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Sucinta análise dos elementos ideológicos positivados pela


Constituição de 1988 no âmbito da ordem econômica.

Igor Mendes Bueno


Acadêmico do curso de Direito da Universidade Federal de Santa Maria

Resumo

O presente artigo tem como finalidade a exposição dos principais elementos


ideológicos presentes na Constituição Federal de 1988 no âmbito do sistema produtivo, bem
como proceder a uma breve análise de como estes princípios foram positivados na legislação
fundamental. Para tanto, foi feita uma breve recapitulação dos antecedentes históricos
recentes à Carta e das principais ideologias econômico-sociais acolhidas por ela a fim de
melhor identificá-las ao longo de sua redação.

Palavras-chave: Constituição, ordem econômica, intervencionismo, neoliberalismo, social-


democracia.

1 INTRODUÇÃO

Norberto Bobbio, em seus escritos políticos, ensina que existem duas acepções
possíveis ao conceito de ideologia. Tal conceito pode tanto ser usado em seu “significado
fraco”, quanto em seu “significado forte”. O significado forte é de origem marxiana e
concebido como uma falsa idéia da realidade. O sentido fraco da definição, que será de agora
em diante utilizado, nos leva ao conceito mais conhecido e freqüentemente empregado, ou
seja: “um conjunto de idéias e de valores respeitantes à ordem pública e tendo como função
orientar os comportamentos políticos coletivos”. (1998, p. 585)
O Estado, como aparato burocrático centralizado e detentor do monopólio da coação
física, foi muito bem definido pela doutrina marxista, que fez, até então, uma análise inédita
sobre a matéria. Esta o concebe como um dos níveis da estrutura social, um dos elementos de
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uma superestrutura formada sobre a sociedade civil, definida como infraestrutura, que é a base
econômica da sociedade, onde se desenvolvem as relações materiais de existência.
Segundo essa doutrina, em nível de infraestrutura é que estão as relações de produção,
consumo, troca, enfim, as relações econômicas da sociedade; e cada tipo de sociedade possui
um determinado modo de produção, ao qual corresponde uma determinada ideologia. Assim,
é erguida sobre a sociedade civil uma superestrutura, responsável pela manutenção da ordem
formada, sendo, então, também responsável pela manutenção da ideologia dominante. O
Estado, como ordenamento jurídico, é um dos elementos da superestrutura e diretamente
responsável pela manutenção de tal base ideológica. O Estado é, portanto, assim como toda a
superestrutura, determinado pela sociedade civil.
A Constituição, como base do ordenamento jurídico (leia-se: Estado), traz,
conseqüentemente, positivada em seus princípios e regras fundamentais, a ideologia
impregnada na sociedade civil. Konrad Hesse (1991, p.13), em análise sobre a força
normativa da Constituição, frisa que a Carta Magna não deve ser vislumbrada separadamente
da realidade político-social. Segundo o autor, a norma constitucional não tem existência
autônoma em face da realidade e uma é condicionante em relação à outra, como bem prega a
doutrina marxista do Estado.
Com clara busca pela relação entre o atual estágio do modo de produção capitalista no
Brasil e as normas fundamentais que norteiam a produção legislativa, o presente artigo tem
como escopo a análise da Constituição Federal de 1988 no que diz respeito à ordem
econômica instituída; de maneira tal a identificar quais os elementos ideológicos que
influenciaram sua produção e suas primeiras modificações, bem como determinar sua real
amplitude de adaptação às transformações econômico-sociais.

2 INTRODUÇÃO HISTÓRICA E AS IDEOLOGIAS

Convém, antes de tudo, proceder a uma breve análise dos antecedentes históricos
recentes à Constituição de 1988; bem como expor determinados conceitos e os princípios
básicos das ideologias que influenciaram o legislador constituinte na feitura da Carta.
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2.1 Os antecedentes da CF/88: da crise do liberalismo clássico ao seu retorno (o


neoliberalismo)

