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CENTRO EDUCACIONAL SEM FRONTEIRAS
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V3-N1-2020>
ISSN:2595-9611 (on-line)
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1 Esse texto é uma versão ampliada e revisada do trabalho apresentado e publicado nos anais do III Congresso
Nacional de Educação (III CONEDU), em 2016. Anais disponíveis em
https://www.editorarealize.com.br/revistas/conedu/resumo.php?idtrabalho=2156
2 Mestrando em Sociologia no Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS) da Universidade Estadual do
Ceará (UECE). Especialista em Gênero e Diversidade na Escola pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
Licenciando em Ciências Biológicas pela Faculdade de Educação de Itapipoca (FACEDI-UECE).
E-mail: marcos.andrade@aluno.uece.br
3 Doutorando em Ensino, Filosofia e História das Ciências (PPGEFHC-UFBA/UEFS). Professor do Curso de
(nós), em virtude do diálogo dos autores nas convergências e divergências vivenciadas ao longo da vida escolar. O
plural aponta experiências vivenciadas por ambos, enquanto o singular indica especificidades vivenciadas pelo
primeiro autor.
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contra a comunidade LGBTQ+, tão comum nos espaços jurídico e social, não está distante,
tampouco ausente, do espaço escolar. Ao contrário, o exercício escolar de princípios
heteronormativos preenche esse espaço de significados e violências simbólicas contra
determinados modos de vida desde sempre exposto à precariedade e à violência. Argumentamos
a favor da abordagem de assuntos ligados à sexualidade, gênero e, principalmente, direitos
humanos na educação formal, como estratégia que desestabilize os regimes de opressão na
escola pública e garanta minimamente uma educação que contribua para uma sociedade mais
justa e equitativa.
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tende a mudar o olhar sobre a experiência de Nestes termos, essa reflexão situa que a
LGBTQ+ em processo de escolarização, aprendizagem acontece dentro dos parâmetros
particularmente de transgêneros, que são alvos do currículo heteronormativo, ou seja, ela
de uma contínua violência na escola, sendo ultrapassa os limites do prescrito, da
expulsos do sistema escolar sob o discurso da formalidade, constituindo-se nas mais diversas
evasão. situações de aprendizagem, (re)produzindo
5Entenda-se por diferentes, as mulheres, os negros, os LGBTQ+ e aqueles dissidentes em relação ao padrão do
homem branco, masculino, urbano, burguês e cristão.
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Cabe dizer que o gênero geralmente é percebido como sexualidade no senso comum. Assim, quando uma pessoa
parece representar comportamentos e papeis de um gênero, e não outro, isso comumente é apontando como se
essa pessoa estivesse assumindo publicamente determinada sexualidade (geralmente a homossexualidade).
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às múltiplas estratégias do poder (JUNQUEIRA, era diversificada: vigia, alunos, pais de alunos,
2012, p. 7). professores que se dirigiam a suas casas. Todos
Durante um prolongado período, caminhar sabiam, todos viviam aquela violência, mas não
pelos corredores da instituição tornou-se uma se interferia. Ocorre que quem interfere, pode
tarefa árdua para um menino afeminado. Os ser exposto à mesma forma de violência. Por
insultos, xingamentos, humilhações, prisões no outro lado, não interferir é consentir que
banheiro e ameaças de violência sexual formas de violência integrem a prática
configuravam-se em elementos integrantes do educativa. Nesse aspecto, a escola se nega a
currículo em ação ofertado pela escola. O medo admitir que consinta com discursos e práticas
de sucumbir à violência estrutural destes que ensinam e legitimam a homofobia.
“castigos” permeia, muitas vezes, a Assim, não é aleatório perceber em nossa
participação do menino afeminado nas experiência a conivência da instituição e seus
atividades curriculares. gestores com discursos de ódio e práticas
O interior da sala de aula se assemelha mais violentas que sofríamos no próprio espaço
a um campo de suplícios que a um ambiente de escolar. Quando gestores e professores
aprendizagem para aqueles que fogem às conhecem o cotidiano de violência ao qual
normas de gênero e ensaiam outras estão expostas determinadas populações na
performatividades. Os risos e a piadinhas escola e não tomam atitudes que construam
tinham por objetivo atestar a traição de meu um espaço escolar humanizado e respeitoso,
corpo à masculinidade presumida pelo sexo então estão sendo coniventes com a violência.
