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THE CARE NEEDS OF WOMEN INFECTED WITH THE HUMAN PAPILLOMA VIRUS:
A COMPREHENSIVE APPROACH
* Extraído da tese “Estar infectada com papilomavírus humano: vivências das mulheres e necessidades de cuidado”, Programa de Pós-Graduação em
Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, 2010. 1 Doutora em Enfermagem. Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem
da Universidade Estadual de Londrina. Londrina, PR, Brasil. mariaelisa@uel.br 2 Doutora em Enfermagem. Professora Titular do Departamento de Enfermagem
Materno Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. merighi@usp.br 3 Doutora em Enfermagem.
Professora Associada do Departamento de Enfermagem da Universidade Estadual de Londrina. Londrina, PR, Brasil. maragara@dilk.com.br 4 Doutora em
Saúde Pública. Professora Associada do Departamento de Enfermagem da Universidade Estadual de Londrina. Londrina, PR, Brasil. macielalexandrina@
gmail.com 5 Doutora em Enfermagem. Professora Associada da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora, MG, Brasil.
cristina.pinto@acessa.com 6 Doutora em Enfermagem. Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem da Universidade Estadual de Londrina. Londrina,
PR, Brasil. lopesdolores@yahoo.com.br
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Rev Esc Enferm USP Recebido: 31/05/2011 Necessidades de cuidados de mulheres infectadas
Português / Inglêspelo
2012; 46(5):1082-1087 Aprovado: 16/02/2012 papilomavírus humano: uma abordagem compreensiva
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INTRODUÇÃO como docente de enfermagem, no ensino do curso de gra-
duação em enfermagem, em campos de prá ca de Unida-
O Papilomavírus humano (HPV), sexualmente trans- des Básicas de Saúde, atendendo mulheres portadoras do
missível, apresenta potencialidade carcinogênica para a HPV surgiu a seguinte inquietação: quais as necessidades
cérvice uterina, o que torna a infecção de mulheres pe- de cuidado das mulheres que vivenciam o processo de es-
lo HPV um problema de saúde pública. O câncer cérvico tar com HPV?
uterino afeta cerca de 500.000 e mata 270.000 mulheres O obje vo deste estudo foi compreender as necessi-
anualmente no mundo(1). dades de cuidados das mulheres infectadas pelo Papilo-
Estão descritos mais de 200 genó pos diferentes de mavírus Humano.
Papilomavírus humano (HPV), entretanto, só alguns têm Os avanços tecnológicos na área de saúde são impres-
potencial oncogênico. Segundo a classificação internacio- cindíveis, contudo são necessárias transformações radi-
nal, são considerados como carcinogênicos para os huma- cais em nossas a tudes, no que diz respeito ao pensar e
nos do grupo 1B (reconhecidamente cancerígeno para hu- ao fazer saúde. Os aspectos filosóficos devem ser revisi-
manos) os pos de HPV: 16, 18, 31, 33, 35, 39, 45, 51, 52, tados para que os avanços conceituais já ob dos possam
56, 58, 59 e 66 e do grupo 2B (possivelmente cancerígeno corresponder às reais modificações na prá ca de saúde(9).
para humanos): HPV 6 e 11(1).
Este estudo jus fica-se na medida em que busca des-
As mulheres infectadas, ao saberem do diagnós co, velar a necessidade de cuidado de mulheres infectadas
geralmente, sentem-se es gma zadas, ansiosas, sob es- com o HPV – doença sexualmente transmissível com al-
tresse e preocupadas com as suas relações to potencial carcinogênico e permeada por
sexuais(2). Como qualquer doença sexual- inúmeros sen mentos nega vos. Isso per-
mente transmissível (DST), o HPV desperta Assim, a infecção mi rá aos profissionais de saúde uma me-
sen mentos de pudor e vergonha, o que po- pelo HPV pode lhor compreensão das experiências vividas
de dificultar o relacionamento com seu par- causar um forte por essas mulheres, criando subsídios para
ceiro, com a família, com a equipe de saúde impacto na estrutura a proposição de ações efe vas, que levarão
e com a sociedade. Assim, a infecção pelo
HPV pode causar um forte impacto na estru-
familiar das mulheres, à melhoria da qualidade da assistência, ou
principalmente no seja, a um cuidado que vá além das neces-
tura familiar das mulheres, principalmente sidades sicas, emocionais e sociais; um
no relacionamento conjugal, e desencade- relacionamento cuidado que considere a mulher, seu modo
ar descon nuidade da relação, mudança conjugal, e de ser no mundo, valorizando suas experi-
de a tude do casal, separação ou negação desencadear ências, suas crenças e seus valores.