Durante as primeiras duas décadas do século passado, a economia ocidental foi


balizada pelos princípios do liberalismo clássico. Inspirados pelas idéias de Adam Smith,
crentes na chamada mão invisível do mercado, os Estados pouco ou nada intervinham na
produção. Entretanto, uma crise de superprodução iniciada nos Estados Unidos, pôs fim ao
império do modelo do laissez-faire.
A crise de 1929 fez a economia mundial afundar progressivamente, era necessária
então uma intervenção do Estado que salvasse o capitalismo. E assim, Franklin Delano
Roosevelt, presidente eleito dos EUA em 1932, passou a aplicar as teorias sugeridas pelo
economista inglês John Maynard Keynes no plano chamado New Deal. A receita keynesiana
propunha uma forte intervenção estatal que pudesse salvar a economia de mercado, iniciava
então uma nova fase do capitalismo, o chamado capitalismo monopolista de Estado.
As medidas tomadas naquele país foram basicamente as de: (a) planejamento
econômico, o Estado passou a vigiar o mercado de perto, disciplinado-o, corrigindo-o e
fiscalizando-o; (b) criação de grandes obras públicas por meio de empresas estatais, a fim de
empregar trabalhadores e aumentar o consumo; (c) criação de leis sociais de proteção aos
trabalhadores e aos desempregados; e a (d) destruição da produção. O intuito era claro,
aumentar o consumo e acabar com a superprodução que motivou a crise.
Essa onda intervencionista atingiu vários países, entre eles o Brasil que, com Getúlio
Vargas à frente do Poder Executivo, seguiu o mesmo caminho e passou a intervir com toda a
força na economia. Segundo o historiador Mario Furley Schmidt (1999, p. 147):

“Até o final dos anos 50, no Brasil o principal setor da economia brasileira ainda
seria a agroexportação, especialmente a do café. Desde o começo, o governo
varguista continuou dando toda a força para os latifundiários. Mas a grande
novidade era que o Estado passou a ter como um de seus objetivos básicos o apoio
à industrialização.”

Com a fuga dos investimentos estrangeiros e a nascente burguesia brasileira, o único


agente capaz de financiar o desenvolvimento do capitalismo industrial no Brasil era
justamente o Estado. Foram então criadas diversas empresas estatais nos setores de indústria
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de base e de infra-estrutura. Era o começo do que posteriormente, à época de Juscelino


Kubitschek (JK), fora denominado nacional-desenvolvimentismo.
A era do nacional-desenvolvimentismo durou até o início do regime militar. A idéia
básica era desenvolver o Brasil seguindo um raciocínio aparentemente muito simples: se a
economia de um país subdesenvolvido se baseia predominantemente na agroexportação, para
desenvolvê-lo é necessário torná-lo um país de economia industrializada. O chamado Plano
de Metas de JK trabalhou nesse sentido, tomando medidas intervencionistas de forte
investimento na indústria de base e de infra-estrutura, à semelhança do que fora feito no
tempo de Getúlio, mas com uma diferença, a abertura para a entrada do capital estrangeiro
privado.
Quando João Goulart assumiu a presidência, a economia do país crescia pouco e a
inflação aumentava. Analistas acreditavam que isso se dava pelas estruturas arcaicas do
capitalismo no Brasil e que a única saída seriam reformas no sentido de modernizá-lo; em
suma, eram necessárias as Reformas de Base, entre elas as reformas agrária, tributária, na
educação e do sistema bancário. Essas idéias assustavam as classes dominantes, que temiam a
perda de determinados privilégios e que as Reformas de Base seriam o início de
transformações radicais no país; e os militares, que consideravam Jango incapaz de conter o
“crescimento comunista”. Então, inspirados pela Doutrina de Segurança Nacional e com o
apoio da burguesia, os militares promoveram o golpe de 1964.
Durante o regime militar, até a crise de 1973, o crescimento econômico brasileiro
atingiu níveis extraordinários, alcançando uma das maiores taxas de crescimentos mundiais,
somados a baixas taxas de inflação. Foi o período do chamado milagre econômico. Mais uma
vez os investimentos do Estado (intervencionismo) foram essenciais no projeto econômico
nacional, por meio de financiamentos privados, grandes obras estruturais e a criação e
ampliação de empresas estatais, com a peculiaridade, ainda, da imensa atração e participação
do capital estrangeiro, por meio de incentivos fiscais, empréstimos e obras gratuitas. Nos
primeiros anos da década de 70, o plano econômico dos militares já estava muito desgastado;
apesar dos altos índices de crescimento, ele havia produzido arrocho salarial, concentração de
renda e, com isso, crise econômica. Para piorar a situação, em 1973 eclodiu a crise econômica
mundial. Era o fim do milagre econômico.
A grave crise econômica mundial que se instalou até o começo da década de 80 foi o
suficiente para acabar com a onda do keynesianismo e do intervencionismo estatal na
economia no mundo ocidental. Era o início da era do neoliberalismo, a nova doutrina
teorizada principalmente pelos economistas Frederick August von Hayek e Milton Friedman.
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Como será posteriormente analisado, a Constituição Federal de 1988, de acordo com o


esperado, trouxe elementos tanto da nova ideologia econômica, quanto do tradicional
intervencionismo de seu passado recente.