biológico e os ensinamentos dos professores Desta forma, corredores, pátio, banheiro, sala
constantemente remetiam a uma origem de aula, tornaram-se gradualmente campos de
natural das diferenças entre homem/mulher e batalha, nos quais foi difícil sobreviver. Quando
seus papéis específicos. movido pela cultura violentamente homofóbica
Os episódios vividos nas portas da escola criada no interior e nos arredores da escola,
ganharam significado diferencial para o adotei um comportamento agressivo em
primeiro autor. Compreendemos este espaço reposta ao silenciamento imposto pela direção
como integrante da instituição escolar, da escola quando lhe reportava as ocorrências.
percebendo que os alunos administravam Quase foi expulso.
grande autonomia nas relações de poder em Corriqueiramente, observamos análises que
que se exercia o discurso de ódio e práticas discutem sobre o baixo nível de escolaridade de
violentas de homofobia. Sem dúvidas, o fato de indivíduos que se ausentam da escola
sair da escola, conferia uma ideia de liberdade confirmar que a evasão escolar também está
aos indivíduos para aplicar sem medo o que já relacionada à sexualidade. As Travestis e
era permitido, ainda que isso não fosse Transsexuais comprovadamente possuem
claramente reconhecido, dentro da escola. menor tempo de estudo, estão expostas à
Muitas vezes experimentei situações em que morte prematura e a ocupação em
fui agredido por ser um menino afeminado. A subempregos ou na prostituição. A cultura de
plateia que assistia as agressões, sem interferir, violência que se institui contra essas atrizes
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se dirige (ERIBON, 2008). A injúria como uma Por outro lado, minha recusa em aceitar o
experiência de violação e desapossamento, estigma poderia desestabilizar o regime,
expõe aqueles que performatizam modos de desorganizar a noção de heterossexualidade
vida gay ou o menino afeminado à abjeção, ao presumida, romper os limites normalizados do
escrutínio social, à desumanização. Embora espaço escolar, bagunçar as evidências
essas palavras possam ser ressignificadas e esperadas dos indivíduos. Ainda assim, o
experimentadas como símbolo de afirmação e insulto, na forma de injúria, funciona como o
orgulho, não era assim que eu compreendia à elemento regulador, tomando a premissa de
época. que nenhum adolescente ciente de seu
Resisti ao enquadramento naquele estigma e significado ousaria desejar ocupar o lugar
gritei com a profissional: “Não me chame de conferido pela palavra – o lugar da abjeção.
VIADO!”. Entretanto, o alarde voltou-se contra Carregado de estigma e preconceito, o insulto
mim. Logo o espaço foi invadido pela diretora não poderia representar orgulho imediato aos
que me encaminhou para casa porque a sujeitos que reconhecessem seu significado
história que lhe contei parecia absurda. nebuloso, antes era rejeitado por qualquer um
Naquela situação, não cabia desacreditar a que desejasse ser aceito.
professora, mas a vítima da injúria da violência Historicamente, o aparelho escolar esteve
homofóbica. comprometido com o funcionamento
Avalio que este processo eufêmico de estrutural da homofobia, a discriminação que
silenciamento é extremamente necessário para assola a sociedade não se mantém distante,
a manutenção da disciplina coercitiva presente tampouco ausente do ambiente de
no espaço escolar, uma vez que acionar a voz aprendizagem, pelo contrário, preenche este
de defesa do sujeito revelaria a possibilidade de espaço de significados e violências simbólicas
conceder forma a uma estratégia de resistência que se manifestam de distintas formas. Dados
e enfrentamento ao poder disciplinar. Assim, confirmam o assustador índice de evasão
dar vazão à defesa corresponderia, no escolar pontuado por indivíduos de
contexto, questionar a ordem na qual a escola sexualidades incongruentes a norma sexual que
se sustenta (a fabricação do heterossexual). Da por meio de complexos processos conduz os
mesma forma, desvelaria o princípio usado sujeitos a heterossexualidade compulsória
para a politização da palavra contagiosa, que ao (BUTLER, 2000). Esses processos são resumidos
mesmo tempo todos deveriam conhecer o em dois alelos da normalização, a homofobia e
significado e não a usar, a não ser em defesa da o heterossexismo.
