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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE ODONTOLOGIA DE PIRACICABA

Planejamento em Prótese Fixa: aspectos macroclínicos

Aminéres Pansieri Colombini, 2014,


Piracicaba, Faculdade de Odontologia
Universidade Estadual de Campinas

Piracicaba - 2014
AMINÉRES PANSIERI COLOMBINI

Planejamento em Prótese Fixa: aspectos macroclínicos

Orientador: Prof. Dr. Frederico Andrade e Silva

Piracicaba – 2014

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DEDICATÓRIA

Dedico este Trabalho de Conclusão de Curso, primeiramente, ao meu


Senhor e suficiente Salvador, Jesus, O Cristo, o qual me concedeu vida eterna
através do sacrifício imaculado de sua vida perfeita e inocente na cruz do Calvário,
sem o qual não poderia ter chegado aos dias de hoje com vida, pois Dele, por meio
Dele e para Ele são todas as coisas. À Ele, quem me ensinou o caminho do perdão,
do amor ao próximo e a mim mesma, da solidariedade, aceitação sem fazer
acepção de pessoas, me orientou e iluminou em todos os meus caminhos, me
ensinou a transformar adversidades em possibilidades de conquista. À Ele, quem
me ensinou o que é retidão, o que é paz, a reconhecer uma vida de dedicação ao
bem, à justiça, à defesa dos inocentes. Também dedico este trabalho aos meus
queridos pacientes, pela confiança, credibilidade, respeito, cooperação e permissão
que me impulsionaram para a realização de uma boa formação pelo consentimento
das praticas clínicas por mim aprendidas em benefício de sua saúde. E ao meu
orientador, Prof. Dr. Frederico Andrade Silva, o qual me honrou com seu
consentimento e paciência, me iluminou com sua inteligência e sabedoria e me
inspira através de seu brilhantismo e incentivo inequívocos.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço minha mãe, que sacrificou muito de si mesma e doou muito do que
havia em si e até mesmo o que não havia para que eu cuidou da minha filha para que eu
concluísse a graduação em Odontologia, nutriu minha filha com amor, zelou por sua
integridade física, emocional, psicológica e social; deu-lhe saúde e exemplo de
espiritualidade, compromisso com a retidão e enaltecimento do sagrado.

Agradeço ao meu pai, por ter me impulsionado a sobejadamente cobrir e


ultrapassar todas as suas expectativas a meu respeito. Te amo por isso.

Agradeço aos meus parentes e agregados, os quais foram pilares extremamente


importantes e responsáveis pela força de vontade que me moveu em prol da busca e
conquista de mim mesma, da perpetuação e desenvolvimento dos meus dons e talentos.
À vocês, que sempre tiveram uma palavra sobre meu futuro e minhas capacidades, eu
dedico minha aprovação no vestibular de 2009 na UNICAMP (Universidade Estadual
de Campinas), curso de Odontologia, no qual me classifiquei em 26º lugar, da primeira
chamada, dedico ainda minha colocação de 9ª aluna dentro da turma de 80 alunos,
dedico ainda à conquista do meu diploma e o título adquirido na UNICAMP. Sem o
desprezo e zombaria de vocês, talvez eu tivesse me formado apenas na segunda melhor
faculdade da minha área e não na primeira; aliás, talvez tivesse me aquietado apenas
com a minha graduação pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, no meu
Bacharelado em Administração de Empresas com ênfase em logística e Prestação de
serviços.

Agradeço meus colegas de turma, meus amigos inequívocos que acompanharam


minha vida universitária pela conquista do meu segundo Diploma, mas principalmente
pelos consolos, pelas lágrimas colhidas com tanto carinho, pelos impulsos rumo à
vitória.

Agradeço aos funcionários do laboratório o Paulinho, a Márcia, o Reinaldo e a


Neide. Ao Maurinho, Feliciano, Janaína, Daiane, Marquinhos, Dorinha. A Vanessa,
Luci da limpeza, amigas de tantas horas de consolo. Ao Sr. Luis Cláudio e Reis, que tão
bem cuidam dos equipamentos da clínica garantindo as suas manutenções. À Cátia e
Madalena da esterilização. À Regina e Eliete, secretárias que tanto me ajudaram. A Fran
pela recepção e por tantas horas divertidas na clínica à espera de pacientes. Ao Paulo,
Eliseu e Aparecida da biblioteca. À todos vocês que tanto foram meus amigos, que
muito fazem parte do meu coração como familiares. Á vocês, minha eterna gratidão e
carinho.

Agradeço aos Professores, aos pós-graduandos, que muito me ajudaram nesta


caminhada. Mas, obviamente não poderia deixar de aclamar o nome dos anjos que Deus
colocou em minha vida durante estes anos de FOP (Faculdade de Odontologia de
Piracicaba), como: Profa. Dra. Fernanda M. Klein e Prof. Dr. José Francisco Groppo,
pelos quais pude continuar meu curso, pois me proporcionaram o respaldo que precisei
quando fui acometida pela influenza H1N1, e estive entre a vida e a morte por quase 3
meses.

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Agradeço ao Prof Dr. Enilson A. Sallum, Prof Dr Pablo A. Vargas, Prof. Dr.
Frederico Andrade Silva homens de inequívoco caráter, que me incentivaram a buscar a
superação de meus limites físicos, financeiros, emocionais e sociais para a continuidade
e conclusão do curso. Sem estes homens, eu não teria conseguido vencer todas as
dificuldades que enfrentei para a conclusão desta graduação.

Ao meu esposo, parceiro de todas as horas, momentos, incentivador do meu


progresso, que me ajudou a estudar para o vestibular, suportou minhas crises de
insatisfação com o relacionamento social na FOP, que me consolou frente a cada
zombaria dos vários elitizados da faculdade, que me garantiu o sustento.

À minha filha, presente inesperado de Deus, milagre ocorrido em meio à minha


frustrada realidade da esterilidade, que me rendeu esperança, me deu renovadas forças e
virtudes, que me alicerça em emoção, me cativa cada vez mais em amor, me faz
frutificar a alma em docilidades e afetos, que ilumina o meu dia, que me transmite o
amor de Deus, que me afaga nas tristezas, que me consola entre lágrimas, que me espera
de braços abertos, que me acalenta a alma.

Ao meu orientador, Prof. Dr. Frederico Andrade Silva, o qual sempre me


agregou conhecimentos, valores, inequívoco acolhimento, cujo dom foi o de me
incentivar e conduzir ao sucesso na graduação dedico o meu carinho, reconhecimento,
admiração, respeito e satisfação. Sem ele, este trabalho não contaria com nenhum
resquício de inspiração à esperança de enaltecimento à virtuosa prática da odontologia e
tudo o que remete entendimento para a agregação e promoção da saúde.

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RESUMO

Esta pesquisa bibliográfica considerou aspectos macroclínicos, normalmente


secundarizados ou pouco considerados, durante a elaboração do planejamento de um
caso clínico hipotético de prótese fixa. A necessidade de considerar o paciente como um
todo, rotineiramente, antes do planejamento pontual de qualquer evento na clínica
odontológica, levou-nos a elaboração deste trabalho. A formulação de um hipotético e
simples caso clínico, possibilitou o embasamento de algumas variáveis necessárias para
o seu desenvolvimento, focando o fortalecimento da interação entre as áreas básicas e as
áreas clínicas, constantes no currículo odontológico.

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Palavras Chave

Planejamento do Tratamento – Prótese Fixa - Sistema


Estomatognático.

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Abstract

This bibliographical research considered aspects complete view of clinical


problem, usually not very considered, during the elaboration of the planning in fixed
prostheses. The need to consider the patient as a whole, commonly, before the punctual
planning of any event in the odontological clinic, took us the elaboration of this work.
The formulation of a hypothetical clinical case, facilitated to select of some you varied
necessary for its development, seeking the invigoration of the interaction between the
basic areas and the clinical areas, constant in the curriculum dentistry school.

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Key Words

Planning Treatment - Bridgework – Stomatognathic System

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ......................................................................................... 11

2. CRITÉRIOS para REABILITAÇÃO PROTÉTICA ................................. 20

3. MÉTODOS/DISCUSSÃO: caso clínico hipotético ................................... 22

3.1. – Atendimento de Urgência ................................................................ 22

3.2 – Exame Clínico ................................................................................... 22

3.2.1 – Inventário Clínico ................................................................................ 22

3.2.2 – Exame Físico ....................................................................................... 23

3.2.3 – Obtenção dos Modelos e Montagem em Articulador ......................... 24

3.2.4 – Avaliação da Oclusão .......................................................................... 25


3.2.4.1 – No Articulador ..................................................................................... 25

3.2.4.2 – Nas Tomadas Radiográficas ................................................................. 27

3.3 – Bases Cognitivas para o Planejamento ............................................. 29

3.4 – Planejamento e Execução Clínica ..................................................... 46

4. COMENTÁRIOS/CONCLUSÕES ........................................................... 54

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................... 55

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Planejamento em Prótese Fixa
ASPECTOS MACROCLÍNICOS

1. INTRODUÇÃO

Os tratados de medicina mostram que na antiguidade já se fabricava poções para


aliviar a dor, inclusive desenho de fórceps para a extração de dentes molares, e que
existia forte preocupação com a estética.

Crânios de épocas antigas foram encontrados apresentando espaços desdentados


preenchidos com dentes esculpidos em marfim, madeira, osso e dentes humanos,
evidenciando a existência de pessoal especializado - os artífices, protéticos de hoje
(Washburn, 1925). Essas características intrínsecas do ser humano devem ter gerado o
nascimento das ciências médicas e quando aplicadas à face e a boca possivelmente
fundamentaram as bases da Dentisteria, Odontologia ou Estomatologia. Isso mostra que
uma vez, tendo sido criadas fórmulas para o alívio da dor, os problemas estéticos
gerados pela perda de dentes, foi resolvido por pessoas, que a margem da medicina ou
odontologia, por sua agudeza de observação e boa qualidade psicomotora, solucionavam
problemas estéticos e obtinham ganhos financeiros (Planas, 1988).

Em pleno século XXI, podem-se observar situações semelhantes. É o caso das


nossas auxiliares de consultório, que de tanto ver preparos, manipulações de substâncias
restauradoras, reprodução da superfície oclusal, seleção de cor, tornam-se capazes de
executar estas funções com perfeição. Contudo, falta-lhes, por serem técnicas, o
conhecimento da função, ou seja, a capacidade de avaliar a repercussão que o ato clínico
poderá ter sobre o sistema estomatognático e em particular sobre o sistema mastigatório.

A Odontologia como uma ciência biológica, para reabilitar o sistema


mastigatório, deve se alicerçar fundamentalmente na compreensão das origens e função
do sistema. E a função, pode ser interpretada pela adequada mastigação e deglutição dos
alimentos, que são realizadas às custas da oclusão dinâmica (Planas, 1988; Silva, 1993).

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Se o resultado da oclusão dinâmica é a mastigação, como definir uma oclusão
cujo resultado funcional seja uma mastigação eficiente? Como interrelacionar critérios
para construir uma oclusão saudável e estável, tanto na dentição decídua como na
permanente, por meio de tratamentos preventivos interceptativos e curativos?
Fundamentado em que?

A antiga compreensão de que os dentes eram simples estruturas mecânicas para


triturar os alimentos atualmente não é mais aceita. A descrição de um tipo de
enfermidade periodontal agravada por alterações da oclusão dentária levou
periodontistas a estudar profundamente às íntimas relações entre a oclusão dentária e as
estruturas de suporte dos dentes. Tendo então surgido o conceito de “Odonton”, isto é,
uma unidade biológica - dente e estruturas de suporte (Karollyi, 1901; Broadbent,
1941; Granit, 1955; D‟amico, 1961; Kaplan, 1963).

Os dentes, por possuírem um sistema próprio de vascularização e de sustentação,


integrados à biomecânica, que gera dor, que capta e transmite estímulos ao sistema
nervoso central sobre a posição da mandíbula, que induzem o desenvolvimento e
crescimento facial, desenvolvimento muscular e articular, recebem a denominação de
órgãos dentários (Adams, 1964; Anderson & Pincton, 1957).

A odontologia da dor, da reposição de dentes, dos transplantes, da engenharia


genética e cosmética, tem alcançado especial desenvolvimento. Mas, no que concerne a
compreensão da completa função dos dentes e sua íntima relação com o sistema
mastigatório e estomatognático não acontece o mesmo. Por esse motivo, esse sistema
acaba sendo vítima de procedimentos clínicos iatrogênicos, recebendo graves lesões
funcionais e/ou morfológicas em suas estruturas. E o mais grave, é que muitas vezes
não se consegue interrelacionar essas lesões com os procedimentos clínicos realizados,
ou seja, não se tem noção da agressão cometida (Silva, 1990; Kerstein & Farrell, 1990).

