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Paisagem de Sítio

Quer se olhe para o lado direito ou para o lado esquerdo de uma estrada de
Mutum, é provável que o observador encontre um pasto ou um área de fazenda. Caso
esse olhar dirigido às paisagens em Mutum seja um pouco mais curioso e mais
demorado, é possível que reconheça-se certas especificidades nas imagens que remetem
imediatamente a uma área de fazenda ou a um pasto. Com um pouco de atenção, é
possível notar propriedades de tamanho medio ou pequenas que apresentam casa com
quintal anexo com bananeiras e árvores frutíferas, pequeno curral, antena parabólica,
área com pé de côco e com plantação de milho. Às vezes, essas propriedades
apresentam pequenos jardins defronte a casa. A referência é clara: trata-se de pequenos
sítios ou de chácaras em que se desenvolvem, em pequena escala, atividades
agropecuárias.

Figura 1- Estrada de chão em Mutum em que é possível avistar uma área de sítio indiciada por pequeno
curral de telha do tipo colonial e árvores frutíferas em quintal. Foto produzida durante trabalho de campo
Geralmente, os sítios possuem acesso fácil e, por isso, são facilmente avistáveis
da beira da estrada. Avançando por estradas que apresentam propriedades com estas
configurações, percebe-se que as propriedades em geral são pequenas, por vezes
intercaladas com pastos, mas delimitadas por cercas de mourão e arame farpado. Os
sítios também surgem como propriedades um pouco mais estruturadas, mas são minoria.
Neste caso, são compostos por casa de mais de um pavimento, e área destinada ao lazer,
como campo de futebol, tal como aparece na figura 2.

Figura 2- Sítio com curral e casa de dois andares, além de campo de futebol à esquerda.
Foto produzida durante trabalho de campo

Figura 3- Pé de côco e bananeira: fortes marcos da paisagem de sítios.


Foto produzida durante trabalho de campo
A paisagem de sítios é mais intensa na vertente norte do município, na estrada
que conecta a sede de Mutum a Aimorés — passando por Lajinha de Mutum e por Alto
Paiol —, e na estrada que liga a sede a Pocrane, passando pelo distrito de Centenário. E
em tais caminhos, é possível interpretar conjugações paisagísticas específicas que
apresentam sítios como elemento central. Na direção da estrada que liga o centro urbano
do município a Lajinha de Mutum, o solo amarelo e alaranjado contraposto ao azul do
céu em dia ensolorado proporciona belo visual. Essa coloração é devida ao tipo de solo
predominante, os latossolos Vermelho-Amarelos, conforme apontam dados do pré-
inventário. Os sítios que ocupam esse trecho da cidade apresentam elementos como lata
de leite na porta posicionada para ser recolhida, um senhor trajando chapéu e com a
enxada na mão tratando de um quintal, uma mulher que carrega uma lenha e, também, o
cheiro de lenha a queimar. Retratos de um cotidiano rural em que cada sitiante contribui
para que a vida aconteça em Mutum.
Na parte norte do município, acessada desde a sede pela estrada, é possível
encontrar entroncamentos, elementos dessa paisagem. As já mencionadas bananeiras e
os pés de côco, mas, também de limão, um pouco de milho e de café, além de mandioca,
tudo isso organizado em um chão de terra batido configura a paisagem de sítio (figura
4).

Figura 4- Sítio com coqueiral e área murada com casa, árvores frondosas e bananeira.
Foto produzida durante trabalho de campo.

Os sítios apresentam estrutura adequada para boa qualidade de vida e boas


condições de trabalho, de acordo com o entendimento de Wagner Márcio: “(…) tem
água, tem lugar de fazer uma horta, casa boa, não é casa ruim, é casa boa...(…). Telha
colonial, tudo de cerâmica, uma cozinha grande e tudo arrumadinho, energia tudinho,
quintal grande, tem bananeira, tem coco,tem pé de limão, um monte de coisa,
acerola...” (Depoimento de Wagner Márcio, produtor rural, morador de Córrego Seco.
Julho/2019).
A paisagem de sítios conduz a refletir sobre a agricultura de subsistência como
atividade importante para o município, como reflete Elzoni Amância: “Tem muita gente
que planta, colhe um pouquinho, planta milho, planta feijão.Tem sim os laticínios né.
Mas a agricultura é para consumo da família mesmo sabe, cada um planta seu
pedacinho para consumo da família” (Depoimento de Elzoni Amância, aposentada,
moradora de Roseiral. Julho/2019).

Figura 5- Elementos que caracterizam a paisagem de sítios:


bananeiras, coqueiro e quintal com acesso fácil pela estrada.
Foto produzida durante trabalho de campo.