masculinidade ideal. São essas Em 2009, uma pesquisa realizada pela
performatividades que surgem em discurso no Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas
espaço escolar para imediatamente serem (FIPE), em parceria com o Ministério da
apagadas e excluídas, expulsas! (BENTO, 2011). Educação (MEC) constatou que o bullying
A palavra ‘viado’ apareceu e imediatamente escolar está intimamente relacionado à
desapareceu assim que saí da escola, para que orientação sexual das vítimas. Esses dados
não houvesse debate diante da situação. revelam a crueldade do sistema educacional
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em fornecer possibilidade aos sujeitos para beirando o anormal. Fazia-se necessária uma
discriminarem, perseguirem, amedrontarem constante vigilância.
outros em razão do fortalecimento da Concederam-me essa possibilidade na
desigualdade histórica mantida pela hierarquia disciplina de Educação Física: davam-me notas,
sexual (PRADO; MACHADO, 2012), escolar que as quais não merecia, somente para não sofrer
individualiza e delega posições de sexualidade a agressões indo à aula de Educação Física
partir do esquema binário durante todo o fundamental.
homossexual/heterossexual, no qual a De todo modo, o regime de vigilância que se
homofobia se enraíza. materializava nas aulas atravessava outros
Jamais consegui participar das aulas práticas contextos de aprendizagem. O intervalo entre
de Educação Física, pedia constantemente para uma aula e outra, “o recreio”, era o principal
ser dispensado alegando problemas de saúde ambiente de socialização dos alunos. O recreio
inexistentes, ao constatar que professores não constituía-se num palco de negociações,
me defendiam frente aos insultos sofridos. O disputas e enfrentamentos. A intensidade das
discurso era sempre o mesmo: “você precisa piadas ganhava poder de reforçar as marcas e
jogar como os outros meninos”. Sobre isso, estilos que compunham nossas identidades.
Junqueira (2012), resgata duas perguntas: Não somente reforçar positivamente, mas ao
Quantas vezes, na escola, presenciamos contrário, promover a ridicularização, a
situações em que um aluno “muito delicado”, humilhação, a perseguição a traços que não se
que parecia preferir brincar com as meninas, enquadrem na expectativa de gênero para cada
não jogava futebol, era alvo de brincadeiras, corpo.
piadas, deboches e xingamentos por parte dos Comigo, as perseguições mais relevantes
colegas? Quantas são as situações em que nestes horários me fazem recordar as muitas
meninos se recusam a participar de vezes que fui molhado no bebedouro enquanto
brincadeiras consideradas femininas ou buscava tomar água e ainda as vezes que fui
impedem a participação de meninas e de ridicularizado e agredido por brincar com as
meninos considerados gays em atividades meninas. Diariamente impunham-se na escola
recreativas “masculinas”? (JUNQUEIRA, 2012, sanções à minha conduta feminilizada baseadas
p. 7). em suspeitas de homossexualidade; afinal de
O meu armário era transparente. As contas, brincar com as meninas configurava
elucidações que a aproximação de minhas elemento suficiente para confirmar minha
expressões a das meninas consistia na transgressão à ordem sexual e de gênero
referência básica para que escondesse dentro instituída. O discurso homofóbico se fazia eficaz
do armário minhas expressões e silenciasse na manutenção da heteronormatividade.
meus pronunciamentos públicos. Contudo, Contar sobre meus desejos de brincar com as
mais do que está dentro do armário, era garotas no recreio era reprimido pelas risadas
necessário garantir que meu corpo não dos meninos que, ao chamarem isso de
obtivesse confiança; assim, os discursos me “viadagem”, distorciam a imagem positiva da
enquadravam na posição exótica, diferente, brincadeira, fazendo-me trepidar entre manter
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pedagogia da sexualidade (LOURO, 2005), vivenciada no espaço escolar, inscreve marcas
duradouras em nossos corpos. Marcas que, ao invés de estarem associadas a conteúdos
curriculares, são corporificadas como medo e insegurança propiciados pelo currículo em ação da
escola. Na tentativa de conformar os corpos à heterossexualidade compulsória (BUTLER, 2000),
nos mais diversos ambientes sociais da escola, a pedagogia da sexualidade traduziu-se em
pedagogia da opressão, e seus efeitos ultrapassaram os limites discursivos, materializando-se nos
corpos e nas subjetividades.