Percebe-se ainda hoje que alguns setores da odontologia persistem em buscar


explicações estruturais localizadas para a dor e para a má função. E elas,
tradicionalmente, enfatizam a necessidade da habilidade técnica na manipulação de
materiais e instrumentais, nos procedimentos cirúrgicos para a cirurgia ortognática ou
das articulações temporomandibulares, para a confecção de aparelhos para o

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preenchimento de espaços protéticos, aparelhos para a correção da posição dos dentes e
no esmero pela estética. O planejamento fica restringido à execução de tarefas clínicas
estanques e puramente mecânicas como se os dentes, as articulações
temporomandibulares, os músculos e a função mastigatória, fizessem parte de um
sistema que nada tem a haver com a odontologia (Silva, 1990; Planas, 1988).

Este entendimento anuvia os objetivos científicos da odontologia, alastrando-se


para o universo acadêmico, fazendo com que os acadêmicos se limitem a atividades
clínicas imediatistas, se não, a rigor, relegando-os a uma atividade fundamentalmente de
nível técnico. Felizmente, o esforço lúcido de alguns colegas em busca de uma
odontologia fundamentada na função vem mudando, lenta, porém, progressivamente,
essa compreensão paroquial das atividades clínicas do cirurgião dentista.

As especialidades médicas foram fundamentadas na organização morfofuncional


de determinadas estruturas e órgãos que, quando agrupados, formam os sistemas
orgânicos, assim é que, quando a organização morfofuncional se concentra no sistema
esquelético e articular, criou-se a ortopedia; se nos vasos e coração a cardiologia; se na
genitália e vias excretoras a urologia; se nas glândulas endócrinas e exócrinas a
endocrinologia, e assim por diante. Um sistema, particularmente, não é estudado por
nenhuma especialidade médica - o sistema mastigatório, e por razões óbvias.

O sistema mastigatório, por ser formado por um conjunto de órgãos e estruturas


que vão desempenhar uma mesma função - a trituração dos alimentos, a salivação,
digestão e deglutição, não devem e não podem ser estudadas academicamente, somente
a nível organizacional da boca. Deve abranger a compreensão da formação de estímulos
e respostas originadas a partir dos contatos oclusivos e, fundamentalmente, tornar claro
a importância desses contatos para o crescimento e desenvolvimento das estruturas
crânio faciais, desde o aparecimento da dentição decídua, às mudanças características
que ocorrem na dentição mista e na instalação da dentadura permanente.

É referido, que muitos estudos têm sido realizados enfocando puramente os


aspectos morfológicos da dentadura decídua e permanente, mas, muito pouco tem sido
pesquisado sobre o seu lado funcional (Egermark-Ericsson, 1982; Gavião, Silva e
Chelott, 1995).

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Compreende-se então que a correta definição de uma oclusão saudável e
funcionalmente harmônica só pode ser obtida se entendermos a origem da própria
oclusão e a interação entre a oclusão dentária e as demais estruturas do sistema
estomatognático.

Até algumas décadas passadas, as publicações científicas odontológicas


utilizavam o termo “oclusão dentária” para referir-se às relações estáticas de contato
entre as superfícies oclusais dos dentes, reservando o termo “articulação dentária” para
as relações dinâmicas de contato interoclusal durante os movimentos da mandíbula.
Atualmente, o sentido e interpretação de oclusão são muito mais amplos. Oclusão em
odontologia, simplesmente, significa relações estáticas e dinâmicas entre as superfícies
oclusais de dentes antagônicos e as interrelações fisiológicas e/ou patológicas dos
componentes do sistema mastigatório com o sistema estomatognático e outros sistemas
orgânicos. Oclusão habitual ou MIH, para indicar a forma individual das relações
estáticas e dinâmicas entre as superfícies oclusais dos dentes de ambas as arcadas e as
demais estruturas do sistema mastigatório. Estas relações podem ou não ser normais. E,
Oclusão harmônica, onde as relações estáticas e dinâmicas entre as superfícies oclusais
dos dentes de ambas as arcadas são compatíveis entre si e com os demais componentes
do sistema (Silva in Domitt, 1990). Conveniente confundir oclusão habitual com
oclusão harmônica. A primeira tanto pode ser saudável como patológica e pode ser
estável ou estar estável.

O conceito de sistema mastigatório também sofreu notável evolução. Entre a


primeira concepção, relacionando só os dentes com a cinética das articulações
temporomandibulares – ATMs, em um enfoque puramente mecanicista e, a atual, de
maior concepção, a fisiológica, com macro compreensão do papel dos mecanoceptores
periodontais, da “dinâmica” do dente em seu alvéolo e do mecanismo neuromuscular,
há um verdadeiro abismo.

O sistema mastigatório, tal como o entendemos, é um dos componentes do


Sistema Estomatognático, com uma identidade fisiológica e funcional perfeitamente
bem definida, mas, absolutamente interdependente (Silva, 2000).

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Thompson, em 1954, compreendendo a coordenação funcional não só durante o
ato da mastigação, mas, também na deglutição, respiração, fonação e postura da cabeça,
da língua, mandíbula e osso hioide, compreendeu a abrangência funcional do Sistema
Estomatognático, que foi aceita, desde então, por todos os círculos científicos. A
compreensão da integração funcional entre essas estruturas anatomicamente tão
distintas, formando um sistema sólido, indivisível, com conexões em vários outros
sistemas orgânicos, não surgiu por capricho de um investigador isolado. Foi o resultado
e um processo evolutivo, da maturação do pensamento científico odontológico, que
passou por várias etapas. Daí a existência de uma entidade biológica bucal e suas
relações recíprocas com a saúde e enfermidade do restante do corpo que foram
compreendidas e aceitas pela ciência médica em geral. A época em que os dentes
podiam ser considerados isoladamente, somente devendo-se estudar suas funções, junto
aos seus vizinhos e antagonistas, já soma quase um século. A literatura nos revela que
tenazes e persistentes protesistas, no início do século passado, referiam-se às
necessidades de estudar o complexo maior - O Sistema Estomatognático, e suas
interações com os outros sistemas orgânicos para que pudéssemos estruturar as bases
para o entendimento funcional do sistema mastigatório.

Historicamente, pode-se dizer que, no início do século XX, a partir do ano de


1925, a odontologia ampliou seus horizontes quando compreendeu que um pesquisador,
chamado de Washburn, em 1925, pode sintetizar em tão oportunas palavras os novos
horizontes a seguir:

“Possivelmente a época em que os procedimentos sobre os dentes, individualmente, exigiam


grande habilidade técnica e concentração em muitos detalhes de cada dente, pode ter sido a
razão para ter-se descuidado tanto do problema principal, ou seja; a reconstrução da
dentição íntegra. Não se compreendeu, imperdoavelmente, as relações da mandíbula com o
crânio, perdendo-se como consequência, toda a noção da influência decisiva desses fatores
na fisiologia e patologia da mastigação”

Desde então, a odontologia começou a assimilar a necessidade macro da


compreensão dos fenômenos fisiológicos que interagem com os procedimentos clínicos
realizados na boca de nossos pacientes. Porém, devemos reconhecer que,
lamentavelmente, ainda hoje, passado quase um século, em vários aspectos, pode-se

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constatar que a prática clínica ainda se fundamenta conforme os comentários de
Washburn. Nas últimas décadas, a clínica médica percebeu suas dificuldades para
resolver os casos de alterações funcionais do sistema estomatognático ou disfunções
temporomandibulares e crânio mandibulares (DTM-DCM). Os recursos médicos não
são suficientes para a obtenção da remissão dos sinais e sintomas dessa patologia,
porque entre os mecanismos geradores da patologia está á oclusão dentária e sua
interação com as demais estruturas do sistema estomatognático. Todavia, como a
oclusão dentária, tradicionalmente, está dispersa em várias áreas acadêmicas do curso
de odontologia, com enfoques restritos a cada disciplina, induziu por vários anos que os
cirurgiões dentistas, clínicos e especialistas, demonstrassem grande desconforto ao
tentar compreender e tratar os sinais e sintomas da DTM. Afortunadamente, diversos
progressos em outros ramos da ciência permitiram a utilização de novos instrumentos e
processos de investigação como, por exemplo: a cineradiografia, a cinefluorescência
laminográfica, a tomografia computadorizada e a ressonância magnética nuclear. Essas
técnicas oferecem imagens nítidas dos dentes e de suas estruturas de suporte, das ATMs
com seus tecidos duros e moles, durante a estática e dinâmica de seus componentes. A
telemetria eletrônica utilizando micro rádio transistores, adaptados em pônticos ou
retentores de próteses fixas ou próteses parciais removíveis, possibilitaram esclarecer a
extensão e intensidade dos contatos oclusivos e a dispersão das forças durante os
movimentos mandibulares. Softwares, como o T-Scan e o K6I, oferecem em tempo real
os contatos interoclusais permitindo avaliações preciosas da dinâmica oclusal, da
atividade elétrica muscular e dos movimentos mandibulares. A eletromiografia
permitiu estudar a função muscular. Os Instrumentos eletrônicos tornaram possível a
medição exata do grau de movimentação dos dentes durante a mastigação.
Gnatotensiômetros e pantógrafos computadorizados permitiram registrar, reproduzir e
estudar as posições e movimentos mandibulares com exatidão em oclusões consideradas
normais e anormais. Microfones ultrassensíveis e computadorizados, combinados com
gravadores fidelíssimos, revelaram novos dados sobre a cinética condilar e as vibrações
dos discos articulares, nos mais variados movimentos mandibulares (Planas, 1988;
Silva, 2000).

As investigações sobre a oclusão, que eram fundamentadas por observações em


cadáveres frescos, em crânios secos, animais e articuladores, puderam ser realizadas
diretamente no ser humano vivente, normal e patológico. Por fim, a Odontologia pôde

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orientar a busca das respostas às suas inquietudes, dúvidas e ignorâncias, com um
enfoque não mais somente artesanal e mecânico, porém, com bases biofuncionais. Os
resultados obtidos por aqueles que compreendem a Odontologia não somente no
contexto mecanicista e cosmético, dia a dia, são somados, podendo-se dizer que esta
ciência avançou mais nos últimos trinta anos do que em toda a sua história anterior,
alicerçando-se, funcionalmente, em cinco pilares fundamentais:

 Oclusão.
 Periodonto.
 ATMs.
 Sistema Nervoso.
 Sistema Muscular.

Durante a mastigação a atividade funcional da mandíbula é produzida pela


ação dos músculos, que é derivada de estímulos nervosos de origem cortical ou
subcortical que dão origem ao Mecanismo Neuromuscular. E qualquer intento de se
determinar qual desses cinco fatores é mais importante ou prevalece sobre o outro é
difícil, em virtude da estreita e intrincada interrelação existente entre todos os seus
elementos funcionais: estímulos neuromusculares, morfologia oclusal e oclusão,
ATMs, padrões de movimentos mandibulares e, estado de saúde biológica local e
geral (Silva in Domitt, 1990).

Todas essas etapas foram sendo maturadas ao longo dos anos, através de um
trabalho contínuo de pesquisa e observação científica, evidenciando que estamos
em frente a uma unidade biológica e funcional indivisível e, como tal, deve ser
compreendida, diagnosticada e tratada.

Parece claro que a harmonia e o correto funcionamento do sistema


estomatognático dependem de um equilíbrio dinâmico entre estímulo e resposta.
Portanto, é necessária uma ação sincrônica integral de todas as estruturas para conservar
o equilíbrio. Esse equilíbrio dinâmico pode ser rompido, se alterações provenientes do
meio externo e/ou interno, ultrapassarem os limites fisiológicos de tolerância e
excederem a capacidade adaptativa ou regenerativa do organismo. As tensões psíquicas
e emocionais influem por meio da formação reticular, localizada no sistema nervoso
central e, desse modo, também, pode se constituir em fator predisponente para a quebra
do equilíbrio, estabelecendo-se um aumento da atividade muscular com repercussões

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em outras estruturas do sistema. As desarmonias oclusais têm um papel muito
importante na hiperatividade muscular porque estimulam os mecanoceptores
periodontais por meio de distintas vias de condução nervosa e determinam novos
padrões funcionais. Inter-relacionar os objetivos de desenvolver uma oclusão perfeita e
saudável na dentição permanente, por meio de tratamentos preventivos, interceptativos e
corretivos, precisamente de acordo com mudanças na dentição, tem de passar,
necessariamente, por ampla compreensão da integração entre a oclusão e os outros
componentes do sistema estomatognático, que estão em plena capacidade. Além disso,
tem-se de considerar que o biótipo é um aspecto de cada indivíduo, genético e variável,
e que proporciona respostas distintas às mesmas causas perturbadoras do
desenvolvimento ou da função, bem como as terapêuticas que se apresentarem. De cada
biótipo advirá uma resposta fisiológica característica. Os problemas com a função da
musculatura inserida na mandíbula, com as articulações temporomandibulares, com a
oclusão e com o crescimento e desenvolvimento ósseo do maciço crâniofacial, nos dias
atuais, parece de incidência mais frequente, com graus de intensidade preocupantes e
em faixas etárias, até então, pouco diagnosticadas (Silva, 1990; Gavião, Chelotti e Silva,
1997).

