SEGUNDA-FEIRA | 13 ABR 2020 | 15
Ponte dos Moinhos vai ser requalificada por 160 mil euros
Uma visão da China através
dos seus poetas “underground”
Oliveira de Azeméis Sara F. Costa, poeta cucujanense, lançou um livro com a tradução de 33 poetas da cena literária
chinesa que ajuda a compreender o panorama pós-Revolução Cultural. Uma obra também contra os preconceitos
Alberto Oliveira e Silva
A poeta Sara F. Costa, natural
de Cucujães, vila do município
de Oliveira de Azeméis, lançou
“Poética Não Oficial, Poesia
Contemporânea Chinesa”, uma
selecção e tradução de 33 poe-
tas da cena literária “under-
ground”, que considera “de
maior relevância para com-
preender o panorama literário
da China pós-Revolução Cul-
tural”. O livro será distribuído
pela Editora Labirinto e estará
à venda em várias livrarias por
todo o país.
Consciente do momento sen-
sível que vivemos, a autora,
realçando que a obra foi resul-
tado de “um trabalho de cerca
de dois anos de selecção e tra-
dução do mandarim para o
português”, opinou que, em
face da crise provocada pelo
novo coronavírus, até “há uma
pertinência relativa em se falar
um pouco da China neste mo-
mento”.
Lamentou a edificação de
“preconceitos e atitudes discri-
minatórias em relação a pes-
soas só porque são de determi-
nada nacionalidade ou origem
étnica”, mas que, no que diz res-
peito à doença provocada pela
COVID-19, “não passam, como
todos nós, de vítimas”.
Com o livro, tem a expecta-
tiva de “contribuir para dar a
conhecer” coisas sobre o país
“que a maior parte das pessoas
possivelmente não conheceria
antes”.
Sobre o conteúdo, Sara F. Cos-
ta vincou que, apesar de se ter
guiado por “um certo enqua-
dramento tanto a nível tempo-
ral como conceptual”, apostou
numa selecção de poetas “que
tem muito de pessoal”.
Neste trabalho estão “nomes
sonantes como Bei Dao, Hai Zi,
Gu Cheng”, mas também “no-
mes que só se encontram de-
ambulando de leitura em leitura
pela cena literária dos ‘hutongs’,
em Pequim, ou no bar da poeta
Foi publicado, recentemente, o anúncio em Diário da República para a requalificação
da Ponte dos Moinhos, em São Roque (Oliveira de Azeméis). O procedimento tem
um preço base de 160 mil euros e um um prazo de implementação de 120 dias.
Sara F. Costa publicou cinco livros de poesia e a sua obra foi galardoada em vários prémios literários
Zhai Yongming, em Chengdu”.
Assinalou, ainda, que a esco-
lha dos poemas “também não
obedeceu a nenhum critério de
importância relativa ao facto
de ser um poema mais ou me-
nos conhecido do autor, em-
bora por vezes exista esse
acaso”.
Considerou que, “quem se in-
teressa por poesia”, terá “curio-
sidade em dar uma vista de
olhos naquilo que se anda a fa-
zer naquela parte do mundo
nesta matéria”. Enfatizou que
“há muito pouco” material lite-
rário em português “sobre poe-
sia chinesa contemporânea”,
pelo que esta obra “pretende ser
um ponto de partida, facultan-
do pistas e deixando referên-
cias”.
Assinale-se que grande parte
dos poemas seleccionados não
se encontram traduzidos nou-
tras línguas mais amplamente
estudadas por cá, como o inglês
ou o francês, e que a única
forma de aceder a esses poe-
mas é indo directamente à fonte
em mandarim.
Neste trabalho, a cucuja-
nense, que faz vida em Pequim,
Obra resultou de “um trabalho de cerca de dois anos”
contactou, por vezes, o poeta e,
noutros casos, o contacto foi
apenas com os poemas de um
FOTOS: D.R.
autor. “A escolha dos autores
veio muitas vezes de longas
conversas literárias na noite pe-
Região
das Beiras
Nenhum direito
adquirido
Para controlar a epide-
mia COVID-19, “a China
impôs grandes restrições,
deu ares do seu estado
musculado que já todos
conhecemos”, disse Sara
F. Costa, testemunhando
que o ter ficado “subita-
mente sem liberdade de
circulação”, que parecia
ser “uma banalidade” na
sua vida, mostrou-lhe
que “nenhum direito é
adquirido”. Acentuou a
inevitabilidade da exis-
tência de “muita cora-
gem” para enfrentar
esta “tragédia”. |
quinesa”, salientou, expres-
sando “um interesse visceral
pela arte e pelo outro que ul-
trapassa o mero interesse aca-
démico”.
Vincando o carácter “muito
pessoal” deste projecto, Sara F.
Costa disse que o desenvolveu
“sobretudo para aprender”, o
que concretizou lendo bastante,
seleccionando, no esforço de
tradução e em aprofundamen-
to do seu conhecimento linguís-
tico do mandarim.
Sobre o panorama literário
chinês no pós-Revolução Cul-
tural, explicou que, após o fim
da era imperial e o surgimento
da República em 1911, dois en-
tusiastas das reformas linguís-
ticas chinesas, Hu Shi e Cen Du-
xiu, “proclamaram a utilização
de uma linguagem vernacular
em detrimento do chinês clás-
sico na produção literária, na-
quela que ficou conhecida co-
mo a Revolução Literária”. Foi
também nesta altura que surgiu
o verso livre.
A “poética não oficial opõe-
se à poesia oficial ortodoxa e
institucional”, sendo “um tipo
de criação poética que é dis-
ruptiva em relação à corrente
vigente, não só ao nível de con-
teúdo, mas também a nível es-
tético”. Definiu-a como “um si-
nal de esperança para o pensa-
mento crítico e para a criação
livre num país que carece de-
sesperadamente destes dois
factores”.
Sara F. Costa é mestre em Es-
tudos Interculturais: Portu-
guês/Chinês pela Universidade
do Minho, em parceria com a
Universidade de Línguas Es-
trangeiras de Tianjin, onde es-
tudou mandarim.
Aautora publicou cinco livros
de poesia e a sua obra tem sido
galardoada em diversos pré-
mios literários. Foi várias vezes
vencedora do prémio de litera-
tura sanjoanense “João da Silva
Correia”.
O seu último livro “A Trans-
figuração da Fome” obteve o
Prémio Literário Internacional
Glória de Sant’Anna para me-
lhor obra de poesia publicada
em países de língua portuguesa
em 2018. Tem poemas tradu-
zidos e publicados em mais de
sete línguas, em várias publi-
cações literárias por todo o
mundo.
Como poeta europeia emer-
gente, participou no Festival In-
ternacional de Poesia e Litera-
tura de Istambul 2017 e em 2018
fez parte da organização do Fes-
tival Literário de Macau e do
Festival Internacional de Lite-
ratura entre a China e a União
Europeia, em Shanghai e Suz-
hou, na China. Em 2019 foi au-
tora convidada da segunda edi-
ção do “Chair Poetry Evenings”
em Calcutá, na Índia. Para além
da poesia, escreve ficção e tra-
duz literatura chinesa para por-
tuguês e inglês.
Residente em Pequim, tem
coordenado eventos literários
no colectivo artístico interna-
cional Spittoon. Fundou o pri-
meiro “workshop”de poesia da
cidade e desenvolveu projectos
e publicações literárias e inter-
artes. |