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A metodologia musical de Murray Schafer e


sua aplicabilidade em escolas de Educação
Básica

Maria Imaculada Rodrigues VALE1


Mariana Galon da SILVA2
Resumo: Este artigo tem como objetivo apresentar alguns dos procedimentos
pedagógicos utilizados por Raymond Murray Schafer (1933-), educador e
musicista canadense, considerado um pedagogo musical da segunda geração
de métodos ativos, e sua aplicabilidade em escolas de Educação Básica.
Considerado um arquiteto de novas modalidades de “ouvir” os sons da natureza,
Murray Schafer é autor de alguns livros que buscam definir os processos de
ensino e de aprendizagem como uma nova forma de absorver os ruídos do
mundo. A metodologia utilizada nesta pesquisa é a revisão bibliográfica de obras
de Schafer e do estudo da Lei 11.769, de 2008, que torna obrigatório o ensino de
música em nossas escolas. Outros artigos, vídeos e palestras acerca do pedagogo
serão, também, objeto de estudo. Ao final, pretende-se constatar que os métodos
de ensino de Murray Schafer podem auxiliar o professor em sala de aula a (re)
pensar o seu fazer musical.

Palavras-chave: Educação. Pedagogia Musical. Metodologia no Ensino de


Música. Métodos Ativos.

1
Maria Imaculada Rodrigues Vale. Especialista em Educação Musical pelo Claretiano – Centro
Universitário. Graduada em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UNIVÁS, Pouso
Alegre (MG). E-mail: <lorenawicca@yahoo.com.br>.
2
Mariana Galon da Silva. Mestre em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Especialista em Arte-Educação pela Universidade de Brasília (UnB). Atualmente é docente nos cursos
de Licenciatura em Música e Pós-graduação em Educação Musical do Claretiano – Centro Universitário
e na Universidade Federal de São Carlos. E-mail: <marianasilva@claretiano.edu.br>.

Educação, Batatais, v. 7, n. 3, p. 81-101, jan./jun. 2017


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Murray Schafer’s musical method and its


applicability in Basic Education schools

Maria Imaculada Rodrigues VALE


Mariana Galon da SILVA
Abstract: This study aims at presenting some of the pedagogical procedures
used by Raymond Murray Schafer (1933-), a Canadian educator and musician,
considered a musical pedagogue of the second generation of active methods, and
their applicability in Basic Education schools. Considered an architect of new
modalities of “hearing” the sounds of nature, Murray Schafer is the author of
some books which aim at defining the teaching and learning processes as a new
way of absorbing the noises of the world. The method used in this study is the
bibliographical review, considering Schafer’s studies, as well as the study of Law
11.769/08, which makes mandatory the teaching of music in our schools. Other
articles, videos and lectures about the pedagogues will also be considered as
objects of study. Finally, we aim at determining that Murray Schafer’s teaching
methods can help the teacher in class to (re)think his musical acting.

Keywords: Education. Musical Pedagogy. Methodology of the Teaching of


Music. Active Methods.

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1.  INTRODUÇÃO

Quem é da área da educação depara-se, cotidianamente, com


questões de ordem prática que dificultam que alguns processos
aconteçam de modo a atingir seus objetivos: é o caso da educação
musical, que, ainda que amparada por leis específicas, não acontece
de fato em nossas instituições de ensino. Há algumas razões que
podem responder a esse lapso no ensino, de modo geral, e no ensino
musical, de modo específico. Uma das causas para esse desajuste
entre ideal e real talvez se dê em função da falta de embasamen-
to teórico musical nos cursos de formação de nosso professorado.
Mesmo com a publicação da Lei 11.769, de 2008, e passados al-
guns anos da obrigatoriedade do ensino de música em salas de aula,
o quadro de formação de professores específicos para a área e/ou de
professores regentes com algum conhecimento acerca do assunto
ainda é incipiente. E dúvidas existem a respeito de como se dará
o ensino de música: que formação deve ter o professor? Deverá
ser um profissional da área de música? O professor regente deverá
especializar-se em Música para levar adiante o projeto da escola?
Haverá contratação de pessoal para essa finalidade?
Por isso, em virtude desse desconhecimento – flagrante em
nosso professorado – acerca da temática que envolve artes, de modo
geral, e música, de modo específico, pensou-se em levar adiante um
estudo a respeito dos pedagogos musicais e de suas metodologias,
para amparar esses profissionais que estão em sala de aula, sejam
eles músicos ou não músicos.
Os pedagogos musicais são divididos em pedagogos da pri-
meira geração (Dalcroze, Kodály, Carl Orff, Willems, Suzuki,
outros) e pedagogos da segunda geração (Paynter, Self, Schafer,
Porena e outros).
Para fins de estudos mais aprofundados, elegeu-se como te-
mática o educador e musicista canadense Raymond Murray Scha-
fer, pedagogo musical da segunda geração de métodos ativos3.

