculpa.

- … - Zel ficou um tempo em silêncio, e então… - Hehehe.

- Por que está rindo!? Eu enganei você! - Iluzia parecia inconformada, algo do tipo, brava
demais consigo mesma.

- Iluzia… eu já… eu já sabia. - Entregou Zel, sorrindo mais uma vez. Era realmente o melhor
dia de sua vida.

- Er… - Iluzia colocou a mão na cabeça, confusa. - Como assim você sabia!? Você repetiu mais
de uma vez, tenho certeza, que eu tinha lido sua mente e…

- Você é uma maga generalizada… você pode imitar vários tipos de magias, sim. Mas esse tipo
de habilidade… uhn... é especial dos meio-drows. Na hora, eu realmente acreditei em você...
aliás, posso dizer que acreditei por uns dias. Mas depois de um bom tempo… bom, eu tive que
parar de acreditar em milagres. - Finalmente Zel admitiu, ainda que com uma certa
dificuldade de falar.

Iluzia apenas arregalou os olhos e abriu a boca chocada.

- E mesmo sabendo que eu menti para você, você… você continuou gostando de mim?

- Iluzia… - Zel olhou para ela com aqueles olhos acobreados cheios de ternura. - Eu não gosto
de você.

- Ahn? - Iluzia com seus olhos azuis estranhados, questionou.

- Eu amo você. - E quando ela disse isso, a loira só faltava se derreter.

Mas infelizmente, o momento fofinho das duas chegara ao fim, quando uma das curandeiras
do lugar veio falar com a maga de luz:

- Você é a responsável por ela, não é? Posso falar com você por um instante à sós? - E Iluzia
apenas fez “sim” e seguiu-a para fora do quarto onde Zel se encontrava.

Quando ficaram frente a frente, a loira notara a cara nada feliz da curandeira-médica, e
finalmente, com impaciência, questionou:

- O que houve? Aconteceu alguma coisa ruim? Ela… ela acordou, ela está bem e…

- Ela nunca mais vai andar.

- …! - Iluzia ficou em choque com a notícia.


91. DEMÔNIOS SÃO OS OUTROS

Sua pele continuava escura, mas seus cabelos estavam agora totalmente brancos, seus olhos
ficaram esquisitos, a cor esverdeada sumiu dando lugar a um preto como o mais profundo
abismo, só que a pupila inteira em formato de olho de cobra, suas vestes de assassina foram
substituídas por um robe branco, no topo de sua cabeça, chifres de bode enormes, e logo atrás,
encerrava-se com um rabo pontudo negro-avermelhado. Seus dentes e unhas também ficaram
pontudos, e assim como Iluzia transformada, ela estava descalça.

- Nossa, que bonitinho… Pena que isso não vai ser bom o bastante. - Disse Pakao, zombando,
e então, revelou. - Sem a Quimera de Mana completa, seu poder ainda é apenas 1/3 do meu.

Mas a assassina sombria não queria ouvi-lo, ela não queria nem saber. Simplesmente saiu
correndo e dando um salto sobrehumano (provavelmente devido sua transformação), ela
pulou aonde ele estava, o telhado do orfanato, e então, encheu as mãos de mana avermelhada
sombria e esticando seus dedos (e unhas afiadas que mais pareciam garras), começou a tentar
cortá-lo com aquilo.

Mas Pakao parecia ter, assim como Noctana, uma super agilidade, porque ele escapava de
tudo tranquilamente.

---

- NÃOOOOOOOOOOOOOOOO!!!

Ranik viu a laminazinha que ficava na ponta do cabo do machado de Nasille adentrar no
dorso de Mysic, que apenas cuspiu sangue, despedindo-se dela e fechando os olhos.

De repente, a guerreira levantou-se (ainda que também estivesse estupidamente ferida) e


pronto…

Ela não parecia mais ela.

Seus olhos ficaram totalmente vermelhos.

E de repente, seu corpo todo, incluso sua espadona, também estavam totalmente vermelhos.

Como assim? Até onde o seu pai sombrio sabia, sua filha não tinha mais mana alguma (tanto é
que foi assim que ela não conseguiu usar a defesa perfeita de Mysic e acabou tomando o dano
poderoso em sua barriga)… Então, como isso era possível? Será que apenas o ódio puro e
concentrado da guerreirona a permitia usar mais energia do que realmente possuía!?

Mas não importava isso agora, porque Ranik já estava voando a uma velocidade absurda até
mesmo para guerreirona. Nasille rapidamente empunhou o machadão sanguinolento para
poder se defender do golpe da guerreira e…

Sua espada ATRAVESSOU a lâmina do machado, quebrando-o, e fazendo o grandalhão


sombrio arregalar os olhos!

E logo depois que o atravessou como se este fosse feito de papel, aconteceu a mesma coisa com
a armadura negra pontuda tão poderosa de Nasille… Sim, a espada de Ranik também
atravessou-a e diretamente na altura de seu coração, fazendo-o soltar uma chuva de sangue
pela boca e encarar sua filha, horrorizado e incrédulo.

- V-você… como… você… fez… isso? - Mas não sobrava mais nenhum sopro de vida para ele
dizer mais nada.

Ranik retirou a espadona sem medo ou pena e fez jorrar ainda mais sangue, jogando o corpo
de Nasille finalmente no chão, completamente sem vida.

Logo depois, ela foi andando, ainda inexpressiva, até o corpo de Mysic e colocou os dois dedos
(indicador e médio) em seu pescoço para poder medir sua pressão…

Acredite se quiser, o Sirzão de Veligrad…

Ainda estava vivo.

Ranik, deixando sua espadona de volta nas costas, com uma força absurda, pegou-o nos
braços e saiu dali com aquela velocidade tremenda.

---

Iluzia voltara ao quarto onde se encontraria novamente com a meio-drow maga negra Zel,
ainda impossibilitada de fazer qualquer tipo de movimento (bom, isso seria seu futuro agora,
não era mesmo?). A maga loira ainda não sabia, no entanto, como dizer isso a ela.

Sentou-se ao seu lado e fez aquela expressão de tristeza mais uma vez.

- Iluzia…? - Zel questionou, já tinha entendido pelos olhos da outra que havia algo de errado,
mesmo depois das duas terem sobrevivido e finalmente, se entendido de uma vez por todas.

- Zel… você… você… - E então, a maga de luz começou a chorar. E quando o fez, abraçou a
cabeça de Zel, que, apesar da confusão, ficou um tanto quanto feliz daquela proximidade.

E enfim, parando de chorar, Iluzia largara a cabeça de Zel, e com uma expressão que
finalmente parecia confiança e decisão, ela disse:

- Eu vou cuidar de você daqui para frente. - E quando a meio-drow ouviu aquilo ficou ainda
mais confusa, mas antes que ela pudesse perguntar o que significava aquilo tudo…

Um portal avermelhado surgiu em meio ao quarto, chamando a atenção das duas.

Rapidamente, Iluzia levantou-se e energizou seu cetro (tirando-o das costas) e apontando para
a coisa que saía dali.

Mas ela abaixou a arma de mana assim que viu…

Era Ranik com Mysic desacordado (e sangrento) em seu colo. Rapidamente, a guerreirona foi
andando, como que em automático (enquanto seu portal sumia) e colocou-o sobre uma cama.

Iluzia, estupefata, apenas questionou:

- Ranik!? Ranik!? É você…!? - O corpo da guerreira ainda estava todo vermelho, mas era
óbvio que era ela. Mas como assim!? Ela estava emanando MUITA energia, não tinha como
aquilo. E também não tinha como ela criar um portal dimensional, ela sabia… a guerreirona
não conseguia criar um do tipo, ela e Noctana sim. - C-como você criou um portal!? Ranik!?

E assim que ela chamou-a pelo nome… a guerreirona “apagou” toda aquela mana vermelha e
caiu no chão, desmaiada.

- …! - A loira ainda estava em choque, mas logo saiu correndo para chamar a curandeira-
médica de novo.

---

Noctana tentava uma, duas, três vezes atingir o inimigo mais importante de sua vida, mas ele
continuava escapando e escapando. A assassina, então, começou a usar uma estratégia para
tentar atingi-lo…

Ela usava uma ilusão em seu golpe, fazendo-o acreditar que ela atacaria ele daquele lado, mas
logo, a ilusão desaparecia, e dava origem ao verdadeiro ataque físico. Na primeira vez, ela até
conseguiu atingi-lo de raspão (sim, só de raspão, ele ainda era estupidamente ágil), mas nas
seguintes, ele parecia prever suas ilusões.

Noctana, impaciente (e inteligente), começou a lançar ilusões duplas e triplas, agora ela fingia
duas ou três vezes que atacaria em um lugar, mas atacava num terceiro ou quarto. E mais
uma vez, um corte de raspão, até que o mago negro pareceu ter aprendido onde defender mais
uma vez. Como era possível!?

Ela estava furiosa. E ele não atacava também, apenas esquivava-se. Por quê!? Por que ele não
atacava-a também!?

- Estou realmente impressionado com suas habilidades. Você cresceu tanto… logo ontem era
apenas uma garotinha órfã que fora usada por mim como ferramenta por diversão, e hoje,
olhe para você… é um Demônio de Mana.

De repente, Noctana parou de atacar, encarou Pakao um tanto quanto impressionada. Talvez
tenham sido aquelas palavras que lhe despertaram para algo além do ódio, “Demônio de
Mana”.

- Está curiosa…? Eu imagino que sim. É compreensível. - Pakao cruzou os braços, pelo visto,
as feridas de raspão não lhe incomodavam em nada, e foi falando, enquanto sorria
sarcasticamente (como sempre). - Você deve ter sentido em sua carne, sangue e ossos que
aquele lugar, o calabouço do centro do Allas, estava conectado a sua vida, assim como sua
amiguinha maga de luz, certo?

- …! - Noctana semicerrou os olhos, questionando finalmente. - Como você sabe dessas coisas?
O que você sabe sobre isso?

- Pelo visto, muito mais que você… - Pakao passou o dedo pela ferida de raspão que Noctana
fizera nele e ainda sangrava, e logo depois, lambeu o sangue na ponta de seu dedo.

- PODE FALANDO!

- Hmmm… - E então, o mago negro colocou o dedo na boca, faceiro, e disse. - Me dê mais
motivos para isso. Que tal se você… sobreviver?

- Sobreviver…? - A voz de Nocta, assim como a de Iluzia transformada, ficava ainda mais fria
(se é que era possível) que sua voz normal, porém, meio arranhada (diferente da voz da maga
de luz).

- Você não percebeu ainda…? - Pakao foi andando até a ponta da telha do orfanato e abriu os
braços perante a um buraco que ficava logo ali, dando visão para área interna do mesmo.

- …! - A assassina que agora estava no “modo demônio” foi andando até o buraco, e o que
viu…

A fez ficar completamente aterrorizada.

Lá dentro, dentro do lugar de sua infância, estava…

Ela mesma, pequena, recebendo o espírito demoníaco e começando a encerrar,


sanguinariamente, com a vida de cada um de seus familiares do recinto!!!

Sim, o terror de seu passado….


Tudo…
De…
Novo.

92. ILUSÕES REALISTAS

Mysic abriu os olhos depois de um tempo… Ainda estava difícil de enxergar. E então, para sua
surpresa, a face que viu foi uma face conhecida de anos atrás. Ele tentou se levantar, mas doía.
E a mão pesada como a sua apenas apoiou-se em seu ombro, fazendo-o deitar mais uma vez.

Cabelos compridos, ondulados, castanho-claros. Pele parda escura como a sua. Olhos
plenamente esverdeados claros. Estatura paraticamente igual a sua, apenas um pouquinho de
nada menor.

- Masina!? - Mysic disse, ainda que com dificuldade.

A mulher apenas fez “sim” com a cabeça.

- Urgh… - Tudo doía. O Sirzão também via tudo girando por um instante. Não conseguia se
lembrar de nada, só…

Ranik ferida.

Nasille com um sorriso demoníaco.

Uma lâmina quente e dolorida entrando no seu dorso… seu dorso, Mysic colocou a mão onde
a lâmina havia entrado. Não sentia mais nada ali agora… então, de onde vinha a dor?

- Nasille, ele estava me enfrentando… - Mysic disse, conversando com a irmã, finalmente,
depois de tantos anos. - E ele disse… ele disse que você estava viva. Eu… eu não pude
acreditar.
- Está feliz com isso ou não? - Masina perguntou com um sorriso triste pro irmão deitado.

- para dizer a verdade… estou feliz. E aliviado. Eu… - Mysic passou a mão na face, sentindo-
se bem mal por tudo o que havia passado, e tudo o que era sua culpa, afinal. - Eu achei que
você morreria sem que eu pudesse te dizer o quão arrependido eu estou.

- … - Masina nada disse, apenas ouvia com uma cara de doçura pelo irmão.

- Eu… eu sei que dizer isso agora vai soar apenas que o motivo é Nasille ter morrido, ou
retornado da morte como um ser das trevas, ou mesmo… haha… ter tentado me matar. Mas a
verdade é que, assim que eu briguei com você naquele dia na barraca do dragão negro, eu me
senti arrependido automaticamente. Foi idiota… - Mysic suspirou, frustrado. - A verdade é
que eu era pirralho demais para tomar a decisão que tomei. Imaturo demais para desistir
depois de ver a merda que ia dar. No final das contas, eu falhei com você. Falhei com você
como irmão e…

Antes que ele continuasse a dizer, Masina colocou o dedo na boca do irmão fazendo-o parar de
falar. E então, abraçou-o, mesmo com ele ali deitado e ela de pé. E logo depois que saiu do
abraço gostoso (ela usava vestes de tecido, diferente da armadura negra), ela lhe disse, agora
com lágrimas nos olhos:

- Eu também tenho um bocado de coisa para me arrepender. - E então, Mysic sacudiu


negativamente a cabeça. Mas ela continuou dizendo. - Eu espero que não me odeie e me
perdoe por isso, mas…

- Não… Não fale. - Mysic pediu agora, seus olhos azuis-claros lacrimejados também. Parecia
que ele sabia o que ia vir por aí.

- Eu preciso… Eu preciso, Mysic! - Disse ela, e então, cruzando os braços e olhando perdida
pro chão, admitiu. - Eu era espiã do exército real.

- … - Mysic fechou os olhos suspirando, e soltou uma lágrima solitária. - Eu pedi para não
dizer.

- Você já sabia?

- Nasille disse algo do tipo, mas eu preferi achar que ele estava equivocado. - Mysic abriu os
olhos de novo e encarou a irmã com tristeza. - Não vai me dizer que ele morreu porque…?

Masina apenas fez “sim” com a cabeça entristecida, e olhando para outro lado. Mysic socou a
parede. Tudo doeu novamente.

Mas logo depois se acalmou e passou a mão na face.

- Eu não tenho… eu não tenho o direito de ficar bravo contigo por isso. Você foi abandonada
por mim, isso afetou… afetou seus sentimentos e sua capacidade de discernir as coisas, tenho
certeza disso. A culpa… a culpa foi minha. - O Sirzão disse, e então, voltou a sorrir para irmã,
mas seus olhos ainda soltavam lágrimas (não mais solitárias, várias).

Ele passou a mão nos cabelos da irmã e disse:


- Você ficou tão bonita. Papai acharia também.

- … - Masina apenas sorria para ele, e então, ela perguntava, enfim. - Você me perdoa, irmão?

- Só se você me perdoar de volta, Masina… - E ela fez “sim” e então, abraçou-o mais uma vez.

E foi no calor daquele abraço que Mysic, mais uma vez, caiu num sono profundo, num
desmaio novamente.

Finalmente, o gigantão de Veligrad acordou de novo. A sala branca, ainda era ela. A maca
branca também. Ainda estava ali. Olhou ao redor, não viu ninguém. Mas de repente,
invadiram o recinto. Parecia ser aquela amiga (talvez mais que isso?) loira de Ranik, a tal
maga de luz, Iluzia.

- Oh! Você tá vivo!? Quando Ranik te trouxe, eu achei que você ia bater as botas rapidinho!
Vocês guerreiros são mesmo assustadores, hein? Aguentam cada porrada…

- Anãzinha loira… - E quando Mysic disse isso, Iluzia já fez cara de poucos amigos.

- Urgh, ‘cê tá de zoeira com a minha cara, né? - E ele apenas riu, ainda que rir doesse um
pouquinho.

- Então… Foi Ranik que me trouxe, é? - E logo depois de piscar algumas vezes, ele concluiu. -
Enfim, ela derrotou Nasille, né?

- … - Iluzia não conseguiu dizer nada, apenas olhou preocupada por Sirzão.

Depois de um sorrisinho acostumando-se com a cama confortável, ele resolveu sanar sua
dúvida.

- E Masina, cadê ela? - E quando Mysic perguntou isso para pequena maga de luz, ela apenas
arregalou os olhos.

Logo depois, sua expressão era de puro terror.

- Erm… Eu… Ah… - A loira pôs a mão na cabeça, sentindo-se culpada. O grandalhão apenas
não conseguia entender sua reação tão absurda assim. - M-me desculpe…

- Ahn? Que houve?

- Eu tive que… eu tive que… matá-la. - Iluzia disse isso, quase que sem voz.

O Sir Mysic de Veligrad apenas espremeu os olhos como se estivesse confuso por demais,
tentando entender a questão.

- Ahnnn… Agora?

- Como assim agora? - Iluzia estranhou ainda mais, a questão, no caso. Mas a culpa não saía
de sua mente, no entanto.
- É, ela estava aqui quase agora, falando comigo. - Disse o grandalhão armadurado (só que
sem armadura no momento, claro).

E a sinceridade e simplicidade com a qual ele falou surpreendeu por demais a maguinha. Ela
olhou pros dois lados, logo depois, verificou no corredor do médico-curandeiro, e voltou pro
quarto onde Mysic estava com a cara mais estranhada do universo.

- I-impossível, Mysic. Certeza que não foi alguém bem parecido com ela?

- Não, nós até conversamos. E finalmente… finalmente pudemos fazer as pazes. - Mysic
sorriu, docemente, sentindo um peso sair de seus ombros depois de tantos anos de desavenças
com uma das pessoas mais importantes para si.

- … - Iluzia estava apenas chocada, e então, ela fez “sim” com a cabeça, sem saber mais o que
responder e saiu do recinto, fechando a porta atrás de si. - E-ele viu e falou com uma pessoa…
morta!? - Disse, em choque, para si mesma.

---

O líquido quente e pulsante tocando sua pele completa. Banhando seus membros e suas
roupas. Suas roupas encharcadas com aquele líquido de morte.

Cheiro… cheiro de sangue. De putrefação. De cadáveres. Cheiro de vida se esvaindo por


completo.

Gosto de sangue na boca, gosto de ferro, de ovos crus… boca seca cheia de sangue. Dentes
mastigando coágulos.

Gritos, gritos, gritos… gritos por socorro. Gritos por ódio, ira, raiva, vingança. Gritos
implorando, pedindo perdão, pedindo ajuda. Gritos xingando furiosos. Gritos apenas
desvairados de fuga.

E por fim… Visão da pura destruição. Destroços do que um dia fora uma casa. Destroços do
que um dia fora uma família. Destroços do que um dia foram pessoas… vivas… felizes…
conversando… cantando… rindo… brincando… VIVENDO.

Mais uma vez, toda a história de seu passado passava por sua cabeça, atormentando-a e
assombrando-a. Todos esses anos, tendo o mesmo pesadelo repetidamente. O pesadelo que
contava sua história… todinha…

- AAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHH!!! - Noctana gritava, com as mãos na


cabeça.

Ainda que estivesse transformada, sua mana não fora suficiente para parar a visão maligna
de Pakao. Sim, ela estava apenas parada lá, no mesmo lugar, gritando, com as mãos na
cabeça, chorando, enquanto imagens passavam por seus olhos (e todos os outros sentidos
refletiam o que seu cérebro lhe demonstrava), ainda que… não houvesse no telhado do
orfanato nenhum buraco sequer.

O mago negro de rabo-de-cavalo negro, cavanhaque negro, olhos (agora) negros e pele pálida,
apenas andou para um lado e pro outro, com os braços cruzados, encarando sua presa. E
então, deu uma bocejada mortífera.

- Meu deus, que tédio. Eu devia ter trazido algum lanche, talvez um banquinho, sei lá. - Disse
ele, zombando da situação.

Logo depois, ele foi andando até Noctana transformada em Demônio de Mana e passou a mão
pelo seu rosto (toque que ela não sentiu) e dizendo (o que ela não ouviria):

- Acho que vou embora, minha querida. Na próxima vez que quiser MESMO lutar com
alguma seriedade, por favor, traga sua amiguinha do Anjo de Mana. Obrigado.

E criando um portal, ele foi embora dali.

93. ESSA CASA NÃO É UM LAR

Noctana abriu os olhos. Estava em frente a uma enorme mansão. A mansão era bem macabra
mesmo, típica de filme de terror (coisa que não existia naquelas épocas, mas ok, é apenas um
referencial).

A porta se abriu sozinha… aí mesmo que suas canelinhas finas dentro daquele vestidinho
humilde tremeram-se todas. E mesmo assim, com mala em mãos, ela adentrou o recinto.

- T-tem alguém aí? - Ela perguntou, no meio daquele Hall enorme.

E de repente, descendo as escadas, lá estava ele. Assim que Noctanazinha o viu, ela já se
encolheu mais uma vez, e lhe olhou como o gato arredio que era.

- Bem-vinda, minha querida filha adotiva!

- “Filha”…? - Ela disse, com desdém, entredentes. Sim, ela queria ser tudo, menos filha
daquele cara.

Pakao Smirt. O maldito que apareceu naquele dia no orfanato e sabe-se lá como raios,
conseguiu convencer uma pessoa maravilhosa (e antes protetora) como a Madre a permitir
que ela fosse adotada, ainda que não gostasse do sujeito.

Isso não era coisa da Madre… a madre não era assim. Agira de maneira esquisita consigo.
Noctana havia notado. Alguma coisa esse maldito tinha feito para convencê-la… mas molhar
sua mão com peças de ouro não era uma opção. A freira nunca ligara para isso antes, e como
já foi dito uma vez, era sua preferidinha. Não fazia sentido algum. Parecia que aquele homem
tinha enfeitiçado ela!

De perto, a pequena sombria pôde olhar melhor… suas vestes nada se pareciam com as
roupas aprumadinhas de nobre que ele usou na primeira visita ao Orfanato. Raios. Agora
pareciam roupas de mago… era um robe escuro e macabro, tão macabro quanto o resto da
casa, tão macabro quanto aquela figura com aquele sorrisinho na face, que mais parecia um
sorrisinho de quem planejava algo diabólico.

Noctana odiava-o todinho.


- Logo logo você vai se acostumar com a casa, ela é grande e vazia, mas é bem confortável.
Venha, vou lhe mostrar seu quarto. - Disse ele, e então, começou a subir as escadas. Noctana
não teve escolha senão segui-lo.

Chegando finalmente no recinto, ela viu o que era um quarto enorme com apenas uma cama e
um armário, tinha um banheiro particular também. Se não fosse aquela decoração sombria,
talvez fosse um lugar bacana. Mas devido a falta de cores e o acumulo de escuridão, aquele
quarto também parecia mal assombrado.

A garotinha suspirou profundamente.

- Sei que deve estar cansada, então, descanse. Logo, te chamarei pro jantar, ok? - Pakao disse,
e então, saiu andando.

Noctana trancou a porta e jogou-se na cama. Poeira subiu e ela começou a tossir. Parecia até
que Pakao tinha pego uma mansão realmente abandonada para viver. Como assim!?

Ela retirou a colcha da cama e sacudiu-a (levantando mais poeira) e finalmente, com ela
menos empoeirada, forrou a cama novamente e deitou-se sobre a mesma, com os cotovelos
apoiados e a cabeça apoiada nas mãos.

Suspirou de novo.

“Quanto tempo vou ficar aqui? Eu não quero… eu não quero ficar aqui. Eu não quero ser
filha… desse sujeito bizarro. Eu quero voltar. Eu quero voltar para o Orfanato. Eu quero
voltar para minha família de verdade. Eu quero voltar para Madre!” Noctana pôs a cabeça no
colchão e começou a chorar baixinho.

Hora do jantar. Noctana desceu as escadas e começou a procurar a sala de jantar. Estava com
seu estômago roncando. A viagem fora longa, fora de carroça (na verdade, estava mais para
uma charrete).

A cada porta que tentava abrir, percebia que parecia trancada ali dentro, todas estavam
fechadas com chave e tudo. Até que finalmente, uma porta dupla se abriu. E dali saiu Pakao.

- Estava achando que não comeria. A comida já está na mesa, venha. - Disse ele e então,
adentrou no recinto, deixando as portas abertas. Noctana foi atrás.

A mesa era enorme, e por sorte, esta não estava empoeirada. Sentou-se primeiro o sujeitinho
esquisito em uma ponta, e deixou todas aquelas cadeiras livres para Noctana escolher uma
para sentar-se também. A garota pegou uma qualquer e sentou-se. E enfim, analisou sobre a
mesa…

Tinha muita, muita comida. Noctana nunca vira tanta comida assim. E olha que geralmente
haviam verdadeiros banquetes no orfanato. Mas a verdade é que era um pouquinho para
cada uma das várias crianças e freiras que lá viviam, então… Aquilo tanto de comida só para
ela e pro sujeito era um tremendo exagero.

- Coma, senão vai esfriar.


- … - Noctana continuava olhando para ele com raiva, embora seu estômago roncasse.

- Que foi? Acha que eu pus algum veneno aqui? - E então, com aquele sorrisinho escroto de
sempre, Pakao puxou a coxa de um frango assado gigantesco e deu uma mordida. - Viu só?
Estou comendo…

- … - A garota encarou a comida na mesa e novamente, seu estômago roncou como se estivesse
se carcomendo por dentro. Enfim, ela não aguentou mais.

Encheu seu parato de tudo o que podia e começou a comer como um monstro,
descontroladamente. Ao invés de ficar bravo, Pakao apenas riu. Ele comeu bem pouco em
comparação a garota, logo, se levantou e saiu, deixou-a lá comendo a vontade o que queria.

Assim que terminou, Noctana sentia seu estômago doer. Realmente, tinha exagerado. Mesmo
assim, pegou uns pães e resolveu levar consigo pro seu quarto.

Ela tinha um plano.

De madrugada, ela já tinha arrumado sua bolsa de viagem de novo, e agora, com os pães
dentro, teria comida caso sentisse fome no caminho.

Isso mesmo, ela iria fugir…

Noctana foi até a porta do quarto para poder sair, quando sentiu que… a mesma estava
trancada. Sim, ele havia trancado ela no quarto. Mas ela não se daria por rogada.

Rapidamente foi até a janela, abriu-a e olhou lá para baixo. Era alto, muito alto mesmo. Mas
não tinha jeito, ela precisava… precisava voltar pro orfanato, para madre.

A garota jogou seu corpo protegendo a cabeça como pôde. E… bom, ela torceu o tornozelo na
queda tão alta. Por sorte, caiu em umas plantações que amaciaram. Ainda sim, agora, o
tornozelo começava a inchar e doía muito.

Ela não parou nem para reclamar, levantou-se como pôde e foi mancando até a estrada mais
próxima em meio ao matagal.

Enfim, já na cidade mais próxima, mesmo tendo comido o pão no caminho, Noctana desmaiou
de exaustão (e dor também). Os guardas correram para acudi-la.

E enfim, ela despertou em um centro curandeiro. Ela se recusou a falar com todo mundo que
chegava até si, apenas repetia e repetia que tinha que ir para Siroce, pro Orfanato. E bom,
atendendo a seus pedidos (e com pena) pagaram-lhe um carroceiro para lhe levar.

E assim seguiu-se o rumo da pequena garota até, finalmente, adentrar pelos portões de Siroce
mais uma vez.

Já com a perninha enfaixada e tratada (e desinchada, sem mais dor), ela foi correndo até o
Orfanato que continuava lá, de pé, e muito bonito como sempre. Rapidamente, depois de
tempos, o sorriso surgiu novamente em sua face.

Porém, logo ele desapareceu… quando seus olhos ficaram totalmente vermelhos.

Pakao estava no subsolo da grande mansão. Cerceado por crânios e livros e artefatos de
magia negra. Sentado em uma cadeira defronte a uma mesa, ele brincava com uma pedrinha
cor-de-sangue em suas mãos, enquanto puxava mana, e seus olhos… também vermelhos.

- Criatura ingênua. Recusou minha casa, minha hospitalidade, minha paternidade… eu tinha
um futuro brilhante para você, “Receptora”. Mas você me deu às costas e preferiu voltar a
esse antro de gente inútil. Ok, foi escolha sua… agora, só por causa disso, vou lhe mostrar seu
verdadeiro potencial.

---

- Noctana! Noctana! - Era Ranik, rapidamente, a assassina voltou a si. Estava novamente no
hospital-curandeiro de Velejo.

- O que… O que aconteceu? - Ela encarou a guerreirona, atualmente com vestes normais, não
mais com armadura (ela estava em conserto mais uma vez).

- Eu que pergunto… Iluzia sentiu que você estava muito, muito mal. E então, ela foi atraída
até onde você estava. Encontramos você lá, parada, em cima do telhado de uma casarona em
meio a uma cidade destruída. Seus olhos estavam como… não sei, não dá para explicar,
imagens refletiam neles sem parar, luzes piscantes, e você não parecia nem ouvir e nem sentir
a gente. Então, a gente te pegou e te trouxe para cá. - Ranik passou a mão na face, nervosa.
Estava suada. Realmente preocupava-se com a assassina sombria.

- Ah… - Noctana inspirou profundamente, e perguntou. - Como eu voltei ao normal, Ranik?

- Como? Bom, para dizer a verdade, eu não sei. - A guerreira fez uma cara infeliz. - Nem
mesmo Iluzia pôde explicar o que tava rolando com você. Mas ela chutou que era algum tipo
de controle mental ou ilusão de algum tipo. Ela até tentou tirar, mesmo transformada, só que
não conseguiu.

- Transformada…? Demônio de Mana… - Disse a voz fraca de Noctana, e então, sentiu a mão
de Ranik passando por seu rosto, deixando-o quente.

- Não se preocupe com isso agora, Noctana. - A guerreirona sorria docemente. Seus olhos
denotavam claramente que seus sentimentos eram gigantescos.

Noctana sorriu para Ranik também, finalmente esquecendo-se de todo o inferno que passara
há algumas horas atrás. E então… A guerreirona abaixou-se… E beijou os lábios da assassina.

Em um determinado momento, empurrando a porta do quarto que antes, apenas estava


encostada, uma maga de luz vinha para falar alguma informação importante que acabara de
adquirir, mas deu de cara com a cena… O beijo das duas.
Rapidamente ela abaixou a cabeça, um tanto quanto triste, e logo depois, encostou a porta de
volta, saindo, deixando-as a sós.

93. ESCOLHA DE PLANOS

Em uma mesma mesa em Veligrad se encontravam, Ranik, Noctana, Iluzia, Glaz e Zel (esta,
sentada em uma cadeira improvisada com rodas de madeira – sim, todos já estavam sabendo
de sua atual condição, Iluzia cuidava de si a partir de então).

- Certo. Vamos considerar tudo… - Iluzia puxou um montante dentro de uma sacolona de
pano e pôs sobre a mesa. - Temos aqui essa quantia. É basicamente o suficiente que eu preciso
para concretizar meus planos. Ganhamos bastante grana com a morte de Nasille, ainda que…
ainda que essas batalhas tenham trazido consequências ruins.

- Já vamos começar a produção da arma purificadora, então? - A guerreirona disse, apoiando


o rosto nas mãos e os cotovelos na mesa, como uma criança atenta.

- VAMOS!? EU VOU, querida! Eu sou a única que sabe e que pode mexer com isso! - A loira
disse, Glaz riu, Zel sorriu docemente (admirando sua amada, idolatrada e salve-salve) e
Noctana soltou um suspiro de desdém. - Enquanto isso, precisamos acertar outros assuntos…
Mysic, como está?

- Vivo. Mas ainda se encontra desacordado em Velejo. - Ranik fez uma cara infeliz. - Por
sorte, o Rei daqui está bancando seus serviços médicos, senão, a gente já estaria sem dinheiro
novamente.

- Pois é. Eu também estou desembolsando uma graninha por fora fazendo poções e vendendo,
tudo o mais, para poder… erm… bom, ajudar algumas pessoas. - Iluzia pôs a mão em cima da
mão de Zel, que mais uma vez, sorriu para si. Noctana ainda parecia incomodada com a
presença da meio-drow ali, ainda que a maga de luz tentasse dizer a ela que o único motivo
para maga negra estar daquele jeito (paralítica) era por sua proteção.

Ranik coçou o nariz, confusa.

- Erm… E o que vamos fazer com o filho da puta? - Quem perguntou agora foi Glaz,
antenando-se no assunto. Rapidamente, a assassina sombria encarou-a um tanto quanto
incomodada. - D-digo… v-você não pode lutar sozinha, Noctana. Você viu no que deu quando
simplesmente sumiu e foi lá peitá-lo assim!

- Afff… - Noctana colocou agora um cotovelo sobre a mesa e segurou o queixo, também
parecia uma criança, uma criança teimosa.

- Ela está certa. para derrotar Pakao precisamos da Quimera de Mana. Só assim
conseguiremos… e tem mais, precisamos também da Quimera para derrotarmos o Xamã
maldito e acabar de uma vez com tudo isso! - E quando Iluzia disse isso, finalmente, as
informações que possuía iam ser reveladas.

Ranik, Glaz e Noctana pareciam bastante interessadas no assunto. Então, a conhecedora a


respeito começou a dar seu parecer sobre:

- O Xamã. Eu não faço ideia de quem ele seja ou a quantidade de poder dele. Mas falam que é
exorbitante. Falam que ele conseguiu chegar no topo de todo exército negro exatamente por
isso. Pakao o obedece, Masina o obedecia… Até mesmo Nasille, mesmo rejeitando-o, teve que
lhe obedecer. Não sei quais são seus reais planos até então, mas pelo visto, ele quer povoar
todo o Allas de mana negra por algum motivo que eu não compreendo exatamente. - Disse Zel,
super séria. Rapidamente, é claro, tomou uma pinicada de um alguém que ainda estava
incomodado consigo.

- Então, se você nem sabia direito da situação, por que seguiu ajudando seus planos!? - Sim,
era Noctana. Ela, de fato, detestava todo o exército negro com todas as suas forças. E com
razão, óbvio.

Mas essa sua atitude para com Tamnazelnoc apenas deixou a maga de luz furiosa.

- Zel fora abandonada quando criança, e infelizmente, foi pega para ser criada pelo exército
negro. Não é como se ela tivesse escolhido estar ao lado deles! - Disse Iluzia, revoltada.

- Eles fazem isso. Não só comigo. Mas pegam crianças para criar, usam elas de berço para
seus propósitos… - Noctana já ia reclamar sobre o fato de Zel não ter saído do exército mesmo
já estando adulta, quando essas palavras refletiram-se em algo estupidamente familiar para
assassina sombria.

- Foi por isso que… foi por isso que ele me pegou no orfanato? - Noctana disse, com uma voz
tristonha. Ranik rapidamente, por debaixo da mesa, pegou em sua mão, e ela lhe deu um
olhar penoso, porém agradecido.

- Não. - Iluzia disse, séria. Ela já sabia de tudo o que tinha rolado com Noctana neste instante,
afinal, tinha visto quando as duas eram uma só no corpo da Quimera. Mas ela tinha aquele
raciocínio rápido e maldoso que só ela mesma tinha. - Diferente dos outros, Pakao escolheu
você por você ser você.

- ...? - A assassina encarou a outra estranhada e com um tanto de raiva. Mas Iluzia terminou
seu raciocínio, finalmente explicando-se.

- Ele sabia que eu era o Anjo. E sabia que você era o Demônio. Assim como Mudar, meu pai,
Stari e Prom sabiam da premonição dos nossos destinos, Pakao e sua trupe (talvez até o
maldito Xamã) já sabiam de nós duas também. Como ele não podia me ter, pois, eu estava
acoplada a guilda da luz (e era paraticamente intocável lá dentro), ele procurou você. Ele já
sabia quem você era. Ele queria o seu poder. - Disse finalmente, fazendo as outras
concordarem mentalmente com tudo o que disse.

