C ONTO F EÉRICO:
O R EDCAP
T ÍMIDO
Por Jim Moore
Seu nome era Mumpoker Uruisig Gruaghan,
mas todos o chamavam de Mug. Embora alguns
Kithain poderiam tomar esse nome como um in-
sulto*, Mug era um redcap e poucas coisas pode-
riam irritá-lo. Mug viveu entre os Seelie desde o
primeiro dia de sua Crisálida. Apesar da má repu-
tação atribuída aos redcap, ele foi aceito na corte
e se mostrou leal em várias ocasiões. Era quase tão
alto quanto um troll, e sua destreza em batalha era
lendária. Tinha uma grande quantidade de amigos
e histórias para contar em torno das fogueiras de
inverno que mantinham longe a escuridão. Mesmo
assim, Mug era um solitário.
Como acontece com todos, seja Kithain ou al-
gum de seus parentes, Mug caiu vítima do maior
perigo que alguém pode sofrer: se apaixonou. Em-
bora seja um evento maravilhoso, o amor não cor-
respondido só traz sofrimento sem fim. Esta era a
triste realidade de Mug.
Agora, ao contrário do que dizem muitos ru-
mores sobre os redcaps, eles também têm sentimen-
tos tão profundos e apaixonados quanto os outros
changeling. É fácil ignorar essa verdade, já que os
redcaps são famosos por esconder seus sentimentos
por trás de seus sorrisos exagerados ou de seus gru-
nhidos igualmente ameaçadores. Se perguntados,
a maioria negaria que alguma vez sentiu algo pare-
cido com tristeza ou medo, e para provar isso, de
*NT: Mug também pode significar tolo ou estúpido
bom grado, afundariam seus dentes na pessoa que
foi estúpida o suficiente para perguntar. Mug não
era uma exceção. Aos olhos do redcap, seu maior
pecado e mais obscuro segredo era ser tímido. Ele
escondeu seu segredo o melhor que pôde enquanto
permanecia entre os Seelie, mas alguns dos outros
redcaps notaram que havia algo de estranho nele.
Oh sim, ele poderia quebrar uma espinha ou
bater em alguém até transformá-lo em massa san-
grenta no chão, e até mesmo os trolls tinham que
admitir que ele possuía coragem em excesso, mas
era só pedir para que ele conversasse com uma
bela mulher e ele se veria perdido, sem nenhuma
esperança. Por essa razão, a maioria dos Kithain
simplesmente assumiu que ele não tinha interesse
em amar ou se relacionar, e deixaram isso de lado.
Afinal de contas, que pessoa em sã consciência per-
gunta a um redcap sobre sua vida amorosa?
Mug, sendo um redcap, e um romântico invete-
rado, teve pouca escolha sobre a mulher por quem
se apaixonou, mas poderia ter sido muito pior. Ela
era uma pooka e seu nome era Megan Dunlogue.
Megan era uma mulher adorável, com cabelos rui-
vos escuros e um corpo atlético. Ela também era
líder de torcida na faculdade e muito popular com
todos os homens ao seu redor. Mesmo no pior dos
seus dias, Mug só tinha que olhar para Megan e
seu humor mudava. Ela tirava o melhor dele e ti-
163
 nha um talento para fazê-lo esquecer de suas preocupações.
Durante todo o tempo desde que se conheceram, ela nunca
o chamara pelo seu nome completo (e ninguém nunca se atre-
veu a fazer isso na sua frente) e sempre parecia feliz ao vê-lo.
Seu sorriso poderia iluminar o céu em um dia tempestuoso, e
seus olhos eram um gramado verde sem fim. Mug a conhecia
de várias aventuras que tinham partilhado e considerava as
suas piadas inocentes e mentiras sem fim uma fonte eterna
de alegria. Além disso, ele gostava de suas sardas e achava fofa
sua cauda de esquilo.
Infelizmente, Megan via Mug apenas como um amigo,
chegando a lhe contar sobre sua tristeza devido ao homem
que ela amava não perceber que ela existia; eles se conheciam
desde antes de saberem que eram changelings, e em todo esse
tempo ele nunca disse como se sentia. Certamente ele teria
feito se não fosse tão tímido. Uma parte de Mug estava feliz
que aquele por quem Megan mostrava interesse não corres-
pondia aos seus sentimentos, mas, por outro lado, queria
enfiar suas presas na garganta do homem que quebrou o co-
ração de Megan. Sendo um marinheiro de primeira viagem
em questões do coração, Mug achou toda a situação muito
confusa.