2.2 O neoliberalismo como nova ideologia de mercado e seus principais caracteres

O neoliberalismo, fruto do liberalismo econômico clássico e reação à expansão da


intervenção estatal, possui como premissa básica a diminuição da participação do Estado nos
assuntos relativos à produção e a concessão de liberdade de manobra aos investidores
capitalistas. Passou, a partir da década de 60, a ser considerado uma doutrina econômica que
defende a liberdade absoluta de mercado, devendo o Estado tão-somente atuar em setores
imprescindíveis da economia e ainda sim em um grau mínimo.
Mario Schmidt (1999, p. 311) enumera como principais características do modelo
neoliberal as seguintes: (a) privatização da economia, sob a justificativa de que os governos
administram mal as empresas e estas podem ser modernizadas e mais lucrativas nas mãos do
capital privado; (b) liberação do mercado, ou seja, a desregulamentação da economia com a
eliminação de leis e taxas que atrapalham os investimentos; (c) antinacionalismo, entendido
como a inexistência de privilégios às empresas nacionais; (d) menos impostos, com a
finalidade de sobra de capital disponível para o investimento; (e) corte nos gastos públicos, a
fim de evitar o endividamento e a inflação; (f) privatização dos serviços públicos; e a (g)
flexibilização do mercado de trabalho, com o intuito de dinamizar a economia, tendo os
empresários maiores facilidades em contratar e demitir funcionários.
Essa “receita econômica” foi o que norteou as sugestões do chamado Consenso de
Washington, formulado em 1989, onde instituições financeiras mundiais recomendaram
políticas econômicas compiladas em dez regras básicas ao “ajustamento macroeconômico”
dos países subdesenvolvidos.
No Brasil essas receitas foram introduzidas de modo incipiente no governo de
Fernando Collor de Melo, mas concretizadas durante os dois mandatos de Fernando Henrique
Cardoso (FHC), como bem salienta o cientista político e professor do Curso de Ciências
Sociais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), José Carlos Martines Belieiro
Júnior:
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“É verdade dizer que a política de reformas liberais começa com Collor em 1990,
mas com FHC assume verdadeiramente uma feição estratégica mais definitiva, e a
adesão de FHC ao conjunto de orientações vindas do chamado Consenso de
Washington, referendado pelos organismos financeiros multilaterais, colocando
definitivamente o Brasil no roteiro de países a adotar medidas com explícitas
recomendações liberais.”

Assim, para que tais reformas fossem possíveis, era imprescindível tanto um texto
constitucional aberto às interpretações de aspiração neoliberal, quanto possíveis reformas na
própria Constituição que compreendessem tais anseios. É o que será posteriormente analisado.

2.3 A(s) ideologia(s) social-democrática(s) e possíveis influências

A social-democracia, como ideologia de esquerda, surgiu de dissidências marxistas


que, acreditando que a teoria marxiana era deveras exagerada em seu determinismo histórico
e no seu fatalismo, concebiam necessária a revisão de tais teses (revisionismo); sendo possível
a ruptura com o capitalismo e a chegada a uma sociedade socialista não mais por meio de uma
revolução, mas sim por lentas e graduais reformas legislativas. É a crença na supremacia do
poder político sobre o determinismo econômico.
Tais reformas legislativas denotam, portanto, uma dose de intervencionismo estatal a
fim de pôr freios ao capitalismo e suas conseqüências sociais, como a concentração de riqueza
e a exploração do trabalho pela extração da mais-valia.
A história da social-democracia se divide em dois grandes períodos: anterior e
posterior a Segunda Guerra Mundial. No primeiro houve a cisão com o marxismo ortodoxo e,
conseqüentemente, a divisão dos socialistas em revolucionários e não-revolucionários (social-
democratas). A segunda época foi determinada por uma divisão interna da ideologia, onde os
revisionistas se separaram entre os que achavam necessário o fim do capitalismo e a ascensão
do socialismo e os que já não achavam conveniente esse rompimento com o sistema. Estes
últimos pregavam tão-somente uma reforma drástica na economia de mercado, promovendo a
nacionalização de grandes empresas, a implementação de programas sociais e a redistribuição
parcial de riquezas através da criação de um estado de bem-estar social.
Essa última concepção de social-democracia é a que influenciou e que de fato pode ser
encontrada em diversas passagens de nossa atual Constituição Federal. São elementos
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ideológicos que, juntamente com outros já abordados, serão identificados no texto da Carta
Magna de agora em diante.