Atualmente, o padrão de alimentação parece não estimular o desenvolvimento


completo da função das estruturas do sistema estomatognático. Nesse sentido, Claude
Bernard (in Planas, 1988) afirma:

“se não há função adequada, também não haverá um adequado desenvolvimento


do órgão”.

Não serão estimuladas as ATMs por tração, nem o periodonto por compressão, os
músculos e ossos do esqueleto facial e cranial, se atrofiarão. Não haverá resposta de
desenvolvimento, mas sim uma atrofia correspondente e, como consequência, um
sistema fraco, com pouca capacidade de resistir às agressões, ou de se adaptar a elas.

O sistema estomatognático e, em especial, as estruturas diretamente relacionadas


à mastigação, necessitam de estímulos para a otimização do crescimento e
desenvolvimento. Tal é a especificidade desse sistema que é o único no corpo humano
que troca parte de seus componentes para continuar se desenvolvendo - os dentes. Esses
estímulos são proporcionados inicialmente pela dentadura decídua, em seguida, pela

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dentadura mista, e se mantém quando a dentição permanente é estabelecida com
normalidade. Portanto, a alimentação prolongada com mamadeiras, papinhas, sopinhas,
sanduíches, salgadinhos, hambúrgueres e etecetera, satisfazem as necessidades
nutritivas da criança ou do adulto, mas, atrofia as estruturas responsáveis pela
mastigação, não permitindo seu crescimento e desenvolvimento, tal com estava previsto
geneticamente. Assim, quando a dentição permanente, também prevista geneticamente,
tenta fazer sua aparição nas arcadas, não encontra espaço adequado, o que só uma
estimulação gradual e contínua por meio de uma alimentação adequadamente sólida
teria proporcionado. Nessas condições, quando o sistema no adulto, por qualquer
motivo, é requisitado mais intensamente, não está capacitado para resistir a essa
demanda funcional, ocorrendo lesões ou alterações funcionais, localizadas ou
generalizadas (Planas, 1988).

Os padrões básicos de oclusão são estabelecidos antes da erupção dos dentes


permanentes e, muito provavelmente, dos decíduos, fazendo com que os primeiros
estágios de desenvolvimento da oclusão sejam decisivos (Thurow, 1977).

A odontopediatria, dentística, endodontia, periodontia, ortodontia, prótese e


cirurgia são áreas clínicas da odontologia que têm um denominador comum – a oclusão.
Essas áreas exercidas ao nível de especialidade ou no âmbito da clínica geral devem
evitar procedimentos iatrogênicos, devem prevenir, interceptar e reabilitar
funcionalmente o sistema mastigatório preservando a função de suas estruturas de uma
maneira integrada e não setorizada. Elas formam a Estomatologia Integral, indissociável
pelo seu denominador comum - a oclusão, que não deve ser vista como uma
especialidade em odontologia, porque, na verdade, a oclusão é a própria Odontologia .

Algumas vezes, trata-se mal a função. Habitualmente, quando uma criança é


examinada, e que tenha os primeiros molares permanentes em oclusão, dize-se,
observando o ocluir dos dentes, que a chave de oclusão molar está normal. Será que isto
é observar a função ou se trata de um exercício de suposição? Começa-se a tratar mal a
função por não se moldar, não se registrar a oclusão nos modelos montados em um
articulador, só assim ter-se-ia chance de verdadeiramente averiguar se a chave de
oclusão molar está realmente normal.

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Por muitos anos, se criou preconceitos para atividades que verdadeiramente são
básicas em clínica geral, por exemplo: a oclusão e os articuladores. Essas atividades só
são dadas à compreensão dos chamados “reabilitadores”. Isso alcançou tamanha difusão
que, ao indicarmos alguém como reabilitador, imediatamente lembramo-nos do
profissional que faz próteses. Se nos referimos à prevenção, vem logo a imagem do
flúor e suas aplicações. Se um dente é íntegro em sua estrutura tecidual e de suporte,
mas mal posicionado e sem condições ortodônticas de realinhamento, promovendo uma
oclusão instável e é indicado para exodontia, vem o sentimento pseudo conservador de
mantê-lo no arco. Esse excessivo “espírito conservador” induz a uma formação
acadêmica distorcida, prejudicando a formulação de um plano de tratamento que
realmente atenda as necessidades macroclínicas dos pacientes, posto que a visão de
planejamento do profissional assim formado se restringe a procedimentos localizados e
pontuais, sem considerar funcionalmente o sistema integral. Reabilitador, também, é
aquele profissional que, ao fazer uma restauração classe I de amálgama ou uma
restauração classe III, o faz considerando não somente manter a integridade biológica e
estética do órgão dental, mas, também e principalmente, colocando-o em função
harmônica com as demais estruturas do sistema. Procedimento clínico preventivo se
refere, também, àquele procedimento que, quando realizado, respeita a integridade e a
função, previne agressões ao sistema como um todo. A indicação de extração de um
dente íntegro mal posicionado, gerador de interferências oclusivas e sem condições
ortodônticas ou protéticas de aproveitamento é mais benéfica do que, em nome do
“espírito conservador”, mantê-lo no arco. Esta macro visão prevê uma formação
acadêmica efetivamente interdisciplinar e globalizada. Para formar profissionais que
pratiquem uma odontologia primordialmente técnica, segmentária, estanque e pouco
compromissada com a função, não haveria necessidade de oito semestres letivos para a
conclusão do currículo pleno, talvez a metade, sob vários aspectos, fosse mais
conveniente (Silva, 2000).

2. CRITÉRIOS PARA REABILITAÇÃO PROTÉTICA

São parâmetros gerais clássicos incluir os seguintes critérios para a reabilitação


protética: o exame clínico, moldagens, modelos, avaliação de imagens, formulação do
diagnóstico, do planejamento, prognóstico, tempo de execução do trabalho,

20
especificação dos honorários e da forma de pagamento e o consentimento do paciente
para a execução do tratamento.

Conhecer o normal é determinante para a devolução da saúde. As exigências


mercadológicas, tendências culturais e o constante estudo e busca do conhecimento,
devem ser constantemente correlacionados e ponderados, cuidando para a não sedução
pelo consumismo da novidade, mas, sempre observando a aplicabilidade biomecânica
da inovação e sua integração com outras especialidades. Estas variáveis são necessárias
para o sucesso do tratamento selecionado. Também é importante salientar que, muito
embora o destaque e consequente estímulo que a mídia proporcione sobre a estética, ela
deve ser considerada secundária quando comparada à função. Contudo, deve-se sempre,
dentro do possível, atender com competência os anseios estéticos do paciente.

Como primeiro passo, para o sucesso da reabilitação protética, deve-se buscar o


equilíbrio entre a forma e a função.

Antes da execução de qualquer atividade clínica na boca de qualquer paciente,


deve estar muito bem claro para o profissional clínico ou especialista que, a forma com
que a mandíbula interage com a maxila e entre elas os dentes deve ser tecnicamente
determinada e/ou reparada para eliminar ou prevenir eventos que modificam a posição
dos dentes, a trajetória mandibular e que podem provocar mialgias e artralgias,
limitação na abertura da boca, ruídos articulares e outros sinais e sintomas
característicos de desarmonia funcional do sistema mastigatório. Os músculos
mastigatórios, as articulações temporomandibulares e a articulação dentária, embora
entidades distintas, devem funcionar em estreita harmonia, uma não deve prevalecer
sobre a outra.

Sistema mastigatório
Componentes Principais

OSSOS: Maxila, Mandíbula, Temporal, Hioide.

TECIDOS MOLES: Músculos, Ligamentos


Mandibulares e Periodontais, Cápsula e Disco
Articular, e, Língua

ARTICULAÇÕES: Temporomandibular,
Gonfose e Dentária.

21
Não é prudente programar e, menos ainda, executar qualquer alteração sobre as
superfícies dos dentes, sem saber qual será a repercussão que este procedimento clínico
causará em outros componentes do sistema mastigatório e este sobre o sistema
estomatognático. O cirurgião dentista deve compenetrar-se de que não é somente um
artesão, não pode negligenciar a função e fixar-se pontualmente em atividades clínicas
estanques.

Hoje, quando se considera a dor crônica como uma doença, não é mais aceitável
que o cirurgião dentista não tenha claro o impacto que as suas atividades clínicas
exercem sobre os outros sistemas orgânicos.

3. MÉTODOS/DISCUSSÃO: Caso Clínico Hipotético.

3.1 - Atendimento de Urgência

De imediato procedeu-se a limpeza e desinfecção do conduto do dente 24. Foi


confeccionada nova prótese unitária sobre o remanescente radicular e cimentada com
cimento a base de óxido de zinco e eugenol. Como medida de segurança, com resina
foto ativada, se procedeu reforço da prótese nas faces proximais dos dentes vizinhos.

3.2 - Exame Clínico

3.2.1 – Inventário Clínico

Preliminarmente, a identificação de um paciente do gênero feminino, registrando


o seu nome, sua idade, endereço residencial, e-mail, telefone, estado civil, aspectos
sociais e econômicos, histórico médico e odontológico, quesitos relacionados às
articulações temporomandibulares, músculos mastigatórios e aspectos de sua oclusão
dinâmica, inclusive dando ênfase sobre a sua queixa principal que era a instabilidade do
dente 24.

Relatou ter todos os dentes, mas desde que colocou uma prótese no dente 24, há
dois anos, já o cimentou várias vezes (4), e, além disto. Quando pontualmente indagada,
relatou dores constantes na cabeça na região temporal anterior, região dos masseteres,

22
torcicolo, sensação de cansaço na face ao acordar. Além de ruídos articulares nas
articulações temporomandibulares quando movimentava a mandíbula. Contudo, sua
queixa principal foi para com o incômodo gerado pela “queda” do dente.

Após o registro da queixa principal, da anamnese, dos exames físico, intrabucal,


da oclusão dentária estática e dinâmica, a paciente foi encaminhada para tomada de uma
radiografia panorâmica na posição “topo a topo” e periapical da região do dente 24,
objetivando uma avaliação localizada do dente, das arcadas e estruturas adjacentes.

As condições clínicas gerais mostraram ser a paciente hipertensa controlada.


Contudo, não foi relatada nem detectada nenhuma outra alteração da sua saúde em
geral, a não ser o relato de dores de cabeça, sobre as quais fez consultas médicas com
dois neurologistas e realizou uma tomografia computadorizada e uma ressonância
magnética nuclear da cabeça que não mostraram nenhuma anormalidade e, por isto, lhe
foi receitada medicação para enxaqueca.

O histórico odontológico detectou um tratamento ortodôntico anterior para o


alinhamento da posição dos dentes incisivos e caninos superiores. Inúmeras
restaurações em amálgama de prata foram detectadas e restaurações classe III na distal
do dente 21, 22 e 23. Queixa de cansaço na face ao acordar.

3.2.2 – Exame Físico

Durante o exame físico confirmou-se a presença de ruídos articulares durante as


excursões mandibulares e sintomatologia dolorosa a palpação na região das ATMs e
músculos mastigatórios, com destaques para os músculos masseteres, pterigoídeos
laterais e temporais anteriores, bilateralmente, mas, com mais intensidade no lado
direito. Diante destas manifestações, decidiu-se preencher um questionário clínico sobre
sinais e sintomas de disfunção temporomandibular – DTM, onde se registra relatos e em
seguida o que foi detectado, buscando-se cruzar as informações. A paciente foi
categórica em afirmar que não fazia relação entre a sintomatologia dolorosa manifestada
na cabeça e os dentes.

Os ruídos articulares ocorriam durante a abertura e no final do fechamento


mandibular, no lado direito. Ao responder ao questionário, relatou sensação de surdez e
de coceira nos ouvidos.

23
Nos músculos masseteres, temporais anteriores e pterigoídeos laterais foram
detectados “trigger points”(pontos de desencadeamento de dor), com repercussão
difusa na face e restante da cabeça.

O exame da oclusão em MIH mostrou desvio de linha média para o lado do


incisivo lateral superior esquerdo em ±1,5 mm. Em protrusão não foi detectado o espaço
de Cristhensen. Na excursão mandibular para a direita, foi detectada interferência
oclusal entre os segundos molares no lado de balanço. Para o lado esquerdo em certa
amplitude, o dente 24 sustenta a guia em canino.