E assim, depois de fazer o seu melhor e não conseguir
resolver sua situação com Megan, decidiu procurar o conse-
lho de outros Kithain. Ele conhecia vários indivíduos que
pareciam nunca ter dificuldade em mostrar suas emoções.
Aos seus olhos, eles eram os melhores para falar sobre esse
dilema. Esta não foi uma tarefa fácil para Mug. Embora ele
nunca tenha se retirado de uma batalha, independentemente
do inimigo, ele teve que mostrar uma característica que pre-
feria deixar escondida: seu lado sensível. O simples fato de
pensar em mostrar seus sentimentos ocultos era o suficiente
para deixá-lo nauseado.
Depois de pensar muito sobre o assunto, ele decidiu vi-
sitar seu amigo Justin o Sátiro. Justin tinha uma fama, ele já
havia cortejado mais de mil mulheres. Mug duvidava que o
número fosse tão alto, mas aceitou prontamente que fossem
pelo menos cem. A parte mais difícil de falar com o sátiro
era encontrá-lo sozinho, já que Mug não podia confessar seus
sentimentos no meio de uma multidão. Finalmente, decidiu
procurar por ele em sua casa, antes que o sátiro pudesse sair
em busca de outra tarde de vinho, mulheres e canções no
pub local.
Justin não ficou muito feliz com a visita de Mug. Para o
sátiro, qualquer visita antes das três da tarde era cedo demais,
e Mug escolheu a primeira hora da manhã para chamá-lo em
casa. Enquanto ouvia as aflições de Mug, Justin conseguiu
ignorar sua ressaca e preparar um pouco de café.
Depois de uma conversa séria (e alguns momentos de
tensão como quando Justin pensou que iria rir ao imaginar
Megan e Mug em uma cena romântica), o sátiro deu o seguin-
te conselho:
—Mug, se você realmente ama Megan, deve dizer sem ro-
deios. Não importa quão tímido você seja, tem que dizer a
ela quais são seus sentimentos e demonstrar seu amor eterno.
—Como posso demonstrar meu amor, Justin? Perguntou
perplexo com a ideia. —Eu nunca fiz nada parecido antes.
—Uma dúzia de rosas vermelhas e uma caixa gigante de
chocolates sempre fazem maravilhas. Antes que Mug pudesse
dizer qualquer outra palavra, Justin o encaminhou até a porta
da frente, insistindo que ele deveria seguir seu conselho ime-
diatamente. Mug suspeitou que o sátiro só queria descansar,
mas saiu mesmo assim.
164 Livro dos Sonhos Perdidos
 Mug comprou chocolates e uma dúzia de rosas, mas antes
que pudesse entregar, foi visitar outro velho amigo, Mortimer
um sluagh que parecia observar tudo e quase nunca dizia o
que havia visto mesmo que fosse perguntado.
—Devesss estar apaixonado, Mug. Sussurrou a figura nas
sombras. —Quem é a sortuda? Mug não sabia dizer se havia
sarcasmo na voz de seu amigo, então ele decidiu ignorar a
afirmação. Em outros tempos, teria feito Mortimer virar pó
pelo seu comentário, mas desta vez ele estava com pressa para
encontrar seu destino.
—Caso você queira saber, vou contar a Megan meus sen-
timentos por ela. Mug começou a andar, mas mudou de ideia
quando se lembrou de como o sluagh parecia conhecer as
pessoas. —Ei, Morty!
O sluagh se aproximou e seus olhos escuros brilharam.
—Sssssim? Posso ajudá-lo de alguma forma?
—Sim. Eu só queria saber se você acha que essa é a melhor
maneira de dizer a uma garota que você a ama.
Mortimer permaneceu em silêncio por um momento; de-
pois, um pequeno sorriso se espalhou por seu rosto ossudo e
ele balançou a cabeça. —Não, Mug. Eu não acho que essa seja
a coisa mais sábia a se fazer. Antes que Mug pudesse pergun-
tar por que, seu amigo se aproximou ainda mais. —Megan se
preocupa muito com sua forma, como você bem sabe, e se ela
comer esses chocolates, certamente vai ganhar cinco quilos
a mais. Além disso, ela é alérgica a rosas. Certamente você
deveria tentar outra coisa.
Abatido, Mug jogou as rosas e os doces em uma lixeira
próxima e prosseguiu lentamente pelo caminho. Agradeceu a
Mortimer ao sair, mas não percebeu quando o sluagh correu
para lixeira para pegar o seu conteúdo. Depois que Mug saiu,
e com certeza não mais podia ouvi-lo, Mortimer se permitiu
rir. Sua amada Allison amaria os chocolates e as flores... e o
preço tinha sido uma pechincha.