Noctana abaixou a cabeça, sentindo-se bem mal. E então, Ranik levantou-se e anunciou,
puxando a assassina pelo pulso:

- Bem, acho que por hoje essa conversa já está boa. Iluzia, comece a trabalhar na arma. No
momento não podemos nos dar ao luxo de enfrentar Pakao, ou mesmo o tal Xamã, afinal, nem
sabemos onde o maldito está. Enfim, acho que precisamos de um descanso depois dessa
loucura toda. Até mais. - E ela foi levando uma assassina surpresa e confusa consigo.

Iluzia olhou para cara de Glaz que parecia meio triste.

- É… Você e Mysic ficaram na mão. - Disse a loira, zombando da cara da rainha dos disfarces,
que agora, ela, apoiou o cotovelo na mesa, a mão no rosto e fez barulho de “pum” com a boca.
Iluzia também se retirou, empurrando a cadeira-de-rodas de madeira de Zel, junto consigo.

---

- Então, essas são as novidades… Chefe. - Disse o mago negro desgostoso.

E então, o Xamã levantou-se de sua cadeira, sobre sua cabeça o céu flamejante, sob seus pés,
magma endurecido, e enfim… falou com muito ódio.

- Não me subestime, Pakao.

- …? - O mago fez uma cara confusa e incômoda.

- Eu sei que, diferente de Masina, você não segue de fato meus preceitos. Eu sei que só está
seguindo meus planos, porque até então, isso te apetece. Nasille também tinha notado isso em
você.

- Você tem um bando de peões, mas nenhum deles realmente se importa com você, Xamã.
Achei que soubesse… - Pakao disse, sorrindo maldosamente. Sim, até mesmo seu chefe ele
encarava.

- Eu sei. Eu sei da cabeça de tudo e todos. Eu sabia do plano de Prom. Eu sei do seu plano.
Você se interessa pela Quimera. Está aqui só por causa dela. Mas honestamente, você acha
que você ou a Quimera, ou quaisquer que sejam as supostas ameaças que vocês têm para
mim, vão conseguir derrotar Razaranje? - E quando Pakao ouviu o Xamã pronunciar esse
nome, seus olhos arregalaram-se.

- Raza… Você não pode estar falando sério!?

- Ué… Por que a surpresa, Pakao? Eu achei que você soubesse de onde vem todo o meu poder.
- E então, inspirando bem fundo, o Xamã disse. - E eu sei que você não cumpriu seu dever.
Você podia ter matado o demônio, podia ter impedido a reunião da Quimera, mas não… você
o deixou fugir por puros interesses egoístas, atrapalhando assim o andamento das coisas em
meu favorecimento.

- Achei que você não tinha medo da Quimera.

- CALADO! - E assim que o Xamã disse isso, ele estendeu a mão para Pakao, fazendo sua
boca se cerrar como se tivesse realmente com cola nos lábios. E logo depois, ele disse, fulo da
vida, com sua voz abafada e irreconhecível por trás das vestes esquisitas. - Você vai pagar
como uma criança desobediente. E da próxima vez, vai aprender a ser um bom peãozinho
comportado.

E então, mais uma vez, ele estendeu a mão para Pakao e seu corpo foi jogado longe contra um
mar de lava, afundando-se, debatendo-se e tentando gritar (mas sem conseguir – devia doer),
para finalmente, desaparecer ali.

Xamã deu uma suspirada e logo depois, voltou ao trono.

- Eu estou de saco cheio desse lugar. Vou dar uma volta pelo Allas.
---

Finalmente em sua casa árvore, Iluzia apresentou-a a Zel. A meio-drow com sua magia,
flutuou com cadeira e tudo por dentro do alçapão de entrada da casa, e logo depois, a maga
loira a seguiu.

- Eu meio que já tinha vigiado esse lugar… - Disse a meio-drow dos cabelos arroxeados,
maravilhada.

- Veja só, temos uma stalker aqui. - Iluzia brincou com ela, implicando. - Está com fome?

- Estou bem. A comida do castelo fora suficiente. Fico imaginando como o rei se sentiria de
saber que encheu o estômago de um mago negro do exército inimigo. Hehehe. - Tamnazelnoc
zombou, mas Iluzia apenas deu língua para ela.

- Você não é mais do exército inimigo. E só pode continuar se intitulando de maga negra,
porque sua magia usa energia obscura e amaldiçoada, mas isso não faz a menor diferença. -
Disse ela, e então, foi empurrando a cadeira de Zel para o banheiro de sua casa.

- Erm… para onde estamos indo?

- Vou dar um banho em alguém. - Disse Iluzia, com uma carinha de sacana. Zel ficou
completamente envergonhada e boquiaberta.

- Hey, n-não precisa! Eu não consigo andar, mas eu posso muito bem tomar banho sozinha
sentada nessa cadeira, ok!? Meus braços ainda se mexem e…!

- Quem disse que eu estou fazendo isso porque você não consegue, Zel? Eu estou fazendo isso
porque eu quero! - Disse a outra, e logo depois, em sua frente, beijou seus lábios e foi
empurrando-a para dentro do recinto.

94. TAPANDO BURACOS

Um punho pálido fechou-se com força e ódio.

Em cima da mais alta árvore da florestona de Veligrad, encontrava-se Pakao. E ele estava
furioso.

Não tinha mais como retorquir as ordens do Xamã. Este já tinha lhe demonstrado que era
claramente mais forte que si. Não tinha como ele lutar contra.

A questão agora era realizar seus desejos…

Ele tinha que invocar a Quimera como o Xamã lhe ordenara.

A questão maior era… Será que ele conseguiria enfrentá-la?

---

- Me vê um hidromel, por favor. - Era Glaz, sentando-se na taverna de Sekhs.


Rapidamente, a boazuda surgiu com uma caneca cheiinha do líquido adocicado e a depositou
sobre a mesa para rainha dos disfarces.

- Ei, eu te conheço… Você não apareceu aqui uma vez com um elfinho super sensual? -
Perguntou a gostosona taverneira. Glaz fez uma carinha triste ao lembrar-se de Udarak.

- Erm… S-sim.

- E onde está ele? - Sekhs olhou ao redor, procurando o rapaz, mas obviamente, não o
encontrou. E logo depois, a boazuda enxergou na face de Glaz que as coisas não estavam bem
com relação a isso. - Erm… Desculpe. Aconteceu alguma coisa?

- Eu… Ele… - Glaz suspirou profundamente, e finalmente revelou. - Ele morreu.

- …! - Sekhs piscou algumas vezes, surpresa. - Uou. Mas ele não era elfo? Eu achei que elfos
viviam mais tempo que humanos.

- Não foi isso. Ele foi… assassinado. - Disse Glaz, e a gostosona levou a mão na boca, em
choque.

- Desculpe, querida. Não queria te lembrar de coisas ruins. - Disse com uma voz doce, ainda
que apimentada.

- T-tudo bem. Eu… eu vou superar isso. - Disse a pequena, e logo depois, viu Sekhs sair de trás
do balcão e ir até si.

Ela começou a fazer massagem nos ombros da pequena Glaz, enquanto depositava seus seios
volumosos atrás de sua cabeça. Sim, mais ou menos como ela fazia com Ranik.

Glaz ficara completamente avermelhada e sem palavras.

“Essa mulher é perigosa...” pensara, rapidamente. E então, levantou-se como um trovão.

- Erm… E-então… Se você não se incomodar, acho que vou beber meu hidromel sentada em
outro lugar!

- Está fugindo, é…? Eu poderia fazer você se sentir melhor se quisesse. - Sekhs mordeu os
lábios e Glaz apenas arregalou os olhos.

- E-eu passo! - E ela saiu correndo para mesa.

Sekhs deu de ombros, pensando alto:

- Que pena, ela é tão gracinha…

---

Ranik e Noctana alugaram um quarto em Veligrad. A ideia era que elas não precisassem ficar
mais no castelão do reino e também, é claro, tirassem um tempo sozinhas para conversarem.
Fazia tempo que não faziam de fato, para dizer a verdade.

Ranik rancou fora a armadurona, depositando-a em um canto do quarto. E logo depois, viu a
assassina retirar sua capa com capuz e máscara, e colocá-los, dobrados, sobre a mesa do lugar.

Os olhos amarelados arregalaram-se em uma certa admiração nada velada.

- Erm… - Ranik fez, sem conseguir conter, fazendo a sombria olhar para si, achando
razoavelmente engraçado.

- Que foi?

- N-nada. - A guerreirona coçou a cabeça. Era verdade, também nunca tinha ficado em um
lugar assim com Noctana, e por isso, estava um tanto quanto nervosa mesmo.

- Ranik. - A assassina chamou-lhe a atenção, tirando-lhe das divagações sacanas.

- Quê!?

- Iluzia disse que você se teletransportou em um portal vermelho com Mysic nos braços.

- Ahm… É… Eu acho que sim. - E mais uma coçadinha na cabeça de nervoso.

De fato, a grandalhona também não entendia como isso era possível.

- Como isso é possível? - Óbvio que Noctana ia lhe perguntar isso.

As duas sentaram-se à cama, e continuaram a conversar, se encarando. A guerreirona estava


nervosa, ainda que sua conseguinte fosse estupidamente mais baixa que ela. Bom, ela já sabia
do que Nocta era capaz, então, não ia subestimar ela.

- É uma boa pergunta… eu não sei. D-digo… Não sei também como desenvolvi minha mana
em primeira mão. A primeira vez que usei foi muito random. Então, eu nem sabia de onde isso
tinha saído. Eu só peguei uma arma, e então, ela foi coberta pela energia vermelha e eu usei as
habilidades, fim. Depois disso, aceitei que tinha, mas nunca tentei pesquisar o porquê. E até
Mysic me ensinar a magia de defesa corporal, eu nunca achei que eu fosse ter mana o
suficiente para fazer algo do tipo, então… eu ter tirado tanta mana do nada e ainda por cima
ter conseguido criar um portal, é esquisito. - A guerreirona cruzou os braços, confusa.

- Sua mãe ou seu pai tinham mana? - Perguntou a assassina, sendo bem objetiva. Mas Ranik
fez “não” com a cabeça.

- Meu pai ganhou alguma mana, mas foi devido a união com o exército negro, e os magos,
claro. Mas tirando a sombria, ele só tinha suas habilidades físicas naturalmente monstruosas.
E sobre minha mãe, bem… até onde eu saiba, ela era apenas uma mulher normal.

- Então, pelo visto, ela não era. - E quando Noctana disse isso, Ranik espremeu bem os olhos,
um tanto quanto incrédula.

- O que quer dizer?

- Se você não é um elfo ou meio elfo, sua mana é herdada de alguém ou alguma coisa. Assim
como seu pai, eu ganhei mana apenas quando eu me tornei do exército negro… por pura
pressão psicológica e física, claro. Iluzia, certamente, tinha raízes em alguma família de magos
ou bruxos já. E bom, você diz que seu pai não tinha mana, até porque, se ele tivesse, duvido
que ele não usaria. Logo, sua mãe que era bruxa ou maga, e você nem sabia. - E quando ela
disse isso, Ranik ficou boquiaberta, muito em choque mesmo.

- Como ela poderia não ter dito…!?

- Não sei se sabe, Ranik, mas deve saber. Nem sempre o dragão negro era junto aos magos
negros. No início, os dois, inclusive, apesar de terem objetivos bem parecidos, como destruir o
reino de Veligrad, eles também guerreavam uns contra os outros. Na época que… que Pakao
me dominou, ainda era assim. Depois, ele próprio uniu-se ao seu pai e aos outros. Eu
guardo… - E então, Noctana mexeu em suas vestes (deixando Ranik nervosa por algum
motivo) e retirou a foto.

Sim, a mesma fotografia que Mysic lhe mostrara.

E ali estavam: Prom, Pakao, Nasille, ela mesma Ranik e até mesmo Masina, mas só
reparavam agora nisso.

- Está vendo… aqui… esse foi o começo do exército negro real, a junção dos dragões com os
magos, e… - De repente, Noctana bateu o olho na foto mais uma vez, depois de todas as novas
informações que recebera e puxara consigo, junto a vista mais uma vez.

A guerreirona estava apenas chocada.

- Q-que foi…? - Tentou disfarçar, mas era tarde.

Os olhos verdes arregalaram-se para si.

- Essa pessoa… Essa pessoa parece contigo, Ranik. Na época que peguei essa foto (e nunca
mais olhei para ela) eu não notei as semelhanças, mas agora, assim, do lado de Nasille… é bem
óbvio que…

Finalmente, uma das duas (no caso, Noctana) descobrira a respeito do segredo da
grandalhona, que ficara, é claro…

Morta de medo.

---

Mas sem tempo para discutirem a relação, rapidamente, ouviram uma explosão.

COMO ASSIM!? O QUE ESTAVA ACONTECENDO!?

As duas saíram automaticamente correndo para fora da pousada. Enquanto Glaz ia para fora
da taverna. E consequentemente, Iluzia e Zel para fora da casa-árvore. E todas elas ficaram
bestificadas quando notaram uma coisa…

Veligrad estava sendo atacada.

Mas não era por exércitos de goblins ou magos emputecidos (bom, não sob essa perspectiva)…

Havia um enorme, um enorme dragão atacando a cidade.


Sim, isso mesmo, um dragão gigantesco e enegrecido.

95. A SANTIDADE – Parte 1

- Isso… Isso não pode estar acontecendo! - Disse Ranik, completamente bestificada,
encarando o enorme ser.

Ele jogava fogo em várias casas, as pessoas saíam correndo, e logo depois, ele dava uma
caudada em uma das torres de defesa do exército… enfim, Veligrad estava em verdadeiro
pânico.

Os guardas tentavam conter o invasor com suas lanças, espadas longas e principalmente
flechadas, mas era difícil, ele era grande demais…

Sim, o ser era paraticamente do tamanho de metade da cidade (o que já era muito,
considerando que era a maior cidade de todo Allas).

- Essa coisa… - Iluzia disse para Zel, revelando o que pressentia. - Essa coisa é feita de mana.

- Quê!? - Zel arregalou os olhos, e então, engolindo seco, disse. - Então, só pode ter sido feito
por uma pessoa…

Noctana, logo ao lado de Ranik, rapidamente encarou-a, para logo depois, mudar o rumo de
seus olhos verdes para outra direção. Ela encarou a floresta. E apesar de não conseguir
enxergar de tão longe, ela sentiu que alguma coisa vinha dali.

Iluzia foi a conseguinte. Provavelmente isso ocorreu depois do aumento absurdo de mana das
duas, consequente a Quimera das duas.

Mas diferente de Nocta, a maga de luz pôde enxergar claramente. Sim, era Pakao. Ele estava
em cima da árvore mais alta da floresta.

- Aquele maldito!

- Eu sabia que era ele! Deixe-me ajudar e… - Mas Iluzia colocou a mão na frente e fez “não”
com a cabeça para meio-drow em sua cadeira de madeira.

- Eu não quero que o inimigo te machuque mais! Eu não suportaria perder você, Zel! - E
quando ela disse isso, a maga negra sentiu um friozão na espinha. - Só há um jeito de derrotar
Pakao… Enquanto isso, os guardas e Ranik têm de conter o dragão de destruir mais a cidade.
- E logo ela pensou em voz alta consigo mesma. - Espero que essa pessoa já esteja pronta para
isso mais uma vez…

A assassina sombria jorrou energia de mana, fazendo a guerreira notar isso meio que
surpresa. E então, virou-se para a guerreirona mais alta que si, e anunciou:

- Ranik, assim que isso acabar, nós vamos conversar sobre aquilo. - E quando ela ouviu isso, a
guerreira pensou em dizer algo, mas foi interrompida pela assassina, que terminou o recado. -
Enquanto isso, cuide do dragão!

- Ei, mas você vai fazer o quê!? Espere! - Só que ela, obviamente, não esperou.
Noctana transformou-se na frente de Ranik, deixando-a sem palavras, e saiu correndo (quase
flutuando de tão rápido) pro lado oposto ao bichão, tipo, saindo das muralhas da grande
cidade.

- para onde ela foi!? Achei que ia ajudar a derrotar essa coisa! - E então, a guerreira deu de
ombros, correu para dentro da pousada de novo, vestiu sua armadura e segurou sua espadona
real. - EU VOU DERROTAR ESSA MERDA, OU MEU NOME NÃO É RANIK!!!

E a guerreira foi ajudar o exército real a vencer esse poderoso invasor.

Enquanto isso, finalmente na floresta, duas figuras exalando mana da maneira mais poderosa
a possível, se encontraram, ainda em alta velocidade (as duas).

De um lado, um ser exalando mana pura e sagrada, com asas de anjo negras, cabelos negros,
olhos negros e vestes negras. Do outro lado, um ser exalando mana negra e amaldiçoada, com
chifres brancos, rabo pontudo, cabelos brancos, olhos brancos e vestes brancas.

De repente, em uníssono, os dois seres esticaram os braços, como se seus cérebros


compartilhassem dos mesmos pensamentos e consequentemente, das mesmas ações, e então,
unindo as mãos, entrecruzando dedos, se envolveram em uma energia iluminada fortíssima,
que chamou a atenção de qualquer um sensitivo presente em todo aquele território real.

Zel, que ainda observava de longe, sentada em sua cadeira, logo pensou, sem dúvidas:

“Como pode existir alguma coisa tão poderosa quanto essa Quimera de Mana!? Da onde será
que isso surgiu!?”

- Eu estava esperando você… - Pakao disse, não parecia mais aquele cara calmo e sarcástico.
Alguma coisa tinha acontecido consigo. Seus olhos estavam em chamas (e já bem vermelhos,
claro, ele controlava um dragão gigante de mana) e com muito, muito ódio.

- Nós sabemos. - As duas falaram em uníssono, utilizando da voz dupla. Às vezes, uma ou
outra falava sozinha e dava para entender claramente qual das duas era. Ainda mais
paraquele sujeito que já até mesmo fora “pai adotivo” de Noctana e a conhecia muito bem.

- Só que antes de começarmos essa emocionante batalha de vida ou morte, preciso lhes revelar
algo. Afinal, não vai ser o Xamã quem irá fazer algo do tipo por vocês… - E então, Pakao
estendeu a mão pro lado e uma grande esfera se formou.

Era incrível como, mesmo gastando tanta mana para criar e controlar um ser tão poderoso
quanto aquele dragão, ao mesmo tempo, ele tinha forças para poder enfrentar as duas ou
mesmo criar aquela magia agora. Aquele, com certeza, era o mago mais forte do mundo. E a
guilda da luz achava mesmo que fossem os três membros do Oráculo. Será que Stari era tão
forte quanto ele? Iluzia provavelmente pensava isso, neste momento.

Pakao começou a falar, enquanto algumas imagens apareciam naquela esfera (sim, era uma
esfera ENORME reprodutora de imagens, como as que Zel usava de “câmera” ou coisa
assim):

- Era uma vez, um ser poderosíssimo… e esse ser, não está no nosso Panteão de deuses. Isso
porque, ele não é um deus… nem mesmo um demônio. Ele é uma mistura dos dois, um ser
neutro com capacidade de controlar o bem na mesma medida que o mal. Absolutan era seu
nome. Por que ele existia? Bem, porque da mesma “sopa celestial” de onde saíram os seres de
sombras e os seres de luz, aquele ser neutro saiu. Ele foi rejeitado por todos os outros por
exatamente não fazer parte de nenhum dos dois. Ele não se encaixava em nenhum “clubinho”.
E bom, enquanto os deuses faziam seus devidos trabalhos e cuidavam de suas respectivas crias
(incluso as pessoas). Os demônios certificavam-se de destruir e apodrecer tudo o que tivessem
às vistas. Mas diferente dos outros deuses e demônios, Razaranje… só de falar seu nome, sinto
a minha espinha tremer… um demônio poderosíssimo, de alta classe, quase o líder de todos;
só não chegou a ser realmente um, pois, o poder máximo lhe trazia mais responsabilidades do
que ele próprio queria assumir; foi o único que percebeu que Absolutan não era apenas uma
carta fora do baralho. Enquanto os outros preocupavam-se com seus afazeres naturais,
Raza… vou chamar-lhe assim… percebera que o ser neutro, mas com vasto poder, era a única
criatura que poderia modificar o rumo de como as coisas se seguiam. Porque, nem mesmo os
deuses ou demônios queriam fazê-lo, mas ele, Absolutan, estava fora de tudo. E até então,
Raza não tinha percebido qual era o real motivo da existência daquele ser neutro que poderia
atrapalhar tudo.

E enquanto ele dizia isso tudo, imagens surgiam. O panteão de deuses em estátuas de
mármore e ouro que residia em uma cidade sagrada chamada Oblak já era conhecida por
todos os moradores do Allas inteiro. A cidade estava abandonada e acabou por ser apenas
ponto turístico para os interessados nas antigas culturas. A verdade é que, apesar de ter se
tornado “gíria popular”, de resto, os seres que residiam naquele mundo não acreditam muito
mais nos contos dos deuses e suas mitologias. Acabou virando só isso mesmo… mitologia. E
logo depois, outras religiões e crenças surgiram, mas a mais presente era… nenhuma crença.
Os reis e governantes tinham todo e total poder sobre as terras, e nada além do fio da espada e
das peças de ouro governavam a coisa toda. Portanto, os deuses ainda eram citados em frases
conhecidas, mas pouco se acreditava neles, portanto… foi assim que Oblak fora abandonada,
como um enfeite bonito na estante, mas agora estava ali, naquela esfera gigante informativa
de Pakao.

- Ok, onde você quer chegar? - A voz agora era claramente de Noctana. Arrastada e
arranhada, porém mais grave, e completamente sem emoção. - Quer que acreditemos que esse
conto de deuses realmente existe? Se deuses bondosos existissem, por que existiria tanta
doença, morte, guerras e destruição? Por que existiriam coisas como você e o exército negro?
Ah claro, porque os demônios e seres do abismo também existem. Ok, então… somos só peões
controlados nas mãos dos deuses e demônios, ao invés de, seres que resolvem tudo por
escolhas próprias. Nossos destinos, nossas decisões, nossa vontade de viver ou de matar
alguém. Na real, vocês gostam de criar essas abobrinhas de mitologias, mas esquecem-se que o
verdadeiro deus ou demônio é o ser humano.

- Você está certa. - E quando Pakao disse isso, Quimera ficou surpresa. Não era a resposta que
esperava. O mago negro sorria, orgulhoso de sua “filha”, e então, explicava. - Nada do que eu
estou dizendo é comprovado. Tudo são mitologias e lendas. Metade desses deuses nem sequer
tem explicação lógica, tipo Stranka, um deus da festança, da bebedeira, das tavernas, da
farra… Realmente teria algum propósito um deus assim!? Mas Razaranje e Absolutan,
infelizmente esses dois fazem sentido.

E a face da Quimera se distorceu, quase como se ela continuasse questionando aquela


bobagem, só que o mago negro voltou a dizer:

- E sabe por quê!? Porque os dois podem ser mera conclusão de consciência! - E então, as
coisas ficavam ainda mais confusas. - Enquanto Absolutan é a conclusão de um livre arbítrio,
de uma escolha, de um destino galgado por você mesmo, ou seja, o que os seres humanos
fazem, assim como você disse, serem deuses bons ou demônios maus; Raza é o controle, a
obrigação, o destino velado, obrigatório, que você não tem escolha senão simplesmente seguir
e morrer. Cada ser humano pode escolher fazer o que quiser de sua vida, mas chegando na
hora H, ele morre. Não há escolha nisso. Então, podemos brincar e dizer que Absolutan é o
deus da vida, enquanto Raza é o deus da morte.

- … - Quimera suspirou e finalmente, foi a vez da maga de luz de responder-lhe. - Diferente de


Noctana, eu sempre acreditei nos deuses. Sim, neles e nos demônios, como uma boa maga. Isso
porque, a guilda da luz me ensinou assim. Disse que nós, os magos, apenas existíamos, porque
deuses nos criaram assim. Com poderes que nos discerniam dos seres humanos sem mana.
Disse-nos que nós, que usávamos essas energias pro bem, pro sagrado, éramos como anjos a
mando do panteão de deuses. Enquanto os que usavam essa energia pro mal, pro
amaldiçoado, como vocês, magos negros, eram anjos caídos, mensageiros dos demônios. Mas
vou dizer uma coisa…

Ela deu uma pausa firme e logo depois, continuou:

- Só que depois de tanto ver essa maldade, morte, destruição, assim como a assassina, eu
também estou começando a duvidar. Qual é a raiz disso afinal? Por que nós temos que viver
dessa forma? Por que as coisas têm que ser assim!? ISSO É JUSTO ONDE!?

- Isso mesmo, maguinha de luz. Até mesmo você está começando a entender… - Pakao disse,
rindo. Quimera torceu a face, provavelmente por causa do lado anjo. - Daí que surge a
neutralidade de Absolutan. Nada é puramente bom ou mau. Tudo é relativo. Viver é relativo…
relativamente bom, relativamente mau. Morrer pode ser relativo também, dependendo do
ponto de vista.

E então, Pakao apontou para as duas em uníssono, e anunciou:

- E o único motivo pelo qual vocês duas conseguem entender isso, de maneira transcendental,
como nenhum outro ser vivo consegue, só denota uma coisa… Que você é a Quimera, a
criação máxima de Absolutan. - Então, as duas arregalaram os olhos, completamente
chocadas.

96. POR DENTRO E POR FORA

- Preparem as catapultas! Só elas têm chance contra aquela coisa!!! - Gritou Ranik,
paraticamente tomando a dianteira, assim como Mysic faria se estivesse acordado.

Os soldados, automaticamente, sem pensar muito, lhe obedeceram, correndo para as armas
atiradoras.

Enquanto isso, a guerreira, que era a única que poderia fazer alguma coisa de verdade contra
o dragão, encheu seu corpo de mana vermelha, assim como sua espada (sim, usando a
habilidade que ela tinha usado para derrotar seu pai) e saltou incrivelmente para cima do
bichão.
Ela deu uma espadada firme em seu focinho, fazendo-o jorrar sangue negro que mais parecia
mana líquida, dava para sentir a energia.

O bichão tentou jorrar fogo para cima dela, mas todas as chamas bateram em seu corpo
energizado e nada fizeram.

Os cavaleiros estavam impressionados com as habilidades de Ranik.

---

- Deixa eu ver se entendi. - As duas disseram em uníssono, sim, a Quimera. - Nós somos
criação de uma espécie de ser neutro ultrapoderoso que tem como rival esse demônio mestre?

- Criação eu não diria. Eu diria algo mais como… personificação de suas crenças. Se
Absolutan é a crença na escolha, na neutralidade, no livre arbítrio, vocês duas seriam a
personificação disso. - E depois que Pakao disse isso, as duas apenas suspiraram no mesmo
corpo.

- Não importa. Neste exato momento, você é o nosso objetivo. Nós vamos destruir você. E se
por algum acaso, o Xamã ou esse tal demônio poderoso aparecer, vamos destruí-los também. -
Quimera apontou para o mago negro que deu um risinho desdenhoso (mas a verdade é que ele
estava bastante nervoso).

- Estão arrogantes demais. Lembrem-se… o ego precede a queda. - E logo depois, ele carregou
uma enorme energia…

Soltou de uma vez só três esferas de elementos distintos (fogo, trovão e gelo), uniu-as no ar,
fazendo uma esfera só como aquela que Iluzia tinha usado para matar Prom, só que três vezes
maior. Quimera ficou chocada…

Enquanto seus olhos encararam o golpe de Pakao, sua mente discutia entre si (sim, as duas se
comunicavam mentalmente dentro da figura poderosa):

Iluzia: Esse maldito! Por que ele está usando logo o golpe que eu usei para matar meu tio!?

Noctana: Ele quer nos amedrontar… Ele deve ter visto a luta e por isso, está usando de
controle mental. Isso é bem típico dele, ele é um psicopata sádico filho da puta que sente
parazer com o sofrimento dos outros, não se deixe levar.

Iluzia: Eu não vou, não é um poderzinho parecido, só que maior, que vai me aterrorizar. Meu
titio Prom estará para sempre no meu coração, e embora eu ainda me sinta culpada por tê-lo
matado, é o meu destino continuar lutando para salvar o Allas.

Noctana: Você e essa conversa! Concentre-se no instante apenas em defender essa porcaria!

Iluzia: Defender? Com nossa mana absurda eu tenho até uma ideia melhor, Noctana… vai
vendo!

E então, a Quimera estendeu a mão um pouquinho de nada energizada (aparentemente) e


aguardou. Pakao com um sorrisinho diabólico na face (ele realmente queria vê-la atazanada
por ser o golpe que matou seu tio) lançou a esfera nas duas em uma.
Quimera não se moveu, apenas continuou lá parada até que…

A esfera parou bem na frente de sua mão. Pakao perdeu o sorriso. Sério mesmo que ela tinha
PARADO sua esfera tão poderosa de mana apenas utilizando energia mágica própria?

E logo depois, a esfera de Pakao foi lançada por Quimera de volta para ele, agora, era
controlada pela mana dela.

Ele escapou, mas a esfera continuou o seguindo. Ele ficou fulo e só lhe restou uma opção: Ele
teve que sugar a mana toda de volta para poder fazer desaparecer a magia antes que esta lhe
atingisse de maneira destrutiva.

- Malditas… mas isso está só no começo. Eu ainda tenho muito o que brincar com vocês.

- Aposto que sim. - Disse a voz em conjunto.

---

Os olhos azuis se abriram, enxergando novamente a luz que entrava pela janela do recinto.
Sim, ainda no quarto branco de cama branca, lá estava ele, Mysic, recuperando-se depois de
quase beijar os lábios da morte.

Ainda lembrava-se do sorriso triste de Masina depois de lhe pedir perdão e receber perdão de
volta… enfim… agora era hora de voltar à vida.

Não importava mais o que acontecera com Nasille. Agora, seu objetivo era outro.

Já de pé, começou a vestir sua armadura. Rapidamente, uma curandeira de Velejo chegou até
si (ao ver movimentação no quarto):

- Ei, por que está vestindo esses pedaços de aço de novo!?

- Eu me sinto melhor. Preciso voltar ao meu posto de guarda em Veligrad. - Disse o Sirzão lhe
explicando.

- Veligrad? - A mulher colocou a mão na boca, meio assustada.

- Ahn? Que houve?

- B-bem… - E então, ela passou a mão na face suada. - Eu soube por informantes que
avistaram de longe mesmo, que ninguém está se aproximando da cidade, porque… bem… ela
está sofrendo um ataque.

- ATAQUE!? - Agora mesmo que Mysic ficou preocupado e continuou vestindo a armadura o
mais rápido o possível e já pegando sua espadona enorme.

- V-você não devia ir… não devia. Acabou de se recuperar, a moça que te trouxe vai acabar
ficando chateada com a gente se a gente não te impedir de fazer mais exercícios exacerbados!

- Não me importa! Eu preciso impedir esse ataque! Quem é que é? O exército negro? Os
magos!?
- … - E então, a mulher inspirou fundo e disse. - Um dragão enorme.

- D-dragão!?

- Quase do tamanho da cidade inteira. - E quando ela disse isso com uma incrível expressão de
horror, Mysic apenas…

Saiu correndo da sala, deixando-a lá confusa e arrependida de ter aberto a boca.

---

O ataque seguinte de Pakao foi uma esfera de energia negra. Assim que a viu, Quimera já
entendeu do que se tratava…

Iluzia: Agora o maldito está usando a esfera de ilusão e controle de mente do meu tio! Por que
esse filho da puta está fazendo isso!?

Noctana: Foi o que eu disse, Iluzia. Ele quer te afetar psicologicamente, quer te deixar
deprimida ou revoltada, não o deixe fazer isso.

Iluzia: Como assim não deixá-lo fazer isso!? Eu vou acabar com a raça dele!

Noctana: ISSO! Ele está controlando você, controlando a maneira como você se sente! Não
deixe ele sentir-se satisfeito com a sua raiva ou sua tristeza! Não deixe ele dominar suas
emoções pelo trauma!

Iluzia: Não seja estúpida. Não importa como eu me sinta, essa luta vai terminar aqui e
agora… você vai ter sua vingança. Ou vai dizer que se vingar dele não era também “dominar
emoção pelo trauma”!?

E quando as duas começaram a discordarem em seus pensamentos, foi como se a mana delas
ficasse desregulada. Sim, a Quimera estava entrando em conflito e quase se desfazendo. E se
isso acontecesse, Pakao teria a vantagem.

Pelo visto, esse era mesmo seu plano, o plano que a assassina sombria tentara avisar a maga
de luz, inclusive.

E sem que pudessem calcular um contra ataque, a Quimera tentou apenas fugir fisicamente
da esfera de energia negra. Só que já era esperado, Pakao sorrindo, a controlava com mana,
levantando os dois dedos (indicador e médio) e guiando-a para que seguisse a “fusão de mana
sagrada com amaldiçoada”.

Iluzia: Maldito!

Noctana: Estamos ferradas se essa esfera de controle mental nos atingir…

Iluzia: Se isso acontecer, a chance de nos separarmos de vez é…

Noctana: Absurdamente alta!!!

E não deu outra, depois de muito tempo fugindo do golpe de Pakao. A Quimera tentou se
aproximar dele e atingi-lo com um golpe físico para desnorteá-lo, mas com uma rápida ilusão,
ele fugiu usando um falso Pakao e o golpe não pegou em nada mais nada menos que fumaça.
E logo depois, Quimera arregalou os olhos e a boca, simplesmente, se vendo atingida pela
grande esfera de energia negra.

E assim como a de Prom, a física desfez-se, enquanto a formada por energia psíquica
simplesmente foi sugada pelo corpo da fusão.

E logo assim que aconteceu…

Quimera ficou paralisada no ar. Dois seres em um, completamente atrofiados, em seus
pensamentos.

Perdidas em pesadelos.

Pakao apenas sorriu, confiante. E não só isso, aproveitou a pequena “pausa” da luta para…

Doar mais mana pro seu dragão negro gigantesco destruindo Veligrad. Ranik mesmo notara
que o poderio do monstrengo ficara ainda maior.

Vários soldados já tinham morrido naquele combate. Várias casas foram destruídas. Civis,
em sua grande maioria, já tinham evacuado no entanto. A mana de Ranik se desgastava mais
e mais…

Ela precisava derrotar aquele bichão logo. Mas como!?

A situação estava fora de controle!!!

97. ATRAVÉS DO TEMPO E DA REALIDADE – Parte 1

Cinco guardas do seu lado direito foram levados pela enxurrada de fogo do dragão. Dez do
seu lado esquerdo foram esmagados por suas quatro patas e sua cauda poderosíssima.

Todas as vezes que os golpes mortíferos vinham até si, a guerreirona enchia seu corpo de
energia vermelha, assim como sua espada, defendia-se e depois o feria. Mas era bizarro, era
como se não importasse quantos golpes bem-dados ela dava naquela coisa, ele nunca era
derrotado.

Foi então que Ranik usou a cabeça…

“Como eu disse, há um núcleo. Esse bicho é uma magia, criada apenas pelo núcleo que deu
origem ao monstro. Logo, se o destruirmos...”

“É isso! Esse ser é uma criatura de mana tal qual aquela lacraia-cobra que enfrentamos antes!
Logo, se eu encontrar o núcleo e o destruir, finalmente vou derrotar esse bicho!” pensou a
guerreirona.

Agora, seu objetivo era fazer o máximo de dano que conseguisse no dragãozão para poder
descobrir a localização do núcleo. Bem… Fazer o máximo de dano já era seu objetivo antes.
Tinha que haver um jeito de localizar a porcaria do núcleo para que ela não perdesse tempo
ou não precisasse se arriscar tanto (matando mais guardas também).
- Precisamos achar a merda do núcleo dele! Só destruindo o núcleo o destruímos, porque ele é
uma criatura feita de mana! - Disse Ranik pros guardas sobreviventes (ainda tinha um
bocado).

- Talvez se ficarmos atacando ele com as catapultas… - Disse um guarda próximo a


guerreirona.

E logo, eles ouviram uma voz conhecida:

- Não será necessário.

E quando olharam… O sorriso de Ranik abriu-se animadamente em sua face:

- Mysic!

- Estou de volta… - O Sirzão sorriu para ela, os guardas restantes bateram continência. - E
com a minha mana, eu posso tentar criar uma espécie de radar de mana negra e assim
localizar o núcleo do monstrengão. Minha nossa, isso é gigantesco, só consigo imaginar uma
pessoa que teria poderio para criar isso…

- Pakao. - Ranik completou, pois é, ela não estava “voando” tanto assim nos assuntos. Mysic
fez sim com a cabeça, mas isso deveria ser deixado para depois. A segurança de Veligrad vinha
em primeiro lugar.

---

Quimera tinha sido acertada pela magia de controle mental e ilusão de Pakao, tal qual era a
magia de Prom que atingiu Iluzia naquela batalha sobre a montanha congelada.