diante da doença(3,4-6). descontinuidade da
Estar infectada com o HPV não deveria relação, mudança MÉTODO
ser mo vo de extrema preocupação, mas, de atitude do casal,
sim, de atenção, visto que a maioria das mu- separação ou negação Tratou-se de um estudo qualita vo, fun-
lheres infectadas não chegará a desenvolver diante da doença... damentado na fenomenologia existencial de
nenhuma lesão, e muitas, ainda, terão a eli- Mar n Heidegger. A opção pelo referencial
minação do vírus naturalmente pelo sistema heideggeriano deu-se pelo fato de esse filó-
imunológico, ou ainda, este ficará em la- sofo abordar o movimento inevitável e ine-
tência por muitos anos, repe ndo um comportamento rente ao ser, movimento esse que lhe dá significado e pode
comum de qualquer vírus(7). Entretanto, a reação inicial da efe var-se como mostrar-se, exibir-se ou invadir-se(10).
maioria das mulheres que recebem o diagnós co do HPV,
é nega va, pois este desperta, sobretudo o sen mento de Heidegger ao discu r a existência humana abre pos-
medo que pode permanecer durante todo o processo de sibilidades para discu r o cuidado. Para ele, por meio do
evolução da doença . (3) cuidado, o homem abre-se ao universo e tem a possibili-
dade de interrogar e refle r filosoficamente sobre as cau-
A situação de carência da educação em saúde, como a sas e as circunstâncias do que está vivenciando. Ou seja, o
falta de informação de qualidade acerca do agravo e o aco- cuidado designa o modo de ser no mundo(10).
lhimento inadequado às mulheres infectadas, de acordo
com suas necessidades individuais, parece ser uma realidade Par ciparam deste estudo 14 mulheres que haviam re-
atual. Esta deficiência, de um modo geral, aumenta a vulne- cebido o diagnós co de HPV, sendo 11 selecionadas por
rabilidade das mulheres, já que o sofrimento vivenciado por meio de uma lista de usuárias do SUS fornecida pela Se-
elas no processo de infecção favorece o desenvolvimento de cretaria de Saúde de um município com cerca de cem mil
conceitos equivocados, como crenças e mitos sobre o HPV .(8) habitantes, situado na região norte do estado do Paraná.
Estas mulheres estavam cadastradas no Sistema de Infor-
Destas constatações e das observações do co diano mação Laboratorial do Programa Nacional de Combate ao
profissional de uma das autoras deste estudo que atua Câncer de Colo Uterino e foram diagnos cadas com o HPV
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nos anos de 2007 e 2008. As outras três mulheres u liza- se que ninguém soubesse. (...) um diagnóstico que as ve-
vam serviços de saúde privados e foram selecionadas por zes nem é um diagnóstico final, mas como isso mexe com
indicação de profissionais da saúde. a gente. (...). Esta situação abre uma janela para várias
outras. Ia mexer com a minha vida íntima, que as vezes
As mulheres selecionadas foram convidadas, por tele- você não está pronta pra falar com as pessoas e nem são
fone ou por visita no domicílio, a par cipar do estudo. As todos os amigos que você fala destas coisas (Nice).
entrevistas aconteceram individualmente, entre novem-
Dentre as necessidades de cuidado, destacamos a im-
bro de 2008 e maio de 2009, em local e horário de melhor
portância de suporte da família e amigos:
conveniência para cada mulher; foram gravadas e trans-
critas logo após a sua realização. o que me ajudou também foi a força e o apoio da família.
Falavam que não era para eu me apavorar, que ia dar tu-
O número de participantes foi determinado duran- do certo, que eu ia passar mais essa (Fábia). Eu só falei
te a análise dos dados, a partir do momento em que sobre isso com uma amiga (Elza). Quem falou para mim
o fenômeno foi sendo desvelado e as inquietações dos sobre isso foram as minhas amigas (Joice).
pesquisadores foram respondidas e o objetivo do estu-
do alcançado. Algumas mulheres relataram que veram suporte so-
mente dos profissionais que as atenderam, não tendo re-
As questões norteadoras para os depoimentos das velado a situação da infecção para outras pessoas:
mulheres foram: como é para você estar com HPV?