Novamente sem idéias, Mug foi procurar outra velha ami-
ga, uma nocker que sabia mais sobre o amor do que qualquer
outro, com exceção talvez de Justin. Magda já havia sido noiva
sete vezes e se casara outras três. Se ela não pudesse ajudá-lo,
ninguém mais poderia. Quando ele bateu na porta da casa de
Magda, primeiro ela o xingou por ele perturbá-la enquanto
estava trabalhando e depois o convidou para entrar em sua
oficina. Magda sempre gritou com ele. Ela não estava feliz
se não estivesse gritando, e Mug aceitou seus gritos de bom
grado. Depois que Magda terminou de gritar com Mug e de
ter apontado para uma pequena e perfeita rosa de ouro, di-
zendo que Mug a arruinara por estar lhe incomodando, ele
lhe contou sobre suas tristezas. Mais uma vez, um amigo lhe
deu um conselho.
—Primeiro de tudo, eu não sou uma especialista. Se fosse,
eu ainda estaria casada. Em segundo lugar, o que você precisa
fazer é enchê-la de presentes. Declarou entre algumas marte-
ladas. Nesse momento, ele estava fazendo um mensageiro do
vento muito delicado e bonito, com motivos de rosa. —Dê-lhe
ouro e diamantes como prova do seu amor e mostre que você
pode mantê-la com o passar dos anos.
—Mas eu não sou rico! Lamentou Mug, frustrado de
novo. —Como posso comprar essas coisas se não tenho di-
nheiro?
—Ouça, Mug. Eu lido com fatos, não com as complica-
ções que esses fatos podem trazer. Se você quiser ganhar o
amor dela, dê-lhe ouro e pedras preciosas. É assim que todos
os meus maridos conquistaram meu coração.

165
 —E por que você não está mais casada, Magda? Como
Mug perdoou Magda por seus gritos, ela o perdoou por sua
falta de tato. Afinal, ele era um redcap.
—Porque todos se tornaram pobretões! Cada um desses
perdedores ficou sem dinheiro e não pode mais se dar ao luxo
de me sustentar da forma como estou acostumada! E agora
saia daqui! Você não consegue ver que estou ocupada?
Mug agradeceu a Magda por sua hospitalidade e con-
tinuou seu caminho, desesperado para encontrar uma boa
fonte de renda. Depois de somar cuidadosamente o total
dos rendimentos de seus dois trabalhos como guarda-costas
e também na creche, ele decidiu consultar alguém que sabia
algumas coisas sobre dinheiro. Lady Amélia foi sua primeira
escolha, já que os nobres sidhe tinham mais dinheiro do que
qualquer um poderia reunir.
Lady Amélia estava sempre ocupada. Se não estava traba-
lhando nos detalhes de sua próxima reunião social, ela se en-
carregava de cuidar de quem estava visitando a corte e de suas
necessidades. Ele dedicou um tempo a Mug porque ele salvou
sua vida várias vezes e nunca pediu nada em troca, além de
sua taxa normal como um guarda-costas. Ele até lhe deu um
desconto nos meses em que não precisou de proteção.
Junto com um aperitivo composto de sanduíches de
agrião e vinho se sabugueiro, ele explicou seu problema. A
mulher foi muito atenciosa, mas no final não foi muito útil.
Ela sugeriu que ele fizesse a mesma pergunta a Sven, o troll da
ponte de Waterbrook. Mug agradeceu-lhe por seus esforços e
deu-lhe o próximo mês de proteção de brinde. Amélia aceitou
com gentileza, pois estava irritada pelo preço dos pratos de
porcelana que Mug comera quando terminou os sanduíches.
Ela também decidiu usar pratos de papel na próxima vez que
convidar um redcap.
Se Mug era grande, Sven era maior. Sven era o único
Kithain que Mug conhecia cuja cabeça e ombros se destaca-
vam acima dos dois metros de altura. Depois de atravessar as
águas frias da margem do rio, ele bateu na porta de um dos
pilares da Ponte Waterbrook e esperou educadamente até que
Sven o atendesse. Quando finalmente abriu a porta, ele deu
a Mug o costumeiro gancho de esquerda em sua mandíbula,
e a briga começou imediatamente. Como era Mug que procu-
rava as respostas, ele permitiu que Sven o derrotasse depois
de trocar algumas dúzias de socos. Sven estava convencido de
que a melhor forma de estar preparado para o combate era
atacar qualquer redcap que aparecesse, mesmo aqueles que
ele considerava amigos. Como sempre, Mug aceitou a excen-
tricidade de seu amigo o melhor que pôde. Após a batalha,
Sven preparou sanduíches frios de carne de veado para os
dois (mas desta vez ele se lembrou de servi-los em pratos de
papel, após a perda de seus pratos de barro na última vez que
Mug o visitou); o redcap contou-lhe novamente a história de
sua tristeza.