E agora, o ser em uníssono flutuava no ar completamente fora do “fluxo”.

Transcendental.

Era a única palavra que explicaria aquele momento.

Onde todo o Allas estava em suas mãos como um ovo de avestruz gigantesco.

E de repente, era como se elas sentissem todos os sentimentos de todas as pessoas do planeta.

Todas as emoções, sejam elas ruins ou boas, todas iam agora pros seus corações.

Eram todas um só. Um só ser, uma só existência.

E quando há apenas um ser, não há mais egoísmo, não há mais hipocrisia, não há mais dor. Há
apenas empatia e compreensão.

E agora eram assim…

Absolutan como um todo, o líder de toda a existência humana, de todas as criações puramente
neutras. O detentor do livre arbítrio.

E então, finalmente, o corpo flutuante e translúcido de Quimera se direcionava até uma única
existência…

A existência escolhida fora longe de ser a de Iluzia, a maguinha de luz criada pela guilda dos
magos sagrados, ou a de Noctana, a assassina sombria criada em um orfanato que matara sua
própria família por conta da apropriação espiritual de Pakao sobre seu corpo.

A existência unia sentimentos e quereres em comum que aquele ser dúbio possuía dentro de
si…

Sim, uma única pessoa que era a ponte, que ligava as duas.

Ranik, a guerreira que teve uma perna no exército sombrio, que quase morreu, que foi
chamada de “furada” e que por fim, tornou-se uma das salvadoras do Allas ao lado das duas.
Três figuras distintas, unidas por um mesmo propósito.

Amor.

A existência delas se miscigenava em uma só. Sensações, sentimentos, era como se estivessem
flutuando dentro do mar. Puro silêncio e paz. Com um toque macio sobre a pele. E sob a pele.

Agora tudo fazia sentido.

Ranik abriu os olhos. Estava em sua cama, em seu quarto, em sua casa, em seu vilarejo. O
cheiro de comida boa invadia suas narinas. E então, ela se levantava, sentava na cama e
observava sua mãe logo ali perto, fazendo comida. A casa tinha apenas um cômodo
sobressalente além do banheiro, que era o quarto de seus pais, logo, Ranik dormia ali, no que
parecia ser uma sala junto a cozinha.

- Bom dia, querida.

- Bom dia, mamãe. - E então, ela esfregava os olhos, com preguiça. Tinha pelo menos 9 anos.

- Está com fome?

- Meu estômago está roncando. - Ranik ria da própria frase.

Mais tarde, a garota brincava no quintal de terra batida atrás da casa. Jogava uma bolinha
feita com felpo e pedaços de costura encouraçada. E de repente, a bola acabava caindo dentro
de um pequeno cômodo de madeira que havia atrás da casa, que seu pai, desde sempre,
brigava consigo se ela entrasse ali. A mãe também, diga-se de passagem. Nenhum dos dois
queriam-na ali. A única coisa que ela sabia sobre o lugar era…

“Tem coisas do trabalho do papai aí” pensava.

Mas dessa vez, a bolinha tinha caído bem ali dentro, escorrida por debaixo da porteira de
madeira velha, então… Ranik foi até lá, abriu e entrou. Estava meio escuro, só conseguia ser
iluminado pela luz que adentrava pelo portal.

Quando viu melhor, ficou meio bestificada.

Tinha velas apagadas pretas e brancas. Tinha um pentagrama feito com algo que parecia ser
carvão. Tinham várias plantas e flores em vasos com cheiros bem fortes e distintos. Tinha um
crânio de búfalo pendurado na parede.

Nada daquilo parecia ser de seu pai, mas ela acreditava que era sim.

Coçou a cabeça nervosa, e então, ia sair…

Mas quando resolveu isso, de repente, uma luz vermelha fortíssima brilhou no cômodo,
cegando-a e paralisando toda a realidade atual.

Um cavaleiro gigantesco com armadura de cobre pesada andava sobre um cavalo por um
vilarejo semi-destruído. Alguns bandidos saqueavam logo ali. Ele sacava sua espada bastarda
e rasgava-os ao meio libertando o lugar (e quaisquer outros que pudessem ser atacados). E
então, finalmente, ele chegava em o que parecia ser uma casa abandonada. Saltava do cavalo,
pegava algumas sacolas de panos amarradas na cela do mesmo e por fim, adentrava na casa.

Que não estava abandonada, na verdade, apenas semi-destruída como todo o resto do lugar. E
ali dentro, umas crianças vinham correndo. O sujeito abria a sacola no chão e distribuía
comida paras mesmas. Elas sorriam e agradeciam ao cavaleiro, que finalmente, retirava seu
capacete.

Era Nasille. Bem novo e sem barba (ou cicatriz) na boca, ainda.

- Então, é você…

E logo, ele virava-se e encarava a figura parada ali na porta, lhe olhando com um pequeno
sorriso interessado. Era uma mulher muito bonita, ele reparara.

- Quem é você?

- Não se sinta acuado. - E então, a mulher saía finalmente do portal da outra entrada e
aproximava-se do guerreirão.

Por algum motivo, ele parecia um tanto assustado, e logo, dava alguns passos para trás,
afastando-se da mulher, arredio.

- Não precisa se afastar de mim… Eu não mordo. - Disse ela, satisfeita. Era realmente
provocante. Usava umas vestes esquisitas, no entanto. Panos circulavam o que parecia ser um
robe e também havia um capuz, tudo de cores escuras, roxo e azul.

- Eu estou sentindo… a energia emanando de você. - Disse Nasille, e então, apontou com o
dedo para ela. - Quem é você e o que faz nessa cidade abandonada?

- Fique tranquilo, assim como você, eu apenas cuido dessas crianças abandonadas pela morte.
Elas me contaram que um guerreiro andou ajudando-as também, logo, eu fiquei curiosa de te
conhecer. E devo admitir, estou feliz que esse encontro tenha acontecido. - E logo depois que
ela disse isso, ela estendeu a mão e energia saiu da mesma… formando… uma rosa de vidro
negro. Nasille encarou-a surpreso, e logo depois, voltou a olhar pro rosto da mulher, que
apenas disse. - Meu nome é Latica, eu sou a Vremenski, ou seja, a Bruxa do Tempo.

98. ATRAVÉS DO TEMPO E DA REALIDADE – Parte Final

(De repente, as luzes piscaram mais uma vez e tudo ficou sombrio como antes, mudando a
passagem do tempo, mudando tudo…)

Havia um velho, caminhando por um lugar sagrado. Sim, Oblak. A cidade dos deuses,
composta apenas por templos antigos e estátuas semi-destruídas. Mas naquele momento, tudo
parecia novo como se tivesse acabado de ser construído.

E o velho tinha três listras vermelhas em sua cabeça careca, usava uma túnica negra com
detalhes parateados, carregava um enorme livro grosso em suas mãos de capa vinho-
arroxeada e seus olhos eram completamente brancos.

- Vremenski, Vremenski, traga-nos a realidade. Vremenski, Vremenski, guie-nos para as trevas.


Vremenski, Vremenski, depois traga-nos à luz. Vremenski, Vremenski, nós pedimos sua guia.
Vremenski, Vremenski, o destino é o tempo, e o tempo cura.

Finalmente, o velho parou de frente a uma estátua de uma mulher, sentada em um trono de
mármore com detalhes de ouro e pedras preciosas. A mulher era muito bonita, cabelos
ondulados, roupas que mais se assemelhavam a uma toga e sandálias (pareciam aquelas
romanas).

E então, ele fazia um pentagrama ali, na frente da estátua, com carvão. Acendia umas velas e
incensos. E logo depois, cortando seus pulsos, ele deixava o sangue cair, enquanto agonizava
no chão…

E logo depois, a estátua enchia-se de luz.

para depois, toda a superfície dura e acizentada, começar a tomar forma… forma, cor, pele,
textura, maciez, calor… E finalmente, a estátua tornou-se completamente humana.

Humana, não.

Deusa.

A Deusa do Tempo, A Bruxa do Tempo, Vremenski.

E andando até o corpo do velho caído, a mulher começava a caminhar ao redor do


pentagrama, manchando a sola de suas sandálias de sangue do último de seus cultistas.

- Vremenski está aqui para trazer-lhe a realidade, graças a seu sacrifício. No ano XX, do dia XX,
o primeiro guia irá nascer. O primeiro guia carregará consigo o fardo sagrado. O fardo da luz.
Ele será a primeira parte de Absolutan, o primeiro guia da profecia. Vremenski está aqui para
guiar-lhe para as trevas, graças a seu sacrifício. No ano XX, do dia XX, eu darei a luz a criança
da ligação. O segundo guia que não fará parte da junção, do aprendiz de Absolutan, mas sim,
uma peça importante para guiar o destino, traçar o caminho. Essa criança terá que ter
enxergado a morte duas vezes para poder renascer. Vremenski está aqui para trazer-lhe à luz,
graças a seu sacrifício. No ano XX, do dia XX, o terceiro guia irá nascer. Ele carregará consigo
o fardo sombrio. O fardo das trevas. Ele será a segunda parte de Absolutan, o terceiro guia da
profecia. Vremenski irá guiar-lhes, acobertar-lhes, amparar-lhes. Cada peça do quebra-cabeça é
importante, e sem o término de uma, não há o começo de outra. Proteja essas crianças sagradas
e amaldiçoadas que consolidarão o futuro de todo o Allas. Farei-as guiarem-se pelo tempo e
espaço para seus respectivos perante a profecia. Vremenski é a deusa do tempo, a bruxa do
tempo, e o destino é o tempo e o tempo cura a doença do Allas, a doença dos homens. Em nome
de Absolutan. Amém.

- Nasille, eu não quero Ranik no exército do dragão negro. - Dizia a mulher, de costas, fazendo
comida.

O homem, parado logo atrás de si, cruzava os braços, impaciente.

- Mas ela é uma guerreira de sangue, corpo e alma. Ela disse que é o sonho dela seguir meus
passos. Você quer mesmo impedi-la disso?

- Eu não vou impedi-la disso, mas você vai.

- Eu? Eu quero que ela entre pro exército! - E então, assim que ele disse isso, a mulher virou-
se e seus olhos…

Seus olhos estavam totalmente negros (sem íris nem nada).

Nasille começou a sentir como se uma mão sombria sufocasse seu pescoço, estrangulando-o e
deixando-o sem ar. Sim, era ela.

- Ugggghhh… - E então, ele levantou a mão, como que implorando que ela parasse, e ela o fez.
- Afff… afff… afff… - Ele tentava recuperar o fôlego. - P-pode… afff… dizer pelo menos…
afff… p-por quê?

- Porque se ela entrar, ela vai morrer. - E quando ela disse isso, Nasille arregalou os olhos,
primeiro surpreso. Depois, sério, e voltando a chatear-se, passou a mão no pescoço dolorido
ainda que musculoso.

- Todos nós vamos morrer. Estamos numa guerra. Não entendo onde quer chegar, Latica.

- … - E então, a mulher sacudiu negativamente a cabeça. - Sim, você não entende. Você não
entende nada. Não entende a profecia.

- Lá vem você de novo… sempre com essas palhaçadas de bruxaria e magia. Se o povo do
vilarejo descobrir sobre isso, eles matarão você.

E então, rapidamente, um sorriso desdenhoso surgia na boca dela.

- Me matar…? Essas pessoas inúteis…? Se nem você consegue me matar, Nasille. Por que eles
conseguiriam? Eles? Que têm medo de você?
- … - Nasille piscou algumas vezes, e logo disse. - Eu não quero te matar, Latica. Ainda que
não te ame, você é a mãe da minha filha.

- … - E então, a bruxa deu de ombros, incomodada. - Você é grande, mas é um molenga.


Ranik provavelmente saiu como você.

Isso deixou-o puto, mas era claro. Ele era a grande imagem da força, dureza e grosseria que o
exército do dragão negro carregava. Ele era a lenda. Então, ser desmerecido assim por uma
mulher, ainda que fosse a sua, ainda que fosse… a tão famosa bruxa do tempo… era irritante.

Nasille correu para cima dela, tentando pegá-la de surpresa, mas ela virou-se de novo com os
olhos negros e jogou-o longe com magia. Ele caiu no chão, fazendo um estrondo. Por sorte,
pros dois, Ranik brincava lá fora.

Latica subiu em cima do corpo do homenzarrão, deixando-o assustado (já tinha deixado antes
com a magia jogando-o longe daquele jeito, claro). E logo disse, ainda com os olhos negros,
bem, bem perto dele:

- Nasille… querido… - E ela sorriu um sorriso macabro. - Ranik é uma peça importante do
quebra-cabeças da profecia. Sem ela, o resto da profecia não pode ocorrer. Precisamos cuidar
dela, cuidar para que ela não morra sem que continue a pregação do destino. Certo?

Nasille inspirou fundo e fez “sim” com a cabeça, muito puto da vida.

E por fim, acabou-se que Ranik insistiu e Nasille permitiu, e ela entrou no exército do dragão
negro. Latica não pôde fazer nada. Impedir os quereres de Ranik não estavam no destino, ela
devia escolher por si própria se queria se arriscar e morrer, ou ficar viva e cumprir seu papel.
Afinal, Absolutan era o deus do livre-arbítrio. Ainda que ela pudesse mexer as peças ao redor,
não podia mexer na criança, na segunda peça da profecia.

Então, logo…

- M-mãe…! - Ranik estendeu a mão para Latica, passando na cidade com guardas atrás e na
frente, todo mundo do vilarejo zombando-a e tacando coisas em si, coisas que lhe feriam ou
que lhe sujavam, e ela usava apenas trapos, e…

Latica fez “não” com a cabeça e lhe deu as costas.

Mas tudo o que pensava não era mal de sua filha. Não era que ela tinha desonrado a família,
seu nome ou o exército negro. Não, isso era um pensamento de Nasille, a lenda, não o seu. Ela
não estava nem aí para a luta entre os impérios.

Havia algo muito maior e muito mais importante que isso…

“Ranik vai morrer. Se ela morrer, vai encerrar a profecia. Eu preciso, eu preciso fazer alguma
coisa...” pensava ela, sem parar, correndo, voltando para sua casa.

“Essa criança terá que ter enxergado a morte duas vezes para poder renascer.”

“Preciso fazer alguma coisa… preciso adiantar a profecia! Preciso! PRECISO!”


“Sabia que seu papaizinho, a grande lenda, Nasille… está morto?”

Latica parou em meio ao quartinho de madeira detrás da casa. Estava pisando sobre o
pentagrama de carvão e já tinha acendido velas e incensos. Ela esticou sua mão e energizou-a.
E então, seus olhos voltaram a ser negros, totalmente negros, como quando atacara o pai de
Ranik, Nasille, seu marido… falecendo naquele exato instante na guerra… distorcendo a mana
como podia… começou a atacar a si própria também… em seu pescoço, como havia feito com
ele… e logo depois, começou a… sufocar…

- Vremenski está aqui para guiar-lhe para as trevas, graças a meu sacrifício. No ano XX, do dia
XX, eu darei a luz a criança da ligação. O segundo guia que não fará parte da junção, do
aprendiz de Absolutan, mas sim, uma peça importante para guiar o destino, traçar o caminho.
Essa criança terá que ter enxergado a morte duas vezes para poder renascer. Tome como
sacrifício nossas vidas, tome como sacrifício pela sua morte. Faça a segunda criança sobreviver,
dê a ela a chance de continuar… a profecia.

E então, caiu no chão, o corpo sem vida de Latica, a bruxa (e deusa) do tempo, Vremenski.

---

Foi então que Iluzia e Noctana abriram os olhos. Estavam separadas, flutuando ainda,
transformadas. Iluzia em Anjo de Mana, claro, voando com suas asas. Noctana em Demônio
de Mana, flutuando apenas enquanto sacudia sua cauda pontuda.

Pakao estava parado na frente das duas com um sorrisinho besta.

- Vocês demoraram um pouco menos do que eu pensei que fossem… - Disse o mago negro,
rindo, com a mão energizada.

- Então… - Noctana foi a primeira a dizer. - O destino que nos une, não é apenas a nós duas...

- Também tem a ver com Ranik. Por isso que nós duas… por isso que nós duas nos
apaixonamos por ela. - Iluzia pôs a mão na boca, bestificada. - E sua mãe, Latica, sabia disso o
tempo todo.

- Isso porque, ela era uma bruxa… não, uma deusa também, do panteão de deuses do Allas.
Por isso… por isso a mana vermelha tão poderosa… - Noctana passou a mão na face, suando.
- Por isso nossa ligação imediata!

- Latica deu a vida para Ranik poder sobreviver, senão a profecia pararia. E a profecia… nos
unia. - Disse Iluzia, encerrando o resumo da ópera.

Pakao começou a bater palmas, extasiado.

Sim, era isso que ele queria que elas descobrissem com seu golpe psíquico.

99. AMOR DE PLÁSTICO

Ranik puxou uma quantidade absurda de mana que ninguém imaginava (Mysic foi o
principal a ficar chocado com aquela quantidade, até porque, ele não tinha visto quando
Ranik usara na primeira vez na luta contra Nasille – não corretamente, afinal, estava em um
estado entre a vida e a morte), e foi quase que voando (sim, ela soltava mana pelos pés, que lhe
dava uma guinada em um salto super alto, que parecia mesmo que ela flutuava) e começava a
atacar o dragão em sua face.

- E-eu disse que vou usar a mana como radar para poder localizar o núcleo para você! - Disse
o Sirzão, e então, ouviu a voz da guerreira lhe responder.

- Eu sei, estou distraindo-o para você poder usar o radar e impedir que ele mate mais
guardas!

Mysic abriu um sorriso e fez “sim” com a cabeça. E então, ele puxou sua mana, concentrando-
a apenas em suas mãos, e logo depois, passou as mãos emanadas nos olhos, transferindo
energia para eles.

Era isso, agora havia mana em seus globos oculares. Ele realmente conseguia passar sua mana
para qualquer área do seu corpo.

Ele piscou algumas vezes e enfim…

- RANIK, SÃO TRÊS NÚCLEOS, NÃO UM SÓ! - E quando ele disse isso, a guerreira ficou
chocada.

Tanto que se distraiu e acabou levando um safanão do dragão que jogou-lhe contra uma casa,
destruindo tudo pelo caminho.

- RANIK!!!

- E-estou bem… eu estava usando a defesa de mana. - Disse a guerreirona, e então, levantou-
se, mesmo que com dificuldade.

- Pode me dizer como você conseguiu tanta mana assim?

- Te digo quando eu souber. Onde estão os núcleos?!

- Um entre os olhos, outro na altura do coração, o último, na ponta do rabo! - Disse o Sir, e
então, puxou sua espadona. - Deixe comigo, eu vou cuidar do rabo dele (comentário da
autora: hue)!

- Certo, eu cuido dos outros! - Disse Ranik, puxando sua espadona também, quando ouviu
uma voz.

- Eu cuido do coração, você que é a única que consegue saltar tão alto e ficar presa no ar,
cuida do da cabeça… - E quando olhou para trás, era a Rainha dos Disfarces. A guerreirona
sorriu.

Provavelmente era a primeira vez que curtia ver sua rival no amor.

- Vou precisar que você me deixe energizar sua arma, pode ser?

- Eu já ia te pedir isso… - Glaz estendeu as adagas com corrente que possuía e Ranik,
prontamente espalhou nelas a mana vermelha, tornando-as super duras e poderosas.
- Pronto, agora você pode penetrar a casca do dragãozão! - E as duas sorriram cumplicemente
uma para outra e foram atacar o inimigo em comum, finalmente.

---

Enquanto isso, sobre a segunda maior árvore da florestona de Veligrad, havia uma figura
quase que translúcida. Estava vendo de longe tudo o que acontecia ali, deliciando-se com as
novidades e informações.

Era o Xamã.

Sim, ele estava logo ali, prestando atenção em tudo. Com uma super visão causada por sua
incrível quantidade de mana (que não sabia-se se já existia antes de Razaranje ou só agora
com o demônio em seu corpo), ele conseguia acompanhar a luta contra o dragãozão em meio
ao grande reino, e também, conseguia acompanhar a batalha super poderosa que rolava na
floresta. Sim, Pakao versus o monstro da lenda, a Quimera de Mana.

- Pare de brincar logo, meu maguinho-marionete. Use seu máximo de uma vez e acabe com a
Quimera, ou deixe-a acabar com você, eu quero saber do que ela é capaz…

---

Em falar nisso, depois da descoberta a respeito do passado do amor em comum das duas,
Ranik, a Quimera tinha finalmente saído do ataque psicológico do mago negro destruidor do
passado de Noctana, e pelo visto, para sua contradição, Pakao não tentou atacar as duas
quando estavam impossibilitadas de fazer qualquer coisa. Mas ainda sim, as duas separaram-
se, voltando a estarem em corpos distintos, mesmo que ainda transformadas (e flutuando).

- Por que não tentou nos matar? - As duas falaram juntas, mesmo estando em corpos
separados, e logo se olharam. Era uma espécie de efeito colateral, durante um tempo logo
depois de se unirem e se separarem, ainda sentiam e faziam as coisas juntas, mas não durava
mais que algumas horas.

- Se eu tentasse, vocês duas nunca saberiam da verdade a respeito do seu amor falso.

- Amor falso…? - Agora Noctana conseguia entender porquê Pakao fizera isso e não atacara
as duas. Era óbvio, como ela não pôde ver antes? E é claro, sabendo da situação mentalmente,
Iluzia recebia a informação paraticamente ao mesmo tempo (mesmo separadas).

- Claro. Isso significa que vocês não a amam de verdade. A Deusa ou Bruxa do Tempo fez
vocês 3 atraírem-se uma para outra apenas para poder perpetuar corretamente a profecia. Ou
vocês realmente acharam que vocês se amavam… hahaha! - As duas torceram a face, Pakao
começou a rir sarcasticamente (sua especialidade). - Vocês realmente acharam! Hahaha!
Enfim, vou explicar mais sucintamente… Iluzia, você acha mesmo que quando você encontrou
Ranik perdida naquele vilarejo, claro, fugida do exército que lhe considerava guerreira-
furada (Iluzia já sabia da situação, já tinha lido na mente de Noctana), você simplesmente
ficou com peninha dela e resolveu adotá-la, assim, do nada, por puro altruísmo?

- Urgh… - A maga de luz resmungou, atingida.

- E você, Noctana, acha mesmo que ajudou Ranik com aqueles ladrões nas docas apenas
porque seu objetivo era pegar o amuleto sombrio? para começo de conversa, você poderia tê-
la deixado enfrentando eles (como já estava fazendo) e indo logo buscar seu objetivo, mas você
preferiu socializar, porque alguma coisa naquela guerreira lhe chamou a atenção, não é
mesmo? Pode dizer… - E então, o mago negro, para completar, soltou uma risadinha
admitindo. - Aliás, queria perguntar, o que descobriu com aquele amuleto que eu coloquei lá,
PROPOSITALMENTE, para vocês se encontrarem, hein? Mereço um agradecimento ou não
por ter te ajudado a achar o “amorzinho da sua vida”!? HAHAHA! Vocês são peças de xadrez
mesmo!!!

- … - Agora foi a vez de Noctana ficar furiosa.

E então, para surpresa de Pakao, as duas começaram a atacá-lo fisicamente. E mais uma vez,
ele escapava com bastante agilidade, mas elas viam que ele também precisava soltar muita,
muita mana para poder ser mais ágil que elas e não ser atingido pelos golpes, ainda que estes
fossem físicos. E ele já soltava muita mana para poder controlar o dragão sem parar na
cidade (que agora ia sofrer um ataque massivo dos três: Mysic, Glaz e Ranik no comando), só
que ele não sabia. E por fim, as duas uniram suas mãos de novo, tentando voltar a ser a
Quimera, percebendo que só assim teriam a vantagem contra o mago negro, verdadeiramente,
só que…

Elas não conseguiram voltar a ficarem juntas.

Pakao abriu outro sorrisinho demoníaco.

- HAHAHAHAHAHAHAHAHA!!!

- Maldito… Por que não estamos conseguindo nos fundir? - Perguntou Iluzia, mas logo
Noctana concluiu, respondendo-a por fala e mentalmente também.

- Essas perturbações mentais e sentimentais, ele não fez isso sem propósito. Tudo o que ele faz
tem um propósito. Primeiro, ele nos separou e agora, coloca essas dúvidas horríveis nas nossas
cabeças. Está se deliciando com nossa desgraça, nossa confusão… e por conta dessas
porcarias, nós não estamos conseguindo a linha de raciocínio e união necessária para ficarmos
juntas mais uma vez na forma de Quimera. - E assim que a assassina sombria de chifres e
rabo terminou de dizer, Pakao mais uma vez bateu palmas irônicas e pausadas.

- Por isso você foi minha escolhida, Noctana. Você sempre foi mais brilhante que essa
maguinha de luz imbecil.

- …! - Noctana cerrou os dentes… junto com Iluzia, as duas cerraram, as duas estavam fulas,
ainda que ele tivesse só ofendido uma delas.

Isso, a cabeça delas tinha que voltar ao lugar, elas tinham que ser um ser só mais uma vez.

Mas infelizmente, não era por isso que Noctana estava furiosa…

- VOCÊ FODEU COM A MINHA VIDA, COM MEU PASSADO, COM A MINHA FAMÍLIA,
COM A MINHA CABEÇA, SEU FILHO DA PUTA!!! - O Demônio de Mana se distanciou
ainda mais do anjo e saiu soltando mana amaldiçoada e voando para cima de Pakao, tentando
atacá-lo sem parar e sem raciocínio.

Iluzia ficou confusa, frustrada e irritada.


- Sua idiota! Não caia no que ele quer! Você mesma mandou eu me controlar e agora você não
se controla, por que isso!? - E então, fazendo uma certa força, o Anjo de Mana percebeu qual
era o problema… E não, não tinha nada a ver com o passado trágico de Noctana. Bom, não
diretamente.

“Desculpe, Glaz. Eu não amo nada nem ninguém desse jeito.”

“Isso significa que vocês não a amam de verdade. A Deusa ou Bruxa do Tempo fez vocês 3
atraírem-se uma para outra apenas para poder perpetuar corretamente a profecia. Ou vocês
realmente acharam que vocês se amavam… hahaha!”

Era isso.
Era isso que estava fodendo com a cabeça de Noctana agora.
Ela sabia que se não fosse pela profecia, ela nunca, nunca teria amado Ranik.
Na verdade, ela nunca, nunca teria amado ninguém de verdade.
E isso era uma coisa aterradora para ela.

100. ABRINDO E FECHANDO BURACOS

“Eu amo, eu amo a Madre Superiora. Ela é como uma mãe para mim.”

E a pequena garota com cara de psicopata e olhos vermelhos, com uma faca na mão, entrava
na porta da senhora, que lhe olhava de volta com uma expressão de puro horror.

- Noctana, não faça isso, querida. Por favor, coloque isso no chão, é perigoso… - E então,
quando via a garota, com uma habilidade espetacular saltar sobre a mesa do escritório, a
Madre soltava um berro de terror. - Por favor, não! Me desculpe! Me desculpe! Eu sinto muito
por ter deixado aquele senhor horrível adotar você! Eu não sei o que deu em mim… eu… eu
não confiava nele, foi como se, como se eu não tivesse tomando minhas próprias decisões!
Eu… minha boca se mexeu sozinha e minhas mãos assinaram aquele contrato, eu… eu estou
tão arrependida…

Lágrimas desciam por seus olhos.

- É por isso, não é? É por isso que você está assim… furiosa comigo?

As vestes acizentadas agora todas sujas de sangue. Sangue das outras freiras e das outras
crianças.

E então, Noctana, sem responder, sem modificar sua expressão aterrorizante, apenas começou
a esfaquear a madre, que era paraticamente sua mãe. Ela ainda tentou impedir a garota,
supostamente, era uma adulta então tinha mais força. Só que não… havia alguma coisa
errada com aquela menina naquele momento. Sua força e sua agilidade estavam acima do
normal, quase como se ela estivesse… possuída por algum demônio ou coisa do tipo.

Pois é…

E enquanto a Noctana “de fora” matava a Madre esfaqueada, fazendo seu sangue saltar para
todos os lados, inclusive para seu rosto e suas vestes, a Noctana “de dentro” ficava chocada e
horrorizada demais para conseguir suportar.
“NÃO! NÃO! PARE! NÃO… NÃO… pare por favor… por favor… a Madre não… e-eu a
amo… não… ela é uma mãe para mim… PARE! PARE! PAAAAARE! NÃOOOOO!!!”

Mas era tarde demais.

---

Noctana transformada em Demônio de Mana, mais uma vez, tentava porque tentava atacar
Pakao. Mas ainda não conseguia, era óbvio. E dessa vez, sem ilusão nem nada, aí mesmo que
ela não conseguiria nem encostar em um fio de cabelo dele.

E então, para surpresa de uma Iluzia super preocupada e nervosa com toda a situação (ela
entendia a cabeça da assassina, entendia porque ela tinha tanto ódio, e agora, tinha sido
colocada em uma posição de confusão completa… seu amor por Ranik não era real, era?)…

A mão “afiada” com mana sombria de Pakao ATRAVESSOU O DORSO de Noctana, fazendo-
a cuspir sangue e saindo por suas costas.

A maga apenas arregalou os olhos e a boca, gritando:

- NÃOOOO!!!

E tudo ficou escuro para assassina sombria mais uma vez…

---

Em uma cama em uma casa que, por sorte, não tinha sido queimada ou destroçada por algum
telhado caído. Elas já tinham limpado como podiam e lavado os lençóis. Era ali que elas
dormiam, logo depois de caçar (ou então furtar algo nas casas e lojas abandonadas ou nos
pequenos vilarejos próximos), e assim viviam. E também era ali que…

O corpo de Glaz encontrava-se debaixo do de Noctana. A pequena dormia sobre ela e ela
passava a mão em seus cabelos com um sorriso apaixonado.

“Você é tão linda… não consigo acreditar que alguém como você tenha passado pelo que passou.
Bom, eu também passei por algo do tipo, tive meus pais mortos, minha casa e cidade destruídas,
assim como você, mas… aquilo… você ter sido controlada por aquele mago negro filho da puta e
você mesma ter assassinado as pessoas que mais amava com suas próprias mãos, sem conseguir
parar ou impedir nada… isso sim, isso sim é cruel” pensava a rainha dos disfarces (que ainda
nem era).

E então, de repente, ela viu o corpo da pequena assassina contorcer-se um pouco, incomodado
com alguma coisa. Sim, era um pesadelo. Mais um daqueles. Noctana paraticamente não
dormia direito. Não tinha como. Desde o desastre, os pesadelos eram cada vez em maior
quantidade e piores, ela dizia. E era sempre o mesmo.

Glaz beijava o topo de sua cabeça e acariciava o seu rosto, até os olhos verdes abrirem-se para
ela, enquanto suor escorria de sua testa e era limpado pelo dedo macio da de rabo-de-cavalo,
que no momento, estava com as madeixas castanhas soltas.

- Outro daqueles, né, Ana?


Noctana apenas fazia “sim” com a cabeça.

- Eu queria… eu queria poder curar você disso.

- Você já faz mais que o suficiente, Glaz. - Disse a assassina, estendendo um pouco seu corpo
sobre o de Glaz para poder vê-la toda.

A amiga de infância suspirou.

E então, de repente, um som pôde ser ouvido pelas duas. Nocta foi a primeira a se levantar, e
tal qual um gato arredio já pegou suas adagas (que ela encontrou dentro de uma loja de
armas abandonada, e que por algum motivo, tornaram-se negras assim que as tocou por um
determinado tempo) e preparou-se para algum possível inimigo ou invasor.

Glaz que pareceu ter levantado com um pouco menos de vontade de se proteger, por algum
motivo, parecia até um tanto chateada.

- Hey, aprume-se com sua adaga com corrente, pode ser um inimigo!

- Quem viria numa cidade abandonada?

- Saqueadores como a gente? Eles podem querer roubar as coisas que conseguimos! - Noctana
disse, tentando ser racional. Mas Glaz apenas suspirou.

E então, as duas foram saindo de casa com cuidado pro caso de serem atacadas por outros
ladinos…

Só que enxergando lá ao longe, era uma equipe da guarda real. Os olhos verde-claros de
Noctana brilharam:

- Será uma equipe de resgate?

- Depois de tanto tempo? Devem ser guardas para nos prender por causa dos nossos saques a
cidades vizinhas… - E a assassina encarou Glaz de lado, um tanto quanto incomodada.

- Às vezes, algum dos nossos sinais chamaram a atenção deles…

- Eu duvido um pouco. - Disse Glaz, realmente não parecia ela. A mesma garota feliz e
animada de sempre. Tinha alguma coisa errada acontecendo com ela, Noctana notara.

E sabia exatamente o que era.

- Bom, ontem enquanto você estava arrumando adagas de lançamento para gente naquele
vilarejo ao leste, eu fiz outra fogueira gigante.

E quando a assassina disse isso, os olhos de Glaz arregalaram-se de surpresa e logo depois,
pareceram… irritados, magoados. Sim, a assassina tinha acertado em cheio.

- Então, era você quem estava acabando com nossos sinais para chamar por resgate?

- para que você quer um resgate, Ana!? Nós somos ladras, LADRAS! Não somos mais as
vítimas dessa catástrofe que rolou aqui em Siroce! Já não somos mais criancinhas também!
Eles vão ver que roubamos para sobreviver e vamos ser mandadas para prisão ou para forca,
sei lá! Não vamos ser levadas para um abrigo para vítimas do exército negro, nem nada do
tipo! Nós temos muito mais futuro aqui do que…!

E então, Noctana, furiosa também, a cortou. Só que sua fúria era menos barulhenta, era fria e
nervosa:

- Você quer mesmo que fiquemos vivendo juntinhas como um casalzinho para sempre em uma
cidade destruída, cujos recursos já estão escassos, e é claro, relembrando todos os dias de
como seus pais foram assassinados ou como eu mesma assassinei minha família no
orfanato…? - E aquilo doeu como pregos entrando na carne de Glaz, que apenas engoliu seco.
- O quão egoísta você é? Tanto tempo aqui… a gente já podia ter ido para bem longe, para
qualquer outro lugar. Eu teria… eu já teria me livrado dos pesadelos, vá saber?

- … - Glaz estava desolada. - Nós… não vamos mais ficar juntas se a gente sair daqui.

- …?

- Você não me ama. Você não ama ninguém, você disse. Nós não vamos mais nos ver. E… E
nunca vamos… nunca vamos mais ficar “assim”. - Glaz, provavelmente, referia-se ao
relacionamento amoroso que as duas tinham. Que apesar de Noctana ter deixado bem claro
que não era algo sério, para rainha dos disfarces era sim… era mais do que sério.

Noctana aproximou-se de Glaz (com os olhos lacrimejados) e beijou seus lábios. E logo depois,
fazendo carinho em sua face, disse com quase um sorriso doce:

- Não vou te culpar pelo que você fez, mas não tente me possuir. Eu não sou uma “coisa”.
Quem escolhe meu futuro sou eu. E bom… se um dia calhar d’eu escolher me afastar de você,
vai ser porque você mereceu, ok? - E logo depois dessas palavras tão duras e frias, Noctana foi
andando em direção ao exército real e levantou as mãos como que pedindo por clemência.

Glaz apenas ficou lá parada, paralisada, com as lágrimas escorrendo pelos olhos. Até que
enfim, uma amazona sentada num cavalo com uma grande armadura parou logo ao seu lado,
enquanto os outros “socorriam” Noctana.

- Está tudo bem, garota. Avistamos a fogueira da floresta, viemos ao seu chamado. Vocês duas
estão salvas, levaremos vocês ao nosso abrigo. - Disse a mulher guerreira, com um sorriso
amigável, ainda que Glaz continuasse ali, sem alma, chorando. - Vamos, me dê a mão, suba no
meu cavalo… Qual é seu nome?

- Glaz.

- Ok, Glaz. Me chamo Dame* Aroá. Tudo vai ficar bem, ok?

* Feminino de Sir.

101. EU VIVO NAS SOMBRAS, NAS CAVERNAS E NO MAR

Glaz estava deitada em uma cama. Haviam várias daquelas. Sim, era um abrigo para
sobreviventes de cidades imperiais que tiveram sido atacadas por membros do exército negro.
A rainha dos disfarces olhava pro teto de palha e madeira, e suspirava.

Há dias não via Noctana.

A garota que, antes, tanto queria ser resgatada, por algum motivo, tinha sumido dali e ido
procurar seu caminho solo, como Glaz já esperava que ela ia acabar fazendo. E era por isso
que o humor da rainha dos disfarces não estava mais como antes.