Não foi detectada nenhuma manifestação dolorosa durante a deglutição ou


rotação bilateral da cabeça, descartando-se clinicamente a Síndrome de Eagle. O reporte
sintomático do paciente somado ao alongamento do processo estiloide, por calcificação
do ligamento estilomandibular, confirmado por imagem, resultam nesta patologia
(Eagle, 1937).

Em vista destes achados clínicos e em decorrência do baixo custo quando


comparado com ressonância e tomografia, decidiu-se solicitar uma radiografia
transcraniana oblíqua pela técnica UpDegrave (1950) para as articulações
temporomandibulares, para visualizar a cortical óssea dos côndilos, fossa mandibular,
eminência articular do temporal e superfície superior e anterior das cabeças das
mandíbulas. As posições solicitadas foram com a mandíbula na posição de MIH,
posição de RC (relação cêntrica sem contato interdentário) em repouso e em abertura
máxima.

3.2.3 – Obtenção dos Modelos e Montagem em Articulador

A moldagem das arcadas dentárias foi realizada com alginato e os modelos


imediatamente obtidos com gesso pedra tipo III, após a desinfecção com hipoclorito de
sódio por um período de dez (10) minutos. A MIH foi captada com uma lâmina de cera
no 9, previamente recortada em ferradura e adequadamente plastificada, levemente
pressionada sobre os dentes mandibulares e depois solicitado o fechamento da
mandíbula para obter os contatos em máxima intercuspidação. Após a tomada de presa
do gesso, o modelo foi recortado e recebeu acabamento adequado. Com auxílio do arco
facial o modelo superior foi montado em articulador semi-ajustável e em seguida o

24
modelo inferior foi posicionado em MIH com auxílio da lâmina de cera recortada. Não
foram individualizados os ângulos de Bennett e o ângulo da guia condilar. Foram
determinadas as angulagens médias para os ângulos de Bennett em 15o e para a guia
condilar em 30o, conforme o preconizado (Silva, 1990; Silva, 1993).

3.2.4 – Avaliação da Oclusão

3.2.4.1 – No Articulador

A importância do Articulador:

Deve-se ter a clara consciência de que o articulador é o único aparelho que


reproduz, com maior eficiência, os movimentos mandibulares. A utilização de um
articulador pode ser comparada à utilização de um microscópio. O melhor microscópio
terá valor se quem vai usá-lo tem conhecimento de histopatologia. Disto, se deduz que o
cirurgião dentista deve compreender e dominar o uso do aparelho – ele é um aparelho
indispensável ao exercício da prática odontológica. O articulador deve ser utilizado
com dois propósitos. Primeiro, como um instrumento para o diagnóstico e
planejamento, e, para procedimentos técnicos usados na construção de próteses e outros
aparelhos bucais. É um instrumento muito útil para detectar interferências cuspídeas e
contatos pré-maturos quando utilizado para diagnóstico. Como um instrumento para o
planejamento e trabalho para obter os movimentos mandibulares de abertura,
fechamento e deslizantes. Para ambos os propósitos, o articulador deve satisfazer seu
objetivo.

A Importância da Relação Maxilomandibular:

A determinação clínica da relação maxilomandibular é fundamental para que o


articulador possa reproduzir os movimentos mandibulares do paciente. É requerido no
mínimo a utilização de articuladores semi-ajustáveis com os respectivos arcos faciais.
Para a montagem dos modelos é necessária à utilização do arco facial, primeiramente,
do modelo superior. Não é nosso objetivo descrever esta técnica. Em seguida, de acordo
com a presença e distribuição dos dentes nas arcadas, deve-se selecionar a técnica mais
conveniente para registrar a MIH, e em alguns casos, os ângulos de Bennett e as guias
condilares.

25
O Caso Clínico:

Nos modelos montados no articulador na posição de MIH pode-se confirmar o


desvio da linha média para o lado esquerdo, detectado clinicamente, e indicativo de que
a intervenção ortodôntica não obteve sucesso total, talvez em decorrência da
discrepância entre a posição dentária e a posição muscular não detectada antes da
implementação do tratamento ortodôntico.

O registro da máxima intercuspidação habitual foi para detectar a relação atual


entre a maxila e a mandíbula, e, com isto, reproduzir a oclusão com que a paciente se
apresentava no momento da consulta. Qualquer fator etiológico que tenha desencadeado
desvio da mandíbula à frente ou para trás, para a direita ou esquerda não poderá ser
detectado sem o condicionamento prévio dos músculos mastigatórios, portanto, nenhum
contato prematuro poderá ser efetivamente detectado nesta fase. Qualquer metodologia
que fuja disto será mero exercício de suposição, o que certamente não conduzirá a
nenhum diagnóstico e planejamento que beneficie efetivamente a paciente em
decorrência dos mecanismos de “escape” da mandíbula. Contudo, interferências
oclusais durante as excursões lateroprotrusivas foram claramente detectadas na ponta da
cúspide mésio-palatina do segundo molar superior e vertente vestíbulo-distal da cúspide
disto-vestibular do segundo molar inferior, mesmo com o articulador regulado em
angulagens médias. Durante a excursão protrusiva, se observou contatos entre as
superfícies oclusais dos segundos molares entre ambas as arcadas. Portanto, constatou-
se a inexistência do espaço de Christensen.

Foram observadas áreas de desgaste nas superfícies oclusais dos dentes


posteriores, vertentes dos caninos e borda dos incisivos, indicando a presença de hábitos
para-funcionais, do tipo bruxismo e/ou apertamento. Este hábito é altamente danoso,
porque promove o desgaste do esmalte e até da dentina, além de causar traumatismo na
gonfose, isto é, nas fibras conjuntivas que formam o ligamento periodontal e que se
localizam entre a raiz do dente e o osso alveolar fixando-o. Clinicamente, a severidade
pôde ser detectada pelo grau de desgaste e/ou mobilidade dental e, radiograficamente,
pelo espessamento do ligamento periodontal.

26
3.2.4.2 – Nas Tomadas Radiográficas

Para melhor interpretação das imagens radiográficas das articulações


temporomandibulares há a necessidade do conhecimento da anatomia desta articulação.

Todos os ossos que formam articulações o fazem por possuírem superfícies


adequadas para tal. O mesmo acontece com as articulações temporomandibulares, que
são formadas pela mandíbula e pelo osso temporal.

No osso temporal existe uma saliência, conhecida como eminência ou tubérculo


articular do temporal, que se continua para trás formando um „S‟ invertido, para formar
as faces articulares da ATM no osso temporal. Elas são duas estruturas: a face articular
da fossa mandibular e a vertente posterior da eminência articular.

Na mandíbula, sua cabeça tem duas estruturas que ajudam a formar as


articulações temporomandibulares. As cabeças da mandíbula se localizam
superiormente nos ramos mandibulares e apresentam duas faces articulares chamadas de
superfícies: a superfície superior e a superfície anterior. As articulações
temporomandibulares, estão limitadas anteriormente pela vertente posterior da
eminência articular do osso temporal, posteriormente pela parede anterior da tuba
auditiva, superiormente pela face articular da fossa mandibular e, lateralmente pela
borda externa da porção temporal do arco zigomático. A superfície superior da cabeça
da mandíbula se articula com a face articular da fossa mandibular em MIH, portanto, no
final da mastigação. A superfície anterior com a vertente posterior da eminência
articular do osso temporal, durante os movimentos deslizantes da mandíbula (Gray,
1979) (Fig. 1).

Figura 1 – Imagem de uma ATM, obtida


por meio de uma radiografia
transcraniana oblíqua (UpDegrave,
1950). Visualiza-se o meato acústico
externo (1). À direita vê-se a cortical da
fossa mandibular seta (2), a vertente
posterior de a eminência articular do
temporal seta (3) e a cabeça da mandíbula
(4). Radiografia feita com a mandíbula
em fechamento MIH.

27
Sabendo-se desta relação fica mais fácil interpretar anatomicamente a
radiografia transcraniana das ATMs, e, desta forma, formular um diagnóstico e o
planejamento das atividades clínicas que deverá ser oferecido ao paciente.

A radiografia panorâmica obtida na posição de “topo a topo” com o suporte de


posicionamento entre os dentes incisivos evidenciou contatos entre as superfícies dos
dentes posteriores, confirmando o detectado clinicamente e durante a análise dos
movimentos mandibulares no articulador. Revelou, também, que os processos estiloides
estão com dimensões e aspectos normais, descartando a possibilidade da Síndrome de
Eagle (fig. 3), conforme confirmado clinicamente durante a rotação da cabeça e
deglutição. Nenhuma imagem anormal foi visualizada que sugerisse qualquer
periapicopatia radicular ou algum outro processo patológico.

Figura 2 – Radiografia panorâmica obtida com a mandíbula na posição “topo a topo”. Em


condições normais, nesta posição os dentes posteriores deveriam estar afastados uns dos
outros, configurando o espaço de Cristhensen, mas não é o que mostra o Rx. Ele revela que
durante os movimentos excursivos da mandíbula existe contato entre os dentes posteriores.

Figura 3 – Panorâmica de paciente com Síndrome de Eagle. As setas em vermelho indicam


a calcificação dos processos estiloides que se estendem em direção ao ângulo da
mandíbula.

28
Estas últimas observações foram confirmadas quando examinadas as tomadas
radiografias periapicais, contudo, detectou-se espessamento discreto do ligamento
periodontal nos dentes anteriores e, mais acentuadamente, nos dentes posteriores, e,
destes, os do lado direito chamaram mais a atenção. A porção radicular do dente 24 não
mostrou fratura ou cárie recorrente. O núcleo metálico não preenchia totalmente a parte
do conduto desobturado, mas, seu ápice estava localizado em porção radicular
envolvida por suporte ósseo. A proporção intra-radicular do núcleo/coroa estava no
limite mecânico.

As tomadas radiográficas transcranianas das articulações temporomandibulares


mostraram que em MIH a cortical óssea da cabeça da mandíbula do lado esquerdo
encontrava-se distalizada, quando comparada com a do lado direito que estava
anteriorizada, indicando que a mandíbula executou movimento de rotação para o lado
esquerdo provocando o desvio da linha média detectado clinicamente. Em RC (repouso
mandibular) as cabeças da mandíbula apresentavam-se normoposicionadas, podendo-se
visualizar o espaço articular homogeneamente envolvendo as cabeças da mandíbula. Em
abertura máxima se verificou um posicionamento além da eminência articular do osso
temporal em ambas as articulações.

3.3 – Bases Cognitivas para o Planejamento

A criança ao nascer apresenta a mandíbula deslocada para trás, em disto oclusão


(Washburn, 1925). A lactação natural, atuando nos primeiros seis meses de vida,
proporciona sua mesialização. Isso parece ocorrer porque os primeiros receptores
neurais que se colocam em funcionamento no recém-nascido estão nas ATMs, nos
lábios e língua, e, são acionados durante os movimentos deslizantes da mandíbula para
o vedamento da boca, localização do mamilo e para a deglutição. A mandíbula do bebê
se caracteriza por possuir os seus ramos quase na mesma altura do corpo (fig. 3). Esta
condição morfológica coloca os côndilos quase no mesmo nível do plano oclusal,
condição perfeita para a execução de movimentos deslizantes, assim como ocorre nos
animais herbívoros (ruminantes).

29
Figura 3 – Mandíbula de um recém-nascido em fase de
lactação. A altura do ramo com relação ao corpo da
mandíbula sem dentes é pouco proeminente e, é
característica da morfologia da mandíbula dos
ruminantes, com dentes sem vertentes e cúspides, que
executam predominantemente movimentos deslizantes.
Nestas condições as articulações temporomandibulares
são pouco proeminentes, rasas e compatíveis com os
movimentos que executam.

Na medida em que ocorre o crescimento, desenvolvimento e aparecem os dentes,


os ramos da mandíbula vão de se verticalizando gradativamente e, em consequência, o
ângulo formado pelo corpo da mandíbula e os ramos vai diminuindo. Esse processo
continua até o estabelecimento da dentadura permanente, com o aparecimento da curva
de Spee (fig. 4). Interessante é a observação de Baume (1950) de que a perda dos dentes
provoca um aumento do ângulo goníaco (fig. 5), ou seja, há um retorno para a fase de
lactação. A morfologia das articulações temporomandibulares na fase de lactação está
perfeitamente adaptada para executar movimentos deslizantes, semelhante àqueles
movimentos realizados pelos animais ruminantes.

Figura 5 – Na sequência vê-se um aumento do ângulo


Figura 4 – A linha vermelha mostra goníaco a medida em que se perde os dentes o ramo
a configuração da Curva de Von mandibular aproximando-se do corpo, adaptando-se à
Spee, na dentição permanente “mastigação” horizontal. Isto promove também um
completa. aplainamento das fossas e das cabeças da mandíbula.

