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Análise Crítica do Discurso da propaganda da Discovery Channel sobre o

documentário O Sepulcro Esquecido de Jesus

Por
Ronaldo Rodrigues de Paula
Marcelo Albinati dos Reis Carvalho
César Augusto dos Santos e Silva
Otávio Augusto de Oliveira Vieira1

Orientação: Professor Cláudio Marcio do Carmo2

Resumo:

Em 2007 foi lançado um documentário produzido pelos diretores James


Cameron e Simcha Jacobovici, sobre um sítio arqueológico achado em 1980
em Talpiot, Jerusalém, que foi esquecido depois da construção de um
complexo de apartamentos sobre o mesmo. Neste sitio foi encontrada uma
tumba contendo 10 ossuários cujas inscrições remetem a nomes como Jesus
de Nazaré, Maria, José, Maria Madalena e outros personagens conhecidos do
relato bíblico. Mais de 20 anos depois um grupo de arqueólogos e
investigadores conduz várias análises científicas e chega à conclusão que
estatisticamente é muito improvável que este achado não seja do Jesus bíblico.
Nossa proposta é fazer a análise crítica do discurso tomando como
referencial teórico, Fairclough (2001), Bakhtin (2004), Leibruder (2000),
Marcuschi (2001) e Halliday (1985) da propaganda que consta no site da
Discovery Channel Brasil sobre o referido documentário.

1
Acadêmicos do curso de Letras da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ).
2
Professor Adjunto de Lingüística e Língua Portuguesa (PROMEL/DELAC/UFSJ).
Palavras-Chave: Análise Crítica do Discurso, Sepulcro Esquecido de Jesus,
Discovery Channel, Arqueologia. Polêmica.

Introdução

Em 12 de abril de 2007 a Discovery Channel (Canal a cabo norte


americano, com filial no Brasil, fundado por John Hendricks e distribuído pela
Discovery Communications, que exibe uma programação baseada em
documentários sobre ciência popular, tecnologia e história.) lançou um
documentário sobre a investigação arqueológica de um túmulo, em cujo interior
estaria a ossada de dez pessoas, dentre elas, a de “Jesus, filho de José”, a do
próprio “José”, a de “Maria”, provavelmente a mãe de Jesus, Maria Madalena, a
quem creditam ter sido a esposa de Jesus, e “Judas, filho de Jesus”. O texto
que analisaremos é uma propaganda do programa3 que trata e comenta em
partes esse documentário e o achado.
O texto foi analisado pela perspectiva da Análise Crítica do Discurso
(ACD), conforme Fairclough (2001), subsidiando-se também em Bakhtin
(2004), Leibruder (2000), Marcuschi (2001) e Halliday (1985).
O presente trabalho está organizado em mais três partes – Revisão de
Literatura, Método, Análise do Texto mencionado – seguidas das
Considerações Finais, das Referências Bibliográficas e do Anexo.

Revisão de Literatura

A análise crítica do discurso é uma abordagem peculiar de análise


discursiva que tem forte preocupação com o contexto social, com a ética, com
os fatores históricos e com a perspectiva da língua como um embate de poder
e ideologias. Dentre suas premissas sempre localiza o texto (lido, escrito,
ouvido) dentro de um contexto e sua complexidade, levando em consideração
os fatores textuais e contextuais mais relevantes bem como os tramites
históricos e políticos essenciais para a interpretação e compreensão do
mesmo. Dentro do escopo da análise crítica do discurso está o reconhecimento