—Quando tudo se resume a ganhar ouro, você deve sair
em aventuras. Explicou o troll. —Ou isso, ou conseguir um
emprego como advogado, algo que ambos sabemos é um des-
tino terrível. E quando se trata de aventuras, a melhor coisa
que você pode fazer é conversar com Mailanka, o exu, que
provavelmente sabe de alguma missão. Mas eu acho que você
não precisa de ouro e pedras preciosas para ganhar honesta-
mente o coração de Megan, velho amigo. Você só tem que
jurar eterna lealdade e prometer protegê-la de qualquer coi-
sa que possa machucá-la. Se duvida, olhe para minha esposa
Brynhild. Ela concordou em se casar comigo quando eu era
apenas um policial novato e um iniciante na guarda da corte.
166 Livro dos Sonhos Perdidos
—Hum. Não foi ela que conseguiu seu novo emprego na
corte, para que vocês pudessem trabalhar juntos?
—Bem, sim. Sven admitiu, olhando para Brynhild que
descansava perto da lareira. —Na verdade, ela conseguiu. Mas
eu não quero falar sobre isso, quero que você entenda que ela
me amava mesmo quando eu não tinha dinheiro, e ela ainda
me ama.
Mug suspeitava que Brynhild simplesmente não queria
se casar com um homem mais pobre que ela e escolheu Sven
apenas por esse motivo, mas sabiamente preferiu não men-
cionar esse fato. Suas costelas ainda estavam doloridas pela
briga com o troll.
—Obrigado pela sua ajuda, Sven. Eu vou pensar sobre
isso.
—Muito bom, Mug. Ouça, você acha que poderia passar
aqui amanhã? Estou ficando enferrujado com o machado.
—Claro. Assim, Mug continuou a procurar por Mailanka.
Encontrar Mailanka provou ser muito mais difícil do que
Mug esperava no início. Havia duas razões para seus proble-
mas: primeiro, Mailanka já estava em uma missão. E segun-
do, os Kithain que conheciam melhor a Mailanka estavam
certos de que Mug pretendia fazer mal para o exu, por causa
do lamentável incidente que aconteceu quando Mailanka
confundiu Mug com um ogro. (Essa história em si terá que
esperar por outro momento. Por hora, devemos falar sobre
Mug e o amor de sua vida). Foram necessários alguns argu-
mentos convincentes e vários sorrisos, mas Mug finalmente
conseguiu descobrir o paradeiro do exu pela boca de outro
bom amigo (alguém que entendeu que Mug tinha já perdoa-
do há muito tempo a ponta de lança quebrada alojada em seu
traseiro, no evento a maioria das pessoas hoje em dia conhece
como “Insensatez de Mailanka”).
Neste caso, o amigo não era outro senão o mestre cozi-
nheiro e boggan conhecido em todo o reino como Walter.
Walter sempre gostou de ter Mug por perto, já que Mug comia
qualquer coisa que colocassem em sua frente sem reclamar. O
mistério de como fazer um suflê perfeito ainda escapava das
numerosas tentativas de Walter, e como ele odiava desper-
diçar qualquer coisa, Walter mantinha os suflês arruinados
em uma geladeira grande até que Mug pudesse aparecer. Ele
lhe deu instruções detalhadas de onde exatamente Mailanka
estava indo quando Mug terminou o terceiro balde de claras
de ovos e chocolate desperdiçados. Quando ele perguntou a
Mug por que era tão importante encontrar o exu, Mug con-
tou tudo a ele.
—Mug, meu amigo, o amor não é encontrado em cho-
colates ou pedras preciosas. Explicou o boggan. —Você não
pode comprar o amor assim como você não pode comprar
o respeito. Ambos devem ser conquistados. Você já mostrou
que merece respeito; talvez Megan aceite você por quem você
é.
Mug pensava nas palavras do boggan ao terminar o últi-
mo balde de suflês, todos saborosos (mesmo aqueles que não
tinham saído tão bem quanto Walter esperava). —Megan é
uma mulher maravilhosa, Walter. Mas eu não acho que ela
saiba que eu existo, exceto quando outro de seus homens não
é tão perfeito quanto ela espera.