Para formar as articulações temporomandibulares os ossos temporais cedem às


fossas mandibulares, que são rasas porque as eminências articulares são pouco
desenvolvidas, e a mandíbula cede os côndilos ou cabeças da mandíbula, que também
estão em fase de crescimento e desenvolvimento (fig. 6). Entre estas estruturas duras

30
são encontradas estruturas moles como: discos articulares, a região bilaminar (fig. 7),
ligamentos intrínsecos e o liquido sinovial, que são “embrulhados” por um envoltório
fibroelástico chamado de cápsula articular. Além da cápsula, existem também outras
estruturas que, com a mesma, protegem as articulações limitando seus movimentos, isto
é, evitam movimentos indesejáveis. Estas estruturas são os ligamentos extrínsecos que
reforçam a cápsula das articulações temporomandibulares (Gray, 1979).

Figura 6 - Articulação temporomandibular de Figura 7 - Articulação temporomandibular de


um récem-nascido. Em vermelho, a fossa um récem-nascido. São visualizadas algumas
mandibular e a eminência articular do estruturas. Notar a intima relação entre o disco
temporal são pouco proeminentes (rasas). Em articular a região retrodiscal (bilaminar) e os
azul a cabeça da mandíbula (côndilo), pouco dois feixes do músculo pterigoideo lateral.
desenvolvido (achatado). As setas indicam os Estas três estruturas são de extrema
movimentos retilíneos de vaivém, peculiares importância na cinética do disco articular,
da lactação. durante os movimentos mandibulares.

O recém-nascido, para poder amamentar-se, apoia o rolete gengival superior na


porção superior do mamilo da mãe, ao mesmo tempo em que com movimentos
mandibulares deslizantes de vaivem, extrai e deglute o leite, vedando automaticamente
os orifícios do mamilo materno (Berry, 1950; Berry & Poole, 1974) (fig. 8). O
mecanismo pelo qual ocorre, durante a lactação, a correção da disto oclusão que é
característica logo após o nascimento, parece mostrar que os receptores neurais ativos
na lactação e posteriormente na mastigação também possibilitam à mandíbula um ponto
de referência anterior para apoiar-se. E esse ponto, na porção anterior do rolete gengival
superior, constitui-se no terceiro ponto de apoio que irá formar um plano no qual a
mandíbula irá se estabilizar precariamente até o estabelecimento da dentadura decídua.
Os dois outros pontos são constituídos pelas duas articulações temporomandibulares. Os
movimentos deslizantes de vaivém realizados pela mandíbula, e necessários para a
lactação, só podem ocorrer pela ação de músculos horizontais (se localizam
horizontalmente em relação ao corpo de mandíbula – os pterigoideos laterais e os

31
temporais posteriores), enquanto os movimentos de abertura e fechamento são os
resultados do trabalho dos músculos verticais (se localizam verticalmente em relação ao
corpo de mandíbula – supra hioideos, masseteres, pterigoideos mediais e temporais
anteriores).

Fig. 8 – À direita, a superfície do rolete


gengival superior apoiado no mamilo e o
músculo orbicular dos lábios promovendo o
vedamento para iniciar a lactação. À esquerda,
o recém-nascido executando movimentos de
vaivém (seta em vermelho inferior),
característicos da fase de lactação (seta em
vermelho superior).

Para que o músculo possa promover movimento há a necessidade de que uma de


suas extremidades esteja fixada em uma região óssea que não se movimente e a outra
extremidade possa produzir o movimento. Esta maneira simples, do ponto de vista
anatômico, cria o conceito de origem e inserção muscular. De uma maneira geral,
origem muscular refere-se ao local em que o músculo está fixado, mas, que não ocorre
movimento após a sua contração; e inserção àquela extremidade em que após a
contração muscular ocorre o movimento. Portanto, para que os pterigoideos laterais
possam “puxar” a mandíbula à frente, executando o movimento de protrusão, há a
necessidade de que a sua inserção seja na mandíbula (único osso móvel da face), mais
precisamente no colo da cabeça da mandíbula (figura 9).

Fig. 9 – A seta indica a direção do movimento:


da inserção para a origem.

Os movimentos de vaivém característicos da fase de lactação são o resultado da


contração conjunta dos músculos pterigoideos laterais, que tracionam a mandíbula para
frente, enquanto que os feixes posteriores dos músculos temporais produzem o
movimento em direção oposta, ou seja, para trás. A boca permanece fechada, por ação

32
do músculo orbicular dos lábios, dos masseteres e pterigoideos mediais, agindo contra a
ação da gravidade e possibilitando a deglutição.

Durante a fase de lactação a observação do correto crescimento do corpo


mandibular está relacionado ao ângulo goníaco. A mandíbula cresce e se expande
diretamente por neoformação e reabsorção óssea de compensação. Os músculos
temporais que se inserem nos processos coronóides da mandíbula, os masseteres e
pterigoideos mediais inserindo-se no ângulo mandibular, externa e internamente, e os
pterigoideos laterais na fóvea condilar, conjuntamente, estimulam o seu crescimento. Os
côndilos crescem para cima e para trás, e isso, normalmente, poderia traumatizar a
almofada retrodiscal (região bilaminar), fossa mandibular e placa timpânica (Breitner
1940; Brewere, 1958). Porém, a natureza programada geneticamente e auxiliada pelas
diversas matrizes funcionais evitam esse traumatismo.

Na época do nascimento e durante a lactação, os ramos mandibulares são curtos, a


eminência articular dos temporais pouco salientes e, como consequência, a fossa
mandibular é rasa, ou seja, as articulações temporomandibulares estão completamente
adaptadas para a lactação (fig. 6 e 7).

A maxila e a mandíbula crescem em velocidades diferentes e em períodos


diferentes (Bassanta & Bassanta, 1997; Brodie, 1942), mas, com um único objetivo, o
de estabelecer entre si uma relação normal e fisiológica pré-determinada geneticamente.

Durante o crescimento e desenvolvimento todos os músculos mudam


constantemente a área de sua inserção, para adaptarem-se a uma nova posição do osso.
Assim, os músculos com inserção mandibular, gradualmente, ocupam novas posições à
medida que a mandíbula cresce e seus ramos verticalizam-se, e as transformações do
complexo crânio facial durante o crescimento e desenvolvimento fazem-se, também, em
decorrência do estabelecimento da oclusão. E, a manutenção do estado de saúde na fase
adulta necessariamente pressupõe uma boa oclusão para o processamento de uma boa
mastigação, como se fora um mecanismo de retro alimentação. Com a perda total dos
dentes, além do aumento do ângulo goníaco, observa-se também o deslocamento
anterior da mandíbula. É uma necessidade premente para um corpo que no espaço
tridimensional busca o equilíbrio em áreas sensoriais estabelecidas em fases pré e pós-
natal. Nessas circunstâncias, o prognatismo é uma posição mandibular compensatória,

33
dada como resposta ao desequilíbrio gerado pela perda dos dentes (Egermark-Eriksson,
1982).

Para que não perdurem por muito tempo os movimentos retilíneos de vaivém da
mandíbula que são prejudiciais para o crescimento e desenvolvimento das estruturas que
formam as articulações temporomandibulares, a natureza providencia que por volta dos
seis meses de idade erupcionem os dentes incisivos: primeiro os inferiores, seguidos dos
superiores que ocluem com os seus antagonistas. Este novo arranjo, promovido pela
barreira mecânica que é a interposição dos dentes incisivos (os superiores à frente dos
inferiores), determina que a mandíbula, agora, para deslocar-se para frente,
obrigatoriamente, primeiro, deve deslocar-se para baixo (Davis, 1961;Beyron, 1973),
(fig. 10 e 11).

Figura 10 – A erupção e oclusão entre os


dentes incisivos decíduos modifica a biofísica
dos movimentos mandibulares. Antes, a
mandíbula deslizava livremente à frente, agora
com a barreira instituída pelos incisivos (guia
Incisivo), forçosamente, ao ir à frente, deverá
deslocar-se também para baixo. Isto é
fundamental para o desenvolvimento das
cabeças da mandíbula e das eminências
articulares dos ossos temporais.

Figura 11 – A guia incisivo, se caracteriza pelo


deslizamento da borda dos dentes anteriores
inferiores pela palatina dos dentes incisivos
superiores anteriores. A inclinação dos
incisivos superiores e a profundidade da guia
determinam o tamanho do espaço entre os
côndilos e as vertentes posteriores das
eminências condilares (lugar ocupado pelo
disco), durante os movimentos protrusivos da
mandíbula.

34
A erupção e oclusão entre os incisivos decíduos determinam uma trajetória das
cabeças da mandíbula a partir das fossas mandibulares até as vertentes posteriores das
eminências articulares, sem que ocorra contato entre as superfícies articulares. Este
espaço (figura 12) é fundamental para que os discos articulares possam se desenvolver
sem que sejam agredidos pelos côndilos durante a cinética condilar. Os movimentos dos
côndilos não são mais retilíneos como na lactação, acompanham a mandíbula e se
dirigirem à frente e para baixo. A ausência desta barreira mecânica permitirá que
invadam o espaço do disco durante os movimentos mandibulares, deslocando-o de sua
posição e, ao se deslocado, o disco vibra, emitindo ruídos que, dependendo da
intensidade, do tempo e da natureza com que ocorre a agressão, podem ser do tipo
estalidos, crepitação, sensação de papel amassado etc. A invasão dos côndilos no espaço
dos discos também provoca a impactação dos mesmos nas eminências articulares,
promovendo reabsorções nas mesmas e nos côndilos, que não podem ser vistas como
um processo fisiológico de adaptação. Na verdade, é um processo altamente destrutivo,
patológico, que altera a morfologia da fibrocartilagem de revestimento e posteriormente
a superfície óssea (Carvalho, 1961; Silva, 2000).

Figura 12 – Em 1, vê-se a cortical óssea da vertente


posterior da eminência articular do temporal. Em 2, a
cortical da superfície anterior da cabeça da mandíbula. O
espaço entre elas se localiza o disco articular e, deve ser
mantido durante os movimentos mandibulares pela guia
incisivo.

Do ponto de vista clínico, deve ser assimilada a primeira lição que a natureza nos
dá ao observarmos a cronologia de erupção da dentadura decídua: a ausência da guia
nos dentes incisivos pode provocar ruídos articulares, alterações morfológicas nas
articulações temporomandibulares; e uma forma disto ocorrer é o desgaste destes
dentes, reabilitação deficiente por meio de próteses ou por meio de dentística das bordas
dos incisivos inferiores e/ou palatina dos superiores.

Ficou experimentalmente demonstrada que remodelações nas ATMs tinham


íntima relação com a presença de dentes (Brown, 1921) e com mudanças nas suas
relações oclusais (Burch, 1966; Carvalho et al.,1981). A perda dos dentes molares e pré-

35
molares, e a manutenção dos dentes anteriores em oclusão, após quatro semanas,
provocaram reabsorção óssea na parede posterior da fossa mandibular e superfície
posterior dos côndilos. Um aumento de dimensão vertical de oclusão promoveu
formação óssea no teto da fossa e superfície superior dos côndilos. A utilização de tiras
intermaxilares de borracha para deslocar anteriormente a mandíbula permitiu a
formação óssea nas paredes posteriores das fossas mandibulares, superfície posterior
dos côndilos, e reabsorção nas vertentes posteriores das eminências articulares e
superfícies anteriores dos côndilos. O tracionamento posterior da mandíbula reverteu
essas alterações.

A terapêutica indicada, portanto, inicialmente, deve priorizar o restabelecimento


da guia nos dentes incisivos, que pode ser feita utilizando-se um aparelho intra-oral
plano. Confirmando-se a remissão dos ruídos articulares, que pode ser total ou parcial,
durante os movimentos mandibulares, deve-se iniciar a reabilitação, qualquer que seja:
protética, ortodôntica ou ortopédica da guia nos dentes incisivos.

Muito embora a barreira mecânica criada pela oclusão entre os incisivos funcione
como um mecanismo de proteção das articulações temporomandibulares, quando os
côndilos se movimentam à frente, ela provoca a compressão da região retrodiscal ou
bilaminar. Isto acontece, porque apesar dos incisivos decíduos se posicionarem bem
mais verticalizados que os permanentes, a anatomia das faces palatinas dos superiores
assemelha-se a um plano inclinado que se estende dos cíngulos às bordas incisais, e
quando a mandíbula se posiciona em repouso, as bordas dos incisivos inferiores
localizam-se nos cíngulos dos superiores e, como consequência, seus côndilos são
deslocados para trás e pressionam o disco articular que por sua vez desloca-se à frente
(fig.13).