3 A CONSTITUIÇÃO E A ECONOMIA

3.1 A ideologia no âmbito dos princípios fundamentais, dos direitos e da organização do


Estado

Primeiramente, é interessante analisar que, apesar da CF reservar uma parcela ao


tratamento da ordem econômica (Título VII), determinados princípios fundamentais do
Estado e direitos individuais e coletivos têm respaldo no sistema produtivo.
Logo no Título I, que dispõe sobre os fundamentos do Estado, são elencados entre eles
a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (Art. 1º,
incisos III e IV, respectivamente). O primeiro constitui claramente um princípio
intervencionista, já que é pressuposta a ação do Estado frente a qualquer possível violação
(inclusive no setor econômico). O segundo faz um misto entre princípios intervencionistas
(quando se refere aos valores sociais do trabalho) e liberais (o da livre iniciativa). Esses dois,
postos em pé de igualdade, podem parecer contraditórios, mas, como lembra o professor da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Floriano Marques de Azevedo
Neto, se referindo a semelhantes contradições no artigo 170:

“Essa tensão, para mim, predica não uma contradição no texto constitucional, mas
uma opção do constituinte pela atuação (...) reguladora estatal, a qual, sem prescindir
do campo da liberdade econômica (livre iniciativa), justifica uma intervenção
reguladora apta a (i) assegurar as condições de permanência da liberdade econômica
(assegurar a livre concorrência) e (ii) implementar objetivos de interesse geral
(redução das desigualdades, etc).”

Essa aparente contradição será encontrada em diversas passagens do texto


constitucional, fruto das diferentes ideologias que nortearam sua produção e da tentativa de
conciliá-las adaptando-as às finalidades da República Federativa do Brasil.
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Ainda sobre a matéria, o artigo 3º traz entre os objetivos fundamentais da República a


construção de uma sociedade livre, justa e solidária, além de erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (incisos I e III,
respectivamente). Esses dois princípios são visivelmente inspirados nas doutrinas social-
democráticas já analisadas, abrindo espaço para o intervencionismo estatal a fim de garantir a
justiça social.
O Título II da CF dispõe sobre os chamados direitos e deveres individuais e coletivos
e, nesse domínio, são elencados alguns de claro reflexo na esfera econômica. O artigo 5º
revela dois desses direitos que possuem caráter liberal, são eles (a) o direito ao livre exercício
de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei
estabelecer (inciso XIII) e a (b) garantia do direito de propriedade (inciso XXII). Ainda o
artigo 5º traz garantias que revelam forte preocupação com a sociedade civil, são exemplos o
disposto nos incisos XXIII (“- a propriedade atenderá a sua função social”) e XXXII (“- o
Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”).
Outros dois artigos, agora no domínio dos direitos sociais (Título II, Capítulo II),
dispõem sobre a matéria com clara inquietação em relação ao estado de bem-estar da
população e dos trabalhadores. Segundo o artigo 6º:

“São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança,


a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição.”

O artigo 7º revela atenção especial aos trabalhadores, ao elencar um grande número de


direitos e garantias trabalhistas a nível constitucional.
Quanto à organização do Estado (Título III), quando trata a Constituição das
competências da União (Capítulo II, artigo 21), percebe-se mais uma vez a presença dos
alinhamentos intervencionistas, como no que se refere à administração das reservas cambiais
e fiscalização das operações financeiras, bem como a exploração, entre outros, dos serviços de
telecomunicações e de material nuclear. Convém lembrar que nesse artigo encontram-se
algumas das modificações criadas pelo mecanismo da Emenda Constitucional (no caso a EC
nº 8 de 15 de agosto de 1995) a fim de romper empecilhos à onda neoliberal.
Outro visível exemplo da influência social-democrática na nossa Constituição é a
previsão de dever do Estado quanto à promoção da seguridade social e da educação, de
acordo com os previstos nos capítulos II e III do Título VIII, que trata da ordem social; bem
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como quanto à promoção da segurança pública, dever do Estado segundo o artigo 144 (Título
V, Capítulo III). No entanto, tais deveres por parte do Estado não impedem a exploração
econômica privada desses direitos, traço da cultura liberal.