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Métodos ativos estão relacionados ao contato com a música pela experimentação e pela criação, em
vez dos estudos técnicos e da repetição.

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A escolha recaiu sobre Schafer por ser esse compositor bas-


tante voltado para as questões contemporâneas. Uma delas é o ex-
cesso de barulho a que nossa civilização está exposta, o que nos tor-
na, a nós, habitantes deste planeta, quase surdos ao que realmente
importa: os sons da natureza: “Schafer preocupa-se com os sons do
mundo, sejam eles materiais musicais convencionais, sejam eles o
canto dos pássaros ou o som de um engarrafamento urbano” (ARTE
PATY DELGADO, 2013).
Além disso, em tempos de exigências de interdisciplinarida-
de, o projeto de Schafer é um “[...] estudo multidisciplinar a res-
peito do som ambiental, suas características e suas modificações
ocorridas no decorrer da história, seu significado, assim como o
simbolismo desses sons para as comunidades atingidas por eles”
(GOMES, 2004, p. 8 apud BLOGUE, 2013, n/p).
Outro fator essencial para a escolha desse pedagogo é que
suas atividades podem ser desenvolvidas em salas de aula e/ou ou-
tros ambientes, com grupos de faixas etárias diversificadas. Afinal,
o enfoque da metodologia de Schafer é a percepção dos sons que
nos cercam e com os quais estamos acostumados, de tal forma que
nem atentamos mais às suas nuances, às suas filigranas. Segundo
Schafer, não há que se ter preocupação com o estudo sistemático
de música a partir da teoria, da formação vocal ou instrumental.
Deve haver, sim, e sempre, inquietação “[...] com o despertar de
uma nova maneira de ser e estar no mundo, caracterizada por uma
mudança de consciência” (FONTERRADA, 2008, p. 195).
De fato, há um plano filosófico permeando toda a prática edu-
cacional de Schafer. E essa orientação, além da praticidade de sua
aplicação, serve de base para muitos olhares para outros conteúdos,
num nível que permite estender suas ideias a outras disciplinas: a
educação ambiental, a filosofia, a sociologia.
Schafer sempre se preocupou com a relação do homem com
a natureza, sendo um estudioso da ecologia. É defensor da ecologia
sonora, que integra sua metodologia de escuta, e que se resume
ao aprendizado humano de sensibilizar-se diante da percepção dos
sons naturais. Em suas palavras: “[...] fomos ensinados a interferir
nos sons naturais em toda a nossa educação, a moldá-los, e a trans-

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formá-los em algo melhor. Mas talvez devêssemos deixá-los como


são e escutá-los como são” (SCHAFER, 1992 apud ARTE PATY
DELGADO, 2013) e “aprender a ouvir essa paisagem sonora como
uma peça de música” (SCHAFER, 2011, p. 277).
Schafer é crítico ferrenho do excesso de tecnologia, que des-
virtuou nosso processo de escuta do ambiente que nos cerca. Ele
propõe uma “limpeza de ouvido”, que adviria com a conscientiza-
ção auditiva de sons que permeiam a paisagem sonora (soundsca-
pe, neologismo criado por Schafer). A limpeza de ouvidos necessita
de exercícios que nos ensinem a aprender a ouvir sons tão comuns
que já não ouvimos mais: os passos, o vento nas folhas das árvores,
um carro ao longe, alguém digitando... A limpeza de ouvido é o
ponto de partida do trabalho educacional musical de Schafer. Aqui
ele cita que nos apossamos de “pálpebras auditivas”, o que tem
como consequência o desligamento do ser humano em relação à
paisagem sonora.
Assim, nesta pesquisa serão estudados alguns conceitos de
Schafer, relacionados à educação musical: a) paisagem sonora:
refere-se aos sons que compõem o ambiente. Schafer cunhou o
termo “[...] soundscape (paisagens sonoras), criando uma analogia
com a palavra landscape, que quer dizer paisagem, para um sentido
relacionado ao som” (PEREIRA, 2010, p. 44); b) clariaudiência:
desenvolvimento da percepção da escuta; c) limpeza de ouvidos:
expansão de nossa percepção auditiva; d) silêncio: que, como re-
ferido por alguns autores, é enganoso por ser visto como ausência
do som. A música em si é formada por sons e silêncios. Aqui, far-
-se-á referência ao trabalho de John Cage e sua obra 4’33. Para
Cage, referindo-se ao silêncio, “essa coisa não existe”; e) ecologia
acústica ou ecologia sonora: “[...] ciência que estuda os efeitos do
ambiente acústico e das paisagens sonoras, com as conseqüências
físicas e comportamentais nos seres vivos” (PEREIRA, 2010, p.
44). Ou seja, estudo do ambiente tratado por meio dos sons.
Podemos observar que todos esses itens estão intimamen-
te relacionados a outros conteúdos, fazendo com que as ideias do
compositor canadense se tornem ótimo material de estudo interdis-
ciplinar, como já citado.