Figura 13 – A presença e oclusão de dentes somente na


região anterior (incisivos), distaliza a mandíbula, ou seja;
desloca-a para trás, comprimindo a região retrodiscal
(bilaminar) e o disco articular. É uma situação de
instabilidade oclusal que é corrigida pela cronologia da
erupção dentária. Esta situação no adulto deve ser corrigida
também.

36
Cabe lembrar, que já em 1934, um médico otorrinolaringologista chamado de
Costen descreveu uma síndrome com base na perda dos dentes posteriores, que
resultava em uma mordida profunda com o consequente deslocamento distal (para trás)
da mandíbula (fig. 13). Este deslocamento provocava compressão dos vasos sanguíneos,
do nervo aurículo-temporal, do meato acústico externo, e sintomas como: audição
deficiente, vertigem, tinido, dor de cabeça, ruídos nas ATMs, dor nos ouvidos, secura na
boca, ardência na língua e na garganta.

A mandíbula necessita estabilizar-se em relação à maxila, para isto,


geneticamente foi estabelecido, via cronologia de aparecimento dos dentes decíduos,
que logo após a irrupção e oclusão entre os incisivos, os próximos dentes a aparecerem
devem ser os primeiros molares (fig. 14). Estes dentes darão suporte posterior para a
mandíbula, estabilizando-a. Como estes dentes possuem vertentes, o arranjo entre as
suas oclusais e não oclusais, no fechamento mandibular, dão lugar à primeira oclusão
cêntrica. Do ponto de vista clínico, fica posta a segunda lição a ser assimilada: a
ausência de dentes posteriores ou suas presenças que não estabilizem a mandíbula pode
provocar o deslocamento posterior da mesma, e a terapêutica a ser instituída é
exatamente o que a natureza nos ensina – a confecção de adequado suporte posterior
para estabilizá-la.

Fig. 14 - A irrupção e oclusão dos primeiros molares


decíduos estabilizam a mandíbula e suas ATMs, dá origem
ao aparecimento do primeiro plano oclusal e
conseqüentemente, da primeira oclusão cêntrica (OC), da
primeira relação cêntrica (RC) e da primeira dimensão
vertical de oclusão DVO.

A intercuspidação entre os primeiros molares decíduos dará mais estabilidade à


mandíbula evitando que se desloque à frente ou para trás, para a direita ou esquerda, e,
com isso, compressão da região retrodiscal, pressão na trompa auditiva (trompa de
Eustáquio), no nervo aurículo-temporal, nervo corda do tímpano e artéria timpânica,
alterações em estruturas do tímpano e constrição dos canais auditivos, resultando em

37
perda parcial ou total da audição (Costen, 1934; Brodie, 1942; Ahlgren, 1966; Clinck,
1983).

A irrupção dos dentes decíduos e posteriormente dos permanentes, de modo


geral, evidencia um fato que deve ser observado com atenção. Antes de os dentes
irromperem nas arcadas, os músculos que se inserem na mandíbula e as articulações
temporomandibulares funcionam de forma precisa e harmônica. Os dentes aparecem
posteriormente para suprir as necessidades mecânicas da mastigação de novos alimentos
e para adicionar maior eficiência à trituração com um mínimo de gasto energético. Os
dentes, portanto, não interferem na dinâmica funcional daquelas estruturas,
simplesmente agregam valor à função das mesmas. Portanto, cabe perguntar: como
executar qualquer procedimento clínico sem antes certificarmo-nos de que suas posições
e morfologia estão compatíveis com o funcionamento harmônico dos músculos, ATMs,
deglutição, respiração e fonação?

A irrupção e oclusão entre os primeiros molares dão origem a quatro referências


que devem nortear reabilitações futuras de qualquer ordem:

- primeiro plano oclusal;


- primeira oclusão cêntrica;
- primeira DVO;
- primeira relação cêntrica.

Os incisivos decíduos, ao irromperem e contatarem com seus antagônicos,


oferecem o primeiro ponto para a formação do plano oclusal. Os primeiros molares,
bilateralmente, garantem os outros dois pontos para a formação do primeiro plano
oclusal para a estabilização da mandíbula em relação ao maxilar.

É interessante a maneira como ocorre à irrupção dentária, ou seja, o dente irrompe


na arcada, aproxima-se do seu antagônico e, sem comprometer a função muscular, a
posição dos côndilos nas respectivas fossas mandibulares, a deglutição, a fonação e a
respiração, adapta os acidentes morfológicos de sua superfície oclusal nas do seu
antagônico, buscando assim o equilíbrio biomecânico da mandíbula – a parada
cêntrica. Como a característica das superfícies oclusais dos dentes é a presença de
vertentes que se unem formando planos inclinados, quando ocorre o fechamento da
mandíbula com intercuspidação, se observa uma parada da mandíbula em relação à

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maxila. Instala-se assim a primeira oclusão cêntrica, que não pode ser confundida com
máxima intercuspidação habitual (MIH). A MIH se caracteriza quando existe um
número máximo de contatos dentários. Nem sempre, quando existe um número máximo
de contato dentário, a mandíbula está centralizada, ou seja, pode ocorrer um máximo de
contatos dentários com a mandíbula deslocada à frente, ou para trás, para a direita ou
para a esquerda. O que desejamos em nossas reabilitações, no adulto e em crianças, é
que a máxima intercuspidação habitual aproxime-se o mais possível da oclusão cêntrica.

A oclusão entre os primeiros molares decíduos determina uma parada cêntrica


no ascenso da mandíbula ao encontro à maxila e, por conseguinte, ocorre a
determinação da primeira dimensão vertical da face quando os dentes posteriores estão
em contato, estabilizando a mandíbula – DVO.

A relação cêntrica – RC, é uma posição mandibular não contactante (sem contato
dentário). Nestas condições, os côndilos nas fossas mandibulares estão centralmente
localizados e, em comparação com a oclusão cêntrica, deslocados verticalmente um
pouco mais para abaixo (Silva, 2000), (fig. 15), ou seja, em relação cêntrica a
mandíbula está em posição de repouso, os côndilos estão separados das fossas, e entre
eles existe um espaço uniforme. A RC é o resultado do equilíbrio neuromuscular da
mandíbula em relação à maxila, onde os músculos verticais e horizontais que se inserem
na mandíbula são ativados sincronicamente, sem que um prevaleça funcionalmente
sobre o outro. Assim, a relação cêntrica é o referencial que deve ser conseguido antes da
execução de qualquer reabilitação protética, ortodôntica, ortopédica, cirúrgica e etc.

Fig. 15 – Posições das cabeças da mandíbula, nas variadas


posições mandibulares. RC - relação cêntrica; OC - oclusão
cêntrica e PR - posição retrusiva.

A forma como os acidentes morfológicos da superfície oclusal dos primeiros


molares decíduos contatam com seus antagônicos nos mostra o primeiro arranjo oclusal
que a natureza estabelece: as vertentes oclusais mesiais do molar superior ocluem com

39
as vertentes distais do inferior. Isto se constituirá no segundo fundamento da oclusão
dentária.

Da mesma forma como a irrupção e oclusão entre os incisivos protege


anteriormente as articulações temporomandibulares, existe a necessidade de protegê-las
lateralmente das excursões condilares durante os movimentos de trabalho e de balanço.
A natureza programa isto utilizando nosso código genético e determina que os próximos
dentes a aparecerem nas arcadas sejam os caninos, exatamente para limitar a amplitude
dos movimentos lateroprotrusivos e implementar um padrão de contração muscular
durante os movimentos lateroprotrusivos. A posição dos caninos em relação à linha
média é extremamente importante para a determinação dos ângulos de Bennet e
equalização da função dos músculos pterigoideos laterais.

Após a irrupção e correta oclusão entre os caninos clinicamente pode-se


observar que:

 Para alcançar à posição protrusiva a mandíbula desloca-se para frente e para


baixo pela ação dos pterigoideos laterais superiores e guiada durante o
percurso pelo deslizamento das bordas dos incisivos inferiores pela face
palatina dos superiores. O contato existe somente entre o grupo dos
incisivos, ocorrendo desoclusão dos dentes posteriores - espaço molar ou
fenômeno de Cristhensen;
 Ao executar o movimento lateroprotrusivo, o contato interdentário ocorre
somente entre os caninos do lado em que está ocorrendo o movimento –
guia canino, no lado de trabalho. O lado oposto, onde não ocorrem contatos
interdentários, recebe o nome de lado de balanceio.

A existência da guia incisivo e canino, a estabilidade horizontal e sagital da


mandíbula, conseguida com a erupção dos primeiros molares decíduos, parece mostrar
que a natureza impõe sua coordenação interativa durante o desenvolvimento da oclusão,
ao mesmo tempo em que aumenta a superfície disponível para propiciar a mastigação,
indicando-nos os caminhos futuros da reabilitação protética.

O estabelecimento da oclusão entre os segundos molares decíduos é um fato


importante na dentição decídua, principalmente porque podem existir desgastes das
bordas dos incisivos, vertentes dos caninos e de cúspides dos primeiros molares. Os

40
segundos molares decíduos são verdadeiras miniaturas dos primeiros molares
permanentes. Possuem o mesmo número de cúspides e, em alguns casos, visualiza-se a
presença do tubérculo de Carabelli. Enquanto a altura das vertentes das cúspides dos
primeiros molares decíduos é rasa, nos segundos molares elas são altas, bem definidas e
com direções iguais as do primeiro molar permanente.

Como pode ocorrer desgaste das vertentes dos caninos, borda dos incisivos e
cúspides dos primeiros molares decíduos, as ATMs ficam sem proteção quando os
côndilos se deslocam para frente, para trás e para os lados, durante os movimentos
protrusivos, retrusivos e lateroprotrusivos da mandíbula.

Considerando que os incisivos permanentes ocluem por volta dos sete anos,
ocorre um significativo espaço de tempo até que a guia em incisivos volte a ser
restabelecida. Entra aí, a engenhosidade da natureza. A oclusão entre os segundos
molares decíduos, dada á altura e direção de suas cúspides, protege as ATMs durante os
deslocamentos dos côndilos à frente, para trás, para os lados e durante os movimentos
protrusivos, retrusivos e lateroprotrusivos da mandíbula. Isto ocorre porque, estes dentes
em oclusão, determinam que a mandíbula ao deslocar-se em trajetória à frente e para os
lados, sempre o faça deslocando-se para baixo, em virtude da altura e direção das
vertentes das cúspides destes dentes (fig. 16).

Contudo, este arranjo


é temporário, não é
definitivo e não deve
perdurar muito tempo,
porque contatos em dentes
molares durante movimentos

Fig. 16 – No aumento, a seta em vermelho


indica a direção e o sentido do
deslizantes da mandíbula agem como estímulo para a deslocamento mandibular durante os
movimentos deslizantes da mandíbula. As
contração dos músculos verticais, o que provoca profundidades das vertentes das cúspides
dos segundos molares decíduos protegem o
desarmonia funcional entre os músculos horizontais e disco articular, as vertentes posteriores das
eminências articulares e as superfícies
anteriores das cabeças da mandíbula.
Importante atentar para que os movimentos
da mandíbula estão ocorrendo com contatos
em dentes posteriores, o que é traumático
para as ATMs e músculos. Felizmente é por
um curto período, até a irrupção dos
incisivos permanentes, onde se restabelece
a guia incisivo.
41
verticais, podendo desencadear mialgias nestes músculos.

A direção das cúspides dos segundos molares decíduos mostra claramente que
elas se dispõem obliquamente na face oclusal. Esta disposição, além de dirigir as forças
oclusais em direção ao longo eixo, determina, também, a amplitude dos movimentos
lateroprotrusivos, fazendo o papel da guia em caninos e precariamente da guia em
incisivos, impedindo que os côndilos invadam o espaço do disco articular medial e
anteriormente nas respectivas fossas mandibulares. A figura 17, mostra com mais
detalhes a direção das cúspides e a oclusão entre os segundos molares decíduos,
evidenciando que a primeira chave de oclusão molar ocorre na dentição decídua.

Fig. 17 – As linhas em vermelho, mostram


a direção das cúspides e o porquê dos
sulcos centrais mésio-distais são
irregulares.

A cronologia de aparecimento da dentição permanente segue a mesma lógica


sequencial da dentição decídua, ou seja, os incisivos inferiores, incisivos superiores e
primeiro molar permanente, dando estabilidade na oclusão dentária que se harmoniza
com a função muscular e das articulações temporomandibulares, aguardando a irrupção
dos demais dentes.

