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Resumo
1 INTRODUÇÃO
Norberto Bobbio, em seus escritos políticos, ensina que existem duas acepções
possíveis ao conceito de ideologia. Tal conceito pode tanto ser usado em seu “significado
fraco”, quanto em seu “significado forte”. O significado forte é de origem marxiana e
concebido como uma falsa idéia da realidade. O sentido fraco da definição, que será de agora
em diante utilizado, nos leva ao conceito mais conhecido e freqüentemente empregado, ou
seja: “um conjunto de idéias e de valores respeitantes à ordem pública e tendo como função
orientar os comportamentos políticos coletivos”. (1998, p. 585)
O Estado, como aparato burocrático centralizado e detentor do monopólio da coação
física, foi muito bem definido pela doutrina marxista, que fez, até então, uma análise inédita
sobre a matéria. Esta o concebe como um dos níveis da estrutura social, um dos elementos de
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uma superestrutura formada sobre a sociedade civil, definida como infraestrutura, que é a base
econômica da sociedade, onde se desenvolvem as relações materiais de existência.
Segundo essa doutrina, em nível de infraestrutura é que estão as relações de produção,
consumo, troca, enfim, as relações econômicas da sociedade; e cada tipo de sociedade possui
um determinado modo de produção, ao qual corresponde uma determinada ideologia. Assim,
é erguida sobre a sociedade civil uma superestrutura, responsável pela manutenção da ordem
formada, sendo, então, também responsável pela manutenção da ideologia dominante. O
Estado, como ordenamento jurídico, é um dos elementos da superestrutura e diretamente
responsável pela manutenção de tal base ideológica. O Estado é, portanto, assim como toda a
superestrutura, determinado pela sociedade civil.
A Constituição, como base do ordenamento jurídico (leia-se: Estado), traz,
conseqüentemente, positivada em seus princípios e regras fundamentais, a ideologia
impregnada na sociedade civil. Konrad Hesse (1991, p.13), em análise sobre a força
normativa da Constituição, frisa que a Carta Magna não deve ser vislumbrada separadamente
da realidade político-social. Segundo o autor, a norma constitucional não tem existência
autônoma em face da realidade e uma é condicionante em relação à outra, como bem prega a
doutrina marxista do Estado.
Com clara busca pela relação entre o atual estágio do modo de produção capitalista no
Brasil e as normas fundamentais que norteiam a produção legislativa, o presente artigo tem
como escopo a análise da Constituição Federal de 1988 no que diz respeito à ordem
econômica instituída; de maneira tal a identificar quais os elementos ideológicos que
influenciaram sua produção e suas primeiras modificações, bem como determinar sua real
amplitude de adaptação às transformações econômico-sociais.
Convém, antes de tudo, proceder a uma breve análise dos antecedentes históricos
recentes à Constituição de 1988; bem como expor determinados conceitos e os princípios
básicos das ideologias que influenciaram o legislador constituinte na feitura da Carta.
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“Até o final dos anos 50, no Brasil o principal setor da economia brasileira ainda
seria a agroexportação, especialmente a do café. Desde o começo, o governo
varguista continuou dando toda a força para os latifundiários. Mas a grande
novidade era que o Estado passou a ter como um de seus objetivos básicos o apoio
à industrialização.”
“É verdade dizer que a política de reformas liberais começa com Collor em 1990,
mas com FHC assume verdadeiramente uma feição estratégica mais definitiva, e a
adesão de FHC ao conjunto de orientações vindas do chamado Consenso de
Washington, referendado pelos organismos financeiros multilaterais, colocando
definitivamente o Brasil no roteiro de países a adotar medidas com explícitas
recomendações liberais.”
Assim, para que tais reformas fossem possíveis, era imprescindível tanto um texto
constitucional aberto às interpretações de aspiração neoliberal, quanto possíveis reformas na
própria Constituição que compreendessem tais anseios. É o que será posteriormente analisado.
ideológicos que, juntamente com outros já abordados, serão identificados no texto da Carta
Magna de agora em diante.
3 A CONSTITUIÇÃO E A ECONOMIA
“Essa tensão, para mim, predica não uma contradição no texto constitucional, mas
uma opção do constituinte pela atuação (...) reguladora estatal, a qual, sem prescindir
do campo da liberdade econômica (livre iniciativa), justifica uma intervenção
reguladora apta a (i) assegurar as condições de permanência da liberdade econômica
(assegurar a livre concorrência) e (ii) implementar objetivos de interesse geral
(redução das desigualdades, etc).”
como quanto à promoção da segurança pública, dever do Estado segundo o artigo 144 (Título
V, Capítulo III). No entanto, tais deveres por parte do Estado não impedem a exploração
econômica privada desses direitos, traço da cultura liberal.