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Mais que métodos de ensino de algum instrumento, há que se


ensinar a pensar em música, a apreciar música, a fruir momentos de
audição musical: “É preciso investir no desenvolvimento da ima-
ginação, da capacidade criativa de cada um, pois o mundo está ca-
rente de sutilezas, delicadeza, poesia, música” (SCHAFER, 2011,
p. XI).
Pelos motivos elencados, é intenção desta pesquisa (relacio-
nada a estudos da metodologia de R. Murray Schafer) examinar
seus conceitos e relacioná-los à educação musical, que se tornou
obrigatória nas escolas a partir da Lei 11.769, de 18 de agosto de
2008. A referida Lei “[...] altera a Lei n. 9.394, de 20 de dezembro
de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996),
para dispor sobre a obrigatoriedade do ensino da música na educa-
ção básica” (BRASIL, 2008). Sendo a música uma forma de lin-
guagem que faz parte da cultura dos homens desde as mais remotas
eras (as pesquisas arqueológicas registram esse fato), é de se prever
(e almejar) que o ensino de música possa fazer parte do currículo de
nossas escolas. O que, sabemos, nem sempre acontece.
Há vários motivos para essa falha no currículo: falta de pro-
fessor capacitado ao ensino específico, falta de espaço nas esco-
las, ausência de instrumentos musicais básicos, omissão do sistema
(nesta e em outras questões relacionadas às necessidades cidadãs,
em outras áreas, inclusive). No entanto, quem é da área da edu-
cação resiste às intempéries e persiste, apesar de tudo: o regente
em sala de aula, de algum modo, torna-se capaz de ministrar ru-
dimentos de música a seus educandos, ainda que em seu curso de
formação tal conteúdo não tenha feito parte da grade curricular.
Essa lacuna de formação musical nos cursos de Pedagogia e afins
tem sido alterada, paulatinamente, mas o ritmo tem sido lento em
relação à demanda.
Para suprir parte dessa carência, algumas instituições têm
ofertado cursos na área de música, o que, de certa forma e até certo
ponto, diminui a intensidade do problema, que seria a falta de em-
basamento teórico e prático, que é bastante comum em nosso país,
ainda que, como citado em estudos de sociologia, antropologia e
afins, sejamos um povo musical por natureza.

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2.  CONTEXTUALIZANDO

No texto Notas sobre a experiência e o saber da experiência,


Jorge Larrosa-Bondía (2002) tenta nos conduzir pelo caminho da
percepção do processo educativo como experiência/sentido. Nesse
intuito, ele procura nos levar a encarar os professores não apenas
como “técnicos que aplicam com maior ou menor eficácia as diver-
sas tecnologias pedagógicas” (LARROSA-BONDÍA, 2002, p. 20),
mas sim como “sujeitos críticos que, armados de distintas estraté-
gias reflexivas, se comprometem [...] com práticas educativas...”
(LARROSA-BONDÍA, 2002, p. 20); “A experiência é o que nos
passa, o que nos acontece, o que nos toca” (LARROSA-BONDÍA,
2002, p. 21).
Ou seja, “[...] perdemos o hábito do olhar que analisa, pers-
cruta, observa”, (COLI, 1995, p. 121). Como alterar esse quadro?
Segundo Oliveira (2015, p. 8), por meio da arte, de modo geral,
e da música, especificamente, é que será possível “desvelarmos o
mundo, distanciarmo-nos dele e transformá-lo”. Por meio da mú-
sica, aprendemos a escutar a voz humana e educamos nossos ou-
vidos para ouvir as coisas que não são ditas. Não podemos correr
o risco de deixar nossos alunos se tornarem reféns da pobreza de
ideias. Nossa essência pode ir muito além. A música pode ser uma
tentativa de melhorar essa situação de distanciamento do homem de
sua natureza. Mas, para que tal se dê, torna-se imprescindível uma
pausa, “um gesto de interrupção”, um momento de
[...] parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar,
pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais
devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-
-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo,
suspender a vontade, suspender o automatismo da ação,
cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvi-
dos [...] (LARROSA-BONDÍA, 2002, p. 24).
Segundo Pereira (2010, p. 44), Murray Schafer, em seu livro
A Afinação do Mundo (1977), nos faz um convite para essa pausa,
essa interrupção, esse parar para escutar: uma pausa na condução
do nosso ouvir. Estamos, nesta era de tantos avanços tecnológicos,