Todos os elementos colhidos por meio dos exames realizados devem ser agora
analisados. Não são suposições que darão aos pacientes os maiores e melhores
benefícios, e sim, um diagnóstico cuidadosamente estudado analisado e elaborado. A
maior porcentagem de diagnósticos corretos pertence a profissionais que, meticulosa e
diligentemente, se valeram de todos os meios que possam contribuir para a avaliação
dos sinais e sintomas apresentados pelos pacientes.

Segundo Rebóssio (1960), diagnosticar é decidir e, nesta decisão, estaremos


comprometidos de forma geral com o paciente, e em particular, com cada etapa e cada
intervenção do planejamento. Até para determinar o tipo de uma restauração, uma
técnica de moldagem, uma broca, devemos decidir, e decidindo estamos diagnosticando.

42
São fatores positivos os dentes bem formados e bem implantados, as relações
oclusais e interproximais corretas. A mobilidade dental com reabsorção horizontal
provocada por uma que possa ser aliviada não chega a ser um fator negativo, como
demonstraram Lindhe & Nyman em 1984.

Não há um método de trabalho que solucione todos os casos, porque os


pacientes e seus casos clínicos variam infinitamente, e os profissionais diferem em
conhecimento, experiência e habilidade. Em todas as fases do trabalho, o mais
importante, é o profissional usar o máximo de sua eficiência e ter entusiasmo para
resolver o problema do paciente. Como restabelecer o equilíbrio biomecânico por meio
de prótese unitária, próteses múltiplas ou conjugadas? Soluções protéticas necessárias
aos pacientes devem ser adotadas. A razão básica pela qual não é maior a quantidade de
cirurgiões dentistas que fazem planos de tratamento cuidadosos é que os pacientes não
exigem. Devemos usar todos os meios de comunicação persuasiva e sincera para
apresentar nossos serviços profissionais.

Algumas conclusões iniciais poderão ser formuladas se houver o cruzamento dos


dados colhidos durante o inventário clínico, no exame clínico a análise da oclusão e
avaliação das tomadas radiográficas e dos modelos montados no articulador semi-
ajustável. Preliminarmente, pode-se inferir que:

1. O desvio da linha média para o lado esquerdo pode ser ocasionado por
contatos prematuros no final do fechamento em decorrência da má posição
dentária. Outras variáveis devem ser consideradas, tais como; restaurações
deficientes causando contatos pré-maturos, e desvios do padrão de
normalidade durante o crescimento e o desenvolvimento da maxila e/ou
mandíbula, em especial afetando a morfologia das cabeças da mandíbula;

2. Com relação aos ruídos articulares, ocorrem em decorrência da invasão da


cabeça da mandíbula no espaço do disco articular do lado esquerdo,
deslocando-o de sua posição normal no final do fechamento mandibular (fig.
18);
Figura 18 – Radiografia transcraniana oblíqua. Meato acústico externo
(1). Cabeça da mandíbula (2). Cortical óssea da vertente posterior da
eminência articular (3). Cortical óssea da fossa mandibular (4).
Espaço articular (5). Observar que o espaço articular está assimétrico,
mostrando com clareza que a cabeça da mandíbula está distalizada
(deslocada para trás). O disco articular, que não é visto, nestas
circunstâncias, pode estar se deslocando à frente, no fechamento final
da mandíbula.

43
3. Que muito provavelmente, a sintomatologia dolorosa na região pré-auricular,
descartadas causas médicas, é de origem articular devido à compressão da
cabeça da mandíbula na banda posterior do disco e compressão da região bi
laminar, regiões inervadas com terminações nervosas livres, portanto, a
presença de receptores que captam estímulos dolorosos (Gray, 1979);

4. As mialgias localizadas ou difusas, com ou sem “trigger point” (pontos de


gatilho) oriundas dos músculos temporais anteriores, masseteres e
pterigoideos laterais, são desencadeadas pela desarmonia funcional entre os
músculos mastigatórios e a articulação dentária (Gerber & Steinhardt, 1990);

5. Que a instabilidade mecânica da prótese fixa unitária no dente 24 estaria em


estreita relação com a instabilidade da oclusão.

Ainda alguns questionamentos podem ser formulados, por exemplo: como saber
se o desvio da linha média é de origem esquelética ou muscular? Como, clinicamente,
fazer o diagnóstico diferencial? O que estaria causando a disfunção muscular? Como
detectar quais dentes estariam envolvidos nos contatos prematuros? Como determinar
em quais áreas das superfícies dentárias estaria ocorrendo os contatos prematuros?
Como eliminar estes contatos? E as interferências oclusais, diagnosticadas na boca e no
articulador, como eliminá-las? Enfim, como realizar o Diagnóstico Diferencial para
formular um planejamento que beneficie a paciente?

A paciente procurou a ajuda profissional em decorrência de uma prótese unitária


que não se estabilizava sobre seu suporte radicular. A avaliação clínica mais criteriosa,
abrangendo os aspectos macroclínicos, revelou inúmeras variáveis que já se
manifestavam na forma de sinais e sintomas clínicos e, entre eles, a oclusão inadequada
do dente 24. Estes critérios que nos permitem macro percepção para o diagnóstico não
deveriam ser um procedimento rotineiro nas atividades do cirurgião dentista clínico?
Afinal, o currículo do curso de odontologia é permeado de disciplinas que dão
sustentação a esta macro percepção. Mesmo se assim não o fora, não nos parece
razoável que o cirurgião dentista clínico não tenha uma real percepção da repercussão
que seus procedimentos clínicos, dos mais simples aos mais complexos, possam ter em
áreas/órgãos do sistema mastigatório e mais longe no sistema estomatognático. Assim, é

44
necessário entender que a prótese fixa unitária, múltipla ou conjugada, não é a simples
manipulação de materiais inertes ou a habilidade na conjugação de cores, mas, o
conjunto de uma necessidade e a criação de uma ou várias restaurações que objetivem:

- A correção das condições anormais;


- A restauração de parte ou de todos os dentes, assim como possibilitar ao
sistema mastigatório seu restabelecimento para a função normal;
- A manutenção das estruturas bucais e adjacentes, em condições normais de
saúde pelo maior tempo possível;
- A prevenção contra injúrias ao sistema mastigatório e, finalmente, o perfeito
valor estético e funcional da prótese instalada.

Para atingir satisfatoriamente estes objetivos, torna-se necessário não só executar


corretamente os passos da técnica, ter a filigrana para a percepção das cores, a
habilidade na manipulação de materiais, como, também, restaurar a saúde dos tecidos de
sustentação dos dentes, a compatibilidade funcional entre a articulação dentária, o tônus
fisiológico dos músculos mastigatórios e a cinética das articulações
temporomandibulares.

Todos os pacientes desejam um resultado estético favorável, porém, não se deve,


com isto, ferir os princípios que norteiam a estabilidade da prótese e a sua interação
funcional com as demais estruturas do sistema mastigatório. A necessidade de moldar,
obter modelos das arcadas e montá-los em articulador com competência, mesmo para os
casos que nos pareçam mais simples, o de próteses fixas unitárias, como o suposto caso
aqui colocado para discussão, é indispensável, porque por meio deste procedimento é
que melhor podemos verificar os espaços protéticos, posição e desgaste dos dentes,
contatos interproximais e oclusais e, com isto, fazer um bom diagnóstico e adequado
planejamento.

Como não considerar, mesmo nos casos em que nos pareçam mais simples, o
fator biológico individual? Ele é a resultante dos exames realizados e por meio destes
serão criadas as condições de fazer o diagnóstico e estabelecer um plano de tratamento
eficiente. E o fator fisiológico, como passar despercebido a sua importância para o
diagnóstico e planejamento? A acuidade do exame clínico, os modelos de estudo
montados em articulador semi-ajustável, os recursos da imagenologia e as técnicas para

45
a recuperação da dimensão vertical, para o restabelecimento da máxima intercuspidação
habitual fisiológica e funcional, para a correção de ruídos articulares, das artralgias e
mialgias.

Como no caso clínico aqui descrito, a maioria dos pacientes que procuram ajuda
profissional o fazem mais por necessidade estética, e não pela deficiência da função.
Partindo do ponto de vista de que o cirurgião dentista é um prestador de serviço e, como
tal, necessita dos pacientes, é razoável, dentro do possível, procurar atendê-los em suas
necessidades estéticas. Assim, o fator estético deve ser uma variável, sempre presente
no planejamento (Silva, 1993).

3.4 – Planejamento e Execução Clínica

O cruzamento das informações obtidas deixou claro que a paciente necessita de


cuidados clínicos mais amplos, que se estendem além da necessidade de re-cimentação
ou confecção de nova prótese unitária para dente 24.

Os eventos clínicos aqui levantados, de caráter multifatorial, envolvendo


prótese, má posição dentária, contatos prematuros, interferências oclusais, mialgia,
artralgia e ruídos articulares, suscitam a necessidade de agrupar conhecimentos
multidisciplinares para a formulação de um planejamento, no sentido de obter a
remissão total ou parcial dos sinais e sintomas clínicos relatados e detectados e planejar
a reabilitação protética, que seja somente de um dente.

Abordagem dos Eventos Clínicos Pré-Protéticos:

Inicialmente, considerou-se que a posição da mandíbula em relação à maxila é


regida pela função neuromuscular e que os estímulos proprioceptivos originários das
gonfoses tinham papel importante na determinação da direção dos movimentos
mandibulares; que os mecanoceptores ali localizados estariam informando ao sistema
nervoso central sobre a presença de contatos prematuros e interferências oclusais e este
determinando padrões de “escape” durante os movimentos mandibulares (Silva, 1990;
Silva & Silva, 1990). Como descobrir a localização destes contatos?

46
Se contatos pré-maturos desviaram a mandíbula de sua trajetória simétrica,
dando origem aos padrões de “escape”, para que consigamos identificar com exatidão o
dente e, nele, o local onde estaria ocorrendo o contato anormal, seria necessário
bloquear o estímulo determinante da trajetória mandibular inadequada para que ela
voluntariamente voltasse a sua trajetória normal, anterior ao aparecimento do contato
prematuro.

Confecção do Aparelho Intra-oral com Guia Incisivo:

Optou-se pela indicação da cobertura oclusal dos dentes superiores com resina
acrílica termicamente ativada, na forma de um aparelho oclusal liso e plano (Landulpho
et al., 2002; Landulpho et al., 2004) (fig. 19). O aparelho será obtido após moldagem
com alginato e obtenção dos modelos com gesso pedra tipo III. Os modelos montados
em articulador semi-ajustável na posição de MIH e o aparelho, encerado, promovendo
um aumento da dimensão vertical de oclusão de 2mm. A sua confecção segue os
mesmos passos da fabricação de uma prótese total, além disto, na sua parte anterior,
entre os dois incisivos laterais uma projeção de dois milímetros além da borda incisal,
para a guia incisivo (fig. 20) .

Figura 19 – À esquerda o enceramento de um aparelho oclusal liso e plano, confeccionado


dentro do espaço funcional livre. À direita um aparelho sendo instalado em paciente. Notar a
superfície lisa e totalmente plana do aparelho, para eliminar qualquer obstáculo que dificulte
o reposicionamento voluntário da mandíbula.

47
Figura 20 – Observar as guias nos dentes caninos e nos dentes incisivos (1 e 2).
Devem ser colocadas em tempo diferente. E, os registros delas no aparelho para
possíveis ajustes.

O paciente será instruído a usá-lo integralmente por um período de 90 dias,


removendo-o somente para as principais refeições e higienização da boca e do aparelho.
O efeito esperado do uso do aparelho é diretamente proporcional ao rigor com que o
paciente obedece às instruções recebidas.

Efeito Esperado do Aparelho:

A colocação de um material duro, como a resina acrílica termicamente ativada,


entre as superfícies oclusais dos dentes superiores e inferiores, bloqueia o estímulo dos
mecanoceptores presentes nas gonfoses e, com isto, a localização do contato prematuro
deixa de ser informada ao SNC (Sistema Nervoso Central). Como consequência, os
padrões de “escape” da mandíbula são neutralizados, possibilitando que os músculos
mastigatórios e músculos cervicais, os primeiros pares localizados bilateralmente na
face, restabelecendo a normalidade de suas atividades elétricas (tonicidade muscular
normalizada), reposicionem a mandíbula e a cabeça simetricamente no espaço

48
tridimensional (Landulpho et al., 2002; Landulpho et al., 2004; Paixão et al.,2007; Silva
et al., 2009; Vedana et al., 2010; Oliveira et al, 2013). O resultado deste bloqueio, como
constataram estes autores, é a otimização das cabeças da mandíbula nas respectivas
fossas mandibulares, por consequência da própria mandíbula no espaço tridimensional,
da remissão da artralgia e mialgia detectada e relatada pela paciente. Ou seja, é a
obtenção da volta da harmonia funcional entre os músculos e as articulações
temporomandibulares. Com isto, se detecta com relativa facilidade os contatos anormais
entre as superfícies oclusais e não oclusais dos dentes antagonistas, podendo-se planejar
e programar suas remoções antes da execução protética.