—Então a pergunta que você deve fazer é: qual é o tipo de
homem ideal para ela?
—Ela gosta de homens bonitos, ricos, atléticos e amigá-
veis. Além disso, eles têm que amá-la. De alguma forma, ne-
nhum deles conseguiu fazer isso até hoje.
 —Isso é um dilema, Mug. Talvez ela simplesmente não
esteja procurando nos lugares certos.
—Bem, se eu fosse mais atraente, ela não teria que pro-
curar mais. Ela iria me querer. Mug agradeceu a Walter pelo
conselho e pelo lanche e saiu em busca de Mailanka nos Bos-
ques Ancestrais.
Mug procurou na floresta escura por dois dias (paran-
do apenas para ligar para Sven e pedir-lhe desculpas por não
poder se juntar a ele na prática com o machado) antes de
encontrar o exu. Mailanka estava acampado perto de um pe-
queno riacho no Bosque Ancestral, banqueteando-se com um
peixe que havia pego há uma hora atrá. Quando viu Mug, o
sorriso em seu rosto foi caloroso e amigável, embora apenas
um pouco cauteloso. Afinal de contas, ele uma vez empalou
o traseiro de Mug com uma lança muito afiada. Ele ofereceu
a Mug sua hospitalidade, e o redcap aceitou, sentando-se no
fogo ao lado do exu e pedindo ajuda.
Depois de ouvir o conto de desgraça de Mug, o exu assen-
tiu entusiasticamente e concordou em ajudá-lo. —Você está
com sorte, Mumpoker. Eu estou em uma missão para encon-
trar um dragão que vem causando um sofrimento sem fim
para o povoado ao norte de Applegate. Eles o temem muito,
pois a quimera roubou várias vacas e sumiu até mesmo com
o cão de caça do senhor local. Os riscos são grandes, meu
amigo, mas eles devem valer a pena pelo tesouro que você
receberá.
Mug estava feliz, pois finalmente viu o fim de sua busca.
—Eu não sei como posso te agradecer, Mailanka. Este é real-
mente um dia maravilhoso. Agora eu posso conquistar um
tesouro e levá-lo para Megan para provar o meu amor. Então
ele pensou no que o exu havia dito e sentiu algumas borbo-
letas surgirem em seu estômago e começarem a fazer cócegas
nele por dentro. —Você disse que é um dragão?
—Sim! É por isso que você é tão sortudo! Os dragões têm
os melhores tesouros, e a recompensa que você receber por
matar a besta deve ser mais que suficiente para as suas neces-
sidades.
Mug assentiu, ouvindo os detalhes sobre a melhor forma
de matar um dragão, e depois desejou bons sonhos a Mai-
lanka enquanto o exu se preparava para dormir à noite. Mug
não dormiu. Ele continuava pensando no dragão que logo es-
taria enfrentando, e se perguntou se o amor era sempre uma
proposta tão aterradora.
Quando a manhã chegou, Mug se preparou da melhor
forma que pôde para a batalha que se aproximava. Mailanka
explicou que a grande fera vivia a poucos quilômetros de dis-
tância, em uma caverna profunda perto da borda do bosque.
A caverna conduzia ao fundo do monte Shasta, que os Ki-
thain de Caer Redwood chamavam de Coração de Balor. Lá,
nas profundezas do vulcão adormecido, o dragão alimentava
seu fogo de forma que podia incendiar qualquer um e derre-
ter qualquer coisa.
Não muito tempo atrás, os changelings na área teriam
ignorado um dragão descansando no coração de um vulcão.
Mas seus vizinhos do norte ensinaram-lhes a pensar de forma
diferente quando o dragão do Monte Santa Helena apareceu
depois de ter sido ignorado por muito tempo. Bem, vivendo
e aprendendo, como diz o velho ditado. Desta vez eles apren-
deram a lição.
O barão de Caer Redwood oferecia uma soma vultosa
para quem conseguisse domar ou matar a quimera, e Mai-
lanka planejava ganhar esse dinheiro. Mas, sabendo que ele
tinha uma dívida com a Mug por causa das várias semanas de
risadinhas e chacotas onde quer que o redcap fosse, ele sentia
que deveria compartilhar com ele sua glória e riqueza. Além
disso, ele também achava que Mug não estava preparado para
atacar a besta sozinho e pretendia ajudar.
O redcap estava preocupado, e com razão, sobre suas
chances. Ainda assim, ele nunca fugiu de uma luta em sua
vida, e Mug até achou a ideia de enfrentar um dragão muito
mais fácil do que a ideia de contar a Megan seus verdadeiros
sentimentos.