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submersos num mundo sonoro poluído. Isso nos deseduca e nos


dessensibiliza.
Mas como tornar a aula de música um “gesto de interrup-
ção”? Essa pergunta que nos faz Oliveira (2014, p. 111) pode ser
respondida em parte pela leitura um tanto poética que faz Larrosa-
-Bondía das experiências nossas de cada dia: para o autor (2002,
p. 24), é essencial lembrar que “[...] aquilo que acontece afeta de
algum modo, produz alguns afetos, inscreve algumas marcas, deixa
alguns vestígios, alguns efeitos”. E, mais que isso, é preciso ter em
mente que “[...] a experiência é uma paixão” (LARROSA-BON-
DÍA, 2002, p. 26).
A formação desse cidadão passa por seu olhar pelo mundo,
pela realidade em que se encontra e a procura por transfor-
mar essa realidade. [...] A arte possibilita um olhar atento e
reflexivo para dentro de nós mesmos e para a exterioridade
em que estamos com os outros (OLIVEIRA, 2015, p. 8).
“Aprender a ouvir” talvez seja um dos principais objetivos
do ensino de música. Murray Schafer teve continuamente a preocu-
pação de “[...] sempre levar os alunos a notar sons que na verdade
nunca haviam percebido, ouvir avidamente os sons de seu ambien-
te e ainda os que eles próprios injetavam nesse mesmo ambiente”
(SCHAFER, 1991, p. 67 apud TAVARES; CIT, 2013, p. 238).
[...] todo som pode ser música desde que alguém assim o
queira. O som de uma buzina de automóvel pode fazer
parte de uma composição musical. O silêncio de um vale
pode ser ouvido como música. Alguém pode afirmar que
o canto dos pássaros é música. Os sons que nos entornam
podem ser definidos como música. Em todos os três casos,
no entanto, existe a presença do ser humano, compondo,
ouvindo, afirmando, definindo. Os sons da natureza não
são música por si só, mas se tornam música em suas re-
lações quando o ser humano dá a eles o status de música
(TAVARES; CIT, 2013, p. 196).
Ainda de acordo com Schafer, para refinar nossa capacidade
auditiva, é necessário realizar uma “limpeza” nesse órgão do senti-
do: “Ao contrário de outros órgãos dos sentidos, os ouvidos são ex-
postos e vulneráveis. Os olhos podem ser fechados, se quisermos;
os ouvidos não, estão sempre abertos. Os olhos podem focalizar e

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apontar nossa vontade, enquanto os ouvidos captam todos os sons


do horizonte acústico em todas as direções” (SCHAFER, 1991, p.
67 apud TAVARES; CIT, 2013, p. 238).
Embora tomemos nossa percepção como predominan-
temente visual, estamos durante todos os dias de nossa
vida envoltos pelos sons. Nossos corpos são afetados ni-
tidamente por eles, e seus efeitos variam de uma tranqüi-
lização até altos índices de estimulação, podendo gerar,
inclusive, quadros de ansiedade e estresse. [...] A música,
julgada como estratégia de motivação do estado de espíri-
to, passa a ser ouvida, muitas vezes, sem nenhuma seleção
e nenhum questionamento sobre seus possíveis efeitos; ou
seja, é como se tomássemos altíssimas doses de remédios
sem saber a que doença se destina (PEREIRA, 2010, p.
31-32).
Principalmente hoje, com tantos aparelhos de TV ligados,
computadores on-line o tempo todo, carros, buzinas etc., nossas
crianças precisam urgentemente aprender técnicas de silêncio, para
que possam, ainda que no turbilhão em que transitam desde qua-
se seu nascimento, ter momentos de humanização de suas vidas.
Momentos de introspecção são momentos de contato com nossa
identidade, são momentos de aprender a ouvir o mundo.
A música auxilia no processo da alteridade, essencial à boa
convivência. Esse conceito significa dizer que nos construímos a
partir do olhar do outro, ou seja, é por meio do outro que temos
um referencial de quem somos. Colocando a questão em ambiente
escolar, pode-se afirmar que o processo de descoberta do outro, na
criança, precisa ser auxiliado pelo professor: é necessário que ela
perceba que existe o outro, “[...] existe o próximo – esse que não
sou eu, esse que é diferente de mim, mas que posso compreender,
ver e assimilar” (BAUDRILLARD, 2002 apud SKLIAR, 2003, p.
40).
Quando falamos neste sentido do papel formador do edu-
cador musical, seu esforço sistemático em dedicar-se ao
crescimento musical e humano integrado (seu e de seus
alunos), expressamos algo mais. Evocamos também uma
concepção filosófica, uma postura política e alguma co-
ragem, que dêem convicção à crença de que tudo o que

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é vivo tem movimento e o que se move possui direção e


comporta transformação (KATER, 2004, p. 45).
Alimentando essa música de sons cotidianos, de ilhas de si-
lêncio, dar-se-á um “enquadramento do cotidiano”, “enquadramen-
to temporal” (SHONO, 1987/88, p. 453 apud SANTOS, 2001, p.
13), no qual haverá sempre algo interessante para ver e ouvir; “Não
estou falando de nada especial, só de ouvido aberto, mente aberta
e saber apreciar os ruídos diários” (CAGE, 1985, p. 34 apud SAN-
TOS, 2001, p. 13-14). Para Cage (1976, p. 8 apud SANTOS, 2001,
p. 9), “[...] não há tal coisa como um espaço ou tempo vazio, sem-
pre há algo para ver, algo para ouvir”.