Essas pequenas propriedades, são a base da vida dos povoados e das


comunidades rurais. Há um sentimento relacionado a essa forma de sobreviver, e de
viver que varia entre nostalgia, pertencimento a uma comunidade rural que pode ser
mais ou menos tradicional. A organização familiar em propriedades pequenas é
relacionada ao modo de vida rural associado a um sentimento que é traduzido pelo
mordor Antônio Marcos: “Mutum é uma cidade do interior, um povo hospitaleiro,
amigo que gosta de receber as pessoas, boa parte população vive nas comunidades,
para se sustentar trabalham na agricultura familiar. Levamos uma vida simples, mas,
ao mesmo tempo, prazerosa” (Depoimento de Antônio Marcos, artista, morador de
Mutum. Julho/2019). Ou como relata João Franciso da Silva: “Eu vi que eu vou lá pro
meu sítio e parece que minha cabeça funciona, né, e lembra de muitas coisas... é muito
bom” (Depoimento de João Francisco, aposentado, morador de Roseiral. Julho/2019).
Falar sobre sítios é falar sobre as roças e, consequentemente, refletir sobre o
passado de Mutum. Pois houve um tempo, anterior à disseminação da pecuária, ou do
boi, em que se plantava e se colhia mais, conforme relataram diversos entrevistados ao
refletirem sobre a atividade de pecuária ou de cultivo de café, destacada em outras
caracterizações paisagísticas deste estudo.
Na estrada que conecta a sede a Aimorés, é possível encontrar muitos sítios
caracterizados por um modo de viver e de produzir em pequena escala. Sebastião
Levino, de Centenário, recorda que: “Na época que nós mexia (sic) na roça, que
plantava, nós fazia tudo de comer na roça. Plantava milho, arroz, feijão, engordava
porco, galinha, entendeu? Na época que nós estudamos, eu tenho só até aquela quarta
seria (sic), aquela quarta seria (sic) antiga....na época que nós estudamos, nós comia
(sic) na escola a merenda, que a mãe fazia pra nossa turma, nós comia (sic) batata
assada, angu doce, que eu acho que tem pouca gente que conhece angu doce, uma
pamonha...banana madura...” (Depoimento de Sebastião Levino e Rumenigue, pai e
filho, moradores do distrito de Centenário. Julho/2019).
João Franciso da Silva conta sobre a mudança nas práticas de lavoura: “É,
naquela época eram muitos plantios, hoje aqui é pasto. Ou pasto, leite, né? Aqui pra
nós principalmente. Agora, pra lá é muita lavoura de café, aqui só tem pasto, capim, a
lavoura aqui não produz bem, né?” E isso mudou com o tempo? Você sabe me dizer
quando que isso mudou? Ah, isso tem uns...você lembra uma época que o governo
mandou...deu direito pros proprietários levar o cara pra lei pra receber o certificado
de onde morava? Desde aquela época que a roça acabou aqui pra nós. Derrubava as
casas...aí o que tinha de lavoura virou pasto” (Depoimento de João Francisco,
aposentado, morador de Roseiral. Julho/2019). Provavelmene, o entrevistado se referiu
ao periodo em que o Estado limitou a produção de café e que, a nível local, reverberou
com a retomada das pastagens.
Sebastião Levina e Rumenigue, moradores de Centenário, refletem sobre a
agricultura de subsistência praticada em Mutum e as iniciativas visando o mercado
externo: “Ah, nós planta (sic) milho, planta as coisas pra despesa, né? Tem que plantar
porque se você for comprar de tudo...apesar de que hoje o brasileiro compra quase que
de tudo mesmo, né? Então a coisa não chega fácil, tem que trabalhar, tem que lutar,
igual agora eles montaram aqui perto de nós agora tem um rapaz plantando inhame, tá
levando pro Ceasa de BH, tá levando aqui pra Vitória e tá fazendo uma otima coisa
pro lugar, né?” (Depoimento de Sebastião Levino e Rumenigue, pai e filho, moradores
do distrito de Centenário. Julho/2019).
Ainda sobre o consumo de bens alimentícios e as práticas agrícolas de
subsistência que eram praticadas em Mutum destaca um dos entrevistados: “É, algumas
vezes as pessoas plantam alguma coisa, um feijão, um arroz, mas pra você ver, arroz
hoje você anda e não vê um pé mais, existiu muito até alguns anos atrás, se procurar
um caroço de arroz aí você não acha...não sei se é a cultura, porque o sul foi caindo e
foi ficando barato, aí eles passaram a comprar só do sul, só sei que hoje acabou”
(Depoimento de Edilson Monteiro, comerciante, morador de Comunidade dos França.
Julho/2019). A fala de Edilson Monteiro sugere que a agricultura de subsistência não é
mais a mesma dos tempos em que era a uma das únicas possibilidades de sobrevivência.
O caráter de subsistência da agricultura familiar que a paisagem de sítios
expressa foi transformado conforme é possível concluir pelas entrevistas realizadas.
Nesse sentido, comenta João Franciso da Silva: “Ah tem, os proprietários sempre
deixam uma área pra plantar e planta aí um saco de feijão, o milho eles plantam pouco
aqui, eles plantam muito milho aqui é pra fazer silo por causa de vaca e o resto eles
pegam no armazém” (Depoimento de João Francisco, aposentado, morador de Roseiral.
Julho/2019).