Conte-me sua experiência, desde que soube do diag- eu só fui ao posto, mesmo. Não conversei com ninguém
nóstico até hoje. Como está sendo a assistência que vo- sobre isso (Gilda). A enfermeira me deu apoio. (...) Eu só
cê tem recebido? falei com a enfermeira sobre isso (Ilda). Eu ia conversan-
do só com o médico (...) (Mara).
Para a análise dos depoimentos foram seguidos os
passos adotados no estudo(11): leitura e releitura de cada Desvelamos que as mulheres infectadas pelo HPV,
uma das entrevistas para detecção das unidades de sen - muitas vezes não veram o apoio do seu parceiro marital:
do e agrupamento das unidades similares (convergentes) não conversei sobre isso com o meu marido, porque diz
que culminaram nos temas: ser-aí com HPV, ser-com nas que é uma doença que se pega na relação que você teve.
relações, buscando o cuidado como solicitude e o caminho Eu só tenho ele, e ele é machista, e vai falar: o que você
de transcendência com HPV. O tema buscando o cuidado fez? Onde você pegou isso?’E eu sei que homem é bicho
como solicitude foi escolhido para este texto, consideran- sem-vergonha, né? Aí é onde começa a briga em casa.
do a ênfase nas necessidades de cuidado das mulheres Daí, eu fiquei quieta, não falei nada (Dora).
infectadas pelo Papilomavírus Humano. Sua discussão foi
Outra questão desvelada, associada às relações de gê-
realizada, segundo o referencial teórico de Mar n Heideg-
nero, foi a dificuldade de aceitação por parte do parceiro
ger(10) e referenciais sobre a temá ca.
e, das próprias mulheres casadas, do uso da camisinha:
Para garan r o anonimato, as mulheres entrevistadas se eu quisesse usar a camisinha, ele tinha que usar. Eu vou
foram iden ficadas por nomes fic cios. Este estudo foi ao posto, eu pego, tem um monte na minha gaveta [risos].
aprovado pelo Comitê de É ca da Universidade Estadual Eu acho que os solteiros se cuidam melhor. O risco de infec-
de Londrina (Protocolo CEP nº. 184/08). ção está dentro do casamento. A gente fala com as amigas,
as casadas, ninguém usa. Mas os solteiros, não! Eles estão
RESULTADOS mais cientes do risco. A mulher confia no marido, o marido
confia na mulher. Dizem, né? Mas, na verdade, traem (Elza).
Todas as mulheres entrevistadas nham recebido o A presença da infecção pelo HPV como mo vo de con-
diagnós co do HPV durante um atendimento ambula- flitos e separação conjugal foi outro aspecto ressaltado:
torial e man nham sua ro na diária, como os cuidados
com a casa, trabalho, filhos, lazer, entre outros. A vivên- eu me senti só, quando mais eu precisei, ele me aban-
donou. (...) Foi uma fase difícil, porque logo o meu ma-
cia de estar com o HPV foi experienciada juntamente com
rido separou de mim, achou que eu tinha traído ele. Foi
a vivência do mundo do senso comum dessas mulheres.
bem doloroso (...) Minha filha ficou doente por causa dele,
Assim, estar infectada pelo HPV gerou angús a, para as
nossa! [choro]. (...) Eu morei na casa dos outros de favor.
mulheres entrevistadas, e consequentemente, permi u a
Essa fase foi uma fase difícil. (...) Meu marido achou que
abertura para novas possibilidades e diferentes necessi- eu tinha traído ele, porque os colegas falaram que esta
dades de cuidado: doença pegava sexualmente (Célia).
ninguém quer ficar doente, ter uma patologia, ainda mais
E ainda, quando procuraram um serviço de saúde,
sabendo que pode ser incurável, que pode limitar a sua
muitas vezes, não foram atendidas em suas necessidades:
vida sexual, que possa atrapalhar seu relacionamento. Eu
não queria que isso acontecesse. [...começou a chorar (...) eu acho que ele deveria ter explicado mais, explicado
muito...]. É como se eu estivesse com AIDS e não quises- para eu voltar, para ver se tinha voltado a verruga. Ele de-
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veria ter perguntado. (...) toda a minha gravidez, ele não mundo que o ser se relaciona com todas as coisas(10).