3
Disponível em
http://www.discoverybrasil.com/osepulcroesquecidodejesus/programa/index.shtml.
das relações éticas, das desigualdades sociais, do equilíbrio e desequilíbrios
das forças de poder, das práticas não democráticas e/ou autoritárias, das
questões raciais e sua representatividade, das visões preconceituosas, das
técnicas de retórica e suas motivações socioculturais.
A análise crítica do discurso reconhece a estrutura socioconstrutivista do
discurso, isto é, mostra como a realidade é moldada através das interrelações
pessoais mediada pela linguagem, tomando assim um aspecto mutável e
transitório. Segundo Bakhtin (2004) a linguagem é um elemento inseparável da
interação social, em que o outro desempenha um papel fundamental na
constituição do significado. Ela é o lugar em que a ideologia se manifesta
concretamente e os indivíduos constroem suas identidades.
Como vimos é papel da ACD mostrar como as forças de poder usam a
linguagem para construir versões da realidade em prol dos seus próprios
interesses e motivar o desmantelamento de tais práticas, dando suporte as
suas vitimas potenciais. Segundo Fairclough (1989) um dos aspectos
importantes desta análise seria "aumentar a consciência de como a linguagem
contribui para a dominação de umas pessoas por outras, já que essa
consciência é o primeiro passo para a emancipação".
A análise em si acontece em três níveis que são correlacionados e
interligados; a saber, a análise textual, a análise discursiva e a análise social. A
analise textual remete ao exame dos constituintes textuais, análise das
escolhas lexicais, dos processos verbais, da adjetivação, das escolhas
metafóricas, podendo se tomar como recurso à gramática sistêmico funcional
de Halliday (1985), que se preocupa com o significado (semântica) da língua e
seu uso funcional, assim como os textos se utilizam deste sistema. A análise
discursiva se preocupa com a produção, distribuição e consumo dos textos
bem como o uso dos discursos das mais diversas naturezas caracterizados por
determinados fatores sociais. E por fim a análise social que visa reconhecer as
relações de poder imbuídas nos discursos e as perspectivas sociais ao qual se
vinculam, o provável impacto provocados pelos discursos ao público de
consumo e as ideologias dominantes.
Metodologia

Propomos uma análise do texto referido com base nas práticas textual,
discursiva e social do mesmo, de acordo com o conceito teórico de Fairclough
(2001).
Na prática textual seguimos as seguintes perspectivas; a princípio uma
análise lexical, categorizando os elementos lexicais e entendendo as relações
de aspecto positivo e negativo dentro da organização da argumentação e do
encadeamento de idéias no texto. Tomando com base o quadro teórico de
Marcuschi (2001), identificamos o gênero textual do artigo dentro de suas
características construtivas, analisamos a forma que as idéias foram
conectadas e sua coerência interna segundo a gramática sistêmico-funcional
de Halliday (1985). E buscamos pelo possível uso das adjetivações e de
metáforas, tentando focar a sua possível influência na retórica utilizada.
Na análise discursiva, tomando por norte a análise preliminar do léxico,
buscamos reconhecer os tipos de práticas discursivas existentes. Feito isso
buscamos identificar como estes se relacionam e dialogam entre si, como é
sua distribuição ao longo do texto e qual efeito estes discursos causam na
recepção da mensagem, bem como qual o provável público de consumo.
Na análise da prática social, reconhecemos as instâncias sociais às
quais as práticas discursivas se vinculam, tomando como premissa os efeitos
ideológicos e políticos dos discursos presentes. Identificamos o discurso
hegemônico, qual área este discurso afeta diretamente e o impacto possível a
ser provocado pelo sentido dos discursos e da idéia hegemônica do texto em
si.

A escolha do léxico

O léxico utilizado no texto caracteriza-se por elementos que corroboram


com a linha argumentativa, quase não apresentando pontos negativos. A linha
textual caracteriza-se pelo jargão científico que pode ser apontada por itens
lexicais tais como; Análises Científicas, Evidências Físicas, Análises de DNA,
Ciência Forense, Arqueologia, Estatística, Câmeras Robóticas etc. A menção
de que as análises foram conduzidas por especialistas em diversas áreas
científicas, como o Dr. Carney Matheson, de instituições como a Universidade
de Ontário, no Canadá, bem como a dos cineastas responsáveis pelo
documentário, a saber, James Cameron e Simcha Jacobovici, é uma estratégia
para dar mais credibilidade ao texto, se apoiando na autoridade e respeito que
estes representam.
As escolhas verbais apontam para o caráter especulativo do texto, que
tem como alicerce as prerrogativas históricas e as análises científicas, como
fica evidenciado pelo uso de verbos e locuções como: indicam, possam ter
concebido, poderia imaginar, é possível deduzir, acreditava-se, etc. Verbos
que, segundo a gramática sistêmico-funcional de Halliday (1985), constituem
processos mentais.
O texto apresenta uma coerência interna muito bem elaborada. A
argumentação do texto se torna privilegiada, pois a maior parte do léxico
aponta uma premissa de caráter cientifico - investigativo, que fundamenta e
estrutura a idéia defendida pelo autor, que ainda conta com uma análise
histórica.
Dentre os poucos pontos negativos nas escolhas verbais e lexicais
apontamos o uso do modalizador epistêmico “possam” em “possam ter
concebido” sugerindo a idéia de hipótese, possibilidade, probabilidade, que
está em claro contraste com o item lexical “evidência”. O uso destas formas
verbais modalizadas abrangendo possibilidade mostra certa cautela do autor
em relação à exposição da idéia central do artigo, sendo uma idéia que
contraria a idéia vigente e aceita.
Utilizando o quadro de representação dos contínuo dos gêneros textuais
da fala e escrita de (MARCUSCHI, 2001, p. 41) qualificamos o texto como
divulgação científica, pois apesar de sua idéia especulativa, existe uma enorme
gama de itens lexicais orientados na linguagem escrita que apresentam
terminologias vinculadas a esta área do conhecimento.
De acordo com Leibruder (2000) são características do discurso do
gênero de Divulgação Científica; a objetividade, formalidade e concisão. Neste
se verifica um padrão lexical mais técnico e específico além de uma estratégia
de desvinculação do sujeito e neutralidade do texto utilizando-se verbos na
terceira pessoa do singular acrescidos da partícula se ou na primeira pessoa
do plural, como estratégias discursivas para alcançar maior veracidade e
legitimidade.