Figura 6- Imagem de sítio à esquerda em que se destacam os coqueiros e


a àrvore florida que compõe uma espécie de cerca viva associada à cerca de bambu.
Foto produzida durante trabalho de campo

A paisagem de sítios remete a um passado que não mais existe, à época em que
havia muitas dificuldades, mas que as pessoas tinham capacidades de suprir as
demandas por alimentação por meio da agricultura. Os produtos consumidos pela
população de Mutum, principalmente os alimentícios, eram todos encontrados no
mercado local. De acordo com os entrevistados, os fatores para tais mudanças são
múltiplos, tal como destacado anteriormente por Edilson, que se refere à disponibilidade
do arroz por um preço baixo possibilitado pela agricutura mecanizada do sul.
Para Nelita de Oliveira, as razões do enfraquecimento da agricultura familiar
são, também, outras: “Aqui é muito difícil porque parece que a aposentadoria veio
trazer uma força pro pessoal e tá sendo um fracasso porque hoje tem muitas famílias
que não fazem nada, só vive de aposentadoria e aqui passando dificuldade. Não planta
um tantinho de feijão, não planta uma horta, não cria um frango, não cria um porco.
Nós aqui mexemos com tudo, nós não compramos galinha, não compramos ovo, nem
porco. Esse ano meu marido plantou feijão e colheu dois sacos e meio. Mas assim, ele
pagou para plantar, para capinar, para arrancar, que já não aguenta mais, ele tá com
74 anos, mas a gente gosta de mexer, eu tenho a minha hortinha”. (Depoimento de
Nelita de Oliveira, aposentada, moradora de Santa Rita. Julho/2019). É de se pensar que
as transformações que essa mudança na relação com a agricultura familiar como
principal fonte de subsistência impactou a paisagem local nas últimas décadas e que a
paisagem de sítios era mais abrangente e comum no município.
Figura 7- Sítio em Santa Maria/Mutum. Fotografia de Elpídio Justino. Apesar da fotografia ser de mais de
10 anos atrás, apresenta traços em comum com a paisagem observada durante o trabalho de campo.
Disponível em: https://www.facebook.com/pg/SoPaisagens. Acesso em 01/08/2019.
Por um lado, o orgulho de manutenção de práticas de plantio que auxiliam às
famílias a obterem ao menos parte do que necessitam para comer e, portanto, para
sobreviver. Por outro lado, a perspectiva das dificuldades de se viver na roça, sobretudo
para as gerações mais novas para as quais as oportunidades de estudo e emprego são
reduzidíssimas. Mesmo assim, os entrevistados relatam as iniciativas de resistência e
observam algumas possibilidades de “saída” para a situação nas áreas rurais. Genilson
Tadeu, secretário de meio ambiente de Mutum, pontua: “ Tem uma associação de
hortifruti, que é a turma que faz a feirinha aqui da cidade. São coisas que andam ainda
pouco estruturadas, mas tem tido um bom desenvolvimento, sabe? Por esforço e mérito
do próprio produtor, entendeu? A presença do Estado existe, mas ela é muito pequena
ainda, muito aquém da necessidade...” (Depoimento de Genilson Tadeu, Secretário de
Meio Ambiente de Mutum, moradora de Mutum. Julho/2019).
Há também quem enxerga que os jovens desejam ficar nas áreas rurais, em um
futuro não tão distante. Alessandra Mariana, diretora de escola em Humaitá, ressalta que
dentre os jovens: “ (…) a maioria tem perspectiva de permanecer na região com o
cultivo familiar nas pequenas propriedades. Uns tem o sonho de trabalhar, uns
conciliam o estudo já partindo para um ensino medio eles aumentam responsabilidade
com algum trabalho porque querem adquirir uma moto, ou um carro, ou alguns ter a
própria lavoura, tem também esse sonho, outros de ir embora e a maioria de
permanecer na região”.(Depoimento de Alesssandra Mariana, professora, moradora de
Humaitá. Julho/2019).

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