comentou nada sobre isso. (...) eu ainda tenho dúvida. Eu
quero uma explicação do médico. Porque ele só falou o Sendo a mulher um ser de relação, dentre as necessida-
que eu tinha que fazer e não explicou nada (Helena). des de cuidado, revela-se a importância do papel da família
como suporte para o enfrentamento das dificuldades pelas
Os depoimentos também deixam em evidência a re- mulheres com HPV. A interação das par cipantes deste es-
signação após a tenta va frustrada de busca de cuidado. tudo com a família e com as amigas indicou a importância
As mulheres sen ram a necessidade de um cuidado di- de um apoio para o enfrentamento dos sen mentos, das
ferente daquele que estavam recebendo, assim como de dúvidas e das diversas necessidades. A relação co diana
informações mais precisas e esclarecedoras sobre o que assinala-se por um constante estar com os outros. O ser-aí
estava acontecendo com elas, para que pudessem tomar não só está no mundo, mas, sobretudo, relaciona-se com
decisões corretas. os outros seres humanos para, então, encontrar-se(10).
As diversas oportunidades de solicitude vivenciadas Nesse estudo, as questões das relações de gênero
pelos profissionais de saúde nas interações que aconte- se evidenciaram e permearam também as necessidades
ceram durante as ações de saúde não foram aproveitadas de cuidado. Percebemos a feminização da culpa sobre a
para que se alcançasse um cuidado de qualidade. Durante infecção e desvelou-se a situação da fidelidade conjugal
o atendimento de saúde as mulheres sen am-se, algumas posta à prova, visto que o HPV é uma doença sexualmente
vezes, in midadas para realizar ques onamentos e algu- transmissível. Algumas mulheres relataram desconforto
mas vezes foram subme das a exames e procedimentos nas suas relações conjugais, como acusações de traição e
sem compreender a razão destes: desconfiança de ambas as partes.
(...) Eu queria saber ao certo como que é isso aí. Do que O HPV pode causar um forte impacto na estrutura fami-
a gente pega isso aí. Porque a gente vai nos médicos, e liar e, na maioria dos casos, as mulheres não podem con-
é aquele tempo corrido pra gente perguntar. A gente fica
tar com o apoio de seu parceiro(4,6). Muitas vezes a mulher
sem jeito de perguntar. Eu perguntei pro doutor, e ele falou
sente-se duplamente vi mizada: sente-se culpada por des-
assim: Eu vou te encaminhar pro especialista. Com a mé-
confiar do seu parceiro e ainda, por ele desconfiar dela(4).
dica especialista eu não entrei em detalhes, não insisti, só
perguntei uma vez e pronto! Justamente o dia que eu fui, Desvelamos também a dificuldade dessas mulheres
ela estava atrasada, estava atendendo tudo correndo, né? nas ações de prevenção das DST. Conhecer os riscos e
Aí, eu não perguntei mais. (...) ultimamente, eu estou me saber como se proteger das doenças sexualmente trans-
conformando muito fácil com tudo. (...) Até hoje, eu não missíveis parece não garan r mudanças nas prá cas de
entendo... Quando eles me deram eu entendia que era o a tudes preven vas das mulheres. Fato que não acontece
HIV, tem alguma coisa a ver esses dois? (Dora). só em relação à prevenção do HPV. Geralmente, mesmo
As mulheres desvelaram ainda, outras dificuldades quando se trata de uma doença grave, de transmissão
que vivenciaram ao procurarem a atenção à saúde. Em sexual, como a AIDS, apesar de as mulheres terem o co-
alguns casos, foram encaminhadas para serviços de refe- nhecimento das formas de prevenção, o sen mento de
rência sem orientações sobre seu diagnós co e ainda rela- segurança da relação conjugal e a confiança no parceiro,
taram a falta de profissionais: gerados pela união conjugal estável, as afastam das prá -
cas preven vas - o uso da camisinha(12).