Cada gesto detinha-se na vigilância, cada palavra tentava esconder a voz fina, cada ação
era silenciada por sanções advindas dos olhares atentos na observância dos desvios da fronteira
de gênero. E isso remonta às experiências de um sem número de pessoas que convivem
diariamente com a homofobia na escola e na sociedade.
A pedagogia da opressão não possui um agente específico para operá-la, mas se tivesse,
certamente a escola negaria sua responsabilidade sobre os processos de desumanização que
ocorrem em seu interior. Percebemos que geralmente carregamos o estigma de mau aluno
somente por não nos conformarmos com as imposições de invisibilidade, resistindo ao
enquadramento heteronormativo. O fracasso escolar precisa ser repensado sob a ótica das
condições desiguais com as quais os alunos são tratados.
Acostumar-se a insultos rotineiros ou enfrentá-los sozinho? Correr ou apanhar na frente
dos colegas e professores? Ausentar-se da aula ou continuar com o tormento? Como enfrentar o
assédio moral, contar para família seria uma solução? Como chamar a atenção da gestão escolar
para essas e outras situações de agressão? Estas foram algumas questões recorrentes daquela
época, para as quais não encontramos respostas, tampouco apoio. Vivemos intensamente esses
conflitos como meninos afeminados e certamente que eles persistem com outras roupagens
quando nos tornamos homens gays, afeminados ou não.
Para evitar a violência homofóbica dentro da escola criamos estratégias: corríamos pelos
corredores, apressávamo-nos no bebedouro, distanciávamo-nos do banheiro, procurávamos
abrigo na biblioteca. Entre chacotas, humilhações, deboches, pancadas, tínhamos que usar a
invisibilidade como estratégia para escapar, daí sair correndo quando a aula terminasse, antes
que qualquer um pudesse nos alcançar. A escola tinha se tornado um lugar ignorante em relação
a mim e a outros e outras como eu.
A educação pode se tornar um palco de desumanizações. Contra isso, pretendemos que
outras pessoas que vivenciaram experiências semelhantes a estas e, principalmente, que a
comunidade escolar, seja capaz de refletir sobre o dia-a-dia da escola, os processos violentos que
constituem seu cotidiano e seus efeitos no tecido social.
Sujeitar pessoas à lógica da heteronormatividade no espaço escolar produz efeitos na
forma como vemos a nós mesmos e ao outro e como somos autorizados a nos relacionarmos com
esses outros. De toda sorte, somos impelidos a vigiar a nós e ao outro, tendo à disposição um
arsenal de violências pronto a tentar corrigir quem se afasta da norma sexual e de gênero.
Portanto, emerge a necessidade de tratar sexualidade, gênero e, principalmente, direitos
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humanos na escola, mesmo que esses temas não sejam mais de abordagem obrigatória, por
terem sido retirados do Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024).
Admitir que a escola é conivente e, por vezes, ensina homofobia, é o primeiro passo na
direção de assegurar que a educação possua um caráter humano. Argumentamos que a escola,
como espaço público e de formação cidadã, tem o papel fundamental de problematizar os
regimes naturalizados de opressão como medida que atue na construção de uma sociedade justa.
Um passo importante nessa direção é a de esclarecimento da comunidade escolar do significado
da equiparação da homofobia e transfobia ao crime de racismo, aprovada em junho de 2019 pelo
colegiado do Supremo Tribunal Federal, por 8 votos a 3 (COELHO, 2019). Em outras palavras,
LGBTQfobia no Brasil é crime!
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REFERÊNCIAS
BENTO, B. Na escola se aprende que a diferença faz diferença. Estudos Feministas,
Florianópolis, v. 19, n. 2, p. 549-559, maio-ago. 2011.
BUTLER, J. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do “sexo”. In: LOURO, G.L.
(org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Ed. Autêntica, 2000.
ERIBON, D. Reflexões sobre a questão gay. Tradução de Procópio Abreu. Rio de Janeiro:
Companhia de Freud, 2008.
FIPE, MEC, INEP, Relatório Final do Projeto de estudos sobre ações discriminatórias no
ambiente escolar. São Paulo, 2009. Disponível em:
portal.mec.gov.br/documentos/relatoriofinal.pdf. Data de Acesso:15/02/2020.
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