Depois de mais ou menos uma hora caminhando pela
encosta da montanha, Mug e Mailanka encontraram a mora-
da do grande dragão. Muito antes de realmente ver a caverna,
eles podiam sentir o fedor sulfuroso da besta em seu covil.
Com não mais de um segundo de hesitação, Mug endireitou
os ombros e agarrou a lança que o exu lhe emprestara.
Mailanka desejou-lhe sorte e ficou para trás, pois os red-
caps são ótimos escudos. Infelizmente, uma pedra escorregou
por baixo da enorme bota de Mug, desceu a colina e atingiu
o exu na fronte, deixando-o inconsciente.
Sendo impaciente, Mug certificou-se de que o exu não
estava gravemente ferido, e então colocou seu amigo contra
a entrada da caverna, ao lado de alguns nomes que estavam
gravados na parede da montanha. Ele se perguntou breve-
mente se um dos nomes poderia pertencer ao dragão, e então
decidiu voltar ao trabalho que tinha em suas mãos.
A entrada do covil do dragão estava cheia do fedor de
enxofre e outras coisas mais sinistras. Mug era tão corajoso
quanto qualquer redcap, mas ele não era estúpido. Ele não
gostou de ter que entrar na escuridão. Além disso, ele podia
sentir o cheiro de água na caverna, e suspeitava que ele po-
deria ter que nadar através de um riacho ou mesmo de um
lago para encontrar o monstro. Nunca tendo visto um dragão
pessoalmente, Mug esperava que eles fossem menores do que
ouvira. Ele pensou novamente em Megan e então entrou no
covil da terrível fera.
Ele andou por um longo tempo antes de encontrar o lago
dentro da caverna. Assim como ele temia, as águas corriam
de um lado da caverna para o outro. Grandes gotas de vapor
subiam das águas, em erupção em gêiseres que deixavam o ar
pesado e úmido. Não havia maneira de contornar isso; ele
teria que nadar. Mug entrou nas águas quase fervendo e estre-
meceu, mas sua pele era dura e calejada das batalhas passadas.
Algumas bolhas se formaram, mas não o suficiente para impe-
di-lo de atravessar para a margem distante. Ele teve sorte tam-
bém, porque as águas nunca chegaram acima de seus joelhos.
Enquanto Mug avançava pelas águas fumegantes, ele no-
tou como a paisagem mudava. As paredes recortadas ficaram
mais lisas, como se tivessem sido esculpidas ou talvez derre-
tidas. Não havia pedras irregulares ou outros itens que ele
pudesse usar como armas se a lança que Mailanka lhe empres-
tara não funcionasse para matar o dragão.
Finalmente, parcialmente escondido atrás de uma pesada
estalagmite no fundo da caverna, Mug podia ver uma grande
pilha de gemas e ouro parcialmente derretido. A recompensa
colocada diante dele era o suficiente para fazê-lo babar. Péro-
las do tamanho de seus punhos e diamantes esculpidos com
cem facetas brilhavam na escuridão da caverna. Cálices de
prata incrustados com safiras repousavam sobre baús trans-
bordando de anéis e joias de todas as descrições possíveis.
Certamente havia ouro suficiente para tomar conta de
Megan e de todos os desejos de seu coração durante anos.
167
Ele olhou para o tesouro por alguns momentos antes de se
lembrar que a montanha de riqueza pertencia ao monstro
que ele estava lá para matar.
O teto aqui era muito mais alto que no túnel. No início,
Mug não conseguiu identificar o dragão, mas notou o reflexo
da besta nas águas sob seus pés, assim que ela abriu seus olhos
brilhantes. Ele lentamente esticou o pescoço para trás até que
ele pudesse ver a forma que lançava o reflexo. Muito acima
dele, no topo do teto da caverna, a enorme fera pendia de um
dossel de pedra, como um morcego se pendura em um galho
de árvore.
—Quem ousa adentrar em meu domínio? Exigiu o dra-
gão, enquanto chamas em espiral saíam de suas narinas. Uma
boca tão grande quanto um carro se abriu em um rosnado
feroz. A voz da criatura de sonhos era tão alta quanto um
trovão, sacudindo as paredes da caverna e soltando pedras
do tamanho de punhos de onde estava pendurada. —Fale seu
nome, para que eu possa esculpir seu epitáfio na entrada da
minha caverna.
Apesar das batidas de seu coração, Mug devolveu o gru-
nhido e mostrou seus enormes dentes enquanto ele rosnava
sua resposta. —Meu nome é Mumpoker Uruisig Gruaghan!