A médica falou (...) que o SUS aqui é demorado (...) Me
mandaram lá pro serviço de referência. Cheguei lá no dia O fato se contradiz quando se observa que a maior
pra fazer a biópsia, e a mulher não estava lá pra fazer. parte dos grupos de orientação sobre métodos contracep-
Tive que vir embora. Aí que eu fui fazer o tratamento por vos é formada por mulheres que parecem não exercer
fora (Célia). autonomia na escolha destes em suas relações conju-
gais(13). O conceito de autonomia abrange a liberdade de a
A solicitude foi desvelada como uma necessidade real pessoa ser ela mesma(10). A amplitude desse conceito ain-
de cuidado. As mulheres infectadas pelo HPV sen ram ne- da precisa ser alcançada pela maioria das pessoas.
cessidade de saber mais sobre a doença, de saber que os
profissionais de saúde se importavam com elas: buscaram Reforça-se, assim, a necessidade de inves mentos que
o cuidado. ampliem a educação preven va do HPV. Há necessidade
de es mulo do uso de preserva vo, como estratégia pre-
DISCUSSÃO ven va da transmissão viral, e de novos métodos diagnós-
cos, ainda mais sensíveis e de menor custo e mais aces-
síveis às mulheres(7).
A mulher como um ser de relação ou um ser com o ou-
tro perpassa por diferentes espaços e tem possibilidades Não há como negar que ainda existem desigualdades
de compar lhar suas experiências. O ser-com é o modo de entre homens e mulheres quando o assunto é fidelidade.
ser básico do ser-aí, ou seja, é por meio das relações que o As mulheres podem demonstrar o desejo de trair, mas es-
ser se completa em seu próprio modo de ser. É a par r do te é frequentemente ocultado. Elas mantêm valores tra-
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dicionais sobre o estereó po de segurança e estabilidade compreendemos que a solicitude é o modo de ser com o
de um casamento e, paralelamente, demonstram-se mais outro(10); é a essência do modo de ser do homem, traduz-
modernas, com mais autonomia, independência e privaci- -se como uma ocupação antecipada em relação a alguma
dade nas suas relações conjugais(14). coisa, no sen do de importar-se, de ter intenção de reali-
zar algo ou mesmo de buscar o cuidado(10).
Para Heidegger, as vivências têm um significado idios-
sincrá co, ou seja, cons tuem uma experiência única para Para ele a solicitude possui duas possibilidades: fazer
cada ser humano e determinam o caminho a ser trilhado o cuidado pelo outro, subs tuindo-o; e quando o ser não
por cada um. Quando um ser se apresenta em um papel subs tui o outro no cuidado. Na primeira possibilidade, o
de submissão a outro, pode estar vivendo de um modo outro pode tornar-se dependente, manipulado e domina-
não autên co, restringindo sua vida e, muitas vezes, vi- do, mesmo que esse domínio seja silencioso e permaneça
vendo pelo outro, o que, na realidade, não seria possí- velado. Seria como re rar os problemas do outro, impos-
vel(10). Ao se colocar nesse papel, a mulher pode estar se sibitando-o de trilhar o próprio caminho. Neste caso, o ser
anulando como ser humano, afastando-se do que deveria não se preocupa tanto com o outro, mas com as coisas que
ser seu principal projeto, tornar-se si-mesma, muitas ve- lhe deve proporcionar. Este seria um cuidado inautên co(10).
zes, por sen mentos como medo, defesa, insegurança e
não uso da autonomia. O cuidado inautên co foi demonstrado nas falas das
mulheres, quando afirmam que foram subme das a exa-
Alguns relatos mostraram a dificuldade para obtenção, mes e procedimentos sem compreender a razão destes,
por parte das mulheres, das informações necessárias sobre ou então, quando, simplesmente, não par cipavam da to-
o HPV. A orientação foi dada de forma incompleta, sem cla- mada de decisões sobre seu estado de saúde.
reza quanto ao diagnós co, porém, com foco na necessida-
de de uso das medicações prescritas pelo médico. Os profissionais de saúde, referidos pelas informantes
desse estudo, não aproveitaram os momentos em que es-
Os dilemas é cos como: falhas na terapêu ca, infor- tavam com estas mulheres para realizarem as orientações
mações imprecisas, falhas na privacidade, falhas na or- necessárias. Especialmente, quando inseridos na atenção
ganização do serviço, entre outros, possivelmente per- básica, esses profissionais deveriam ter, como uma de suas
meiam situações comuns da prá ca diária dos serviços a vidades primordiais no cuidado, as atribuições de educa-
de saúde, como na atenção básica. Esses problemas são dor e orientador de a tudes posi vas. Na interação entre
di ceis de serem iden ficados e podem colocar em risco os atores envolvidos no cuidado da saúde, a escuta sensível
a qualidade da assistência oferecida. É necessário que e capaz de efe var o cuidado faz-se de suma importância e
esses sejam iden ficados e superados no processo de demonstra uma real preocupação com o outro(17).
trabalho em saúde(15).