Ideias pedagógicas de Murray Schafer

Todo objeto na terra possui uma alma sonora – ou,


pelo menos, todo objeto que se move, soa.
Isso não quer dizer que produza um som sempre
encantador,
apenas que ele pode ser percebido
se pusermos os ouvidos para trabalhar
(SCHAFER, 2011, p. 94).

A proposta pedagógica do compositor e educador Murray


Schafer pode ser comparada à meditação oriental. Ele considera
que, na limpeza de ouvidos, os exercícios mais importantes “[...]
são os que ensinam o ouvinte a respeitar o silêncio” (SCHAFER,
2011, p. 291).
Schafer (2011) explora sonoridades, focando na percepção
auditiva. Além do desenvolvimento da escuta sonora do ambiente,
também investe no desenvolvimento da criação musical e propõe a
busca do papel da música na vida humana, hoje perdido ou desvir-
tuado pelo excesso de tecnologia.
Alguns conceitos de Schafer devem ser introduzidos em au-
las de música para que os alunos comecem seu aprendizado de au-
dição consciente daquilo que nos cerca. É preciso entender: paisa-

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gem sonora, limpeza de ouvidos, clariaudiência, ecologia acústica


e o silêncio.
A paisagem sonora refere-se aos sons que compõem o am-
biente: de fato, é a experiência de perceber os sons que nos rodeiam
que alicerça a educação musical de Schafer. Passa-se a ter ouvidos
que olham e olhos que escutam (SCHAFER, 2011). Afinal, “[...]
nossa vida é cercada de sons e de músicas, é preciso aprender a
ouvir” (FERREIRA, 2012, p. 26).
A esquizofonia trata do afastamento dos sons de seus contex-
tos. Há uma separação, hoje, em virtude da tecnologia, entre o som
e a fonte que o produz. Não vamos mais a uma sala de concertos
para ouvir música: hoje, temos CDs, celulares e afins para que tal
se dê.
A limpeza de ouvidos tem como consequência a expansão de
nossa percepção auditiva, que tem como finalidade a clariaudiên-
cia, ou seja, o desenvolvimento da percepção da escuta. O objetivo
de Schafer é que busquemos sons cada vez mais longe, sons que
nos levem a uma escuta mais profunda e cuidadosa.
A ecologia acústica seria o estudo do ambiente tratado por
meio dos sons. Nossos sentidos estão invadidos pelos sons am-
bientes. Eles “falam alto” e, quando nos damos conta disso, des-
cobrimos que somos reféns deles. Quando não queremos “ver”,
fechamos nossos olhos; mas nossa percepção auditiva não tem “pa-
redes”. Preste atenção quando os computadores e o ar condicionado
de sua sala de trabalho são desligados. E observe quando há uma
queda de energia no bairro: sua casa fica silenciosa. Porém, o silên-
cio, como ausência do som, é enganoso. Toda música é formada de
sons e silêncio. Retomemos o caso do compositor John Cage, que,
na peça 4’33”, faz com que o intérprete permaneça imóvel diante
do seu instrumento, em posição de execução, assim se mantendo
durante o tempo da obra (quatro minutos e trinta e três segundos).
Essa performance pretende demonstrar que o que torna um som
uma música é a intenção.
O passeio sonoro é uma atividade extremamente lúdica: cui-
da de apresentar aos alunos os sons do ambiente; “[...] tratar a pai-
sagem sonora do mundo como uma composição musical, da qual o

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homem é o principal compositor; e fazer julgamentos críticos que


levem à melhoria de sua qualidade” (SCHAFER, 2011, p. 273)
Para Schafer, de acordo com Abreu (2014, p. 189), a experi-
ência musical acontece interligada a três dimensões: a) a experiên-
cia estética, quando a relação entre o homem e o ambiente sonoro
deve se equivaler à experiência de se ouvir uma música; b) vivência
do sagrado: para Schafer, a arte é divina e a música é hierofania
(ato de manifestação do sagrado). Ou seja, Schafer propõe a sacra-
lização da realidade; c) ecologia: para Schafer, o ato de sacralizar
unifica o ser e o universo. Sintetizando, por meio da percepção “sa-
grada” da música, acontece a relação ecológica entre o homem e o
ambiente sonoro.