Portanto, a mandíbula só ocupará esta “nova” posição enquanto os seus padrões


de “escape” estiverem bloqueados, ou seja, enquanto a paciente estiver usando o
aparelho liso e plano. Se os dentes entrarem em contato, imediatamente, ativarão os
padrões de “escape” e a mandíbula voltará a movimentar-se desviando dos contatos
prematuros, posicionando anormalmente em relação à maxila. Não é esta a posição que
nos interessa do ponto de vista clínico para qualquer tipo de reabilitação protética.

Remissão dos Sinais e Sintomas Clínicos:

A remissão dos sinais e sintomas relatados e detectados se caracterizou pelo


desaparecimento da sintomatologia dolorosa, dos ruídos nas articulações
temporomandibulares durante a movimentação da mandíbula e do desvio da linha média
no fechamento mandibular enquanto a paciente usar o aparelho. Pode-se agora entender
que o aparelho “per si” não se constituí em nenhum tratamento. Na verdade, é um
instrumento para de efetivar o diagnóstico diferencial. Então, ao se remover o aparelho
sem que se faça nenhuma intervenção clínica, os sinais e sintomas reapareceram em
curto espaço de tempo, dependendo do biótipo de cada paciente.

O passo seguinte, será planejar como detectar a posição maxilomandibular que


nos revele contatos lesivos que estariam desviando a mandíbula para o lado esquerdo e
para trás, distalizando-a e trazendo os transtornos clínicos relatados e detectados na
paciente.

49
Relação Maxilomandibular:

Inicialmente a paciente foi moldada com silicone de adição e os modelos de suas


arcadas obtidos com gesso tipo IV. Uma relação maxilomandibular em posição de MIH
foi determinada e os modelos montados em articulador semi-ajustável. Um registro
intra-oral de Gysi (Gysi, 1910) foi confeccionado e disponibilizado para uso clínico.

O registro intra-oral é um dispositivo constituído de duas partes: uma superior


que se adapta na maxila e que contém uma pua de ponta romba; a outra, inserida na
mandíbula, tem uma plataforma de plástico ou de resina e sobre ela uma placa metálica.
Ao pedir-se que a paciente movimente a mandíbula para frente e para trás, à direita e
esquerda, com a pua contatando suavemente a placa metálica, visualiza-se a figura de
um arco (Arco Gótico), chamado de arco gótico de Gysi (fig. 21 e 22). A correta
interpretação deste traçado revelará o grau de harmonia funcional dos músculos
horizontais durante os movimentos deslizantes da mandíbula. E, quando a posição de
oclusão central for identificada na placa metálica, a pua nela estiver posicionada e as
duas partes do registro de Gysi fixadas com pequenas porções laterais de resina acrílica
quimicamente ativada, ao se olhar por trás das duas partes unidas, poder-se-á ver se os
músculos verticais também estão com atividade elétrica simétricas.

A obtenção da relação maxilomandibular sem reativar os padrões de “escape” da


mandíbula é essencial para se detectar as áreas nos dentes onde estão ocorrendo os
contatos indesejáveis.

Assim como um médico solicita ao seu paciente que fique em jejum para realizar
determinados exames, é fundamental que o paciente chegue ao consultório, de
preferência pela manhã, sem ter mastigado qualquer tipo de alimento, para não reativar
o circuito antigo e com ele os padrões de “escape”. Pede-se que faça a higiene bucal
matinal com o aparelho na boca. Ao chegar ao consultório, imediatamente ao remover o
aparelho, deve ser inserido o registro intra-oral previamente confeccionado de acordo
com o preconizado por Caselli et al., 2007. Este tipo de registro da posição
maxilomandibular permite ao profissional a análise da coordenação da posição e dos
movimentos mandibulares, possibilitando o planejamento das correções que julgar
necessárias antes da reabilitação protética.

50
Figura 21 – À direita, ilustração das duas partes que compõem o registro intra-oral: a superior com a pua e a
inferior com a placa metálica onde é inscrito o arco gótico. À esquerda, um desenho esquemático do traçado de
um arco gótico, que registrou movimentos deslizantes da mandíbula simétricos, indicando harmonia funcional
entre os pares de músculos. O traço em vermelho, são os movimentos de protrusão e retrusão. O traço verde,
representa movimento lateroprotrusivo à direita. E, o traço azul, o movimento lateroprotrusivo à esquerda. Os
traçados lateroprotrusivos à direita e a esquerda são de tamanhos simétricos e o traçado representativo da
protrusão e retrusão, localiza-se no meio, formando ângulos simétricos. O traçado gótico, é de um paciente com
harmonia funcional dos músculos pterigoideos laterais e temporais posteriores do lado direito e esquerdo.

Figura 22 – Paciente movimentando a mandíbula com a pua contatando na placa metálica (1). Traçado gótico
obtido, mostrando que os movimentos lateroprotrusivos estão assimétricos, indicando assimetria funcional entre
os músculos pterigoideos laterais e entre os temporais posteriores. O movimento protrusivo também indica
desarmonia funcional, prevalecendo maior função no músculo pterigoideo lateral do lado esquerdo.

Interpretação do Registro de Gysi


Planejamento da Remoção dos Contatos Pré-maturos:

Se o arco gótico apresentar os seus lados simétricos e o movimento de protrusão


centralizado, os músculos pterigoideos laterais estão se contraindo para a mandíbula
executar os movimentos de lateralidade e protrusão de forma harmônica. Portanto,
nenhum deles está com hipo ou hiperatividade em relação ao seu par. Como o arco
também regista o movimento de retrusão mandibular e a volta do movimento de
lateralidade, estando ele centralizado, significa que os músculos temporais posteriores
também estão funcionando sincronicamente.

51
Como dito anteriormente, para se remontar no articulador o modelo inferior com
auxílio do registro de Gysi, há a necessidade de unir suas duas partes, a superior que
contém a pua e a inferior que contém a placa metálica, se após isto as duas partes
permanecerem paralelas, significa que os músculos verticais: os pterigoideos mediais,
masseteres e temporais anteriores também estão funcionalmente harmônicos. Nenhum
prevalecendo sobre o seu par e entre os sinérgicos.

Ao remover o registro e afrouxar o parafuso do pino anterior do articulador,


para que o modelo superior possa encostar-se ao modelo inferior, nota-se que os dentes
não mais estão ocluindo como em MIH. Os contatos agora visualizados são, na verdade,
os contatos prematuros que promoviam o desvio da mandíbula e originaram os padrões
de escape. Basta agora, com auxílio de uma técnica adequada, planejar no articulador, o
desgaste seletivo destes contatos para estabelecer um fechamento harmônico em MIH,
onde os músculos, as articulações temporomandibulares e a articulação dentária estão
funcionando simétrica e harmonicamente (fig. 23).

Figura 23 – Identificação de trauma oclusal,


após o uso do aparelho oclusal liso e plano e
determinação do contato indesejado no
articulador.

No caso clínico hipotético pode-se visualizar no articulador que o primeiro


contato pré-maturo ocorria na vertente mesial da cúspide médio vestibular do primeiro
molar inferior com o seu oponente se localizando na vertente distal da cúspide médio
palatina do primeiro molar superior. Processou-se nos modelos, com um instrumento
cortante, a remoção dos contatos inconvenientes. Em seguida, ao ocluir os modelos,
verificou-se um novo contato na cúspide palatina do dente 24. Após a remoção deste
último contato pode-se verificar, no articulador, que os modelos articulavam com
estabilidade e alinhamento, não mais com desvio da linha média. Como era de se
esperar, durante os movimentos protrusivos, após a normalização da oclusão, detectou-
se a que a guia anterior nos dentes incisivos ainda continuava deficiente, não se
visualizava o espaço de Christensen.

52
Os mesmos passos realizados no laboratório, para eliminar os contatos pré-
maturos, agora devem ser executados na boca, clinicamente, no paciente.

A Prótese Unitária e o Planejamento para Restabelecer da Guia Anterior:

Sem a guia anterior nos dentes incisivos, durante os movimentos de protrusão,


ocorrem contatos entre as superfícies oclusais dos dentes posteriores. Sabe-se que os
movimentos deslizantes ou os realizados pela mandíbula no plano horizontal são
executados principalmente pelos músculos horizontais, ou seja, os pterigoideos laterais
(protrusão) e temporais posteriores (retrusão), enquanto que os músculos verticais, os
masseteres, pterigoideos mediais, temporais anteriores e os supra-hioideos, devem estar
em repouso. Os músculos horizontais e verticais, na verdade, são músculos
antagonistas, executam movimentos mandibulares distintos, com direções antagônicas.
Os verticais abrem e fecham a mandíbula, enquanto que os horizontais executam
movimentos de lateralidade, protrusão e retrusão. Se durante os movimentos horizontais
houver contato dentário em dentes posteriores haverá estímulo funcional para os
músculos verticais, havendo conflito funcional entre estes grupos musculares. Isto
poderá provocar hiperatividade funcional entre eles. Enquanto uns querem abrir a
mandíbula, outros querem movimentá-la em outro plano, completamente diferente. A
consequência poderá ser hiperatividade e/ou hipertrofia com ou sem dor.

Que planejamento melhor de adequa à paciente? Dentística ou próteses para


aumentar a guia nos dentes incisivos e restabelecer a guia anterior? Um terceiro poderá
surgir se considerarmos a opção ortodôntica. Deve-se, então, decidir pela mais indicada,
e ela nem sempre pode ser a menos invasiva.

A confecção da Prótese unitária no dente 24 era dependente da correção da


posição da mandíbula, isto é, da oclusão. Portanto, os procedimentos para desinfecção
do conduto radicular, re-preparo, novas moldagens, confecção de retenção intra-
radicular e confecção da coroa devem agora, de acordo com o que foi acordado com o
paciente, serem devidamente executados.

Em decorrência de que, em alguns casos, a dor crônica poder ser considerada


irreversível e ter como etiologia um trauma em geral e em particular o trauma oclusal,

53
(Huang et al., 2003; Cao et al., 2009; Guo et al., 2010) ela está sendo considera como
uma doença. Isto transfere à área de saúde e em particular ao cirurgião dentista clínico
geral uma enorme responsabilidade ética e legal.

A necessidade de se ter uma ampla visão da diversificação dos problemas


clínicos que afetam os pacientes, atualmente deixou de ser uma necessidade, tornou-se
um imperativo. Principalmente, porque, hoje, que a dor crônica é considerada uma
doença com etiopatogenia própria, do ponto de vista clínico, o cirurgião dentista geral
necessita habituar-se a encarar os pacientes e seus problemas bem distantes da visão
paroquial, ou seja, longe de somente procurar em seus exames corriqueiros: espaços
protéticos, cáries, periapicopatias, má posição dentária, desalinhamento dentário entre
outros eventos.

Agora por imposição também legal, terá que ampliar seus horizontes para o
planejamento dos eventos clínicos.

4. COMENTÁRIOS/CONCLUSÕES

Não se objetivou discorrer sobre nenhuma técnica para a reabilitação em prótese


fixa. Daí ter-se idealizado um caso clínico hipotético e muito simples. O objetivo foi
realçar a abrangência cognitiva que deve ter o cirurgião dentista clínico geral, durante o
planejamento de seus casos clínicos, muitas vezes de aparência simples. A necessidade
da interação de conhecimentos entre as diversas disciplinas acadêmicas do currículo
odontológico para resolver problemas de caráter clínico multifatorial tentou ser
enfatizada porque, atualmente, estes problemas são comuns na clínica odontológica.
Percebe-se o desconforto do cirurgião dentista quando se apresenta à ele pacientes com
mialgias faciais, articulações temporomandibulares doloridas e com ruídos, além da
presença de espaços protéticos, cáries e outros eventos clínicos. De um hipotético caso
clínico, focado em uma só disciplina (prótese fixa), pode-se ampliar o horizonte para o
diagnóstico e planejamento em um universo multidisciplinar, ficando evidente que, na
verdade, o problema clínico hipotético não era tão simples como parecia em uma
primeira avaliação direcionada somente para a queixa principal, ou seja, refazer a
prótese fixa unitária do dente 24. Atualmente, deve existir maior preocupação por parte
do cirurgião dentista clínico em ampliar sua base de dados multidisciplinar para poder

54
fazer frente às necessidades rotineiras do exercício profissional. Planejamentos não são
fundamentados em suposições, elas não atenderão as exigências clínicas dos pacientes.
Planejamentos adequados pertencem a profissionais que diligentemente e
meticulosamente se muniram de todos os meios para entender e resolver os problemas
clínicos de seus pacientes.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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