Faz-se indispensável, ainda, incluir valores é cos e téc-
Para algumas mulheres, a enfermeira e o médico apa-
nicos nas ações de cuidado. O profissional precisa realizar o
recem como os únicos profissionais que souberam do diag-
cuidado a par r da determinação das demandas e necessi-
nós co e que veram a possibilidade de alguma interven-
dades de sua clientela, levando em consideração os recur-
ção de cuidado. O fato remete a uma maior preocupação
sos tecnológicos de saúde disponíveis na sua realidade(18).
em relação à responsabilidade desses profissionais durante
o atendimento dessas mulheres, visto que podem ser, mui- Existencialmente, sendo o cuidado próprio do ser, ele
tas vezes, a única fonte de atenção e informação disponível. não pode ser visto como momentâneo, mas uma marca
da condição humana. Heidegger traduz a preocupação co-
A demora para o agendamento de exames, erros no
mo providência, planejamento, importar-se com o outro,
processo de marcação dos mesmos e informação desco-
calcular, prever ações (19), e, com base nessas ações, o ser
nexa entre os profissionais também foram relatados. Estes
resultados demonstram que existe necessidade de repen- pode determinar as decisões necessárias para se preser-
sar a estrutura organizacional do processo de trabalho var. A preocupação permite ao homem antecipar-se a si
dos serviços de saúde. Muitas vezes, algumas unidades mesmo, ou seja, importar-se e preservar-se, no sen do
de saúde estabelecem barreiras aos comportamentos de espacial e temporal. Este sen mento é entendido como
prevenção das mulheres, dificultando o acesso ao cuida- um movimento para o futuro ou para o passado(19).
do, o que gera ansiedade(16).
CONCLUSÃO
A informação adequada sobre o agravo e o respeito
pelas necessidades das mulheres são, então, uma forma
Este estudo evidencia que a mulher infectada com o
de cuidado autên co. Entretanto, faz-se necessário que
Papilomavírus humano (HPV) apresenta necessidades de
elas tenham a possibilidade de ser realmente par cipan-
cuidado nas suas relações familiares e com os profissio-
tes das decisões relacionadas à sua própria saúde.
nais dos serviços de saúde, especialmente o suporte fa-
Buscamos a relação das necessidades de cuidado des- miliar, com destaque para o parceiro e, o acolhimento dos
sas mulheres com a fenomenologia de Heidegger, quando profissionais de saúde.
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O vivido por essas mulheres deve ser considerado pelos assistência à mulher portadora de HPV de modo integral
profissionais de saúde nas ações de cuidado. Nesse sen do, e individualizada, fortalecendo a composição da rede de
as informações sobre o HPV devem ser compar lhadas com apoio a estas mulheres.
as mulheres, respeitando-se suas necessidades e o nível de
compreensão de cada uma. É necessário que haja um cui- Ainda que restrito à compreensão dos significados do
dado mais efe vo e afe vo, no qual as mulheres infectadas ser mulher com HPV com um grupo específico, este estu-
tenham um papel a vo no processo de saúde e as interações do remete à reflexões importantes e es mula a realização
sejam verdadeiras. Assim sendo, é preciso incorporar um cui- de pesquisas que buscam a compreensão dos profissio-
dado mais abrangente, sustentado no referencial compreen- nais que atuam junto às mulheres portadoras. Os resul-
sivo, agregando às ações de cuidado em enfermagem a aten- tados desta pesquisa subsidiam o incremento do ensino,
ção, o envolvimento com o outro, o respeito e a empa a. orientando as a vidades dos profissionais na busca de um
Deste estudo emerge a valorização dos profissionais cuidado integral, colaborando, assim, para a melhoria da
da área de saúde e reitera a sua importante atuação na qualidade da assistência.
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Correspondência:
Necessidades Mariade
de cuidados Elisa Wotzasek
mulheres Cestari
infectadas pelo Rev Esc Enferm USP
Rua João Garla,
papilomavírus 300, casa
humano: 27 – Jardim
uma abordagem Santana
compreensiva 2012; 46(5):1082-1087
CEP 86192-180
Cestari MEW, Merighi – Cambé,
MAB, PR,ML,
Garanhani Brasil
Cardeli AAM, www.ee.usp.br/reeusp/
Jesus MCP, Lopes DFM