A Lei 11.769 de 2008 e a obrigatoriedade da música na escola

Em 2008, o governo tornou obrigatória a inclusão de conteú-


do relacionado à música na Educação Básica. Embora essa questão
não seja nova, uma vez que a temática foi sempre motivo de con-
trovérsias, novamente o impasse se coloca entre os professores de
nossas instituições de ensino. Afinal, quem vai ministrar aulas de
música? Um professor formado em educação musical? O regente
da sala de aula? Figueiredo (2010, [n.p.]) explicita essa situação,
recorrente nas instituições de ensino:
A questão do professor adequado para ensinar música na
escola ainda não está definida com toda a clareza neces-
sária, pois a lei 11.769/2008 é genérica; cabe aos estados
e municípios estabelecerem os detalhes desta questão. A
prática polivalente para o ensino das artes ainda está muito
presente nos sistemas educacionais brasileiros e, para vá-
rios deles, a nova lei não acrescenta modificações.
Na história do país, há mesmo registros de que os jesuítas
ensinavam música às crianças e aos jovens. Ainda que houvesse
um fundo de interesse catequizador, o certo é que essa prática foi
instrumento de educação. Outros educadores se preocuparam com
essa questão. Villa-Lobos, apenas para citar um deles, é uma prova
de que a música pode ser, sim, inserida e ter resultados fecundos em
ambientes escolares. Confabulam alguns: mas eram outros tempos,

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de nacionalismo exacerbado. Ora, diremos então: a cada tempo,


seus métodos.
A questão que se coloca é a seguinte: se já, desde séculos
anteriores, a música faz parte dos conteúdos da educação nacio-
nal, se o canto orfeônico, desenvolvido por Villa-Lobos, foi e con-
tinua sendo referência como modelo de educação musical (salvo
algumas restrições que uns e outros podem ter em relação a suas
metodologias e a seu idealismo político), se houve sempre, nas le-
tras pelo menos, a intenção de levar adiante uma educação, se não
musical especificamente, pelo menos uma educação artística, qual
a razão desse conteúdo ainda estar a engatinhar na grade curricular
de nossas escolas?
O fato é que as artes foram colocadas “[...] na área da emoção
que, por sua vez, seriam consideradas ‘menos relevantes’ na for-
mação escolar. A superficialização e a desvalorização das artes no
currículo provocaram uma lacuna considerável na educação escolar
de várias gerações” (FIGUEIREDO, 2010, [n.p.], grifo do autor).
Por essa e outras razões, desde a década de 70, vêm diminuin-
do as atividades musicais em sala de aula. A chamada “polivalên-
cia” (um professor para todas as linguagens artísticas), os salários
irrisórios, a falta de apoio material (leia-se instrumentos musicais)
e de espaço apropriado, inclusive, tudo isso dificultou (dificulta) o
processo da inserção da música na educação.
A LDB de 1996 indicou possibilidades de mudanças para
o ensino das artes que, de fato, ainda não se concretizaram
em todo o território nacional: a presença da polivalência e
a ausência de profissionais da área de música ainda é uma
realidade apresentada em pesquisas da área de educação
musical. Considerando que o próprio texto da LDB em seu
artigo 26 apresenta ambigüidades e permite diversas inter-
pretações, um grande movimento nacional foi deflagrado
com o objetivo de propor a revisão da legislação vigente
para incluir a música, de forma inequívoca, nos termos da
lei (FIGUEIREDO, 2010, [n.p.]).
Realmente, a(s) lei(s) deixa(m) ambiguidades sem solução.
Por exemplo, no caso de professor de artes de modo geral, quem
estará habilitado a assumir o conteúdo de música? E se for a dança?

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Ora, um professor de dança não está apto a ensinar música; um de


música também não está preparado para rodopiar pela sala como
um bom dançarino deveria fazer. E, assim, há outras situações em
que um profissional não está habilitado (apesar da boa vontade) a
exercer função para a qual não foi preparado. É a improvisação, tão
propalada pelos pedagogos musicais, mas que, no caso, não fun-
ciona bem. É preciso que sejam contratados profissionais para cada
área específica: “É fundamental que se desconstrua esta ideia de
que arte é um coletivo que deve ser ensinado por um único profis-
sional, ainda que seja salutar as suas interfaces com outros campos
do conhecimento” (FIGUEIREDO, 2010, [n.p.]).
O artigo 62 da Lei 9.394/96, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – LDBEN (BRASIL, 1996), indica a necessi-
dade de formação em curso superior de licenciatura para atuar na
Educação Básica como professor de música. A Lei 11.769, no en-
tanto, desconsidera o artigo 62 da LDB, possibilitando que “[...]
músicos pedagogicamente não habilitados possam ensinar música
em escolas” (SOBREIRA, 2008, p. 49 apud FIGUEIREDO, 2010,
[n.p.]).
A 11.769 altera o artigo 26 da LDBEN, acrescentando um
novo parágrafo, que estabelece a obrigatoriedade da música como
conteúdo na escola. Confira o artigo 26 da Lei 9.394/96: “O ensino
de arte é componente curricular obrigatório nos diversos níveis da
educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural
dos alunos” (BRASIL, 1996).
No entanto, apesar da lei supracitada e dos Parâmetros Cur-
riculares Nacionais (PCNs), as orientações se apresentam, dando
origem a interpretações diversas. Os textos deixam margem a du-
biedades, ficando muito vagos, muito no discurso, sem praticidade.
Para que a aprendizagem da música possa ser fundamental
na formação de cidadãos é necessário que todos tenham a
oportunidade de participar ativamente como ouvintes, in-
térpretes, compositores e improvisadores, dentro e fora da
sala de aula. Envolvendo pessoas de fora no enriquecimen-
to do ensino e promovendo interação com os grupos mu-
sicais e artísticos das localidades, a escola pode contribuir
para que os alunos se tornem ouvintes sensíveis, amadores