Estratégias discursivas

O discurso central situa-se na especulação baseada em análises


científicas, históricas e estatísticas que os ossuários encontrados em Talpiot,
Jerusalém, seriam de Jesus e família.
No texto podemos perceber o uso de intertextualidade, a saber,
utilizando-se de comentários feitos pelos próprios produtores do programa,
tentando assim enfatizar mais a idéia proposta e as suas implicações. Também
é utilizado o recurso da interdiscursividade, na medida em que o autor alude a
análises e conclusões feitas por terceiros.
O autor inicia o artigo já recorrendo ao discurso científico como podemos
perceber no seguinte trecho: análises científicas, evidências físicas; para logo
depois intercalar o discurso arqueológico, mostrando a qual objetivo este
discurso científico se destina, como vemos em: ossuários de pedra calcária,
tumba de dois mil anos, Talpiot, Jerusalém. Sobre estes dois primeiros
discursos surge um terceiro que é o ponto culminante de toda a argumentação
especulativa; o discurso histórico-religioso que é apontado em: indicam que
essa sepultura possa ter contido os restos mortais de Jesus de Nazaré e
família. Durante todo o texto estes três discursos são intercalados a um
discurso especulativo que propõe um novo encadeamento histórico relativo a
Jesus observado em: Entre as maiores descobertas relatadas pelo programa,
está a evidência de que Jesus e Maria Madalena possam ter concebido um
filho chamado Judas.
Apesar de serem usadas terminologias cientificas, o texto não é
hermético ou extremamente técnico ao ponto de impedir sua compreensão por
um leigo, portanto o público alvo do mesmo é o publico em geral especialmente
aqueles que se interessam por gêneros especulativos ou realismo-fantástico,
bem como estudiosos de religião. Também figura como público alvo, a
comunidade cientifica, teólogos, historiadores, apoiadores de outras vertentes
religiosas, agnósticos, ateus, etc.
As perspectivas sociais

O texto mostra uma idéia hegemônica unilateral que interfere


diretamente na história e na religião cristã. Não consideramos que o texto
estabelece uma interferência relevante no campo científico, pois a ciência no
mesmo foi apenas uma ferramenta utilizada para embasar a argumentação,
sendo que todos os procedimentos científicos utilizados são corriqueiros, não
propondo nenhuma inovação para este campo, como propõe nos outros
previamente citados. Bem como não foram apresentadas novas teses
científicas, teorias ou novas descobertas.
O texto toma uma perspectiva da correção da ciência e da sua
infalibilidade, não toma conhecimento de explicações que possam fugir deste
campo, isto é, não propõe um diálogo com perspectivas religiosas, tomando um
caminho unilateral e ainda apresenta uma crítica sutil ao tradicionalismo
religioso, a saber, neste trecho: Depois de entrar rapidamente na tumba, os
arqueólogos tiveram que seguir o regulamento local e a lacraram, com a
esperança de um dia retornar e conduzir suas análises. Expondo uma idéia de
que a ciência não pode ser conduzida devidamente devido a este
tradicionalismo.
Dentre os prováveis impactos deste texto está uma total reformulação do
que a religião cristã toma como certo, podemos dizer que atinge muitos pilares
do cristianismo, como a ascensão aos céus de Jesus num plano físico, propõe
um eventual união de Jesus e Maria Madalena e uma provável descendência
de Jesus. Neste panorama mesmo a idéia da ressurreição ficaria
comprometida, pois ela só teria sentido se Jesus fosse arrebatado aos céus
depois, no lugar de levar uma vida normal e cotidiana. Em última instância o
texto analisado levantaria questões metafísicas até mais fundamentais.