Estou aqui para matá-lo, verme, para poder ganhar o coração
do meu único e verdadeiro amor!
O riso que surgiu nos lábios do dragão enviou uma onda
de raiva até o coração de Mug. —Você me matar? A grande
fera tremeu de alegria, divertindo-se com as palavras do red-
cap. —Certamente sabe que vai morrer!
Parecia que até mesmo seu talento natural para inspirar o
terror não tinha efeito sobre o monstro. Mug não ficou muito
surpreso; ele lutou com muitas quimeras e ouviu histórias
de um ou dois dragões, mas nenhum deles chegou perto do
tamanho da coisa que estava acima de sua cabeça. —Eu não
posso viver outro dia sem minha Megan. Se eu não puder
ganhar o seu amor, não tenho razão para viver. Ele ergueu a
lança e mirou com cuidado.
— Maldito seja, seu carneiro gigante. Eu vou comer o seu
coração enquanto ele ainda estiver batendo! Com essas pala-
vras, Mug arremessou a arma o mais forte que pôde, obser-
vando com satisfação enquanto ela subia em direção ao teto
da caverna.
A grande besta soltou uma língua de fogo e transformou
a lança em cinzas antes que ela pudesse alcançá-lo. O calor
da explosão foi suficiente para chamuscar o cabelo de Mug
e criar bolhas no couro cabeludo também. —Isso é o melhor
que você pode fazer, pequena refeição? Eu pensei que qual-
quer criatura com um nome tão longo e de prestígio poderia
realmente ser um inimigo digno!
Irritado pelo comentário, Mug enfiou a mão nos bolsos
e puxou seus socos ingleses. O metal brilhou a luz dos olhos
do dragão, e o redcap sorriu enquanto colocava as armas em
cada uma das mãos. —Traz esta sua bunda gorda aqui pra bai-
xo e veremos quem ganha essa dança!
O dragão observou as ações de Mug por um momento,
intrigado pelo ato corajoso de uma criatura tão pequena. Em-
bora Mug pudesse intimidar a todos, mesmo o mais valente
dos Kithain e até mesmo a maioria das quimeras, esse mons-
tro em particular permaneceu pouco impressionado. Então,
com um forte suspiro, desceu das alturas muito acima de
Mug e caiu em direção a ele como uma estrela cadente. Mug
ficou tenso, esperando o momento exato de se mover, e então
se abaixou quando o dragão se virou e tentou agarrá-lo. As
168 Livro dos Sonhos Perdidos
garras dianteiras perderam o redcap. As garras traseiras não.
Mug cometeu um erro quando considerou seu inimigo:
ele esqueceu que os dragões são mais rápidos do que pare-
cem. O redcap realmente não poderia ser culpado por isso.
Apesar de toda a sua bravura e ferocidade, os redcaps não são
muito brilhantes, e Mug não era uma exceção à regra.
As enormes garras do velho verme cercaram o corpo de
Mug dos joelhos até o pescoço. O impacto o surpreendeu por
um segundo, quando a grande fera se lançou voando em dire-
ção à entrada de seu lar e se elevou no ar fresco da noite. Mug
nunca imaginou que os dragões pudessem ser tão fortes ou
tão rápidos. Em um minuto, eles estavam bem acima do topo
do Coração de Balor, subindo ainda mais quando o dragão
olhou para Mug.
—Tolo changeling! Você não é grande o suficiente para
uma refeição, mas eu vou saborear o seu gosto enquanto eu
te mastigo em pedaços! Enquanto falava, o dragão abaixou a
cabeça para contemplar a melhor forma de comer o redcap.
A nuvem quente e fumegante de enxofre que se espalhou pela
boca escamosa da serpente foi quase o suficiente para silen-
ciar Mug, mas ele prendeu a respiração e sorriu de volta.
—Você não tem coragem de me comer, seu covarde! Eu
sou duas vezes mais monstruoso que você, e quatro vezes mais
feroz que você jamais será! Mug acrescentou ódio a suas pala-
vras, e deu uma grande cusparada no olho do dragão, a fera
piscou duas vezes enquanto voava ainda mais alto no ar. Ele
apertou mais uma vez com a pata, e Mug quase apagou quan-
do o ar foi roubado de seus pulmões.
O dragão olhou para Mug com novo respeito, afirmando
mais para si do que para ele. —Você é formidável, Mumpoker
Uruisig Gruaghan, mas eu sou muito maior que você. No
melhor dos seus dias, você não é páreo para nem mesmo o
mais fraco dos dragões. Mug torceu a cabeça o máximo que
pôde, esperando ver um sinal de Mailanka logo abaixo. Tudo
o que ele conseguiu foi um músculo distendido. —Oh, não se
preocupe com o seu amigo. Disse o dragão. —Eu vou matá-lo
quando terminar de comer você.