De repente, uma pessoa prostrou-se do seu lado. Diferente de Noctana, essa pessoa era alta.
Mais alta que Glaz. Ela devia ter quase 1,80 de altura. Seus cabelos eram loiros, ondulados.
Sua pele era bronzeada. Seus olhos eram mel. Enfim, ela não era definitivamente nada
parecida com a pequena assassina sombria.

- Huh…? - Glaz fez, sem entender o que a grandalhona queria consigo, logo consigo, mesmo
tendo tantos refugiados ali.

- Está de mau humor, é? Você está assim desde que eu te trouxe para cá com sua amiga.

- É auto-explicativo, né?

- É por causa dela? - A grandalhona sentou na ponta da cama, olhando para Glaz com um
sorriso.

Sorriso. Coisa que Glaz não dava há um bom tempo. Era irônico, porque… ela sempre fora
feliz demais, sorridente demais. Noctana mesmo disse que era isso que ela admirava nela.

- Eu imagino que seja difícil… Ela parecia querer vir pro nosso abrigo, mas por algum
motivo, se aprontou na noite e partiu. Isso tudo sem avisar ou levar você. Deve ser mesmo
doloroso. Vocês viveram um bom tempo juntas naquela cidade destruída, né?

E sem responder, Glaz apenas deu as costas a mulher, incomodada.

- Hey… Não seja assim! - Disse a amazona. Mas triste por conta da outra ter lhe ignorado,
saiu dali, deixando-a sozinha como parecia querer ficar.

Finalmente, Glaz resolveu sair da toca um pouco menos pior de humor. Encontrou-se do lado
de fora, onde ficava um centro de treinamento improvisado para os guerreiros reais que eram
encarregados de salvar refugiados de suas cidades destruídas e atacadas pelo maldito exército
negro. Dame Aroá era paraticamente a líder desse tipo de exército a mando do rei de Veligrad.

Em falar nela, ela estava ali, novamente, só que agora, treinava movimentos com sua espada e
escudo.

A pequena rainha dos disfarces (e perto dela era pequena mesmo) tinha se aproximado de si e
ficou assistindo-a treinar. Aroá abriu um sorriso para ela ao vê-la finalmente fora do casulo
depois de dias.

- Finalmente, hein? Achei que nunca veria seus belos olhos verdes pegando Sol, mal
humorada.
- … - Glaz nada disse, apenas se espreguiçou e voltou a olhar para guerreirona treinando.

Aroá finalmente parou de treinar, colocou a espada e o escudo de lado, pegou uns panos para
poder enxugar o suor, sentou-se em um toco de madeira e chamou Glaz para sentar-se
consigo. A garota topou.

As duas estavam lado a lado, e mais uma vez, conversavam.

- Você deve ser forte, né? - Glaz perguntou, curiosa. Nunca tinha visto uma guarda real
(guerreira) de perto antes, para dizer a verdade. Siroce não recebia nem uma leve piscada do
rei de Veligrad, embora pertencesse ao império.

Explica um bocado porque foram atacados tão cruelmente.

Ao menos o rei se preocupava em salvar os sobreviventes.

Aroá não tinha culpa disso também.

- Por que? Quer ver meus músculos? - Perguntou a guarda, fazendo Glaz corar e virar a cara,
meio incomodada. Aroá riu. - Estou brincando, bobona.

- Não devia dar em cima de mim, você é mais velha.

- Eu sou mais velha uns 5 anos. Mas você não deixa de ser adulta mesmo assim, então não tem
problema.

Glaz encarou-a surpresa.

- Então está MESMO dando em cima de mim!?

- Hahaha… - Aroá apenas enxugou melhor o rosto molhado de suor e levantou-se.

- Hey, vai para onde?

- Não quer se afastar de mim, é?

- Você é a única pessoa que eu conheço nesse lugar. Noctana me deixou… - Glaz disse,
amuando novamente de tristeza.

- Tem razão… - Aroá fez uma cara meio triste também só de ver a carinha da rainha dos
disfarces, e então, sorriu de novo. - Me segue, quero te mostrar uma coisa legal!

- Hmmm… Ok.

Logo próximo do local do abrigo, havia uma espécie de caverna. Na verdade, estava mais para
um túnel. Um túnel que levava EXATAMENTE para baixo do abrigo. Sim, embaixo da terra.
E não era só isso, haviam grades e algemas ali. Glaz tremeu nas bases só de pensar no que
Aroá queria com ela num lugar daqueles, porém…

Lá no fundo, havia uma sala bem grande, onde várias coisas interessantes podiam ser
encontradas. Armas interessantes (espadas em maior quantidade), vestimentas variadas
antigas (talvez de sobreviventes ou de mortos, vá saber), um crânio de Orc (sério mesmo?), e
enfim, mais um monte de bugigangas.

- Que raios é isso? Depósito de lixo? - Glaz implicou. De mau humor, aprendeu bem com
Nocta a ser implicante.

- Não fale assim dos meus tesouros! Hahaha! - Aroá disse, e então, pegou entre as espadas uma
em específico, muito bonita, de parata. - Olhe isso! É um artefato raro!

- Hmmm… Bonita. Mas não entendi qual o propósito.

- Ela serve para caçar seres demoníacos que só morrem em contato com a parata… tipo
lobisomens e etc.

- Não foi isso que eu perguntei. Eu não entendi o propósito de você me trazer aqui. Isso aqui
mais parece um calabouço abandonado. - Glaz disse, e então, começou a mexer nos “lixos”.

- E é mesmo… - Aroá sorriu, quando a rainha dos disfarces (que ainda não era isso) olhou
para ela com uma cara meio… incomodada, como se a outra fosse louca. - Eu te trouxe aqui,
porque é aqui que guardo meus tesouros de combates por onde passei. Apesar da minha pouca
idade, eu já enfrentei incríveis perigos, viajei o Allas inteiro em missões, enfrentei os mais
variados inimigos, e em cada lugar que estive, fiz questão de trazer algum item que me
lembrasse da situação. Daí vem isso aqui… Eu achei que seria bacana compartilhar um
segredo, na verdade, algo especial meu contigo, afinal, você disse que eu era a única
companhia que você tinha desde que sua amiga foi embora, né?

- … - Glaz continuava mexendo nas coisas. Parou por um instante e apontou pro crânio do
Orc, que chamava bastante atenção. - O que raios é…?

- Eu o derrotei. Foi um dos inimigos mais cruéis e poderosos que eu já tinha enfrentado,
inclusive. Achei importante guardar algo para me lembrar dele.

- Você sabe que você é acumuladora compulsiva, né?

- Hah! - Aroá começou a rir da cara de Glaz, que apenas suspirou.

E então, a pequena refugiada pegou algumas peças das várias vestimentas velhas e
empoeiradas que ali haviam, e vestiu-as sobre suas roupas normais. A guerreira apena ficou
olhando-a curiosa. E logo assim que Glaz vestiu-as, virou-se para guerreira, fazendo poses
engraçadas.

- Você ficou bem com essas roupas… embora o defunto tivesse sido bem mais gordo! Hahaha!

- Falta enchimento! - Disse Glaz, e logo depois, começou a pegar outras roupas e colocá-las
dentro de sua “fantasia”.

A guerreirona correu para ajudá-la. Começou a pegar outras vestes e enfiar dentro das
roupas “emprestadas” de Glaz. As duas ficaram enchendo a roupa, enquanto riam e
brincavam (sim, Glaz voltou a sorrir e rir), até que Aroá tropeçou e caiu por cima de Glaz,
que caiu por cima do monte de roupas. Era confortável até, apesar do cheiro de mofo e da
poeira.
As duas ainda riam.

- Que bom… Eu estava querendo tanto ver como era seu sorriso. Não me arrependi. - Disse a
guerreira, com um sorriso doce na face.

Glaz ficou completamente vermelha.

- Eu acho que é isso que eu quero fazer. - Disse ela, e Aroá não entendeu sobre o que dizia.
Glaz explicou. - Quero ser do tipo que se “disfarça” de outras pessoas. Qual a graça de viver
uma vida só? Quero viver várias vidas, ser vários seres diferentes. Conhecer… várias coisas e
lugares, igual você.

- E quantas pessoas você beijou na vida? - Perguntou a guerreira, fazendo Glaz apenas corar
mais.

- Apenas… apenas… uma. - Disse a rainha dos disfarces, finalmente decidindo ser uma.

Aroá deu outro sorriso apaixonado, e logo depois, tocou os lábios de Glaz num beijo carinhoso
e demorado, para assim que deixou-lhe, dizer:

- Agora são duas.

102. ACERTANDO OS PONTOS

Período atual. Veligrad.

Ranik, Mysic e Glaz preparavam-se para enfrentar finalmente o dragãozão de energia negra
criado por Pakao, agora sabendo onde eram os três núcleos para derrotar-lhe. Um ficava na
cabeça, entre os olhos e esse era da guerreirona armadurada. O outro ficava na altura do
coração, no dorso e esse era de Glaz e sua adaga com corrente. E o último ficava na ponta da
cauda, mas o Sirzão de Veligrad encarregaria-se disso.

Mysic encheu seu corpo todo, inclusive sua espadona, com sua mana (assim como tinha
ensinado a guerreirona a fazer). E logo depois, guiou seus guardas para atirarem com a
catapulta e distrair o lagarto gigante. Correu até a parte de trás do corpo do bicho.
Infelizmente, seu rabo estava pendurado na muralha, então, teria que dar um impulso e pular
para poder alcançá-lo. E assim ele fez, finalmente alcançando a cauda. Quando ia atingi-la
com a lâmina da espada coberta de energia, tomou um golpe fortíssimo da mesma, que
mandou-lhe para longe. Pelo visto, o dragão já tinha alguma noção de onde deveria proteger
em seu corpo.

Já Glaz foi mais feliz. Ela saiu correndo como pôde por entre os guardas lutando, os tiros de
catapulta, os assopros flamejantes do bichão… Bem, ela era bem ágil paraticamente no
mesmo nível que Noctana (destransformada, claro), então, esquivar-se daquilo tudo não era
tão difícil. E por fim, ela lançou sua adaga com corrente já energizada com a mana vermelha
de Ranik, para finalmente alcançar certinho o objetivo, o coração do dragão. A lâmina da
arma da rainha dos disfarces conseguiu adentrar a carapaça dura do bicho e atingir o
objetivo em cheio, destruindo um dos núcleos. O bichão urrou como se sentisse dor (ou ao
menos, reconhecesse que já estava sendo derrotado).
Enquanto isso, Mysic levantava-se de novo. Não tinha apanhado tanto assim por conta da
defesa de mana que rodeava todo seu corpo. Que bom que ele tinha feito “tipo Ranik” e usado
logo a defesa e o ataque juntos, senão, aquele golpe surpresa da caudona do dragão teria
acabado com sua raça. Ainda mais que ele estava fraco de ter acabado de despertar no
hospital-curandeiro de Velejo.

Logo depois de se levantar, pediu as catapultas para fazerem seu serviço mais uma vez, só que
agora, no lado oposto onde ele estava. Foi um movimento inteligente, porque obrigou o dragão
a virar-se para se defender (ou atacar os agressores). E isso deixou sua cauda livre, que
finalmente, virou-se no chão para o homenzarrão de armadura de aço de Veligrad. Ele só
saltou e cravou sua espadona gigante com força no rabo do dragão, que mais uma vez rugiu
altíssimo, reclamando do segundo núcleo destruído com sucesso.

Ranik mais uma vez quase voou com aquela pressão de mana que ela conseguia soltar por
seus pés e saltar tão, tão alto, que sim, ela alcançou mais uma vez a face do dragão. Golpeou-o
algumas vezes para que ele virasse sua facezona para ela, mas ele continuava cuspindo fogo
em tudo e reclamando dos núcleos destruídos. Então, para chamar-lhe a atenção mesmo, ela
acabou fincando a espada erroneamente (daquela posição onde estava, era o que dava para
fazer) em um de seus olhos. E mais uma vez, ele grunhiu de ódio e para completar, fez algo
que os dois que estavam lá embaixo não previam…

Ele tentou devorar Ranik.

Segurando a parte de cima e de baixo da mandíbula do dragão, ainda com o corpo todo
coberto em mana vermelha, Ranik tentava não ser engolida. Porque, mesmo que os dentes não
conseguissem machucá-la por causa da defesa… bom, não seria uma coisa muito agradável ir
pro estômago de um enorme dragão.

- Ranik! - Mysic gritou preocupado, mas a grandalhona continuava fazendo força e força,
suando e suando, para poder segurar aquela bocarra enorme.

---

- Qual o nome dessa cidade?

- Velejo. É conhecida como a segunda maior cidade depois de Veligrad. E diferente de lá, aqui
quem manda é um Conde. Apesar de quê, esse Conde tem conchavo com o Rei, então, é tudo
do mesmo império.

- Ah… - Glaz olhava interessada ao redor. Nunca tinha visto uma cidade como aquela. Era
muito… evoluída.

As grandes construções soltando fumaça. O chão de metal. Trilhos…? Enfim, elas passavam
por vários lugares e ela reparava no quanto era populosa também. Mas tinha muita distinção
social. Dava para ver mendigos jogados pelos cantos, criancinhas correndo para lá e para cá
tentando arrecadar alguma peça de ouro. Enfim…

Era engraçado como uma cidade evoluída poderia ser tão arcaica nesse sentido, ela reparou.

- Siroce era mais bonita. Digo, antes de estar toda destruída. - Glaz disse para Aroá. Sim, as
duas viajavam juntas.
Era quase como se a guerreira resgatadora tivesse tirado uma folga de seu trabalho, e
resolvido mostrar alguns lugares interessantes do Allas para a sua resgatada.

- Não discordo de você sobre beleza. Velejo é mesmo meio cobre-sujo. Mas ainda sim, eles são
bastante evoluídos… criaram máquinas, serviços industriais e eles têm até uma máquina que
se locomove sobre trilhos!

- Hmmmm… - E então, Glaz reparou em uma coisa que lhe chamou atenção.

Nas vielas da cidade, uma sombra passeava. E logo depois, a mesma sombra pegava uma
sacolinha de pano do cinto de uma senhora logo ali (sim, furtando-a) e sumindo mais uma vez
no bequinho. A rainha dos disfarces deu um tapinha no braço de Aroá, avisando:

- JÁ VOLTO!

- Ahn? - A guerreirona não entendeu nada.

Glaz já estava perseguindo a figura sombria pelos becos de Velejo há um tempo. Até que,
finalmente, a viu sumir em um corredor. Ficou muito bolada, porque achou que finalmente
tinha pego o ladrão ou a ladra, enfim… Afinal, estava em um beco sem saída.

Isso, beco sem saída! Essa pessoa só poderia estar ali ainda, só que em algum lugar… A garota
olhou para todos os lados, até reparar uma enorme tampa do que parecia ser ferro no chão. O
que era aquilo? Ela mexeu e, apesar de ser pesado, conseguiu tirar do caminho. O caminho
para um buraco com escada. para onde aquilo levava? Oh, claro, pros esgotos, mas… tinha
mais alguma coisa, ela podia sentir. Provavelmente fora ali que a pessoa tinha sumido.

Glaz adentrou e começou a descer pelas escadas. O cheiro forte subiu suas narinas e depois ela
tapou com a mão, assim que alcançou um chão para seus pés pisarem. Foi andando pelos
cantos, afinal, o meio era de água suja. E finalmente, encontrou outro túnel. Entrou no mesmo
e foi andando, andando, andando… até dar numa porta. Como assim uma porta dentro do
esgoto? Glaz não pensou nem duas vezes, ela abriu.

E assim que abriu, surgiu em uma taverna. Isso mesmo, uma taverna. Com várias pessoas lá,
inclusive. Todos bem mal encarados. Com certeza, a sombra era um deles. Rapidamente, o
dono do bar lhe encarou com curiosidade… Era um homem de pele muito clara e cabelos
pretos chupados para trás e cavanhaque. Mas Glaz cagou e andou para ele, porque a figura
que lhe interessava estava bem ali.

Sim, Noctana encontrava-se usando vestes de ladina (bem bonitas aliás), sentada na frente do
balcão, tomando alguma coisa em uma caneca (Picada de Naja, Glaz descobriu depois).

A rainha dos disfarces correu até sua antiga amiga de “desastre” e sentou-se ao seu lado. Os
olhos verde-claros de Noctana encararam-na de lado. para se ter uma noção, ela usava capuz
e máscara, mas mesmo assim, foi reconhecida pela outra.

- N-noc… Ana. - Chamou Glaz, finalmente (depois de um bom tempo) podendo usar seu
apelido favorito. - Até que enfim eu te encontrei.

Noctana apenas suspirou.


---

Ranik resolveu fazer uma doideira. Energizou ainda mais seu corpo, principalmente seus
punhos, e então, mudou a posição de suas mãos (que neste instante estavam abertas tentando
impedir que a mandíbula do bicho se fechasse), juntando os dedos para ficar “pontudo”. E
logo depois, forçou e forçou e…

Penetrou o céu da boca do bicho com as duas mãos. O dragão gritou de novo e começou a
sacolejar. Foi a chance da guerreirona saltar para fora de sua boca. E não só isso, ela fez uma
loucura de apoiar-se em uma catapulta, tomar um impulso na mesma e voltar para cima dele.
E finalmente, finalmente…

Cravar a espadona bem no meio de seus olhos.

Nessa hora, o dragão deu o último urro e explodiu-se em milhares de pedacinhos de mana
sombria. Sim, parecia que estava chovendo.

Ranik finalmente caiu agachada no chão e já destransformando sua mana. Glaz e Mysic logo
correram para perto dela.

- Você está bem? Quase virou ração de dragão, hein! Hehehe! - A rainha dos disfarces já
brincou, com aquele seu jeito animadinho.

- Né? Mas por sorte, pensei em alguma coisa… - E então, Ranik enxergou a face orgulhosa de
si de Mysic. E ela sorriu de volta pro seu “padrasto”.

---

A assassina sombria abriu os olhos… estava em um lugar todo branco. Não dava para
discernir o chão do teto, não tinha paredes ou separações, era quase como se estivesse
flutuando ali. E não só isso, suas roupas eram totalmente brancas… Ela encarou as próprias
mãos, confusa. Fechou-as, abriu-as, piscou algumas vezes, e então, pensou alto:

- Estou morta…?

- Ainda não. - E quando ouviu a voz atrás de si e olhou, era uma mulher.

Mas não era uma mulher normal. Ela tinha seis asas. E seu corpo era todo branco e emanava
uma forte luz. Quase cegava Noctana com aquela iluminação toda.

- Quem é você? O que estou fazendo aqui? Eu achei… eu achei que tinha morrido… - Disse a
assassina, colocando a mão na própria cabeça e olhando pros seus pés. Eles estavam ainda
descalço.

- Você deve retornar. Há alguém que compreende você. Compreende cada problema que você
passa. Alguém que se importa. Que pode te ajudar a ser… uma só novamente.

- …? - Noctana abriu a boca para perguntar mais alguma coisa, só que a luz que a mulher
emanou agora não só cobriu todas suas vistas, como também…

Fez ela acordar no mundo real de novo.


103. PESADELO SEM FIM

Noctana deu uma puxada de ar para dentro com a boca que fez um barulho bizarro como se
ela tivesse anos sem respirar. Naquele momento, por algum motivo, Iluzia correu (mais
apropriadamente, flutuou) até a outra e a abraçou, no susto.

- Você tá bem!? Você tá viva ainda!? Como isso é possível!? Tem um buraco enorme na sua
barriga! Eu tô sentindo a dor por você e é paraticamente insuportável! - Disse a maga de luz
com lágrimas nos olhos.

Pakao torceu a face emputecido. Por dois motivos: Tinha acabado de sentir (e ver também,
com sua super visão de mana) que seu dragãozão atacando Veligrad tinha se partido em
zilhares de pedacinhos iluminados de mana negra, e também, porque ele esperava que
finalmente, finalmente, tinha matado sua “filha de consideração”.

Mas ela estava ali, de olhos abertos. Não tinha nenhuma explicação lógica para ela estar viva,
mas aparentemente, ela estava.

- Vamos… fusionar… de… novo… - Disse Noctana, com uma dificuldade absurda. Seus olhos
com as íris completamente dilatadas, como se ela não estivesse “ali” ainda.

- Certo! - Disse Iluzia, apesar das duas já terem tentado anteriormente e terem falhado.

- Vocês não entenderam ainda, queridinhas!? Vocês não vão conseguir fusionar de novo,
porque suas mentes não estão conectadas da maneira certa, da maneira que a Quimera exige
que esteja! - Disse o mago negro, furioso, pronto para atacá-las de surpresa pelas costas,
porém…

Uma luz brilhou no corpo das duas e ele, incrédulo, enxergou o corpo delas tornando-se só um
mais uma vez.

E como já era de esperar…

Iluzia e Noctana, mais uma vez, voltaram a ser a Quimera de Mana. E não só isso, o buraco
na barriga havia sumido de vez, como que por milagre.

- N-não pode ser! I-isso não existe, não é possível!

- Ué, Pakao… Não foi você mesmo que disse que nós somos a criação de um deus ou coisa
parecida? - Zombou a voz em uníssono das duas, rindo sarcasticamente da cara do inimigo,
horrorizado.

- Ah, mas isso não vai ficar assim…! Nossa brincadeira ainda não terminou! Eu vou… eu vou
separá-las de novo, vou implantar a dúvida na mente de vocês, eu vou… EU VOU MOSTRÁ-
LAS QUE VOCÊS NÃO PODEM FICAR JUNTAS JAMAIS!!! - E então, ele estendeu as
mãos, e toda a energia que antes era usada para controlar o dragão, agora estava ali, livre
consigo.

Ele começou a fazer uma esfera de sombras (sim, como a anterior), mas o tamanho era tão
gigantesco, tão gigantesco, que até Ranik, Mysic e Glaz (além dos guardas de Veligrad e as
pessoas refugiadas) conseguiram ver dali.

A esfera era ainda maior que o dragão. Sim, provavelmente até vilarejos e cidades próximos
enxergaram aquilo.

O sorriso doentio e assustador de boca arreganhada de Pakao era ainda mais inumano. Ele
estava furioso, FURIOSO!

Quimera nem mesmo se moveu, apenas ficou olhando o inimigo aumentando e aumentando
aquela energia.

- AGORA, VOCÊS ESTÃO FODIDAS NA MINHA MÃO! EU VOU FAZER VOCÊS


ENTRAREM NUM COMA PROFUNDO para SEMPRE, PERDIDAS EM SEUS
PESADELOS MAIS ASSUSTADORES, SUAS MALDITAS!!!

- … - Quimera continuou parada, apenas olhando e olhando.

A esfera, finalmente, gigantesca, foi lançada para cima do ser neutro, que estendeu a mão com
mana (o que parecia ser bem pouca mana, para dizer a verdade).

- HAHAHA! COMO SE UMA MANAZINHA TÃO FRACA FOSSE CONSEGUIR PARAR!


VOCÊ JÁ VIU QUE ESSA ESFERA NÃO PODE SER PARADA POR ESCUDOS DE MANA
COMUNS! JÁ VIU QUE ELA É ABSORVIDA PELO PODER! NÃO TEM COMO
VOCÊS…!

E então, o poder do inimigo parou no ar, flutuando.

Sim, aquela esfera gigantesca parou no ar, do nada… diante da mão de Quimera.

A expressão de Pakao era indescritível. Ele parecia ter perdido a alma na hora.

E logo depois, só viu Quimera assoparando a grande magia sombria… sim, assoparando.

E a magia voltou-se na hora contra seu criador, Pakao.

- N-não… não… NÃOOOOOOOOOOOOOOOO!!!!!!

Aquele monte de energia negra fora absorvida de volta pelo dorso do mago negro sem que ele
tivesse chance de desfazer o golpe (talvez porque estivesse tão seguro de que o mesmo
funcionaria).

- COMO…? COMO??!?! COMO VOCÊS FIZERAM ISSO!? NA VEZ ANTERIOR, NA VEZ


ANTERIOR, TOMARAM MEU GOLPE! C-COMO…!? - Gritava ele, enquanto seu corpo
absorvia toda a energia negra.

- Simples. Essa é uma magia psicológica simples. Nós não somos mais uma existência simples.
Nós não somos nem mesmo mais uma existência. Nós somos… “um conceito”. - Disseram elas,
brincando com as palavras de Pakao sobre Absolutan anteriormente.

- AAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHH!!! - E o corpo dele brilhou em energia


sombria, quase virando uma bomba viva.
Até que…

Ele apagou.

Num coma profundo auto-induzido ao mundo dos pesadelos sem fim.

---

O garotinho andava pela casa de madrugada…

As lamparinas e velas todas apagadas, tudo escuro.

Livros velhos e empoeirados sobre a mesa.

Duas pessoas roncando no quarto. Um pai e uma mãe.

O garotinho pega uma caixa de coisas importantes de sua mãe, coisas de magia. Sim, sua mãe
era bruxa. E abre.

Dentro da caixa, um athame (*adaga para rituais).

Ele pega o athame, acende algumas velas escuras e começa a invocar alguma coisa.

O garoto sabe das coisas, leu nos livros de sua mãe, quis fazer comunhão com os demônios do
além, ele queria poder. Sim, era uma criança nesse nível.

Nunca foi um anjinho…

Sacrificou animais inocentes para tentar invocar aqueles demônios, mas não foi o suficiente.

Ele tinha que sacrificar algo mais… mais importante.

Ele foi andando até o quarto dos pais e então, fez um pentagrama de carvão ao redor da cama
dos dois. Tudo sem fazer barulho para que não despertassem.

E logo depois, parou do lado do pai.

Disse mais algumas palavras em outra língua e então…

Fincou a adaga em seu peito, várias vezes.

O pai tentou reagir, mas estava sufocado pelo próprio sangue.

A mãe não acordou, por sorte, mesmo com a movimentação. Seu sono era pesado, ele sabia.
Por conta das poções para dormir misturadas com bebida.

Por isso o matou primeiro, para que ele não acordasse quando matasse ela.

O primeiro sacrifício foi feito… seu pai jazia sobre a cama, os olhos revirados, a língua para
fora de tanto fazer esforço para respirar, sangue saindo pela boca e manchando todos os
lençóis limpos.
O rapaz foi andando até o outro lado.

Sua mãe…

Ele até que sentia algo por ela. Amor? Não.

Simpatia, no máximo.

É, era isso. Nunca sentira absolutamente nada por ninguém. Não ao menos algo que não fosse
o parazer mórbido de ver outro ser sofrer. Sabia que era doente, sabia disso…

E amava isso e apenas isso.

Fincou a adaga no peito da mãe.

Só que diferente da história real a ser vivida…

Ela abriu os olhos completamente negros com íris brancas. E então, abriu um sorriso
demoníaco que lhe deixou assustado, e logo, pulou em cima do seu corpo com as mãos em seu
pescoço, tirando-lhe o ar.

- HAHAHA! SEU FILHINHO ENDEMONIADO! EU VOU ACABAR COM SUA RAÇA!


HAHAHA! ISSO É O QUE GANHA POR SER TÃO MALCRIADO! ACHA QUE OS
ESPÍRITOS VÃO QUERER ALGO COM VOCÊ!? NUNCA! NUNCA! VOCÊ É UM
FRACO, FRACO! VOCÊ MERECE MORRER IGUAL SEU PAI, VOCÊ MERECE FICAR
NO ESCURO, para SEMPRE! SEU IMPRESTÁVEL!!!

E ele sentia o ar escapar pelos seus pulmões, enquanto sua mãe lhe sufocava. O athame caído
ao lado do corpo dos dois, digladiando no solo. E então, seus olhos se fechavam…

E ele acordava assustado na cama como um pesadelo.

- Ah… Foi só um sonho idiota. - Dizia o garotinho, e então, com um sorriso maligno aberto em
meio ao breu, ele falava. - Bem, vamos começar o ritual…

E novamente, levantava-se e ia andando pela casa, procurando a caixa de itens de bruxaria da


sua mãe, para poder pegar de novo aquele athame, para fazer o sacrifício de novo…

E de novo tinha o mesmo fim.

Mas ele acordava na cama de novo…

E isso tudo repetia-se de novo, e de novo, e de novo, e de novo, e de novo… sem parar num
ciclo sem fim.

104. RECONSTRUINDO SONHOS

- Ele vai ficar assim para sempre? - Perguntou Ranik, em choque, olhando para Pakao, ali,
paralisado no ar, num coma profundo de pesadelos sem fim.

Estavam todos na florestona de Veligrad.


- Com sorte, sim. - Disse Iluzia, rindo.

- E se ele acordar? - Perguntou Zel, meio chocada.

- A gente chuta a bunda dele de novo. - Disse Noctana, apoiando-se em Glaz. Sentia-se fraca,
mas sua barriga já tinha se fechado. Sim, o ferimento bizarro tinha sido totalmente curado.

Foi como se seu corpo absorvesse toda sua mana (transformada) para fazê-lo. Tal qual Iluzia
fez com sua perna, só que bem mais “hardcore”.

- Bem, então, as coisas voltaram ao normal, né? Eu vou voltar para minha posição na guarda
de Veligrad! Apesar de quê… sempre que quiser, haverá uma posição disponível para você lá,
né, Ranik? Você foi uma ótima capitã! - Disse Mysic, dando uns tapinhas nas costas da
guerreira, que abriu um sorriso sem jeito, e coçou a parte de trás da cabeça.

- Vocês não tão esquecendo de nada, não? - A maga de luz logo acabou com a felicidade geral
da nação. - O inimigo real ainda não foi destruído, ok? O xamã ainda está por aí, em algum
lugar! Precisamos acabar com ele, principalmente, por ele ter aquele demônio… o tal do
Razaranje!

- Bem, eu não estou nem aí pro Xamã. Meu dever não era salvar o Allas, meu dever era obter
minha vingança. - Disse a assassina, tocando um dane-se.

Iluzia chegou perto dela com uma cara de incômodo e então…

Deu uma dedadinha na barriga da assassina (sim, onde tinha sido perfurado).

- EI!!! - Noctana quase soltou fogo pelas ventas, igual o dragão que atacou Veligrad.

- para derrotar o Xamã eu preciso da Quimera. para me transformar na Quimera eu preciso


de você. Não seja tão egoísta, ok? Eu salvei sua vida. - Disse a maga de luz loira, emburrada.

- Você? Não. Quem salvou minha vida foi Absolutan. - E quando Iluzia ouviu isso, ela ficou
meio em choque, mas resolveu mudar de assunto.

- Se você deixar o Allas ser destruído, não vamos mais existir. Inclusive, seu amorzinho aqui…
- E empurrou a guerreirona à frente, que ficou sem jeito e coçou a parte de trás da cabeça de
novo.

Mas Noctana não fez uma cara feliz.

- Preciso de um tempo para pensar sobre isso. - E então, virou-se e saiu. Glaz foi junto consigo
lhe apoiando.

Ficaram parados lá: Ranik, Iluzia e Zel. Sim, Mysic já tinha ido para se encarregar do
exército real também.

- Ela está fula assim comigo porque ela descobriu que eu era do exército do dragão negro? - E
então, Ranik tapou a boca de repente, com medo de ter falado demais. Mas Iluzia soltou um
“tsc”.
- Eu já sei de tudo, sua idiota. Se ela sabia, eu li na mente dela. Mas eu toquei um foda-se,
porque isso era meio óbvio… Vai dizer que você achava mesmo que eu não sabia que alguma
mutreta você tinha para poder tá lá, exatamente naquele local e naquele momento, no dia em
que nos conhecemos? Báh… - Iluzia sacudiu a cabeça em negação, mas logo depois admitiu
para si mesma. - Pior que eu acho que não é por esse motivo.

- …! - Ranik encarou a maga de luz de lado, bem bestificada. - Pera… Então pelo que que é?

- Bem… - Iluzia disse isso, andando e indo embora como se não tivesse nenhuma importância
(e empurrando a cadeira de Zel também), em direção a sua casa de árvore para, finalmente,
descansar. - É que descobrimos que nós três fazemos parte de uma profecia, então, é só por
isso que eu e Noctana nos apaixonamos por você, e não porque a gente te amava de verdade.

- …! - Ranik ficou um tempo lá, vendo Iluzia partindo. Até que a ficha finalmente caiu. -
QUÊ?!!?

---

Noctana finalmente jogava seu corpo na cama de uma pensão em Veligrad. Como elas
conseguiram dinheiro? Simples, roubando. Uai, eram duas ladinas, né? Ah sim, Glaz estava
com ela.

- Isso foi tudo muito louco, né?

- Nem imagina o quanto… você ainda pegou a parte “light”.

- Ana, qual é a parte “hard”, então?

- A parte “hard”…? - Noctana virou-se para a parede, para deixar de encarar Glaz.

- Quando algo te incomoda, você resolve até mesmo não pensar nisso. É um pouco… imaturo.
- E quando Glaz falou isso, Noctana virou-se de novo para ela, parecendo fula da vida.

- Imaturo!? para começo de conversa, Glaz, isso nem te diz respeito!

- … - A rainha dos disfarces suspirou. - Nada sobre você me diz respeito, não é mesmo?

- … - A assassina apenas piscou algumas vezes. - Desculpe, eu não tenho sido uma pessoa
agradável com você.

- É engraçado você dizer isso agora, porque… você não tem sido uma pessoa agradável
comigo 80% da nossa vida toda. - E quando a rainha dos disfarces disse isso, Nocta arregalou
os olhos, e logo depois, sentou-se na cama abaixando a cabeça.

- Sinto muito.

- Certo. - Elas ficaram em silêncio, até que Glaz admitiu. - Mas parte da culpa é minha.

- …?

- Essa minha obsessão por você. Isso me fez fechar os olhos para tudo ao meu redor, e seguir
apenas você, sendo que você claramente não tinha os mesmos desejos e sentimentos que eu. Eu
fui… imatura também.

- Claramente. - Disse a assassina, com aquele seu jeitinho “agradável” que não mudava. Glaz
apenas riu.

- Ana sendo Ana. - E então, ela sentou-se ao lado da assassina na cama da pensão. - Sou sua
amiga antes de tudo. Me conte o que aconteceu com vocês duas e Pakao naquela floresta, por
favor. Eu quero entender o que está assolando sua mente e deixando-a tão infeliz assim. Ainda
que… ainda que eu não tenha nada a ver com isso, ou mesmo que eu não possa fazer nada
para resolver.

- … - Noctana suspirou fundo, e disse. - Ok.

E logo depois disso, ela contou tudo… sobre a transformação em Quimera, sobre a luta em
questão, sobre o envolvimento de Pakao e de seu passado, sobre a magia das sombras, a visão
que as duas tiveram revelando o passado de Ranik com sua mãe Latica, e finalmente, contou a
respeito da profecia, e sobre como seu amor pela guerreira poderia ser apenas uma ilusão
necessária criada pela própria profecia, para que a mesma pudesse acontecer com a união das
três em um mesmo destino.

- Uou. - Glaz piscou algumas vezes, chocada. - Muita informação em pouco tempo.

- Eu disse…

- Mas eu compreendo. - Mas quando a rainha dos disfarces disse isso, a assassina apenas fez
uma cara esquisita. - Digo, eu entendi o que você me passou. E eu acho que eu consigo… fazer
as coisas encaixarem-se agora. Tipo… Você sempre me disse que o motivo pelo qual não me
amava da mesma forma que eu te amo, era porque seus sentimentos foram totalmente
trancafiados em um baú dentro da sua alma, desde que você… desde que o Pakao te forçou a
fazer aquelas coisas horríveis. E bom, faz sentido, você realmente virou outra pessoa desde
aquilo, e eu não te culpo, ninguém te culpa. Só que aí… de repente… você se apaixonou tão
rápido e tão fácil pela Ranik. Eu fiquei até…

- Eu sei, isso deve ter deixado você triste.

- Triste!? Não! Eu fiquei com ódio! Com raiva mesmo! - E quando Glaz finalmente revelou
isso, Noctana olhou para ela impressionada. A garota abriu um sorriso triste. - Haha… Tantos
anos ao seu lado, fazendo de tudo por você, dando a vida por você, e no final, você se apaixona
por uma guerreira que do nada conheceu em uma missão nas docas. Foi bem triste para
mim… mas eu compreendi. Bom, eu tentei aceitar. Não havia nada a ser feito. Não dá para
mandar no coração. Nem no nosso, muito menos no dos outros. E você é livre para amar e se
relacionar com quem quiser, mas… Pelo visto, nem esse seu amor pela Ranik era real, então?