3.2 A ordem econômica positivada na Constituição brasileira

A Constituição, como já fora afirmado, reservou parcela especial de seu texto a fim de
versar diretamente sobre a ordem econômica, trata-se do quanto o Estado pode assumir papel
de regulador da economia. Tal parte se encontra no Título VII (Da Ordem Econômica e
Financeira), que é subdividido em quatro Capítulos (Dos Princípios Gerais da Atividade
Econômica, Da Política Urbana, Da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária, e
Do Sistema Financeiro Nacional).
Essa fração da Constituição expõe que a base da atividade econômica é a livre
iniciativa, ou seja, o Estado só exerce atividade econômica em caráter excepcional,
estabelecendo, portanto, uma economia de mercado. Entretanto, como lembra Bruno Mattos e
Silva, “(esse princípio) não significa que o empresário tem o direito de fazer o que bem
entender - não há plena liberdade no sentido ultra-liberal do termo. Há limitações.”.
Analisaremos a partir de agora os principais artigos da constituição econômica e
características dos capítulos convenientes.
Segundo o artigo 170, a ordem econômica está fundamentada na valorização do
trabalho humano e na livre iniciativa (semelhante ao que foi estudado acima, no artigo 1º).
Nesse sentido, Mattos e Silva ainda lembra que “o legislador constituinte deixou clara a opção
pelo liberalismo econômico, em sua versão social-democrata. Isso significa que o Estado
brasileiro não deve ser omisso na condução da economia. Ao contrário, deve agir.”
O artigo 172 assume certa dose de dirigismo ao delegar à lei a tarefa de disciplinar os
investimentos de capital estrangeiro, incentivar os reinvestimentos e regular a remessa de
lucros.
O artigo 173, visivelmente inspirado nas idéias liberais, isenta o Estado de exercer
atividade econômica, salvo quando estas forem necessárias aos imperativos da segurança
nacional ou de relevante interesse coletivo.
O artigo 174, intervencionista, prevê a normatização e a regulação da economia por
parte do Estado, que deve assumir as funções de fiscalização, incentivo e planejamento. É
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importante destacar que o planejamento é “determinante para o setor público e indicativo para
o setor privado”.
O artigo seguinte (art. 175) delibera sobre a prestação de serviços públicos por
empresas privadas e o papel do Estado nessas operações, tendo aqui doses tanto de liberação
(das atividades) à livre iniciativa, quanto de intervencionismo na regulação desses
procedimentos.
Os artigos 176 e 177 se destacam pela determinação das pertenças exclusivas e dos
monopólios da União. É importante lembrar a ação, nesses artigos, das Emendas
Constitucionais (ECs nº 6 e 9 de 15 de agosto de 1995) produzidas durante o governo FHC
no sentido da flexibilização das restrições estatais no intento de positivar o neoliberalismo.
É, finalmente, de grande importância destacar as políticas intervencionistas previstas
pelos capítulos III e IV dessa parte da Carta. O primeiro trata justamente da reforma agrária,
que constitui fundamental ação no intuito de distribuir maior justiça social, desapropriando
terras improdutivas, que não cumprem a sua função social. O segundo tenta estruturar o
Sistema Financeiro Nacional, com a finalidade de “promover o desenvolvimento equilibrado
do País e a servir aos interesses da coletividade”, através de seus conselhos que gerenciam a
política monetária.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Constituição de um país é um reflexo, uma conseqüência direta e imediata do tipo


de sociedade que ela conduz. É em nível de sociedade civil que encontramos as ideologias,
concebidas como ideal a ser seguido com base na cultura, no hábito; e o modo de produção
condiz exatamente com a ideologia dominante no espaço-tempo. Assim, a Constituição de um
país é o reflexo da ideologia ou das ideologias de uma nação.
Nesse sentido, o legislador constituinte positivou e tentou conciliar ideologias que
indicavam ser anseios distintos do contexto mundial, com as incertezas do fim da
bipolarização e o avanço da globalização nos moldes neoliberais. A CF/88, ao pôr em pé de
igualdade ideologias que, nas teorizações, buscam o mesmo fim por meios distintos, é (e se
tornou, por meio do poder constituinte derivado) uma Constituição aberta a variadas
interpretações e conseqüentes ações governamentais em resposta às demandas da sociedade.
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Ela representa, antes de tudo, uma busca incessante pelas finalidades escolhidas pela
vida social: o bem-estar geral, a justiça social e o bem comum. Se esses bens ainda não foram
alcançados, é certamente por falta de interesse (ou interesses antagônicos) de setores da
própria sociedade, já que, como afirma Lênio Luiz Streck, “nossa luta atual é criar condições
para que a legalidade tenha um terreno fértil para produzir seus frutos. Ser crítico hoje é
concretizar a Constituição”.

5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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SCHMIDT, Mario Furley. Nova História Crítica. São Paulo: Nova Geração, 1999. (4
volumes)
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STRECK, Lênio Luiz. Uma análise sociológica do direito. In: IHU On-line, Revista do
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em: 04 Nov. 2010;

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