Com isso, o monstro separou suas enormes mandíbulas
e jogou Mug em sua boca cheia de dentes. O dragão do Cora-
ção de Balor nem mastigou Mug antes de engoli-lo. Apesar de
sua bravura, a fera temia que o gosto de um redcap pudesse
ser tão ruim quanto a sua aparência. Pelo que sabemos, ela
poderia muito bem estar certa.
Mug caiu por entre dentes do tamanho de espadas longas
e tentou se agarrar na parte de trás da imensa garganta do
demônio antes de cair nas profundezas da barriga do dragão.
O calor das entranhas do verme era facilmente duas vezes
maior do que dentro de seu covil. Mug achou que era quase
impossível respirar. Ele passou ao lado do imenso do coração
do dragão e finalmente caiu na fornalha de seu estômago.
Mesmo quando suas roupas começaram a queimar, Mug sor-
riu vitoriosamente.
Felizmente para Mug, o dragão não sabia uma coisa im-
portante sobre sua refeição. Assim como os redcaps, os dra-
gões dificilmente são considerados as mais inteligentes das
quimeras — eles são inteligentes, mas muitas vezes se consi-
deram invencíveis. E por isso, devem ser perdoados por sua
loucura. A grande fera se esqueceu que os redcaps podem
comer qualquer coisa. Qualquer coisa, contanto que suas bo-
cas consigam alcança-la. Mug cumpriu sua ameaça anterior,
e depois de mastigar seu caminho através do estômago do
monstro, ele saboreou o coração latente do dragão.
 Mailanka, bem abaixo no chão, observou atordoado
quando o grande dragão primeiro estremeceu e depois se
contorceu. Mug e o dragão mergulharam de volta a terra, ater-
rissando com força suficiente para quebrar pedras e demolir
árvores.
Quando Mug conseguiu se mexer ou pensar, uma sema-
na se passara e ele estava descansando em uma grande cama
na fortaleza de Lady Amélia. Ele estava todo dolorido, e mui-
to do seu corpo estava queimado, machucado ou quebrado.
Vários changelings o rodeavam, todos com olhares preo-
cupados em seus rostos. Ele reconheceu Mailanka, Mortimer,
Justin, Sven, Walter, Lady Amélia e até mesmo Magda. Entre
eles também estava sua Megan, a quem ele amava com todo
o seu ser. Ao ver seu rosto, ele sorriu e voltou a dormir pro-
fundamente.
Quando ele abriu os olhos pela segunda vez, Megan es-
tava sozinha no quarto com ele. A noite havia caído sobre o
mundo, e ele estudou seu rosto pela luz da única lanterna
ao lado de sua cama. Ela parecia cansada e seu cabelo estava
uma bagunça. Ela tinha veias vermelhas saindo de seus olhos
e de seu rosto, e Mug percebeu que ela estava chorando. Ela
nunca lhe pareceu tão adorável. Olhando para Megan, não
doía tanto quanto deveria, e ele se considerava com sorte por
estar vivo.
Talvez por ter falado em voz alta, talvez por ela simples-
mente saber o que ele estava pensando. De qualquer manei-
ra, Megan respondeu: —Você só está vivo porque Mailanka
fez um corte e te retirou do interior daquela fera. Ele também
contou isso para todo o reino. O impacto quando você bateu
no chão foi o suficiente para fazer metade da Califórnia pen-
sar que eles estavam tendo um outro terremoto. O tom de sua
voz era repreensivo, e Mug desviou o olhar, chateado por ter
irritado Megan.
Sem nada para dizer, ele finalmente conseguiu dizer as
únicas palavras que conseguia pensar naquele momento: —
Oi, Megan.
A resposta de Megan não foi tão cordial. Ela gritou com
ele e o insultou, ela o atingiu nas partes do corpo que não
estavam envoltas em bandagens, e disse que ele era um tolo.
Ela gritou com ele sobre sua busca estúpida e tola, e explicou
claramente que ele poderia simplesmente ter convidado ela
para um encontro, já que ela esperava que ele fizesse isso há
muito tempo.
Embora tenha demorado muito tempo para curar-se de
seus ferimentos, e ainda mais para reunir coragem, ele de fato
chamou Megan para um encontro. Ela concordou, e depois
de um longo tempo Mug conseguiu vencer sua timidez. No
final, todos viveram felizes para sempre.
169