- É…

- Não sei nem o que sentir, nem o que pensar sobre isso. Na verdade, honestamente, estou fula
de novo. - Disse Glaz, e começou a chorar. Noctana a abraçou docemente. - E sua vingança…?
Isso te satisfez como você achou que fosse?

- Não. Mas isso não importa. Era necessário. - Confessou a assassina sombria, suspirando.

- E agora…?
- Eu não sei. Não sei se consigo olhar para Ranik da mesma forma. Pakao foi derrotado, mas
ele teve o que quis… ele conseguiu “implantar” essa desgraça na minha mente e acabar com a
minha felicidade de amar alguém de novo. - Disse Noctana, desesperançosa.

Mas então, Glaz encarou seus olhos verde-claros com os seus verde-escuros, e disse:

- Que se foda a profecia, Noctana. - Disse, surpreendendo Noctana. - Sabendo ou não disso,
você continua amando Ranik da mesma forma, não é mesmo?

- … - A assassina fechou os olhos, e então, fez “sim” com a cabeça.

- Então fique com ela. Ela também te ama, seja por conta de profecia ou não. Iluzia e ela não
têm mais nada. O caminho está livre. Não deixe que Pakao coloque uma parede de dúvidas
sobre o caminho. Destrua essa parede, atravesse isso e seja feliz, não importando os motivos. -
Disse Glaz, com decisão e seriedade. Noctana sorriu docemente para ela.

- E você?

- Eu…? - A rainha dos disfarces piscou os olhos algumas vezes. - Eu posso fazer amor com
você uma última vez?

Noctana fez “sim” com a cabeça. Então, as duas deitaram juntas na cama…

105. O LIMITE DO paraZER

Salpico beijos em sua pele escura. Beijo todo o seu corpo e sinto o seu cheiro, tento guardá-lo em
minha mente, já que não vamos ter essa oportunidade novamente. O seu gosto… tudo o que
completa você. Acaricio e faço você ter orgasmos como nunca antes (ou como nunca depois, eu
espero também). Quero ser mais que o bastante. Quero ser tudo. Quero poder te convencer do
contrário, mesmo sabendo que não vou conseguir te convencer do contrário… e isso é uma pena.
É uma pena mesmo.

---

Ranik estava com Mysic na área de treino para guerreiros reais de Veligrad. Os dois
conversavam sobre as últimas coisas que se sucederam:

- É… Pakao foi derrotado. - Disse o Sirzão, em todos eles havia aquela estranha sensação de
“algo faltando”. Sim, era óbvio, ainda faltava o Xamã, mas não era por isso a sensação.

- Ele, meu pai, sua irmã, o tio de Iluzia… tanta coisa aconteceu desde então.

- E o projeto de vocês… Como era o nome?

- Arma purificadora de mana. - Ranik coçou a parte de trás da cabeça. - Nem sei mais como
está a evolução disso. Conseguimos a grana o suficiente, disse Iluzia. Mas mesmo assim, ela
não tem me mantido mais informada sobre as coisas agora que ela está… erm… com aquela
elfa negra na casa árvore dela.

- Ciúmes? Hehehe. - Mysic implicou com a “filha de consideração”.


- Não é isso… Erm… Não é SÓ isso. - A guerreirona suspirou de frustração. - Iluzia e eu, antes
de tudo, somos amigas. Mas pelo visto, sua nova vida… erm… amorosa, não está permitindo
que a gente se veja ou fale tanto quanto antigamente.

- Hehehe. Então, por que não passa um tempo com a sua namorada também?

- Erm… Você não estava lá na hora, estava? - Ranik suspirou mais uma vez. - Noctana quer
um “tempo” para pensar.

- Eita, vocês mal começaram e já tão dando um tempo? Ah, esses jovens de hoje em dia… - O
Sirzão disse, rindo da cara de uma Ranik frustrada.

- Melhor sair com o marido dos outros em meio a uma guerra, né? Hehehe! - E quando a
guerreirona disse isso, implicando, Mysic deu um tapinha no braço dela.

---

Glaz beijou os lábios de Noctana, enquanto abraçava seu corpo. Logo depois, começou a
beijar seu pescoço, deixando marcas ali. Suas mãos já passeavam pelo corpo todo… costas,
barriga, seios… então ela aproveitou para passar a boca onde as mãos haviam passado
anteriormente, deixando mais marcas.

---

Iluzia e Zel estavam na casa-árvore. As duas magas trabalhavam juntas no artefato mais do
que esperado, sim, a arma purificadora de mana.

- Acho que precisamos de mais molas de cobre aqui. - Disse a meio-drow, girando alguns
parafusos.

- Talvez seja melhor usar alumínio, não?

- Hmmm… Não, a descarga de mana negativa vai se alterar demais. Vai acabar desregulando
o fluxo energético.

- Verdade. - Iluzia sorriu para outra, e então revelou seus pensamentos. - Tô tão feliz de ter te
conhecido, sabia? Você me entende como ninguém.

- Erm… Em parte é porque eu li sua mente. - Disse Zel, meio sem jeito, coçando a parte
careca de sua cabeça.

- Se fosse assim, aquela assassinazinha devia se dar bem comigo, não é o caso, né? - Disse a
loira, implicando com Noctana, ainda que esta nem estivesse lá.

- Hahaha. Vocês duas são literalmente o oposto uma da outra. Por isso que vocês não se
entendem… - Disse a maga negra, que “via de fora” então conseguia explicar perfeitamente
qual era da rixa de Noctana e Iluzia.

- A maior ironia é o meu destino de vida estar traçado com o dela. - E assim que disse isso, a
loira lembrou-se de todo seu passado. De Prom, de Mudar e de Stari. Acabou por abrir-se
mais um pouco com sua ex-inimiga e atual… bom, alguma coisa muito importante. - Fico
pensando, então era essa visão que Mudar teve para poder me escolher como “filha”? Ele via
a Quimera de Mana, ele via a gente derrotando o Xamã com Razaranje e salvando todo o
Allas? Foi por isso que ele me adotou? Isso significa que ele via Noctana também?

- Se ele viu isso, significa que podemos ficar despreocupadas, porque vamos vencer o Xamã,
né? - Iluzia encarou Tamnazelnoc assim que ela disse isso.

- Como ele é, Zel?

- Já disse. Ninguém nunca o viu de fato, ele só fica vestindo aquela roupa cerimonial o tempo
todo, não sei nem como enxerga, mas deve ser por magia…

- Roupa cerimonial? - E quando Iluzia perguntou isso, a meio-drow abriu uma esfera de
exibição de imagens e demonstrou o que falava.

Era a única vez que a maga negra tivera contato com o Xamã diretamente. E quando viu
aquelas vestes, Iluzia arregalou os olhos de choque.

- M-MAS ISSO É EXATAMENTE A ROUPA QUE STARI UTILIZAVA! Só que de cores


diferentes, claro… - A loira estava realmente bestificada, e então, Zel fez “sim” com a cabeça.

- Não sabe o que isso significa, não?

- Ahn?

- Achei que soubesse já que foi de uma guilda de magos. - Zel disse, implicando com a…
alguma coisa muito importante dela. - Essa roupa cerimonial geralmente é usada por chefes
de guildas de mago para poder “reter” mana. Eles passam longos períodos usando elas para
poder conter a quantidade gigantesca e assustadora de mana que eles possuem, para poder
“conviver em sociedade” com a guilda. A questão é, alguns têm tanto problema com isso, que
acabam usando a roupa muito mais do que devia, mas esse Xamã é demais. Eu não acho que
ele use mais a roupa para isso, eu acho que ele só esconde a verdadeira identidade.

- Hmmm… Mas por quê?

- Boa pergunta. Será que ele é alguém tão conhecido assim? Eu duvido um pouco. - Zel deu
uns risinhos. - Ou isso, ou ele é um velhaco e tem vergonha da aparência. Explica muita coisa,
pelo que Pakao comentou comigo uma vez, o Xamã é realmente velho. Provavelmente faz
parte do pacto com Razaranje para poder viver para sempre ou coisa assim.

- Ele deve ser realmente poderoso. Estou muito preocupada agora. - E quando a maga de luz
disse isso, sentiu a mão de Tamnazelnoc sobre a sua lhe acalentando.

- Fique tranquila. Nós vamos vencê-lo. Vocês duas, a Quimera, são mais fortes que ele.

- …Espero que sim.

---

Noctana sentiu os dois dedos (indicador e médio) de Glaz adentrando em sua abertura
molhada. Começou a gemer e sentir seu corpo tremer todo, enquanto o orgasmo surgia e
automaticamente, onde estava molhado ficava ainda mais.
- A gente… a gente… precisa parar um instante… - Noctana disse, entredentes, sem conseguir
nem mesmo concatenar as ideias direito. Estava exausta.

- Não… não… vai ser nossa última vez… então… quero… continuar… - Disse Glaz entre
suspiros, continuando seu “trabalho” mais do que bem feito.

---

Mais tarde, naquele mesmo dia, Mysic enviou uma mensagem pelo pivete dos recados (sim, o
mesmo que encontrou Udarak em Velejo) para todo mundo. Sim, todo mundo. Ranik, Iluzia,
Noctana, Glaz e Zel. E todas elas encontraram-se com ele, o Sirzão, na taverna de Veligrad
para beber e relaxar um pouco depois de tanta loucura pela qual eles passaram.

- Acho que isso é mais que merecido! - Disse o padrasto de Ranik, levantando a mão. -
Cerveja, por favor!

- Eu quero um hidromel! - Pediu Glaz, parecendo mais animada que de costume (por que
será, né?).

- Picada de Naja, por favor. - Disse Noctana, séria, como sempre (nenhuma novidade até aí).

- Cerveja para mim também. - Ranik disse, com um sorriso no rosto, ainda que ela e Noctana
não estivessem tão próximas (e tão bem) assim, uma com a outra.

- Me vê um licor, por favor. - Disse Iluzia, “diferentona”.

- Acho que pode ser o mesmo para mim. - Disse Zel, encarando a maga de luz, e as duas
sorriram.

E logo vinha aquela mulher super sinuosa trazendo uma bandeja com todos os pedidos dos
clientes daquela mesa tão movimentada. Rebolativa que só e com aquele sorriso maravilhoso
na boca pintada de vermelho, Sekhs mexeu com o grupinho:

- Nossa, o que é isso? Comemoração especial, é? Estou com inveja. Daqui a pouco sento na
mesa com vocês.

- Até que não seria uma má ideia. - Quando Ranik disse isso, a assassina deu uma olhada
mortífera para ela.

Então, o grupo fez um brinde.

E de repente…

Nada daquilo mais existia.

---

Ranik abriu os olhos com uma certa dificuldade. Não lembrava-se de mais nada, apenas do
escuro vazio absurdo de tudo. Que droga era aquela afinal…?

Sentiu de repente seus membros pesados e feridos. O que estava havendo?


Quando finalmente a tonteira passou, a grandalhona surpreendeu-se…

Estava amarrada a uma cama de metal!!!

106. MASMORRA

- Mas o quê!? - Ranik disse, tentando se soltar, mas as amarras eram muito apertadas. - Como
raios vim parar aqui!?

Pensou em voz alta.

Encarou ao redor e parecia mais uma masmorra em um castelo ou coisa do tipo. Ela
realmente não fazia a menor ideia de onde estava ou como havia parado lá.

A última coisa que lembrava foi do brinde feito na taverna de Veligrad.

Não tinha para quê perder tempo…

Energizou seu corpo todo, ficando com ele todo vermelho, como era de costume. E então,
conseguiu arrebentar com as amarras, libertando-se da cama.

- Pronto! Agora tenho que descobrir onde estou e é claro, tenho que chutar o rabo de quem
me trouxe aqui!

Ela saiu da cela da masmorra e encontrou-se em uma escada que subia e descia. Achou
melhor subir. Se fosse um lugar alto, poderia ter uma visão ampla de lá de cima para poder
concluir onde estava.

Subiu um bocado e encontrou outra cela tipo a sua. Por curiosidade, olhou para dentro por
uma portinholazinha com grades. E qual não foi sua surpresa de descobrir que…

Era Noctana quem estava ali. Também amarrada a uma cama de metal igual a sua. Mas pelo
visto, ela ainda estava apagada.

Ranik tentou abrir a porta, mas a mesma estava trancada diferente da sua. Ela deu um
impulso e arrombou a porta com vigor. A assassina acordou no processo, devido o barulho que
a guerreirona fez.

- …!? - Noctana nem conseguiu dizer nada, começou a fazer força tentando se soltar das
amarras.

Mas era claro que, diferente de Ranik, ela não tinha força o suficiente para fazê-lo. Mas tudo
bem, a guerreirona já estava na mesma cela que ela, finalmente. Nocta encarou os olhos de
Ranik como se pedisse ajuda, e prontamente, a guerreirona segurou as amarras, e mais uma
vez, acendeu sua mana vermelha, puxando-as com grande força e arrebentando-as para a
assassina sombria.

Lembrando que Ranik estava sem a espada e a armadurona. Noctana estava sem suas adagas
e facas de arremesso.
- Onde raios estamos? - Finalmente a mais baixa perguntou, tão incomodada quanto Ranik.

- Pois é, eu não faço ideia. Acordei em uma cama metálica amarrada igual você. Me soltei das
amarras e aqui estou. - Disse a grandalhona, explicando tudo o que sabia (ou seja, nada).

- Viemos parar aqui depois da noitada na taverna? Será que puseram algo na nossa bebida? -
Disse a assassina sombria, incomodadíssima. Era sempre muito inteligente, algo do tipo lhe
incomodaria muito (ter sido enganada tão fácil por algo tão estúpido quanto um veneno ou
coisa do tipo).

- Duvido. Não senti gosto diferente. É mais provável que tenha sido uma magia que nos fez
desacordar juntos e ao mesmo tempo. - Ranik coçou a cabeça, se esforçando para entender o
enigma.

- Juntos e ao mesmo tempo…? Então, é provável que todos os outros estejam aqui também? -
Perguntou Noctana, pensando em algo importante.

Ranik arregalou os olhos.

- É verdade! - E então, as duas saíram daquela cela juntas. - Melhor a gente descer primeiro
então, no andar onde eu estava, ainda dava para descer mais. Devem haver mais celas
embaixo!

As duas começaram a descer juntas, passaram pela cela de Ranik e logo depois, chegaram no
último andar. O interessante é que não havia nenhuma porta para sair do lugar, apenas outra
cela, uma última.

- Ué… - Disse a guerreirona procurando alguma janela ou porta pro lado de fora, mas não
havia nenhuma. Era esquisito.

Nocta ficou na ponta dos pés para poder enxergar pela janelinha gradeada e então enxergou
ali dentro, uma espécie de cúpula, e dentro da mesma, Iluzia presa e desacordada, de pé.

- Iluzia está aqui! - Disse para Ranik, que logo fez “sim” com a cabeça, e já foi dando
distância para arrombar a porta.

E assim cumpriu, arrombando-a. Mas como já foi dito, Iluzia estava em um compartimento
diferente das duas. Não era uma cama metálica com amarras. Era uma cúpula de algum
material transparente, mas não era vidro, era mais resistente. E ela ficava ali dentro de pé,
desacordada.

Noctana bateu no vidro para medir a resistência, e isso despertou a maga, que olhou assustada
paras duas.

- O quê!? Ranik!? Noctana!? O que está acontecendo!? Por que estou aqui dentro!? - Gritou a
maga de luz, desesperando-se.

Ela ficou tateando na cúpula, tentando encontrar alguma abertura ou algo que abrisse o
compartimento, mas não tinha. E então, ela tentou puxar sua magia, mas percebeu uma
coisa…

A cúpula continha mana. Ali dentro, ela simplesmente não conseguia usar nem uma “gota” da
sua energia mágica.

- Eu não consigo usar magia! - Avisou paras outras duas.

- É o objetivo dessa merda… - Disse Noctana, sacando rapidamente, e então, virou-se para
guerreirona. - Você deve ser a única que consegue quebrar essa porcaria, tente, Ranik.

- O-ok! - A guerreirona fez como havia feito antes, duas vezes, e mais uma vez, energizou a
mana vermelha e com ela, deu um socão na cúpula que se rachou. Mais um socão e
finalmente… ela se quebrou.

Iluzia finalmente estava liberta.

- Que coisa mais sufocante! Estava já ficando mais que nervosa ali dentro! - Disse a loira,
finalmente do lado de fora, e é claro, podendo usar seus poderes mais uma vez. - Afinal… Em
que porra de lugar estamos? Só lembro da gente estar bebendo e…

- Exato. A gente também só lembra disso. - Disse Noctana, irritada. Aquilo tudo estava
deixando-a fula. Ela só queria arrancar a cabeça do filho da mãe que prendeu elas ali. E é
claro, achar Glaz também.

- Será que foi veneno na bebida? - Mas então, a maga colocou a mão no queixo. - Não… a
gente teria percebido, eu acho. Deve ter sido magia.

- Foi o que eu pensei também. - Disse a assassina sombria, e então, acrescentou. - Estamos
dando uma volta nesse lugar, afinal, precisamos achar o Sir, Glaz e seu amorzinho paralítico.

- Isso foi horrível, Noctana. - Disse Iluzia, ficando puta com a assassina. - Mas ok, agora com
nós três fica mais fácil, vamos encontrá-los!

As três saíram dali, e assim como Ranik, Iluzia reparou que não tinha portas e nem janelas.
Então, comentou:

- Acho que estamos embaixo da terra… Por isso não dá para sair por baixo. Provavelmente a
saída é por cima.

- Faz sentido. - Respondeu a grandalhona, entendendo finalmente.

- Vamos subir. - Anunciou a assassina sombria, e então, as três começaram a subir as escadas
giratórias.

Subiram e passaram pela cela de Ranik e pela cela de Noctana, mas estranhamente, não viam
mais nenhuma cela. E então, finalmente, chegaram a uma porta dupla de ferro escura.

E assim que tocaram nela, mais especificamente, Iluzia, apenas arregalou os olhos, e anunciou
paras outras:

- Estou sentindo uma energia sombria… e não é pouca coisa.

- …! - Noctana e Ranik olharam para ela, meio chocadas.

---
Mysic finalmente abriu os olhos e deu umas tossidas. E quando notou onde estava, ficou meio
bobo.

Era um beco de Veligrad. Sim, pelo visto, tinha dormido no beco. Mas estranhamente, não
lembrava-se de ter bebido tanto. A cabeça doía, mas não parecia ressaca.

E logo depois, ele ouviu sons do seu lado… Quando olhou, pelo visto, não dormiu sozinho
naquele lugar esquisito.

Sim, haviam ali mais duas pessoas: Glaz e Zel. Glaz, no chão como ele, com metade do corpo
apoiado na parede. E a meio-drow, sentada em sua cadeira de madeira, dormindo ali mesmo.
Mas pelo visto, ela tinha acabado de acordar também (diferente da rainha dos disfarces).

- Mas o quê…!? - A maga negra disse, e então, arregalou os olhos e a boca. - Iluzia!? Cadê
ela!?

- Pois é… - Disse Mysic, cutucando Glaz para acordá-la. - Nem ela, nem Ranik e nem Noctana
estão aqui.

E finalmente, com Glaz desperta, os três comunicaram-se sobre acontecimento finalmente.

- Não acho que bebemos o suficiente para dormimos no meio da rua… - Disse Glaz, furiosa.
Estava preocupada com Noctana.

- E não bebemos mesmo. Alguém nos desacordou de propósito. E deve ter feito isso com as
três também, mas diferente da gente (que descartaram aqui na rua de qualquer jeito),
levaram elas para algum lugar… - O Sirzão suspirou, frustrado. Estava muito preocupado
com elas, porque já imaginava quem poderia ter feito isso.

- Mas que merda! - Zel deu uma porrada no apoio de mãos da cadeira de rodas. - Com certeza
foi com magia que nos desacordaram! Com certeza foi o Xamã!

- Acha que ele aproveitaria para desacordar as três e já matá-las ou algo assim…? - A rainha
dos disfarces tinha lágrimas nos olhos já, só de preocupação.

- Se fosse para matá-las já teria feito, eu acho… Deve ter só levado elas para seu território.
Agora é uma questão de encontrá-las e rezar para que elas estejam vivas até acharmos… - O
cavaleiro de Veligrad já se preparou para voltar ao castelo. - Vou avisar toda a guarda real.
Zel, você avisa os magos de luz (eu sei que você é maga negra, mas por alguém como Iluzia,
duvido que eles não ajudem). Glaz, você avisa quem mais puder ajudar nessa busca. Vamos
salvar as três antes que Razaranje as mate!

E então, as duas fizeram “sim” com a cabeça, e cada um foi arrumar uma equipe de busca
como podia para poder salvar as três salvadoras do Allas.

107. A GRANDE BATALHA FINAL – Parte 1

Assim que as três abriram a porta dupla negra de ferro ficaram chocadas com a paisagem ao
redor. O céu era puro magma. E o chão também era feito de lava, só que endurecida. Só de
abrir a porta, sentiram o calor fortíssimo entrando.
- C-como vamos andar nessa coisa!? - Ranik disse, chocada. Tentou pisar, mas sem sua
armadura, não tinha como. Quase queimou a sola dos pés.

- Com mana. Precisamos usar mana para nos protegermos do calor. - Disse Iluzia, e então,
rodeou seus pés com mana azulada sagrada e conseguiu pisar no chão calorento.

- Onde raios estamos? - Disse Noctana, achando aquilo tudo muito bizarro. Por sorte,
conseguiu usar um pouco de sua mana sombria para poder cobrir seus pés e protegê-los.

- Provavelmente dentro de um vulcão ou coisa do tipo. - E quando a maga de luz disse isso, as
outras duas olharam para ela bestificadas.

- Só os pés, só os pés… - Ranik conseguiu, depois de muito esforço, iluminar com mana
vermelha só seus pés, e finalmente, poder andar com as outras duas pelo chão de lava
endurecida. - Quem diacho ia querer viver dentro de um vulcão?

- Por que não? Certamente é o lugar mais seguro do Allas inteiro. - Disse Noctana, sendo
óbvia. - E é claro que estamos falando do Xamã.

- Sim, para se esconder do exército real seria o mais plausível… - A maga concordou com a
assassina.

- Mas se ele queria se esconder, por que nos trouxe para cá? - Ranik perguntou, e então, ouviu
uma voz que não era de nenhuma das três responder.

- Porque o período de se esconder encerrou-se.

E as três encararam a direção da voz, já nervosas. Uma figura com vestes cerimoniais de
mago, pretas e vermelhas com detalhes dourados, saiu de trás de uma cortina de magma puro
sem se queimar nem um milimetrozinho.

- Essas roupas…! - Iluzia disse, lembrando-se do que Zel lhe mostrou na esfera de exibir
imagens.

- Esse é o Xamã!? - Ranik perguntou, pensando em voz alta.

- Sim, eu sou “O Xamã”. Bem-vindas ao meu território especial. - Disse, com os braços
abertos.

- Vocês duas, para trás… vocês estão desarmadas, não têm como vocês lutarem. Eu cuido
daqui em diante, porque eu ainda posso usar a magia, mesmo estando sem meu cetro! - Disse
a loira paras outras duas. Ainda que a guerreirona tivesse aceitado de bom grado, a assassina
parecia irredutível quanto a isso.

- Uma ova, eu não vou deixar você lutar sozinha! - E então, ela retirou algo que estava preso
em suas vestes… eram algumas agulhas, 3 para ser mais preciso.

- Sério mesmo que vocês acham que vão conseguir me enfrentar assim? - Disse o Xamã, e
então, Noctana lançou as três agulhas para cima do inimigo.

Mas as três apenas pararam no ar na sua frente.


- Ótimo! Parabéns, Noctana! - Disse Iluzia, com raiva. A assassina só soltou um “tsc”.

E então, o Xamã mandou as agulhas de volta para elas três, uma para cada. Noctana
esquivou-se rapidamente. Iluzia defendeu-se com um escudo de mana. Mas Ranik recebeu a
agulhada no dorso, colocando a mão onde estava ferido.

- Ouch…!

- Como eu disse… DEIXEM ISSO COMIGO! - A maga de luz começou a flutuar, e então,
lançou uma esfera grande de elementos misturados (fogo, gelo e trovão).

E mais uma vez, a esfera parou no ar na frente do Xamã. Iluzia voltou a pisar no chão, e ouviu
Noctana zombar a si:

- Parabéns, Iluzia.

E então, viu a esfera voltar contra as três. Claro que a maga de luz puxou a energia de volta
para impedir que elas fossem atingidas pelo seu golpe.

- E agora, o que vamos fazer? - Perguntou a maga, nervosa.

- Não é óbvio, achei que já soubessem… Inclusive, deixei vocês sem armas exatamente por
esse motivo. - O Xamã concluiu. - O único jeito de me derrotar é invocando a Quimera.

- Por que isso me cheira mal? - Noctana percebeu que havia algo de errado. - Ele deveria
temer a Quimera e não querer que invoquemos ela de qualquer jeito.

- Isso é verdade, mas ele tem razão numa coisa, não temos chance alguma do jeito que estamos
agora. - Disse a loira, nervosa. - Não vai dar, vamos ter que transformar mesmo…

- Vamos transformar separadas primeiro, talvez causemos algum desconforto, e talvez


descubramos porque ele quer tanto a Quimera. - Disse a assassina, e a outra concordou com a
cabeça.

As duas fizeram sim e logo depois puxaram suas manas, transformando seus corpos. Noctana
virou o Demônio de Mana e Iluzia virou o Anjo de Mana. Ranik só podia olhar para situação
nervosa. Sem sua armadura e sua espada, como lutaria? Ainda que ficasse forte com sua
mana vermelha envolvendo seu corpo lhe dando super defesa e super força, não achava
MESMO que isso seria o suficiente nem mesmo para ferir o Xamã. Pelo visto, não tinha jeito
senão assistir as duas lidando com isso sozinhas.

Iluzia e Noctana flutuaram bem rápido para cima do Xamã, e começaram a tentar golpeá-lo
na porrada mesmo. Mas ele esquivava-se muito mole dos ataques das duas, sem nenhum
problema. E então, de repente, ele usou mana para repelir, e lançou as duas longe, se
estabacando no chão de lava dura, e quase caindo dentro dos lagos de magma.

- Ouch… - Iluzia sentou-se depois da pregada.

- Ugh… - Noctana já se levantou como pôde.

- Vocês são mesmo teimosas, né? Eu já disse, do jeito que estão agora, não vão mesmo me
fazer cócegas. Vocês têm de se transformar se quiserem ter alguma chance, ok? Achei que
vieram aqui para isso. - Disse o Xamã, mas foi interrompido por Ranik, que gritou,
apontando o dedo para ele.

- Não viemos aqui para isso, nem queríamos ter vindo!

- Háh. Achei que quisessem, em algum momento, me derrotar. Só estou adiantando isso para
vocês.

Noctana e Iluzia se entreolharam, quase como se pensassem o mesmo em uníssono. Não tinha
como, não havia como nem mesmo encostar naquele inimigo super poderoso se elas não se
transformassem na fusão de mana.

E não teve jeito, correram uma para outra, juntaram as mãos entrecruzando os dedos, seus
corpos envolveram-se de mana brilhante e finalmente…

A Quimera surgiu.

Assim como um sorriso na face do Xamã por trás daquela máscara bizarra com a cruz no
meio.

Ranik apenas olhava preocupada. Sim, algo não cheirava bem.

E então, elas viram o Xamã bater palmas por algum motivo (?), e logo depois, alguma coisa
surgiu de um dos lagos de chamas. Era uma armadura negra pontuda (sim, uma armadura do
dragão negro. Mais especificamente, a armadura do falecido Nasille, pai de Ranik). E junto a
ela, um enorme machado afiado gigante de lâmina negra (e sim, também era o machado de
Nasille).

- A armadura e a arma do meu pai! - Disse Ranik, impressionada. E então, logo depois,
encarou o Xamã, emputecida. - O que diacho você quer com isso!?

- Você vai descobrir…

E então, Quimera, ignorando o que Xamã tinha acabado de fazer, saltou para cima dele já
para enfrentá-lo. Dois inimigos de manas gigantescas poderosíssimas.

Foi então que uma aura de mana, quase como uma neblina, rodeou todo o lugar.

A impressão que dava era que o Xamã queria se esconder delas. Mas não, isso não era
possível.

- Ele está tentando brincar com a gente de esconde-esconde? - Disse Noctana dentro da
Quimera para Iluzia.

- Bem, ele está conseguindo. Estou tendo dificuldade para encontrá-lo. Pelo visto, ele reteve a
mana até o máximo, não dá nem para sentir a presença sombria dele. E aquela roupa
cerimonial só ajuda mais isso… - A loira respondeu, também dentro da Quimera, para
Noctana.

- Mas o que raios ele quer com isso…?


E então, de repente, elas duas viram a sombra surgir atrás delas, e viraram-se para atacá-lo,
mas algo bizarro aconteceu.

O corpo da Quimera parou de se movimentar.

- O… O que…? - Disse qualquer uma das duas (ou as duas mesmo) com uma enorme
dificuldade. - É como se… como se tivesse perdido… o controle…

- Bem, agora que a brincadeira finalmente começou, eu vou revelar uma coisa bacana a
vocês… Algo que Pakao esqueceu de mencionar quando estava contando a historinha de
Absolu… urgh, daquela desgraça, para vocês. - Xamã ia dizendo, enquanto elas tentavam se
mover e não conseguiam.

Ranik, na neblina, não entendia nada. Queria saber onde estava Quimera e se elas estavam
bem.

E então, depois de um tempo, toda a neblina se desfez. E finalmente, a guerreirona pôde


enxergar Xamã, atrás, parado como antes, com os braços abertos. E na frente, a Quimera,
mas havia algo errado com ela…

Seus olhos estavam…

Totalmente vermelhos.

E então, a Quimera encarou Ranik com uma cara de psicopata.

- Querida guerreira, espero que se prepare o mais rápido o possível, senão… você vai perder
essa luta. - Disse Xamã, rindo logo depois.

E então, a Quimera voou para cima de Ranik para atacá-la!!!

108. A LUXÚRIA DA MORTE / A GRANDE BATALHA FINAL – Parte 2

O Xamã simplesmente utilizou do seu enorme poder para controlar a Quimera de Mana,
antes conhecida como um dos seres mais poderosos de todo o Allas, mas agora, claramente,
demonstrava que o poderio do inimigo misterioso era ainda maior. E agora, o ser fusionado de
energia sagrada e amaldiçoada que se transforma nos corpos de Iluzia e Noctana,
simplesmente ia de encontro a pessoa que as duas, anteriormente, mais amavam na vida, a
guerreira Ranik. Que a única escolha que tinha de se defender, pelo visto, era se alcançasse a
tempo a armadura e arma de seu falecido pai, Nasille, a lenda do exército do dragão negro.

E assim a guerreira fez…

Quando viu a Quimera vindo, Ranik correu como pôde e se jogou em direção da armadura
pontiaguda negra. A guerreirona agarrou-a como pôde e foi a couraça escura que a protegeu
de um golpe físico “leve” de Quimera. Mas só esse pequeno golpe, jogou Ranik de encontro a
um mar de lava. Por sorte, usando sua mana avermelhada, protegeu seu corpo do ultra calor.

E logo depois, finalmente em chão firme, a guerreirona vestia a armadura o mais rápido
quanto podia. Enquanto isso, o Xamã, pelo visto, não se satisfez em ficar quieto, continuou
seus monólogos:
- Enfim, pelo visto, você finalmente entendeu a questão que está enfrentando… boa sorte para
você com isso, mas o assunto importante não era esse. Como eu disse anteriormente, Pakao
não te contou tudo a respeito da lenda. Mas você já deve saber… a criação da Quimera é uma
das “armas” de Abso… daquele inútil. O ser que me é compatível seria essa figura maldita aos
meus olhos. Logo, a Quimera continua sendo inferior e… tem mais essa… essa pequena coisa
que ele devia ter dito, mas fico feliz que tenha deixado eu me encarregar disso. - Ranik
encarou o ser que dizia isso, finalmente com a armadura vestida e o grande machado de seu
pai nas mãos. Enquanto Quimera vinha andando calmamente ao seu encontro para continuar
a batalha, agora com menos desvantagem que antes, mas ainda muita desvantagem, claro. -
Razaranje MATOU Absolutan. Sim, isso mesmo que você ouviu, na lenda original, as forças
demoníacas que estão dentro de mim, destruíram o seu maldito inimigo. Então, agora é a vez
de você questionar se, o maldito ser neutro está morto, como é que a Quimera continua
existindo? Bom, como você pôde observar, Quimera não é uma reles criatura de mana,
controlada por energia pelo mago criador. Não. Quimera é um ser próprio, uma existência
única a par da existência de Absolutan ou de Razaranje. Por isso que, feliz ou infelizmente,
essa maldição continua viva e aqui, agora.

Logo depois de ouvir isso, completamente estupefata, Ranik defendeu como pôde o golpe
fortíssimo da Quimera totalmente inexpressiva, fria e calada. Mas como já foi dito, ainda era
desvantajoso para guerreirona, que assim como aconteceu antes, foi lançada longe. E mais
uma vez, protegeu-se usando a defesa de mana, mas suas costas bateram com tudo em uma
pilastra de magma endurecido, e ela caiu no chão de joelhos.

- Claramente, você deve notar, guerreira, que você é mais fraca que seu inimigo. Então, por
que utilizar da Quimera para poder destruir você? Bom, além do quesito diversão sádica, que
é bacana ver duas pessoas matando a pessoa que elas mais amam, também tem o fator de que:
Ocupada contigo, a Quimera não vai me atazanar. E o melhor de tudo é o gran finale: Se você
for realmente morta, o que obviamente vai ocorrer, porque é inevitável, você vai fazer a
Quimera cessar de existir. - E quando disse isso, Ranik, finalmente, dirigiu-se para o inimigo,
furiosíssima.

- O QUÊ!? COMO ASSIM A QUIMERA VAI CESSAR…!? MAS VOCÊ FALOU QUE ELA
ERA UMA EXISTÊNCIA ÚNICA!

- Pois é, eu falei. - O Xamã cruzou os braços. - Mas você esqueceu-se de tudo o que Pakao
falou…? Ah não, pera. Você não estava presente, é mesmo. Então, vou contar a você… O
único motivo para Quimera existir, Ranik, é porque vocês três existem. Sim, você mesma, ao
invés de fazer parte da fusão, ainda sim, é uma força motriz para esse ser. Sem você, esse ser
não existe, porque você é a ponte… você é quem liga as duas nessa existência, o sentimento
que elas têm por você, a proximidade, a intimidade… e bom, se você morrer, é bem óbvio, as
duazinhas não vão poder mais virar o único ser capaz de supostamente (claro que é mentira)
me derrotar.

- MALDITO!!! - Ranik estava furiosa, enquanto isso, continuava defendendo de golpes da


quimera, que vinha com tudo para cima de si com socos e chutes fortíssimos. A defesa nunca
era boa o bastante. E não só isso, a guerreirona, obviamente, não tinha coragem de atacar o
inimigo. - POR QUE DIABOS TEM QUE FAZER ISSO!? O QUE GANHA COM ISSO!?

- Ahn… O que eu ganho derrotando a Quimera e você? O que eu ganho quebrando esse
maldito ciclo sem fim de lendas estúpidas sobre deuses e demônios? O que eu ganho…? O
CONTROLE DO ALLAS TODO, ORA ESSA!!! - Xamã deu algumas gargalhadas, e então,
foi andando para frente, mais para perto da luta, assistindo de camarote a mesma. - Você é
mesmo muito ingênua, Ranik. Ou isso, ou é burra. Mas assim, vamos considerar, eu nunca
achei que você entendesse realmente sobre poder ou controle. Durante todos esses anos que te
conheço, você sempre… você sempre foi assim.

- Durante todos esses anos? - Ranik espremeu os olhos, e bom, o próximo golpe da Quimera
pegou com fúria em si, penetrando sua defesa e causando um ferimento profundo em seu
dorso. - AAAAHHHH!!!

- Como eu queria uma pipoca agora com bastante manteiga derretida para ver a sua morte…
- E então, o Xamã apenas virou-se para a Quimera e disse. - Acabe logo com isso, use todo seu
poder…

A Quimera fez “sim” com a cabeça para o inimigo e foi para cima de Ranik…

E então, a guerreirona percebeu que só a armadura, dessa vez, não faria o trabalho de
proteger seu corpo, logo, ela encheu-se com a mana vermelha, envolvendo tudo, incluso sua
arma, mas…

Pro seu desespero…

A mão da Quimera ATRAVESSOU sua magia protetora como NADA NUNCA conseguiu fazer
antes!!!