A Constituição, como já fora afirmado, reservou parcela especial de seu texto a fim de
versar diretamente sobre a ordem econômica, trata-se do quanto o Estado pode assumir papel
de regulador da economia. Tal parte se encontra no Título VII (Da Ordem Econômica e
Financeira), que é subdividido em quatro Capítulos (Dos Princípios Gerais da Atividade
Econômica, Da Política Urbana, Da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária, e
Do Sistema Financeiro Nacional).
Essa fração da Constituição expõe que a base da atividade econômica é a livre
iniciativa, ou seja, o Estado só exerce atividade econômica em caráter excepcional,
estabelecendo, portanto, uma economia de mercado. Entretanto, como lembra Bruno Mattos e
Silva, “(esse princípio) não significa que o empresário tem o direito de fazer o que bem
entender - não há plena liberdade no sentido ultra-liberal do termo. Há limitações.”.
Analisaremos a partir de agora os principais artigos da constituição econômica e
características dos capítulos convenientes.
Segundo o artigo 170, a ordem econômica está fundamentada na valorização do
trabalho humano e na livre iniciativa (semelhante ao que foi estudado acima, no artigo 1º).
Nesse sentido, Mattos e Silva ainda lembra que “o legislador constituinte deixou clara a opção
pelo liberalismo econômico, em sua versão social-democrata. Isso significa que o Estado
brasileiro não deve ser omisso na condução da economia. Ao contrário, deve agir.”
O artigo 172 assume certa dose de dirigismo ao delegar à lei a tarefa de disciplinar os
investimentos de capital estrangeiro, incentivar os reinvestimentos e regular a remessa de
lucros.
O artigo 173, visivelmente inspirado nas idéias liberais, isenta o Estado de exercer
atividade econômica, salvo quando estas forem necessárias aos imperativos da segurança
nacional ou de relevante interesse coletivo.
O artigo 174, intervencionista, prevê a normatização e a regulação da economia por
parte do Estado, que deve assumir as funções de fiscalização, incentivo e planejamento. É
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importante destacar que o planejamento é “determinante para o setor público e indicativo para
o setor privado”.
O artigo seguinte (art. 175) delibera sobre a prestação de serviços públicos por
empresas privadas e o papel do Estado nessas operações, tendo aqui doses tanto de liberação
(das atividades) à livre iniciativa, quanto de intervencionismo na regulação desses
procedimentos.
Os artigos 176 e 177 se destacam pela determinação das pertenças exclusivas e dos
monopólios da União. É importante lembrar a ação, nesses artigos, das Emendas
Constitucionais (ECs nº 6 e 9 de 15 de agosto de 1995) produzidas durante o governo FHC
no sentido da flexibilização das restrições estatais no intento de positivar o neoliberalismo.
É, finalmente, de grande importância destacar as políticas intervencionistas previstas
pelos capítulos III e IV dessa parte da Carta. O primeiro trata justamente da reforma agrária,
que constitui fundamental ação no intuito de distribuir maior justiça social, desapropriando
terras improdutivas, que não cumprem a sua função social. O segundo tenta estruturar o
Sistema Financeiro Nacional, com a finalidade de “promover o desenvolvimento equilibrado
do País e a servir aos interesses da coletividade”, através de seus conselhos que gerenciam a
política monetária.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ela representa, antes de tudo, uma busca incessante pelas finalidades escolhidas pela
vida social: o bem-estar geral, a justiça social e o bem comum. Se esses bens ainda não foram
alcançados, é certamente por falta de interesse (ou interesses antagônicos) de setores da
própria sociedade, já que, como afirma Lênio Luiz Streck, “nossa luta atual é criar condições
para que a legalidade tenha um terreno fértil para produzir seus frutos. Ser crítico hoje é
concretizar a Constituição”.
5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BELIEIRO JR., José Carlos Martines. Notas de Análise Sobre a Era FHC (1994-2002). In:
Unisc Online. Disponível em:
<http://online.unisc.br/seer/index.php/barbaroi/article/viewFile/729/589> Acesso em: 04
Nov. 2010.
MATTOS E SILVA, Bruno. Limites constitucionais à ação estatal na economia. In: Revista
Jus Navigandi. Fev. 2010. Disponível em: < http://jus.uol.com.br/revista/texto/14419/limites-
constitucionais-a-acao-estatal-na-economia> Acesso em: 04 Nov. 2010.
SCHMIDT, Mario Furley. Nova História Crítica. São Paulo: Nova Geração, 1999. (4
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STRECK, Lênio Luiz. Uma análise sociológica do direito. In: IHU On-line, Revista do
Instituto Humanitas Unisinos. 04 Ago. 2010. Disponível em:
<http://www.ihu.unisinos.br/uploads/publicacoes/edicoes/1251143091.1652pdf.pdf> Acesso
em: 04 Nov. 2010;