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talentosos ou músicos profissionais. Incentivando a parti-


cipação em shows, festivais, concertos, eventos da cultura
popular e outras manifestações musicais, ela pode propor-
cionar condições para uma apreciação rica e ampla onde
o aluno aprenda a valorizar os momentos importantes em
que a música se inscreve no tempo e na história. (BRASIL,
1997, p. 53).
Em suma, as diretrizes não direcionam de fato. Acerca dos
PCNs, Fonterrada (2008, p. 271, grifos do autor) faz uma análise
de suas premissas, corroborando a opinião geral de quase totalidade
dos profissionais da educação:
Ao examinar os Parâmetros Curriculares Nacionais, essa
indefinição da área da música torna-se evidente. Não se
quer dizer que sejam inconsistentes. Pelo contrário, são
bem-feitos e levantam questões pertinentes. No entanto,
é importante enfatizar que a ênfase do documento está na
formação de conceitos e não na prática musical, talvez pela
pouca tradição do ensino de música nas escolas brasilei-
ras, principalmemte a partir de 1971. A ausência, por tanto
tempo, da música na prática da educação artística tem le-
vado, com frequência, escolas, professores, pais e alunos
a verem a disciplina como “diversão” e “entretenimento”,
e não como possibilidade do fazer artístico e forma de co-
nhecimento.
Ou seja, tantas leis (inclusive a 9394/96) não provocaram
mudanças significativas nos currículos. É necessário modificar
isso, alterar esse quadro, fazer com que algo de concreto realize
as transformações decorrentes de um ensino musical que atenda às
necessidades de nosso alunado.
Porque a música, como costumamos repetir, não pode
continuar sendo considerada como uma atividade de ca-
ráter meramente estético, pois trata-se de uma experiência
multidimensional, um direito humano, que deveria estar
ao alcance de todas as pessoas, a partir de seu nascimento,
e por toda a vida (GAINZA, 2008 apud FONTERRADA,
2008, p. 23).
É urgente que busquemos levar como verdade a afirmação de
Baudrillard (2002, p. 83 apud SKLIAR, 2003, p. 39): em questões
de mudança, tudo é possível – “O que faz falta é uma metamorfose,
um acontecer”.

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Percepção sonora num mundo à beira do caos

O termo mais adequado para definir a realidade das escolas


diante da legislação talvez seja inadequação. Enquanto os signatá-
rios de preceitos relacionados ao sistema educacional asseveram,
por meio dos meios de comunicação, que as escolas estão funcio-
nando de acordo com o que determinam as leis por eles assinadas,
o que ocorre entre os muros escolares é a ausência de condições de
realizar o “ofertado” pelo governo. Um pouco desse desajuste tal-
vez esteja no fato de que quem assina essas leis esteja muito distan-
te da realidade das escolas. Enquanto propagam seu discurso de que
está tudo bem, as escolas amargam os dissabores de não consegui-
rem levar adiante os projetos governamentais, que, se bem estru-
turados, ofereceriam possibilidades de formação adequada a seus
alunos, não apenas em relação à música. O certo é que uma aula
de música, nas escolas que temos, não pode acontecer de forma a
produzir bons resultados. Afinal, como conter possíveis algaravias
decorrentes do prazer de cantar? No pátio, não se pode fazer baru-
lho, enquanto outras salas estão sendo atendidas por professores.
Escolher uma salinha escondida atrás da escola, empoeirada e mí-
nima, que bloqueia qualquer ato criativo? Resumindo: nem sempre
as leis assinadas, publicadas e dadas ao conhecimento dos cidadãos
conseguem, segundo Penna, Barros e Mello (2012, p. 67):
[...] repercutir sobre as práticas pedagógicas desenvolvi-
das. Por vezes, as intenções expressas nos documentos e
nas propostas não correspondem ao que é de fato realiza-
do, e a falta de equilíbrio entre os objetivos propriamente
musicais e as finalidades de caráter social pode acabar por
comprometer tais práticas de educação musical.
A Lei 11.769 é uma lei “para inglês ver”? Provavelmente,
nem tanto, uma vez que alguma alteração para melhor pôde ser ve-
rificada; porém, foram mudanças pontuais, que não afiançam tanta
publicidade em torno do assunto. A educação musical deve ter, en-
tre suas prioridades, a educação de todos os seus alunos, ainda que
julgados sem o “dom” da musicalidade. Nada de considerar a con-
cepção de que “[...] para o aluno pobre, o objetivo principal é estar
na escola; se aprender, é um bônus” (IOSCHPE, 2011, p. 109 apud