E a mão inteira da Quimera afundou-se na barriga da guerreirona que cuspiu sangue.

O Xamã apenas começou a gargalhar feito um louco maníaco. E Ranik, encarou a face séria e
inexpressiva das duas fusionadas, as duas pessoas mais importantes para si também, e com os
olhos lacrimejados e aquele filete vermelho escorrendo por sua boca, disse para elas:

- Garotas… eu sei que vocês podem me ouvir… em algum… ugh… em algum lugar “aí
dentro”. Então, por favor… por favor… voltem ao normal… não deixem… não deixem que
esse maldito controle vocês de vez… v-vençam… resistam… eu vou tentar… resistir também.
- E logo assim que disse isso, a Quimera arrancou a mão da barriga da grandalhona, fazendo
jorrar muito, muito sangue vivo.

Ranik caiu no chão em um estado estupidamente grave, com sua vida se esvaindo aos poucos.

- Hahaha! Eu gostei da cena final. Bem dramática, só é uma pena que foi rápido demais.
Báh… Talvez eu deva fazer vocês duas desmembrarem e deceparem a guerreira só para dar
um gostinho a mais nessa novela, que acham? Pois é, vão fazer isso, vão. - Disse o inimigo
cruel, sem mais delongas.

A Quimera foi até o corpo caído de Ranik, e então, agarrou seu braço para poder arrancá-lo.

Mas nesse instante…

Os olhos vermelhos sombrios e sem vida da fusão, de repente, piscaram. E logo depois, suas
cores voltaram ao normal.

Então, ao invés do braço de Ranik ser arrancado, o ser fusionado aproveitou-se da


proximidade com o Xamã e deu-lhe um golpe fortíssimo, jogando-o longe, e abrindo também
uma ferida em seu dorso.

Havia lhe pegado de surpresa, não é mesmo?

Mas pro desparazer da Quimera, o ferimento rapidamente começou a se curar. Neste instante,
deu para notar a área da roupa que havia sido rasgada… ela revelava…

Seios.

Não seios de homem, um peitoral masculino reto. E sim, seios grandes, escondidos por trás de
faixas, que agora, haviam sido rasgadas.

Sim, o Xamã era uma mulher.

Quimera rapidamente fez uma cara de confusão, e logo depois, ouviu o Xamã finalmente
revelar sua feminina voz, que também era bastante familiar:

- Hahaha! Não tem para quê me esconder mais, não é mesmo? Você já deve imaginar quem eu
sou… - E então, ela retirou o chapéu cerimonial para conter mana, e também, neste instante
até agora, é claro, para esconder sua verdadeira identidade, e era…

A taverneira Sekhs.

Sim, a gostosona que cuidava da taverna principal do Allas, a de Veligrad.

Quimera ficou boquiaberta.

- Surpresa? Por quê? Eu tinha que ficar sempre perto das três figuras da lenda, não é mesmo?
E qual não seria o melhor jeito que esse, ser uma dona de bar? Hahaha! Eu até transei com o
amorzinho de vocês! - Ela apontou a cabeça pro chão, onde Ranik estava caída. - Mas de
todos vocês, a única que realmente pareceu ter notado que havia algo de “errado” com a
gostosona taverneira foi a sua amiguinha… como é? Glaz. Fiquei admirada que alguém que
mal tem uma gota de mana direito conseguiu sentir quem eu era apenas de olhar nos meus
olhos com proximidade. Mas vocês? Báh, que decepção! Toda essa força lendária, e nada de
me descobrirem… Bom, agora chegou o fim! Ranik provavelmente está soltando os últimos
suspiros, e portanto, vocês estão ainda mais fracas… Agora é a hora de soltar os poderes que
Raza deu a mim para destruir vocês!

E de repente, Quimera sentiu seu corpo tremer só de pressentir toda a energia que Sekhs (que
era o Xamã) soltar finalmente. Ele, digo, ela estava prendendo e retendo essa energia negra
toda até agora, e finalmente, liberava ela por completo, sem amarras.

Era uma energia aterrorizante. Muito maior que qualquer outra energia negra que o Allas já
sentira.

O poderio foi tanto, que até outras pessoas no Allas sentiram. Incluindo as três pessoas que
procuravam por suas amigas (e amores): Mysic, Zel e Glaz. Ou seja, finalmente, dava a eles
uma pista para saberem onde a Quimera e Ranik encontravam-se.

109. A LUXÚRIA DA MORTE – Parte 2


Aviso: Violência sexual nesse capítulo.
- Vocês sentiram isso!? - Disse Mysic, comandando o exército real de Veligrad (junto a outros
exércitos guiados pelo império – sim, ele conseguiu reunir bastante gente para enfrentar um
inimigo tão poderoso).

Todos começaram a concordar com suas cabeças, completamente chocados. Provavelmente


aquela gigantesca energia tinha sido sentida por todo o Allas, era surreal.

Razaranje era mesmo uma figura mitológica, nada como um ser humano com grande
quantidade de mana, nem mesmo um matusalém mago chegaria aquilo. Era algo acima dos
homens, algo no nível dos deuses... ou demônios, no caso.

- Acha que vamos ser de alguma ajuda? Vamos lá, isso aqui é um exército inteiro... Se a
Quimera sozinha não conseguir aguentar o tranco e o exército for derrotado, do que nós
serviremos? - Glaz disse, montada em um cavalo, cavalgando com o exército junto a Mysic.
Era a voz da razão quase sempre, mas dessa vez, Zel, acompanhando-os em sua cadeira de
rodas amadeirada (de vez em quando ela tinha que usar a magia para escapar de obstáculos
mais difíceis pelo percurso de terra e pedras, mas tudo bem), quem ajudou a colocar os
pensamentos da Rainha dos Disfarces nos eixos.

- Apoio psicológico? Até onde eu saiba, Noctana é uma amiga muito preciosa para você não é
mesmo? Não duvido que ela poderá lutar melhor como Quimera se tiver você apoiando-a. E
eu estou indo fazer o mesmo por Iluzia. - Respondeu a ex-maga negra, agora trabalhando
para os seus ex-supostos inimigos (coisa que ela nunca foi da maguinha de luz, pelo visto).

- Apoio psicológico... hmmm... - Glaz sentiu-se na obrigação (na verdade, estava mais para
curiosidade) de perguntar para a maga negra ao seu lado. - Como você se sente sabendo que
Iluzia... talvez... ainda possa gostar... da Ranik?

- … - Zel encarou Glaz um pouco em silêncio, e depois, piscando, abriu um leve sorriso. - Acho
que Iluzia é bem grandinha para saber o que quer da vida, independente do que tal profecia
diz que ela deve sentir, né?

- Então, você acha que ela não ama a Ranik de verdade, e sim, só por causa da profecia... Mas
então, você acha que ela vai largar o que sente pela profecia para poder ficar... com... você? - A
rainha dos disfarces finalmente perguntou de vez a questão que queria, antes estava tentando
“disfarçar” (no pun intended :P).

- Ela já fez isso, não? - Respondeu Zel, ainda a sorrisos. Glaz suspirou.

- E se ela preferir os sentimentos da profecia...?

- Glaz, você está obviamente falando isso por causa de Noctana com Ranik, não é? Bem, até
onde eu tenha visto, ela estava confusa. Mas mesmo com a confusão, imagino que tenha dado
forças para ela seguir o que realmente sentia, né? É bem “da sua personalidade” fazer isso.
Não que eu te conheça direito para julgar qual é a sua personalidade, mas... você parece o tipo
de amiga que faz isso. O que eu tenho para te dizer é... Não fique para sempre correndo atrás
de algo incerto. Trace outro plano pro futuro. As coisas vão mudar... vão melhorar... elas se
encaixam com o tempo, acredite nisso. - Disse Zel, ainda sorrindo, Glaz ficou um tanto quanto
emburrada, incomodada, e apenas respondeu, desconversando.

- N-não... não era nada disso... - Disse, sacudindo negativamente a cabeça, e voltando a olhar
para frente, galopando com o cavalo.

- Acho que logo, logo, vamos encontrar onde elas estão! - Disse Mysic, encarando lá ao longe
um enorme vulcão soltando cinzas.

---

- Preparada para ser destruída? - O Xamã, no caso, Sekhs, disse a Quimera, enquanto esta
estava prestando atenção em apenas uma coisa...

O batimento cardíaco de Ranik. O que era mais importante que tudo para si.

Sekhs levantou os braços, e enquanto concentrava sua energia negra no golpe que estava
preparando, Quimera começava a concentrar mana também, só que para poder se proteger
do que quer que viria a frente.

Ela precisaria analisar o inimigo bem para poder saber o que usar contra ele, afinal, não estava
lidando com um inimigo normal.

---

- Filha, olha o que trouxemos para você! - Disse o homem de cabelos avermelhados,
entregando um pequeno filhote de cachorro para a garotinha de cabelos igualmente rubros
como os seus.

- Aaahh! Eu adorei, papai! - Disse a menininha, abraçando o cãozinho, quase com lágrimas
nos olhos de tanta felicidade.

- Mãe... onde está o papai...? - A pequena menina perguntava já com lágrimas nos olhos, mas
desta vez, estavam longe de serem de felicidade.

- Ele... O papai não vai mais voltar, minha filha. - Respondeu a mãe, também com as mesmas
lágrimas.

- Filha, este é meu novo marido de hoje em diante. Espero que você se dê bem com ele, ele vai
ser seu novo papai. - A mãe apresentava a pequena (um pouco de nada mais velha, mais ou
menos na adolescência) um rapaz mais jovem que seu falecido pai.

- Ele não é meu pai! Meu pai morreu!!! - Gritava a garota e batia a porta de seu quarto na
cara do “padrasto”.

- Vamos, diga que me ama, vamos...

- E-eu não vou dizer...

- Diga... diga que ama seu “novo papai”...


- N-não... P-pare! Não, por favor! P-pare! E-eu não vou dizer!

- Diga logo, sua putinha!!!

Era um dia triste como quase todos estavam sendo desde que sua mãe colocou aquele maldito
homem dentro de casa. Ela não conseguia mais dormir. Já tentara se matar algumas vezes,
mas sempre alguém impedia ou ela mesma não tinha coragem de terminar o serviço. Havia
acabado de voltar do ensino da região para crianças e adolescentes camponeses. Ensinavam-
lhes matemática, linguagem e artes. O padrasto dizia ser inútil, mas por sorte, a mãe insistia.
Ainda sim, a jovem (agora em seus 16~17 anos) não conseguia se enturmar com outros jovens
de sua idade ou com a professora que os ensinava. Ela apenas ia, absorvia os ensinamentos
como podia, retornava para casa e o inferno recomeçava. Mas ela continuava a sair mesmo
assim, afinal, era um dos poucos momentos de fuga daquele lugar. Sua mãe estava sempre
ocupada, seja cuidando da mini-fazenda que possuíam ou fora, vendendo frutas e legumes na
feira da cidade. Ou seja, mais tempo sozinha com o inútil do padrasto. Mais tempo sendo
vilipendiada por ele...

E nesse dia, não seria diferente.

Assim que garota pisara em casa, enxergara poças de sangue em toda a sala de estar
amadeirada. Rapidamente, seus olhos se encheram de terror e lágrimas... e suas mãos foram
até os lábios, ao ver o padrasto chegando, sorriso cruel nos lábios, e uma carcaça pendurada
em uma corda (estrangulada) que ele segurava exibindo a pequena.

- V-você... S-seu monstro... E-eu não acredito... Eu...!

- Isso é o que ganha por não me chamar de papai! Isso que ganha por ser desobediente! para
sua mãe, eu vou dizer que foi um carroceiro que atropelou, mas fique sabendo que eu não tive
escolhas senão tirar do caminho essa nojeira de animal! A única coisa a qual você ama e
respeita, já que não o faz direito ao seu próprio pai!

- OS ANIMAIS, ELES SÃO A ÚNICA COISA QUE PRESTA NO MUNDO, SERES


HUMANOS... SÃO IMUNDOS COMO VOCÊ!!! - Ela gritou para o monstro assassino,
reiterando toda sua fúria vingativa. - E VOCÊ NÃO É MEU PAI, NUNCA SERÁ E EU
NUNCA, NUNCA VOU AMAR VOCÊ!!!

E ela saiu correndo, batendo a porta do quarto.

Mas o mesmo não tinha mais tranca. Ele havia tirado. Disse para mãe “Ela é adolescente, não
pode ficar sozinha, temos que vigiá-la sempre”. Mas a verdade é que isso facilitava seus
assédios madrugais.

Um dia, andando pela floresta em meio ao breu, havia fugido de casa. Sabia que mais cedo ou
mais tarde, os guardas-cavaleiros da região lhe achariam e rapidamente, a levariam de volta
pro inferno (sua casa) sem direito a reclamar nem nada. Eles não queriam saber se ela dizia
sofrer violência ou falta de atenção, eles só queriam fazer seu “dever de adultos”, e ela como
uma jovem irresponsável, tinha apenas que ouvir, aceitar e abaixar a cabeça.
Mas ela não aguentava mais...

Chutou uma pedra, até que finalmente chegou no lugar. Era o túmulo de seu cachorrinho
falecido, que crescera consigo, presente do seu pai antes de falecer da peste. A garota abaixou-
se, segurou os próprios joelhos, suspirou e começou a chorar.

De fato, só queria morrer... só queria sumir... nada naquele Allas inteiro lhe apetecia. Nada lhe
saciava. Nada sarava aquela dor profunda que ela sentia em sua alma, mente e coração.

Seu corpo já impuro, jazia vazio e imundo... completamente preenchido apenas de dor e
tristeza.

- Estou sentindo daqui sua alma enegrecida.

- …? - A garota virou-se e enxergou um homem de pele envelhecida, cabelos compridos quase


raros na cabeça de coloração grisalha, várias manchas na face, um nariz torto (como se tivesse
sofrido um acidente há muitos anos), os dois olhos eram completamente cegos e portanto
azuis-esbranquiçados (sem íris), seu corpo parecia magro e fraco por trás de um manto
amarronzado velho, sujo e puído.

Sim, dava medo, parecia um bruxo ou algo assim. Mas naquele instante, já sem alma, a garota
nem sequer se movera.

Se aquele ser das sombras aparecia ali para lhe levar pro mundo dos não-vivos, que o fizesse
de uma vez e aliviasse todo seu sofrimento contínuo por anos a fio.

- Não, não vim aqui para te levar para morte, querida. Eu sinto muito por isso.

- Quem é você!? Por que está lendo minha mente!? - Rápida, e finalmente, a garota levantou-
se num sobressalto (havia abaixado para ver o túmulo do cachorro), finalmente incomodada
com o velho.

- Não estou lendo sua mente. Não sei o que pensa, mas sinto o que sente. E sinto muito bem.
Há tempos os deuses e demônios levaram minhas vistas. Agora não mais vejo, mas eu consigo
sentir... melhor que os homens que por aqui passam.

- … - Ela respirava descompassadamente.

Quem era aquele velho e o que raios queria consigo!? Será que seu sofrimento nunca
terminaria, afinal!?

110. A LUXÚRIA DA MORTE – Parte 3


Aviso: Violência sexual nesse capítulo.

- Quem é você e o que você quer!? - Ela perguntou, rapidamente, para o desconhecido idoso (e
muito feio) que apareceu para si em meio aquela floresta escura e sombria.

- Isso não é importante, querida. O importante é quem você é e o que você quer. - E quando
ele disse isso, ela ficou confusa, mas acabou que por este motivo mesmo, não conseguiu dizer
mais nada. Apenas ficou a ouvir o que o desconhecido lhe dizia. - Você está com ódio dos seres
humanos. Está com raiva de todo Allas. Você foi vilipendiada e maltratada desde que se
entende por gente, não... na verdade, você já teve o amor de um tutor e mentor. Você o perdeu
para doença, a doença que atingiu a sociedade porque seu governo, o rei, não cuidou de seu
povo, não lhes deu saúde e decência. Porque seu povo não mantém a higiene corretamente, e
se aproveita das matas e dos seres irracionais para seu bel proveito sem fazer nada em troca
para o mesmo, e enquanto isso, toda a natureza morre e automaticamente se vinga, adoecendo
as pessoas boas (e as ruins também) neste mundo. Você está com ódio porque a última gota de
bondade e amor, em forma de um ser... eu sinto o cheiro de um ser enterrado aqui, um
pequeno peludinho... este lhe era seu último encanto, seu último sentimento bondoso. Sua
criadora, a mulher que te deu origem ao mundo, te abandonou para ser refém de outrem,
enquanto ela mesma se sacia e foge do mundo e da vida no Allas, largando sua filha às moscas,
e também, aos... aos malditos demônios que andam entre os vivos, sugando a felicidade e a
infância das crianças. Claro... você está com ódio do mundo, porque quer se vingar. Porque
sabe que o mundo é apenas dor, sofrimento, desonra, egoísmo, hipocrisia, ganância, inveja e
solidão. Solidão. Estamos todos sozinhos. Você está sozinha. Vendo a todos aqueles que se
importaram de verdade e amaram você partirem um por um, pelas mãos daqueles que te
odeiam também, enquanto aqueles que deviam te amar, viram-lhe as costas e não se
importam. Eu sei, eu entendo... eu sinto a sua dor, minha querida.

- …! - A garota estava completamente em choque.

Como é que aquele maldito sabia daquilo tudo!?

Em um determinado momento, sentiu um frio na espinha, porque lembrou-se de uma aula


com sua professora. Era uma aula de artes (que também se unia um pouco a história), onde
ela lhes contava sobre o panteão de deuses e demônios, e dizia que aos poucos, as pessoas
acreditavam menos naquelas “lendas”, ela dizia. Mas ela lhe contou sobre cada figura
mitológica e sobre o que cada um fazia ou protegia ou assombrava.

E em meio aquilo, ela só concluiu uma coisa... aquele ser, aquele velho esquisito cego,
definitivamente, não era humano.

- Eu... eu sinto isso... eu sinto isso que o senhor falou. - Ela disse, sem conseguir mais fugir,
nem se esconder, nem temer, apenas... apenas se jogar com tudo dentro de um poço fundo de
uma vez.

Será que isso seria sua salvação ou perdição? Ela não queria mais saber. Nada importava
agora. Nada mais...

- Eu sabia, ó minha jovem. E vou te dizer, eu estou aqui... não como homem, mas como
salvação, para te estender a mão. - E ele o fez, esticou o braço cadavérico e pálido, já com cor
de morto mesmo, para a garota. Seus dedos compridos, ossudos, parecia que iam se quebrar
com apenas uma encostada.

Mas ela agarrou-lhe a mão e ele lhe levou para uma viagem pelo tempo e espaço, conhecendo
o início e o fim de todas as coisas que existem, e então, naquele momento (ou em todos aqueles
momentos) ela pôde ter certeza...

Ele não era um ser humano de fato.


Alguns anos depois... as coisas se repetiam, mas aparentemente, tudo estava diferente.

A garota acordava de manhã, e todo o tempo em que dizia pros “pais” que estava na escola,
na verdade, estava na floresta sombria, aprendendo outro tipo de educação.

E mais tarde, retornava para casa, comia, fingia que fazia a lição, mas na verdade, meditava
para tudo o que enfim acreditava.

E por fim, ia deitar-se.

Novamente, de noite, como em todas as outras, seu quarto era invadido. E novamente, sentia o
corpo fétido de bebida barata deitar-se sobre o seu.

Mas como estava havendo naqueles tempos de “agora”, sua face não expressava ou esboçava
nenhuma reação. Ela não mais chorava, sequer dizia alguma coisa. E isso, pelo visto, irritava
o seu algoz, que ficava irrequieto e insatisfeito.

- O que está havendo com você, hein!? Parece um defunto! Preferia quando gritava, chorava e
esperneava, quando me pedia para parar! Agora parece que estou fodendo um cadáver!

- … - E então, os olhos mórbidos da garota, que antes pareciam esverdeados, mas agora eram
do mais puro negro da noite, encaravam-no e diziam. - E você está certo. Está mesmo fodendo
um cadáver.

Neste dia, horrorizado, ele levantou-se tentando guardar suas “coisas” o mais rápido que
podia nas roupas, e em choque, saiu do quarto.

- Você está horrível! Está virando um monstro! Não sinto mais tesão por você!!!

E então, um sorriso surgia na face da garota em meio ao breu de seu quarto cor-de-rosa,
porém, as paredes já descascavam um pouco com o tempo...

Um belo dia, a garota retornava da floresta para sua casa. Ela olhava pros lados e tudo o que
via era caos, egoísmo, dor e maldade.

De um lado, havia um marido que claramente batia em sua esposa, pegando-a pelo braço e
obrigando-a a entrar em casa. Do outro lado, um vendedor de frutas que pegava as frutas
podres que sobravam das que sua mãe jogava fora da colheita e vendia-as por um pouco
menos do valor original para pessoas que não tinham muito dinheiro, logo, não tinham quase
o que comer. Em um canto, haviam crianças obrigadas a roubar, porque não tinham do que se
alimentar, e logo, vinha um carrasco do rei cortarem-lhes as mãos para que nunca mais isso se
repetisse. Ela apostava que elas, assim como ela própria, estavam cansadas de suas vidas
mesquinhas e ignoradas, encarando nas janelas das casas, supostas famílias felizes
alimentando-se de banquetes ferrenhos, enquanto elas sentiam-se carcomer por dentro de
fome e doença. No outro canto, via a mulher do carpinteiro, cujo homem trabalhava feito
condenado para manter suas mordomias, enquanto ela claramente tinha caso com todos os
homens do vilarejo (incluso seu próprio padrasto).

E por toda parte aquele ranço lhe dava nojo, lhe dava ódio... aquela existência desgostosa...
aquela vida amarga... aquelas pessoas destruídas e destruidoras todas se amontoando como
uma bola de carne gigante e desforme, uma bola de câncer, um tumor maligno, que ia
carcomendo o Allas e tirando tudo o que havia de bom dele...

A natureza, as plantas, os mares, os animais...

Ela não aguentava mais isso.

Ela não aguentava mais nenhum pingo.

Isso tinha que acabar...

TINHA!

Lembrou-se rapidamente de tudo o que vivera até ali. Do brilho feliz nos olhos de seu pai, da
ofuscação de suas vistas fundas em meio a doença até a morte; do brilho jovial de sua mãe, do
completo apagamento de seus sonhos sendo relevados através de muito trabalho e álcool; do
rabo feliz de seu peludo que se balançava todas as vezes ao ver a garota chegando do colégio,
completamente inocente e ingênuo, que se apagava em um meio de uma poça de sangue
gigantescamente viva no chão da sala de estar; a cara de parazer de seu padrasto ao lhe
percorrer pela cama todas as noites não dormidas...

E de repente, ela explodiu em uma mana gigantesca (que obviamente não era sua... era
de...)!!!!

E, de repente, todo o vilarejo, com todas as casas, e todas as pessoas que moravam antes ali, não
mais existia em todo Allas.

Simplesmente tinha desaparecido.

Muito mais velha, andando pela cidade, sua beleza era notável. Ela parecia que nunca
envelhecia. Parecia que só se tornava mais e mais bela, um reflexo da deusa da beleza. Uma
mana do deus da morte. Não dava para sentir, no entanto, durante todos esses anos, todo o
tempo que havia treinado em aprimorar sua mana, havia feito o mesmo com a habilidade de
reprimi-la o máximo que pudesse. Não chamar a atenção, essa era a maior regra. A regra que
ele lhe ensinara...

Se enganava quem achava que Sekhs invocara por Razaranje, como a lenda o dizia.

Sekhs não o invocara...

Ele invocara ela.

Ele a escolhera em meio a bilhões de pessoas em todo Allas.

Ele escolhera ela, porque ela era a criança prometida. A criança que carregara todo o ódio do
mundo em suas costas, não só o seu do seu passado maligno.

Assim como todo universo tem um messias (ou vários).

O Allas também tinha a sua.


Os milênios treinando em meio ao mundo da morte... sim, milênios. A potência de Raza lhe
jogava dentro de um mundo atemporal, onde a vida no Allas paraticamente paralisava-se
para que ela pudesse treinar o quanto mais conseguisse. Então, toda aquela sua mana tinha
origem, não era desproporcional. E isso também talvez explicasse sua beleza atemporal.

Era para Sekhs ser antiga... ser milhões de anos mais velha do que realmente era... porque
dentro daquele portal do tempo, ela viveu isso tudo. E treinou cada segundo que pôde com seu
mentor, o próprio demônio maligno.

Passando pela rua, todos os olhos se viravam para ela. Sua beleza, como já fora dito,
encantava quase que qualquer homem ou mulher que passasse por si. Todos eram afetados.
Era tão irônico...

O sentimento de amor para si deixou de ser existente. Ela não mais amava ninguém. Exceto é
claro, o Allas e tudo de bom que as pessoas corrompiam. Mas era impossível para si amar
qualquer que fosse o humano a sua frente.

E o tesão, o sentimento de atração sexual, aliado ao amor ou não, também não lhe era
inerente. Ela havia transado com mais várias pessoas, feito verdadeiros bacanais, homens,
mulheres, às vezes com os dois, às vezes com muito mais de dois... e mesmo assim, ela não
sentia absolutamente nada. Ela tinha orgasmos, seu corpo funcionava normalmente, mas ela
parecia não sentir parazer real naquilo. Era apenas... por fazer.

Talvez isso explicasse... talvez ela fosse de fato ninfomaníaca. Dizem que a ninfomania é uma
busca desenfreada pelo parazer sexual que nunca é saciado e que só leva a pessoa a fazê-lo
mais e mais. Bom, essa seria uma ótima explicação para o que ou quem Sekhs realmente era.
Sexo nunca a satisfazia, ela nunca sentia parazer e aliado a isso, apenas fazia mais e mais.

Mas cada vez mais era apenas como comer um almoço sem sal. Em um constante ato rotineiro
de colocar a comida no parato, pegar com o garfo, levar a boca, mastigar e engolir.

Não havia parazer, apenas automação.

Talvez ela toda fosse feita disso agora...

Automação.

Só havia uma coisa que lhe acendia a chama de estar viva (e sim, agora era o que ela mais
queria): SUA VINGANÇA CONTRA TODOS OS SERES HUMANOS DO ALLAS.

A vingança que Raza reservara para si.

111. A GRANDE BATALHA FINAL – Parte 3

- Está olhando pro centro dessa cúpula de mana?

- Aham.

- Está vendo essas pessoas?


- Quem são...? São três meninas?

- Sim.

- Tá, e o que elas têm?

- Seus destinos estão interligados com... o seu destino e com o destino do Allas todo.

- Como é...?

- Elas surgirão para impedir seus planos. Está tudo escrito... na profecia.

- Profecia...?

- Sim, a profecia de Razaranje, Absolutan e a Quimera... Na lenda primária e original que


viaja pelos multiversos, Razaranje, o rei demônio destruiu seu rival Absolutan, o deus da
neutralidade, padroeiro dos seres humanos. E foi tudo muito fácil para nós, os destruidores do
tempo e espaço, dos multiversos, do Allas inteiro. Porém, em um determinado momento no
tempo e espaço, Absolutan reparando na repetição da vitória do arcaico inimigo sobre si, uniu
suas forças a raízes humanas de sangue e carne. E com o passar dos séculos, surgem no Allas,
três criaturas que formam a ponte de sentimentos... você tem os dois guardiões, um do
malefício, outro do benefício, e um guardião mediúnico que une os dois em um sentimento
profundo de amor. Essa união tripla com poderes humanos criou a criatura chamada
Quimera de Mana, cujos poderes assemelham-se e “sugam” os poderes Absolutânicos.
Consequentemente, com essa nova arma secreta, o deus da neutralidade conseguiu destruir
seu arqui-inimigo Razaranje, destruindo assim a soberania dos demônios sobre o Allas e a
existência.

- Então, você está me dizendo que você, como representante atemporal e inumano de
Razaranje nesse século, me escolheu como seu vaso para que você, assim como Abso... aquele
inútil, urgh... pudesse ter uma “arma secreta” para poder enfrentar Quimera, a arma secreta
do seu inimigo?

- Exatamente.

- Isso é... - E então, Sekhs sorriu. Um sorriso cruel e voraz. - Brilhante.

E sim, as três crianças que ela previa na cúpula do tempo e espaço eram claramente as três:
Ranik, Iluzia e Noctana.

---

Finalmente, toda a cavalaria chegou o mais próximo que dava das chamas vulcânicas.

- Que fantástico... - Disse um cavaleiro randômico (hue), montado em seu cavalo, armado até
os dentes. - Como vamos entrar na porra dum vulcão!?

- Esse plano “brilhante” foi ideia de Sir Mysic da guarda real de Veligrad.

- Onde ele está com a cabeça?

- Não sejam impacientes! - Mysic disse, de repente, invadindo a frente de batalha com seu
cavalo, imponente, usando sua armadura real de aço com o escudo do rei. - Eu tenho um
plano. E eu tenho certeza, mais que absoluta, que Razaranje está aí dentro junto a Quimera
de Mana.

“Este deve ser o lugar mais bem guardado do mundo todo...” pensou o guerreirão.

---

- Vocês vão descobrir agora as origens da verdadeira lenda, aonde Razaranje com todo o seu
poder obscuro derrota seu arqui-inimigo inútil aliado dos humanos imundos! EU VOU
DESTRUIR VOCÊS E VOU DAR CABO DO MEU PLANO PRO QUAL FUI ESCOLHIDA,
ASSIM COMO VOCÊS, DESDE O MEU NASCIMENTO E TRANSFORMAÇÃO!!! - Então,
aquele monte de energia gigantesca que assolava o Allas todo foi comprimida dentro do corpo
de Sekhs, que começou a brilhar como uma esfera de magma azulado.

E então, ela começou a se transformar em algo inumano... algo... que lembrava mais uma fera,
uma besta gigante, que era a união de vários animais em um corpo só. Na frente do busto duas
enormes patas de gorila levantadas, logo abaixo haviam patas de cavalo para auxiliar na
velocidade da corrida, atrás pernas de algum tipo de felino para melhorar a agilidade e os
saltos, como rabo uma cauda de escorpião contendo veneno dividida em três (sim, três caudas
em uma), nas costas um par de asas de águia, na face, a união do rosto de uma mulher com
olhos de aranha (vários olhos para poder enxergar em várias nuances e em maior velocidade),
mandíbula de tubarão (com mais de uma fileira de dentes cortantes poderosíssimos em uma
mordida de toneladas de força), e seu corpo era todo encouraçado com escamas de crocodilo
super duras e resistentes.

- Mas que merda é essa!? - Disse claramente a voz Iluzia da Quimera.

- Ela é uma Xamã, seus poderes incluem “summonar” animais e é claro, transformar-se
neles... - Noctana respondeu no duo.

- Se transformar num animal, beleza... mas essa merda aí tá longe de ser um animal! Essa
porra é o zoológico inteiro!!!

E então, aquela figura mitológica voou (literalmente) para cima da minúscula Quimera (que
realmente ficava minúscula lutando contra aquilo). Ela rapidamente conseguiu escapar por
entre o corpão gigantesco do bicho, que de tão grande que era, logo bateu nas “paredes” do
vulcão, quase causando a destruição do mesmo, e consequentemente, o soterramento de tudo
ali (em um mar de magma, terra e rochas flamejantes).

- Essa porcaria... ela não tá nem aí pro vulcão, essa merda vai quebrar e vai nos soterrar
junto! - Disse Iluzia, ainda furiosa.

- Não se a gente puder fazer algo sobre isso! - E então, as duas concordaram com a mesma
cabeça, indo voando de encontro com Ranik no chão, ainda sendo segura por um fiozinho
minusculamente fino de vida.

E logo depois, elas criaram um portal.

- NÃO, VOCÊS NÃO VÃO FUGIR...AAAARGH! - Disse a figura gigantesca e demoníaca dos
animais misturados, com uma voz que mais parecia um rugido bizarro.
Só que elas fugiram com Ranik nos braços. E é claro, Sekhs (o Xamã) não ficou nada feliz com
essa história.

Tanto que logo depois, explodiu em mana (ainda sendo um monstro gigante) e destruiu todo o
vulcão como já esperava.

E logo ali perto, vários cavaleiros agora corriam tentando se salvar da avalanche em chamas.

- GRANDE PLANO, MYSIC! GRANDE PLA...! - Mas antes que mais algum cavaleiro
pudesse reclamar, seus olhos paralisaram de medo ao ver aquela criatura. Seus lábios não
mais proferiram nada, até porque... aquela visão era o suficiente para calar qualquer um e
qualquer coisa.

Sim, agora todo o exército via aquela criatura, e incluso, Mysic, Glaz e Zel.

A maga negra levou a mão a boca, horrorizada, e então, a Rainha dos Disfarces finalmente
soltou:

- É aquela coisa que é o xamã? Meus deuses... Será que elas estão bem? Onde elas estão!?

Mas Quimera não tinha se teletransportado tão para longe assim, pois sabia que não
adiantaria. Se não enfrentasse Sekhs, o Allas seria destruído, então não tinha jeito. Ela só
queria sair do vulcão e impedir a morte prematura de Ranik, a ponte que as mantinha vivas.
E para complementar, Quimera estendeu a mão e jogou um pouco de sua gigantesca mana
(não em comparação a de Sekhs, mas ok...) na guerreirona, para mantê-la viva como dava,
mas era óbvio, não conseguia fazer milagres. Era apenas algo temporário.

- Por favor, Ranik... Não morra, por favor. - Agora não dava para saber de quem exatamente
era a voz, mas ainda sim, os lábios duplos de Quimera tocaram os lábios sujos de sangue da
guerreirona, para logo depois, teletransportar-se de novo por um portal de volta ao campo de
batalha contra a besta mitológica de Raza.

- Agora sim, nós podemos nos enfrentar de verdade, bonequinho de Razaranje. - Disse a voz
múltipla da Quimera, sorrindo confiante.

- Não conte vantagem antes do tempo, marionete de Absolutargh! - Disse a voz demoníaca da
besta-fera, quase rugindo, e como sempre, detestando o nome de seu inimigo.

Quimera começou a criar uma esfera de energia gigantesca, e enquanto isso, os guerreiros
finalmente fugidos do desastre do vulcão, podiam ver de camarote a situação.

- Elas estão ali! - Glaz apontou para esfera gigantesca de mana que se formava no céu.

- Por favor, fique bem, Iluzia... - Pensou Zel, baixinho, em voz alta.

- É uma batalha épica de deuses e demônios a frente do nosso tempo. - Admitiu Mysic, mas ao
mesmo tempo, pensava preocupado “Onde está Ranik? Será que ela está bem?”.

- Você acha que isso vai me deter, idiota!? - Gritou o demônio besta, voando para cima de
Quimera, nem aí para esfera de mana.

E então, a Quimera a lançou. O demônio besta a amparou com seu escudo de mana que
envolveu seu corpo, mas como já era esperado, era uma esfera psíquica...

De repente, de volta a mente de Sekhs, vieram todos seus pesadelos em vida. Todas as coisas
horríveis que já tinham passado. Anos e anos em poucos minutos... segundos... e...

- Hehehe.

- …! - Quimera ficou em choque. Como assim aquele ser estava rindo de si!? Quanto maior o
sofrimento, mais difícil era fugir desse golpe, não era!? Aquela porcaria estava longe de ser
humana mesmo, não!?

- Você achou mesmo que um poderzinho de elementos escondendo um poderzinho psíquico de


pesadelo infinito ia me derrotar? Mas que merda, esperava mais de você... Eu sou Razaranje.
Eu sou todo ódio, dor e sofrimento do mundo. O meu deus das trevas me colocou todo seu
poder, e me transformou em uma continuação viva de si. Você não passa de um brinquedo,
uma arminha fraca e frágil. Somos diferentes, eu sou muito mais PODEROSA!!! - Disse
Sekhs-monstruosa, voando de novo para cima da Quimera, e então...

Agarrou-a com a mão gigante de gorila e começou a bater com ela no chão, como uma criança
pequena que bate com os bonecos no piso. Com toda a violência, Quimera só sentia seu corpo
doer e doer, sofrer e sofrer... Claro que ela usava a defesa de mana ao redor de seu corpo, mas
mesmo assim, esta não era forte o suficiente.

Vamos lá, Sekhs conseguiu destruir a defesa absoluta de Ranik.

Logo depois, o ser lançou a Quimera pro alto, abriu a boca e...

A ENGOLIU!!!

112 – A GRANDE BATALHA FINAL – Parte 4

Calor.