Considerações Finais

Analisamos o texto sobre a perspectiva da ACD, percebemos como os


discursos foram construídos e as ideologias que os mesmos defendiam.
Através desta análise encontramos um discurso hegemônico propondo uma
mudança no que tange a concepção vigente sobre a história de Jesus. O texto
foi construído tomando como base a premissa da infalibilidade da ciência e se
apoiando na autoridade e respeito proporcionados por especialistas renomados
internacionalmente nas áreas cientificas abordadas, nas instituições e nos
métodos utilizados.
Sendo a Análise Crítica do Discurso uma proposta interdisciplinar que
enfoca uma análise meticulosa sobre as práticas sociais inseridas nos
discursos para se compreender questões de ideologias e motivações
socioculturais da organização discursiva em textos diversos, vimos aqui a
pertinência de se analisar criticamente um texto, para uma compreensão mais
global e reflexiva do mesmo.

Bibliografia:

FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Tradução Izabel Magalhães.


Brasília: Editora UNB, 2001.
FAIRCLOUGH, N. Language and power. England: Pearson, 1989.
Halliday, M.A.K., An introduction to functional grammar. London ; Baltimore,
Md., USA : Edward Arnold, 1985.

MARCUSCHI, L. A. . Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São


Paulo: Cortez, 2001.

LEIBRUDER, A. P. O discurso de divulgação científica. In: Gêneros do discurso


na escola: mito, conto, discurso político, divulgação científica. BRANDÃO, H. N.
(Coord). São Paulo: Cortez, 2000.

BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2004.


Anexo

http://www.discoverybrasil.com/osepulcroesquecidodejesus/programa/index.shtml

O Sepulcro Esquecido de Jesus


Análises científicas realizadas em ossuários de pedra calcária e evidências
físicas encontradas em uma tumba de dois mil anos, em Talpiot, Jerusalém,
indicam que essa sepultura pode ter contido os restos mortais de Jesus de
Nazaré e sua família. Este documentário inédito, assinado pelos cineastas
James Cameron e Simcha Jacobovici, revela com exclusividade o que pode se
tratar do maior achado arqueológico da História. A produção apresenta as
últimas evidências sugeridas por especialistas renomados internacionalmente,
baseadas em inscrições em aramaico, análises de DNA, ciência forense,
arqueologia e estatística. Entre as maiores descobertas relatadas pelo
programa, está a evidência de que Jesus e Maria Madalena possam ter
concebido um filho chamado Judas.

Segundo o documentário, a tumba de Talpiot continha, originalmente, 10


ossuários, nove dos quais ainda estão sob a guarda da instituição Israel
Antiquity Authority (IAA – Autoridade de Antigüidades Israelense). Seis dessas
caixas, datadas do primeiro século d.C., apresentam inscrições com nomes
que constam do Novo Testamento — “Jesus, filho de José”, “Maria,” “Maria
Madalena”, “Mateus”, “José” e “Judas, filho de Jesus.”

“Essa tem sido uma jornada de três anos mais extraordinária do que qualquer
filme de ficção”, disse Jacobovici. “A idéia de se ter possivelmnete encontrado
a tumba de Jesus e de vários membros de sua família, com evidências
científicas convincentes, vai muito além do que eu poderia imaginar”.

“Fizemos nosso trabalho, documentamos o caso; agora, chegou a hora do


debate”, comentou James Cameron.

O doutor Carney Matheson, do Laboratório de Paleo-DNA da Universidade de


Ontário, Canadá, conduziu análise mitocondrial de DNA em partículas
microscópicas de material colhido dos ossuários de “Jesus, filho de José” e
“Mariamene e Mara” (em grego, que sugere o nome “Maria Madalena”). Os
testes concluem que ambos não eram geneticamente relacionados. “Pelo fato
de ser tumba reservada a membros de uma mesma família, é possível deduzir
que se trata de um casal”.

Como mostra o documentário, Jacobovici e sua equipe usam câmeras


robóticas para localizar a tumba. Acreditava-se que ela tivesse sido destruída,
mas na verdade ela se encontrava no centro de um moderno complexo de
apartamentos, em Jerusalém. Depois de entrar rapidamente na tumba, os
arqueólogos tiveram que seguir o regulamento local e a lacraram, com a
esperança de um dia retornar e conduzir suas análises.

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