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PENNA; BARROS; MELLO, 2012, p. 72). A escola deve ser capaz


de promover a aquisição de habilidades e competências a todos os
alunos que compõem seu quadro. Nesse processo de inclusão so-
cial, encontra-se a educação musical.
O desacerto entre a legislação e as ações, entre a prática e a
teoria é preocupante.

3.  CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sendo a educação um processo demasiadamente complexo


para “caber” numa metodologia única, uma vez que os seres a se
educar são diversos, há que se ter cuidado com o professor/o curso
de uma teoria apenas. A diversidade humana vai muito além de
questões doutrinárias de tal ou qual pensador, de metodologias da
moda, de pensamentos encravados na mente de professor X ou Y.
É necessário – urgente – repensar o ensino e sua implantação
real no ambiente da escola, tornando sua prática mais um compo-
nente do processo ensino-aprendizagem. Sabemos que integrar a
teoria à prática na sala de aula é sempre um desafio. Porém, os de-
safios estão aí para serem testados... e vencidos, se possível.
Como fazer com que nossos alunos ouçam música de quali-
dade? Com a metodologia de Schafer, aplicada com afinco pelos
professores, pode ocorrer uma mudança no comportamento da clas-
se. É preciso conscientizá-los da necessidade de escutar, de fato, o
mundo a nosso redor. Não que se pretenda que deixem de ouvir o
gênero (?) de música a que estão acostumados; não, nossa ambição
se frustraria se fosse conduzida nesse sentido. O certo é que algo
precisa ser feito, alguma atitude tem de ser tomada. Não queremos
que saiam de nossas instituições de ensino mal sabendo o que é
música, mal distinguindo um som do outro, conhecendo apenas os
grupos que tocam o tempo todo nos seus aparelhos celulares, co-
nectados a seus ouvidos.
No entanto, apesar de tentativas no sentido de alterar essa
situação de carência estrutural nos estabelecimentos de ensino, es-
barra-se em outro problema crucial da educação brasileira. As leis

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são publicadas, as assessorias, graças aos meios de comunicação,


fazem alarde suficiente para que a publicidade dê a entender que
uma fada com varinha de condão transformou todo o ambiente es-
colar: fez de uma abóbora um laboratório de música com todos os
instrumentos necessários a uma boa condução de aulas referentes
à temática. O problema crucial é que não temos esse laboratório.
Nem temos professores preparados para assumir o encargo de mi-
nistrar aulas de música.
Ao final destas páginas, restam muitas dúvidas quanto ao fu-
turo da educação musical em nossas salas de aula. As leis e resolu-
ções referentes à temática deixam muitas lacunas e mais incertezas
e inconclusões que vislumbres plausíveis de possibilidades posi-
tivas. A teoria é boa; mas não avança na mesma proporção que a
necessidade de conhecimentos de nosso alunado.
Que o ensino de música em nossas escolas sirva para que
nunca se torne real uma elucubração de Schafer (2011, p. 131):
“[...] daqui a um século, quando o homem quiser fugir para um
local silencioso, pode ser que não tenha sobrado nenhum lugar para
onde ir”. Que, ao contrário, quando um aluno se referir à educação
musical que recebeu em sua escola, possa dizer como Guimarães
Rosa definiu em seu Pirlimpsiquice: “foi de oh” (ROSA, 1978, p.
54), querendo significar, com essa expressão, que sua vivência mu-
sical foi de “[...] espanto, maravilha, embevecimento” (ARAÚJO,
2014, p. 41).
A entrega profissional faz muita diferença no momento da
aula com as crianças; por isso, “[...] jogar, cantar, dançar, tocar e
dramatizar com elas pode ser muito produtivo!” (RANIRO, 2015,
p. 106). As metodologias dos pedagogos são um alicerce em que
se basear. Porém, a depender do contexto, a criatividade do pro-
fessor será testada a todo momento. No desenvolvimento (e envol-
vimento) do nosso trabalho como professor, tenhamos em mente
assertivas que se complementam: “[...] não é a assinatura de um
mestre ‘consagrado’ que irá garantir nossa prática cotidiana em sala
de aula” (PENNA, 1995, p. 82 apud FIGUEIREDO, 2012, p. 87,
grifo do autor); e, para que nossa prática se torne capaz de provocar

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transformações, há que se dedicar ao ensino “com muita existên-


cia” (ROSA, 1978, p. 60).

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