Tudo o que eu sinto é calor... e líquido. Mas não um líquido “aguado”, é um líquido denso e
intenso. “Cremoso”.

E tem cheiro de morte.

Sangue?

Tudo está vermelho. Por que está vermelho?

Ah sim... o Xamã. O xamã que na verdade era A Xamã. Sekhs, a taberneira...

Nunca gostei daquela filha da puta.

E também tinha... a Quimera. E Ranik com a vida por um fio.

Ranik que a gente tentou jogar algum tipo de feitiço para mantê-la viva, mas... será que ela
ainda está viva?
Eu não sei, eu não sei de nada. Eu não... não consigo enxergar nada, apenas... vermelho.

Eu não sinto mais meu corpo, como se ele tivesse se desfeito, será que... será que desfez?

Eu não lembro muito bem o que aconteceu, só sei que eu e Iluzia estávamos lutando
transformadas na fusão de mana, e aí então...

Pera.

O Xamã virou aquele monstro gigante, aquela besta-fera horrível e nos... O xamã nos engoliu,
não?

Sim, o xamã nos engoliu.

Com sua enorme mandíbula de tubarão recheada de dentes, fileiras e fileiras deles, todos muito
bem afiados e então...

Ela nos mastigou até nos transformar em uma...

Pasta de carne, tripa e sangue.

Pera...

Então, a gente morreu?

Eu estou morta agora?

Mas que... droga.

Eu não imaginei que fosse assim... digo, a morte.

Eu imaginei que fosse diferente.

Mas o que eu achei afinal?

Que eu ia para um lugar claro, sagrado, puro e lindo...? Caramba, eu sou uma assassina.

Eu matei minha família com minhas próprias mãos, ainda que fosse por culpa do Pakao.

E também... sou o próprio demônio de mana, o que eu esperava!?

Meu sangue sempre foi amaldiçoado graças ao exército negro...

Eu já devia ter aceitado que o meu fim seria num mar infinito de sangue dentro do tempo e
espaço.

E isso até que é um pouco nostálgico afinal...

---

Frio.
Sinto tudo ao redor gelado.

Uma sensação esquisita no tato, na pele... vento? Ar frio?

Não, parece água. Gelo... água corroendo-se de tão gelada.

Mas onde caralhos eu tô!? Por que teria água gelada ao redor!?

Não faz sentido.

Ranik!? Noctana!?

Onde estão vocês!?

Onde eu estou...? Não consigo ver meu próprio corpo.

Só sinto e só vejo isso...

Eu vejo algo?

Sim, colorações em tons de azul.

Vários tons de azul.

Não faz sentido algum. Será que eu estou cega?

Mas se estou apenas cega, por que é que parece que meu corpo não existe?

Será que eu estou... morta?

Não, não tem como eu estar.

Eu era a Quimera de mana, o ser supostamente do destino, da história...

O ser que salvaria o Allas, mas...

Eu me lembro de alguma coisa... O que é mesmo?

Aquele ser gigantesco horroroso (o zoológico) em que o Xamã transformou-se.

Aquela porcaria não foi afetada por nossos golpes... nem na maneira elementar, nem na maneira
psíquica.

Então que caralhos de golpes deveríamos usar contra ele!?

Pera... ele tinha atacado a gente, não foi?

Não lembro direito.

Por que está tudo enuviado?

Sim.
Sim, ele nos atacou, sim.

Não, pior que nos atacar, ele nos engoliu...

Mas eu não lembro de descer por sua garganta até o fundo de sua barriga, eu só lembro de...

…!

Ele nos mastigou.

Urgh... enjôo.

É doido sentir-se enjoada, ainda que não reconheça a presença do seu corpo ao redor.

Mas pera, se eu tô enjoada, eu não tô morta, né?

Porra, vai ser muito fodido se no post-mortem a gente continuar sentindo enjôo, vai se foder.

---

De repente, Ranik abriu os olhos, arregalando-os de terror. Ela tinha acordado num choque
como quem é despertada com massagem cardíaca e retorna da morte depois de ter conhecido
o além. E isso só aconteceu, porque ela sentiu...

Ela sentiu-se “tocando” as duas que tinham a conexão de alma consigo no post-mortem. Sim,
da mesma forma que Ranik visitou por alguns minutos (ou horas?) o além, ela sentiu as duas
a quem tanto considerava (e inclusive amava) fazerem o mesmo, foi isso que lhe despertou
com tanta fúria.

A Quimera tinha então...?

Iluzia e Noctana tinham...?

As duas estavam mortas?

Mesmo sendo só um zumbi do que ela era normalmente, Ranik foi paraticamente se
arrastando pela floresta onde se encontrava, tentando se aproximar do que antes eram
“destroços” de um vulcão que fora explodido pelo inimigo gigante.

Ela o via ali, mas ele era apenas uma imagem borrada gigantesca... de algo colorido e
desforme... o que era aquilo?

De fato, ela não tinha visto Sekhs tornar-se aquele monstro gigantesco. Ela não sabia nem
mesmo que Sekhs era o inimigo. Mas sabia que aquilo era ele, o Xamã, pela energia
enegrecida gigantescamente gigante que sentia.

Então continuava a mancar se arrastando como dava... se apoiando nas árvores e pedras...
quase desmaiando, mas sem desistir.

O que ela esperava...? O que ela esperava fazer com aquele monstro gigantesco naquele
estado?
Se vingar...?

Se vingar pela morte das duas...?

---

Mysic colocou a mão na boca, horrorizado. E assim ficaram também as outras duas
conhecidas da Quimera logo ao lado. Todos eles tinham acabado de presenciar aquela cena.

A cena do Xamã-bestial abocanhando e...

Mastigando a Quimera de mana.

113 – A GRANDE BATALHA FINAL – Parte 5

Todos estavam bestificados o suficiente... Nunca esperariam que a Quimera fosse derrotada
assim tão fácil pelo Xamã. Tá certo que ele era um monstro gigante com uma mana negra tão
poderosa que percorria todo o Allas. Mas era a Quimera... A Quimera não era qualquer coisa,
os três sabiam (Mysic, Glaz e Zel), e enquanto Ranik continuava quase engatinhando até o
monstrengo que estava pronto para destruir todo o resto do Allas, eles deixavam suas
lágrimas escorrerem.

- Não... Isso não pode ser verdade, não... - Disse Glaz, já tendo uma crise de choro. E logo viu
Mysic aproximar-se de si, oferecendo seu ombro amigo, que ela acabou aceitando mesmo não
se sentindo tão íntima assim do líder do exército real de Veligrad.

- … - Zel já estava completamente bestificada. Não conseguia nem sequer soltar lágrimas. Era
surreal demais.

- Você está bem? - Mysic perguntou para a maga negra, que simplesmente encarou-o ainda
completamente sem reação. Ele também não soube mais o que dizer.

A Rainha dos disfarces soluçava.

---

Noctana começou a piscar, quando de repente, se viu de novo naquele recinto que já
conhecera anteriormente... sim, aquele mundo totalmente branco sem céu nem chão, onde seu
corpo parecia apenas flutuar e um vento, vindo do nada, assoparava suas vestes, enquanto paz
invadia suas veias.

Rapidamente, ela enxergou outro corpo logo ali. Mas não era daquela estranha mulher de
vestes brancas esvoaçantes com seis asas nas costas, não. Era uma figura conhecida... sim,
bem conhecida. E assim como ela, estavam as duas sem vestimentas. Sim, completamente
nuas.

E elas ficaram envergonhadas, porém... a sensação de ver um conhecido no post-mortem era


muito boa para dizer a verdade.

- Iluzia...?
- Noctana.

Uma disse para outra.

E então, de repente, um terceiro ser invadiu o recinto. Agora sim, a assassina sombria
reconhecia novamente aquela pessoa com quem tivera uma conversa, antes da luz cegante lhe
despertar...

É...

Talvez o inferno não fosse um mar de sangue.

Ou será que não?

- Bem-vinda, Quimera de Mana. - Assim a mulher lhes chamou com aquela sua voz
igualmente celestial, tal qual sua aparência.

Era difícil definir... quase como se ela tivesse uma forma diferente para cada uma das duas...
sim, elas estavam devidamente separadas embora tenham sido chamadas pelo nome da fusão
pela figura mitológica.

- Você... é Absolutan. - Disse Iluzia, bem esperta. Noctana ficou meio bestificada por alguns
segundos, até a maga implicar consigo, obviamente. - Ora bolas, vai dizer que você não sabia
mesmo!?

- … - Noctana suspirou. - Eu nem mesmo achei que fosse vir pro paraíso ou algo assim.

- Vocês não estão no paraíso. - E quando a voz disse isso, as duas se entreolharam. É, dessa vez
até a maga de luz estava surpresa.

- Viu, não sou só eu que erro as coisas... - Respondeu a de pele escura e olhos esverdeados,
zombando da loira, quando percebeu que a mesma tinha imaginado o mesmo que ela.

- Afff... - E então, cruzando os braços, Iluzia perguntou. - Então onde cacete estamos!?

- Estamos... no que vocês humanos gostam de chamar de “purgatório”. É um espaço


intermediano entre o que seria o reino sagrado e o reino sombrio. A verdade é que... reino
sagrado e reino sombrio são duas coisas muito diferentes do que vocês imaginam ser.

- … - Iluzia parecia bem mais interessada naquele papo religioso que Noctana, que apenas
observava o redor sem muito interesse.

- Mas então existem...?

- O quê?

- Inferno, paraíso, eles existem? Existe o lar dos deuses e existe o lar dos demônios, de onde
saiu Razaranje, né? - A maga perguntou, rapidamente, aproveitando os conhecimentos que
poderia adquirir com tal figura histórica, no entanto...

Absolutan não parecia preocupada (ou seria preocupado?) em responder tais coisas.
- Vocês não precisam saber disso agora. Vocês irão plenamente descobrir a respeito quando
for a hora de suas mortes... Agora é outro instante, outro momento, onde temos outra
importância a tratar.

- Pera, quer dizer que não estamos mortas!? - Agora Noctana adicionou, ficando surpresa
mais uma vez.

- Na outra ocasião em que você veio aqui, você voltou a vida logo depois ou...?

- … - Noctana entendeu o recado, cruzando os braços, emburrada (como sempre).

- Certo, certo. Então, o que é que temos que fazer nesse momento já que não estamos mortas?
Porque, bom... até onde eu lembre, aquele bichão horroroso nos mastigou até virarmos pasta
de gente... de fusão... de mana... sei lá, pasta!

- Ok. Entendemos. - Absolutan disse, acalmando os ânimos com sua voz “iluminada”. - O que
eu quero dizer, não... vocês não morreram. Vocês... não podem morrer, pelo menos, não
individualmente.

E então, as duas se entreolharam, e depois, voltaram a olhar para figura celestial, com muita,
muita dúvida em suas cabecinhas. E era óbvio que a figura sabia disso.

- Pense bem, Iluzia, você já viu isso antes...

E então, uma lembrança vívida surgiu na memória da maga loira sagrada. Sim, foi como se,
do nada, Absolutan a fizesse ter um dejavú ou qualquer coisa do tipo. Talvez um lapso de
memória temporário e...

Ela abriu um sorriso.

E Noctana abriu logo em seguida, porque a mente das duas estavam ainda conectadas.

- Sim, agora que vocês sabem de tudo, preparem-se. Eu deixei mais um presentinho para
vocês...

- Algo que nunca... - Iluzia continuou a frase de Absolutan como se suas mentes também
tivessem se conectado.

- ...Nunca que Razaranje poderia prever. - Noctana encerrou a frase tripla, vinda da boca das
(dos?) três.

E então, mais uma vez, suas vistas encheram-se de luz cegante, para logo depois, elas
“retornarem ao mundo dos vivos”.

---

De repente, o monstrengo que estava correndo em direção ao exército de Mysic, pronto para
virar panqueca, brecou no meio do caminho.

Os exércitos do Allas inteiro não entenderam nada, mas naquele momento crítico, todos eles
começaram a agradecer todos os deuses a quem eles viraram as costas pelo ceticismo.
E então, uma luz parateada fortíssima surgiu de todos os buracos do monstrengo xamânico.

Neste instante, até mesmo Glaz que estava soluçando de chorar (e ignorando que seria a
próxima a morrer esmagada pelo bichão), parou e prestou atenção naquela luz cheia... cheia...
recheada de mana que saía do inimigo.

Mysic mandou o exército parar e esperar com bastante esperança.

E Zel abriu um sorriso como se já previsse o que realmente aquilo era.

E logo ali ao longe, uma Ranik, ainda se arrastando como podia, ficava completamente
bestificada (como todos os outros) ao olhar para aquela cena imprevisível.

Energia parateada fortíssima saindo pelas narinas, pelos ouvidos, pela boca, entre outros
orifícios de Sekhs transformada...

E do nada, toda aquela energia dissipou-se dela, mas continuou a flutuar no ar, montando
novamente um... um só corpo.

Um corpo já conhecido e poderosíssimo.

Quando o exército viu quem era, todos começaram a gritar e urrar de felicidade!

Sim, Quimera de Mana tinha voltado para mais uma!

114 – A GRANDE BATALHA FINAL – Parte 6

- Por que vocês voltaram!? Querem ser mastigadas de novo!? - Urrou o monstrengo Sekhs,
furiosíssimo. Ele realmente achava que já tinha se tornado vitorioso. Não conseguia
compreender como um ser que havia perdido o corpo inteiro conseguiu se refazer.

- Você pode tentar de novo, querida Sekhs. Uma, duas, três, infinitas vezes se quiser, mas
vamos sempre voltar. Sabe por quê? - Responderam as vozes em uníssono.

- Urgh...

- A carne é um recipiente temporário. Como diz nosso nome, somos... somos uma criatura de
mana. - E logo depois que disse isso, a Quimera foi voando para perto da Besta-fera, que
tentou lhe agarrar com a mão de gorilona e já lhe espremer como um mosquito.

Ela conseguiu, mas logo a energia parateada saiu de sua mão e formou-se no corpo da
Quimera inteiriço de novo.

E ela fez isso mais vezes, de novo, de novo e de novo...

Sim, várias vezes, era como se a Quimera fosse “morrer”, mas seu corpo se refazia como se
nada tivesse acontecido consigo.

Sim, ela era... indestrutível.


Os espectadores estavam completamente estupefatos com aquilo tudo. Que espécie de ser era
aquele que parecia simplesmente imortal!?

Foi então que a face de Zel contorceu-se em uma conclusão lógica.

Mas ela não podia, não se atreveria nem mesmo a pensar nisso agora...

Não queria que o Xamã descobrisse...

Descobrisse que Quimera não era imortal como parecia ser.

Era óbvio.

Mas enquanto isso, o monstrengo continuava e continuava “matando” sua inimiga, que
novamente renascia, renascia e renascia. E isso só deixava-o mais furioso, e
consequentemente, o fazia gastar mais e mais mana. Era óbvio, a mana de Sekhs, o Xamã, era
estupidamente gigantesca (sem comparação com qualquer outra mana que aquele Allas já
havia visto). Mas uma fonte de mana era sempre algo esgotável, nunca infinito e uma
determinada hora “secava”. A questão é que, ser aquele bicho gigantesco já era um grande
gasto de mana. Atacar com aquele bicho gigantesco, era um gasto ainda maior.

Bem, por enquanto, ao menos, Sekhs ainda tinha tudo sob controle. Exceto é claro, o fato
simplório de seu inimigo...

Não morrer.

- GRAAAAARGH!!! EU VOU ARRUMAR UM JEITO! EU VOU MATÁ-LA, QUIMERA


MALDITA!!!

- Ué, mas você já tentou de tudo... já nos mastigou por inteiro, já nos queimou, já nos fechou
em seus dedos gigantescos, já nos mastigou de novo... Por que é que ainda não morremos?
Hahaha. - Essa era a típica frase que seria dita por Iluzia, a maga de luz.

- Talvez... talvez eu não precise te matar. Talvez eu possa só... talvez eu possa só te jogar para
outra dimensão. - E então, o Xamã levantou suas mãos pro alto e começou a criar uma esfera
gigantesca de energia sombria.

Nessa hora, o Sol (que não era de fato o Sol e nem se chamava assim, era a estrela gigantesca
de calor que iluminava os planetas, incluso o Allas) foi tapado por tal esfera de energia
sombria gigantesca.

Claro que o exército ficou horrorizado.

E para ser sincero... As mentes conflitantes da Quimera estavam a assustar-se também em


suas cabeças:

- Ela não pode nos prender em outra dimensão, não é? - Noctana perguntou meio chocada.

- Poder ela pode, né? O que resta saber é o que podemos fazer para voltarmos ou coisa assim...

- Talvez se ela tem controle sobre outras dimensões, talvez tenhamos também. - Noctana
concluiu.
- Se não tivermos...?

- Então, adeus Allas.

As duas engoliram seco, mas...

De repente, uma força tripla em suas mentes iluminou-as com a sabedoria do tempo e espaço.
E isso foi o bastante para... Acontecer algo ainda mais inesperado.

A besta-fera do Xamã lançou a enorme esfera de energia psíquica que se encarregaria de


prender seu inimigo por toda a existência em uma outra dimensão bem distante dali para
finalmente poder tirá-la de seu caminho e de seus destino de destruição e vingança para com
todo o Allas, mas...

Rapidamente, Quimera criou ela também uma enorme esfera, esta, de energia parateada.
Esta também cobria o Sol do Allas.

Todos ficaram chocados aguardando a colisão daquelas duas magias poderosíssimas e


inimagináveis, mas...

Ninguém esperava o que se sucedeu a seguir.

A esfera gigante psíquica de Sekhs, simplesmente...

ENTROU na outra esfera.

- MAS O QUÊ!?!? - Um dos guardas gritou, completamente chocado.

- Ela utilizou de um portal de teletransporte, não sei se foi dimensional, ou se foi apenas nesta
dimensão, porém longe de nosso planeta... e se livrou do golpe da inimiga, mais ou menos
como a inimiga faria com ela, defendendo-se. - Zel revelou para todos, afinal, era a única
maga negra ali. Haviam outros magos, como já foi dito, mas todos de energia sagrada como
Iluzia.

- …! - Todos não tinham como, não tinham palavra para explicar aquela batalha. Era a
batalha mais bizarra que aquele planeta já havia visto, de todos os tempos.

Então, tresloucando geral, Sekhs besta-fera começou a lançar várias daquelas esferas de
prisão de outra dimensão, uma atrás da outra. Pelo visto, estava desesperada de vez. E para
defender-se, Quimera continuou criando sua esfera de energia, que na verdade, era um portal
também. Até porque, se aquela porcaria pegasse num civil qualquer, daria problema.

- Elas estão gastando quantidades absurdas de mana... - Zel comentou, admirada e bem séria.

- Essa criatura gigantesca tem mana para caramba. Mas e a Quimera? - Glaz perguntou,
temerosa. Estava feliz por dentro, mas é claro, por ter descoberto que Noctana não havia
morrido, mas... a batalha ainda não havia terminado, então...

Exatamente por gasto de mana, Quimera não estava conseguindo teletransportar todas as
esferas de prisão dimensional do inimigo, e portanto, querendo ou não, algumas atingiram o
Allas.
Uma, inclusive, foi na direção do exército...

- FUJAM!!! - Mysic gritou, e então, os magos, como loucos, começaram a criar portais
embaixo da galera para poder teletransportá-los para um lugar seguro, em milésimos de
segundo, o mais rápido que conseguiam.

- MALDITAAAARGH!!! - Xamã parou, e parecia um tanto quanto ofegante, pelo visto,


finalmente, a perda de mana estava lhe afetando.

Criar uma prisão dimensional, pelo visto, também não era uma magia muito fácil (e simples)
de se criar.

- Já desistiu? Já dissemos, você nunca, nunca irá conseguir nos matar. - Disse a Quimera,
sentindo-se vitoriosa, ainda que com um pouco de culpa (por não ter conseguido salvar todo
mundo do golpe da vilania).

“Fodam-se as pessoas...” Noctana pensou.

“Você é mesmo o demônio da história, né?” Iluzia pensou de volta, fula da vida.

- CALE A BOCA!!! - Xamã gritou, já de saco cheio. E então, começou a rir, e isso assustou as
duas no ser fusionado. - Hahaaha... hahaha... é verdade... não consigo encontrar um meio de
matar vocês, porque... eu não sei... não sei do que se trata. Das outras vezes, eu... eu sei que
Razaranje conseguiu derrotar a Quimera e consequentemente Absolutan, mas... dessa vez
vocês não morrem. Só que... não parou por aí não. Eu sei de uma coisa... vocês... VOCÊS
TAMBÉM NÃO PODEM ME MATAR!!!

- …! - Quimera fez uma cara estranhada, mas logo depois, soltou também um risinho. - E...?

- E daí que meu objetivo nunca foi matar vocês... O objetivo de Razaranje que é. - E então,
sorrindo, o monstrengo começou a criar outra esfera de energia, essa era apenas elementar,
dava para sentir, mas... O que ele queria com isso? Quimera temia, o exército de Mysic
também. - O meu objetivo sempre foi... DESTRUIR OS HUMANOS!!!

- …!!! - Quimera ficou horrorizada.

“Ela está completamente louca! Ela não vai destruir o Allas, né? Ela disse que queria proteger
o planeta e os animais, matar apenas os humanos, então...” Noctana ia pensando, quando a
conclusiva Iluzia lhe respondeu.

“Aquela esfera de energia, ela é... específica”, a assassina conseguia sentir o suspiro da maga
dentro de si, completamente desesperançosa.

“O que quer dizer com específica!?” o lado do demônio de mana não conseguia entender
absolutamente nada daquilo que o anjo estava se referindo.

“Quer dizer que... ela vai lançar isso no Allas todo. Mas os únicos a serem atingidos são...”

“Cada um ser humano!!!” finalmente Noctana entendeu, e então, a Quimera encarou aquela
energia gigantesca surgindo, e parecia maior, a maior esfera que Xamã tinha criado até
agora... ERA POSSÍVEL!?
Ela precisava arrumar um jeito de impedir isso!!!

115 – TRANSCENDENDO O TEMPO E ESPAÇO

Ranik, adolescente, abriu os olhos. Estava deitada em sua macia cama em seu quarto, na
pequena casa de madeira dos seus pais, em meio aquele vilarejo simples e humilde, porém
pacífico.

Levantou-se já ouvindo seu chamado:

- Ranik, vá buscar lenha para que eu possa fazer o café da manhã!

- Ah, ok, mãe... - Levantou-se à contra-gosto.

Foi andando pela cidade, enquanto cada um de seus vizinhos que trabalhavam ali,
cumprimentavam-na.

- Ranik, tudo bem!?

- Aham, obrigada. E você?

- Também tô bem!

- Ranik, como vai sua mãe?

- Ah, tá em casa fazendo o café, eu tenho que pegar lenha...

- Ranik, seu pai tá bom?

- Ah, ele tá dormindo, sabe...? Fez a vigia da madrugada de ontem para hoje, daí tá cansado.
Mas ele logo deve acordar para tomar café também.

- Ranik...!

E de repente, uma senhorinha com cara de bondosa se aproximou da grandalhona


adolescente. Ela tinha cabelos grisalhos num coque arrumado, olhos bem azuis e vestes
grafites.

- Ranik, bom dia!

- Bom dia, senhora.

- Você está indo para a floresta buscar lenha, é?

- Sim, senhora.

- Bem, então aproveite e ajude Noctana. Eu também mandei-a para lá, mas a garota é apenas
ágil, não é forte o suficiente para carregar tantas toras de madeira sozinha.

- Oh, tudo bem...


Ranik foi andando até a floresta, onde se encontrou com uma outra jovem. Esta estava
subindo na árvore (?) e portava em suas mãos uma pequena faca não muito amolada. E dali,
ela tentava cortar os galhos menores, provavelmente, porque não tinha força o suficiente para
lidar com o tronco maior da árvore.

- Ahmm... Tudo bem aí?

De repente, num susto, Noctana escorregou da árvore, mas por sorte, Ranik segurou-a em
seus braços. A garota de pele escura ficou vermelha e logo se retirou, o mais rápido o possível,
dos braços da mais alta.

- Erm... Não precisava ter me segurado.

- Mas se eu não segurasse, você ia cair de cara no chão...

- Eu só ia cair porque tomei um susto com a sua chegada, afff! - Noctana deu de ombros, e de
costas, preparou-se para escalar a árvore de novo, quando de repente, sentiu a mão pesada da
mais alta em suas costas. Virou-se rapidamente como um gato arredio. - O quê...?

Ranik estava com um machadinho na mão.

- Eu também vou pegar lenha, a gente pode dividir, ok?

- Urgh... - Noctana acabou dando-se por vencida, então, deu de ombros, e viu a garota mais
alta fazer o serviço.

Ela era bonita... e forte.

Noctana sacudiu a cabeça e cruzou os braços.

Enquanto isso, uma garota corria estabanada pelo mesmo pequeno vilarejo. Esta garota era
Iluzia. Carregava em seus braços um monte de potes de vidro de poções, a maioria estava
vazio, mas alguns estavam com água. Sua pressa e seu jeito desastrado, só faziam alguns potes
caírem no chão e se quebrarem, fazendo a menina xingar e esbravejar, mas não parar de
correr.

Até que finalmente, ela chegou numa casa que parecia mais um mosteiro, igreja ou algo assim.
E rapidamente, um homem idoso careca e de barba comprida lhe atendeu com um sorriso
carinhoso.

- Minha filha, você tem que tomar mais cuidado.

- D-desculpa, pai. Mas é que...!

Neste instante, ela tropeçou e caiu com todos os vidros no chão. Levantou-se percebendo o que
havia feito e seus olhos encheram-se de lágrimas.

Até que o sujeito aproximou-se dela, pegou em sua mão, vendo que esta estava ferida (por
conta dos cacos de vidro). Rapidamente, retirou de seu bolso um pequeno frasco contendo um
líquido de coloração azulada e jogou umas gotículas sobre o ferimento.

E rapidamente, ele se fechou.

A garota ainda balbuciava um choro contido e orgulhoso.

- Querida, o mais importante pôde ser consertado. O resto há substituição, só não há para
você. - E passou a mão no rosto da filha com carinho.

A loirinha engoliu o choro.

E rapidamente, perdeu o fio da meada, quando viu passar ali mais duas garotas, duas jovens.
Uma era uma que achava bem interessante e bonita, era forte e alta, nem parecia tão nova
quanto ela. E esta estava carregando um monte de toras de madeira, ou seja, lenha. Logo
atrás de si, uma outra garota da região. Diziam ter sido adotada por uma senhorinha, outros
diziam que era filha dela mesmo, de sangue, mas ninguém sabia explicar porque ela tinha a
pele escura, enquanto a idosa era claramente branquela. Talvez fosse um milagre.

Iluzia acreditava em milagres.

Mas mesmo assim, não gostava daquela garota.

- Hey, você poderia me fazer um favor, Iluzia? Enquanto eu busco novos frascos puros e com
água, você poderia ir falar com aquela garota, lhe pedir umas toras de lenha...? Eu posso
pagá-la com alguns trocados se for necessário.

- Ahn!?

- Bem, precisamos aquecer o templo também, não é? O inverno rigoroso já está se


anunciando.

- Er... O-ok. - Respondeu a loira, e um tanto quanto nervosa (por que assim ficava?), foi falar
com a tal da jovenzinha alta.

Finalmente Ranik e Noctana chegaram na senhorinha que era mãe da pequena de pele escura.
Ela, inclusive, birrou querendo levar alguma lenha, ao invés de deixar tudo para Ranik
segurar sozinha, mas... quando a mais alta entregou-lhe algumas madeiras, ela mal conseguiu
carregar 3. Acabou por deixar a grandalhona fazer isso, mesmo à contra-gosto.

- Oh, finalmente vocês voltaram! Muito obrigada, Ranik! - Disse a senhora, toda simpática.

Noctana estava emburrada.

- Ora essa, Nocta. Não seja assim. Agradeça a sua amiguinha, vamos?

- Erm... Obrigada. - Disse ela, ainda muito mal humorada, cara fechada e braços cruzados.

A senhora apenas sorriu e Ranik ficou sem graça.

- HEEEEEY!!! - Uma vozinha pôde ser ouvida em meio a conversa. Sim, uma outra pessoa
tinha chegado logo ali.

Era a loirinha, filha do “monge” ou algo assim, parecia que era uma aprendiz de alquimista
ou coisa do tipo. Ela parecia animada ou alvoroçada, talvez ficasse assim quando estivesse
nervosa e envergonhada.

- Erm... Olá, olá, olá! - Disse paras três (a senhora, Ranik e Noctana, que só ficou mais
emburrada). - Sou Iluzia, filha de Mudar. Vocês podem não me conhecer, mas... Ahm... Erm...
Eu, na verdade, só vim para perguntar se pode me vender um pouco de lenha.

E finalmente, virou-se para Ranik, que ficou um tanto surpresa, mas...

- Ah sim, claro. Toma. - E então, estendeu algumas toras para garota loira.

- Erm... - A garota olhou paras toras. Depois olhou para Ranik. Depois olhou paras toras de
novo. Por que ela cortava a madeira em pedaços tão grandes e pesados!?!? - Você sabe que eu
não vou conseguir levantar isso, né?!

- Acho que ela não sabe, não. - Noctana disse, implicando também com a mais alta.

Que com um sorriso amarelo e sem graça, coçou a parte de trás de sua cabeça.

- D-desculpem... Eu vou levar até o templo para você, fica tranquila! - E então, Ranik
despediu-se de Noctana e de sua mãe com um aceno. A loira, espevitada, nem percebeu que
devia fazer o mesmo, foi quicando e correndo atrás da grandona.

- Ranik é bastante gentil, não é mesmo? - A senhora perguntou para Noctana, que parecia,
naquele momento, perdida em pensamentos, encarando a grandona de longe.

E então, emburrou por esse comentário.

- Erm...! N-não sei do que está falando, mamãe! - E entrou na casa, com a mãe rindo.

“Um dia ela vai perceber que sente mais alguma coisa...” a mãe concluiu sozinha em seus
pensamentos.

Ranik e Iluzia finalmente chegaram no templo, e enfim, Mudar veio recebê-las. A grandona
entregou as toras grandes e pesadas de lenha para o “monge” (que não era isso, mas era como
lhe chamavam por ali, os leigos), e voltou-se para a loirinha, que lhe estendia algumas moedas
de ouro.

- Ahm... para quê isso?

- Ué, eu não disse que ia comparar as toras!? - Iluzia, pelo visto, era uma pessoa bastante
orgulhosa mesmo. Falava dando a entender essa personalidade.

- Não, as toras não tão à venda.

- Então por que você me vendeu elas!? - A loira estava confusa, e um tanto sem jeito ainda de
lidar com a mais alta, mas não demonstraria.
- Eu não vendi. Eu te dei. - E quando ela disse isso, Iluzia parou por um instante meio
surpresa, e logo depois... ficou vermelha de vergonha.

- Argh! Ok, então! Obrigada! - E saiu correndo para dentro de casa, muito nervosa.

Mudar apenas riu e agradeceu a altona.

Que finalmente... pôde voltar para casa.

Quando Ranik chegou em casa, finalmente, com as toras (bem menos do que ela achava que ia
pegar), sua mãe encarou-lhe já sentada à mesa com seu pai, pães e frutas tomavam conta do
lugar. Nasille, seu pai, comia a tudo sem se importar, já Latica estava com cara de poucos
amigos.

- Ranik, você demorou tanto que eu fiz um café com pães e frutas, porque estávamos sem
lenha!

- Erm... Droga. Me desculpa, mãe... - Ranik suspirou, mas deu de ombros, e foi comer os pães
e frutas com sua família feliz.

---

- Você está vendo...?

- Sim.

- Esta é outra possível realidade. Outra realidade para vocês três... uma realidade em que
vocês ainda convivem, ainda se amam, mas não têm nenhum conhecimento ou traço do
destino interligado por Absolutan ou Quimera.

- Então... a gente podia ser feliz?

- Sim, e juntas. Vocês podiam... ter... tudo.

- E como a gente faz para sermos felizes de novo...?

- Vocês têm que...

A sombra branca e iluminada de seis asas dizia, perante uma Ranik caída no meio da floresta
semidestruída.

Agonizando na morte...

- Matar Razaranje.

116 – O DESPERTAR DE NOVOS TEMPOS – Parte 1

- Essa esfera de energia não é uma esfera normal, é uma esfera “exclusiva”.
- O que você quer dizer com isso, Iluzia!?

- Que ela não destrói o Allas inteiro, apenas... apenas os seres humanos!

Sim, Sekhs “virada” no Razaranje, ainda transformada em besta-fera, tinha criado a maior
esfera de energia que o Allas todo já vira e estava pronta para colocar seu objetivo em prática,
considerando que ela descobrira que nunca conseguiria matar a Quimera de Mana, que havia
se tornado imortal.

- Precisamos detê-la!!!

- Como faremos isso? - Iluzia e Noctana ainda conversavam dentro de suas cabeças uma com
a outra.

- Como assim!? A gente não pode teletransportar essa esfera de energia igual fizemos com as
anteriores, não?

- Nem pensar... é uma esfera específica, já disse. Ela só acerta no que tem que acertar, ou seja,
vai passar direto por uma esfera de teletransporte como a que a gente criou antes! - Explicou
a maga loira, só fazendo a assassina sombria ficar mais nervosa.

- Ok. Então, oficialmente, estamos ferradas... - Noctana disse, entregando o ouro.

O desespero estava nos olhos de Quimera e nos olhos de todos os expectadores daquela
batalha absurda.

Porém, uma coisa não previam...

Quando tudo parecia perdido, quando Sekhs ia finalmente “enfiar” a esfera no chão de terra
(para que ela se espalhasse por toda a superfície do planeta), uma luz muito forte brilhou logo
ali, perto de todos...

E eles ficaram ainda mais surpresos, quando descobriram que era...

Ranik.

Todo mundo que já estava estupidamente bestificado com a atitude de Sekhs, simplesmente
parou para ficar do mesmo modo quando viu a guerreira... flutuando.

E não, seu corpo não estava coberto com a mana vermelha.

Na verdade, ela exalava uma mana iluminada, muito muito clara, quase parateada. E quando
a Quimera viu aquilo, já entendera o que se tratava...

“Sim, agora que vocês sabem de tudo, preparem-se. Eu deixei mais um presentinho para
vocês...”

Foram as palavras de Absolutan, antes delas saírem do “purgatório”.

Então, isso só podia significar uma coisa...


A besta-fera parou por um instante para encarar a guerreira flutuante iluminada, mas logo
depois, percebendo que teria pela frente outro inimigo poderoso para enfrentar, tratou logo de
baixar a esfera e tocá-la no chão.

Quimera gritou:

- NÃO! - No desespero, mas...

Ranik foi voando até a superfície, enquanto todos os humanos ao redor se encolhiam, prontos
pro pior.

E antes que toda a vida humana fosse devastada do grande Allas, Ranik SUGOU aquela
energia nociva toda para si.

- RANIK!!! - Quimera preocupada gritou. Os olhos de Mysic também lacrimejaram, o que ela
estava fazendo!?

Assim que terminou de sugar a energia massiva que era destinada para todos os seres
humanos (mas que acabou consequentemente só “afetando” um, no caso, a própria
guerreirona), Ranik levantou-se.

Seus olhos estavam totalmente brancos...

Seus cabelos começaram a esbranquiçar-se também...

De repente, de suas costas, surgiram seis asas. Sim, exatamente como as de Absolutan na visão
de Noctana do purgatório.

Finalmente, a “ponte” ganhara a habilidade necessária para ser chamada de lenda junto a
Quimera de Mana das duas (Noctana e Iluzia).

- COMO!? COMO MEU GOLPE NÃO TE MATOU!? C-COMO QUE... COMO QUE VOCÊ
O SUGOU!? E QUE... ARGH! QUE RAIOS DE ASAS SÃO ESSAS!?!? - A besta fera gritou
em rugidos, transtornada, pois, seu plano finalmente parecia que ia dar certo, mas... Ranik a
frustrou perfeitamente.

O sorrisinho de canto de boca surgiu na guerreira, que não parecia ser mais apenas a
guerreira de sempre.

- Não faz nenhuma ideia de quem eu sou, aprendiz de Raza? - E quando Ranik, que não era
Ranik, falou aquilo, a expressão de Sekhs ficara ainda mais horrorizada.

- N-não...! É impossível! N-não... NÃOOOOORGHHHH!!! - Gritou a besta-fera, furiosa,


correndo para cima de Ranik para poder lhe destruir.

Mas cada golpe no ar que os braços de gorila tentavam acertar em Ranik, simplesmente
desviavam, pois, ela havia ficado tão estupidamente rápida. Era impossível!

- Você ainda não sacou, não é!? Você estava se sentindo tão confiante... tão... tão certa de que
ia continuar me vencendo por conta de ter arrumado essa... essa “aprendiz” forte. Achou que
não precisaria mais lidar com Quimera, porque tinha o bastante. Mas não contava com essa
minha nova habilidade... minha nova “surpresinha” para você. E então, gostou, Raza!?
- CALA A BOCA!!! - E as palavras de Ranik-Absolutan apenas irritavam a besta-fera, mais e
mais, enquanto ela, paraticamente em vão, tentava lhe acertar com seus golpes.

E, de repente, num determinado golpe, Ranik SEGUROU a mão gigante de gorila de Sekhs
com suas duas mãos nuas, como se não fosse nada. O ser enorme tentava mexer-se, em vão
novamente. Sim, a guerreira, com uma força descomunal, segurava agora o mãozarrão
gigante da outra.

- Sua...! Isso é... IMPOSSÍVEL!!!

- Não, na verdade não, Raza-aprendiz. A ponte era... “a semente”. Enquanto Quimera


formava uma existência à parte de mim com os poderes próximos aos meus, eu implantei a
mim mesma dentro do corpo da ponte. E sabe como eu fiz isso? - Ranik abriu outro sorrisinho
confiante. - No momento de seu nascimento.

---

Latica estava na cama, enquanto Nasille jovem vinha correndo carregando um balde de
madeira cheio de panos molhados com água morna. Era importante ajudar sua mulher num
trabalho tão complexo como aquele.

Uma parteira do vilarejo também se encontrava ali, e durante boa parte do tempo, segurava
na mão da mulher dando a luz, pedia para ela respirar pela boca e também para fazer força
(empurrar).

Até que, de repente, o choro de criança começou a ecoar no ar quando aquele não tão pequeno
bebezinho surgiu graças a parteira e foi depositado nos braços de Latica, orgulhosa.

- Há mais alguma coisa que eu possa fazer para ajudar? - E quando o homem questionou isso,
de repente...

Seus olhos ficaram pesados, suas pálpebras começaram a fechar, e então...

Ele e a parteira, de repente, caíram no chão desmaiados.

Era o poder da Bruxa do Tempo, Vremenski.

Ela havia utilizado essa “mana do sono” para poder desacordar os dois presentes, porque um
importante ritual precisava ser feito.

Rapidamente, pegando de seu sangue que já tinha saído na pele da criança, ela fez um
símbolo em seu peito.

- Você é a porta de entrada para Absolutan. Que você abençoe nosso Allas com seus poderes
lendários. Bem vinda ao mundo, Ranik, a ponte e a semente.

---

“Você... você está aqui dentro também!?”

“Sim, ela está, eu consigo senti-la!”


“Por que ela não responde?”

“Ranik!?”

“RANIK!?”

“Olá, meninas. Que bom estar presente aqui com vocês nesse momento especial. Bem, eu
preciso pedir-lhes uma coisa muito importante... Será que vocês podem...?”

“C-claro que sim, mas... você não vai conseguir enfrentar Sekhs sozinha!”

“Pois é, a gente não vai embora sem você!”

“Podem ficar despreocupadas... eu sou uma extensão direta de Absolutan... Eu... não vou
perder”

---

De repente, a Quimera criou um portal fugindo dali. O exército com Mysic, Glaz e Zel não
entenderam nada. Por que a Quimera estava indo embora!? Enquanto isso, Ranik-Absolutan
encarava Sekhs Besta-Fera sozinha. Será que conseguiria derrotá-la!?

- Eu vou matar você, você não é imortal como sua amiguinha fusionada, maldita!!! - Gritou a
besta, e então, energizou o corpo todo e começou a tacar esferas de energia de vários
elementos seguidos.

117 – O DESPERTAR DE NOVOS TEMPOS – Parte 2

para surpresa de todos, Quimera de Mana tinha fugido em um teletransporte, simplesmente


do nada. Ela que seria, supostamente, uma arma poderosa (já que não podia morrer) contra
Sekhs, simplesmente, tinha partido, sem nada dizer ou avisar.

E para piorar, Sekhs, revoltada com tudo, começou a lançar magias elementais sem parar em
cima de Ranik, que escapava sem parar também.

A guerreirona ia ser atingida por uma das magias, quando...

Teletransportou-se muito rapidamente, no ar, e isso tudo sem criar um portal.

- Ela está estupidamente forte! - Disse Glaz, surpresa, ainda montada em seu cavalo.

- Como isso é possível!? Até onde eu soube, Ranik nem tinha muita mana... - Zel respondeu,
confusa, colocando a mão no queixo.

- Isso é mentira. - E quando Mysic disse isso, as duas ficaram surpresas. - Eu já enxergava o
potencial dela. Eu só não sei... não sei como ela conseguiu essa energia agora.

- É... Essa energia em específico não é dela, dá para ver. - A maga negra disse, impressionada
assim como os outros.
- Seria mais fácil você continuar tentando matar os humanos. - Disse Ranik-Absolutan para
Sekhs Besta-fera.

- Urgh! Maldita!!! - E então, para sua surpresa, a criatura bizarra começou a criar pequenas
esferas de energia específica, tal qual a gigantesca que era para acabar com a raça humana de
uma vez. - ENTÃO, VAMOS FAZER DO SEU JEITO!!!

- …! - Ranik apenas sorriu.

E então, ela começou a lançar as esferas para todos os lados, tentando acertar o chão do Allas.

Mas para surpresa dela, numa velocidade anormal, Ranik começou a teletransportar,
novamente sem portal nem nada (ela apenas sumia e aparecia em outro lugar, como se fosse
fácil), e consequentemente, ia sugando a energia tal qual havia feito com a maiorzona.

Sim, como se fosse fácil.

- NÃOOOOOORGH!!! - A besta já estava mais do que frustrada. Aquela maldita inimiga,


simplesmente, tinha acabado com tudo o que havia planejado... Uma extensão de absolutan!?
A odiava por completo!

Em um golpe kamikase, Sekhs finalmente...

Destransformou-se.

Estava nua, completamente. E então, encheu seu corpo de energia, todo o resto de mana que
tinha (que apesar de não ser muito considerando a proporção do início, ainda era mais que
toda a mana junta de todos aqueles magos iluminados que Mysic havia levado consigo).

- Se eu não consigo matar todos os seres do Allas, Ranik! Então, eu pelo menos vou terminar
de vez com essa lenda ridícula, e vou levar você comigo!!!

E quando ela disse isso, se teletransportou também, assim como a guerreirona havia feito. O
que na verdade, foi notado por Zel que, elas não estavam de fato se teletransportando, e sim,
ultrapassando a velocidade cabível para que os olhos dos leigos conseguissem acompanhar
seus movimentos.

E sem que Ranik pudesse prever, Sekhs agarrou-lhe por trás, prendendo-a com seus braços,
soltando o máximo de mana que seu corpo ainda possuía, para que ela não conseguisse se
soltar.

- O que está fazendo, Sekhs!? - Ranik perguntou, e agora parecia ter vindo a pergunta
realmente da guerreirona, e não mais do ser divino da neutralidade.

- O que eu estou fazendo!? Estou derrotando você, estou derrotando Absolutan e sua
Quimera, estou finalmente terminando com essa história! Não pelo Allas ou por Razaranje,
mas sim... POR MIM!!! - Ela gritou, furiosa, e então, a energia que ela emanou cegou a todos.

- O que ela está fazendo!? - Glaz gritou, quase saltando de seu cavalo, mas Mysic segurou seu
ombro, impedindo-a.

- Confie... acredite em Ranik.


- É... ela tem um poder absurdo dentro de si. - Disse Zel, concordando com o grandalhão.

De repente, toda aquela energia cegante...

Simplesmente...

Sumiu.

- O quê!? - Sekhs arregalou os olhos, e então, sentiu seu corpo escorrer, caindo do céu.

Mas Ranik rapidamente voou e a segurou no colo.

- Que merda que...!? Você...!?

- Eu suguei o resto da sua mana, Sekhs. Eu sei que você ia nos auto-destruir juntas. - Disse
Ranik-Absolutan.

E então, voou com a mulher até o chão, posicionando-a ali. Ela tentou tapar suas partes
íntimas, agora, ainda expostas, sem muito sucesso. E com os olhos em lágrimas, e muito, muito
ódio em suas veias, questionou Ranik:

- Me mate! Por que não faz isso!? Me mate! Eu não tenho mais forças! Não tenho mais
energia! Tudo o que eu fiz... tudo pelo qual eu lutei e construí desde que eu era pequena...
tudo... tudo foi em vão!

- Não.

- …! - Sekhs encolheu os olhos, emburrada. - Você sabe... sabe que não acabou! Eu posso ter
perdido minha mana inteira agora, mas ela voltará! E eu vou ficar mais forte! E eu vou matar
você e eu vou arrumar um jeito de matar a quimera! Ou então, vou apenas distrair vocês, e
finalmente, limpar o mundo das pessoas! Eu só preciso recuperar a mana e... um segundo,
apenas um segundo a mais!

- Não, não vai. - A voz dúbia surgiu logo atrás da mulher nua e sem mana, e assim que ela
virou, viu a Quimera de volta.

E havia alguma coisa esquisita em seus braços.

- A QUIMERA VOLTOU!!! - Glaz disse, morrendo de felicidade. Zel sorriu ao ouvi-la (e vê-la)
assim.

- Aquilo é...? - O Sirzão de Veligrad perguntou, enxergando o equipamento esquisito nos


braços do ser fusionado.

E então...

Aquele artefato soltou um “jato de mana”.

Um jato de mana que apenas aquele equipamento poderia criar.

- O quê...!? O que é isso!? - E mais uma vez, Ranik segurou-se no corpo de Sekhs, mas dessa
vez, quem a prendia por trás era a guerreira com 3 pares de asas. - NÃOOOO!!!

A ex-taverneira e até então, ainda ajudante de Razaranje, gritou, percebendo claramente o


que era.

- Arma purificadora de mana. - Disse Zel, lembrando-se do experimento que Iluzia tentara (e
criara) com a ajuda de todos.

- Quê!? - A rainha dos disfarces soltou, surpresa, assim como estavam todos.

A energia do “tiro” invadiu o corpo de Sekhs, e então, começou a “sugar” para fora dela algo
que parecia uma espécie de...

Espírito obscuro.

“Será que vai funcionar!?” pensava Quimera consigo mesma.

“Se não funcionar, meu nome não é Iluzia!” pensou a outra voz, mas a assassina lhe julgou.

“E nesse instante, não é mesmo!” respondeu a sombria.

E então, finalmente, o espírito saiu por completo, flutuando pelo céu. Ranik soltou Sekhs, e
para surpresa de todos, mais uma vez, teletransportou-se, voando pro alto, e enfim...

SUGOU O ESPÍRITO OBSCURO!!!

Quimera mesmo foi a primeira a se chocar, e como consequência disso, ela se dividiu, voltando
a ser duas pessoas (Nocta e Iluzia).

Sekhs desmaiou também, depois de perder aparentemente, o demônio de dentro de si.

E finalmente...

A escuridão que assolou o Allas foi dissipada.

---

- Ahmmm... Ok, e agora? - Disse Glaz, sentada em uma cadeira, muito nervosa.

Todos (não o exército, claro) encontravam-se reunidos agora novamente naquele quarto
“especial” que o Rei de Veligrad havia reservado para elas em seu castelo.

- Agora? Bom, acho que essa loucura finalmente teve um fim. - Noctana disse, suspirando.
Finalmente podia descansar um pouco, seu corpo estava pedindo arrego. E com certeza, a
maga de luz sentia-se da mesma forma.

- Será que teve mesmo? - Iluzia de mãos dadas com a maga negra na cadeira de rodas de
madeira, encarou atrás de si e viu duas pessoas deitadas, cada uma em sua respectiva cama.

Um das pessoas era Sekhs, claro. Que até então não tinha despertado depois que o espírito de
Razaranje havia sido retirado de seu corpo. Não dava para saber então se ela seria “curada”
dessa louca obsessão de matar todos os seres humanos do Allas ou não.
E a outra pessoa era... Ranik.

Sim, depois que Ranik sugara o espírito de Razaranje de dentro do corpo de Sekhs,
rapidamente, o poder de Absolutan dissipou-se e a guerreira destransformou-se, o que
ocasionou em seu corpo caindo daquela enorme altura, já com ela desacordada.

A maga de luz foi rápida e felizmente conseguiu “aparar” a queda da guerreirona. Mas seu
estado, assim como de Sekhs, era um absoluto mistério.

118. A LENDA SE COMPLETA


(Esse capítulo será maior que os outros anteriores, pois, é o último enfim)
Sugestão: Ler o capítulo ouvindo a música “Midnight City” do M83.

“Não sei o que vai ser do futuro, mas... eu sei que agora posso levantar minha cabeça e me sentir
orgulhosa do que fiz. Assim como Mudar, Prom e Stari previram, eu pude doar minha força para
poder salvar todo o Allas da destruição imediata. Eu pude contornar a lenda de Absolutan x
Razaranje, fazendo parte da humanidade, para poder salvar a todos que amo (e até as pessoas
desconhecidas que fazem parte desse mundo). E agora, que tudo chegou ao fim, que eu
percebo...

As coisas estão apenas começando.”

---

De repente, uma maga de luz com roupas muito bonitas e brilhantes de coloração azul-
metálico, acompanhada por uma ex-maga negra com roupas também bonitas e brilhantes de
coloração parateada, flutuavam pelo buraco designado para isso, dentro de uma torre na mais
afastada montanha congelada de Snijeg.

Enfim, no último andar da mesma, Iluzia e Tamnazelnoc encontravam-se diante do conselho


de magos premonitórios cegos chamados de Oráculo.

Era o dia mais importante na vida da loirinha baixinha, e é claro, a sua namorada
(paraticamente esposa?) tinha que lhe acompanhar neste momento...

Sua condecoração como líder dos magos sagrados por ter criado a arma purificadora de mana e
ter salvado todo Allas como assim dizia a profecia de Stari.

---

- Então Iluzia virou líder dos magos de luz, é? Quem iria imaginar... - Glaz disse, coçando o
nariz.

A rainha dos disfarces ainda estava na capital Veligrad, isso porque, querendo ou não, era o
lugar mais lucrativo pros seus roubos. Claro que ela o fazia quando Sir Mysic não estava de
olho nela, ou qualquer outro dos guardinhas.

Nesse instante, jogava conversa fora com o mesmo (o Sir), a respeito de todas as loucuras que
aconteceram nos últimos dias (ou seriam meses?).
- Pois é, depois deles rejeitarem ela... haha, bem que o plano da tal arma realmente funcionou,
né? - O Sirzão estava em seu intervalo do trampo de guarda, e aproveitava para tomar umas
bebidas com a rainha dos disfarces. Era irônico como alguém que cuidava da lei e da ordem
podia ser amigo de uma ladra.

Os dois bebiam na taverna de Veligrad.

Isso mesmo...

A Taverna de Sekhs estava de volta.

Sendo cuidada pela sua dona mesmo, a peituda luxuriosa. Que rapidamente surgia, e enchia
novamente a caneca do guerreirão de cerveja e a taça de metal vagabundo de Glaz de
hidromel.

- Estão com sede, meus amores!? Quando quiserem mais é só pedir, ok? Que a taverneira aqui
dá tudo... tudo o que vocês quiserem e mais um pouco! - Disse Sekhs, piscando pros dois e
saindo rebolativa.

Glaz e Mysic se entreolharam meio abismados, e logo depois, riram.

- É, ela pelo visto não se lembra de nada... - Disse ele, sorvendo a cerveja num gole.

- Nada de nada... E é melhor assim, né? Digo, melhor que ela tome uma vida normal daqui em
diante, mesmo que isso seja não se lembrar nem dos traumas do passado e nem de nós. - A
rainha dos disfarces suspirou e tomou a última golada do hidromel com pressa. - Bom,
Sirzinho, eu tenho que ir, sabe...? Tenho que cuidar da minha vida.

- Já vai roubar, é?

- N-não! Já disse! Arrumei um emprego ótimo como ajudante do ferreiro, haha...! Ele deve tá
me esperando, inclusive! 'Cabou meu intervalo! E você também deve ter uns bandidinhos
para prender por aí, né? Hehe... Veligrad é grande e tal... - Claro que o tom de voz da outra já
entregava, mas ela parecia fazê-lo propositalmente só para implicar com o Sir.

Mas Mysic nem ligava, apenas ria e se despedia de Glaz, que seguia seu caminho.

Seu caminho pro crime, como sempre. Tinha gasto o dinheiro todo bebendo com o cavaleiro.
Ele tinha bastante dinheiro, afinal, era um guerreiro real, mas e ela? A grana foi embora.
Beber em Veligrad não era tão barato quanto beber em Velejo, por exemplo.

Não ia ser difícil, afinal, diferente dos outros bandidos cujas faces ficavam marcadas pela
guarda real, ela sempre estava de uma maneira diferente, não é mesmo?

Rapidamente que saiu de um bequinho, já se encontrava totalmente diferente de como entrou.


Em sua cabeça, cabelos avermelhados ondulados. Estava usando também um vestido nobre.

Realmente, parecia outra pessoa que não a rainha dos disfarces habitual (se bem que,
disfarçar-se era habitual para ela).
E então, passou por pequenas barracas de mercadores logo ali.

- Ah, olá... você tem algum produto interessante? Tipo uma joia, algo que eu possa usar em
uma grande festa da nobreza? - Perguntou ela, com uma voz completamente diferente da sua
também.

- Oh sim, temos esses colares e também esses brincos! O que achou? - Respondeu o sujeito
mercador, já com cara de esperto.

Pelos olhos da garota, aquilo tudo era falso. E ele achando que poderia lhe enganar como fazia
aos endinheirados de Veligrad.

- Ohhh... sinto muito, mas nenhuma dessas pedras preciosas me agrada muito. Não tem algo
mais incrível? - E viu a face do sujeito se distorcer em irritação.

- Ok, ok, vou ver o que posso fazer por você... - E então, rapidamente, ele mexeu no que
parecia ser uma bolsinha que guardava escondida debaixo da barraca, e finalmente, tirou algo
mais interessante.

Um pequeno cordão parateado com esmeraldas. Dava para ver que era verdadeiro. Mas Glaz
sabia que o cara ainda estava escondendo o verdadeiro jogo. Todos faziam dessa forma... ela
já estava “cascuda” de saber.

- Ahm... Bem, obrigada por exibir seus produtos, mas... nenhum deles me agradou. Vou ver
com seus amigos mercadores de outras barracas se eles não têm algo mais impressionante, até.
- E dizendo isso, Glaz ruiva virou-se fazendo que ia embora, e o sujeito desesperou-se.

Era bem o que ela queria mesmo.

- N-NÃO, P-PERA! OK, TÁ BOM!!! - E aí ela abriu um sorrisinho esperto vendo que o
sujeito havia fisgado a isca. - Eu tenho algo realmente impressionante aqui que eu tenho
CERTEZA que nenhum dos outros mercadores possui, ok? E combina perfeitamente com
uma dama linda e rica como a senhora!

- Hohoho... Então, vamos ver o que é tão impressionante assim, não é mesmo?

E logo o sujeito tirou um medalhão impressionante, finalmente, digno da atenção da rainha


dos disfarces. Era de ouro, haviam vários rubis e safiras ao redor, e no meio, um grande
diamante.

- Mas já devo informar-lhe, senhora. Esse cordão é realmente, realmente caro. Afinal, é único
no mundo! - Disse o homem, mostrando o sorrisinho sacana de dente de ouro.

Glaz segurou o riso. Mas estava, sim, finalmente, impressionada com o que o homem tinha a
oferecer a ela.

- Certo, certo... Esse sim me parece promissor. E quanto custa, sim?

- Bem... como eu disse, não é barato... custa... 25 mil peças de ouro! - E quando o cara disse
isso, Glaz (ainda ruiva) soltou um assobio de impressionada.

- Ohhh... É realmente uma quantia exorbitante! - Disse ela com a mão no queixo, e o senhor
começou a fazer uma cara não muito feliz.

- Pois é... Então, quer dizer que a senhora não possui todo esse dinheiro!? - Ele disse, já
ficando fulo. Quis impressionar a pessoa errada, assim pensava (e estava certo).

Só que então, uma bolsa pesadíssima de pano fora depositada em cima da mesa do sujeito.

- Não saia tirando considerações precipitadas, meu querido! - Disse Glaz, sorrindo. Um
sorriso irônico, claro, mas ele não sabia. - Eu sempre ando por aí com uns 50 mil pelo menos...
Nunca se sabe quando vamos precisar, não é mesmo?

O sujeito abriu a sacola e seus olhos brilharam com tantas peças de ouro assim. Glaz apenas
deu uns risinhos, recebeu o colar, deu meia volta e ia se retirando.

É... além de boa nos disfarces para ela mesma, era INCRÍVEL como falsificadora de grana.
Por isso também tinha uma ótima habilidade em descobrir as falsificações alheias.

Virou-se e já ia em direção ao beco, quando de repente, ouviu atrás de si...

- SOCORRO! ME ROUBARAM!!! - Pois é, o sujeito havia descoberto rápido demais. Como


era possível!? Será que suas habilidades estavam ficando falhas!?

Glaz começou a correr como uma maníaca, tentando ir o mais rápido o possível pros
bequinhos para sumir ali, de preferência, tirando sua fantasia (era para isso que elas serviam
afinal, para salvar o seu rabo). Quando de repente, uma mãozarrona lhe agarrou pela gola da
blusa, lhe colocando na ponta dos pés e fazendo cair sua peruca, liberando os cabelos
acastanhados.

Glaz pensou:

“Pronto, vou apodrecer no xilindró!”

E, de repente, quando os olhos verdes encararam aqueles olhos cor-de-mel, nenhuma das duas
pôde acreditar.

- Glaz!? - Disse a voz de mulher grave.

- Aroá!? - A rainha dos disfarces decididamente não podia acreditar, depois de tantos anos...

Finalmente, num beco bem longe dali. Dame Aroá já segurava o cordão em suas mãos, pronto
para devolver para o dono (o mercador). Porém, ainda não parecia pronta para ir embora e
largar a rainha dos disfarces ali. Não, não depois de reencontrá-la nesse vácuo de tantos anos.

- Glaz... eu não acredito que nos reencontramos logo assim, hein?

- Bem, não é todo mundo que é um guarda real endinheirado. - Disse a garota, cruzando os
braços e virando a face. Não estava de fato irritada por ter sido descoberta ou ter de devolver
o cordão... o pior mesmo era ser ela, Aroá, a lhe “pegar”.

- Bem, nós arriscamos a vida pela população da cidade.


- E eu arrisquei a vida pelo Allas, ok!? Eu estava junto a Quimera de Mana e Ranik na luta
final contra o monstro gigante, ok?! Eu não pude ajudar muito nessa luta em específico, mas
eu ajudei... elas... um pouco... antes disso. - Glaz suspirou, tentando entender porque queria
impressionar a Dame, mas a verdade é que nem ela sabia (ou fingia não saber).

- Uau... é verdade isso? Então... por que o governo não te condecorou e nem nada?

- Porque eles não sabem disso! Eles nunca sabem de nada, ninguém nunca sabe de nada! -
Glaz realmente parecia perturbada, e então, ela questionou, isso sem, claramente, conseguir
olhar nos olhos de Aroá. - E você, vai me colocar na prisão ou não?

- Vou devolver o cordão. Não vou prestar queixa nenhuma contra você. Mas você precisa
entender que...

- Quê o quê!? Quê o quê, Aroá, o que eu preciso entender!? - Glaz estava chorando.

Sim, chorando.

A guerreira ficou bestificada.

- Não está puta comigo porque eu te peguei roubando... P-por que está puta então?

- Porque era você quem deveria estar comigo! Puta comigo! Porque eu deixei você do nada,
sem te avisar! Porque eu sou uma idiota! Idiota! E você sumiu por anos, e eu nunca mais te
achei! E eu te procurei, mas não sabia onde te encontrar! Droga, droga! Eu achei que pudesse
ter morrido na guerra, ou sei lá... Porcaria... - Glaz esfregava as mãos irritadas no rosto
vermelho ainda molhado com as lágrimas.

- Hey, calma... - E então, Aroá colocou as mãos sobre as mãos de Glaz, fazendo-a tirá-las do
rosto. Havia um sorriso triste em sua face e seus olhos também lacrimejaram. - Eu não estou
brava com você, ok? Também... também te procurei por toda a parte por um tempo, mas... Eu
sinceramente pensei que você não queria perder mais seu tempo comigo, por isso deixei passar
e continuei vivendo minha vida. Por um bom tempo, o rei me usou para fazer missões em
viagens, talvez por isso... que você não tenha me encontrado. Fazia muito tempo que eu não
parava aqui ou em qualquer outra cidade grande de novo, então...

- Você... você devia me odiar! Devia me odiar, porque eu deixei você do nada... porque eu fui
perseguir outra pessoa e não valorizei você! Devia me odiar porque eu sou uma ladra,
enquanto você é uma guerreira real! Devia me odiar, porque... mesmo que eu não estivesse
mais ao seu lado, eu continuava mentindo para mim mesma que um dia ia te encontrar de
novo, mas ao mesmo tempo, eu tinha certeza que você tava morta em algum lugar! Eu até
escrevi uma música para você! Eu sou uma idiota, Aroá! Uma idi...! - Mas antes que Glaz
pudesse falar mais alguma coisa...

A Dame beijou seus lábios mais uma vez.

- Não dá. Eu não consigo te odiar. Assim que eu te vi, eu gostei por você, ok? Não tinha jeito. E
quanto mais eu convivia com você, mais e mais eu me apaixonava por você. Em todos esses
anos, eu sentia a sua falta mais que tudo, ainda que eu tivesse desistido de você para que você
pudesse viver livremente sem mim. Eu nunca vou conseguir te odiar, Glaz, porque eu te amo. -
Os olhos verdes lacrimejados estavam arregalados, incrédulos, enquanto o sorriso triste na
face da grande guerreira loira, tornara-se um sorriso doce de carinho pela ladra. - E um dia
você vai ter que cantar essa música para mim, ok?

Glaz também sorriu, mesmo em meio as lágrimas, e beijou a Dame Aroá mais uma vez...

---

Era noite, fim do turno de Mysic. Ele terminou tudo o que fazia por ali e foi encontrar-se com
Noctana. Esta agora ganhara do próprio Rei de Veligrad, além de uma condecoração especial
em nome das cidades do império, também uma grande casa na área nobre da maior cidade do
Allas. Quem diria, não é mesmo? Uma assassina e ladra condecorada como heroína e ainda
por cima, ganhando presentes caros do próprio rei e seu exército... Enfim, neste lugar que o
Sirzão fora visitá-la.

E não, Noctana não morava sozinha.

Mysic bateu na porta e foi atendido pela assassina sombria que o mandou entrar. Os dois
conversavam, enquanto subiam as escadas pro segundo piso, e enfim, entravam em um quarto
enorme e bem bonito, com uma enorme cama de casal também.

Cama que possuía alguém já deitado e coberto nela.

- Então, já faz meses... ela não despertou ainda? - O grandalhão do exército real questionou,
cruzando os braços sobre o peito. Sua face denotava a preocupação.

- Pois é...

- E você está cuidando bem dela, pelo visto, enquanto isso, né? - O Sir andou até a
desacordada, passando a mão em sua testa.

Era perceptível que Ranik estava limpa e bem cuidada, embora realmente não acordara
mesmo depois de tanto tempo.

- É o mínimo que eu posso fazer.

- Você acha que...? - O Sir nem mesmo queria falar isso. Não queria pensar em coisas ruins
nesse nível. - Enfim, eu espero que ela possa acordar finalmente para poder receber a
condecoração do rei também, assim como você...

- Eu espero que ela possa acordar. Ponto. - Noctana disse, irritada. E sim, apesar de ter
recebido todo esse agradecimento formal e um gordo saco de dinheiro (que ela nem rejeitou,
afinal, vivia na vida da ladinagem pouco antes disso tudo mesmo...), não conseguia aceitar a
ideia de ser amiguinha do rei.

- Bem, eu vim apenas fazer uma visita. Trouxe algumas garrafas daquela bebida estranha que
tu gosta... como é mesmo o nome?

- Picada de Naja.

- Sim, isso. E também trouxe um javali. Espero que ajude a pelo menos evitar que você saia
para comparar comida ou caçar... já que está bem ocupada para isso. - Disse o Sirzão,
referindo-se a Ranik desacordada, claro.
- Ok. Obrigada, Mysic.

E assim, Noctana despediu-se do guerreiro real, fechou a porta atrás de si, e novamente, subiu
as escadas, tomando uma taça de parata do líquido que lhe mais apetecia no Allas todo.

Encarando a cama com o corpo em cima... derramou uma pequena lágrima solitária em seu
rosto escuro.

“Não sei o que vai ser do futuro, mas... eu preciso acreditar que as coisas vão dar certo. Eu
preciso acreditar que eu REALMENTE vou ser recompensada pelas coisas boas que eu fiz a esse
mundo, ainda que eu não me preocupe nada com ele e as pessoas que nele residem.

Porque nenhum dinheiro no mundo ou bens materiais compararia isso...

A pessoa que eu mais amo em todo Allas bem e viva, do meu lado, feliz.

Sorrindo.

Eu quero ver novamente... ver os olhos amarelados de Ranik de novo. Vê-la sorrir para mim com
sua cara ingênua. Ver seus braços fortes me envolvendo mais uma vez. Ver nossos lábios se
tocando...

Eu preciso dela de novo, senão...

Eu me sinto incompleta.”

A assassina sombria caiu num profundo sono ébrio, deitada ao lado do corpo de sua amada,
num abraço angustiado, regado à lágrimas...

---

Quando Noctana abriu os olhos, estava sentada a uma enorme mesa, bem comprida mesmo,
de madeira polida e bonita. E sobre ela, vários utensílios, todos de ouro, dourados. Haviam
paratos, taças, talheres. E também havia um grande banquete, regado a vinho e hidromel. Ao
redor, várias pessoas comiam e sorriam e conversavam... Ela não conseguia ver a face de todas
elas.

Estava tudo muito confuso, muito brilhante, muito claro... era um lugar muito cheio de luz e...
paz.

Paz e... alegria.

E então, do nada, ela sentiu um par de mãos envolver seu pescoço num abraço, e rapidamente,
pressentindo quem era... levantou-se bruscamente, largando a cadeira no chão, e quando
virou-se, acertou em cheio.

Era a Madre de seu antigo orfanato.

Noctana começou a chorar como uma criança novamente, e então, envolveu-a num abraço
muito forte, quase não querendo soltar.

- Minha criança, como você cresceu... está tão bonita, é uma mulher feita. Vamos... vamos...
deixe-me olhar para você mais um pouco. - E a Madre pegou em sua face, tocando-a num
carinho, e logo depois abriu um sorriso doce e maternal. - Eu senti tanto a sua falta, Noctana
querida. Você está tão linda. Eu sabia que ia se tornar uma pessoa cada vez mais incrível. Eu
sempre... sempre acreditei em você, sabia?

- M-madre... madre... madre...! - Noctana só sabia chorar e chorar, mas não era de tristeza,
era de alegria. Alegria por rever a pessoa mais importante na sua vida (junto a Ranik, claro).

- Noctana, pare de chorar, criança... não há mais tristeza, há apenas... amor. - E logo depois, a
Madre lhe falou algo ainda mais interessante. - E digo mais, não está aqui por mim, ok? Eu só
queria dar uma última olhada para você... você, na verdade, devia estar lá.

E então, ela apontou para um caminho branco e iluminado. Noctana encarou-o decidida,
ainda ouvindo sua mãe lhe falar:

- É para lá que deve ir... vamos, ela está esperando você com eles. Você deve... trazê-la de
volta.

Noctana seguiu por um caminho iluminado até adentrar em um lugar gigantesco. Parecia um
estádio. Ao redor, várias pessoas, várias, muitas. Elas, assim como as outras pareciam felizes,
mas... dessa vez, era uma felicidade diferente. Era força, era coragem, não era mais apenas
diversão, alegria e amor. Enfim, ali no centro, localizado, estavam três figuras.

Uma das figuras flutuava no ar com os olhos fechados, as mãos abaixadas e as palmas
amostra. Seus cabelos ondulados, novamente grandes, flutuavam com o vento. A trança solta.

Era Ranik.

Usava a armadura negra e pontiaguda de seu pai.

E ao seu lado esquerdo, havia um velho carcomido de roupas rotas.

E ao seu lado direito, uma linda mulher iluminada de seis asas.

Noctana aproximou-se dos três ainda decidida, e disse:

- Vocês... vocês precisam me deixar levar Ranik de volta!

- Mas você não pode. - Disse Razaranje, com sua cara de irônico e dentes faltando na boca
aparecendo. - Ranik não é mais residente do Allas. Ela não é mais um ser humano comum.
Agora ela é... uma arma. Ela é como a Quimera, mas é diferente. Ela é atemporal e imortal,
ela deve viver sob o tempo e espaço, para todo sempre. para libertar os humanos da desgraça
da lenda.

- Não! Ela não é uma arma! Ela é humana sim, humana como eu! Se eu e Iluzia podemos ficar
no Allas, então ela também pode! - Noctana gritou com eles, furiosa.
- Você não entende, não é, criança...? - Agora foi Absolutan quem disse, e fez carinho na face
da assassina sombria. - Ranik deu a vida para salvar o Allas todo. E deu a vida ainda mais
para desamaldiçoar você e Iluzia, a Quimera. Ela pegou para ela a maldição do tempo e
espaço, e agora, ela reside dentro da lenda, não mais como ser humano, mas como uma figura
mitológica como nós dois, a neutralidade e seu extremo oposto.

Mas a assassina deu um tapa na mão de Absolutan, que ficou surpresa, e gritou ainda mais
furiosamente, com lágrimas nos olhos:

- VOCÊS NÃO PODEM! VOCÊS NÃO PODEM FAZER ISSO! RANIK NÃO PODE, NÃO
PODE FICAR AQUI! EU NÃO VOU DEIXAR, EU VOU BRIGAR COM VOCÊS SE EU
PRECISAR, EU MORRO, MAS EU NÃO VOU DEIXAR RANIK COM VOCÊS! VOCÊS
PRECISAM ME DEVOLVÊ-LA!!!

- … - Os dois se calaram, e então, se entreolharam surpresos. Mas logo depois, os dois


sorriram para Noctana.

Rapidamente, os dois seres...

Razaranje e Absolutan se FUSIONARAM na frente de Noctana, que ficou ainda mais


desesperada, por pensar “Ok, agora vou ter que enfrentar os dois juntos!?”.

E o ser, que se tornou gigantesco, um gigante de luz e sombras, etéreo e incorpóreo, apenas
questionou com uma voz que apenas os ouvidos de Nocta conseguiam ouvir:

- Noctana, por qual motivo você quer enfrentar as duas figuras mais poderosas, que se tornam
apenas um, um ser mais poderoso que todos (o ser da construção e da destruição, o ser do
tudo e do nada, o ser do início e do fim)? Por qual motivo você gostaria que Ranik retornasse
ao Allas, mesmo depois dela própria ter se oferecido como sacrifício para nossa lenda!?

- Porque... PORQUE EU A AMO, CARALHO! PORQUE EU AMO A RANIK E QUERO


VIVER COM ELA O RESTO DA MINHA VIDA!!! - Noctana gritou por fim, fazendo...

Todo mundo que assistia no estádio ao redor, gritar e aplaudir, simplesmente ovacionar a
assassina, que confusa, começou a girar, olhando todos ao redor, gritando e parabenizando-a
em uníssono.

- Parabéns. - A última voz a parabenizá-la foi a do gigante de luz. - Que seja feita vossa
vontade.

---

Noctana, de repente, acordou na cama. Era uma dor de cabeça gigantesca, provavelmente
ressaca... Lá fora, o Sol já raiava, entrando pela janela de seu quarto. Não devia ter bebido
tanto, mas a culpa foi do Mysic que lhe deu tantas garrafas de Picada de Naja assim. Enfim...
tinha tido o sonho mais bizarro de toda sua vida, tão bizarro que...

Um braço forte e musculoso envolveu seu diminuto corpo, fazendo-a arregalar os olhos,
lacrimejando-os mais uma vez.

- Eu senti tanto a sua falta, Noctana. - E a voz de Ranik pôde ser ouvida, ecoando por todo o
quarto... finalmente.
FIM.

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